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<p>Tema: Psicologia, Ciências Humanas E Sociais, Psicologia Aplicada,</p><p>Psicologia Clínica, Psicologia Experimental, Corpo, Mente E Espírito</p><p>Palavras-chave: complexo, de, ego, id, inconsciente, superego, Édipo,</p><p>éipo</p><p>O Id, O Ego E O Superego - Freud Implica - 1ª Edição - Org. José</p><p>De Marqui - 2012</p><p>Número de páginas: 115</p><p>Edição: 1(2012)</p><p>1</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Tem este trabalho o objetivo de levar ao leitor um resumo do</p><p>que entendemos ser mais representativo sobre o que Freud diz de nossas</p><p>estruturas mentais: o ID, o EGO e o SUPEREGO.</p><p>Freud pontua: ”Topograficamente, a psicanálise considera o aparelho</p><p>mental como um instrumento composto, esforçando-se por determinar em</p><p>quais pontos dele ocorrem os vários processos mentais. De acordo com os</p><p>pontos de vista psicanalíticos mais recentes, o aparelho mental compõe-se de</p><p>um ‘id‘, que é o repositório dos impulsos instintuais, de um ‘ego‘, que é a parte</p><p>mais superficial do id e aquela que foi modificada pela influência do mundo</p><p>externo, e de um ‘superego‘, que se desenvolve do id, domina-o e representa</p><p>as inibições do instinto que são características do homem. A qualidade da</p><p>consciência, também, conta com uma referência topográfica, pois os</p><p>processos no id são inteiramente inconscientes, ao passo que a consciência é</p><p>a função da camada mais externa do ego, que se interessa pela percepção</p><p>do mundo externo.” Vol.XX, “PSICANÁLISE”(1926), pgs. 255 e 256.</p><p>Para tal, valemo-nos dos Vols. XIV e XVII a XXIII, da Edição Standard</p><p>Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, publicado</p><p>pela Imago ( Rio de Janeiro), em 1996.</p><p>Estes oito volumes somam aproximadamente 2300 páginas.</p><p>Condensando-as e destacando os tópicos que entendemos ser nucleares,</p><p>buscamos permitir ao leitor dela tomar conhecimento, sem ter de dispor de</p><p>um tempo que muitas vezes não possui. Como um passeio pelo Louvre,</p><p>quando temos apenas uma tarde para percorrê-lo: selecionamos para serem</p><p>vistas apenas as obras mais importantes.</p><p>Assim, resumimos os oito volumes a aproximadamente cem páginas.</p><p>Caso ainda o leitor entenda ser muito extenso, poderá ater-se aos trechos</p><p>destacados em negrito.</p><p>2</p><p>Entendemos que, se não pelo todo, ao menos por esta citação: ...”As</p><p>experiências do ego parecem, a princípio, estar perdidas para a herança;</p><p>mas, quando se repetem com bastante freqüência e com intensidade</p><p>suficiente em muitos indivíduos, em gerações sucessivas, transformam-</p><p>se, por assim dizer, em experiências do id, cujas impressões são</p><p>preservadas por herança. Dessa maneira, no id, que é capaz de ser</p><p>herdado, acham-se abrigados resíduos das existências de incontáveis</p><p>egos; e quando o ego forma o seu superego a partir do id, pode talvez</p><p>estar apenas revivendo formas de antigos egos e ressuscitando-as.”</p><p>Vol.XIX, “O EGO E O ID”, pg 51., o resumo se justifica. Ele insere nossos</p><p>atos, quaisquer que sejam, em uma corrente que nos liga a todos e a tudo.</p><p>Somos, assim, responsáveis, sempre, não só por nós mesmos, mas por toda</p><p>a humanidade.</p><p>Algumas vezes fomos tentados a não transcrever alguns</p><p>trechos, para que o resumo não ficasse tão longo. Mas, como é difícil</p><p>selecionar trechos de Freud!... é quase como, para um cristão, pinçar da</p><p>Bíblia o que seria, para ele, o mais interessante. Soa a sacrilégio!</p><p>Procuramos, então, selecionar apenas aquilo que entendemos ser</p><p>mais significativo.</p><p>Transcrevi os textos seguindo a linha do tempo, do mais antigo ao</p><p>mais recente. Pode-se assim, acompanhar a evolução do pensamento</p><p>freudiano.</p><p>Outra pequena ousadia foi a de destacar em negrito os trechos</p><p>indispensáveis.</p><p>Caso o leitor se interesse, poderá adquirir este livro e outros</p><p>do mesmo autor, por via impressa ou virtual, no site :</p><p>www.clubedeautores.com.br. Busque por José De Marqui.</p><p>http://www.clubedeautores.com.br/</p><p>3</p><p>VOL.XIV</p><p>...”O desenvolvimento do ego consiste num afastamento do</p><p>narcisismo primário e dá margem a uma vigorosa tentativa de recuperação</p><p>desse estado. Esse afastamento é ocasionado pelo deslocamento da libido</p><p>em direção a um ideal do ego imposto de fora, sendo a satisfação provocada</p><p>pela realização desse ideal.</p><p>Ao mesmo tempo, o ego emite as catexias objetais libidinais. Torna-</p><p>se empobrecido em benefício dessas catexias, do mesmo modo que o faz em</p><p>benefício do ideal do ego, e se enriquece mais uma vez a partir de suas</p><p>satisfações no tocante ao objeto, do mesmo modo que o faz, realizando seu</p><p>ideal.</p><p>Uma parte da auto-estima é primária - o resíduo do narcisismo</p><p>infantil; outra parte decorre da onipotência que é corroborada pela experiência</p><p>(a realização do ideal do ego), enquanto uma terceira parte provém da</p><p>satisfação da libido-objetal.</p><p>O ideal do ego impõe severas condições à satisfação da libido por</p><p>meio de objetos, pois ele faz com que alguns deles sejam rejeitados por seu</p><p>censor como sendo incompatíveis onde não se formou tal ideal, a tendência</p><p>sexual em questão aparece inalterada na personalidade sob a forma de uma</p><p>perversão. Tornar a ser seu próprio ideal, como na infância, no que diz</p><p>respeito às tendências sexuais não menos do que às outras - isso é o</p><p>que as pessoas se esforçam por atingir como sendo sua felicidade.</p><p>O estar apaixonado consiste num fluir da libido do ego em</p><p>direção ao objeto. Tem o poder de remover as repressões e de reinstalar</p><p>as perversões. Exalta o objeto sexual transformando-o num ideal sexual.</p><p>Visto que, com o tipo objetal (ou tipo de ligação), o estar apaixonado</p><p>ocorre em virtude da realização das condições infantis para amar,</p><p>podemos dizer que qualquer coisa que satisfaça essa condição é</p><p>4</p><p>idealizada.</p><p>O ideal sexual pode fazer parte de uma interessante relação auxiliar</p><p>com o ideal do ego. Ele pode ser empregado para satisfação substitutiva</p><p>onde a satisfação narcisista encontra reais entraves. Nesse caso, uma</p><p>pessoa amará segundo o tipo narcisista de escolha objetal: amará o que foi</p><p>outrora e não é mais, ou então o que possui as excelências que ela jamais</p><p>teve. A fórmula paralela à que se acaba de mencionar diz o seguinte: o que</p><p>possui a excelência que falta ao ego para torná-lo ideal é amado. Esse</p><p>expediente é de especial importância para o neurótico, que, por causa de</p><p>suas excessivas catexias objetais, é empobrecido em seu ego, sendo incapaz</p><p>de realizar seu ideal do ego. Ele procura então retornar, de seu pródigo</p><p>dispêndio da libido em objetos, ao narcisismo, escolhendo um ideal sexual</p><p>segundo o tipo narcisista que possui as excelências que ele não pode atingir.</p><p>Isso é a cura pelo amor.” VOL.XIV, SOBRE O NARCISISMO: UMA</p><p>INTRODUÇÃO (1914). PGS.106 e 107.</p><p>...”nossa vida mental como um todo se rege por três polaridades, as</p><p>antíteses</p><p>Sujeito (ego) - Objeto (mundo externo),</p><p>Prazer - Desprazer, e</p><p>Ativo - Passivo.</p><p>(...)As três polaridades da mente estão ligadas umas às outras de</p><p>várias maneiras altamente significativas. Existe uma situação psíquica</p><p>primordial na qual duas delas coincidem. Originalmente, no próprio começo</p><p>da vida mental, o ego é catexizado com os instintos, sendo, até certo ponto,</p><p>capaz de satisfazê-los em si mesmo. Denominamos essa condição de</p><p>‘narcisismo’, e essa forma de obter satisfação, de ‘auto-erótica’. Nessa</p><p>ocasião, o mundo externo não é catexizado com interesse (num sentido</p><p>geral), sendo indiferente aos propósitos de satisfação. Durante esse período,</p><p>portanto, o sujeito do ego coincide com o que é agradável, e o mundo</p><p>5</p><p>externo, com o que é indiferente (ou possivelmente desagradável, como</p><p>sendo uma fonte de estimulação). Se por enquanto definimos o amar como</p><p>a relação do ego com suas fontes de prazer, a situação na qual o ego</p><p>ama somente a si próprio e é indiferente ao mundo externo, ilustra o</p><p>primeiro dos opostos que encontramos para ‘o amor’.</p><p>Na medida em que o ego é auto-erótico, não necessita do mundo</p><p>externo, mas, em conseqüência das experiências sofridas pelos instintos de</p><p>autopreservação, ele</p><p>mutatis mutandis, quanto à identificação materna. A intensidade</p><p>relativa das duas identificações em qualquer indivíduo refletirá a</p><p>preponderância nele de uma ou outra das duas disposições sexuais.</p><p>O amplo resultado geral da fase sexual dominada pelo complexo de</p><p>Édipo pode, portanto, ser tomada como sendo a formação de um precipitado</p><p>no ego, consistente dessas duas identificações unidas uma com a outra de</p><p>alguma maneira. Esta modificação do ego retém a sua posição especial; ela</p><p>se confronta com os outros conteúdos do ego como um ideal do ego ou</p><p>superego.</p><p>O superego, contudo, não é simplesmente um resíduo das</p><p>primitivas escolhas objetais do id; ele também representa uma formação</p><p>reativa enérgica contra essas escolhas. A sua relação com o ego não se</p><p>exaure com o preceito: ‘Você deveria ser assim (como o seu pai)’. Ela</p><p>também compreende a proibição: ‘Você não pode ser assim (como o seu</p><p>pai), isto é, você não pode fazer tudo o que ele faz; certas coisas são</p><p>prerrogativas dele.’ Esse aspecto duplo do ideal do ego deriva do fato de</p><p>que o ideal do ego tem a missão de reprimir o complexo de Édipo; em</p><p>verdade, é a esse evento revolucionário que ele deve a sua existência. É</p><p>claro que a repressão do complexo de Édipo não era tarefa fácil. Os pais da</p><p>40</p><p>criança, e especialmente o pai, eram percebidos como obstáculo a uma</p><p>realização dos desejos edipianos, de maneira que o ego infantil fortificou-se</p><p>para a execução da repressão erguendo esse mesmo obstáculo dentro de si</p><p>próprio. Para realizar isso, tomou emprestado, por assim dizer, força ao pai, e</p><p>este empréstimo constituiu um ato extraordinariamente momentoso. O</p><p>superego retém o caráter do pai, enquanto que quanto mais poderoso o</p><p>complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão (sob a</p><p>influência da autoridade do ensino religioso, da educação escolar e da</p><p>leitura), mais severa será posteriormente a dominação do superego</p><p>sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez, de um</p><p>sentimento inconsciente de culpa." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 44 a</p><p>46.</p><p>..." a diferenciação do superego a partir do ego não é questão de</p><p>acaso; ela representa as características mais importantes do desenvolvimento</p><p>tanto do indivíduo quanto da espécie; em verdade, dando expressão</p><p>permanente à influência dos pais, ela perpetua a existência dos fatores a que</p><p>deve sua origem. VOL.XIX, “O EGO E O ID”, "PG.48.</p><p>..." O ideal do ego, portanto, é o herdeiro do complexo de Édipo,</p><p>e, assim, constitui também a expressão dos mais poderosos impulsos e das</p><p>mais importantes vicissitudes libidinais do id. Erigindo esse ideal do ego, o</p><p>ego dominou o complexo de Édipo e, ao mesmo tempo, colocou-se em</p><p>sujeição ao id. Enquanto que o ego é essencialmente o representante do</p><p>mundo externo, da realidade, o superego coloca-se, em contraste com</p><p>ele, como representante do mundo interno, do id. Os conflitos entre o</p><p>ego e o ideal, como agora estamos preparados para descobrir, em</p><p>última análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico,</p><p>entre o mundo externo e o mundo interno.</p><p>Através da formação do ideal, o que a biologia e as vicissitudes da</p><p>41</p><p>espécie humana criaram no id e neste deixaram atrás de si, é assumido pelo</p><p>ego e reexperimentado em relação a si próprio como indivíduo. Devido à</p><p>maneira pela qual o ideal do ego se forma, ele possui os vínculos mais</p><p>abundantes com a aquisição filogenética de cada indivíduo - a sua herança</p><p>arcaica. O que pertencia à parte mais baixa da vida mental de cada um de</p><p>nós é transformado, mediante a formação do ideal no que é mais elevado na</p><p>mente humana pela nossa escala de valores....o ideal do ego responde a</p><p>tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem. Como</p><p>substituto de um anseio pelo pai, ele contém o germe do qual todas as</p><p>religiões evolveram. O autojulgamento que declara que o ego não alcança o</p><p>seu ideal, produz o sentimento religioso de humildade a que o crente apela</p><p>em seu anseio. À medida que uma criança cresce, o papel do pai é</p><p>exercido pelos professores e outras pessoas colocadas em posição de</p><p>autoridade; suas injunções e proibições permanecem poderosas no ideal do</p><p>ego e continuam, sob a forma de consciência (conscience), a exercer a</p><p>censura moral. A tensão entre as exigências da consciência e os</p><p>desempenhos concretos do ego é experimentada como sentimento de</p><p>culpa. Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras</p><p>pessoas, na base de possuírem o mesmo ideal do ego.” VOL.XIX, “O</p><p>EGO E O ID”, PGS.48 e 49.</p><p>...” os sentimentos sociais surgem no indivíduo como uma</p><p>superestrutura construída sobre impulsos de rivalidade ciumenta contra seus</p><p>irmãos e irmãs. Visto que a hostilidade não pode ser satisfeita, desenvolve-se</p><p>uma identificação com o rival anterior. O estudo de casos brandos de</p><p>homossexualidade confirma a suspeita de que também neste caso a</p><p>identificação constitui substituto de uma escolha objetal afetuosa que ocupou</p><p>o lugar da atitude hostil, agressiva.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.50.</p><p>42</p><p>...”nenhuma vicissitude externa pode ser experimentada ou sofrida</p><p>pelo id, exceto por via do ego, que é o representante do mundo externo para</p><p>o id.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.50.</p><p>...”não se deve tomar a diferença entre ego e id num sentido</p><p>demasiado rígido, nem esquecer que o ego é uma parte especialmente</p><p>diferenciada do id.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.51.</p><p>...”As experiências do ego parecem, a princípio, estar perdidas</p><p>para a herança; mas, quando se repetem com bastante freqüência e com</p><p>intensidade suficiente em muitos indivíduos, em gerações sucessivas,</p><p>transformam-se, por assim dizer, em experiências do id, cujas</p><p>impressões são preservadas por herança. Dessa maneira, no id, que é</p><p>capaz de ser herdado, acham-se abrigados resíduos das existências de</p><p>incontáveis egos; e quando o ego forma o seu superego a partir do id,</p><p>pode talvez estar apenas revivendo formas de antigos egos e</p><p>ressuscitando-as.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.51.</p><p>...” A maneira pela qual o superego surge explica como é que os</p><p>primitivos conflitos do ego com as catexias objetais do id podem ser</p><p>continuados em conflitos com o seu herdeiro, o superego. Se o ego não</p><p>alcançou êxito em dominar adequadamente o complexo de Édipo, a</p><p>catexia energética do último, originando-se do id, mais uma vez irá atuar</p><p>na formação reativa do ideal do ego. A comunicação abundante entre o</p><p>ideal e esses impulsos instintuais do Ics. soluciona o enigma de como é que o</p><p>próprio ideal pode, em grande parte, permanecer inconsciente e inacessível</p><p>ao ego. O combate que outrora lavrou nos estratos mais profundos da mente,</p><p>e que não chegou ao fim devido à rápida sublimação e identificação, é agora</p><p>continuado numa região mais alta, como a Batalha dos Hunos na pintura de</p><p>43</p><p>Kaulbach.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.51.</p><p>...” Já dissemos que, se a diferenciação que efetuamos na mente de</p><p>um id, um ego e um superego, representa qualquer progresso em nosso</p><p>conhecimento, deveria capacitar-nos a compreender mais integralmente as</p><p>relações dinâmicas dentro da mente e a descrevê-las mais claramente. Já</p><p>concluímos também que o ego se acha especialmente sob a influência da</p><p>percepção e que, falando de modo geral, pode-se dizer que as</p><p>percepções têm para o ego a mesma significação que os instintos têm</p><p>para o id. Ao mesmo tempo, o ego está sujeito também à influência dos</p><p>instintos, tal como o id, do qual, como sabemos, é somente uma parte</p><p>especialmente modificada.</p><p>Desenvolvi ultimamente uma visão dos instintos..Segundo essa visão,</p><p>temos de distinguir duas classes de instintos, uma das quais, os instintos</p><p>sexuais ou Eros, é, de longe, a mais conspícua e acessível ao estudo. Ela</p><p>abrange não apenas o instinto sexual desinibido propriamente dito e os</p><p>impulsos instintuais de natureza inibida quanto ao objetivo ou</p><p>sublimada que dele derivam, mas</p><p>também o instinto autopreservativo,</p><p>que deve ser atribuído ao ego... A segunda classe de instintos não foi tão</p><p>fácil de indicar; ao final, viemos a reconhecer o sadismo como seu</p><p>representante. Com base em considerações teóricas, apoiadas pela biologia,</p><p>apresentamos a hipótese de um instinto de morte, cuja tarefa é conduzir a</p><p>vida orgânica de volta ao estado inanimado; por outro lado, imaginamos</p><p>que Eros, por ocasionar uma combinação de conseqüências cada vez</p><p>mais amplas das partículas em que a substância viva se acha dispersa,</p><p>visa a complicar a vida e, ao mesmo tempo, naturalmente, a preservá-la.</p><p>Agindo dessa maneira, ambos os instintos seriam conservadores no</p><p>sentido mais estrito da palavra, visto que ambos estariam se esforçando</p><p>para restabelecer um estado de coisas que foi perturbado pelo</p><p>44</p><p>surgimento da vida. O surgimento da vida seria, então, a causa da</p><p>continuação da vida e também, ao mesmo tempo, do esforço no sentido da</p><p>morte. E a própria vida seria um conflito e uma conciliação entre essas duas</p><p>tendências...Ambos os tipos de instinto estariam ativos em toda partícula</p><p>de substância viva, ainda que em proporções desiguais, de maneira que</p><p>determinada substância poderia ser o principal representante de Eros.”</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS.53 e 54.</p><p>...” Uma vez que tenhamos admitido a idéia de uma fusão das duas</p><p>classes de instintos uma com a outra, a possibilidade de uma ‘desfusão’ -</p><p>mais ou menos completa - se impõe a nós...Percebemos que, para fins de</p><p>descarga, o instinto de destruição é habitualmente colocado a serviço de</p><p>Eros; ... É natural que voltemos a indagar com interesse se não poderia haver</p><p>vinculações instrutivas a serem traçadas entre, de um lado, as estruturas que</p><p>presumimos existir - o ego, o superego e o id - e, de outro, as duas classes de</p><p>instintos; e, além disso, se se poderia demonstrar que o princípio de prazer</p><p>que domina os processos mentais tem alguma relação constante tanto com</p><p>as duas classes de instintos quanto com essas diferenciações que traçamos</p><p>na mente.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS.54 e 55.</p><p>...” Se essa energia deslocável é libido dessexualizada, ela também</p><p>pode ser descrita como energia sublimada, pois ainda reteria a finalidade</p><p>principal de Eros - a de unir e ligar - na medida em que auxilia no sentido</p><p>de estabelecer a unidade, ou tendência à unidade, que é particularmente</p><p>característica do ego. Se os processos de pensamento, no sentido mais</p><p>amplo, devem ser incluídos entre esses deslocamentos, então a atividade de</p><p>pensar é também suprida pela sublimação de forças motivadoras eróticas.”</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG. 58.</p><p>...” Chegamos aqui novamente à possibilidade...de que a sublimação</p><p>45</p><p>pode efetuar-se regularmente através da mediação do ego. ... A</p><p>transformação [de libido erótica] em libido do ego naturalmente envolve um</p><p>abandono de objetivos sexuais, uma dessexualização. De qualquer modo,</p><p>isto lança luz sobre uma importante função do ego em sua relação com Eros.</p><p>Apoderando-se assim da libido das catexias do objeto, erigindo-se em objeto</p><p>amoroso único, e dessexualizando ou sublimando a libido do id, o ego está</p><p>trabalhando em oposição aos objetivos de Eros e colocando-se a serviço de</p><p>impulsos instintuais opostos. Ele tem de aquiescer em algumas das outras</p><p>catexias objetais do id; tem, por assim dizer, de participar delas... Bem no</p><p>início, toda a libido está acumulada no id, enquanto que o ego ainda se acha</p><p>em processo de formação ou ainda é fraco. O id envia parte dessa libido para</p><p>catexias objetais eróticas; em conseqüência, o ego, agora tornado forte, tenta</p><p>apoderar-se dessa libido do objeto e impor-se ao id como objeto amoroso.”</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.58.</p><p>... os instintos de morte são, por sua natureza, mudos, e que o clamor</p><p>da vida procede, na maior parte, de Eros.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.59.</p><p>...” Dificilmente se pode duvidar que o princípio de prazer serve ao id</p><p>como bússola em sua luta contra a libido - a força que introduz distúrbios</p><p>no processo de vida. Se é verdade que o princípio de constância de</p><p>Fechner governa a vida, que assim consiste numa descida contínua em</p><p>direção à morte, são as reivindicações de Eros, dos instintos sexuais, que,</p><p>sob a forma de necessidades instintuais, mantêm o nível que tende a baixar e</p><p>introduzem novas tensões. O id, guiado pelo princípio de prazer - isto é,</p><p>pela percepção de desprazer - desvia essas tensões de diversas</p><p>maneiras. Em primeiro lugar, anuindo tão rapidamente quanto possível às</p><p>exigências da libido não dessexualizada - esforçando-se pela satisfação das</p><p>tendências diretamente sexuais. Mas ele o faz de modo muito mais</p><p>46</p><p>abrangente em relação a certa forma específica de satisfação, em que todas</p><p>as exigências componentes convergem - pela descarga das substâncias</p><p>sexuais, que são veículos saturados, por assim dizer, de tensões eróticas. A</p><p>ejeção das substâncias sexuais no ato sexual corresponde, em certo sentido,</p><p>à separação do soma e do plasma germinal. Isto explica a semelhança do</p><p>estado que se segue à satisfação sexual completa com o ato de morrer,</p><p>e o fato de a morte coincidir com o ato da cópula em alguns dos animais</p><p>inferiores. Essas criaturas morrem no ato da reprodução porque, após</p><p>Eros ter sido eliminado através do processo de satisfação, o instinto de</p><p>morte fica com as mãos livres para realizar seus objetivos. Finalmente,</p><p>como vimos, o ego, sublimando um pouco da libido para si próprio e para</p><p>seus propósitos, auxilia o id em seu trabalho de dominar as tensões.”</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 59 e 60.</p><p>...” temos afirmado repetidamente que o ego é formado, em grande</p><p>parte, a partir de identificações que tomam o lugar de catexias abandonadas</p><p>pelo id; que a primeira dessas identificações sempre se comporta como uma</p><p>instância especial no ego e dele se mantém à parte sob a forma de um</p><p>superego: enquanto que, posteriormente, à medida que fica mais forte, o ego</p><p>pode tornar-se mais resistente às influências de tais identificações. O</p><p>superego deve sua posição especial no ego, ou em relação ao ego, a um</p><p>fator que deve ser considerado sob dois aspectos: por um lado, ele foi a</p><p>primeira identificação, uma identificação que se efetuou enquanto o ego</p><p>ainda era fraco; por outro, é o herdeiro do complexo de Édipo e, assim,</p><p>introduziu os objetos mais significativos no ego. A relação do superego</p><p>com as alterações posteriores do ego é aproximadamente semelhante à da</p><p>fase sexual primária da infância com a vida sexual posterior, após a</p><p>puberdade. Embora ele seja acessível a todas as influências posteriores,</p><p>preserva, não obstante, através de toda a vida, o caráter que lhe foi dado</p><p>47</p><p>por sua derivação do complexo paterno - a saber, a capacidade de</p><p>manter-se à parte do ego e dominá-lo. Ele constitui uma lembrança da</p><p>antiga fraqueza e dependência do ego, e o ego maduro permanece</p><p>sujeito à sua dominação. Tal como a criança esteve um dia sob a</p><p>compulsão de obedecer aos pais, assim o ego se submete ao imperativo</p><p>categórico do seu superego.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.61.</p><p>...” Mas a derivação do superego a partir das primeiras catexias</p><p>objetais do id, a partir do complexo de Édipo, significa ainda mais para ele.</p><p>Essa derivação..., coloca-o em relação com as aquisições filogenéticas do id</p><p>e torna-o uma reencarnação de antigas estruturas do ego que deixaram os</p><p>seus precipitados atrás de si no id. Assim, o superego acha-se sempre</p><p>próximo do id e pode atuar como seu representante vis-à-vis do ego. Ele</p><p>desce fundo no id e, por essa razão, acha-se mais distante da</p><p>consciência (consciousness) que o ego.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.61.</p><p>...” Uma interpretação do sentimento de culpa normal, consciente</p><p>(consciência), não apresenta dificuldades; ele se baseia na tensão existente</p><p>entre o ego e o ideal do ego, sendo expressão de uma condenação do ego</p><p>pela sua instância</p><p>crítica.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, Pg.63.</p><p>...” grande parte do sentimento de culpa deve normalmente</p><p>permanecer inconsciente, pois a origem da consciência (conscience) acha-se</p><p>intimamente vinculada ao complexo de Édipo, que pertence ao inconsciente.”</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.64.</p><p>...” Constituiu uma surpresa descobrir que um aumento nesse</p><p>sentimento de culpa Ics. pode transformar pessoas em criminosos. Mas isso</p><p>indubitavelmente é um fato. Em muitos criminosos, especialmente nos</p><p>48</p><p>principiantes, é possível detectar um sentimento de culpa muito poderoso,</p><p>que existia antes do crime, e, portanto, não é o seu resultado, mas sim o seu</p><p>motivo. É como se fosse um alívio poder ligar esse sentimento inconsciente</p><p>de culpa a algo real e imediato. Em todas essas situações, o superego exibe</p><p>sua independência do ego consciente e suas relações íntimas com o id</p><p>inconsciente.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.65.</p><p>...” Como é que o superego se manifesta essencialmente como</p><p>sentimento de culpa (ou melhor, como crítica - pois o sentimento de culpa é a</p><p>percepção no ego que responde a essa crítica) e, além disso, desenvolve tão</p><p>extraordinária rigidez e severidade para com o ego? Se nos voltarmos</p><p>primeiramente para a melancolia, descobrimos que o superego</p><p>excessivamente forte que conseguiu um ponto de apoio na consciência dirige</p><p>sua ira contra o ego com violência impiedosa, como se tivesse se apossado</p><p>de todo o sadismo disponível na pessoa em apreço. Seguindo nosso ponto de</p><p>vista sobre o sadismo, diríamos que o componente destrutivo entrincheirou-se</p><p>no superego e voltou-se contrao ego. O que está influenciando agora o</p><p>superego é, por assim dizer, uma cultura pura do instinto de morte e, de</p><p>fato, ela com bastante freqüência obtém êxito em impulsionar o ego à</p><p>morte, se aquele não afasta o seu tirano a tempo, através da mudança</p><p>para a mania.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 65 e 66.</p><p>...” Podemos perceber que o que garante a segurança do ego é o fato</p><p>de o objeto ter sido retido. Na neurose obsessiva tornou-se possível -</p><p>mediante uma regressão à organização pré-genital - aos impulsos amorosos</p><p>transformarem-se em impulsos de agressividade contra o objeto. Aqui, o</p><p>instinto de destruição foi liberado e mais uma vez busca destruir o objeto, ou,</p><p>pelo menos, parece ter essa intenção. Esses objetivos não foram adotados</p><p>pelo ego, e este luta contra eles com formações reativas e medidas</p><p>49</p><p>precautórias; eles permanecem no id. O superego, contudo, comporta-se</p><p>como se o ego fosse responsável por eles e demonstra, ao mesmo tempo,</p><p>pela seriedade com que pune essas intenções destrutivas, que elas não são</p><p>meras aparências evocadas pela regressão, mas uma substituição real do</p><p>amor pelo ódio. Impotente em ambas as direções, o ego se defende em vão,</p><p>tanto das instigações do id assassino quanto das censuras da</p><p>consciência punitiva. Ele consegue manter sob controle pelo menos as</p><p>ações mais brutais de ambos os lados; o primeiro resultado é um auto-</p><p>suplício interminável, e eventualmente segue-se uma tortura sistemática</p><p>do objeto, na medida em que este estiver ao alcance.” VOL.XIX, “O EGO</p><p>E O ID”, PG.66.</p><p>...” Como é que o superego se manifesta essencialmente como</p><p>sentimento de culpa (ou melhor, como crítica - pois o sentimento de culpa é a</p><p>percepção no ego que responde a essa crítica) e, além disso, desenvolve tão</p><p>extraordinária rigidez e severidade para com o ego? Se nos voltarmos</p><p>primeiramente para a melancolia, descobrimos que o superego</p><p>excessivamente forte que conseguiu um ponto de apoio na consciência dirige</p><p>sua ira contra o ego com violência impiedosa, como se tivesse se apossado</p><p>de todo o sadismo disponível na pessoa em apreço. Seguindo nosso ponto de</p><p>vista sobre o sadismo, diríamos que o componente destrutivo entrincheirou-se</p><p>no superego e voltou-se contrao ego. O que está influenciando agora o</p><p>superego é, por assim dizer, uma cultura pura do instinto de morte e, de fato,</p><p>ela com bastante freqüência obtém êxito em impulsionar o ego à morte, se</p><p>aquele não afasta o seu tirano a tempo, através da mudança para a mania.</p><p>As censuras da consciência em certas formas de neurose obsessiva</p><p>são também aflitivas e atormentadoras, mas aqui a situação é menos</p><p>manifesta. É digno de nota que o neurótico dá o passo para a autodestruição;</p><p>é como se ele estivesse imune ao perigo de suicídio e se achasse muito mais</p><p>50</p><p>bem protegido contra ele que o histérico. Podemos perceber que o que</p><p>garante a segurança do ego é o fato de o objeto ter sido retido. Na neurose</p><p>obsessiva tornou-se possível - mediante uma regressão à organização pré-</p><p>genital - aos impulsos amorosos transformarem-se em impulsos de</p><p>agressividade contra o objeto. Aqui, o instinto de destruição foi liberado e</p><p>mais uma vez busca destruir o objeto, ou, pelo menos, parece ter essa</p><p>intenção. Esses objetivos não foram adotados pelo ego, e este luta contra</p><p>eles com formações reativas e medidas precautórias; eles permanecem no id.</p><p>O superego, contudo, comporta-se como se o ego fosse responsável por eles</p><p>e demonstra, ao mesmo tempo, pela seriedade com que pune essas</p><p>intenções destrutivas, que elas não são meras aparências evocadas pela</p><p>regressão, mas uma substituição real do amor pelo ódio. Impotente em</p><p>ambas as direções, o ego se defende em vão, tanto das instigações do id</p><p>assassino quanto das censuras da consciência punitiva. Ele consegue manter</p><p>sob controle pelo menos as ações mais brutais de ambos os lados; o primeiro</p><p>resultado é um auto-suplício interminável, e eventualmente segue-se uma</p><p>tortura sistemática do objeto, na medida em que este estiver ao alcance.</p><p>Os perigosos instintos de morte são tratados no indivíduo de diversas</p><p>maneiras: em parte são tornados inócuos por sua fusão com componentes</p><p>eróticos; em parte são desviados para o mundo externo sob a forma de</p><p>agressividade; enquanto que em grande parte continuam, sem dúvida, seu</p><p>trabalho interno sem estorvo. Então, como é que na melancolia o superego</p><p>pode tornar-se uma espécie de lugar de reunião para os instintos de</p><p>morte?</p><p>Do ponto de vista do controle instintual, da moralidade, pode-se</p><p>dizer do id que ele é totalmente amoral; do ego, que se esforça por ser</p><p>moral, e do superego que pode ser supermoral e tornar-se então tão</p><p>cruel quanto somente o id pode ser. É notável que, quanto mais um</p><p>homem controla a sua agressividade para com o exterior, mais severo - isto é,</p><p>51</p><p>agressivo - ele se torna em seu ideal do ego. A opinião comum vê a situação</p><p>do outro lado; o padrão erigido pelo ideal do ego parece ser o motivo para a</p><p>supressão da agressividade. Permanece, contudo, o fato de que, como</p><p>afirmamos, quanto mais um homem controla a sua agressividade, mais</p><p>intensa se torna a inclinação de seu ideal à agressividade contra seu</p><p>ego. É como um deslocamento, uma volta contra seu próprio ego. Mas</p><p>mesmo a moralidade normal e comum possui uma qualidade</p><p>severamente restritiva, cruelmente proibidora. É disso, em verdade, que</p><p>surge a concepção de um ser superior que distribui castigos</p><p>inexoravelmente.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 65 a 67.</p><p>...” O superego surge, como sabemos, de uma identificação com</p><p>o pai tomado como modelo. Toda identificação desse tipo tem a natureza</p><p>de uma dessexualização ou mesmo de uma sublimação.” VOL.XIX, “O EGO</p><p>E O ID”, PG.67.</p><p>...” Vemos agora o ego em sua força e em suas fraquezas. Está</p><p>encarregado de importantes funções. Em virtude de sua relação com o</p><p>sistema perceptivo, ele dá aos processos mentais uma ordem temporal e</p><p>submete-os ao ‘teste da realidade’. Interpondo os processos de pensamento,</p><p>assegura um adiamento das descargas motoras e controla o acesso à</p><p>motilidade.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS 67 e 68.</p><p>...” Todas as experiências da vida que se originam do exterior</p><p>enriquecem o ego; o id, contudo, é o seu segundo mundo externo, que ele se</p><p>esforça por colocar em</p><p>sujeição a si. Ele retira libido do id e transforma as</p><p>catexias objetais deste em estruturas do ego. Com a ajuda do superego, de</p><p>uma maneira que ainda nos é obscura, ele se vale das experiências de época</p><p>passadas armazenadas no id .</p><p>52</p><p>Há dois caminhos pelos quais os conteúdos do id podem penetrar no</p><p>ego. Um é direto, o outro por intermédio do ideal do ego; seja qual for destes</p><p>dois o caminho tomado, pode ser de importância decisiva para certas</p><p>atividades mentais. O ego evolui da percepção para o controle dos</p><p>instintos, da obediência a eles para a inibição deles. Nesta realização,</p><p>grande parte é tomada pelo ideal do ego, que, em verdade, constitui</p><p>parcialmente uma formação reativa contra os processos instintuais do id. A</p><p>psicanálise é um instrumento que capacita o ego a conseguir uma</p><p>progressiva conquista do id.</p><p>De outro ponto de vista, contudo, vemos este mesmo ego como</p><p>uma pobre criatura que deve serviços a três senhores e,</p><p>conseqüentemente, é ameaçado por três perigos: o mundo externo, a</p><p>libido do id e a severidade do superego. Três tipos de ansiedade</p><p>correspondem a esses três perigos, já que a ansiedade é a expressão de um</p><p>afastar-se do perigo. Como criatura fronteiriça, o ego tenta efetuar</p><p>mediação entre o mundo e o id, tornar o id dócil ao mundo e, por meio</p><p>de sua atividade muscular, fazer o mundo coincidir com os desejos do</p><p>id. De fato, ele se comporta como o médico durante um tratamento analítico:</p><p>oferece-se, com a atenção que concede ao mundo real, como um objeto</p><p>libidinal para o id, e visa a ligar a libido do id a si próprio. Ele não é apenas</p><p>um auxiliar do id; é também um escravo submisso que corteja o amor de seu</p><p>senhor. Sempre que possível, tenta permanecer em bons termos com o id;</p><p>veste as ordens Ics. do id com suas racionalizações Pcs.; finge que o id está</p><p>mostrando obediência às admonições da realidade, mesmo quando, de fato,</p><p>aquele permanece obstinado e inflexível; disfarça os conflitos do id com a</p><p>realidade e, se possível, também os seus conflitos com o superego. Em sua</p><p>posição a meio-caminho entre o id e a realidade, muito freqüentemente se</p><p>rende à tentação de tornar-se sicofanta, oportunista e mentiroso..” VOL.XIX,</p><p>“O EGO E O ID”, PGS. 68 e 69.</p><p>53</p><p>...” podemos dizer o que se acha escondido por trás do pavor que o</p><p>ego tem do superego, o medo da consciência. O ser superior, que se</p><p>transformou no ideal do ego, outrora ameaçara de castração, e esse temor da</p><p>castração é provavelmente o núcleo em torno do qual o medo subseqüente</p><p>da consciência se agrupou; é esse temor que persiste como medo da</p><p>consciência.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.70.</p><p>...” O medo da morte na melancolia só admite uma explicação: que o</p><p>próprio ego se abandona porque se sente odiado e perseguido pelo</p><p>superego, ao invés de amado. Para o ego, portanto, viver significa o mesmo</p><p>que ser amado - ser amado pelo superego, que aqui, mais uma vez, aparece</p><p>como representante do id. O superego preenche a mesma função de proteger</p><p>e salvar que, em épocas anteriores, foi preenchida pelo pai e, posteriormente,</p><p>pela Providência ou Destino. Entretanto, quando o ego se encontra num</p><p>perigo real excessivo, que se acredita incapaz de superar por suas próprias</p><p>forças, vê-se obrigado a tirar a mesma conclusão. Ele se vê desertado por</p><p>todas as forças protetoras e se deixa morrer. Aqui está novamente a mesma</p><p>situação que fundamenta o primeiro grande estadode ansiedade do</p><p>nascimento e a ansiedade infantil do desejo - a ansiedade devida à</p><p>separação da mãe protetora.</p><p>Estas considerações tornam possível encarar o medo da morte, tal</p><p>qual o medo da consciência, como um desenvolvimento do medo da</p><p>castração. A grande significação que o sentimento de culpa tem nas neuroses</p><p>torna concebível que a ansiedade neurótica comum seja reforçada nos casos</p><p>graves pela formação de ansiedade entre o ego e o superego (medo da</p><p>castração, da consciência, da morte).</p><p>O id, ao qual finalmente retornamos, não possui meios de demonstrar</p><p>ao ego amor ou ódio. Ele não pode dizer o que quer; não alcançou uma</p><p>54</p><p>vontade unificada. Eros e o instinto de morte lutam dentro dele; vimos com</p><p>que armas um grupo de instintos defende-se contra o outro. Seria possível</p><p>representar o id como se achando sob o domínio dos silenciosos mas</p><p>poderosos instintos de morte, que desejam ficar em paz e (incitados pelo</p><p>princípio de prazer) fazer repousar Eros, o promotor de desordens; mas talvez</p><p>isso seja desvalorizar o papel desempenhado por Eros.” VOL.XIX, “O EGO E</p><p>O ID”, PGS.70 e 71.</p><p>...”na realidade, nada pertencente aos pensamentos oníricos latentes</p><p>é aproveitado no conteúdo manifesto do sonho. Ao invés, aparece algo</p><p>inteiramente diferente, que deve ser descrito como uma formação reativa</p><p>contra os pensamentos oníricos, uma rejeição e contradição completa deles.</p><p>Uma ação assim ofensiva contra o sonho apenas pode ser atribuída à</p><p>instância crítica do ego e, portanto, deve-se presumir que o último, provocado</p><p>pela realização inconsciente de desejos, foi temporariamente restabelecido,</p><p>mesmo durante o estado de sono. Ele poderia ter reagido ao conteúdo</p><p>indesejado do sonho pelo despertar, mas descobriu na construção do sonho</p><p>de punição um meio de evitar uma interrupção do sono.” VOL.XIX,</p><p>“OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DE</p><p>SONHOS” (1923 [1922]), PG.134.</p><p>....”É verdade que, no sentido metapsicológico, esse conteúdo</p><p>reprimido mau não pertence ao meu ‘ego’ - isto é, presumindo que sou um</p><p>indivíduo moralmente inatacável -, porém pertence a um ‘id’ sobre o qual meu</p><p>ego se assenta. Esse ego desenvolvido a partir do id contudo forma com ele</p><p>uma unidade biológica isolada, é apenas uma parte periférica especialmente</p><p>modificada dele, e está sujeito às influências e obedece às sugestões ambas</p><p>originárias do id. Para qualquer intuito vital, uma separação entre o ego e o id</p><p>seria empreendimento irrealizável.</p><p>55</p><p>Ademais, se eu cedesse ao meu orgulho moral e tentasse decretar que, para</p><p>fins de avaliação moral, poderia desprezar o mal no id e não precisaria tornar</p><p>meu ego responsável por ele, que utilidade isso teria para mim? A experiência</p><p>me demonstra que, não obstante, eu realmente assumo essa</p><p>responsabilidade, que sou, de certa maneira, compelido a fazê-lo. A</p><p>psicanálise nos tornou familiarizados com uma condição patológica, a</p><p>neurose obsessiva, na qual o pobre ego se sente responsável por todos os</p><p>tipos de impulsos maus, dos quais nada sabe; impulsos que são levantados</p><p>contra ele na consciência, e que ele, no entanto, é incapaz de reconhecer.</p><p>Algo, como parte disso, está presente em todapessoa normal. É fato notável</p><p>que quanto mais moral ela seja, mais sensível é sua ‘consciência’. É</p><p>exatamente como se pudéssemos dizer que quanto mais saudável é um</p><p>homem, mais sujeito a contágios e ao efeito de danos ele fica. Isso sem</p><p>dúvida se deve ao fato de a consciência ser, em si, uma formação reativa</p><p>contra o mal percebido no id. Quanto mais fortemente o último é suprimido,</p><p>mais ativa é a consciência.” VOL.XIX “ALGUMAS NOTAS ADICIONAIS</p><p>SOBRE A INTERPRETAÇÃO DE SONHOS COMO UM TODO” (1925), pgs.</p><p>147 E 148.</p><p>...”a neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao</p><p>passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante</p><p>nas relações entre o ego e o mundo externo.” VOL.XIX “NEUROSE E</p><p>PSICOSE”, (1924 [1923]) PG. 167.</p><p>...”as neuroses transferenciais se originam de recuar-se o ego a</p><p>aceitar um poderoso impulso instintual do id ou a ajudá-lo a encontrar um</p><p>escoador ou motor, ou de o ego proibir àquele impulso o objeto a que visa.</p><p>Em tal caso, o ego se defende contra o impulso instintualmediante o</p><p>mecanismo da repressão. O material reprimido luta contra esse destino. Cria</p><p>56</p><p>para si próprio, ao longo de caminhos sobre os quais o ego não tem poder,</p><p>uma representação substitutiva (que se impõe ao ego mediante uma</p><p>conciliação)</p><p>- o sintoma. O ego descobre a sua unidade ameaçada e</p><p>prejudicada por esse intruso e continua a lutar contra o sintoma, tal como</p><p>desviou o impulso instintual original. Tudo isso produz o quadro de uma</p><p>neurose. Não é contradição que, empreendendo a repressão, no fundo o ego</p><p>esteja seguindo as ordens do superego, ordens que, por sua vez, se originam</p><p>de influências do mundo externo que encontraram representação no</p><p>superego. Mantém-se o fato de que o ego tomou o partido dessas forças, de</p><p>que nele as exigências delas têm mais força que as exigências instintuais do</p><p>id, e que o ego é a força que põe a repressão em movimento contra a parte</p><p>do id interessada e fortifica a repressão por meio da anticatexia da</p><p>resistência. O ego entrou em conflito com o id, a serviço do superego e da</p><p>realidade, e esse é o estado de coisas em toda neurose de transferência.”</p><p>VOL.XIX “NEUROSE E PSICOSE”, (1924 [1923]), PGS. 167 e 168.</p><p>...”Normalmente, o mundo externo governa o ego por duas maneiras:</p><p>em primeiro lugar, através de percepções atuais e presentes, sempre</p><p>renováveis; e, em segundo, mediante o armazenamento de lembranças de</p><p>percepções anteriores, as quais, sob a forma de um ‘mundo interno’, são uma</p><p>possessão do ego e parte constituinte dele. Na amência não apenas é</p><p>recusada a aceitação de novas percepções; também o mundo interno, que,</p><p>como cópia do mundo externo, até agora o representou, perde sua</p><p>significação (sua catexia). O ego cria, autocraticamente, um novo mundo</p><p>externo e interno, e não pode haver dúvida quanto a dois fatos: que esse</p><p>novo mundo é construído de acordo com os impulsos desejosos do id e que o</p><p>motivo dessa dissociação do mundo externo é alguma frustração muito séria</p><p>de um desejo, por parte da realidade - frustração que parece intolerável. A</p><p>estreita afinidade dessa psicose com os sonhos normais é inequívoca.Uma</p><p>57</p><p>precondição do sonhar, além do mais, é o estado de sono, e uma das</p><p>características do sono é o completo afastamento da percepção e do mundo</p><p>externo.” VOL.XIX “NEUROSE E PSICOSE” (1924 [1923]) PGS. 168 e 169.</p><p>...”A etiologia comum ao início de uma psiconeurose e de uma</p><p>psicose sempre permanece a mesma. Ela consiste em uma frustração, em</p><p>uma não-realização, de um daqueles desejos de infância que nunca são</p><p>vencidos e que estão tão profundamente enraizados em nossa organização</p><p>filogeneticamente determinada. Essa frustração é, em última análise, sempre</p><p>uma frustração externa, mas, no caso individual, ela pode proceder do agente</p><p>interno (no superego) que assumiu a representação das exigências da</p><p>realidade. O efeito patogênico depende de o ego, numa tensão conflitual</p><p>desse tipo, permanecer fiel à sua dependência do mundo externo e tentar</p><p>silenciar o id, ou ele se deixar derrotar pelo id e, portanto, ser arrancado da</p><p>realidade. Uma complicação é introduzida nessa situação aparentemente</p><p>simples, contudo, pela existência do superego, o qual, através de um vínculo</p><p>ainda não claro para nós, une em si influências originárias tanto do id quanto</p><p>do mundo externo, e constitui, até certo ponto, um modelo ideal daquilo a que</p><p>visa o esforço total do ego: uma reconciliação entre os seus diversos</p><p>relacionamentos dependentes. A atitude do superego deveria ser tomada em</p><p>consideração - o que até aqui não foi feito - em toda forma de enfermidade</p><p>psíquica. Podemos provisoriamente presumir que tem de haver também</p><p>doenças que se baseiam em um conflito entre o ego e o superego. A análise</p><p>nos dá o direito desupor que a melancolia é um exemplo típico desse grupo, e</p><p>reservaríamos o nome de ‘psiconeuroses narcísicas’ para distúrbios desse</p><p>tipo. Tampouco colidirá com nossas impressões se encontrarmos razões para</p><p>separar estados como a melancolia das outras psicoses. Percebemos agora</p><p>que pudemos tornar nossa fórmula genética simples mais completa, sem</p><p>abandoná-la. As neuroses de transferência correspondem a um conflito entre</p><p>58</p><p>o ego e o id; as neuroses narcísicas, a um conflito entre o ego e o superego,</p><p>e as psicoses, a um conflito entre o ego e o mundo externo.” VOL.XIX</p><p>“NEUROSE E PSICOSE” (1924 [1923]), PGS. 169 e 170.</p><p>...” Atribuímos a função da consciência ao superego e reconhecemos</p><p>a consciência de culpa como expressão de uma tensão entre o ego e o</p><p>superego. O ego reage com sentimentos de ansiedade (ansiedade de</p><p>consciência) à percepção de que não esteve à altura das exigências feitas</p><p>por seu ideal, ou superego. O que desejamos saber é como o superego veio</p><p>a desempenhar esse papel exigente e por que o ego, no caso de uma</p><p>diferença com o seu ideal, deve ter medo.</p><p>Dissemos que a função do ego é unir e reconciliar as</p><p>reivindicações das três instâncias a que serve, e podemos acrescentar</p><p>que, assim procedendo, ele também tem no superego um modelo que</p><p>pode esforçar-se por seguir, pois esse superego é tanto um</p><p>representante do id quanto do mundo externo. Surgiu através da</p><p>introjeção no ego dos primeiros objetos dos impulsos libidinais do id -</p><p>ou seja, os dois genitores. Nesse processo, a relação com esses objetos</p><p>foi dessexualizada; foi desviada de seus objetivos sexuais diretos.</p><p>Apenas assim foi possível superar-se o complexo de Édipo. O superego</p><p>reteve características essenciais das pessoas introjetadas - a sua força,</p><p>sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse</p><p>noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que</p><p>ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse</p><p>aumentada. O superego - a consciência em ação no ego - pode então tornar-</p><p>se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo</p><p>Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo.</p><p>No entanto, as mesmas figuras que continuam a operar no superego</p><p>como a instância que conhecemos por consciência, após terem deixado de</p><p>59</p><p>ser objetos dos impulsos libidinais do id - essas mesmas figuras também</p><p>pertencem ao mundo externo real. É daí que elas foram tiradas; seu poder,</p><p>por trás do qual jazem escondidas todas as influências do passado e da</p><p>tradição, foi uma da manifestações de realidade mais intensamente sentidas.</p><p>Em virtude dessa concorrência, o superego, o substituto do complexo de</p><p>Édipo, também se torna um representante do mundo externo real e, assim,</p><p>torna-se igualmente um modelo para os esforços do ego.</p><p>O complexo de Édipo mostra assim ser - como já foi conjecturado</p><p>num sentido histórico - a fonte de nosso senso ético individual, de nossa</p><p>moralidade. O curso do desenvolvimento da infância conduz a um</p><p>desligamento sempre crescente dos pais e a significação pessoal desses</p><p>para o superego retrocede para o segundo plano. Às imagos que deixam lá</p><p>atrás estão, pois, vinculadas as influências de professores e autoridades,</p><p>modelos auto-escolhidos e heróis publicamente reconhecidos, cujas figuras</p><p>não mais precisam ser introjetadas por um ego que se tornou resistente. A</p><p>última figura na série iniciada com os pais é o poder sombrio do Destino, que</p><p>apenas poucos dentre nós são capazes de encarar como impessoal.”</p><p>VOL.XIX “O PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO” (1924),</p><p>PGS.184 e 185.</p><p>...”Recentemente indiquei como uma das características que</p><p>diferenciam uma neurose de uma psicose o fato de em uma neurose o</p><p>ego, em sua dependência da realidade, suprimir um fragmento do id (da</p><p>vida instintual), ao passo que, em uma psicose esse mesmo ego, a</p><p>serviço do id, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma</p><p>neurose o fator decisivo seria a predominância da influência da</p><p>realidade, enquanto para uma psicose esse fator seria a predominância</p><p>do id. Na psicose a perda de realidade estaria necessariamente</p><p>presente, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria</p><p>60</p><p>evitada.</p><p>Isso, porém, não concorda em absoluto com a observação que todos</p><p>nós podemos fazer, de que toda neurose perturba de algum modo a relação</p><p>do paciente</p><p>com a realidade servindo-lhe de um meio de se afastar da</p><p>realidade, e que, em suas formas graves, significa concretamente uma fuga</p><p>da vida real. Essa contradição parece séria, porém é facilmente resolvida, e a</p><p>explicação a seu respeito na verdade nos auxiliará a compreender as</p><p>neuroses.</p><p>A contradição, pois, existe apenas enquanto mantemos os olhos</p><p>fixados na situação no começo da neurose, quando o ego, a serviço da</p><p>realidade, se dispõe à repressão de um impulso instintual. Porém isso não é</p><p>ainda a própria neurose. Ela consiste antes nos processos que fornecem uma</p><p>compensação à parte do id danificada - isto é, na reação contra a repressão e</p><p>no fracasso da repressão. O afrouxamento da relação com a realidade é uma</p><p>conseqüência desse segundo passo na formação de uma neurose, e não</p><p>deveria surpreender-nos que um exame pormenorizado demonstre que a</p><p>perda da realidade afeta exatamente aquele fragmento de realidade, cujas</p><p>exigências resultaram na repressão instintual ocorrida.” VOL.XIX, “A PERDA</p><p>DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE” (1924), PG.205.</p><p>...”Tanto a neurose quanto a psicose são, pois, expressão de</p><p>uma rebelião por parte do id contra o mundo externo, de sua</p><p>indisposição - ou, caso preferirem, de sua incapacidade - a adaptar-se</p><p>às exigências da realidade.” VOL.XIX, “A PERDA DA REALIDADE NA</p><p>NEUROSE E NA PSICOSE” (1924), PGS. 206 e 207.</p><p>...”na realidade, nada pertencente aos pensamentos oníricos latentes</p><p>é aproveitado no conteúdo manifesto do sonho. Ao invés, aparece algo</p><p>inteiramente diferente, que deve ser descrito como uma formação reativa</p><p>61</p><p>contra os pensamentos oníricos, uma rejeição e contradição completa deles.</p><p>Uma ação assim ofensiva contra o sonho apenas pode ser atribuída à</p><p>instância crítica do ego e, portanto, deve-se presumir que o último, provocado</p><p>pela realização inconsciente de desejos, foi temporariamente restabelecido,</p><p>mesmo durante o estado de sono. Ele poderia ter reagido ao conteúdo</p><p>indesejado do sonho pelo despertar, mas descobriu na construção do sonho</p><p>de punição um meio de evitar uma interrupção do sono.” VOL.XIX,</p><p>“OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DE</p><p>SONHOS” (1923 [1922]), PG.134.</p><p>62</p><p>VOLUME XX</p><p>...” O superego é o herdeiro do complexo edipiano e representa</p><p>os padrões éticos da humanidade.” VOL.XX, “UM ESTUDO</p><p>AUTOBIOGRÁFICO”(1924), pg.,62.</p><p>...” Voltando ao problema do ego. A contradição aparente deve-se ao</p><p>fato de termos considerado as abstrações de maneira por demais rígida e de</p><p>termos atendido exclusivamente ora a um lado, ora a outro daquilo que é de</p><p>fato um complicado estado de coisas. Estávamos justificados, penso eu, em</p><p>separar o ego do id, pois há certas considerações que necessitam dessa</p><p>medida. Por outro lado, o ego é idêntico ao id, sendo apenas uma parte</p><p>especialmente diferenciada do mesmo. Se considerarmos essa parte em si</p><p>mesma em contraposição ao todo, ou se houver ocorrido uma verdadeira</p><p>divisão entre os dois, a fragilidade do ego se torna evidente. Mas se o ego</p><p>permanecer vinculado ao id e indistinguível dele, então ele exibe a sua força.</p><p>O mesmo se aplica à relação entre o ego e o superego. Em muitas situações</p><p>os dois se acham fundidos; e em geral só podemos distinguir um do outro</p><p>quando há uma tensão ou conflito entre eles. Na repressão, o fato decisivo é</p><p>que o ego é uma organização e o id não. O ego é, na realidade, a parte</p><p>organizada do id. Estaríamos inteiramente errados se figurássemos o ego e o</p><p>id como dois campos opostos e se supuséssemos que, quando o ego tenta</p><p>suprimir uma parte do id por meio de repressão, o restante do id vai em</p><p>socorro da parte que se acha em perigo e mede sua força com o ego. Isto</p><p>poderá amiúde ser o que acontece, mas por certo não é a situação inicial na</p><p>repressão. Em geral, o impulso inicial que irá ser reprimido permanece</p><p>isolado. Embora o ato de repressão demonstre a força do ego, em um ponto</p><p>específico ele revela a impotência do ego e quão impenetráveis à influência</p><p>63</p><p>são os impulsos instintuais do id, pois o processo mental que se transformou</p><p>em um sintoma devido à repressão mantém agora sua existência fora da</p><p>organização do ego e independentemente dele. Na realidade, não é somente</p><p>aquele processo, mas todos os seus derivados que usufruem, por assim</p><p>dizer; desse mesmo privilégio de extraterritorialidade; e sempre que entram</p><p>em contato associativo com uma parte da organização do ego, não é de</p><p>modo algum certo que não atraiam essa parte para si próprio e assim se</p><p>ampliem às expensas do ego. Uma analogia com a qual de há muito estamos</p><p>familiarizados comparou um sintoma com um corpo estranho que vinha</p><p>mantendo uma sucessão constante de estímulos e reações no tecido no qual</p><p>estava encravado. De fato ocorrealgumas vezes que a luta defensiva contra</p><p>um impulso instintual desagradável é eliminada com a formação de um</p><p>sintoma. Até onde se pode verificar, isto é freqüentemente possível na</p><p>conversão histérica. Mas em geral o resultado é diferente. O ato inicial da</p><p>repressão é acompanhado por uma seqüência tediosa ou interminável na</p><p>qual a luta contra o impulso instintual se prolonga até uma luta contra o</p><p>sintoma.</p><p>Nessa luta defensiva secundária o ego apresenta duas faces com</p><p>expressões contraditórias. A única linha de comportamento que ele adota</p><p>decorre do fato de que sua própria natureza o obriga a fazer o que deve ser</p><p>considerado como uma tentativa de restauração ou de reconciliação. O ego é</p><p>uma organização. Baseia-se na manutenção do livre intercâmbio e da</p><p>possibilidade de influência recípocra entre todas as suas partes. Sua energia</p><p>dessexualizada ainda revela traços de sua origem em seu impulso para</p><p>agregar-se e unificar-se, e essa necessidade de síntese torna-se mais</p><p>acentuada à proporção que a força do ego aumenta. Portanto, é natural que o</p><p>ego deva tentar impedir que os sintomas permaneçam isolados e alheios</p><p>utilizando todos os métodos possíveis para agregá-los a si de uma maneira</p><p>ou de outra, e para incorporá-los em sua organização por meios desses</p><p>64</p><p>vínculos. Como sabemos, uma tendência dessa natureza já se acha atuante</p><p>na próprio ato da formação de um sintoma. Um exemplo clássico disto são</p><p>aqueles sintomas histéricos que revelamos ser um meio termo entre a</p><p>necessidade de satisfação e a necessidade de punição. Tais sintomas</p><p>participam do ego desde o início, visto que atendem a uma exigência do</p><p>superego, enquanto por outro lado representam posições ocupadas pelo</p><p>reprimido e pontos nos quais uma irrupção foi feita por ele até a organização</p><p>do ego. Constituem uma espécie de posto de fronteira com uma guarnição</p><p>mista. (Se todos os sintomas histéricos primários são estruturados nesses</p><p>moldes, valeria a pena examiná-los muito cuidadosamente.) O ego passa</p><p>agora a comportar-se como se reconhecesse que o sintoma chegara para</p><p>ficar e que a única coisa a fazer era aceitar a situação de bom grado, e tirar</p><p>dela o máximo proveito possível. Ele faz uma adaptação ao sintoma - a essa</p><p>peça do mundo interno que é estranha a ele - assim como normalmente faz</p><p>em relação ao mundo externo real. Ele sempre pode encontrar grande</p><p>número de oportunidades para fazer isto. A presença de um sintoma pode</p><p>impor uma certa diminuição de capacidade, e isto pode serexplorado para</p><p>apaziguar alguma exigência da parte do superego ou para recusar alguma</p><p>reivindicação proveniente do mundo externo. Dessa forma, o sintoma</p><p>gradativamente vem a ser representante de interesses importantes; verifica-</p><p>se útil na afirmação da posição do eu (self) e se funde cada vez mais</p><p>estreitamente com o ego, tornando-se cada vez mais indispensável a ele. Só</p><p>muito raramente é que o processo físico de ‘cura’ em torno de um corpo</p><p>estranho segue um curso como este. Há também o perigo de exagerar a</p><p>importância de uma adaptação secundária dessa espécie a um</p><p>sintoma, e de</p><p>afirmar que o ego criou o sintoma simplesmente a fim de fruir suas vantagens.</p><p>Seria igualmente verdadeiro dizer que um homem que perdera a perna na</p><p>guerra fizera com que ela fosse arrancada a tiros, de modo que ele pudesse</p><p>daí por diante viver de sua pensão, sem ter de executar mais nenhum</p><p>65</p><p>trabalho.</p><p>Nas neuroses obsessivas e na paranóia, as formas que os</p><p>sintomas assumem tornam-se muito valiosas para o ego porque obtêm</p><p>para este, não certas vantagens, mas uma satisfação narcísica sem a</p><p>qual, de outra forma poderia passar. Os sistemas que o neurótico</p><p>obsessivo constrói lisonjeiam seu amor próprio, fazendo-o sentir que</p><p>ele é melhor que outras pessoas, porque é especialmente limpo ou</p><p>especialmente consciencioso. As construções delirantes do paranóico</p><p>oferecem aos seus agudos poderes perceptivos e imaginativos um</p><p>campo de atividade que ele não poderia encontrar facilmente em outra</p><p>parte.</p><p>Tudo isto resulta no que nos é familiar como o ‘ganho</p><p>(secundário) proveniente da doença’ que se segue a uma neurose. Essa</p><p>recuperação vem em ajuda do ego no seu esforço para incorporar o</p><p>sintoma, e aumenta a fixação deste último. Quando o analista tenta</p><p>subseqüentemente ajudar o ego em sua luta contra o sintoma, verifica</p><p>que esses laços conciliatórios entre o ego e o sintoma atuam do lado</p><p>das resistências e que não são fáceis de afrouxar.</p><p>As duas linhas de comportamento que o ego adota em relação ao</p><p>sintoma estão, de fato, diretamente opostas uma à outra, pois a outra linha é</p><p>de natureza menos amistosa, visto que continua na direção da repressão.</p><p>Não obstante o ego, assim parece, não pode ser acusado de incoerência.</p><p>Sendo de disposição pacífica, gostaria de incorporar o sintoma e torná-lo</p><p>parte dele mesmo. É do próprio sintoma que provém o mal, pois o sintoma,</p><p>sendo o verdadeiro substituto e derivativo do impulso reprimido, executa o</p><p>papel do segundo; ele continuamente renova suas exigências de satisfação e</p><p>assimobriga o ego, por sua vez, a dar o sinal de desprazer e a colocar-se em</p><p>uma posição de defesa.”VOL.XX, “UM ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO”(1924),</p><p>pgs.100 a 103.</p><p>66</p><p>...”Se o ego consegue proteger-se de um impulso instintual perigoso,</p><p>através, por exemplo, do processo de repressão, ele por certo inibiu e</p><p>prejudicou a parte específica do id em causa; mas ao mesmo tempo lhe deu</p><p>certa independência e renunciou a um pouco de sua própria soberania. Isto é</p><p>inevitável pela natureza da repressão, que é, fundamentalmente, uma</p><p>tentativa de fuga. O reprimido é agora, por assim dizer, um fora-da-lei; fica</p><p>excluído da grande organização do ego e está sujeito somente às leis que</p><p>regem o domínio do inconsciente. Se, agora, a situação de perigo modificar-</p><p>se de modo que o ego não tenha razão alguma de desviar-se de um novo</p><p>impulso instintual análogo ao reprimido, a conseqüência da restrição do ego</p><p>que ocorreu se tornará manifesta. O novo impulso prosseguirá seu curso sob</p><p>uma influência automática - ou, como eu preferiria dizer, sob a influência da</p><p>compulsão à repetição. Ele seguirá a mesma trilha que o impulso mais antigo</p><p>reprimido, como se a situação de perigo que tivesse sido superada ainda</p><p>existisse. O fator de fixação na repressão, portanto, é a compulsão à</p><p>repetição do id inconsciente - uma compulsão que em circunstâncias normais</p><p>só é eliminada pela função livremente móvel do ego. O ego poderá</p><p>ocasionalmente conseguir romper as barreiras da repressão que ele próprio</p><p>erigiu e recuperar sua influência sobre o impulso instintual, e dirigir o curso do</p><p>novo impulso de conformidade com a situação de perigo modificada. Mas de</p><p>fato o ego muito raramente consegue fazer isto: ele não pode desfazer suas</p><p>repressões. É possível que a maneira pela qual a luta vá ser travada dependa</p><p>de relações quantitativas. Em alguns casos tem-se a impressão de que o</p><p>resultado seja imposto: a atração regressiva exercida pelo impulso reprimido</p><p>e a força da repressão não tem outra opção senão obedecer à compulsão à</p><p>repetição. Em outros casos percebemos uma contribuição de outra atuação</p><p>de forças: a atração exercida pelo protótipo reprimido é reforçada por uma</p><p>repulsão proveniente da direção de dificuldades na vida real que atrapalham</p><p>67</p><p>qualquer curso diferente que poderia ser seguido pelo novo impulso</p><p>instintual.” VOL.XX, “INIBIÇÕES, SINTOMAS E ANSIEDADE”(1925), pgs.149</p><p>a 150.</p><p>...”Se o ego consegue proteger-se de um impulso instintual perigoso,</p><p>através, por exemplo, do processo de repressão, ele por certo inibiu e</p><p>prejudicou a parte específica do id em causa; mas ao mesmo tempo lhe deu</p><p>certa independência e renunciou a um pouco de sua própria soberania. Isto é</p><p>inevitável pela natureza da repressão, que é, fundamentalmente, uma</p><p>tentativa de fuga. O reprimido é agora, por assim dizer, um fora-da-lei; fica</p><p>excluído da grande organização do ego e está sujeito somente às leis que</p><p>regem o domínio do inconsciente. Se, agora, a situação de perigo modificar-</p><p>se de modo que o ego não tenha razão alguma de desviar-se de um novo</p><p>impulso instintual análogo ao reprimido, a conseqüência da restrição do ego</p><p>que ocorreu se tornará manifesta. O novo impulso prosseguirá seu curso sob</p><p>uma influência automática - ou, como eu preferiria dizer, sob a influência da</p><p>compulsão à repetição. Ele seguirá a mesma trilha que o impulso mais antigo</p><p>reprimido, como se a situação de perigo que tivesse sido superada ainda</p><p>existisse. O fator de fixação na repressão, portanto, é a compulsão à</p><p>repetição do id inconsciente - uma compulsão que em circunstâncias normais</p><p>só é eliminada pela função livremente móvel do ego. O ego poderá</p><p>ocasionalmente conseguir romper as barreiras da repressão que ele próprio</p><p>erigiu e recuperar sua influência sobre o impulso instintual, e dirigir o curso do</p><p>novo impulso de conformidade com a situação de perigo modificada. Mas de</p><p>fato o ego muito raramente consegue fazer isto: ele não pode desfazer suas</p><p>repressões. É possível que a maneira pela qual a luta vá ser travada dependa</p><p>de relações quantitativas. Em alguns casos tem-se a impressão de que o</p><p>resultado seja imposto: a atração regressiva exercida pelo impulso reprimido</p><p>e a força da repressão não tem outra opção senão obedecer à compulsão à</p><p>68</p><p>repetição. Em outros casos percebemos uma contribuição de outra atuação</p><p>de forças: a atração exercida pelo protótipo reprimido é reforçada por uma</p><p>repulsão proveniente da direção de dificuldades na vida real que atrapalham</p><p>qualquer curso diferente que poderia ser seguido pelo novo impulso</p><p>instintual.” VOL.XX, “INIBIÇÕES, SINTOMAS E ANSIEDADE”(1925), pgs.149</p><p>a 150.</p><p>...”reconhecemos nos seres humanos uma organização mental</p><p>interpolada entre seus estímulos sensoriais e a percepção das suas</p><p>necessidades somáticas, por um lado, e seus atos motores, por outro, e que</p><p>serve de mediador entre eles com vistas a uma finalidade particular.</p><p>Chamamos essa organização de seu ‘Ich‘ [‘ego’; literalmente, ‘eu’]. (...) Além</p><p>desse ‘eu’, reconhecemos outra região mental, mais impositiva e mais</p><p>obscura que o ‘eu’, e a isto denominamos de ‘Es‘ [‘id’; literalmente,</p><p>‘it‘*].”VOL.XX, “A QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), pg.190.</p><p>...“ao tentar tornar clara a relação entre o ego e o id, devo pedir-lhe</p><p>que imagine o ego como uma espécie de fachada do id, como uma frontaria,</p><p>como uma camada externa e cortical deste. Podemos apegar-nos a essa</p><p>última analogia. Sabemos que as camadas corticais devem suas</p><p>características peculiares à influência modificadora do meio externo com que</p><p>confinam. Assim, supomos que o ego é a camada do aparelho mental (do id)</p><p>que foi modificada pela influência do mundo externo (da realidade). Isto</p><p>mostrará como na psicanálise adotamos maneiras especiais de contemplar as</p><p>coisas seriamente. Para nós o ego é realmente algo superficial e o id algo</p><p>mais profundo - contemplados de fora, naturalmente. O ego está entre a</p><p>realidade e o id, que é aquilo verdadeiramente mental.” VOL.XX, “A</p><p>QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), pg.190.</p><p>69</p><p>...”o ego e o id diferem grandemente um do outro em vários aspectos.</p><p>As normas que regem o curso dos atos mentais são diferentes no ego e no id;</p><p>o ego persegue diferentes finalidades e por outros métodos. Muito se poderia</p><p>dizer sobre isto; mas talvez o senhor se contentará com uma nova analogia e</p><p>com um exemplo. Pense na diferença entre o ‘front’ e ‘atrás das linhas’, como</p><p>eram as coisas durante a guerra. Não nos surpreendíamos então que</p><p>algumas coisas no front fossem diferentes do que eram atrás das linhas, e</p><p>que muitas coisas que eram permitidas atrás das linhas tinham de ser</p><p>proibidas no front. A influência determinante era, naturalmente, a proximidade</p><p>do inimigo; no caso da vida mental é a proximidade do mundo externo. Época</p><p>houve em que ‘fora’, ‘estranho’ e ‘hostil’ eram conceitos idênticos. E agora</p><p>chegamos ao exemplo. No id não há conflitos; as contradições e antíteses</p><p>persistem nele lado a lado indiferentemente, sendo freqüentemente ajustados</p><p>pela formação de conciliações. Em circunstâncias semelhantes, o ego sente</p><p>um conflito que deve ser resolvido; e a decisão está em um anseio de ser</p><p>abandonado em favor do outro. O ego é uma organização caracterizada por</p><p>uma tendência muito marcante no sentido da unificação, da síntese. Essa</p><p>característica falta ao id; está, como poderíamos dizer, ‘toda em pedaços’;</p><p>seus diferentes anseios perseguem suas próprias finalidades</p><p>independentemente e sem levar em conta uns aos outros.” VOL.XX, “A</p><p>QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), pgs.191 e 192.</p><p>...”tudo que acontece no id é e permanece inconsciente, e (...) os</p><p>processos no id, e somente eles, podem tornar-se conscientes. Mas nem</p><p>todos eles são, nem sempre, nem necessariamente; e grandes partes do</p><p>ego podem continuar permanentemente inconscientes.” VOL.XX, “A</p><p>QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), pg. 193.</p><p>70</p><p>...”cremos que na superfície mais externa desse ego há uma instância</p><p>dirigida imediatamente para o mundo externo, um sistema, um órgão, através</p><p>de cuja excitação somente ocorre o fenômeno que denominamos de</p><p>consciência. Esse órgão pode ser igualmente bem excitado de fora -</p><p>recebendo assim ( com a ajuda dos órgãos do sentido) os estímulos do</p><p>mundo exterior - e de dentro - tornando-se assim cônscio, em primeiro lugar,</p><p>das sensações no id, e então também dos processos no ego.”VOL.XX, “A</p><p>QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), Pg. 193.</p><p>...”presumimos que as forças que impulsionam o aparelho mental em</p><p>atividade são produzidas nos órgãos corporais como uma expressão das</p><p>necessidades somáticas principais. O senhor deve recordar-se das palavras</p><p>do nosso poeta-filósofo: ‘A fome e o amor [são o que move o mundo].’</p><p>Incidentalmente, um par de forças formidáveis! Damos a essas necessidades</p><p>corporais, até onde representam uma instigação à atividade mental, o nome</p><p>de ‘Triebe‘ [instintos], uma palavra por cuja causa somos invejados por muitas</p><p>línguas modernas. Bem, esses instintos enchem o id: toda a energia do id,</p><p>expressando-o em breves palavras, se origina deles. Nem as forças do ego</p><p>têm qualquer outra origem; provêm daquelas do id. O que, então, desejam</p><p>esses instintos? Satisfação - isto é, o estabelecimento de situações nas quais</p><p>as necessidades corporais possam ser extintas. Uma diminuição da tensão</p><p>da necessidade é sentido pelo nosso órgão da consciência como agradável;</p><p>um aumento dela logo é sentido como desprazer. Dessas oscilações surge a</p><p>série de sentimentos de prazer-desprazer, de acordo com a qual todo o</p><p>aparelho mental regula sua atividade. Nesse sentido falamos de uma</p><p>‘dominância do princípio de prazer’.</p><p>Se as exigências instintuais do id não encontrarem satisfação</p><p>alguma, surgem condições intoleráveis. A experiência logo revela que</p><p>essas situações só podem ser estabelecidas mediante a ajuda do</p><p>71</p><p>mundo externo. Nesse ponto a parte do id que está dirigida para o</p><p>mundo externo - o ego - começa a funcionar. Se toda a força impulsora</p><p>que põe o veículo em movimento for derivada do id, o ego, por assim</p><p>dizer, se encarrega da direção, sem a qual meta alguma pode ser</p><p>alcançada. Os instintos no id pressionam por satisfação imediata a todo</p><p>custo, e dessa forma nada alcançam nem chegam mesmo a acarretar</p><p>dano apreciável. Constitui tarefa do ego resguardar-se contra tais</p><p>contratempos, para servir de medianeiro entre as reivindicações do id e</p><p>as objeções do mundo externo. Ele leva a efeito sua atividade em duas</p><p>direções. Por um lado, observa o mundo externo com o auxílio do seu</p><p>órgão de sentido, o sistema de consciência, a fim de apanhar o</p><p>momento favorável para satisfação sem dano; e , por outro, influencia o</p><p>id, refreia suas ‘paixões’, induz seus instintos a adiar sua satisfação, e</p><p>na realidade, se for reconhecida a necessidade, a modificar seus</p><p>objetivos ou, em troca de alguma compreensão, a desistir deles. Até</p><p>onde ele domestica os impulsos do id dessa forma, ele substitui o</p><p>princípio de prazer, que anteriormente era o único decisivo, pelo que se</p><p>conhece como o ‘princípio de realidade’, que, embora persiga os</p><p>mesmos objetos finais, leva em conta as condições impostas pelo</p><p>mundo externo real. Posteriormente, o ego aprende que existe ainda</p><p>outra maneira de obter satisfação além da adaptação ao mundo externo</p><p>que descrevi. É também possível intervir no mundo externo</p><p>modificando-o, e nele estabelecer intencionalmente as condições que</p><p>tornam possível a satisfação. Essa atividade então se torna a função</p><p>mais elevada do ego; decisões quanto a quando é mais conveniente</p><p>controlar as paixões e curvar-se diante da realidade, e quando é mais</p><p>apropriado ficar ao lado delas e lutar contra o mundo externo - tais</p><p>decisões compõem toda a essência da sabedoria mundial.(...) tudo</p><p>correrá bem se o ego estiver de posse de toda a sua organização e eficiência,</p><p>72</p><p>se tiver acesso a todas as partes do id e puder exercer sua influência sobre</p><p>elas, pois não existe qualquer oposição natural entre o ego e o id; eles se</p><p>pertencem, e em condições saudáveis não podem na prática ser distinguidos</p><p>um do outro.(...) Enquanto o ego e suas relações com o id atenderem essas</p><p>condições ideais, não haverá qualquer distúrbio neurótico. O ponto no qual a</p><p>doença faz sua irrupção é inesperado, embora quem não esteja familiarizado</p><p>com patologia geral fique surpreendido em encontrar uma confirmação do</p><p>princípio de que são os desenvolvimentos e diferenciações mais importantes</p><p>que trazem em si as sementes da doença, da falha de função.</p><p>(...)Mesmo em organismos que depois se desenvolvem numa</p><p>eficiente organização do ego, o ego deles é débil e pouco se diferencia, para</p><p>começar, de seu id, durante seus primeiros anos de infância. Imagine agora o</p><p>que acontecerá se esse ego impotente experimentar uma exigência instintual</p><p>do id ao qual ele gostaria de opor resistência (porque sente que satisfazê-lo é</p><p>perigoso e provocaria uma situação traumática, um choque com o mundo</p><p>externo), mas que ele não pode controlar, porque ainda não possui bastante</p><p>força para fazê-lo. Em tal caso o ego trata do perigo instintual como se ele</p><p>fosse externo; faz uma tentativa de fuga, afasta-se dessa parte do id e o deixa</p><p>entregue ao seu destino, depois de retirar dele todas as contribuições que em</p><p>geral presta aos impulsos instintuais. O ego, como costumamos dizer, institui</p><p>uma repressão desses impulsos instintuais. Por enquanto isto tem o efeito de</p><p>desviar o perigo, mas não se pode confundir o interno e o externo</p><p>impunemente. Não se pode fugir de si mesmo. Na repressão o ego está</p><p>acompanhando o princípio de prazer, que em geral ele tem o hábito de</p><p>corrigir, estando destinado a sofrer dano como vingança. Isto está no fato de</p><p>o ego haver permanentemente estreitado sua esfera de influência. O impulso</p><p>instintual reprimido agora está isolado, abandonado</p><p>a si mesmo, inacessível,</p><p>mas também não influenciável. Ele segue seu próprio caminho. Mesmo</p><p>depois, em geral, quando o ego se tornou mais forte, ainda não pode</p><p>73</p><p>suspender a repressão; sua síntese fica prejudicada, uma parte do id</p><p>permanece terreno proibido ao ego. Nem o impulso instintual isolado</p><p>permanece ocioso; ele compreende como ser compensado por lhe ser</p><p>negada satisfação normal; produz derivados psíquicos que lhe tomam o lugar;</p><p>vincula-se a outros processos que por influência dele também arranca do ego;</p><p>e finalmente irrompe no ego e na consciência sob a forma de um substituto</p><p>irreconhecivelmente distorcido, criando o que denominamos de um sintoma.</p><p>De imediato a natureza de uma perturbação neurótica se torna clara para nós:</p><p>por um lado, um ego que é inibido em sua síntese, que não tem qualquer</p><p>influência sobre partes do id, que deve renunciar a algumas de suas</p><p>atividades a fim de evitar novo choque com o que foi reprimido, e que se</p><p>exaure no que, na maior parte, são atos vãos de defesa contra sintomas, os</p><p>derivados dos impulsos reprimidos; por outro lado, um id no qual os instintos</p><p>individuais se tornaram independentes, perseguem seus objetivos</p><p>independentemente dos interesses da pessoa como um todo e doravante</p><p>obedecem às leis somente da psicologia que domina nas profundezas do id.</p><p>Se observarmos toda a situação chegaremos a uma fórmula simples quanto à</p><p>origem de uma neurose: o ego faz uma tentativa de suprimir certas partes do</p><p>id de maneira inapropriada; essa tentativa falhou e o id tirou sua vingança.</p><p>Uma neurose é assim o resultado de um conflito entre o ego e o id, no qual o</p><p>ego se envolveu porque, como revela uma investigação cuidadosa, ele deseja</p><p>a todo custo reter sua adaptabilidade em relação com o mundo externo real.</p><p>A divergência verifica-se entre o mundo externo e o id; e é porque o ego, leal</p><p>a sua natureza mais íntima, toma o partido do mundo externo que ele se torna</p><p>envolvido num conflito com seu id. Mas observe que o que cria o</p><p>determinante da doença não é o fato desse conflito - pois discordâncias</p><p>dessa natureza entre a realidade e o id são inevitáveis, sendo uma das</p><p>principais tarefas do ego servir de mediador nelas -, mas a circunstância de o</p><p>ego haver feito uso do instrumento ineficiente de repressão para lidar com o</p><p>74</p><p>conflito. Mas isto por sua vez se deve ao fato de que o ego, na ocasião em</p><p>que se incumbiu da tarefa, era não desenvolvido e impotente. Todas as</p><p>repressões decisivas se verificam na primeira infância.” VOL.XX, “A</p><p>QUESTAO DA ANÁLISE LEIGA”(1926), pgs. 195 a 198.</p><p>...”a doença pode ser utilizada como uma tela para encobrir a</p><p>incompetência na profissão de alguém ou na concorrência com outras</p><p>pessoas, enquanto na família pode servir de meio para sacrificar os outros</p><p>membros e extorquir provas do amor destes, ou para impor a vontade sobre</p><p>eles. Tudo isso se acha razoavelmente perto da superfície; nós o resumimos</p><p>na expressão ‘ganho proveniente da doença’. É curioso, contudo, que o</p><p>paciente - isto é, seu ego - nada saiba de toda a concatenação desses</p><p>motivos e das ações que eles envolvem. Combate-se a influência dessas</p><p>tendências compelindo-se o ego a tomar conhecimento delas. Mas há outros</p><p>motivos, que se acham situados ainda mais profundamente, para que alguém</p><p>se apegue à doença, com os quais não é tão fácil lidar. (...) fomos obrigados a</p><p>presumir que dentro do próprio ego uma instância específica tornou-se</p><p>diferenciada, sendo ela designada como superego. Esse superego ocupa</p><p>uma posição especial entre o ego e o id. Ele pertence ao ego e partilha do</p><p>seu alto grau de organização psicológica; mas tem uma vinculação</p><p>particularmente íntima com o id. É de fato um precipitado das primeiras</p><p>catexias do objeto do id e é o herdeiro do complexo de Édipo após o seu</p><p>falecimento. Esse superego pode confrontar-se com o ego e tratá-lo como um</p><p>objeto; e ele muitas vezes o trata com grande aspereza. É tão importante</p><p>para o ego continuar em boas relações com o superego como com o id.</p><p>Desavenças entre o ego e o superego são de grande importância na vida</p><p>mental. (...) o superego é o veículo do fenômeno que chamamos de</p><p>consciência. A saúdemental muito depende de o superego ser normalmente</p><p>desenvolvido - isto é, de haver-se tornado suficientemente impessoal. E é</p><p>75</p><p>isso precisamente o que não ocorre nos neuróticos cujo complexo de Édipo</p><p>não passou pelo processo correto de transformação. O superego deles ainda</p><p>se confronta com seu ego como um pai rigoroso se defronta com um filho: e</p><p>sua moralidade atua de maneira primitiva devido ao ego ser punido pelo</p><p>superego. A doença é empregada como um instrumento para essa</p><p>‘autopunição’, e os neuróticos têm de comportar-se como se fossem</p><p>governados por um sentimento de culpa que, a fim de ser satisfeito, precisa</p><p>ser punido pela doença.</p><p>(...) Descrevemos todas as forças que se opõem ao trabalho de</p><p>recuperação como sendo as ‘resistências’ do paciente. O ganho proveniente</p><p>da doença é uma dessas resistências. O ‘sentimento de culpa inconsciente’</p><p>representa a resistência do superego; é o fator mais poderoso, e o mais</p><p>temido por nós. Encontramos ainda outras resistências durante o tratamento.</p><p>Se o ego durante o período inicial estabeleceu uma repressão por medo,</p><p>então este persiste e se manifesta como uma resistência se o ego se</p><p>aproxima do material reprimido. E finalmente, como o senhor pode imaginar,</p><p>é provável que haja dificuldades se se esperar que um processo instintual que</p><p>tenha seguido um caminho específico durante décadas de súbito siga uma</p><p>nova trilha que acabe de ser aberta para ele. Isso poderia ser denominado de</p><p>resistência do id. A luta contra todas essas resistências constitui nosso</p><p>principal trabalho durante um tratamento analítico; a tarefa de fazer</p><p>interpretações não é nada em comparação com ela. Mas como resultado</p><p>dessa luta e da superação das resistências, o ego do paciente fica tão</p><p>alterado e fortalecido que podemos antecipar com tranqüilidade seu futuro</p><p>comportamento quando o tratamento estiver terminado. Por outro lado, pode-</p><p>se compreender agora por que são necessários tratamentos tão prolongados.</p><p>A extensão do caminho de desenvolvimento e a riqueza do material não são</p><p>os fatores decisivos. É mais uma questão de o caminho estar desimpedido.</p><p>Um exército pode ficar retido durante semanas numa extensão de terreno que</p><p>76</p><p>na época de paz um trem expresso percorre em poucas horas - se o exército</p><p>tiver de superar ali a resistência do inimigo. Essas batalhas exigem tempo</p><p>também na vida mental. Infelizmente sou obrigado a dizer-lhe que todos os</p><p>esforços no sentido de acelerar o tratamento analítico de formaapreciável até</p><p>agora malograram. A melhor maneira de encurtá-lo parece ser levá-lo a efeito</p><p>de acordo com as regras.” VOL.XX, “A QUESTÃO DA ANÁLISE</p><p>LEIGA”(1926), pg.215 a 217.</p><p>...” Topograficamente, a psicanálise considera o aparelho mental</p><p>como um instrumento composto, esforçando-se por determinar em quais</p><p>pontos dele ocorrem os vários processos mentais. De acordo com os</p><p>pontos de vista psicanalíticos mais recentes, o aparelho</p><p>mental compõe-se de um ‘id‘, que é o repositório dos</p><p>impulsos instintuais, de um ‘ego‘, que é a parte mais</p><p>superficial do id e aquela que foi modificada pela influência</p><p>do mundo externo, e de um ‘superego‘, que se desenvolve</p><p>do id, domina-o e representa as inibições do instinto que</p><p>são características do homem. A qualidade da consciência, também,</p><p>conta com uma referência topográfica, pois os processos no id são</p><p>inteiramente inconscientes, ao passo que a consciência é a função da</p><p>camada mais externa do ego, que se interessa pela percepção do mundo</p><p>externo.” VOL.XX, “PSICANÁLISE”(1926), pgs. 255 e 256.]</p><p>77</p><p>VOL. XXI</p><p>... “Normalmente, não nada de que possamos estar mais certos do</p><p>que do sentimento de nosso eu, do nosso próprio ego. O ego nos</p><p>aparece</p><p>como algo autônomo e unitário, distintamente demarcado de tudo o mais. Ser</p><p>essa aparência enganadora - apesar de que, pelo contrário, o ego seja</p><p>continuado para dentro, sem qualquer delimitação nítida, por uma entidade</p><p>mental inconsciente que designamos como id, à qual o ego serve como uma</p><p>espécie de fachada -, configurou uma descoberta efetuada pela primeira vez</p><p>através da pesquisa psicanalítica, que, de resto, ainda deve ter muito mais a</p><p>nos dizer sobre o relacionamento do ego com o id.” VOL.XXI “O MAL ESTAR</p><p>NA CIVILIZAÇÃO (1929), PGS. 74 e 75.</p><p>... “Uma reflexão mais apurada nos diz que o sentimento do ego do</p><p>adulto não pode ter sido o mesmo desde o início. Deve ter passado por um</p><p>processo de desenvolvimento, que, se não pode ser demonstrado, pode ser</p><p>construído com um razoável grau de probabilidade. Uma criança recém-</p><p>nascida ainda não distingue o seu ego do mundo externo como fonte das</p><p>sensações que fluem sobre ela. Aprende gradativamente a fazê-lo, reagindo a</p><p>diversos estímulos. Ela deve ficar fortemente impressionada pelo fato de</p><p>certas fontes de excitação, que posteriormente identificará como sendo os</p><p>seus próprios órgãos corporais, poderem provê-la de sensações a qualquer</p><p>momento, ao passo que, de tempos em tempos, outras fontes lhe fogem -</p><p>entre as quais se destaca a mais desejada de todas, o seio da mãe -, só</p><p>reaparecendo como resultado de seus gritos de socorro. Desse modo, pela</p><p>primeira vez, o ego é contrastado por um ‘objeto’, sob a forma de algo que</p><p>existe ‘exteriormente’ e que só é forçado a surgir através de uma ação</p><p>especial. Um outro incentivo para o desengajamento do ego com relação à</p><p>massa geral de sensações - isto é, para o reconhecimento de um ‘exterior’, de</p><p>78</p><p>um mundo externo - é proporcionado pelas freqüentes, múltiplas e inevitáveis</p><p>sensações de sofrimento e desprazer, cujo afastamento e cuja fuga são</p><p>impostos pelo princípio do prazer, no exercício de seu irrestrito domínio.</p><p>Surge, então, uma tendência a isolar do ego tudo que pode tornar-se fonte de</p><p>tal desprazer, a lançá-lo para fora e a criar um puro ego em busca de prazer,</p><p>que sofre o confronto de um ‘exterior’ estranho e ameaçador. As fronteiras</p><p>desse primitivo ego em busca de prazer não podem fugir a uma retificação</p><p>através da experiência. Entretanto, algumas das coisas difíceis de serem</p><p>abandonadas, por proporcionarem prazer, são, não ego, mas objeto, e certos</p><p>sofrimentos que se procura extirpar mostram-se inseparáveis do ego, por</p><p>causa de sua origem interna. Assim, acaba-se por aprender um processo</p><p>através do qual, por meio de uma direção deliberada das próprias atividades</p><p>sensórias e de uma ação muscular apropriada, se pode diferenciar entre o</p><p>que é interno - ou seja, que pertence ao ego - e o que é externo - ou seja, que</p><p>emana do mundo externo. Desse modo, dá-se o primeiro passo no sentido da</p><p>introdução do princípio da realidade, que deve dominar o desenvolvimento</p><p>futuro. Essa diferenciação, naturalmente, serve à finalidade prática de nos</p><p>capacitar para a defesa contra sensações de desprazer que realmente</p><p>sentimos ou pelas quais somos ameaçados. A fim de desviar certas</p><p>excitações desagradáveis que surgem do interior, o ego não pode utilizar</p><p>senão os métodos que utiliza contra o desprazer oriundo do exterior, e este é</p><p>o ponto de partida de importantes distúrbios patológicos.Desse modo, então,</p><p>o ego se separa do mundo externo. Ou, numa expressão mais correta,</p><p>originalmente o ego inclui tudo; posteriormente, separa, de si mesmo, um</p><p>mundo externo. Nosso presente sentimento do ego não passa, portanto, de</p><p>apenas um mirrado resíduo de um sentimento muito mais inclusivo - na</p><p>verdade, totalmente abrangente -, que corresponde a um vínculo mais íntimo</p><p>entre o ego e o mundo que o cerca. Supondo que há muitas pessoas em cuja</p><p>vida mental esse sentimento primário do ego persistiu em maior ou menor</p><p>79</p><p>grau, ele existiria nelas ao lado do sentimento do ego mais estrito e mais</p><p>nitidamente demarcado da maturidade, como uma espécie de correspondente</p><p>seu. Nesse caso, o conteúdo ideacional a ele apropriado seria exatamente o</p><p>de ilimitabilidade e o de um vínculo com o universo.” .” VOL.XXI “O MAL</p><p>ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1929), PGS. 75 a 77.</p><p>... “originalmente o ego inclui tudo; posteriormente, separa, de</p><p>si mesmo, um mundo externo.” VOL.XXI “O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO</p><p>(1929), PG. 77.</p><p>... “Quais os meios que a civilização utiliza para inibir a</p><p>agressividade que se lhe opõe, torná-la inócua ou, talvez, livrar-se dela?</p><p>(...) O que acontece neste para tornar inofensivo seu desejo de</p><p>agressão? Algo notável, que jamais teríamos adivinhado e que, não</p><p>obstante, é bastante óbvio. Sua agressividade é introjetada,</p><p>internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde</p><p>proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida</p><p>por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como</p><p>superego, e que então, sob a forma de ‘consciência’, está pronta para</p><p>pôr em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria</p><p>gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão</p><p>entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por nós</p><p>chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade</p><p>de punição. A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo</p><p>de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e</p><p>estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma</p><p>guarnição numa cidade conquistada.</p><p>Quanto à origem do sentimento de culpa, as opiniões do analista</p><p>diferem das dos outros psicólogos, embora também ele não ache fácil</p><p>80</p><p>descrevê-lo. Inicialmente, se perguntarmos como uma pessoa vem a ter</p><p>sentimento deculpa, chegaremos a uma resposta indiscutível: uma pessoa</p><p>sente-se culpada (os devotos diriam ‘pecadora’) quando fez algo que sabe ser</p><p>‘mau’. Reparamos, porém, em quão pouco essa resposta nos diz. Talvez,</p><p>após certa hesitação, acrescentemos que, mesmo quando a pessoa não fez</p><p>realmente uma coisa má, mas apenas identificou em si uma intenção de fazê-</p><p>la, ela pode encarar-se como culpada. Surge então a questão de saber por</p><p>que a intenção é considerada equivalente ao ato. Ambos os casos, contudo,</p><p>pressupõem que já se tenha reconhecido que o que é mau é repreensível, é</p><p>algo que não deve ser feito. Como se chega a esse julgamento? Podemos</p><p>rejeitar a existência de uma capacidade original, por assim dizer, natural de</p><p>distinguir o bom do mau. O que é mau, freqüentemente, não é de modo</p><p>algum o que é prejudicial ou perigoso ao ego; pelo contrário, pode ser algo</p><p>desejável pelo ego e prazeroso para ele. Aqui, portanto, está em ação uma</p><p>influência estranha, que decide o que deve ser chamado de bom ou mau. De</p><p>uma vez que os próprios sentimentos de uma pessoa não a conduziriam ao</p><p>longo desse caminho, ela deve ter um motivo para submeter-se a essa</p><p>influência estranha. Esse motivo é facilmente descoberto no desamparo e na</p><p>dependência dela em relação a outras pessoas, e pode ser mais bem</p><p>designado como medo da perda de amor. Se ela perde o amor de outra</p><p>pessoa de quem é dependente, deixa também de ser protegida de uma série</p><p>de perigos. Acima de tudo, fica exposta ao perigo de que essa pessoa mais</p><p>forte mostre a sua superioridade sob forma de punição. De início, portanto,</p><p>mau é tudo aquilo que, com a perda do amor, nos faz sentir ameaçados. Por</p><p>medo dessa perda, deve-se evitá-lo. Esta também é a razão por que faz tão</p><p>pouca diferença que já se tenha feito a coisa má ou apenas se pretenda fazê-</p><p>la. Em qualquer um dos casos, o perigo só se instaura, se e quando a</p><p>autoridade descobri-lo, e, em ambos, a autoridade se comporta da mesma</p><p>maneira.</p><p>81</p><p>Esse estado mental é chamado de ‘má consciência’; na realidade,</p><p>porém, não merece esse nome, pois, nessa etapa, o sentimento de culpa é,</p><p>claramente, apenas um medo da perda de amor,</p><p>adquire objetos daquele mundo, e, apesar de tudo, não</p><p>pode evitar sentir como desagradáveis, por algum tempo, estímulos</p><p>instintuais internos. Sob o domínio do princípio de prazer ocorre agora um</p><p>desenvolvimento ulterior no ego. Na medida em que os objetos que lhe são</p><p>apresentados constituem fontes de prazer, ele os toma para si próprio, os</p><p>‘introjeta’ (para empregar o termo de Ferenczi [1909]); e, por outro lado,</p><p>expele o que quer que dentro de si mesmo se torne uma causa de desprazer.</p><p>Assim, o ‘ego da realidade’, original, que distinguiu o interno e o</p><p>externo por meio de um sólido critério objetivo se transforma num ‘ego do</p><p>prazer’ purificado, que coloca a característica do prazer acima de todas as</p><p>outras. Para o ego do prazer, o mundo externo está dividido numa parte que é</p><p>agradável, que ele incorporou a si mesmo, e num remanescente que lhe é</p><p>estranho. Isolou uma parte do seu próprio eu, que projeta no mundo externo e</p><p>sente como hostil. Após esse novo arranjo, as duas polaridades coincidem</p><p>mais uma vez: o sujeito do ego coincide com o prazer, e o mundo externo</p><p>com o desprazer (com o que anteriormente era indiferente).</p><p>Quando, durante a fase do narcisismo primário, o objeto faz a sua</p><p>aparição, o segundo oposto ao amar, a saber, o odiar, atinge seu</p><p>desenvolvimento.</p><p>Como já vimos, o objeto é levado do mundo externo para o ego, a</p><p>princípio, pelos instintos de autopreservação; não se pode negar que também</p><p>o odiar, originalmente, caracterizou a relação entre o ego e o mundo externo</p><p>6</p><p>alheio com os estímulos que introduz. A indiferença se enquadra como um</p><p>caso especial de ódio ou desagrado, após ter aparecido inicialmente como</p><p>sendo seu precursor. Logo no começo, ao que parece, o mundo externo,</p><p>objetos e o que é odiado são idênticos. Se depois um objeto bom vem a ser</p><p>uma fonte de prazer, ele é amado, mas é também incorporado ao ego, de</p><p>modo que para o ego do prazer purificado mais uma vez os objetos coincidem</p><p>com o que é estranho e odiado.</p><p>Agora, contudo, podemos notar que da mesma forma que o par de</p><p>opostos amor-indiferença reflete a polaridade ego-mundo externo, assim</p><p>também a segunda antítese amor-ódio reproduz a polaridade prazer-</p><p>desprazer, que está ligada à primeira polaridade. Quando a fase puramente</p><p>narcisista cede lugar à fase objetal, o prazer e o desprazer significam</p><p>relações entre o ego e o objeto. Se o objeto se torna uma fonte de</p><p>sensações agradáveis, estabelece-se uma ânsia (urge) motora que</p><p>procura trazer o objeto para mais perto do ego e incorporá-lo ao ego.</p><p>Falamos da ‘atração’ exercida pelo objeto proporcionador de prazer, e</p><p>dizemos que ‘amamos’ esse objeto. Inversamente, se o objeto for uma</p><p>fonte de sensações desagradáveis, há uma ânsia (urge) que se esforça</p><p>por aumentar a distância entre o objeto e o ego, e a repetir em relação</p><p>ao objeto a tentativa original de fuga do mundo externo com sua</p><p>emissão de estímulos. Sentimos a ‘repulsão’ do objeto, e o odiamos;</p><p>esse ódio pode depois intensificar-se ao ponto de uma inclinação</p><p>agressiva contra o objeto - uma intenção de destruí-lo.</p><p>Poderíamos, num caso de emergência, dizer que um instinto ‘ama’ o</p><p>objeto no sentido do qual ele luta por propósitos de satisfação, mas dizer que</p><p>um instinto ‘odeia’ um objeto, nos parece estranho. Assim, tornamo-nos</p><p>cônscios de que as atitudes de amor e ódio não podem ser utilizadas para as</p><p>relações entre os instintos e seus objetos, mas estão reservadas para as</p><p>relações entre o ego total e os objetos. Mas, se considerarmos o uso</p><p>7</p><p>lingüístico, que por certo não é destituído de significação, veremos que há</p><p>outra limitação ao significado do amor e do ódio. Não costumamos dizer que</p><p>amamos os objetos que servem aos interesses da autopreservação;</p><p>ressaltamos o fato de que necessitamos deles, e talvez expressemos uma</p><p>espécie de relação adicional diferente para com eles, utilizando-nos de</p><p>palavras que denotam um grau muito reduzido de amor - tais como, por</p><p>exemplo, ‘ser afeiçoado a’, ‘gostar’ ou ‘achar agradável’.</p><p>Assim, a palavra ‘amar’ desloca-se cada vez mais para a esfera da</p><p>pura relação de prazer entre o ego e o objeto, e finalmente se fixa a objetos</p><p>sexuais no sentido mais estrito e àqueles que satisfazem as necessidades</p><p>dos instintos sexuais sublimados. A distinção entre os instintos do ego e os</p><p>instintos sexuais que impusemos à nossa psicologia é dessa forma encarada</p><p>como estando em conformidade com o espírito de nossa língua. O fato de</p><p>não termos o hábito de dizer que um instinto sexual isolado ama o seu objeto,</p><p>mas considerarmos a relação entre o ego e seu objeto sexual como o caso</p><p>mais apropriado no qual empregar a palavra ‘amor’ - esse fato nos ensina que</p><p>a palavra só pode começar a ser aplicada nesse sentido após ter havido uma</p><p>síntese de todos os instintos componentes da sexualidade sob a primazia dos</p><p>órgãos genitais e a serviço da função reprodutora.</p><p>É digno de nota que no uso da palavra ‘ódio’ não aparece essa</p><p>conexão íntima com o prazer sexual e a função sexual. A relação de</p><p>desprazer parece ser a única decisiva. O ego odeia, abomina e persegue,</p><p>com intenção de destruir, todos os objetos que constituem uma fonte de</p><p>sensação desagradável para ele, sem levar em conta que significam uma</p><p>frustração quer da satisfação sexual, quer da satisfação das necessidades</p><p>autopreservativas. Realmente, pode-se asseverar que os verdadeiros</p><p>protótipos da relação de ódio se originam não da vida sexual, mas da</p><p>luta do ego para preservar-se e manter-se.</p><p>Vemos, assim, que o amor e o ódio, que se nos apresentam como</p><p>8</p><p>opostos completos em seu conteúdo, afinal de contas não mantêm entre si</p><p>uma relação simples. Não surgiram da cisão de uma entidade originalmente</p><p>comum, mas brotaram de fontes diferentes, tendo cada um deles se</p><p>desenvolvido antes que a influência da relação prazer-desprazer os</p><p>transformasse em opostos.</p><p>Resta-nos agora reunir o que sabemos da gênese do amor e do ódio.</p><p>O amor deriva da capacidade do ego de satisfazer auto-eroticamente alguns</p><p>dos seus impulsos instintuais pela obtenção do prazer do órgão. É</p><p>originalmente narcisista, passando então para objetos, que foram</p><p>incorporados ao ego ampliado, e expressando os esforços motores do ego</p><p>em direção a esses objetos como fontes de prazer. Torna-se intimamente</p><p>vinculado à atividade dos instintos sexuais ulteriores e, quando estes são</p><p>inteiramente sintetizados, coincide com o impulso sexual como um todo. As</p><p>fases preliminares do amor surgem como finalidades sexuais provisórias</p><p>enquanto os instintos sexuais passam por seu complicado desenvolvimento.</p><p>Reconhecemos a fase de incorporação ou devoramento como sendo a</p><p>primeira dessas finalidades - um tipo de amor que é compatível com a</p><p>abolição da existência separada do objeto e que, portanto, pode ser descrito</p><p>como ambivalente. Na fase mais elevada da organização sádico-anal pré-</p><p>genital, a luta pelo objeto aparece sob a forma de uma ânsia (urge) de</p><p>dominar, para a qual o dano ou o aniquilamento do objeto é indiferente. O</p><p>amor nessa forma e nessa fase preliminar quase não se distingue do ódio em</p><p>sua atitude para com o objeto. Só depois de estabelecida a organização</p><p>genital é que o amor se torna o oposto do ódio.</p><p>O ódio, enquanto relação com objetos, é mais antigo que o amor.</p><p>Provém do repúdio primordial do ego narcisista ao mundo externo com seu</p><p>extravasamento de estímulos. Enquanto expressão da reação do desprazer</p><p>evocado por objetos, sempre permanece numa relação íntima com os</p><p>instintos autopreservativos, de modo que os instintos sexuais e os do ego</p><p>9</p><p>possam prontamente desenvolver uma antítese que repete a do amor e do</p><p>ódio. Quando os instintos do ego dominam a função sexual, como é o caso na</p><p>fase da organização anal-sádica, eles transmitem as qualidades de ódio</p><p>também à finalidade instintual.</p><p>A história das origens e relações do amor nos permite compreender</p><p>como é que o amor</p><p>uma ansiedade ‘social’. Em</p><p>crianças, ele nunca pode ser mais do que isso, e em muitos adultos ele só se</p><p>modifica até o ponto em que o lugar do pai ou dos dois genitores é assumido</p><p>pela comunidade humana mais ampla. Por conseguinte, tais pessoas</p><p>habitualmente se permitem fazer qualquer coisa má que lhes prometa prazer,</p><p>enquanto se sentem seguras de que a autoridade nada saberá a respeito, ou</p><p>não poderá culpá-las por isso; só têm medo de serem descobertas. A</p><p>sociedade atual, geralmente, vê-se obrigada a levar em conta esse estado</p><p>mental. Uma grande mudança só se realiza quando a autoridade é</p><p>internalizada através do estabelecimento de um superego. Os fenômenos da</p><p>consciência atingem então um estágio mais elevado. Na realidade, então</p><p>devemos falar de consciência ou de sentimento de culpa. Nesse ponto,</p><p>também, o medo de ser descoberto se extingue; além disso, a distinção entre</p><p>fazer algo mau e desejar fazê-lo desaparece inteiramente, já que nada pode</p><p>ser escondido do superego, sequer os pensamentos. É verdade que a</p><p>seriedade da situação, de um ponto de vista real, se dissipou, pois a nova</p><p>autoridade, o superego, ao que saibamos, não tem motivos para maltratar o</p><p>ego, com o qual está intimamente ligado; contudo, a influência genética, que</p><p>conduz à sobrevivência do que passou e foi superado, faz-se sentir no fato</p><p>de, fundamentalmente, as coisas permanecerem como eram de início. O</p><p>superego atormenta o ego pecador com o mesmo sentimento de ansiedade e</p><p>fica à espera de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo externo.</p><p>Nesse segundo estágio de desenvolvimento, a consciência apresenta</p><p>uma peculiaridade que se achava ausente do primeiro e que não é mais fácil</p><p>de explicar, pois quanto mais virtuoso um homem é, mais severo e</p><p>desconfiado é o seu comportamento, de maneira que, em última análise, são</p><p>precisamente as pessoas que levaram mais longe a santidade as que se</p><p>82</p><p>censuram da pior pecaminosidade. Isso significa que a virtude perde direito a</p><p>uma certa parte da recompensa prometida; o ego dócil e continente não</p><p>desfruta da confiança de seu mentor, e é em vão que se esforça, segundo</p><p>parece, por adquiri-la. Far-se-á imediatamente a objeção de que essas</p><p>dificuldades são artificiais, e dir-se-à que uma consciência mais estrita e mais</p><p>vigilante constitui precisamente a marca distintiva de um homem moral. Além</p><p>disso, quando os santos se chamam a si próprios de pecadores, não estão</p><p>errados - considerando-se as tentações à satisfação instintiva a que se</p><p>encontram expostos em grau especialmente alto -, já que, como todossabem,</p><p>as tentações são simplesmente aumentadas pela frustração constante, ao</p><p>passo que a sua satisfação ocasional as faz diminuir, ao menos por algum</p><p>tempo. O campo da ética, tão cheio de problemas, nos apresenta outro fato: a</p><p>má sorte - isto é, a frustração externa - acentua grandemente o poder da</p><p>consciência no superego. Enquanto tudo corre bem com um homem, a sua</p><p>consciência é lenitiva e permite que o ego faça todo tipo de coisas; entretanto,</p><p>quando o infortúnio lhe sobrevém, ele busca sua alma, reconhece sua</p><p>pecaminosidade, eleva as exigências de sua consciência, impõe-se</p><p>abstinência e se castiga com penitências. Povos inteiros se comportaram</p><p>dessa maneira, e ainda se comportam. Isso, contudo, é facilmente explicado</p><p>pelo estágio infantil original da consciência, o qual, como vemos, não é</p><p>abandonado após a introjeção no superego, persistindo lado a lado e por trás</p><p>dele. O Destino é encarado como um substituto do agente parental. Se um</p><p>homem é desafortunado, isso significa que não é mais amado por esse poder</p><p>supremo, e, ameaçado por essa falta de amor, mais uma vez se curva ao</p><p>representante paterno em seu superego, representante que, em seus dias de</p><p>boa sorte estava pronto a desprezar. Esse fato se torna especialmente claro</p><p>quando o Destino é encarado segundo o sentido estritamente religioso de</p><p>nada mais ser do que uma expressão da Vontade Divina. O povo de Israel</p><p>acreditava ser o filho favorito de Deus e, quando o grande Pai fez com que</p><p>83</p><p>infortúnios cada vez maiores desabassem sobre seu povo, jamais a crença</p><p>em Seu relacionamento com eles se abalou, nem o Seu poder ou justiça foi</p><p>posto em dúvida. Pelo contrário, foi então que surgiram os profetas, que</p><p>apontaram a pecaminosidade desse povo, e, de seu sentimento de culpa,</p><p>criaram-se os mandamentos superestritos de sua religião sacerdotal. É digno</p><p>de nota o comportamento tão diferente do homem primitivo. Se ele se</p><p>defronta com um infortúnio, não atribui a culpa a si mesmo, mas a seu fetiche,</p><p>que evidentemente não cumpriu o dever, e dá-lhe uma surra, em vez de se</p><p>punir a si mesmo.</p><p>Conhecemos, assim, duas origens do sentimento de culpa: uma que</p><p>surge do medo de uma autoridade, e outra, posterior, que surge do medo</p><p>dosuperego. A primeira insiste numa renúncia às satisfações instintivas; a</p><p>segunda, ao mesmo tempo em que faz isso exige punição, de uma vez que a</p><p>continuação dos desejos proibidos não pode ser escondida do superego.</p><p>Aprendemos também o modo como a severidade do superego - as exigências</p><p>da consciência - deve ser entendida. Trata-se simplesmente de uma</p><p>continuação da severidade da autoridade externa, à qual sucedeu e que, em</p><p>parte, substituiu. Percebemos agora em que relação a renúncia ao instinto se</p><p>acha com o sentimento de culpa. Originalmente, renúncia ao instinto</p><p>constituía o resultado do medo de uma autoridade externa: renunciava-se às</p><p>próprias satisfação para não se perder o amor da autoridade. Se se efetuava</p><p>essa renúncia, ficava-se, por assim dizer, quite com a autoridade e nenhum</p><p>sentimento de culpa permaneceria. Quanto ao medo do superego, porém, o</p><p>caso é diferente. Aqui, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo persiste</p><p>e não pode ser escondido do superego. Assim, a despeito da renúncia</p><p>efetuada, ocorre um sentimento de culpa. Isso representa uma grande</p><p>desvantagem econômica na construção de um superego ou, como podemos</p><p>dizer, na formação de uma consciência. Aqui, a renúncia instintiva não possui</p><p>mais um efeito completamente liberador; a continência virtuosa não é mais</p><p>84</p><p>recompensada com a certeza do amor. Uma ameaça de infelicidade externa -</p><p>perda de amor e castigo por parte da autoridade externa - foi permutada por</p><p>uma permanente infelicidade interna, pela tensão do sentimento de culpa.</p><p>Essas inter-relações são tão complicadas e, ao mesmo tempo, tão</p><p>importantes, que, ao risco de me repetir, as abordarei ainda de outro ângulo.</p><p>A seqüência cronológica, então, seria a seguinte. Em primeiro lugar, vem a</p><p>renúncia ao instinto, devido ao medo de agressão por parte da autoridade</p><p>externa. (É a isso, naturalmente, que o medo da perda de amor equivale, pois</p><p>o amor constitui proteção contra essa agressão punitiva.) Depois, vem a</p><p>organização de uma autoridade interna e a renúncia ao instinto devido ao</p><p>medo dela, ou seja, devido ao medo da consciência. Nessa segunda</p><p>situação, as más intenções são igualadas às más ações e daí surgem</p><p>sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da</p><p>consciência continua a agressividade da autoridade. Até aqui, sem dúvida, as</p><p>coisas são claras; mas onde é que isso deixa lugar para a influência</p><p>reforçadora do infortúnio (da renúncia imposta de fora), e para a</p><p>extraordinária severidade da consciência nas pessoas melhores e mais</p><p>dóceis. Já explicamos essasparticularidades da consciência, mas</p><p>provavelmente ainda temos a impressão de que essas explicações não</p><p>atingem o fundo da questão e deixam ainda inexplicado um resíduo. Aqui, por</p><p>fim, surge uma idéia que pertence inteiramente à psicanálise, sendo estranha</p><p>ao modo comum de pensar das pessoas. Essa idéia é de um tipo que nos</p><p>capacita a compreender por que o tema geral estava fadado a nos parecer</p><p>confuso e obscuro, pois nos diz que, de início, a consciência (ou, de modo</p><p>mais correto, a ansiedade que depois</p><p>se torna consciência) é, na verdade, a</p><p>causa da renúncia instintiva, mas que, posteriormente, o relacionamento se</p><p>inverte. Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de</p><p>consciência, e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância</p><p>desta última. Se pudéssemos colocar isso mais em harmonia com o que já</p><p>85</p><p>sabemos sobre a história da origem da consciência, ficaríamos tentados a</p><p>defender a afirmativa paradoxal de que a consciência é o resultado da</p><p>renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva (imposta a nós de fora) cria a</p><p>consciência, a qual, então, exige mais renúncias instintivas.</p><p>A contradição entre essa afirmativa e o que anteriormente dissemos</p><p>sobre a gênese da consciência não é, na realidade, tão grande, e vemos uma</p><p>maneira de reduzi-la ainda mais. A fim de facilitar nossa exposição, tomemos</p><p>como exemplo o instinto agressivo e suponhamos que a renúncia em estudo</p><p>seja sempre uma renúncia à agressão. (Isso, naturalmente, só deve ser</p><p>tomado como uma suposição temporária.) O efeito da renúncia instintiva</p><p>sobre a consciência, então, é que cada agressão de cuja satisfação o</p><p>indivíduo desiste é assumida pelo superego e aumenta a agressividade deste</p><p>(contra o ego). Isso não se harmoniza bem com o ponto de vista segundo o</p><p>qual a agressividade original da consciência é uma continuação da</p><p>severidade da autoridade externa, não tendo, portanto, nada a ver com a</p><p>renúncia. Mas a discrepância se anulará se postularmos uma derivação</p><p>diferente para essa primeira instalação da agressividade do superego. É</p><p>provável que, na criança, se tenha desenvolvido uma quantidade considerável</p><p>de agressividade contra a autoridade, que a impede de ter suas primeiras - e,</p><p>também, mais importantes - satisfações, não importando o tipo de privação</p><p>instintiva que dela possa ser exigida. Ela, porém, é obrigada a renunciar à</p><p>satisfação dessa agressividade vingativa e encontra saída para essa situação</p><p>economicamente difícil com o auxílio de mecanismos familiares. Através da</p><p>identificação, incorpora a si a autoridade inatacável. Esta transforma-se então</p><p>em seu superego, entrando na posse de toda a agressividade que a criança</p><p>gostaria de exercer contra ele. O ego da criança tem de contentar-se com o</p><p>papel infeliz da autoridade - o pai - que foi assim degradada. Aqui, como tão</p><p>freqüentemente acontece, a situação [real] é invertida: ‘Se eu fosse o pai e</p><p>você fosse a criança, eu otrataria muito mal’. O relacionamento entre o</p><p>86</p><p>superego e o ego constitui um retorno, deformado por um desejo, dos</p><p>relacionamentos reais existentes entre o ego, ainda individido, e um objeto</p><p>externo. Isso também é típico. A diferença essencial, porém, é que a</p><p>severidade original do superego não representa - ou não representa tanto - a</p><p>severidade que dele [do objeto] se experimentou ou que se lhe atribui.</p><p>Representa, antes, nossa própria agressividade para com ele. Se isso é</p><p>correto, podemos verdadeiramente afirmar que, de início, a consciência surge</p><p>através da repressão de um impulso agressivo, sendo subseqüentemente</p><p>reforçada por novas repressões do mesmo tipo.</p><p>Qual destes dois pontos de vista é correto? O primeiro, que</p><p>geneticamente parecia tão inexpugnável, ou o último, que de maneira tão</p><p>bem-vinda apara as arestas da teoria? Claramente, e também pelas provas</p><p>de observações diretas, ambos se justificam. Não contradizem mutuamente e,</p><p>até mesmo, coincidem em determinado ponto, pois a agressividade vingativa</p><p>da criança será em parte determinada pela quantidade de agressão punitiva</p><p>que espera do pai. A experiência mostra, contudo, que a severidade do</p><p>superego que uma criança desenvolve, de maneira nenhuma corresponde à</p><p>severidade de tratamento com que ela própria se defrontou. A severidade do</p><p>primeiro parece ser independente da do último. Uma criança criada de forma</p><p>muito suave, pode adquirir uma consciência muito estrita. No entanto,</p><p>também seria errado exagerar essa independência; não é difícil nos</p><p>convencermos de que a severidade da criação também exerce uma forte</p><p>influência na formação do superego da criança. Isso significa que, na</p><p>formação do superego e no surgimento da consciência, fatores</p><p>constitucionais inatos e influências do ambiente real atuam de forma</p><p>combinada. O que, de modo algum, é surpreendente; ao contrário, trata-se de</p><p>uma condição etiológica universal para todos os processos desse tipo.”</p><p>VOL.XXI “O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1929), PGS. 127 a 133.</p><p>87</p><p>... “Esse ego não é uma entidade simples. Abriga dentro dele,</p><p>como seu núcleo, um agente especial: o superego. Às vezes, acha-se</p><p>fundido com o superego de maneira que não podemos fazer distinção</p><p>entre eles, ao passo que, em outras circunstâncias, se acha nitidamente</p><p>diferenciado dele. Geneticamente, o superego é o herdeiro do agente</p><p>paterno. Freqüentemente ele mantém o ego em estrita dependência e,</p><p>ainda, realmente o trata como os genitores, ou o pai, outrora trataram o</p><p>filho, em seus primeiros anos.” VOL.XXI, “HUMOR” (1927), PGS. 167 e</p><p>168.</p><p>... “o que foi dito até agora não esgota as conseqüências da</p><p>repressão do ódio pelo pai no complexo de Édipo. Há algo de novo a ser</p><p>acrescentado, a saber: que, apesar de tudo, a identificação com o pai</p><p>finalmente constrói um lugar permanente para si mesma no ego. É recebida</p><p>dentro deste, mas lá se estabelece como um agente separado, em contraste</p><p>com o restante do conteúdo do ego. Damos-lhe então o nome de superego e</p><p>atribuímos-lhe, como herdeiro da influência parental, as funções mais</p><p>importantes. Se o pai foi duro, violento e cruel, o superego assume dele esses</p><p>atributos e nas relações entre o ego e ele, a passividade que se imaginava ter</p><p>sido reprimida é restabelecida. O superego se tornou sádico e o ego se torna</p><p>masoquista, isto é, no fundo, passivo, de uma maneira feminina. Uma grande</p><p>necessidade de punição se desenvolve no ego, que em parte se oferece</p><p>como vítima ao destino e em parte encontra satisfação nos maus tratos que</p><p>lhe são dados pelo superego (isto é, no sentimento de culpa), pois toda</p><p>punição é, em última análise, uma castração, e, como tal, realização da antiga</p><p>atitude passiva para com o pai. Mesmo o Destino, em última instância, não</p><p>passa de uma projeção tardia do pai .” VOL.XXI, “ DOSTOIEVSKI E O</p><p>PARRICIDIO” (1927), PG.190.</p><p>88</p><p>VOL.XXII</p><p>...”Queremos transformar o ego, o nosso próprio ego, em tema de</p><p>investigação. Mas isto é possível? Afinal, o ego é, em sua própria essência,</p><p>sujeito; como pode ser transformado em objeto? Bem, não há dúvida de que</p><p>pode sê-lo. O ego pode tomar-se a si próprio como objeto, pode tratar-se</p><p>como trata outros objetos, pode observar-se, criticar-se, sabe-se lá o que</p><p>pode fazer consigo mesmo. Nisto, uma parte do ego se coloca contra a parte</p><p>restante. Assim, o ego pode ser dividido; divide-se durante numerosas</p><p>funções suas - pelo menos temporariamente. Depois, suas partes podem</p><p>juntar-se novamente. Isto não é propriamente novidade, embora talvez seja</p><p>conferir ênfase incomum àquilo que é do conhecimento geral. Por outro lado,</p><p>bem conhecemos a noção de que a patologia, tornando as coisas maiores e</p><p>mais toscas, pode atrair nossa atenção para condições normais que de outro</p><p>modo nos escapariam. Onde ela mostra uma brecha ou uma rachadura, ali</p><p>pode normalmente estar presente uma articulação. Se atiramos ao chão um</p><p>cristal, ele se parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se desfaz, segundo</p><p>linhas de clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisíveis,</p><p>estavam predeterminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são</p><p>estruturas divididas e partidas do mesmotipo. Nem nós mesmos podemos</p><p>esconder-lhes um pouco desse temor reverente que os povos do passado</p><p>sentiam pelo insano. Eles, esses pacientes, afastaram-se da realidade</p><p>externa, mas por essa mesma razão conhecem mais da realidade interna,</p><p>psíquica, e podem revelar-nos muitas coisas</p><p>que de outro modo nos seriam</p><p>inacessíveis.</p><p>Um dos grupos dentre tais pacientes, nós o descrevemos como</p><p>padecendo de delírios de estar sendo observado. Queixam-se a nós de que,</p><p>permanentemente, e até em suas ações mais íntimas, estão sendo</p><p>molestados pela observação de poderes desconhecidos - presumivelmente</p><p>89</p><p>pessoas - e que, em alucinações, ouvem essas pessoas referindo o resultado</p><p>de sua observação: ‘agora ele vai dizer isto, agora ele está se vestindo para</p><p>sair’ e assim por diante. Uma observação dessa espécie ainda não é a</p><p>mesma coisa que perseguição, mas não está longe disto; pressupõe que as</p><p>pessoas desconfiam deles e esperam pilhá-los executando atos proibidos</p><p>pelos quais seriam punidos. Como seria se essas pessoas insanas</p><p>estivessem certas, se em cada um de nós estivesse presente no ego uma</p><p>instância como essa que observa e ameaça punir, e que nos doentes mentais</p><p>se tornou nitidamente separada de seu ego e erroneamente deslocada para a</p><p>realidade externa?</p><p>Não posso dizer se com os senhores acontece a mesma coisa que a</p><p>mim. Há longo tempo, sob a poderosa impressão deste quadro clínico, formei</p><p>a idéia de que a separação da instância observadora, do restante do ego,</p><p>poderia ser um aspecto regular da estrutura do ego; essa idéia nunca me</p><p>abandonou, e fui levado a investigar as demais características e conexões da</p><p>instância que assim estava separada. O passo seguinte é dado rapidamente.</p><p>O conteúdo dos delírios de ser observado já sugere que o observar é apenas</p><p>uma preparação do julgar e do punir e, por conseguinte, deduzimos que uma</p><p>outra função dessa instância deve ser o que chamamos nossa consciência.</p><p>Dificilmente existe em nós alguma outra coisa que tão regularmente</p><p>separamos de nosso ego e a que facilmente nos opomos como justamente</p><p>nossa consciência. Sinto-me inclinado a fazer algo que penso irá dar-me</p><p>prazer, mas abandono-o pelo motivo de que minha consciência não o admite.</p><p>Ou deixei-me persuadir por uma expectativa muito grande de prazer de fazer</p><p>algo a que a voz da consciência fez objeções e, após o ato, minha</p><p>consciência me pune com censuras dolorosas e me faz sentir remorsos pelo</p><p>ato. Poderia dizer simplesmente que a instância especial que estou</p><p>começando a diferenciar no ego é a consciência. É mais prudente, contudo,</p><p>manter a instância como algo independente e supor que a consciência é uma</p><p>90</p><p>de suas funções, e que a auto-observação, que é um preliminar essencial da</p><p>atividade de julgar da consciência, é mais uma de tais funções. E desde que,</p><p>reconhecendo que algo tem existência separada, lhe damos um nome que lhe</p><p>seja seu, de ora em diante descreverei essa instância existente no ego como</p><p>o ‘superego‘.” VOL.XXII, NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS</p><p>SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]), PGS.64 a 66.</p><p>...” Seria difícil familiarizarmo-nos com a idéia de um superego</p><p>como este, que goza de um determinado grau de autonomia, que age</p><p>segundo suas próprias intenções e que é independente do ego para a</p><p>obtenção de sua energia; há, porém, um quadro clínico que se impõe à</p><p>nossa observação e que mostra nitidamente a severidade dessa</p><p>instância e até mesmo sua crueldade, bem como suas cambiantes</p><p>relações com o ego. Estou-me referindo à situação da melancolia, ou,</p><p>mais precisamente, dos surtos melancólicos, dos quais os senhores</p><p>terão ouvido falar muito, ainda que não sejam psiquiatras. O aspecto</p><p>mais evidente dessa doença, de cujas causas e de cujo mecanismo</p><p>conhecemos quase nada, é o modo como o superego - ‘consciência’,</p><p>podem denominá-la assim, tranqüilamente - trata o ego. Embora um</p><p>melancólico possa, assim como outras pessoas, mostrar um grau maior</p><p>ou menor de severidade para consigo mesmo nos seus períodos sadios,</p><p>durante um surto melancólico seu superego se torna supersevero,</p><p>insulta, humilha e maltrata o pobre ego, ameaça-o com os mais duros</p><p>castigos, recrimina-o por atos do passado mais remoto, que haviam sido</p><p>considerados, à época, insignificantes - como se tivesse passado todo o</p><p>intervalo reunindo acusações e apenas tivesse estado esperando por</p><p>seu atual acesso de severidade a fim de apresentá-las e proceder a um</p><p>julgamento condenatório, com base nelas. O superego aplica o mais</p><p>91</p><p>rígido padrão de moral ao ego indefeso que lhe fica à mercê; representa,</p><p>em geral, as exigências da moralidade, e compreendemos</p><p>imediatamente que nosso sentimento moral de culpa é expressão da</p><p>tensão entre o ego e o superego. Constitui experiência muitíssimo</p><p>marcante ver a moralidade, que se supõe ter-nos sido dada por Deus e,</p><p>portanto,profundamente implantada em nós, funcionando nesses</p><p>pacientes como fenômeno periódico. Pois, após determinado número de</p><p>meses, todo o exagero moral passou, a crítica do superego silencia, o</p><p>ego é reabilitado e novamente goza de todos os direitos do homem, até</p><p>o surto seguinte. Em determinadas formas da doença, na verdade,</p><p>passa-se algo de tipo contrário, nos intervalos; o ego encontra-se em</p><p>um estado beatífico de exaltação, celebra um triunfo, como se o</p><p>superego tivesse perdido toda a sua força ou estivesse fundido no ego;</p><p>e esse ego liberado, maníaco, permite-se uma satisfação</p><p>verdadeiramente desinibida de todos os seus apetites. Aqui estão</p><p>acontecimentos ricos em enigmas não solucionados! .” VOL.XXII, NOVAS</p><p>CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]),</p><p>PGS.66 e 67.</p><p>...”O papel que mais tarde é assumido pelo superego é</p><p>desempenhado, no início, por um poder externo, pela autoridade dos</p><p>pais. A influência dos pais governa a criança, concedendo-lhe provas de</p><p>amor e ameaçando com castigos, os quais, para a criança, são sinais de</p><p>perda do amor e se farão temer por essa mesma causa. Essa ansiedade</p><p>realística é o precursor da ansiedade moral subseqüente. Na medida em que</p><p>ela é dominante, não há necessidade de falar em superego e consciência.</p><p>Apenas posteriormente é que se desenvolve a situação secundária (que</p><p>todos nós com demasiada rapidez havemos de considerar como sendo a</p><p>situação normal), quando acoerção externa é internalizada, e o superego</p><p>92</p><p>assume o lugar da instância parental e observa, dirige e ameaça o ego,</p><p>exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a</p><p>criança.</p><p>O superego, que assim assume o poder, a função e até mesmo os</p><p>métodos da instância parental, é, porém, não simplesmente seu sucessor,</p><p>mas também, realmente, seu legítimo herdeiro. Procede diretamente dele, e</p><p>verificaremos agora por que processo. Antes, porém, atentemos para uma</p><p>discrepância entre os dois. O superego parece ter feito uma escolha unilateral</p><p>e ter ficado apenas com a rigidez e severidade dos pais, com sua função</p><p>proibidora e punitiva, ao passo que o cuidado carinhoso deles parece não ter</p><p>sido assimilado e mantido. Se os pais realmente impuseram sua autoridade</p><p>com severidade, facilmente podemos compreender que a criança desenvolva,</p><p>em troca, um superego severo. Contrariando nossas expectativas, porém, a</p><p>experiência mostra que o superego pode adquirir essas mesmas</p><p>características de severidade inflexível, ainda que a criança tenha sido</p><p>educada de forma branda e afetuosa, e se tenham evitado, na medida do</p><p>possível, ameaças e punições.” VOL.XXII, NOVAS CONFERÊNCIAS</p><p>INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]), PGS.67 e 68.</p><p>...” A base do processo é o que se chama ‘identificação’ - isto é, a</p><p>ação de assemelhar um ego a outro ego, em conseqüência do que o primeiro</p><p>ego se comporta como o segundo em determinados aspectos, imita-o e, em</p><p>certo sentido, assimila-o dentro de si. A identificação tem sido comparada,</p><p>não inadequadamente, com a incorporação oral, canibalística, da outra</p><p>pessoa. É uma forma muito importante de vinculação a uma outra pessoa,</p><p>provavelmente a primeira forma, e não é o mesmo que escolha objetal. A</p><p>diferença entre ambas pode ser expressa mais ou menos da seguinte</p><p>maneira. Se um menino se identifica com seu pai,</p><p>ele quer ser igual a seu pai;</p><p>se fizer dele o objeto de sua escolha, o menino quer tê-lo, possuí-lo. No</p><p>93</p><p>primeiro caso, seu ego modifica-se conforme o modelo de seu pai; no</p><p>segundo caso, isso não é necessário. Identificação e escolha objetal são, em</p><p>grande parte, independentes uma da outra; no entanto, é possível identificar-</p><p>se com alguém que, por exemplo, foi tomado como objeto sexual, e modificar</p><p>o ego segundo esse modelo. .” VOL.XXII, NOVAS CONFERÊNCIAS</p><p>INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]), PGS.68 e 69.</p><p>...” a instalação do superego pode ser classificada como exemplo</p><p>bem-sucedido de identificação com a instância parental. O fato que fala</p><p>decisivamente a favor desse ponto de vista é que essa nova criação de uma</p><p>instância superior dentro do ego está muito intimamente ligada ao destino do</p><p>complexo de Édipo, de modo que o superego surge como o herdeiro dessa</p><p>vinculação afetiva tão importante para a infância. Abandonando o complexo</p><p>de Édipo, uma criança deve, conforme podemos ver, renunciar às intensas</p><p>catexias objetais que depositou em seus pais, e é como compensação por</p><p>essa perda de objetos que existe uma intensificação tão grande das</p><p>identificações com seus pais, as quais provavelmente há muito estiveram</p><p>presentes em seu ego. Identificações desse tipo, cristalização de catexias</p><p>objetais a que se renunciou, repetir-se-ão muitas vezes, posteriormente, na</p><p>vida da criança; contudo, está inteiramente de acordo com a importância</p><p>afetiva desse primeiro caso de uma tal transformação o fato de que se deve</p><p>encontrar no ego um lugar especial para seu resultado. Uma investigação</p><p>atenta mostrou-nos, também, que o superego é tolhido em sua força e</p><p>crescimento se a superação do complexo de Édipo tem êxito apenas parcial.</p><p>No decurso do desenvolvimento, o superego também assimila as influências</p><p>que tomaram o lugar dospais - educadores, professores, pessoas escolhidas</p><p>como modelos ideais. Normalmente, o superego se afasta mais e mais</p><p>das figuras parentais originais; torna-se, digamos assim, mais</p><p>impessoal. E não se deve esquecer que uma criança tem conceitos</p><p>94</p><p>diferentes sobre seus pais, em diferentes períodos de sua vida. À época</p><p>em que o complexo de Édipo dá lugar ao superego, eles são algo de muito</p><p>extraordinário; depois, porém, perdem muito desse atributo. Realizam-se,</p><p>pois, identificações também com esses pais dessa fase ulterior, e, na</p><p>verdade, regularmente fazem importantes contribuições à formação do</p><p>caráter; nesse caso, porém, apenas atingem o ego, já não mais influenciam o</p><p>superego que foi determinado pelas imagos parentais mais primitivas.”</p><p>VOL.XXII, NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE</p><p>PSICANÁLISE (1933[1932]), PGS.69 e 70.</p><p>...” Os senhores não haverão de esperar que eu tenha muita</p><p>coisa nova a dizer-lhes acerca do id, exceto o seu nome novo. É a parte</p><p>obscura, a parte inacessível de nossa personalidade; o pouco que</p><p>sabemos a seu respeito, aprendemo-lo de nosso estudo da elaboração</p><p>onírica e da formação dos sintomas neuróticos, e a maior parte disso é de</p><p>caráter negativo e pode ser descrita somente como um contraste com o ego.</p><p>Abordamos o id com analogias; denominamo-lo caos, caldeirão cheio de</p><p>agitação fervilhante. Descrevemo-lo como estando aberto, no seu extremo, a</p><p>influências somáticas e como contendo dentro de si necessidades instintuais</p><p>que nele encontram expressão psíquica; não sabemos dizer, contudo, em que</p><p>substrato. Está repleto de energias que a ele chegam dos instintos, porém</p><p>não possui organização, não expressa uma vontade coletiva, mas somente</p><p>uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais, sujeita</p><p>à observância do princípio de prazer. As leis lógicas do pensamento não se</p><p>aplicam ao id, e isto é verdadeiro, acima de tudo, quanto à lei da contradição.</p><p>Impulsos contrários existem lado a lado, sem que um anule o outro, ou sem</p><p>que um diminua o outro: quando muito, podem convergir para formar</p><p>conciliações, sob a pressão econômica dominante, com vistas à descarga da</p><p>energia. No id não há nada que se possa comparar à negativa e é com</p><p>95</p><p>surpresa que percebemos uma exceção ao teorema filosófico segundo o qual</p><p>espaço e tempo são formas necessárias de nossos atos mentais. No id, não</p><p>existe nada que corresponda à idéia de tempo; não há reconhecimento da</p><p>passagem do tempo, e - coisa muito notável e merecedora de estudo no</p><p>pensamento filosófico nenhuma alteração em seus processos mentais é</p><p>produzida pela passagem do tempo. Impulsos plenos de desejos, que jamais</p><p>passaram além do id, e também impressões, que foram mergulhadas no id</p><p>pelas repressões, são virtualmente imortais; depois de se passarem décadas,</p><p>comportam-se como se tivessem ocorrido há pouco. Só podem ser</p><p>reconhecidos como pertencentes ao passado, só podem perder sua</p><p>importância e ser destituídos de sua catexia de energia, quando tornados</p><p>conscientes pelo trabalho da análise, e é nisto que, em grande parte, se</p><p>baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico. .” VOL.XXII, NOVAS</p><p>CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]),</p><p>PGS.78 e 79.</p><p>...” Naturalmente, o id não conhece nenhum julgamento de</p><p>valores: não conhece o bem, nem o mal, nem moralidade. Domina todos</p><p>os seus processos o fator econômico ou, se preferirem, o fator</p><p>quantitativo, que está intimamente vinculado ao princípio de prazer.</p><p>Catexias instintuais que procuram a descarga - isto, em nossa opinião, é</p><p>tudo o que existe no id. Parece mesmo que a energia desses impulsos</p><p>instintuais se acha num estado diferente daquele encontrado em outras</p><p>regiões da mente, muito mais móvel e capaz de descarga; de outro modo,</p><p>não ocorreriam os deslocamentos e as condensações, que são tão</p><p>característicos do id e que tão radicalmente desprezam a qualidade daquilo</p><p>que é catexizado - aquilo que no ego chamaríamos de uma idéia. Daríamos</p><p>muito para entender mais acerca dessas coisas! Aliás, os senhores podem</p><p>verificar que estamos em condições de atribuir ao id características outras</p><p>96</p><p>além dessa de ser inconsciente, e podem reconhecer a possibilidade de</p><p>partes do ego e do superego serem inconscientes, sem possuírem as</p><p>mesmas características primitivas e irracionais.-Podemos esclarecer melhor</p><p>as características do ego real, na medida em que este pode ser diferenciado</p><p>do id e do superego, examinando sua relação com a parte mais superficial do</p><p>aparelho mental, que descrevemos como o sistema Pcpt.-Cs. Esse sistema</p><p>está voltado para o mundo externo, é o meio de percepção daquilo que surge</p><p>de fora, e durante o seu funcionamento surge nele o fenômeno da</p><p>consciência. É o órgão sensorial de todo o aparelho; ademais, é receptivo não</p><p>só às excitações provenientes de fora, mas também àquelas que emergem do</p><p>interior da mente. Quase não necessitamos procurar uma justificativa para a</p><p>opinião segundo a qual o ego é aquela parte do id que se modificou pela</p><p>proximidade e influência do mundo externo, que está adaptada para a</p><p>recepção de estímulos, e adaptada como escudo protetor contra os</p><p>estímulos, comparável à camada cortical que circunda uma pequena</p><p>massa de substância viva. A relação com o mundo externo tornou-se o</p><p>fator decisivo para o ego; este assumiu a tarefa de representar o mundo</p><p>externo perante o id - o que é uma sorte para o id, que não poderia</p><p>escapar à destruição se, em seus cegos intentos que visam à satisfação</p><p>de seus instintos, não atentasse para esse poder externo supremo. Ao</p><p>cumprir com essa função, o ego deve observar o mundo externo, deve</p><p>estabelecer um quadro preciso do mesmo nos traços de memória de suas</p><p>percepções, e, pelo seu exercício da função de ‘teste de realidade’, deve</p><p>excluir tudo o que nesse quadro do mundo externo é um acréscimo</p><p>decorrente de fontes internas de excitação. O ego controla os acessos à</p><p>motilidade, sob as ordens do id; mas, entre uma necessidade e uma ação,</p><p>interpôs uma protelação</p><p>sob forma de atividade do pensamento, durante a</p><p>qual se utiliza dos resíduos mnêmicos da experiência. Dessa maneira, o ego</p><p>destronou o princípio de prazer, que domina o curso dos eventos no id sem</p><p>97</p><p>qualquer restrição, e o substituiu pelo princípio de realidade, que promete</p><p>maior certeza e maior êxito.</p><p>A relação com o tempo, tão difícil de descrever, também é introduzida</p><p>no ego pelo sistema perceptual; dificilmente pode-se duvidar de que o modo</p><p>de atuação desse sistema é o que dá origem à idéia de tempo. O que,</p><p>contudo,muito particularmente distingue o ego do id é uma tendência à</p><p>síntese de seu conteúdo, à combinação e à unificação nos seus processos</p><p>mentais, o que está totalmente ausente no id. Quando, agora, abordarmos os</p><p>instintos na vida mental, conseguiremos, segundo espero, reconstituir essa</p><p>característica essencial do ego em sua origem. Somente ela produz o alto</p><p>grau de organização que o ego requer para suas melhores realizações. O ego</p><p>evolui da percepção dos instintos para o controle destes; esse controle,</p><p>porém, apenas é realizado pelo representante [psíquico] do instinto quando</p><p>tal representante se situa no lugar que lhe é próprio, num amplo conjunto de</p><p>elementos, quando tomado em um contexto coerente. Para adotar um modo</p><p>popular de falar, poderíamos dizer que o ego significa razão e bom senso, ao</p><p>passo que o id significa as paixões indomadas.</p><p>Até aqui, temo-nos deixado impressionar pelos méritos e capacidades</p><p>do ego; é tempo, agora, de considerar também o outro lado. O ego, afinal, é</p><p>apenas uma parte do id, uma parte que foi adequadamente modificada pela</p><p>proximidade com o mundo externo, com sua ameaça de perigo. Do ponto de</p><p>vista dinâmico, ele é fraco, tomou emprestadas ao id as suas forças, e em</p><p>parte entendemos os métodos - poderíamos chamá-los subterfúgios - pelos</p><p>quais extrai do id quantidades adicionais de energia. Um dentre tais métodos,</p><p>por exemplo, consiste em identificar-se com objetos reais ou abandonados.</p><p>As catexias objetais procedem das exigências instintuais do id. O ego tem de,</p><p>em primeiro lugar, registrá-las. Mas, identificando-se com o objeto, o ego</p><p>recomenda-se ao id em lugar do objeto e procura desviar a libido do id para si</p><p>próprio. Já vimos que, no decurso de sua vida, o ego assume dentro de si um</p><p>98</p><p>grande número de precipitados, como este das mencionadas catexias</p><p>objetais. O ego deve, no geral, executar as intenções do id, e cumpre sua</p><p>atribuição descobrindo as circunstâncias em que essas intenções</p><p>possam ser mais bem realizadas. A relação do ego para com o id</p><p>poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo. O</p><p>cavalo provê a energia de locomoção, enquanto o cavaleiro tem o</p><p>privilégio de decidir o objetivo e de guiar o movimento do poderoso</p><p>animal. Mas muito freqüentemente surge entre o ego e o id a situação,</p><p>não propriamente ideal, de o cavaleiro só poder guiar o cavalo por onde</p><p>este quer ir.</p><p>Há uma parte do id da qual o ego separou-se por meio de</p><p>resistências devidas à repressão. A repressão, contudo, não se estende para</p><p>dentro do id: o reprimido funde-se no restante do id.</p><p>Adverte-nos um provérbio de que não sirvamos a dois senhores ao</p><p>mesmo tempo. O pobre do ego passa por coisas ainda piores: ele serve a três</p><p>severos senhores e faz o que pode para harmonizar entre si seus reclamos e</p><p>exigências. Esses reclamos são sempre divergentes e freqüentemente</p><p>parecem incompatíveis. Não é para admirar se o ego tantas vezes falha em</p><p>sua tarefa. Seus três tirânicos senhores são o mundo externo, o superego e o</p><p>id. Quando acompanhamos os esforços do ego para satisfazê-los</p><p>simultaneamente - ou antes, para obedecer-lhes simultaneamente -, não</p><p>podemos nos arrepender por termo-lo personificado ou por termo-lo erigido</p><p>em um organismo separado. Ele se sente cercado por três lados, ameaçado</p><p>por três tipos de perigo, aos quais reage, quando duramente pressionado,</p><p>gerando ansiedade. Devido à sua origem decorrente das experiências do</p><p>sistema perceptual, ele é destinado a representar as exigências do mundo</p><p>externo, contudo também se esforça por ser um servo leal do id, manter bom</p><p>relacionamento com este, recomendar-se ao id como um objeto e atrair para</p><p>si a libido do id. Em suas tentativas de exercer mediação entre o id e a</p><p>99</p><p>realidade, freqüentemente é obrigado a encobrir as ordens Inc. do id</p><p>mediante suas próprias racionalizações Pcs., a ocultar os conflitos do id com</p><p>a realidade, a reconhecer, com diplomática dissimulação, que percebe a</p><p>realidade mesmo quando o id permaneceu rígido e intolerante. Por outro lado,</p><p>é observado a cada passo pelo superego severo, que estabelece padrões</p><p>definidos para sua conduta, sem levar na mínima conta suas dificuldades</p><p>relativas ao mundo externo e ao id, e que, se essas exigências não são</p><p>obedecidas, pune-o com intensos sentimentos de inferioridade e de culpa.</p><p>Assim, o ego, pressionado pelo id, confinado pelo superego, repelido pela</p><p>realidade, luta por exercer eficientemente sua incumbência econômica de</p><p>instituir a harmonia entre as forças e as influências que atuam nele e sobre</p><p>ele; e podemos compreender como é que com tanta freqüência não podemos</p><p>reprimir uma exclamação: ‘A vida não é fácil!’ Se o ego é obrigado a admitir</p><p>sua fraqueza, ele irrompe em ansiedade - ansiedade realística referente ao</p><p>mundo externo, ansiedade moral referente ao superego e ansiedade</p><p>neurótica referente à força das paixões do id.Gostaria de configurar as</p><p>relações estruturais da personalidade mental, segundo as descrevi para os</p><p>senhores, neste despretensioso esquema com que os presenteio:</p><p>Como vêem, o superego se funde no id; na verdade, como herdeiro</p><p>do complexo de Édipo, tem íntimas relações com o id; está mais distante do</p><p>sistema perceptual do que o ego. O id relaciona-se com o mundo externo</p><p>100</p><p>somente através do ego - ao menos de acordo com esse diagrama. Por certo</p><p>é difícil dizer, atualmente, em que medida o esquema está correto. Em um</p><p>aspecto, indubitavelmente não está. O espaço ocupado pelo id inconsciente</p><p>devia ter sido incomparavelmente maior do que o do ego ou do pré-</p><p>consciente. Devo pedir-lhes que o corrijam em seus pensamentos.” VOL.XXII,</p><p>NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE</p><p>(1933[1932]), PGS.79 a 83.</p><p>...” Dissemos que o ego é fraco, se comparado com o id; que é um</p><p>servo leal deste, pronto a executar suas ordens e cumprir suas exigências.</p><p>Não tencionamos retirar essa afirmação. Mas, por outro lado, esse mesmo</p><p>ego é a parte mais bem organizada do id, com sua face voltada para a</p><p>realidade. Não devemos exagerar demasiadamente a separação entre os</p><p>dois e não devemos nos surpreender se o ego, de seu lado, pode aplicar essa</p><p>influência sobre os processos do id. Acredito que o ego exerce essa influência</p><p>colocando em ação o quase todo-poderoso princípio de prazer-desprazer por</p><p>meio do sinal da ansiedade. Por outro lado, mostra sua debilidade de novo,</p><p>imediatamente após, de vez que, pelo ato da repressão, renuncia a parte de</p><p>sua organização e tem de convir em que o impulso instintual reprimido se</p><p>mantenha permanentemente afastado de sua influência.” VOL.XXII, NOVAS</p><p>CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933[1932]),</p><p>PG. 96.</p><p>101</p><p>VOL.XXIII</p><p>...”O estabelecimento desse último fato nos demonstra que as</p><p>qualidades sobre as quais até aqui nos apoiamos são insuficientes para nos</p><p>orientar na obscuridade da vida psíquica. Temos de introduzir uma outra</p><p>distinção que não é mais qualitativa, mas topográfica e, o que lhe dá valor</p><p>especial, simultaneamente genética. Distinguimos, agora, em nossa vida</p><p>psíquica (que encaramos como um aparelho composto de diversas</p><p>instâncias, distritos ou províncias) uma determinada região que chamamos de</p><p>ego propriamente dito e uma outra que denominamos de id. O id é a mais</p><p>antiga das duas; o ego desenvolveu-se a partir dele, como uma</p><p>camada</p><p>cortical, através da influência do mundo externo. É no id que todos os nossos</p><p>instintos primários estão em ação; todos os processos no id se realizam</p><p>inconscientemente. O ego, como já dissemos, coincide com a região do pré-</p><p>consciente; inclui partes que normalmente permanecem inconscientes. O</p><p>curso dos acontecimentos no id e sua interação mútua são governados por</p><p>leis inteiramente diferentes das que prevalecem no ego. Foi, na verdade, a</p><p>descoberta dessas diferenças que nos conduziu à nossa visão e que a</p><p>justifica.</p><p>O reprimido deve ser considerado como pertencente ao id e sujeito</p><p>aos mesmos mecanismos; distingue-se dele apenas quanto à sua gênese. A</p><p>diferenciação se cumpre no mais primitivo período da vida, enquanto o ego se</p><p>está desenvolvendo a partir do id. Nessa época, uma parte do conteúdo do id</p><p>é absorvida pelo ego e elevada ao estado pré-consciente; outra parte é</p><p>afetada por esse traslado e permanece atrás, no id, como o inconsciente</p><p>propriamente dito. No curso ulterior da formação do ego, contudo, certas</p><p>impressões e processos psíquicos do ego são excluídos [isto é, expelidos]</p><p>dele através de um processo defensivo; a característica de serem pré-</p><p>conscientes é deles retirada, de modo que são mais uma vez reduzidos a</p><p>102</p><p>serem partes componentes do id. Aqui, então, temos o ‘reprimido’ no id. No</p><p>que concerne à relação entre as duas províncias mentais, presumimos</p><p>portanto que, por um lado, processos inconscientes do id são levados ao nível</p><p>do pré-consciente e incorporados ao ego, e que, por outro lado, material pré-</p><p>consciente do ego pode seguir o caminho oposto e ser devolvido ao id. O fato</p><p>de posteriormente uma região especial - a do ‘superego’ - separar-se do ego</p><p>está fora de nosso interesse atual.</p><p>Tudo isso pode parecer longe de ser simples, mas, quando nos</p><p>reconciliamos com essa visão espacial fora do comum do aparelho psíquico,</p><p>ela não pode apresentar dificuldades específicas para a imaginação.</p><p>Acrescentarei ainda o comentário de que a topografia psíquica que aqui</p><p>desenvolvi nada tem que ver com a anatomia do cérebro, e, na realidade,</p><p>entra em contato com ela apenas num ponto. O que é insatisfatório nesse</p><p>quadro - e estou ciente disso tão claramente quanto qualquer um - se deve à</p><p>nossa completa ignorância da natureza dinâmica dos processos mentais.</p><p>Dizemo-nos que o que distingue uma idéia consciente de outra pré-</p><p>consciente, e esta de uma inconsciente, só pode ser uma modificação, ou</p><p>talvez uma distribuição diferente, de energia psíquica. Falamos de catexias e</p><p>hipercatexias, mas, além disso, achamo-nos sem qualquer conhecimento</p><p>sobre o assunto, ou mesmo sem qualquer ponto de partida para uma hipótese</p><p>de trabalho útil. Do fenômeno da consciência, podemos pelo menos dizer que</p><p>esteve originalmente ligado à percepção. Todas as sensações que se</p><p>originam da percepção de estímulos penosos, tácteis, auditivos ou visuais,</p><p>são as mais prontamente conscientes. Os processos de pensamento, e tudo</p><p>o que possa ser análogo a eles no id, são, em si próprios, inconscientes, e</p><p>obtêm acesso à consciência vinculando-se aos resíduos mnêmicos de</p><p>percepções visuais e auditivas ao longo do caminho da função da fala. Nos</p><p>animais, aos quais esta falta, as condições devem ser de tipo mais simples.</p><p>As impressões dos traumas primitivos, das quais partimos, não são</p><p>103</p><p>traduzidas para o pré-consciente ou são rapidamente devolvidas pela</p><p>repressão para o estado de id. Seus resíduos mnêmicos, nesse caso, são</p><p>inconscientes e operam a partir do id. Acreditamos que podemos facilmente</p><p>seguir suas vicissitudes ulteriores, enquanto se trata do que foi</p><p>experimentado pelo próprio indivíduo. Mas uma nova compilação surge</p><p>quando nos damos conta da probabilidade de que aquilo que pode ser</p><p>operante na vida psíquica de um indivíduo pode incluir não apenas o que ele</p><p>próprio experimentou, mas também coisas que estão inatamente presentes</p><p>nele, quando de seu nascimento, elementos com uma origem filogenética -</p><p>uma herança arcaica.” VOL.XXIII, MOISÉS E O MONOTEÍSMO –TRÊS</p><p>ENSAIOS – (1939[1934-38]), PGS.110 a 112.</p><p>...”Se o id de um ser humano dá origem a uma exigência instintual de</p><p>natureza agressiva ou erótica, o mais simples e natural é que o ego, que tem</p><p>o aparelho de pensamento e o aparelho muscular à sua disposição, satisfaça</p><p>a exigência através de uma ação. Essa satisfação do instinto é sentida pelo</p><p>ego como prazer, tal como sua não satisfação indubitavelmente se tornaria</p><p>fonte de desprazer. Ora, pode surgir um caso em que o ego se abstenha de</p><p>satisfazer o instinto, por causa de obstáculos externos, a saber, se</p><p>percebesse que a ação em apreço provocaria um sério perigo ao ego. Uma</p><p>abstenção da satisfação desse tipo, a renúncia a um instinto por causa de um</p><p>obstáculo externo - ou, como podemos dizer, em obediência ao princípio da</p><p>realidade -, não é agradável em caso algum. A renúncia ao instinto conduziria</p><p>a uma tensão duradoura, devida ao desprazer, se não fosse possível reduzir</p><p>a intensidade do próprio instinto mediante deslocamentos de energia. A</p><p>renúncia instintual, contudo, pode também ser imposta por outras razões, as</p><p>quais corretamente descrevemos como internas. No curso do</p><p>desenvolvimento de um indivíduo, uma parte das forças inibidoras do mundo</p><p>externo é internalizada e constrói-se no ego uma instância que confronta o</p><p>104</p><p>restante do ego num sentido observador, crítico e proibidor. Chamamos essa</p><p>nova instância de superego. Doravante o ego, antes de colocar em</p><p>funcionamento as satisfações instintuais exigidas pelo id, tem de levar em</p><p>conta não simplesmente os perigos do mundo externo, mas também as</p><p>objeções do superego, e terá ainda mais fundamentos para abster-se de</p><p>satisfazer o instinto. Mas onde a renúncia instintual, quando se dá por razões</p><p>externas, é apenas desprazerosa, quando ela se deve a razões internas, em</p><p>obediência ao superego, ela tem um efeito econômico diferente. Em</p><p>acréscimo às inevitáveis conseqüências desprazerosas, ela também traz ao</p><p>ego um rendimento de prazer - uma satisfação substitutiva, por assim dizer. O</p><p>ego se sente elevado; orgulha-se da renúncia instintual, como se ela</p><p>constituísse uma realização de valor. Acreditamos que podemos entender o</p><p>mecanismo desse rendimento de prazer. O superego é o sucessor e o</p><p>representante dos pais (e educadores) do indivíduo, que lhe</p><p>supervisionaram as ações no primeiro período de sua vida; ele continua</p><p>as funções deles quase sem mudança. Mantém o ego num permanente</p><p>estado de dependência e exerce pressão constante sobre ele. Tal como</p><p>na infância, o ego fica apreensivo em pôr em risco o amor de seu senhor</p><p>supremo; sente sua aprovação como libertação e satisfação, e suas</p><p>censuras como tormentos de consciência. Quando o ego traz ao</p><p>superego o sacrifício de uma renúncia instintual, ele espera ser</p><p>recompensado recebendo mais amor deste último. A consciência de</p><p>merecer esse amor é sentida por ele como orgulho. Na época em que a</p><p>autoridade ainda não fora internalizada como superego, poderia ter</p><p>havido a mesma relação entre a ameaça de perda do amor e as</p><p>reivindicações do instinto; havia um sentimento de segurança e</p><p>satisfação quando se conseguia uma renúncia instintual por amor ao</p><p>país. Mas esse sentimento feliz só poderia assumir o peculiar caráter</p><p>narcísico de orgulho depois que a própria autoridade se tivesse tornado</p><p>105</p><p>parte do ego.” VOL.XXIII, MOISÉS E O MONOTEÍSMO –TRÊS ENSAIOS –</p><p>(1939[1934-38]), PGS.131 e 132.</p><p>...” Chegamos ao nosso conhecimento deste aparelho psíquico pelo</p><p>estudo do desenvolvimento individual dos seres humanos. À mais antiga</p><p>destas localidades ou áreas de ação psíquica damos o nome de id. Ele</p><p>contém tudo o que é herdado, que se acha presente no nascimento, que está</p><p>assente na constituição - acima de tudo, portanto, os instintos, que se</p><p>originam da organização somática e que aqui [no id] encontram uma primeira</p><p>expressão psíquica, sob formas que nos são desconhecidas.</p><p>Sob a influência do mundo externo que nos cerca, uma porção do id</p><p>sofreu um desenvolvimento especial. Do que era originalmente uma camada</p><p>cortical, equipada com órgãos para receber estímulos e com disposições para</p><p>agir como um escudo protetor contra estímulos, surgiu uma organização</p><p>especial que, desde então, atua como intermediária entre o id e o mundo</p><p>externo. A esta região de nossa mente demos o nome de ego.</p><p>São estas as principais características do ego: em conseqüência</p><p>da conexão preestabelecida entre a percepção sensorial e a ação</p><p>muscular, o ego tem sob seu comando o movimento voluntário. Ele tem</p><p>a tarefa de autopreservação. Com referência aos acontecimentos</p><p>externos, desempenha essa missão dando-se conta dos estímulos,</p><p>armazenando experiências sobre eles (na memória), evitando estímulos</p><p>excessivamente intensos (mediante a fuga), lidando com os estímulos</p><p>moderados (através da adaptação) e, finalmente, aprendendo a produzir</p><p>modificações convenientes no mundo externo, em seu próprio benefício</p><p>(através da atividade). Com referência aos acontecimentos internos, em</p><p>relação ao id, ele desempenha essa missão obtendo controle sobre as</p><p>exigências dos instintos, decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas,</p><p>adiando essa satisfação para ocasiões e circunstâncias favoráveis no</p><p>106</p><p>mundo externo ou suprimindo inteiramente as suas excitações. É</p><p>dirigido, em sua atividade, pela consideração das tensões produzidas</p><p>pelos estímulos, estejam essas tensões nele presentes ou sejam nele</p><p>introduzidas. A elevação dessas tensões é, em geral, sentida como</p><p>desprazer, e o seu abaixamento, como prazer. É provável, contudo, que</p><p>aquilo que é sentido como prazer ou desprazer não seja a altura</p><p>absoluta dessa tensão, mas sim algo no ritmo das suas modificações. O</p><p>ego se esforça pelo prazer e busca evitar o desprazer. Um aumento de</p><p>desprazer esperado e previsto é enfrentado por um sinal de ansiedade; a</p><p>ocasião de tal aumento, quer ele ameace de fora ou de dentro, é</p><p>conhecida como um perigo. De tempos em tempos, o ego abandona sua</p><p>conexão com um mundo externo e se retira para o estado de sono, no</p><p>qual efetua alterações de grande alcance em sua organização. É de</p><p>inferir-se do estado de sono que essa organização consiste numa</p><p>distribuição específica de energia mental.</p><p>O longo período da infância, durante o qual o ser humano em</p><p>crescimento vive na dependência dos pais, deixa atrás de si, como um</p><p>precipitado, a formação, no ego, de um agente especial no qual se</p><p>prolonga a influência parental. Ele recebeu o nome de superego. Na</p><p>medida em que este superego se diferencia do ego ou se lhe opõe,</p><p>constitui uma terceira força que o ego tem de levar em conta.</p><p>Uma ação por parte do ego é como deve ser se ela satisfaz</p><p>simultaneamente as exigências do id, do superego e da realidade - o que</p><p>equivale a dizer: se é capaz de conciliar as suas exigências umas com as</p><p>outras. Os pormenores da relação entre o ego e o superego tornam-se</p><p>completamente inteligíveis quando são remontados à atitude da criança para</p><p>com os pais. Esta influência parental, naturalmente, inclui em sua operação</p><p>não somente a personalidade dos próprios pais, mas também a família, as</p><p>tradições raciais e nacionais por eles transmitidas, bem como as exigências</p><p>107</p><p>do milieu social imediato que representam. Da mesma maneira, o superego,</p><p>ao longo do desenvolvimento de um indivíduo, recebe contribuições de</p><p>sucessores e substitutos posteriores aos pais, tais como professores e</p><p>modelos, na vida pública, de ideais sociais admirados. Observar-se-á que,</p><p>com toda a sua diferença fundamental, o id e o superego possuem algo</p><p>comum: ambos representam as influências do passado - o id, a influência da</p><p>hereditariedade; o superego, a influência, essencialmente, do que é retirado</p><p>de outras pessoas, enquanto o ego é principalmente determinado pela própria</p><p>experiência do indivíduo, isto é, por eventos acidentais e contemporâneos.”</p><p>VOL.XXIII, ESBOÇO DE PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PGS. 158 e 159.</p><p>...” O poder do id expressa o verdadeiro propósito da vida do</p><p>organismo do indivíduo. Isto consiste na satisfação de suas necessidades</p><p>inatas. Nenhum intuito tal como o de manter-se vivo ou de proteger-se dos</p><p>perigos por meio da ansiedade pode ser atribuído ao id. Essa é a tarefa do</p><p>ego, cuja missão é também descobrir o método mais favorável e menos</p><p>perigoso de obter a satisfação, levando em conta o mundo externo. O</p><p>superego pode colocar novas necessidades em evidência, mas sua função</p><p>principal permanece sendo a limitação das satisfações.” VOL.XXIII, ESBOÇO</p><p>DE PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PG.161.</p><p>...” A única qualidade predominante no id é a de ser</p><p>inconsciente. Id e inconsciente acham-se tão intimamente ligados</p><p>quanto ego e pré-consciente; na verdade, no primeiro caso, a vinculação</p><p>é ainda mais exclusiva. Se voltarmos o olhar para a história do</p><p>desenvolvimento de um indivíduo e de seu aparelho psíquico, poderemos</p><p>perceber uma distinção importante no id. Originalmente, com efeito, tudo era</p><p>id; o ego desenvolveu-se a partir dele, através da influência contínua do</p><p>mundo externo. No decurso desse lento desenvolvimento, alguns dos</p><p>108</p><p>conteúdos do id foram transformados no estado pré-consciente e assim</p><p>incorporados ao ego; outros de seus conteúdos permaneceram no id,</p><p>imutáveis, como o seu núcleo dificilmente acessível. Durante esse</p><p>desenvolvimento, entretanto, o jovem e débil ego devolveu ao estado</p><p>inconsciente algo do material que havia incorporado, abandonou-o, e</p><p>comportou-se da mesma maneira em relação a algumas novas impressões</p><p>que poderia ter incorporado, de modo que estas, havendo sido rejeitadas, só</p><p>podiam deixar um vestígio no id. Em consideração à sua origem, falamos</p><p>desta última parte do id como o reprimido. Pouco importa que não possamos</p><p>sempre traçar uma linha nítida entre essas duas categorias de conteúdos do</p><p>id. Elas coincidem aproximadamente com a distinção entre o que se achava</p><p>originalmente presente, inato, e o que foi adquirido ao longo do</p><p>desenvolvimento do ego.</p><p>Tendo já estabelecido a dissecação topográfica do aparelho psíquico</p><p>em um ego e um id, com os quais a diferença de qualidade entre pré-</p><p>consciente e inconsciente corre paralela, e havendo concordado em que esta</p><p>qualidade deve ser considerada apenas como indicação da diferença e não</p><p>como sua essência, uma outra questão se nos apresenta. Se as coisas são</p><p>assim, qual é a verdadeira natureza do estado que é revelado no id pela</p><p>qualidade de ser inconsciente e, no ego, pela de ser pré-consciente, e em que</p><p>consiste a diferença entre eles?</p><p>Disso, porém, nada sabemos. E a profunda obscuridade do pano de</p><p>fundo de nossa ignorância é escassamente iluminada por alguns lampejos de</p><p>percepção interna (insight). Aqui aproximamo-nos do segredo ainda velado da</p><p>natureza do psíquico. Presumimos, como as outras ciências naturais nos</p><p>levaram a esperar, que na vida mental esteja em ação alguma espécie de</p><p>energia, mas não temos nada em que nos basear que nos capacite a</p><p>aproximarmo-nos de um conhecimento dela através de analogias com outras</p><p>formas de energia. Parecemos reconhecer que a energia nervosa ou psíquica</p><p>109</p><p>ocorre de duas formas, uma livremente móvel, e outra, em comparação,</p><p>presa; falamos de catexias e hipercatexias do material psíquico, e até mesmo</p><p>aventuramo-nos a supor que uma hipercatexia ocasiona uma espécie de</p><p>síntese de processos diferentes - uma síntese no curso da qual a energia livre</p><p>é transformada em energia presa. Mais longe que isto, ainda não avançamos.</p><p>De qualquer modo, atemo-nos firmemente à opinião de que a distinção entre</p><p>o estado inconsciente e o pré-consciente reside em relações dinâmicas desse</p><p>tipo, que explicariam como é que, espontaneamente ou com a nossa</p><p>assistência, um pode se transformar no outro.</p><p>Por trás de todas</p><p>essas incertezas, contudo, reside um fato novo,</p><p>cuja descoberta devemos à pesquisa psicanalítica. Descobrimos que os</p><p>processos no inconsciente ou no id obedecem a leis diferentes daqueles do</p><p>ego pré-consciente. Denominamos essas leis, em sua totalidade, de processo</p><p>primário, em contraste com o processo secundário, que dirige o curso das</p><p>ocorrências no pré-consciente, no ego. No cômputo geral, portanto, o estudo</p><p>das qualidades psíquicas provou, afinal de contas, não ser infrutífero.”</p><p>VOL.XXIII, ESBOÇO DE PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PGS.176 e 177.</p><p>...”O id, excluído do mundo externo, possui seu próprio mundo</p><p>de percepção. Ele detecta com extraordinária agudez certas</p><p>modificações em seu interior, especialmente oscilações na tensão de</p><p>suas necessidades instintivas, e essas modificações tornam-se</p><p>conscientes como sensações na série prazer-desprazer. É difícil dizer,</p><p>com efeito, por que meios e com a ajuda de que órgãos sensórios</p><p>terminais essas percepções ocorrem. Mas é fato estabelecido que as</p><p>autopercepções - sensações cenestésicas e sensações de prazer-</p><p>desprazer - governam a passagem de acontecimentos no id com força</p><p>despótica. O id obedece ao inexorável princípio de prazer. Mas não o id</p><p>sozinho. Parece que também a atividade dos outros agentes psíquicos só é</p><p>110</p><p>capaz de modificar o princípio de prazer, mas não de anulá-lo, e permanece</p><p>sendo questão da mais alta importância teórica, questão que ainda não foi</p><p>respondida, quando e como é possível este princípio de prazer ser superado.</p><p>A consideração de que o princípio de prazer exige uma redução, no fundo a</p><p>extinção, talvez, das tensões das necessidades instintivas (isto é, o Nirvana)</p><p>leva às relações ainda não avaliadas entre o princípio de prazer e as duas</p><p>forças primevas, Eros e o instinto de morte.</p><p>A outra região da mente, que acreditamos conhecer melhor e na qual</p><p>nos reconhecemos mais facilmente - a que é conhecida como ego -,</p><p>desenvolveu-se a partir da camada cortical do id, que, por ser adaptada à</p><p>recepção e exclusão de estímulos, está em contato direto com o mundo</p><p>externo (realidade). Partindo da percepção consciente, ela submeteu à sua</p><p>influência regiões cada vez maiores e estratos cada vez mais profundos do id,</p><p>e, na persistência com que mantém sua dependência do mundo externo, traz</p><p>a marca indelével de sua origem (como se fosse “Made in Germany”) Sua</p><p>função psicológica consiste em levar a passagem [de acontecimentos] no id a</p><p>um nível dinâmico mais alto (talvez pela transformação de energia livremente</p><p>móvel em energia ligada, tal como corresponde ao estado pré-consciente);</p><p>sua função construtiva consiste em interpolar, entre a exigência feita por um</p><p>instinto e a ação que a satisfaz, a atividade de pensamento que, após</p><p>orientar-se no presente e avaliar experiências anteriores, se esforça,</p><p>mediante ações experimentais, por calcular as conseqüências do curso de</p><p>ação proposto. Dessa maneira, o ego chega a uma decisão sobre se a</p><p>tentativa de obter satisfação deve ser levada a cabo ou adiada, ou se não</p><p>será necessário que a exigência do instinto seja suprimida completamente por</p><p>ser perigosa. (Temos aqui o princípio de realidade.) Da mesma maneira que o</p><p>id é voltado unicamente para a obtenção de prazer, o ego é governado por</p><p>considerações de segurança. O ego estabeleceu-se a tarefa de</p><p>autopreservação, que o id parece negligenciar. Ele [o ego] faz uso das</p><p>111</p><p>sensações de ansiedade como sinal de alerta dos perigos que ameaçam a</p><p>sua integridade. Uma vez que os traços anêmicos podem tornar-se</p><p>conscientes, tal como as percepções, especialmente mediante sua</p><p>associação com resíduos da fala, surge a possibilidade de uma confusão que</p><p>conduziria a uma má compreensão da realidade. O ego se guarda contra esta</p><p>possibilidade pela instituição do teste de realidade, que se permite cair em</p><p>inatividade temporária nos sonhos em virtude das condições predominantes</p><p>no estado de sono. O ego, que procura manter-se num meio ambiente de</p><p>forças mecânicas esmagadoras, é ameaçado por perigos que provêm, em</p><p>primeira instância, da realidade externa, mas perigos não o ameaçam</p><p>somente daí. O seu próprio id é uma fonte de perigos semelhantes, e isso por</p><p>duas razões diferentes. Em primeiro lugar, uma intensidade excessiva de</p><p>instinto pode prejudicar o ego de maneira semelhante a um “estímulo”</p><p>excessivo proveniente do mundo externo. É verdade que aquela intensidade</p><p>não pode destruí-lo, mas pode destruir a sua organização dinâmica</p><p>característica e transformar o ego, novamente, numa parte do id. Em segundo</p><p>lugar, a experiência pode ter ensinado ao ego que a satisfação de alguma</p><p>exigência instintiva, que não seja em si própria insuportável, envolveria</p><p>perigos no mundo externo, de maneira que uma exigência instintiva desse</p><p>tipo torna-se, ela própria, um perigo. Assim, o ego combate em duas frentes:</p><p>tem de defender sua existência contra um mundo externo que o ameaça com</p><p>a aniquilação, assim como contra um mundo interno que lhe faz exigências</p><p>excessivas. Ele adota os mesmos métodos de defesa contra ambos, mas a</p><p>sua defesa contra o inimigo interno é particularmente inadequada. Em</p><p>conseqüência de haver sido originalmente idêntico a este último inimigo e de</p><p>ter vivido com ele, desde então, nos termos mais íntimos, o ego tem grande</p><p>dificuldade de escapar aos perigos internos. Eles persistem como ameaças,</p><p>mesmo que possam ser temporariamente subjugados..” VOL.XXIII, ESBOÇO</p><p>DE PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PGS.212 e 213.</p><p>112</p><p>...”A representação de um ego que medeia entre o id e o mundo</p><p>externo, que assume as exigências instintivas daquele, a fim de conduzi-las à</p><p>satisfação, que deriva percepções do último e utiliza-as como lembranças,</p><p>que, concentrado em sua autopreservação, põe-se em defesa contra</p><p>reivindicações excessivamente intensas de ambos os lados, e que, ao mesmo</p><p>tempo, é guiado em todas as suas decisões pelas injunções de um princípio</p><p>de prazer modificado - essa representação, de fato, aplica-se ao ego apenas</p><p>até o fim do primeiro período da infância, até aproximadamente a idade de</p><p>cinco anos. Por volta dessa época, uma mudança importante se realizou.</p><p>Uma parte do mundo externo foi, pelo menos parcialmente, abandonada</p><p>como objeto e foi, por identificação, incluída no ego, tornando-se assim parte</p><p>integrante do mundo interno. Esse novo agente psíquico continua a efetuar as</p><p>funções que até então haviam sido desempenhadas pelas pessoas [os</p><p>objetos abandonados] do mundo externo: ele observa o ego, dá-lhe ordens,</p><p>julga-o e ameaça-o com punições, exatamente como os pais cujo lugar</p><p>ocupou. Chamamos este agente de superego e nos damos conta dele, em</p><p>suas funções judiciárias, como nossa consciência. É impressionante que o</p><p>superego freqüentemente demonstre uma severidade para a qual</p><p>nenhum modelo foi fornecido pelos pais reais, e, ademais, que chame o</p><p>ego a prestar contas não apenas de suas ações, mas igualmente dos</p><p>seus pensamentos e intenções não executadas, das quais o superego</p><p>parece ter conhecimento. Isso nos lembra que o herói do mito de Édipo</p><p>também sentia-se culpado pelas suas ações e submeteu-se à autopunição,</p><p>embora a força coercitiva do oráculo devesse tê-lo isentado de culpa em</p><p>nosso julgamento e no seu. O superego é, na verdade, herdeiro do</p><p>complexo de Édipo e só se estabelece após a pessoa haver-se libertado</p><p>desse complexo. Por essa razão, a sua excessiva severidade não segue</p><p>um modelo real, mas corresponde à força da defesa utilizada contra a</p><p>113</p><p>tentação do complexo de Édipo. Fora de dúvida, uma certa suspeita desse</p><p>estado de coisas reside, no fundo, na afirmação feita pelos filósofos e crentes</p><p>de que o senso moral não é instalado nos homens pela educação ou por eles</p><p>adquirido na vida social, mas lhes é implantado de uma fonte mais alta.</p><p>Enquanto o ego trabalha em plena harmonia com o superego, não é</p><p>fácil distinguir entre as suas</p><p>manifestações, mas tensões e desavenças entre</p><p>eles fazem-se muito claramente visíveis. Os tormentos causados pelas</p><p>censuras da consciência correspondem precisamente ao medo da perda de</p><p>amor, por parte de uma criança, medo cujo lugar foi tomado pelo agente</p><p>moral. Por outro lado, se o ego resistiu com êxito à tentação de fazer algo</p><p>que, para o superego, seria censurável, ele sente-se elevado em sua auto-</p><p>estima e fortalecido em seu orgulho, como se houvesse feito alguma preciosa</p><p>aquisição. Dessa maneira, o superego continua a desempenhar o papel de</p><p>um mundo externo para o ego, embora se tenha tornado uma parte do mundo</p><p>interno. Durante toda a vida posterior, ele representa a influência da infância</p><p>de uma pessoa, do cuidado e da educação que lhe foram dados pelos pais e</p><p>de sua dependência destes - uma infância que é tão grandemente</p><p>prolongada, nos seres humanos, por uma vida familiar em comum. E, em tudo</p><p>isso, não são apenas as qualidades pessoais desses pais que se fazem</p><p>sentir, mas também tudo o que teve um efeito determinante sobre eles</p><p>próprios, os gostos e padrões da classe social em que viveram e as</p><p>disposições e tradições inatas da raça da qual se originaram. Aqueles que</p><p>têm gosto por generalizações e distinções nítidas podem dizer que o mundo</p><p>externo, no qual o indivíduo se descobre exposto, após desligar-se dos pais,</p><p>representa o poder do presente; que o id, com suas tendências herdadas,</p><p>representa o passado orgânico, e que o superego, que vem a juntar-se a eles</p><p>posteriormente, representa, mais do que qualquer outra coisa, o passado</p><p>cultural, que uma criança tem por assim dizer, de repetir como pós-</p><p>experiência durante os poucos anos do início de sua vida. É pouco provável</p><p>114</p><p>que essas generalizações possam ser universalmente corretas. Alguma parte</p><p>das aquisições culturais indubitavelmente deixou um precipitado atrás de si</p><p>no id; muita coisa do que é contribuição do superego despertará eco no id;</p><p>não poucas das novas experiências da criança serão intensificadas por serem</p><p>repetições de alguma primeva vivência filogenética. (...)Assim, o superego</p><p>assume uma espécie de posição intermediária entre o id e o mundo externo;</p><p>ele une em si as influências do presente e do passado. No estabelecimento</p><p>do superego, temos diante de nós, por assim dizer, um exemplo da maneira</p><p>como o presente se transforma no passado (…).” VOL.XXIII, ESBOÇO DE</p><p>PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PGS.219 a 221.</p><p>...” Se perguntarmos qual a fonte da grande variedade de tipos e</p><p>graus de alteração do ego, não poderemos fugir à primeira alternativa óbvia,</p><p>ou seja, a de que tais alterações são congênitas ou adquiridas. Desta, o</p><p>segundo tipo seria o mais fácil de tratar. Se forem alterações adquiridas, isso</p><p>certamente terá acontecido no decurso do desenvolvimento, a partir dos</p><p>primeiros anos de vida, pois o ego tem de tentar, desde o próprio início,</p><p>desempenhar sua tarefa de mediar entre seu id e o mundo externo, a serviço</p><p>do princípio deprazer, e de proteger o id contra os perigos do mundo externo.</p><p>Se, no decurso desses esforços, o ego aprende a adotar uma atitude</p><p>defensiva também para com seu próprio id, e a tratar as exigências instintuais</p><p>deste último como perigos externos, isso acontece, pelo menos em parte,</p><p>porque ele compreende que uma satisfação do instinto conduziria a conflitos</p><p>com o mundo externo. Posteriormente, sob a influência da educação, o</p><p>ego se acostuma a remover a cena da luta de fora para dentro e a</p><p>dominar o perigo interno antes que se tenha tornado externo, e,</p><p>provavelmente, com mais freqüência, tem razão em assim proceder.</p><p>Durante essa luta em duas frentes - posteriormente haverá também uma</p><p>terceira frente -, o ego faz uso de diversos procedimentos para</p><p>115</p><p>desempenhar sua tarefa, que, para exprimi-la em termos gerais, consiste</p><p>em evitar o perigo, a ansiedade e o desprazer. Chamamos esses</p><p>procedimentos de ‘mecanismos de defesa‘.”VOL.XXIII, ESBOÇO DE</p><p>PSICANÁLISE (1940 [ 1938 ] ), PGS.251 e 252.</p><p>Esta, porém, já é uma outra história...Aguardem...(Demarqui).</p><p>com tanta freqüência se manifesta como ‘ambivalente’ -</p><p>isto é, acompanhado de impulsos de ódio contra o mesmo objeto. O ódio que</p><p>se mescla ao amor provém em parte das fases preliminares do amar não</p><p>inteiramente superadas; baseia-se também em parte nas reações de repúdio</p><p>aos instintos do ego, os quais, em vista dos freqüentes conflitos entre os</p><p>interesses do ego e os do amor, podem encontrar fundamentos em motivos</p><p>reais e contemporâneos. Em ambos os casos, portanto, o ódio mesclado tem</p><p>como sua fonte os instintos auto-preservativos. Se uma relação de amor com</p><p>um dado objeto for rompida, freqüentemente o ódio surgirá em seu lugar, de</p><p>modo que temos a impressão de uma transformação do amor em ódio. Esse</p><p>relato do que acontece leva ao conceito de que o ódio, que tem seus motivos</p><p>reais, é aqui reforçado por uma regressão do amor à fase preliminar sádica,</p><p>de modo que o ódio adquire um caráter erótico, ficando assegurada a</p><p>continuidade de uma relação de amor.</p><p>A terceira antítese do amar, a transformação do amar em ser amado,</p><p>corresponde à atuação da polaridade da atividade e da passividade, devendo</p><p>ser julgada da mesma maneira que os casos de escopofilia e sadismo.</p><p>Podemos resumir dizendo que o traço essencial das vicissitudes</p><p>sofridas pelos instintos está na sujeição dos impulsos instintuais às</p><p>influências das três grandes polaridades que dominam a vida mental. Dessas</p><p>três polaridades podemos descrever a da atividade-passividade como a</p><p>biológica, a do ego-mundo externo como a real, e finalmente a do prazer-</p><p>desprazer como a polaridade econômica.” VOL.XIV, OS INSTINTOS E SUAS</p><p>VICISSITUDES (1915), PGS. 138 a 144.</p><p>10</p><p>...”Aprendemos com a psicanálise que a essência do processo de</p><p>repressão não está em pôr fim, em destruir a idéia que representa um</p><p>instinto, mas em evitar que se torne consciente. Quando isso acontece,</p><p>dizemos que a idéia se encontra num estado ‘inconsciente’, e podemos</p><p>apresentar boas provas para mostrar que, inclusive quando</p><p>inconsciente, ela pode produzir efeitos, incluindo até mesmo alguns que</p><p>finalmente atingem a consciência. Tudo que é reprimido deve</p><p>permanecer inconsciente; mas, logo de início, declaremos que o</p><p>reprimido não abrange tudo que é inconsciente. O alcance do</p><p>inconsciente é mais amplo: o reprimido não é apenas uma parte do</p><p>inconsciente.</p><p>Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente?</p><p>Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu</p><p>transformação ou tradução para algo consciente. A cada dia, o trabalho</p><p>psicanalítico nos mostra que esse tipo de tradução é possível. A fim de que</p><p>isso aconteça, a pessoa sob análise deve superar certas resistências -</p><p>resistências como aquelas que, anteriormente, transformaram o material em</p><p>questão em algo reprimido rejeitando-o do consciente. “ VOL.XIV, O</p><p>INCONSCIENTE (1915) PG. 171.</p><p>11</p><p>VOL. XVII</p><p>... “o ego não tem correntes sexuais, mas apenas um interesse</p><p>em sua própria autoproteção e na preservação do seu narcisismo.”</p><p>VOL.XVII “HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL” (1914), PG. 118.</p><p>... “Durante algum tempo a psicanálise parecia destinada a imergir na</p><p>psicologia sem conseguir mostrar por que a psicologia dos doentes diferia da</p><p>dos normais. À medida em que progredia, no entanto, defrontou-se com o</p><p>problema dos sonhos, que são produtos anormais da mente criados por</p><p>homens normais sob condições fisiológicas que ocorrem regularmente.</p><p>Quando a psicanálise resolveu o problema dos sonhos, havia descoberto nos</p><p>processos psíquicos inconscientes o solo comum no qual os mais altos e os</p><p>mais baixos impulsos mentais têm suas raízes e do qual se originam as mais</p><p>normais como as mais mórbidas e estrambóticas criações mentais. O novo</p><p>quadro das operações da mente começou a tornar-se cada vez mais claro e</p><p>completo. Era um quadro de obscuras forças instintuais, orgânicas em sua</p><p>origem, empenhando-se em objetivos congênitos e, acima dessas forças,</p><p>uma instância que compreende as estruturas mentais de organização mais</p><p>elevada - aquisições da evolução humana feitas sob o impacto da história da</p><p>humanidade -, uma instância que se apossou de partes dos impulsos</p><p>instintuais, que os desenvolveu ou até mesmo os dirigiu a propósitos mais</p><p>altos, mas que, em todo caso, os amarra firmemente e manipula a sua</p><p>energia para seguir seus próprios propósitos. Essa organização mais elevada,</p><p>contudo, que para nós é conhecida como o ego, rejeitou outra parte desses</p><p>mesmos impulsos instintuais elementares como sendo inúteis, por não</p><p>poderem ajustar-se à unidade orgânica do indivíduo ou por se rebelarem</p><p>contra os objetivos culturais do indivíduo. O ego não está em posição de</p><p>12</p><p>exterminar essas forças mentais insubmissas, mas volta-lhes as costas,</p><p>deixa-os permanecerem no nível psicológico mais baixo, defendendo-se das</p><p>suas exigências ao erigir energicamente barreiras protetoras e antitéticas ou</p><p>procurando entrar em acordo com elas por meio de satisfações substitutivas.</p><p>Esses instintos que caíram vítimas da repressão - indomados e</p><p>indestrutíveis, ainda que impedidos de qualquer espécie de atividade -,</p><p>junto com os meus primitivos representantes mentais, constituem o</p><p>submundo mental, o núcleo do verdadeiro inconsciente, e estão prontos</p><p>a afirmar suas exigências a qualquer momento e a forçar de qualquer</p><p>maneira o caminho para a satisfação. A isto deve-se a instabilidade da</p><p>orgulhosa superestrutura da mente, a emergência, à noite, de material</p><p>proscrito e reprimido em forma de sonhos, e a tendência a adquirir</p><p>neuroses e psicoses tão logo a balança de poder entre o ego e o</p><p>material reprimido mostre desvantagem para o primeiro.</p><p>Essa pequena reflexão destinava-se a mostrar que seria impossível</p><p>restringir à região dos sonhos e das doenças nervosas uma visão como esta</p><p>da vida da mente humana. Se essa visão encontrou uma verdade, deve</p><p>aplicar-se igualmente aos eventos mentais normais, e mesmo os mais</p><p>elevados feitos do espírito humano portam uma relação demonstrável</p><p>com os fatores encontrados na patologia - com a repressão, com os</p><p>esforços para dominar o inconsciente e com as possibilidades de</p><p>satisfazer os instintos primitivos. Havia, assim, uma tentação irresistível e,</p><p>de fato, um dever científico de aplicar às várias ciências mentais os métodos</p><p>de pesquisa da psicanálise, em regiões muito remotas do seu solo nativo. E,</p><p>na verdade, o próprio trabalho psicanalítico com os pacientes apontava</p><p>persistentemente na direção dessa nova tarefa, pois era óbvio que as formas</p><p>assumidas pelas diferentes neuroses ecoavam as criações mais admiradas</p><p>da nossa cultura. Desse modo, os histéricos são indubitavelmente artistas</p><p>imaginativos, mesmo se, de um modo geral, expressam as suas fantasias</p><p>13</p><p>mimeticamente e sem considerar a sua inteligibilidade para outras pessoas;</p><p>os cerimoniais e proibições dos neuróticos obsessivos levam-nos a supor que</p><p>eles criaram uma religião própria; particular; e os delírios dos paranóicos têm</p><p>uma desagradável similaridade externa e um parentesco interno com os</p><p>sistemas dos nossos filósofos. É impossível escapar à conclusão de que</p><p>esses pacientes estão fazendo, de forma associal, tentativas para resolver</p><p>seus conflitos e apaziguar suas necessidades prementes, tentativas que,</p><p>quando levadas a cabo de uma maneira que é aceitável pela maioria, são</p><p>conhecidas como poesia, religião e filosofia.” VOL. XVII, “PREFÁCIO A</p><p>RITUAL: ESTUDOS PSICANALÍTICOS, DE REIK”, PGS.279 a 281.</p><p>14</p><p>VOLUME XVIII</p><p>...”grande parte do ego é, ela própria, inconsciente, e</p><p>notavelmente aquilo que podemos descrever como seu núcleo; apenas</p><p>pequena parte dele se acha abrangida pelo termo ‘pré-consciente’.”VOL.XVIII,</p><p>“ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER” (1920), PG. 30.</p><p>...”a resistência do ego consciente e inconsciente funciona sob a</p><p>influência do princípio</p><p>de prazer; ela busca evitar o desprazer que seria</p><p>produzido pela liberação do reprimido.” .”VOL.XVIII, “ALÉM DO PRINCÍPIO</p><p>DE PRAZER” (1920), PG. 31.</p><p>...“Outro exemplo de introjeção do objeto foi fornecido pela análise da</p><p>melancolia, afecção que inclui entre as mais notáveis de suas causas</p><p>excitadoras a perda real ou emocional de um objeto amado. Uma</p><p>característica principal desses casos é a cruel autodepreciação do ego,</p><p>combinada com uma inexorável autocrítica e acerbas autocensuras. As</p><p>análises demonstraram que essa depreciação e essas censuras aplicam-se,</p><p>no fundo, ao objeto e representam a vingança do ego sobre ele. A sombra do</p><p>objeto caiu sobre o ego, como disse noutra parte. Aqui a introjeção do objeto</p><p>é inequivocamente clara.</p><p>Essas melancolias, porém, também nos mostram mais alguma coisa,</p><p>que pode ser importante para nossos estudos posteriores. Mostram-nos o ego</p><p>dividido, separado em duas partes, uma das quais vocifera contra a segunda.</p><p>Esta segunda parte é aquela que foi alterada pela introjeção e contém o</p><p>objeto perdido. Porém a parte que se comporta tão cruelmente tampouco a</p><p>desconhecemos. Ela abrange a consciência, uma instância crítica dentro do</p><p>ego, que até em ocasiões normais assume, embora nunca tão implacável e</p><p>injustificadamente, uma atitude crítica para com a última. Em ocasiões</p><p>15</p><p>anteriores, fomos levados à hipótese de que no ego se desenvolve uma</p><p>instância assim, capaz de isolar-se do resto daquele ego e entrar em conflito</p><p>com ele. A essa instância chamamos de ‘ideal do ego’ e, a título de funções,</p><p>atribuímos-lhe a auto-observação, a consciência moral, a censura dos sonhos</p><p>e a principal influência na repressão. Dissemos que ele é o herdeiro do</p><p>narcisismo original em que o ego infantil desfrutava de auto-suficiência;</p><p>gradualmente reúne, das influências do meio ambiente, as exigências que</p><p>este impõe ao ego, das quais este não pode sempre estar à altura; de</p><p>maneira que um homem, quando não pode estar satisfeito com seu próprio</p><p>ego, tem, no entanto, possibilidade de encontrar satisfação no ideal do ego</p><p>que se diferenciou do ego. Nos delírios de observação, como demonstramos</p><p>noutro lugar, a desintegração dessa instância tornou-se patente e revelou</p><p>assim sua origem na influência de poderes superiores e, acima de tudo, dos</p><p>pais. Mas não nos esquecemos de acrescentar que o valor da distância entre</p><p>esse ideal do ego e o ego real é muito variável de um indivíduo para outro e</p><p>que, em muitas pessoas, essa diferenciação dentro do ego não vai além da</p><p>que sucede em crianças.” VOL.XVIII – PSICOLOGIA DE GRUPO E A</p><p>ANÁLISE DO EGO (1920) PG.119.</p><p>...” Cada uma das diferenciações mentais com que nos familiarizamos,</p><p>representa um novo agravamento das dificuldades de funcionamento mental,</p><p>aumenta a sua instabilidade, podendo tornar-se o ponto de partida para a sua</p><p>desintegração, isto é, para o desencadeamento de uma doença. Assim, com</p><p>o nascimento, demos o primeiro passo de um narcisismo absolutamente auto-</p><p>suficiente para a percepção de um mundo externo cambiante e para os</p><p>primórdios da descoberta dos objetos. A isso está associado o fato de não</p><p>podermos suportar o novo estado de coisas por muito tempo, de</p><p>periodicamente dele revertermos, no sono, à nossa anterior condição de</p><p>ausência de estimulação e fuga de objetos. É verdade, contudo, que nisto</p><p>16</p><p>estamos seguindo uma sugestão do mundo externo que, através da mudança</p><p>periódica do dia e da noite, afasta temporariamente a maior parte dos</p><p>estímulos que nos influenciam. O segundo exemplo de um tal passo,</p><p>patologicamente mais importante, não está sujeito a essa restrição. No curso</p><p>de nossa evolução, efetuamos uma separação de nossa existência mental em</p><p>um ego coerente e em uma parte inconsciente e reprimida que é deixada fora</p><p>dele; ficamos sabendo que a estabilidade dessa nova aquisição se acha</p><p>exposta a abalos constantes. Nos sonhos e neuroses, o que é assim excluído</p><p>bate aos portões em busca de admissão, guardados não obstante pelas</p><p>resistências, e em nossa saúde desperta fazemos uso de artifícios</p><p>especiais para permitir que o que está reprimido contorne as</p><p>resistências e o recebamos temporariamente em nosso ego, para</p><p>aumento de nosso prazer. Os chistes e o humor e, até certo ponto, o cômico</p><p>em geral, podem ser encarados sob esta luz. Qualquer um que esteja</p><p>familiarizado com a psicologia das neuroses pensará em exemplos</p><p>semelhantes de menor importância, mas apresso-me à aplicação do que</p><p>tenho em vista.</p><p>É inteiramente concebível que a separação do ideal do ego do próprio</p><p>ego não pode ser mantida por muito tempo, tendo de ser temporariamente</p><p>desfeita. Em todas as renúncias e limitações impostas ao ego, uma infração</p><p>periódica da proibição é a regra. Isso, na realidade, é demonstrado pela</p><p>instituição dos festivais, que, na origem, nada mais eram do que excessos</p><p>previstos em lei e que devem seu caráter alegre ao alívio que proporcionam.</p><p>As saturnais dos romanos e o nosso moderno carnaval concordam nessa</p><p>característica essencial com os festivais dos povos primitivos, que</p><p>habitualmente terminam com deboches de toda espécie e com a transgressão</p><p>daquilo que, noutras ocasiões, constituem os mandamentos mais sagrados.</p><p>Mas o ideal do ego abrange a soma de todas as limitações a que o ego</p><p>deve aquiescer e, por essa razão, a revogação do ideal constituiria</p><p>17</p><p>necessariamente um magnífico festival para o ego, que mais uma vez poderia</p><p>então sentir-se satisfeito consigo próprio.</p><p>Há sempre uma sensação de triunfo quando algo no ego</p><p>coincide com o ideal do ego. E o sentimento de culpa (bem como o de</p><p>inferioridade) também pode ser entendido como uma expressão da</p><p>tensão entre o ego e o ideal do ego.” VOL.XVIII – PSICOLOGIA DE</p><p>GRUPO E ANÁLISE DO EGO (1921) PGS.140 e 141.</p><p>...” com base em nossa análise do ego, não se pode duvidar que, nos casos</p><p>de mania, o ego e o ideal do ego se fundiram, de maneira que a pessoa,</p><p>em estado de ânimo de triunfo e auto-satisfação, imperturbada por nenhuma</p><p>autocrítica, pode desfrutar a abolição de suas inibições, sentimentos de</p><p>consideração pelos outros e autocensuras. Não é tão óbvio, não obstante</p><p>muito provável, que o sofrimento do melancólico seja a expressão de um</p><p>agudo conflito entre as duas instâncias de seu ego, conflito em que o ideal,</p><p>em excesso de sensitividade, incansavelmente exibe sua condenação do ego</p><p>com delírios de inferioridade e com autodepreciação.” VOL.XVIII –</p><p>PSICOLOGIA DE GRUPO E ANÁLISE DO EGO (1921) PGS.142.</p><p>...” Narcisismo. - O mais importante progresso teórico foi certamente a</p><p>aplicação da teoria da libido ao ego repressor. O próprio ego veio a ser</p><p>encarado como um reservatório do que foi descrito como libido narcísica, do</p><p>qual as catexias libidinais dos objetos fluíam e para o qual podiam ser</p><p>novamente retiradas. Com a ajuda dessa concepção tornou-se possível</p><p>empenhar-se na análise do ego e efetuar uma distinção clínica das</p><p>psiconeuroses em neuroses de transferência e distúrbios narcísicos. Nas</p><p>primeiras (histeria e neurose obsessiva), o sujeito tem à sua disposição uma</p><p>quantidade de libido que se esforça por ser transferida para objetos externos,</p><p>fazendo-se uso disso para levar a cabo o tratamento analítico; por outro lado,</p><p>18</p><p>os distúrbios narcísicos (demência precoce, paranóia, melancolia)</p><p>caracterizam-se por uma retirada da libido dos objetos e, assim, raramente</p><p>são acessíveis à terapia analítica. Sua inacessibilidade terapêutica, contudo,</p><p>não impediu a análise de efetuar os mais fecundos começos do estudo mais</p><p>profundo dessas moléstias, que se contam entre as psicoses.” VOL.XVIII –</p><p>DOIS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA(1922), PG.265.</p><p>...” Narcisismo. - Um progresso decisivo foi realizado quando se</p><p>aventurou a análise da demência precoce e outros distúrbios psicóticos e</p><p>assim o exame foi iniciado do próprio ego, que até então fora conhecido</p><p>apenas como instância</p><p>da repressão e da oposição. Descobriu-se que o</p><p>processo patogênico na demência precoce é a retirada da libido dos objetos e</p><p>sua introdução no ego, ao passo que os sintomas clamorosos da moléstia</p><p>surgem dos vãos esforços da libido para encontrar um caminho de volta aos</p><p>objetos. Mostrou-se assim ser possível à libido de objeto transformar-se em</p><p>catexia do ego e vice-versa. Uma reflexão mais detida demonstrou que foi</p><p>preciso presumir que esse processo ocorre na maior escala e que o ego deve</p><p>ser encarado como um grande reservatório de libido, do qual a libido é</p><p>enviada para os objetos, e que sempre está pronto a absorver a libido que flui</p><p>de volta dos objetos. Assim, os instintos de autopreservação também eram de</p><p>natureza libidinal: eram instintos sexuais que, em vez de objetos externos,</p><p>haviam tomado o próprio ego do sujeito como objeto. A experiência clínica</p><p>familiarizou-nos com as pessoas que se comportam de uma maneira notável,</p><p>como se estivessem enamoradas de si mesmas, e essa perversão recebeu o</p><p>nome de narcisismo. A libido dos instintos autopreservativos foi então descrita</p><p>como libido narcísica e reconheceu-se que um elevado grau desse auto-amor</p><p>constituía o estado de coisas primário e normal. A fórmula primitiva</p><p>estabelecida para as neuroses de transferência conseqüentemente exigia ser</p><p>modificada, embora não corrigida. Era melhor, em vez de falar de um conflito</p><p>19</p><p>entre instintos sexuais e instintos do ego, falar de um conflito entre libido de</p><p>objeto e libido de ego, ou, de vez que era a mesma a natureza desses</p><p>instintos, conflito entre as catexias de objeto e o ego.” VOL.XVIII - DOIS</p><p>VERBETES DE ENCICLOPÉDIA (1923 [1922]), PGS.272 a 273.</p><p>... “quais são as forças das quais surge a objeção à tendência</p><p>libidinal? Qual é a outra parte do conflito patogênico? Essas forças,</p><p>genericamente falando, são as forças instintuais não-sexuais.</p><p>Classificamo-las conjuntamente como ‘instintos do ego’. A psicanálise</p><p>das neuroses de transferência não nos dá um acesso fácil a um exame</p><p>detalhado das mesmas; quando muito, chegamos a conhecê-las, em certa</p><p>medida, através das resistências que se opõem à análise. O conflito</p><p>patogênico é, pois, um conflito entre os instintos do ego e os instintos</p><p>sexuais. Em muitos casos, parece haver como que um conflito também entre</p><p>diferentes tendências puramente sexuais. Em essência, isto, porém, é a</p><p>mesma coisa; pois das duas tendências sexuais em conflito, uma sempre é,</p><p>poderíamos dizer assim, ‘egossintônica’, ao passo que a outra provoca a</p><p>defesa do ego. Portanto, ainda continua sendo um conflito entre o ego e a</p><p>sexualidade. Senhores, sempre que a psicanálise tem afirmado que algum</p><p>evento mental é produto dos instintos sexuais, tem-se-lhe argumentado,</p><p>indignadamente, a modo de defesa, que os seres humanos não se resumem</p><p>apenas em sexualidade, que existem na vida mental instintos e interesses</p><p>outros além dos sexuais, que não se deve derivar ‘tudo’ da sexualidade, e</p><p>assim por diante. Pois bem, é muito gratificante, vez por outra, verificar que</p><p>estamos de acordo com nossos opositores. A psicanálise jamais se</p><p>esqueceu de que há também forças instintuais que não sexuais. Ela se</p><p>baseou numa nítida distinção entre os instintos sexuais e os instintos</p><p>do ego, e, apesar de todas as objeções, sustentou não que as neuroses</p><p>derivavam da sexualidade, mas sim, que, sua origem se deve a um</p><p>20</p><p>conflito entre o ego e a sexualidade. E nem possui qualquer motivo</p><p>concebível para contestar a existência ou a importância dos instintos do ego,</p><p>enquanto rastreia a parte executada pelos instintos sexuais na doença e na</p><p>vida corrente. Simplesmente a psicanálise teve o destino de começar por</p><p>interessar-se pelos instintos sexuais, de vez que as neuroses de transferência</p><p>os tornaram os de mais fácil acesso ao exame, e porque à psicanálise coube</p><p>a tarefa de estudar aquilo de que outras pessoas haviam descurado. E não se</p><p>trata de a psicanálise não haver prestado atenção alguma à parte não sexual</p><p>da personalidade. É precisamente a distinção entre ego e sexualidade que</p><p>nos possibilitou reconhecer com especial clareza que os instintos do ego</p><p>passam por um importante processo de evolução, uma evolução que não é</p><p>nem completamente independente da libido, nem desprovida de um efeito</p><p>secundário sobre a mesma. Contudo, estamos muito menos familiarizados</p><p>com o desenvolvimento do ego do que com a evolução da libido, de vez que</p><p>apenas o estudo das neuroses narcísicas é que promete dar-nos uma</p><p>compreensão interna (insight) da estrutura do ego. Entretanto, já temos diante</p><p>de nós uma notável tentativa empreendida por Ferenczi [1913] de estabelecer</p><p>uma formulação teórica dos estádios de desenvolvimento. Não acreditamos</p><p>que os interesses libidinais de uma pessoa estejam, desde o início, em</p><p>oposição a seus interesses de autopreservações; pelo contrário, o ego</p><p>esforça-se, em cada estádio, por permanecer em harmonia com sua</p><p>organização sexual, tal como esta se apresenta na época, e por ajustar-</p><p>se a ela. A sucessão das diferentes fases do desenvolvimento libidinal</p><p>provavelmente segue um programa estabelecido. Não se pode, contudo,</p><p>afastar a possibilidade de esse curso dos acontecimentos pode ser</p><p>influenciado pelo ego, e podemos igualmente esperar encontrar algum</p><p>paralelismo, determinada correspondência, entre a fases do desenvolvimento</p><p>do ego e da libido; na verdade, um distúrbio dessa correspondência poderia</p><p>originar um fator patogênico. Com isso, defrontamo-nos com a importante</p><p>21</p><p>consideração relativa à maneira como se comporta o ego no caso de sua</p><p>libido deixar após si uma intensa fixação em algum ponto de seu</p><p>desenvolvimento (da libido). O ego pode aceitar isto e, em conseqüência,</p><p>tornar-se, nesse sentido, pervertido, ou, o que é a mesma coisa, infantil. No</p><p>entanto, o ego pode adotar uma atitude não-complacente com a acomodação</p><p>da libido nessa posição, e, nesse caso, o ego experimenta uma repressão ali</p><p>onde a libido sofreu uma fixação.</p><p>Assim, descobrimos que o terceiro fator na etiologia das neuroses,</p><p>a tendência ao conflito, depende tanto do desenvolvimento do ego como</p><p>do da libido. Com isso faz-se mais completa nossa compreensão interna</p><p>(insight) da causação das neuroses. Primeiro, existe a precondição mais geral</p><p>- a frustração; e, a seguir, a fixação da libido que a força em determinadas</p><p>direções; e terceiro, a tendência ao conflito, surgida do desenvolvimento do</p><p>ego, a qual rejeita esses impulsos libidinais. A situação, por conseguinte,</p><p>parece não ser tão difícil de compreender como provavelmente lhes parecia</p><p>no transcorrer de minhas observações. É verdade, porém, que verificaremos</p><p>não haver ainda completado sua descrição. Existe algo novo a acrescentar e</p><p>algo já conhecido a ser mais detidamente examinado.A fim de demonstrar-</p><p>lhes a influência que o desenvolvimento do ego exerce sobre a formação dos</p><p>conflitos e sobre a causação das neuroses, gostaria de apresentar-lhes um</p><p>exemplo - um exemplo que, verdade seja dita, é uma completa invenção, mas</p><p>que não está, de modo algum, isento de probabilidade. Descrevê-lo-ei (com</p><p>base no título de uma das farsas de Nestroy) como ‘No Subsolo e no Primeiro</p><p>Andar’. O zelador da casa mora no subsolo e seu patrão, um cavalheiro rico e</p><p>respeitável, no primeiro andar. Ambos têm filhos, e podemos supor que a</p><p>filhinha do proprietário pode brincar, sem qualquer supervisão, com a menina</p><p>proletária. Muito facilmente poderia acontecer, então, que as brincadeiras das</p><p>crianças assumissem um caráter ‘arteiro’ - digamos, sexual -, e que</p><p>brincassem de ‘papai e mamãe’, se olhassem uma à outra no que têm de</p><p>22</p><p>mais íntimo e uma excitasse os genitais da outra. A filha do zelador, embora</p><p>apenas com cinco ou seis anos de idade, teria tido oportunidade de observar</p><p>um bocado de coisas a respeito da sexualidade adulta, e nisso tudo ela bem</p><p>que poderia desempenhar o papel da</p><p>sedutora. Essas experiências,</p><p>conquanto não continuadas por longo período de tempo, seriam suficientes</p><p>para pôr em atividade determinados impulsos sexuais nas duas crianças; e</p><p>depois que houvessem cessado as brincadeiras conjuntas, esses impulsos,</p><p>durante diversos anos subseqüentes, encontrariam expressão na</p><p>masturbação. Isto no que se refere às experiências em comum; o resultado</p><p>final nas duas crianças será muito diferente. A filha do zelador continuará a</p><p>masturbar-se, talvez, até começarem seus períodos menstruais e, então, sem</p><p>dificuldade, abandonará a masturbação. Uns anos depois, encontrará um</p><p>companheiro e, talvez, terá um filho. Assumirá uma ou outra ocupação,</p><p>possivelmente se torne uma figura popular no palco e termine como</p><p>aristocrata. Sua carreira não será, com bastante probabilidade, das mais</p><p>brilhantes; no entanto, em todo caso, passará a vida sem ter sido prejudicada</p><p>por aqueles primeiros exercícios de sua sexualidade e ficará isenta de</p><p>neurose. Com a filhinha do proprietário as coisas serão diferentes. Numa fase</p><p>inicial, e enquanto é ainda uma criança, terá uma idéia de haver feito algo de</p><p>errado; após curto período, talvez, porém apenas após uma luta intensa,</p><p>abandonará sua satisfação masturbatória; não obstante, terá em si certo</p><p>sentimento de opressão. Posteriormente, em sua meninice, quando estiver</p><p>em condições de aprender algo da relação sexual humana, se afastará desta</p><p>com inexplicável aversão e preferirá manter-se na ignorância a respeito do</p><p>assunto. E, agora, provavelmente estará sujeita a nova emergência de uma</p><p>pressão irresistível de se masturbar, da qual não ousará queixar-se. Durante</p><p>os anos em que deveria exercer uma atração feminina sobre algum homem,</p><p>irrompe nela um neurose que frustra o casamento e defrauda suas</p><p>esperanças na vida. Se, após isso, uma análise conseguir obter uma</p><p>23</p><p>compreensão interna (insight) de sua neurose, se constatará que a moça bem</p><p>educada, inteligente, que aspirava a coisas elevadas, reprimiu completamente</p><p>seus impulsos sexuais, mas que estes, inconscientes para ela, ainda estão</p><p>vinculados às experiências insignificantes tidas com sua amiga de infância.</p><p>A diferença entre as vidas dessas duas pessoas, malgrado tenham</p><p>tido a mesma experiência, reside no fato de que o ego de uma delas sofreu</p><p>um desenvolvimento que o da outra jamais atingiu. Para a filha do zelador, a</p><p>atividade sexual pareceu tão natural e inofensiva na vida posterior como o</p><p>havia sido na infância. A filha do senhorio submeteu-se à influência da</p><p>educação e aceitou suas exigências. A partir das idéias que lhe foram</p><p>vinculadas, seu ego formou ideais de pureza feminina e abstinência</p><p>incompatíveis com a atividade sexual; sua educação intelectual reduziu seu</p><p>interesse pelo papel feminino que estava destinada a desempenhar. Devido à</p><p>sua moral mais elevada e ao desenvolvimento intelectual de seu ego, ela</p><p>entrou em conflito com as exigências de sua sexualidade.” VOL.XVI, TEORIA</p><p>GERAL DAS NEUROSES (1917 [1916-17]),PGS 353 a 357.</p><p>É imediatamente óbvio que os instintos sexuais, do começo ao fim</p><p>de seu desenvolvimento, atuam com vistas à obtenção de prazer; eles</p><p>mantêm inalterada sua função original. Os outros instintos, os instintos</p><p>do ego, têm, inicialmente, o mesmo objetivo. Sob a influência da</p><p>instrutora Necessidade, porém, logo aprendem a substituir à princípio</p><p>de prazer por uma modificação do mesmo. Para eles, a tarefa de evitar</p><p>desprazer vem a ser tão importante como a de obter prazer. O ego</p><p>descobre que lhe é inevitável renunciar à satisfação imediata, adiar a</p><p>obtenção de prazer, suportar um pequeno desprazer e abandonar</p><p>inteiramente determinadas fontes de prazer. Um ego educado dessa</p><p>maneira tornou-se ‘racional’; não se deixa mais governar pelo princípio</p><p>24</p><p>de prazer, mas obedece ao princípio de realidade que, no fundo, também</p><p>busca obter prazer, mas prazer que se assegura levando em conta a</p><p>realidade, ainda que seja um prazer adiado ou diminuído.A transição do</p><p>princípio de prazer para o princípio de realidade é um dos mais</p><p>importantes passos na direção do desenvolvimento do ego. Já sabemos</p><p>que é só tardia e relutantemente que os instintos sexuais se reúnem a essa</p><p>parte do desenvolvimento, e mais adiante ouviremos falar nas conseqüências,</p><p>para os seres humanos, do fato de sua sexualidade se contentar com laços</p><p>tão frouxos com a realidade externa. E agora, para terminar, um último</p><p>comentário a respeito dessw assunto. Se o ego do homem tem seu próprio</p><p>processo de desenvolvimento, assim como a libido tem o seu, os senhores</p><p>não se surpreenderão ao ouvir que também há ‘regressões do ego’, e estarão</p><p>desejosos de saber também qual o papel que pode ser desempenhado, nas</p><p>doenças neuróticas, por esse retorno do ego a fases anteriores de seu</p><p>desenvolvimento.” VOL.XVI, TEORIA GERAL DAS NEUROSES (1917 [1916-</p><p>17]),PGS 359 e 360.</p><p>...”O ego é, realmente, o poder que nega e desacredita o</p><p>inconsciente mantendo-o reprimido; assim, como podemos confiar em que</p><p>seja justo para com o inconsciente? Os elementos mais importantes naquilo</p><p>que dessa forma está reprimido, são as exigências da sexualidade</p><p>rechaçadas, e fica bastante evidente que, partindo dos pontos de vista</p><p>próprios do ego, jamais conseguiríamos imaginar a extensão e importância</p><p>das mesmas. A partir do momento em que a noção de repressão se torna</p><p>clara para nós, somos advertidos para que não façamos uma das duas partes</p><p>litigantes (e, com isso, o lado vitorioso) tornar-se juiz da questão. Estamos</p><p>preparados para verificar que as assertivas do ego nos desorientarão. Se</p><p>quisermos acreditar no ego, levemos em conta que ele teve a iniciativa em</p><p>cada etapa do processo e ele próprio desejou e construiu os sintomas. Mas</p><p>25</p><p>sabemos que ele suporta uma boa dose de passividade que, depois, ele tenta</p><p>disfarçar e encobrir. É verdade que nem sempre ele se arrisca a uma tal</p><p>tentativa; nos sintomas da neurose obsessiva, o ego é obrigado a admitir que</p><p>existe algo de estranho com que se defronta e contra o qual pode defender-se</p><p>apenas com dificuldade.” VOL.XVI, TEORIA GERAL DAS NEUROSES (1917</p><p>[1916-17]),PG. 381.</p><p>26</p><p>VOL. XIX</p><p>..."A divisão do psíquico em o que é consciente e o que é</p><p>inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e</p><p>somente ela torna possível a esta compreender os processos</p><p>patológicos da vida mental, que são tão comuns quanto importantes, e</p><p>encontrar lugar para eles na estrutura da ciência. Para dizê-lo mais uma</p><p>vez, de modo diferente: a psicanálise não pode situar a essência do</p><p>psíquico na consciência, mas é obrigada a encarar esta como uma</p><p>qualidade do psíquico, que pode achar-se presente em acréscimo a</p><p>outras qualidades, ou estar ausente." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.27</p><p>...”‘Estar consciente’ é, em primeiro lugar, um termo puramente</p><p>descritivo, que repousa na percepção do caráter mais imediato e certo. A</p><p>experiência demonstra que um elemento psíquico (uma idéia, por exemplo)</p><p>não é, via de regra, consciente por um período de tempo prolongado. Pelo</p><p>contrário, um estado de consciência é, caracteristicamente, muito transitório;</p><p>uma idéia queé consciente agora não o é mais um momento depois, embora</p><p>assim possa tornar-se novamente, em certas condições que são facilmente</p><p>ocasionadas. No intervalo, a idéia foi… Não sabemos o quê. Podemos dizer</p><p>que esteve latente, e, por isso, queremos dizer que era capaz de tornar-se</p><p>consciente a qualquer momento. Ora, se dissermos que era inconsciente,</p><p>estaremos também dando uma descrição correta dela. Aqui ‘inconsciente’</p><p>coincide com ‘latente e capaz de tornar-se consciente’ ".VOL.XIX, “O EGO E</p><p>O ID”, pgs. 27 e 28.</p><p>..."existem idéias ou processos mentais muito poderosos (e aqui um</p><p>fator quantitativo ou econômico entra em questão pela primeira vez) que</p><p>podem produzir na vida mental</p><p>todos os efeitos que as idéias comuns</p><p>27</p><p>produzem (inclusive certos efeitos que podem, por sua vez, tornar-se</p><p>conscientes como idéias), embora eles próprios não se tornem conscientes."</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.28,</p><p>...”a razão pela qual tais idéias não podem tornar-se conscientes é</p><p>que uma certa força se lhes opõe; que, de outra maneira, se tornariam</p><p>conscientes, e que seria então aparente quão pouco elas diferem de outros</p><p>elementos que são admitidamente psíquicos.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”,</p><p>PG.28.</p><p>...”O estado em que as idéias existiam antes de se</p><p>tornarem conscientes é chamado por nós de repressão, e asseveramos</p><p>que a força que instituiu a repressão e a mantém é percebida como</p><p>resistência durante o trabalho de análise." VOL.XIX, “O EGO E O ID”,</p><p>PG.28.</p><p>..."O reprimido é, para nós, o protótipo do inconsciente.</p><p>Percebemos, contudo, que temos dois tipos de inconsciente: um que é</p><p>latente, mas capaz de tornar-se consciente, e outro que é reprimido e</p><p>não é, em si próprio e sem mais trabalho, capaz de tornar-se consciente.</p><p>Esta compreensão interna (insight) da dinâmica psíquica não pode deixar de</p><p>afetar a terminologia e a descrição. Ao latente, que é inconsciente apenas</p><p>descritivamente, não no sentido dinâmico, chamamos de pré-consciente;</p><p>restringimos o termo inconsciente ao reprimido dinamicamente inconsciente,</p><p>de maneira que temos agora três termos, consciente (Cs.), pré-consciente</p><p>(Pcs.) e inconsciente (Ics.), cujo sentido não é mais puramente descritivo. O</p><p>Pcs. acha-se provavelmente muito mais próximo do Cs. que o Ics., e desde</p><p>que chamamos o Ics. de psíquico, chamaremos, ainda com menos hesitação,</p><p>o Pcs. latente de psíquico. VOL.XIX, “O EGO E O ID”, "PG.29.</p><p>28</p><p>...”Formamos a idéia de que em cada indivíduo existe uma</p><p>organização coerente de processos mentais e chamamos a isso o seu</p><p>ego. É a esse ego que a consciência se acha ligada: o ego controla as</p><p>abordagens à motilidade - isto é, à descarga de excitações para o</p><p>mundo externo. Ele é a instância mental que supervisiona todos os seus</p><p>próprios processos constituintes e que vai dormir à noite, embora ainda</p><p>exerça a censura sobre os sonhos. Desse ego procedem também as</p><p>repressões, por meio das quais procura-se excluir certas tendências da</p><p>mente, não simplesmente da consciência, mas também de outras formas</p><p>de capacidade e atividade. Na análise, essas tendências que foram</p><p>deixadas de fora colocam-se em oposição ao ego, e a análise defronta-se</p><p>com a tarefa de remover as resistências que o ego apresentacontra o</p><p>preocupar-se com o reprimido. Ora, descobrimos durante a análise que,</p><p>quando apresentamos certas tarefas ao paciente, ele entra em dificuldades;</p><p>as suas associações falham quando deveriam estar-se aproximando do</p><p>reprimido. Dizemos-lhe então que está dominado por uma resistência, mas</p><p>ele se acha inteiramente inadvertido do fato e, mesmo que adivinhe, por seus</p><p>sentimentos desprazerosos, que uma resistência encontra-se então em ação</p><p>nele, não sabe o que é ou como descrevê-la. Entretanto, visto não poder</p><p>haver dúvida de que essa resistência emana do seu ego e a este pertence,</p><p>encontramo-nos numa situação imprevista. Deparamo-nos com algo no</p><p>próprio ego que é também inconsciente, que se comporta exatamente como o</p><p>reprimido - isto é, que produz efeitos poderosos sem ele próprio ser</p><p>consciente e que exige um trabalho especial antes de poder ser tornado</p><p>consciente. Do ponto de vista da prática analítica, a conseqüência desta</p><p>descoberta é que iremos parar em infindáveis obscuridades e dificuldades se</p><p>nos ativermos a nossas formas habituais de expressão e tentarmos, por</p><p>exemplo, derivar as neuroses de um conflito entre o consciente e o</p><p>29</p><p>inconsciente. Teremos de substituir esta antítese por outra, extraída de nossa</p><p>compreensão interna (insight) das condições estruturais da mente - a antítese</p><p>entre o ego coerente e o reprimido que é expelido (split off) dele.</p><p>Para nossa concepção do inconsciente, contudo, as conseqüências</p><p>de nossa descoberta são ainda mais importantes. Considerações dinâmicas</p><p>fizeram-nos efetuar a primeira correção; nossa compreensão interna (insight)</p><p>da estrutura da mente conduz à segunda. Reconhecemos que o Ics. não</p><p>coincide com o reprimido; é ainda verdade que tudo o que é reprimido é Ics.,</p><p>mas nem tudo o que é Ics. é reprimido. Também uma parte do ego - e sabem</p><p>os Céus que parte tão importante - pode ser Ics., indubitavelmente é Ics. E</p><p>esse Ics. que pertence ao ego não é latente como o Pcs., pois, se fosse, não</p><p>poderia ser ativado sem tornar-se Cs., e o processo de torná-lo consciente</p><p>não encontraria tão grandes dificuldades. Quando nos vemos assim</p><p>confrontados pela necessidade de postular um terceiro Ics., que não é</p><p>reprimido, temos de admitir que a característica de ser inconsciente começa a</p><p>perder significação para nós. Torna-se uma qualidade quepode ter muitos</p><p>significados, uma qualidade da qual não podemos fazer, como esperaríamos,</p><p>a base de conclusões inevitáveis e de longo alcance. Não obstante, devemos</p><p>cuidar para não ignorarmos esta característica, pois a propriedade de ser</p><p>consciente ou não constitui, em última análise, o nosso único farol na treva da</p><p>psicologia profunda." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, pgs.30 a 32.</p><p>... “Só podemos vir a conhecer, mesmo o Ics., tornando-o</p><p>consciente... como é isso possível? O que queremos dizer quando</p><p>dizemos ‘tornar algo consciente’? Como é que isso pode ocorrer? ... que</p><p>a diferença real entre uma idéia (pensamento) do Ics. ou do Pcs.</p><p>consiste nisto: que a primeira é efetuada em algum material que</p><p>permanece desconhecido, enquanto que a última (a do Pcs.) é, além</p><p>disso, colocada em vinculação com representações verbais. Esta é a</p><p>30</p><p>primeira tentativa de indicar marcas distinguidoras entre os dois sistemas, o</p><p>Pcs. e o Ics., além de sua relação com a consciência. A pergunta ‘Como uma</p><p>coisa se torna consciente?’ seria assim mais vantajosamente enunciada:</p><p>‘Como uma coisa se torna pré-consciente?’ E a resposta seria: ‘Vinculando-se</p><p>às representações verbais que lhe são correspondentes.’... Essas</p><p>representações verbais são resíduos de lembranças; foram antes percepções</p><p>e, como todos os resíduos mnêmicos, podem tornar-se conscientes de novo...</p><p>Em essência, uma palavra é, em última análise, o resíduo mnêmico de uma</p><p>palavra que foi ouvida." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS, 33 a 35.</p><p>..."se, portanto, esta é a maneira pela qual algo que é, em si próprio,</p><p>inconsciente, se torna pré-consciente, a questão de como tornamos (pré-</p><p>)consciente algo que é reprimido seria respondida do seguinte modo. Isso é</p><p>feito fornecendo ao Pcs. vínculos intermediários, mediante o trabalho de</p><p>análise. A consciência permanece, portanto, onde está, mas, por outro lado, o</p><p>Ics. não aflora no Cs." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.35.</p><p>..."As sensações de natureza prazerosa não têm nada de</p><p>inerentemente impelente nelas, enquanto que as desprazerosas o têm no</p><p>mais alto grau. As últimas impelem no sentido da mudança, da descarga, e é</p><p>por isso que interpretamos o desprazer como implicando uma elevação e o</p><p>prazer uma redução da catexia energética. Chamemos o que se torna</p><p>consciente como prazer e desprazer um ‘algo’ quantitativo e qualitativo no</p><p>curso dos eventos mentais; a questão, então, é saber se este ‘algo’ pode</p><p>tornar-se consciente no lugar onde está ou se deve ser primeiro transmitido</p><p>ao sistema Pcpt.</p><p>A experiência clínica decide em favor do último. Ela nos demonstra</p><p>que esse ‘algo’ se comporta como um impulso reprimido. Ele pode exercer</p><p>força impulsiva sem que o ego note a compulsão. Somente quando se dá</p><p>31</p><p>resistência a esta, uma detenção na reação de descarga, é que o ‘algo’ se</p><p>torna consciente como desprazer. Assim como as tensões que surgem de</p><p>necessidades físicas podem permanecer inconscientes, também o pode o</p><p>sofrimento - algo intermediário entre a percepção externa e</p><p>interna, que se</p><p>comporta como uma percepção interna, mesmo quando sua fonte se encontra</p><p>no mundo externo. Permanece verdade, portanto, que também as sensações</p><p>e os sentimentos só se tornam conscientes atingindo o sistema Pcpt.; se</p><p>o caminho para a frente é barrado, elas não chegam a existir como</p><p>sensações, embora o ‘algo’ que lhes corresponde no curso da excitação seja</p><p>o mesmo que se elas chegassem a existir. Passamos então a falar, de</p><p>maneira condensada e não inteiramente correta, de ‘sentimentos</p><p>inconscientes’, mantendo uma analogia com as idéias inconscientes que não</p><p>é inteiramente justificável. Na realidade, a diferença é que, enquanto que</p><p>com as idéias Ics. devem ser criados vínculos de ligação antes que elas</p><p>possam ser trazidas para o Cs., com os sentimentos, que são</p><p>transmitidos diretamente, isto não ocorre. Em outras palavras: a</p><p>distinção entre Cs. e Pcs. não tem significado no que concerne a</p><p>sentimentos; o Pcs. aqui é posto de lado - e os sentimentos são ou</p><p>conscientes ou inconscientes. Mesmo quando estão ligados a representações</p><p>verbais, tornam-se conscientes, não devido a essa circunstância, mas sim</p><p>diretamente.O papel desempenhado pelas representações verbais se torna</p><p>agora perfeitamente claro. Através de sua interposição, os processos internos</p><p>de pensamento são transformados em percepções. É como uma</p><p>demonstração do teorema de que todo conhecimento tem sua origem na</p><p>percepção externa. Quando uma hipercatexia do processo de pensamento se</p><p>efetua, os pensamentos são realmente percebidos - como se proviessem de</p><p>fora - e, conseqüentemente, são considerados verdadeiros.” VOL.XIX, “O</p><p>EGO E O ID”, PGS. 37 e 38.</p><p>32</p><p>..." Após este esclarecimento das relações entre a percepção externa</p><p>e interna e o sistema superficial Pcpt.-Cs., podemos passar à elaboração de</p><p>nossa idéia do ego. Ele tem início, como vimos, no sistema Pcpt., que é o seu</p><p>núcleo, e começa por abranger o Pcs., que é adjacente aos resíduos</p><p>mnêmicos. Mas, como aprendemos, o ego é também inconsciente.</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, "PG.37.</p><p>..."chamando a entidade que tem início no sistema Pcpt. e</p><p>começa por ser Pcs. de ‘ego’, e seguindo Groddeck no chamar a outra</p><p>parte da mente, pela qual essa entidade se estende e que se comporta como</p><p>se fosse Ics., de ‘id’.” VOL.XIX, “O EGO E O ID”, "PG.37.</p><p>..."Examinaremos agora o indivíduo como um id psíquico,</p><p>desconhecido e inconsciente, sobre cuja superfície repousa o ego,</p><p>desenvolvido a partir de seu núcleo, o sistema Pcpt. Se fizermos um esforço</p><p>para representar isso pictoricamente, podemos acrescentar que o ego não</p><p>envolve completamente o id, mas apenas até o ponto em que o sistema Pcpt.</p><p>forma a sua [do ego] superfície, mais ou menos como o disco germinal</p><p>repousa sobre o óvulo. O ego não se acha nitidamente separado do id; sua</p><p>parte inferior funde-se com ele.Mas o reprimido também se funde com o id, e</p><p>é simplesmente uma parte dele. Ele só se destaca nitidamente do ego pelas</p><p>resistências da repressão, e pode comunicar-se com o ego através do id.</p><p>Compreendemos em seguida que quase todas as linhas de demarcação que</p><p>traçamos, por instigação da patologia, relacionam-se apenas aos estratos</p><p>superficiais do aparelho mental - os únicos que nos são conhecidos. O estado</p><p>de coisas que estivemos descrevendo pode ser representado</p><p>diagramaticamente, embora se deva notar que a forma escolhida não tem</p><p>pretensões a qualquer aplicabilidade especial, mas simplesmente se destina</p><p>a servir para fins de exposição.</p><p>33</p><p>Poderíamos acrescentar, talvez, que o ego usa um ‘receptor acústico’</p><p>- de um lado apenas, como aprendemos da anatomia cerebral. Poder-se-ia</p><p>dizer que o usa de viés... o ego é aquela parte do id que foi modificada pela</p><p>influência direta do mundo externo, por intermédio do Pcpt.-Cs.; em certo</p><p>sentido, é uma extensão da diferenciação de superfície. Além disso, o ego</p><p>procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências</p><p>deste, e esforça-se por substituir o princípio de prazer, que reina</p><p>irrestritamente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a percepção</p><p>desempenha o papel que no id cabe ao instinto. O ego representa o que</p><p>pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com o id, que</p><p>contém as paixões." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS.37 a 39.</p><p>..."A importância funcional do ego se manifesta no fato de que,</p><p>normalmente, o controle sobre as abordagens à motilidade compete a</p><p>ele. Assim, em sua relação com o id, ele é como um cavaleiro que tem</p><p>de manter controlada a força superior do cavalo, com a diferença de que</p><p>o cavaleiro tenta fazê-lo com a sua própria força, enquanto que o ego</p><p>utiliza forças tomadas de empréstimo. A analogia pode ser levada um</p><p>pouco além. Com freqüência um cavaleiro, se não deseja ver-se</p><p>separado do cavalo, é obrigado a conduzi-lo onde este quer ir; da</p><p>mesma maneira, o ego tem o hábito de transformar em ação a vontade</p><p>do id, como se fosse sua própria." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.39.</p><p>..."O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é</p><p>simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção</p><p>de uma superfície"..."não ficamos surpresos em ouvir que a cena das</p><p>atividades das paixões inferiores se acha no inconsciente; esperamos,</p><p>ademais, que quanto mais alto alguma função mental se coloque em nossa</p><p>escala de valores, mais facilmente encontrará acesso à consciência que lhe é</p><p>34</p><p>assegurada. Aqui, contudo, a experiência psicanalítica nos desaponta. Por</p><p>um lado, temos provas de que mesmo operações intelectuais sutis e</p><p>difíceis, que ordinariamente exigem reflexão vigorosa, podem</p><p>igualmente ser executadas pré-conscientemente e sem chegarem à</p><p>consciência. Os exemplos disso são inteiramente incontestáveis; podem</p><p>ocorrer, por exemplo, durante o estado de sono, como se demonstra quando</p><p>alguém descobre, imediatamente após o despertar, que sabe a solução de</p><p>um difícil problema matemático ou de outro tipo com que esteve lutando em</p><p>vão no dia anterior"..." não apenas o que é mais baixo, mas também o que é</p><p>mais elevado no ego, pode ser inconsciente. É como se fôssemos assim</p><p>supridos com uma prova do que acabamos de asseverar quanto ao ego</p><p>consciente: que ele é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal." VOL.XIX,</p><p>“O EGO E O ID”, PGS. 39 e 40.</p><p>..." As considerações que nos levaram a presumir a existência de</p><p>uma gradação no ego, uma diferenciação dentro dele, que pode ser chamada</p><p>de ‘ideal do ego’ ou ‘superego’,... ainda são válidas... essa parte do ego está</p><p>menos firmemente vinculada à consciência." VOL.XIX, “O EGO E O ID”,</p><p>PG.41.</p><p>..."Alcançamos sucesso em explicar o penoso distúrbio da melancolia</p><p>supondo [naqueles que dele sofrem] que um objeto que fora perdido foi</p><p>instalado novamente dentro do ego, isto é, que uma catexia do objeto foi</p><p>substituída por uma identificação.... Desde então, viemos a saber que esse</p><p>tipo de substituição tem grande parte na determinação da forma tomada pelo</p><p>ego, e efetua uma contribuição essencial no sentido da construção do que é</p><p>chamado de seu ‘caráter’.A princípio, na fase oral primitiva do indivíduo, a</p><p>catexia do objeto e a identificação são, sem dúvida, indistinguíveis uma da</p><p>outra. Só podemos supor que, posteriormente, as catexias do objeto</p><p>35</p><p>procedem do id, o qual sente as tendências eróticas como necessidades. O</p><p>ego, que inicialmente ainda é fraco, dá-se conta das catexias do objeto, e</p><p>sujeita-se a elas ou tenta desviá-las pelo processo de repressão.</p><p>Quando acontece uma pessoa ter de abandonar um objeto sexual,</p><p>muito amiúde se segue uma alteração de seu ego que só pode ser descrita</p><p>como instalação do objeto dentro do ego, tal como ocorre na melancolia; a</p><p>natureza exata dessa substituição ainda nos é desconhecida. Pode ser que,</p><p>através dessa introjeção, que constitui uma espécie de regressão ao</p><p>mecanismo da fase oral, o ego torne mais fácil ao objeto ser abandonado</p><p>ou</p><p>torne possível esse processo. Pode ser que essa identificação seja a única</p><p>condição em que o id pode abandonar os seus objetos. De qualquer maneira,</p><p>o processo, especialmente nas fases primitivas de desenvolvimento, é muito</p><p>freqüente, e torna possível supor que o caráter do ego é um precipitado</p><p>de catexias objetais abandonadas e que ele contém a história dessas</p><p>escolhas de objeto. Naturalmente, deve-se admitir, desde o início, que</p><p>existem diversos graus de capacidade de resistência, os quais decidem até</p><p>que ponto o caráter de uma pessoa desvia ou aceita as influências da história</p><p>de suas escolhas objetais eróticas." VOL.XIX, “O EGO E O ID”, pgs..41 e 42.</p><p>..." Tomando-se outro ponto de vista, pode-se dizer que essa</p><p>transformação de uma escolha objetal erótica numa alteração do ego constitui</p><p>também um método pelo qual o ego pode obter controle sobre o id, e</p><p>aprofundar suas relações com ele - à custa, é verdade de sujeitar-se em</p><p>grande parte às exigências do id. Quando o ego assume as características do</p><p>objeto, ele está-se forçando, por assim dizer, ao id como um objeto de amor e</p><p>tentando compensar a perda do id, dizendo: ‘Olhe, você também pode me</p><p>amar; sou semelhante ao objeto’. A transformação da libido do objeto em</p><p>libido narcísica, que assim se efetua, obviamente implica um abandono de</p><p>objetivos sexuais, uma dessexualização - uma espécie de sublimação,</p><p>36</p><p>portanto. " VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 42 e 43.</p><p>..."não podemos evitar conceder nossa atenção, por um momento</p><p>mais, às identificações objetais do ego. Se elas levam a melhor e se tornam</p><p>numerosas demais, indevidamente poderosas e incompatíveis umas com as</p><p>outras, um resultado patológico não estará distante. Pode ocorrer uma ruptura</p><p>do ego, em conseqüência de as diferentes identificações se tornarem</p><p>separadas umas da outras através de resistências; talvez o segredo dos</p><p>casos daquilo que é descrito como ‘personalidade múltipla’ seja que as</p><p>diferentes identificações apoderam-se sucessivamente da consciência."</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PG.43.</p><p>..."seja o que for que a capacidade posterior do caráter para resistir</p><p>às influências das catexias objetais abandonadas possa tornar-se, os efeitos</p><p>das primeiras identificações efetuadas na mais primitiva infância serão gerais</p><p>e duradouros. Isso nos conduz de volta à origem do ideal do ego; por trás</p><p>dele jaz oculta a primeira e mais importante identificação de um</p><p>indivíduo, a sua identificação com o pai em sua própria pré-história</p><p>pessoal. Isso aparentemente não é, em primeira instância, a conseqüência</p><p>ou resultado de uma catexia do objeto; trata-se de uma identificação direta e</p><p>imediata, e se efetua mais primitivamente do que qualquer catexia do objeto."</p><p>VOL.XIX, “O EGO E O ID”, PGS. 43 e 44.</p><p>..." A dificuldade do problema se deve a dois fatores: o caráter</p><p>triangular da situação edipiana e a bissexualidade constitucional de cada</p><p>indivíduo.</p><p>Em sua forma simplificada, o caso de uma criança do sexo masculino</p><p>pode ser descrito do seguinte modo. Em idade muito precoce o menininho</p><p>desenvolve uma catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio</p><p>37</p><p>materno, e que é o protótipo de uma escolha de objeto segundo o modelo</p><p>anaclítico; o menino trata o pai identificando-se com este. Durante certo</p><p>tempo, esses dois relacionamentos avançam lado a lado, até que os desejos</p><p>sexuais do menino em relação à mãe se tornam mais intensos e o pai é</p><p>percebido como um obstáculo a eles; disso se origina o complexo de Édipo.</p><p>Sua identificação com o pai assume então uma coloração hostil e transforma-</p><p>se num desejo de livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe. Daí</p><p>por diante, a sua relação com o pai é ambivalente; parece como se a</p><p>ambivalência, inerente à identificação desde o início, se houvesse tornado</p><p>manifesta. Uma atitude ambivalente para com o pai e uma relação objetal</p><p>detipo unicamente afetuoso com a mãe constituem o conteúdo do complexo</p><p>de Édipo positivo simples num menino.</p><p>Juntamente com a demolição do complexo de Édipo, a catexia</p><p>objetal da mãe, por parte do menino, deve ser abandonada. O seu lugar</p><p>pode ser preenchido por uma de duas coisas: uma identificação com a</p><p>mãe ou uma intensificação de sua identificação com o pai. Estamos</p><p>acostumados a encarar o último resultado como o mais normal; ele</p><p>permite que a relação afetuosa com a mãe seja, em certa medida,</p><p>mantida. Dessa maneira, a dissolução do complexo de Édipo</p><p>consolidaria a masculinidade no caráter de um menino. De maneira</p><p>precisamente análoga, o desfecho da atitude edipiana numa menininha</p><p>pode ser uma intensificação de sua identificação com a mãe (ou a</p><p>instalação de tal identificação pela primeira vez) - resultado que fixará o</p><p>caráter feminino da criança.</p><p>Essas identificações não são o que esperaríamos [pela descrição</p><p>anterior, visto que não introduzem no ego o objeto abandonado, mas este</p><p>desfecho alternativo também pode ocorrer, sendo mais fácil observá-lo em</p><p>meninas do que em meninos. A análise muito amiúde mostra que uma</p><p>menininha, após ter de abandonar o pai como objeto de amor, colocará sua</p><p>38</p><p>masculinidade em proeminência e identificar-se-á com seu pai (isto é, com o</p><p>objeto que foi perdido), ao invés da mãe. Isso, é claro, dependerá de ser a</p><p>masculinidade em sua disposição - seja o que for em que isso possa consistir</p><p>- suficientemente forte.</p><p>Pareceria, portanto, que em ambos os sexos a força relativa das</p><p>disposições sexuais masculina e feminina é o que determina se o desfecho</p><p>da situação edipiana será uma identificação com o pai ou com a mãe. Esta é</p><p>uma das maneiras pelas quais a bissexualidade é responsável pelas</p><p>vicissitudes subseqüentes do complexo de Édipo. A outra é ainda mais</p><p>importante, pois fica-se com a impressão de que de modo algum o complexo</p><p>de Édipo simples é a sua forma mais comum, mas representa antes uma</p><p>simplificação ou esquematização que é, sem dúvida, freqüentemente</p><p>justificada para fins práticos. Um estudo mais aprofundado geralmente revela</p><p>o complexo de Édipo mais completo, o qual é dúplice, positivo e negativo, e</p><p>devido à bissexualidade originalmente presente na criança. Isto equivale a</p><p>dizer que um menino não tem simplesmente uma atitude ambivalente para</p><p>com o pai e uma escolha objetal afetuosa pela mãe, mas que, ao mesmo</p><p>tempo, também se comporta como uma menina e apresenta uma atitude</p><p>afetuosa feminina para com o pai e um ciúme e uma hostilidade</p><p>correspondentes em relação à mãe. É este elemento complicador introduzido</p><p>pela bissexualidade que torna tão difícil obter uma visão clara dos fatos em</p><p>vinculação com as primitivas escolhas de objeto e identificações, e ainda mais</p><p>difícil descrevê-las inteligivelmente. Pode mesmo acontecer que a</p><p>ambivalência demonstrada nas relações com os pais deva ser atribuída</p><p>inteiramente à bissexualidade e que ela não se desenvolva, como representei</p><p>acima, a partir da identificação em conseqüência da rivalidade.</p><p>Em minha opinião, é aconselhável, em geral, e muito especialmente</p><p>no que concerne aos neuróticos, presumir a existência do complexo de Édipo</p><p>completo. A experiência analítica demonstra então que, num certo número de</p><p>39</p><p>casos, um ou outro dos constituintes desaparece, exceto por traços mal</p><p>distinguíveis; o resultado, então, é uma série com o complexo de Édipo</p><p>positivo normal numa extremidade e o negativo invertido na outra, enquanto</p><p>que os seus membros intermediários exibem a forma completa, com um ou</p><p>outro dos seus dois componentes preponderando. Na dissolução do</p><p>complexo de Édipo, as quatro tendências em que ele consiste agrupar-se-ão</p><p>de maneira a produzir uma identificação paterna e uma identificação materna.</p><p>A identificação paterna preservará a relação de objeto com a mãe, que</p><p>pertencia ao complexo positivo e, ao mesmo tempo, substituirá a relação de</p><p>objeto com o pai, que pertencia ao complexo invertido; o mesmo será</p><p>verdade,</p>