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<p>1</p><p>inSights Econômicos</p><p># 16 – Junho de 2023</p><p>Desconstruindo Narrativas</p><p>2</p><p>Sumário</p><p>Fábulas, contos, lendas, anedotas, tramas, histórias... ....................................................................................... 3</p><p>IPCA de Junho ...................................................................................................................................................... 4</p><p>Evidências de uma possível decolagem brasileira ............................................................................................... 6</p><p>Dolarize tranquilamente, nem sequer a China deseja um dólar fraco.............................................................. 15</p><p>Small Caps, alta forte, mas ainda com muito potencial .................................................................................... 23</p><p>Projeções econômicas: o veneno está na dosagem .......................................................................................... 24</p><p>Instagram vs TikTok ........................................................................................................................................... 27</p><p>Bitcoin: rentabilidade passada (definitivamente) não significa rentabilidade futura ....................................... 35</p><p>Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego ......................................................................... 45</p><p>Dead men walking again ................................................................................................................................... 51</p><p>Juros real brasileiro, o maior do mundo - novamente ...................................................................................... 53</p><p>Lembra dos ciclos? ............................................................................................................................................ 55</p><p>As fases do ciclo de vida de uma empresa ........................................................................................................ 58</p><p>Nvidia: euforia e reflexão .................................................................................................................................. 60</p><p>Joao Henrique Sato</p><p>3</p><p>Fábulas, contos, lendas, anedotas, tramas, histórias...</p><p>Ninguém mais aguenta isso. Não no mercado financeiro, no caso.</p><p>Centenas de vezes, se você já leu todos os nossos relatórios, já nos viu usando o termo “narrativa”,</p><p>sabemos que é repetitivo, mas ao mesmo tempo, é inevitável. Pelo que parece, depois do advento</p><p>das redes sociais, absolutamente qualquer tema acabou virando objeto de narrativa, com alguns</p><p>investidores mais influentes e com maior popularidade utilizando da eloquência para alegar fatores</p><p>que são impossíveis de se realizar.</p><p>No relatório desse mês, pegando carona nesse ponto, aproveitamos para utilizar a maioria das</p><p>páginas aqui escritas pra descontruir narrativas que nos incomodam.</p><p>O passeio mensal dessa vez é bem abrangente: falamos sobre ativos específicos, criptomoedas,</p><p>sobre o dólar e até mesmo sobre uma das maiores queridinhas do mercado, que está surfando o</p><p>hype da inteligência artificial de forma assustadoramente semelhante ao boom da internet que</p><p>ocorreu na virada do milênio.</p><p>Narrativas, de forma simplificada, nada mais são do que explicações construídas para justificar</p><p>eventos, tendências ou movimentos no mercado. De forma óbvia, elas influenciam na percepção</p><p>dos investidores sobre o cenário e afetam diretamente suas decisões. Não somos do contra nem</p><p>temos pretensão de ser os chatos da festa, apenas gostamos de lembrar do outro lado da moeda</p><p>de cada história contada porque sabemos muito bem que vivemos hoje em um mundo onde a</p><p>atenção e o engajamento se tornaram a principal moeda negociada.</p><p>Lembre-se: histórias atraem e conquistam, mas a realidade é sempre implacável. Esperamos que</p><p>com o relatório desse mês, você não se torne um cético desmedido que questiona até as coisas</p><p>mais simples de forma resoluta, mas sim que você estruture sua forma de pensar sabendo que toda</p><p>moeda tem dois lados.</p><p>Lembrando: absolutamente nenhuma análise que realizamos tem caráter de recomendação. Nós estamos</p><p>completamente aptos a recomendar quaisquer ativos, mas não o fazemos – nossa intenção é educar e</p><p>conceder ao leitor uma ideia de como realizar uma leitura de resultados, somente. Análises de decisões</p><p>demandam mais tempo e aprofundamento em diversos pontos que vão bem além da leitura do resultado de</p><p>um trimestre da companhia. Use esse material como forma de espelhar sua metodologia de análise, e não</p><p>como fator de tomada de decisão do que fazer com o seu dinheiro.</p><p>Boa leitura!</p><p>4</p><p>IPCA de Junho</p><p>Mais um mês muito bom, reforçando o viés positivo sobre a SELIC para os próximos meses. Em</p><p>junho o IPCA veio em linha com o esperado, entregando uma deflação de 0,08%. Antes que você se</p><p>anime demais, essa deflação tem explicação e é fruto também do grupo de preços administrados</p><p>(leia-se, combustíveis, que o Governo, pela Petrobras, deu os cortes na gasolina, diesel, gás e afins).</p><p>Fonte: IBGE</p><p>Destrinchando o índice, nota-se, mais uma vez, que praticamente todos os grupos do índice vieram</p><p>estáveis, somente com o grupo de habitação tendo leve alta em razão de reajuste de preço da</p><p>energia elétrica em algumas regiões do país, em linha com o repasse inflacionário que sempre</p><p>ocorre pelos contratos existentes. Pela lente positiva, podemos observar principalmente a deflação</p><p>em quatro grupos, em especial o grupo de alimentação e bebidas, que impactou o índice em 0,14%</p><p>negativo no período.</p><p>Fonte: IBGE</p><p>Pela variação de cada grupo, a análise fica mais fácil. No mês, o grupo de habitação foi o que mais</p><p>subiu, como citamos, em linha com o reajuste da energia elétrica em algumas regiões do país (Belo</p><p>Horizonte teve um reajuste de 14,7%, por exemplo) o que puxou o grupo para cima no período.</p><p>5</p><p>O destaque positivo vem principalmente pelo grupo de alimentação e bebidas com queda</p><p>expressiva de alguns itens importantes na cesta de consumo dos brasileiros (óleo de soja -8,9%,</p><p>frutas -3,3%, leite longa vida -2,7% e carnes -2,10%) enquanto a alimentação fora de domicílio</p><p>também teve desaceleração subindo 0,4% no mês. O grupo de transportes, que desempenhou a</p><p>terceira maior deflação do mês, teve um desempenho desse por conta do reajuste de preços dos</p><p>combustíveis com diversos cortes realizados pela Petrobras diretamente nas distribuidoras, cortes</p><p>esses que tem sido objeto de discussão por serem realizados às custas das margens da companhia.</p><p>Em suma, é mais um mês de números espetaculares, ainda mais considerando que a difusão da</p><p>inflação (isso é, sua “contaminação”, o quanto que a alta de preços está sendo generalizada e</p><p>estrutural na economia) está caindo também, em um cenário semelhante a 2016.</p><p>Fonte: IBGE</p><p>Os números reforçam a capacidade do Banco Central em começar o ciclo de corte de juros. O</p><p>problema principal do cenário atualmente, é o Banco Central dos EUA: por lá, a expectativa é, mais</p><p>uma vez, de alta de juros. De certa forma, os EUA subirem os juros por lá enquanto o Brasil corta</p><p>por aqui pode ser algo extremamente perigoso, mas sejamos sinceros, estamos falando de uma</p><p>diferença de taxa de juros real extremamente alta entre ambos países, e não é como se um corte</p><p>de sinalização de 0,25pp ou 0,50pp por aqui fosse condenar o país, além do fato de que algo do tipo</p><p>já aconteceu antes – em 2016, com o processo bem sucedido de desinflação no país, o Banco</p><p>Central do Brasil reduziu juros enquanto o FED elevava nos EUA.</p><p>6</p><p>No mais, o cenário brasileiro em termos inflacionários está brutalmente melhor do que as</p><p>expectativas apontavam há alguns meses. Todo cuidado por aqui é pouco, considerando nosso</p><p>histórico inflacionário, sabemos muito bem a facilidade que a inflação tem em sair de controle por</p><p>aqui, mas</p><p>está bem clara.</p><p>A medida que o tempo passa, o valor de mercado do bitcoin fica cada vez mais próximo do valor de</p><p>mercado do ouro. No início de 2023 (lembrando que utilizamos os preços de janeiro de cada ano), o</p><p>bitcoin precisava subir 2.953% para atingir o valor de mercado do ouro, e quanto mais o Bitcoin se</p><p>valorizar, menor será seu upside em relação a isso.</p><p>Esse tipo de comparação é prudente porque há alguns limites econômicos que citaremos mais a</p><p>frente com mais alguns números, mas abaixo, mais um gráfico para você interpretar o potencial do</p><p>mercado de bitcoin com algum tipo de respaldo número e financeiro.</p><p>Em amarelo, na coluna do bitcoin, se trata do crescimento potencial (upside) em US$ bilhões</p><p>comparado ao valor atual do mercado de ouro. Dados do fechamento do mês de maio de 2023 de</p><p>cada mercado respectivo.</p><p>42</p><p>Fonte: World Gold Council, Coinmarketcap e FinDocs</p><p>Agora, vamos brincar com algumas projeções.</p><p>Volta e meia alguns cryptohead (termo utilizado para denominar os entusiastas mais incisivos do</p><p>mercado de cripto) lançam da ideia de que o bitcoin tem potencial de valorizar tanto quanto</p><p>valorizou no passado, isso é, seguir gerando retornos na casa dos milhões. Abaixo, vamos</p><p>considerar projeções de preço do Bitcoin com tudo o mais constante (sem mexer em expansão de</p><p>base monetária, aumento ou redução de bitcoins em circulação e afins).</p><p>Fonte: World Gold Council, Coinmarketcap e FinDocs</p><p>Acima, você vê a principal tabela do estudo que estamos realizando aqui.</p><p>43</p><p>Na primeira coluna, colocamos o retorno esperado do bitcoin em relação ao seu atual preço (de</p><p>US$ 30.375 no momento em que estamos escrevendo isso). Na segunda coluna, o quanto valeria o</p><p>bitcoin em relação ao retorno citado, na quarta coluna, o quanto o valor de mercado do bitcoin</p><p>seria considerando o tanto de bitcoins em circulação atualmente, e na última coluna, o quanto o</p><p>valor de mercado do bitcoin representa em relação ao valor de mercado do ouro. Essa é a tabela</p><p>que você deve carregar consigo para seguir com os pés no chão e não cair em narrativas eufóricas</p><p>por aí.</p><p>Se o bitcoin valorizasse 2.000% em relação ao atual preço e o valor de mercado do ouro mantivesse</p><p>constante, significaria que o valor de mercado do bitcoin se aproximaria do valor de mercado do</p><p>ouro.</p><p>Se o bitcoin valorizasse, 5.000%, já estaríamos falando de um bitcoin por US$ 1.5 milhão a unidade,</p><p>o que significaria um valor de mercado de U$ 29.5 trilhões, que é o dobro do valor de mercado do</p><p>ouro.</p><p>Se o bitcoin valorizasse, 10.000%, já estaríamos falando de um bitcoin por US$ 3.0 milhão a</p><p>unidade, o que significaria um valor de mercado de US$ 59.1 trilhões, que é quatro vezes maior do</p><p>que o valor de mercado do ouro atualmente. Captou a ideia aqui?</p><p>Valor bem acima disso, de 50.000%, 100.000% ou 200.000% como citamos, já é algo impossível</p><p>para o atual cenário. Economicamente impossível, financeiramente impossível, matematicamente</p><p>impossível.</p><p>Se você considerar todo o dinheiro que os EUA têm em sua economia hoje, não chega aos US$ 30</p><p>trilhões considerando até mesmo o dinheiro que está guardado sem liquidez. Se você for ao mais</p><p>extremo ponto de comparação, que seria considerar o total de dinheiro circulando em escala global</p><p>considerando absolutamente tudo (depósitos, veículos de investimentos, derivativos, ações,</p><p>criptomoedas e afins), se alcança algo próximo de US$ 1.3 quadrilhão. Veja, estamos falando aqui</p><p>de um valor em escala global, em um consolidado de mais de 150 países rodando suas respectivas</p><p>economias.</p><p>Hoje, considerando tudo o mais constante, na melhor das hipóteses, em um cenário que o ouro</p><p>perca sua força e deixe de ser a reserva de valor preferida da humanidade, o bitcoin pode chegar a</p><p>um valor de US$ 1.5 milhão a unidade. Isso, mais uma vez, desconsidera uma série de fatores.</p><p>Agora, uma lista de pontos que pode alterar essa relação que criamos acima na tabela.</p><p>44</p><p>1. Impressão monetária: entre 2020 e 2022 vimos os países desenvolvidos imprimindo</p><p>dinheiro de forma nunca antes vista. Os EUA foi o carro-chefe desse movimento, inundando</p><p>a economia global com mais de US$ 5 trilhões entre estímulos diretos e indiretos. Não</p><p>acreditamos que esse cenário se repita com tamanha intensidade pois aparentemente os</p><p>EUA já aprenderam pela dor como esse tipo de política monetária expansionista</p><p>irresponsável pode trazer problemas sérios, além, obviamente, do fato de que vivemos um</p><p>evento global nunca antes vistos, mas de toda forma, se as economias ao redor do globo</p><p>ativarem o modo acelerado da impressora e voltarem a imprimir dinheiro em grande escala,</p><p>significará um aumento da base monetária, que consequentemente aumentará o valor de</p><p>mercado do ouro e também do bitcoin – é inevitável.</p><p>2. Preferências: um dos pontos que nos ancoramos nessa análise foi o fator de preferência</p><p>histórico que a humanidade teve (e ainda tem) pelo ouro. Não estamos puxando sardinha</p><p>para lado nenhum, é apenas uma constatação. O ouro segue sendo o preferido pelos</p><p>gigantes institucionais, pelos multibilionários, pelos bancos centrais e pelos agentes</p><p>econômicos como reserva de valor. Isso pode mudar? Certamente, mas não acreditamos</p><p>que ocorra tão cedo. O bitcoin ainda engatinha e tem muito a se provar, enquanto o ouro é</p><p>uma reserva de valor com milhares de anos de história. A comparação e utilização de</p><p>referência vem das propriedades similares.</p><p>3. Mercado de bitcoin: aqui é uma grande incógnita. Tudo nesse ponto pode mudar. Já</p><p>estamos presenciando as principais economias do planeta decretando uma guerra silenciosa</p><p>contra as criptomoedas. É fato: absolutamente nenhum Governo quer ver o bitcoin se</p><p>popularizar, e isso acontece porque sem que o Estado tenha poder sobre a moeda do país,</p><p>consequentemente o Estado não tem poder. Pouca gente para pra pensar nisso. Como você</p><p>acha que os EUA se financiariam sem poder imprimir dólares como faz hoje? Simplesmente</p><p>não poderia. É o dólar com os EUA tendo poder sobre a sua impressora que gera todas as</p><p>vantagens que ele tem. Desde o financiamento do próprio poder militar, até o</p><p>financiamento pelo crescimento econômico com auxílio do Estado. Em 2022 vimos o dólar</p><p>sendo usando até como arma geopolítica, controlando a Rússia pelo confisco de suas</p><p>reservas e o banimento do país de alguns sistemas de pagamento. O mercado de</p><p>criptomoedas como um todo ainda é extremamente embrionário e tem muitos “poréns” no</p><p>caminho.</p><p>Tenha sempre o pé no chão para analisar o preço das coisas. O que fizemos aqui foi algo bem</p><p>simples e breve: buscamos relacionar o Bitcoin com um de seus principais pares para tentar achar</p><p>algum respaldo de preço.</p><p>Curiosamente, investimentos em criptomoedas já há alguns anos. Nosso primeiro contato com esse</p><p>mercado ocorreu em meados de 2016, e apesar de não ser o nosso foco de foca alguma nos</p><p>45</p><p>relatórios, um dos fatores que nos interessou bastante na moeda foi sua propriedade</p><p>descentralizada e de maior “apelo” político. É justamente esse apelo que causa um risco gigante</p><p>para quem costuma investir nela: embebido de paixão política por boas histórias e narrativas,</p><p>muitos investidores novos desse mercado costumam se agarrar a algumas projeções catastróficas</p><p>sobre a economia global, e isso os cega completamente em termos de capacidade de análise. Você</p><p>provavelmente já viu muito cryptohead por aí dizendo que os EUA terão hiperinflação, que a</p><p>economia global irá ruir e coisas do tipo... é esse tipo de alegação que demonstra que o investidor</p><p>careca completamente de sustentação e racional econômico para discutir.</p><p>Em nossas análises, buscamos sempre o pragmatismo e pouco nos importamos com vieses</p><p>políticos. Nosso foco é o ganho de capital e a proteção patrimonial, e sabemos como fanatismo</p><p>pode destruir esses dois objetivos.</p><p>Use esse estudo como base</p><p>para análises futuras que você for praticar. Esses comparativos são</p><p>excelentes de serem realizados pois costumam manter você com o pé no chão – e apesar de</p><p>sermos também entusiastas do mercado de criptomoedas (em especial o bitcoin), isso não exclui a</p><p>necessidade e responsabilidade de uma análise que tangencie a realidade que estamos inseridos.</p><p>Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego</p><p>No mês de junho, mais uma reunião do COPOM foi realizada, e mais uma vez, pela sétima vez</p><p>consecutiva, o comitê decidiu seguir com a SELIC em 13,75%.</p><p>Essa decisão tem gerado cada vez mais atrito no cenário econômico interno, e sendo sinceros,</p><p>talvez seja a única pauta econômica que tem reunido parte expressiva tanto da direita quanto da</p><p>esquerda política do país. Não vamos entrar no mérito da necessidade dessa taxa, mas</p><p>reconhecemos que o trabalho que o Banco Central vem realizando nos últimos meses tem sido</p><p>excelente, antecipando parte da onda inflacionária global que o mundo passaria após o inciio de</p><p>aperto de juros aqui no país. Foi como um golpe de redenção após um erro quase que por crítica</p><p>unânime sobre a SELIC em 2% (embora também descordemos que 13,75% de taxa é algo</p><p>discutível).</p><p>Face a todas essas discussões, alguns acabam levando o debate mais ao campo político do que</p><p>deveria. Na verdade, não deveria nem um pouco. O Banco Central conduz a política monetária do</p><p>país, e partindo do princípio que a determinação dos juros é uma decisão técnica (com base em</p><p>dados e números sólidos, longe da subjetividade do “eu acho” que muitos utilizam), não há porque</p><p>ficar levando esse tema para o campo político.</p><p>O que queremos mostrar aqui é: o Banco Central praticou um trabalho fenomenal, mas colocar a</p><p>queda da inflação somente na conta da SELIC é desonestidade intelectual ou ingenuidade, e essa</p><p>46</p><p>construção de narrativa de que se cortar a SELIC teremos a volta da alta da inflação é perigosa,</p><p>mentirosa e deveria ser evitada ao máximo.</p><p>Fonte: Bloomberg, OCDE, Philipp Heimberger</p><p>O primeiro gráfico que queremos mostrar, é o da alta do preço das commodities nos últimos 5</p><p>anos, tomando como base 100 os preços de 2018. Essencial para a compreensão da inflação. Na</p><p>linha vermelha, o índice de commodities da Bloomberg, enquanto na linha azul, o preço do barril de</p><p>petróleo Brent.</p><p>Pela linha de custos, a inflação quase sempre deriva praticamente desses dois fatores, por isso o</p><p>gráfico é tão valioso, conseguindo resumir nosso ponto com apenas duas linhas. A cesta de</p><p>commodities da Bloomberg tem 24 componentes abrangendo commodities que impactam no</p><p>preço da energia, alimentos e afins, enquanto o preço do Brent, é autoexplicativo: petróleo pra</p><p>cima significa custos logísticos maiores e consequentemente mais inflação.</p><p>Praticamente desde o final de 2020 tanto a cesta de commodities quanto o Brent dispararam. Em</p><p>2022, o petróleo chegou a acumular quase 80% de alta em comparação aos preços de 2018,</p><p>enquanto o índice de commodities registrou 50% de alta. Desde atingida a máxima, os preços</p><p>atingiram um ponto de inflexão e não pararam de cair ainda. Embora estejam em patamares ainda</p><p>elevados em termos históricos para grande parte dos bens, em relação a 2018, ambos estão na casa</p><p>dos 20% de alta somente. Em resumo, as commodities cederam forte de preço e estão desabando</p><p>já há um bom tempo. Da mesma forma que commodity em alta pressiona inflação, commodity em</p><p>queda também facilita o cenário de custos, ora. Enquanto o litro da gasolina estava em R$ 8,00 pelo</p><p>47</p><p>Brent atingindo a máxima dos últimos anos lá pra 2022, hoje o litro da gasolina reflete</p><p>aproximadamente R$ 5,00 o litro pela queda do barril, custos cada vez menores em escala</p><p>econômica mais ampla. Pra cesta de commodities da Bloomberg, o mesmo. Cesta em queda</p><p>significa energia mais barata, produtos do agro (alimentos) mais barato entre outros fatores.</p><p>Primeiro ponto dado. Sim, a SELIC corroborou com a queda da inflação, mas não, não foi o único</p><p>fator, e é justamente por isso que hoje o cenário aponta maior segurança para um corte da taxa. As</p><p>commodities derreterem de preço também implicam em menor pressão inflacionária e queda da</p><p>inflação.</p><p>Fonte: Bloomberg, OCDE, Philipp Heimberger</p><p>O segundo gráfico é tão importante quanto ao primeiro. Ignore a linha vermelha e foque na azul e</p><p>na amarela, elas representam o preço de fretagem de navios cargueiros da China para os EUA (azul)</p><p>e Europa (amarelo).</p><p>Esse é um dado extremamente subestimado. Ele tem uma importância colossal na formação de</p><p>preços em termos globais por conta da quantidade altíssima de bens que a China exporta para o</p><p>mundo. Em 2020, em razão do isolamento social e das barreiras sanitárias, a fretagem desses</p><p>navios saiu da faixa de US$ 1.000 para uma máxima de quase US$ 20.000 no pior momento da</p><p>crise. Você consegue imaginar o aumento de custo que isso acarreta em uma cadeia produtiva?</p><p>Pense que absolutamente tudo que vem da China teve um aumento de custo de fretagem de quase</p><p>20 vezes em determinado momento. É um dado que não pode ser minimizado.</p><p>48</p><p>Depois de tanto tempo de alta atingindo um patamar obsceno, também em 2021/22 atingiu seu</p><p>ponto de inflexão, e desde então o preço desabou, caindo mais de 90% desde a máxima registrada,</p><p>se acomodando no mesmo patamar de preço que estava antes do inicio da pandemia. Inclusive,</p><p>esse é um dado que falamos bastante sobre entre 2021 e 2022, e você encontrará em relatórios</p><p>passados.</p><p>A melhora desse número também implica na melhora da inflação em escala global, ou seja, indo</p><p>bem além da SELIC. É o segundo ponto que criou um cenário mais otimista para a nossa economia</p><p>que pouca gente faz ideia que existe.</p><p>Por último e não menos importante: preferências de consumo.</p><p>Fonte: Bloomberg, OCDE, Philipp Heimberger</p><p>O gráfico acima representa o percentual nominal que cada país ou região utilizou da renda para a</p><p>aquisição de bens de consumo ou mais superficiais. É um dado abrangente: trata sobre alimentos,</p><p>bebidas, vestuário, produtos de higiene e beleza, eletrodoméstico, veículos serviços de</p><p>entretenimento... enfim. A linha vermelha representa os EUA, a linha amarela representa o Japão, a</p><p>linha azul a Zona do Euro e a linha roxa outros países. Com exceção do Japão, absolutamente todos</p><p>os locais do planeta estão com esse número em queda após 2020.</p><p>49</p><p>O boom de 2020 não foi em vão: trilhões de dólares em estímulos econômicos acabaram</p><p>aumentando a liquidez na mão das pessoas e deixando grande parte das pessoas com mais dinheiro</p><p>para gastar. O Brasil teve seu período também, caso você não se lembre: em 2021 as varejistas se</p><p>beneficiaram da população que recebeu auxílio emergencial, adiantamento de décimo terceiro,</p><p>pagamento de diversos benefícios, adiantamento de aposentadoria... esse dinheiro</p><p>inevitavelmente escoa para o consumo de bens mais supérfluos, ou seja, mais pressão sobre a</p><p>inflação com crescimento de consumo enquanto passamos por um momento de commodities mais</p><p>altas (aumento de custo) e pressão sobre custo de fretagem.</p><p>O terceiro ponto foi dado, e as preferencias estão mudando o jogo.</p><p>Mais uma vez: a SELIC desempenho um papel nevrálgico na queda da inflação. Ela segurou o</p><p>câmbio no lugar correto e manteve a expectativa dos agentes econômicos ancoradas, preservando</p><p>o prêmio de risco no lugar certo para os dólares entrarem no país. A questão é que a queda da</p><p>inflação não vem só pela alta da SELIC. Uma conjunção de fatores externos corroborou com um</p><p>cenário interno melhor. Não acredita ainda?</p><p>Fonte: Charlie Bilello, Creative Planning</p><p>50</p><p>Das principais economias do planeta, apenas 8 estão ainda com a inflação acima das expectativas,</p><p>enquanto 26 delas estão com os números bem melhores do que o esperado.</p><p>Mais uma vez: não se trata de política, é economia, são números.</p><p>Colocar todo o crédito do controle inflacionário na conta do Banco Central pode parecer algo</p><p>inofensivo e muitas vezes é realizado por viés político, mas indiretamente, ao fazer isso, você abre</p><p>precedente ao fortalecimento da narrativa de que não podemos reduzir a SELIC. É uma mentira que</p><p>vai tomando cada vez mais espaço sem refletir a realidade.</p><p>A SELIC é um de diversos componentes que nos levou até a inflação do momento. Se você tem</p><p>amor pelo seu dinheiro, você deve buscar compreender a formação da inflação além dela.</p><p>Não é porque a SELIC será cortada que o câmbio vai subir. Na verdade, dependendo do corte e do</p><p>cenário interno, há até espaço para o câmbio cair mais, porque menor juros significa menos</p><p>empresas com a corda no pescoço por conta da alavancagem e nosso país com um cenário fiscal</p><p>mais controlado, tendo que gastar menos com a dívida pública.</p><p>Não é porque a SELIC será cortada que a inflação vai subir. Na verdade, dependendo do corte e do</p><p>cenário interno, a inflação pode até acelerar a queda, porque melhora nas expectativas econômicas</p><p>do país acarretam investimentos que aumentam a produção e apreciam a nossa moeda.</p><p>Não é porque os EUA estão com os juros em 5,5% que a SELIC não pode ser cortada. Na verdade,</p><p>nosso juros real hoje está em 7,5%, enquanto o dos EUA, em 1,1%, há uma gordura gigante entre os</p><p>dois países e investidor externo nenhum vai tirar o dinheiro daqui e deixar de ganhar 6,5% face a</p><p>um corte de 1,0pp na SELIC para voltar a ganhar 1,1% lá nos EUA.</p><p>Se você acredita que a SELIC tem uma relação de verdade absoluta com a inflação, abandone isso</p><p>agora. Criou-se um falso estigma nos últimos meses onde quem trata sobre corte da SELIC passa a</p><p>ser taxado de qualquer ofensa política que você imagina, e isso é imaturidade, é apenas ruído de</p><p>gente analfabeta em economia que acha que discutir sobre juros tem o mesmo nível de</p><p>profundidade que discutir qual sabor de sorvete escolher. Juros é economia, economia não trata</p><p>sobre presidente ou espectro de direita ou esquerda. Juros é pautado em fatores técnicos que</p><p>abrangem números e dados.</p><p>A pessoa que trata sobre a SELIC dizendo por aí que não podemos realizar um corte por qualquer</p><p>razão sem que ela detalhe exatamente o que esteja dizendo com base em dados, é só mais um</p><p>torcedor praticando discurso que não reflete a realidade.</p><p>Nunca se tratou de lado “a” ou “b” da política. Em nenhum ambiente minimamente sério sobre</p><p>economia esse assunto é abordado de forma politizada. São números.</p><p>51</p><p>Dead men walking again</p><p>Há muito tempo, quando os juros começaram a ser elevados nos EUA, desenvolvemos um texto</p><p>tratando sobre as empresas zumbis.</p><p>Para dar um bom contexto: uma empresa zumbi leva esse nome a partir do momento que o seu</p><p>resultado operacional já não é mais suficiente para cobrir o seu gasto com dívidas. Em um exemplo</p><p>bem elementar, pense que você é dono de uma rede de barracas de cachorro quente e decidiu</p><p>tomar um empréstimo no banco para expandir o seu negócio. Após certo tempo, você atingiu suas</p><p>vinte barracas de cachorro quente e se impressiona com o crescimento, mas ao lidar com as</p><p>finanças do seu negócio, percebe que o dinheiro que essas vinte barracas estão gerando, ainda não</p><p>são suficientes sequer para cobrir os juros do empréstimo que você tomou com o banco. É daqui</p><p>que vem o termo zumbi: a empresa com esse nível de alavancagem está caminhando já morta pela</p><p>economia, na maioria das vezes, sem saber como irá sobreviver, visto que seu operacional se</p><p>tornou insuficiente.</p><p>Durante a pandemia, isso era algo tranquilo. Quer dizer, era algo aceitável para o momento – os</p><p>juros estavam em 0% e as empresas conseguiam se alavancar com gastos mínimos, pagando</p><p>pouquíssimo para tomar dívida. O problema é que o jogo mudou. Assim como no Brasil a SELIC saiu</p><p>de 2,0% para 13,75%, os EUA também presenciaram um evento ainda pior, saindo de 0% para</p><p>quase 6% com uma alta de juros em um ritmo que nunca na história havia sido registrada (e aqui</p><p>fica o nosso lembrete para você perceber como o mundo está uma bagunça e todos os problemas</p><p>econômicos que o Brasil está passando desde 2020, não é exclusividade tupiniquim).</p><p>Tanto tempo se passou, que achamos interessante retomar o assunto. O que será que está</p><p>acontecendo com essas empresas zumbis, afinal?</p><p>Fonte: Bloomberg, Apollo Capital</p><p>52</p><p>Como você vê no gráfico, nada bem.</p><p>Acima está o gráfico de preenchimentos de falência de empresas nos EUA a cada semana desde</p><p>janeiro de 2006. Considerando o dado mais recente (última semana de junho desse ano), o número</p><p>está subindo, se aproximando da máxima atingida em 2020, ano que tivemos a pandemia, e que</p><p>registrou um número bem próximo da crise de 2008.</p><p>A questão é que agora não há recessão. Se você perceber, no gráfico há uma parte em cinza ao</p><p>fundo, que representa períodos de crise. Até o momento, sem crise, somente com o aumento de</p><p>juros, os EUA estão passando por um aumento expressivo de registro de falências e não há sinal de</p><p>desaceleração no horizonte de curto prazo – pelo contrário, há apenas receios sobre mais</p><p>aumentos de juros ou medidas de aperto de crédito.</p><p>O dado pode parecer superficial, mas é um dos pontos que o Federal Reserve considera em suas</p><p>medidas.</p><p>Muita gente fala sobre a possibilidade de o juro americano subir para patamares tupiniquins (10%</p><p>ou mais), e esquece que a economia por lá não comporta esse tipo de coisa. Hoje, com os juros</p><p>próximos de 6%, a economia já está registrando quase que um recorde de falências, lembrando,</p><p>também, que entre fevereiro e março, tivemos a falência de três bancos colossais que foram</p><p>resgatados de última hora.</p><p>A economia americana não suporta mais medidas restritivas extraordinárias. Em um cenário</p><p>inflacionário como o que o mundo viveu nos últimos 3 anos, é bem mais provável que o Federal</p><p>Reserve opte pelo “equilíbrio” de um juro mais baixo (como o atual) com uma inflação</p><p>deteriorando o poder de compra da população, do que arrisque uma crise sistêmica jogando toda a</p><p>credibilidade do país pelo ralo.</p><p>Isso é contornável, mas leva tempo. Os EUA passaram anos e anos com juros baixíssimos,</p><p>alavancando a economia, criando empresas completamente inoperáveis, ineficientes e zumbis, que</p><p>não sobrevivem em cenários mais problemáticos. Essa alavancagem tende a diminuir com o tempo</p><p>à medida que o dinheiro da economia escoa e o balanço de ativos do Federal Reserve diminua, mas</p><p>como dito, é com o tempo.</p><p>Não pense que os EUA é o floquinho de neve que pode tocar a economia como bem entende. O</p><p>país goza sim de centenas de vantagens devido sua posição privilegiada tendo a moeda de reserva</p><p>global, mas tudo tem limite.</p><p>53</p><p>Juros real brasileiro, o maior do mundo - novamente</p><p>Se você trabalha no meio econômico ou é entusiasta do mercado financeiro, provavelmente já</p><p>ouviu essa afirmação mais de cem vezes nos últimos meses. Quase que semanalmente, a atual</p><p>gestão do Banco Central do Brasil, pelo COPOM (que, apesar de pouca gente lembrar, é um</p><p>colegiado que decide a SELIC, e não uma pessoa só) recebe ataques por conta da SELIC altíssima,</p><p>que, com a inflação atual, nos leva a uma taxa de juros real obscena.</p><p>Não tiramos o mérito da crítica. O Banco Central não é uma instituição ilibada acima do bem e do</p><p>mal, muito menos tocado por uma entidade que toma sempre as melhores decisões. Ao longo de</p><p>2020, com uma SELIC de 2%, fomos alguns dos críticos da taxa de juros da época, que apesar do</p><p>cenário completamente fora da curva com o país vivendo uma situação econômica que nunca havia</p><p>vivido antes, não conseguíamos ver qualquer racional para o Brasil ter uma taxa de juros igual a da</p><p>Suíça. Passado isso, não alongando essa discussão, que não é a intenção do texto, as críticas foram</p><p>para o extremo oposto.</p><p>Hoje o Brasil é o país com a maior taxa de juros real do planeta.</p><p>Não é hipérbole, são dados.</p><p>Fonte: Bloomberg (03/07/2023)</p><p>É um dado triste por diversas razões, entre elas, o fato de que isso pune completamente o capital</p><p>produtivo por fator de incentivos (afinal, quem é que vai tomar risco e investir fora dos produtos</p><p>fixados com um retorno desses) e pressiona muito a base econômica, em especial os tomadores de</p><p>crédito e as classes sociais mais baixas.</p><p>De toda forma, isso não é novidade.</p><p>Apesar do assunto ter se popularizado somente nos últimos anos por conta dos amores políticos</p><p>que as pessoas passaram a ter com essa ultra polarização motivada pelas redes sociais, o Brasil,</p><p>historicamente, é um país de taxa de juros real alta, e, como sempre vale lembrar, cíclica.</p><p>54</p><p>Fonte: Banco Central do Brasil, Rafael Ihara</p><p>O gráfico que você vê acima, é a taxa de juros real do Brasil nos últimos 20 anos (um pouco mais, na</p><p>verdade, visto que abrange a janela de 2001 até junho de 2023).</p><p>Como você pode notar, a nossa taxa de juros real sempre foi alta em momentos de alta do ciclo.</p><p>A atual gestão, apesar de acharmos que erraram feio em colocar a SELIC em 2,0% e jogar ela para</p><p>os 13,75% para conter a inflação dando certa impressão de exagero tanto para cima quanto para</p><p>baixo, não está fazendo nada que não tenha sido feito antes. Todas as críticas que condenam a</p><p>gestão do Banco Central e o atual patamar de juros real alegando “politização” ou coisa do tipo,</p><p>não conversam com os dados econômicos. São apenas ofensas vazias inspiradas por ataques</p><p>políticos, e não somos nós te dizendo isso com base em opinião ou achismo, são os dados. Sempre</p><p>são os dados.</p><p>As razões para esse juros real elevado são diversas, sendo que a última elevação da SELIC que o país</p><p>passou (ciclo de 2021-2022) teve um adendo de crise que o mundo inteiro viveu, com o boom</p><p>inflacionário da pandemia. É bem provável que o próximo texto que elaboráramos sobre o tema,</p><p>essa taxa já esteja bem mais baixa, com a SELIC em um ciclo de redução, mas dedicamos o espaço</p><p>para isso: lembrar a você que todo dia alguém mentira para você sem usar os dados. O juros real</p><p>está alto, sempre esteve e isso sempre será característica do país enquanto formos emergentes.</p><p>55</p><p>Lembra dos ciclos?</p><p>Pense no dia primeiro de janeiro desse ano. Abrimos 2023 já com um cenário terrível no câmbio:</p><p>dólar disparando, saindo do seus R$ 5,20 para pouco mais de R$ 5,50 em poucos dias no</p><p>intradiário. Ruídos políticos a mil, boatos por todas as partes e a maioria dos investidores</p><p>completamente receosos com o rumo econômico do país. Seis meses se passaram, e cá estamos,</p><p>em um cenário que mudou da água pro vinho.</p><p>Ainda que o dólar esteja completamente volátil em um sobe e desce constante, nossa moeda teve</p><p>forte apreciação e o câmbio melhorou. Parte dessa melhora pode ser atribuída a nossa taxa de</p><p>juros, que atrai o investidor externo para trazer mais dólares para cá, se beneficiando do</p><p>rendimento da taxa de juros real mais alta do mundo, mas essa forçação sobre a SELIC acaba</p><p>ofuscando alguns números excelentes que o Brasil está entregando por conta do ponto do ciclo,</p><p>indo em linha com o que sempre comentamos sobre como países emergentes em alguns</p><p>momentos acabam desempenhando muito bem por simples fator de ciclicidade.</p><p>O conhecimento desses números importa porque é a essência da compreensão do investidor sobre</p><p>a ciclicidade da nossa economia, como sempre falamos em relatórios passados, o Brasil é um país</p><p>de commodities, goste ou não, uma gigantesca fazenda (agro) que vende também minério de ferro</p><p>e petróleo, e isso tem completa influência em todos os dados da nossa economia.</p><p>Fonte: Companies Market Cap</p><p>Acima você vê o gráfico de superávit da nossa balança comercial para o mês de junho nos últimos</p><p>20 anos. O nome é chato, a gente sabe, mas é bem simples de entender: em junho desse ano, em</p><p>56</p><p>razão do alto volume de exportações e do preço das commodities, o Brasil registrou o maior valor</p><p>das últimas duas décadas em saldo positivo, com um “lucro” de pouco mais de US$ 10 bilhões no</p><p>mês, mais exportando do que importando. Esse é um dos fatores que beneficia e muito o câmbio,</p><p>bem além da SELIC, como a maioria só trata. Se o Brasil está exportando volumes altíssimos para o</p><p>mundo, há mais dinheiro entrando, mais demanda por reais, que como consequência faz com que</p><p>nossa moeda se valorize e também beneficie as contas públicas. É esse o efeito de um ciclo</p><p>positivo, fazendo uma comparação bem simples, é a síntese de uma empresa lucrativa. O gráfico</p><p>abaixo vai ilustrar para você a importância de conhecer bem esses dados.</p><p>Fonte: MDIC, Poder 360</p><p>Veja bem os números em 2013, 2014 e 2015. Não estamos tirando da conta do Governo da época a</p><p>destruição econômica causada pelas péssimas decisões de gestão (na verdade, já falamos e muito</p><p>sobre isso em textos detalhando até mesmo sobre interferência no mercado de petróleo e de</p><p>energia em outros relatórios), mas um fator que corroborou muito para ter agravado o cenário</p><p>catastrófico do período foi o próprio enfraquecimento de nossa balança comercial. Três anos</p><p>seguidos de números negativos, menor nível de exportações, maior pressão sobre a economia por</p><p>conta do nosso câmbio depreciando com o real sendo menos procurando e assim em diante.</p><p>Esse é o efeito de uma boa fase do ciclo. Com o aumento de exportações de nossos principais</p><p>produtos (agronegócio, minério de ferro e petróleo), invariavelmente mais dinheiro vai entrar na</p><p>nossa economia, fazendo o real se valorizar (e o dólar cair) e todos os outros indicadores</p><p>econômicos melhorarem como consequência, desde inflação até mesmo as contas públicas.</p><p>Entende agora porque é errado atribuir a queda do dólar somente a SELIC? Não estamos dizendo</p><p>que a SELIC não tem relevância, mas se nossa balança comercial for fraca, pode jogar a SELIC para</p><p>57</p><p>30% que ela não irá segurar o câmbio sozinha. É questão de oferta e demanda em sua mais pura</p><p>forma, ora. Se a gente não vende nada, como que o real vai valorizar? E sobre o Brasil ser uma</p><p>enorme fazenda que vende minério de ferro e petróleo, não falamos isso de forma pejorativa, na</p><p>verdade, temos umas das melhores empresas do planeta e um dos segmentos do agronegócio mais</p><p>tecnológicos do mundo. Os dados dos nossos principais produtos exportados ilustram.</p><p>Fonte: MDIC, Produtos mais exportados em 2023</p><p>A importância é evidente. Em um ciclo favorável de commodities, conforme o preço desses</p><p>produtos suba, o Brasil goza de diversos benefícios econômicos, conseguindo lucrar bilhões</p><p>vendendo seus principais produtos ao mundo com margens maiores, e tudo isso, no final do dia,</p><p>impacta na cotação do câmbio. Não é só a SELIC. Um ciclo favorável é isso, e a tabela acima</p><p>também serve para lembrar muito bem a importância que o agronegócio, a Petrobras e a Vale</p><p>possuem no nosso país, sendo as principais portas de entrada para o dinheiro do investidor</p><p>externo. Mexer nos fundamentos desses setores pode abalar toda a economia de forma</p><p>preocupante.</p><p>Passar por momentos assim é interessante porque é a experiência prática daquilo que tanto</p><p>falamos por meses por aqui. Hoje o preço das commodities não está tão alto – em relação aos</p><p>níveis históricos, não está barato, de fato, e o Brasil está gerando muito dinheiro, mas ainda</p><p>estamos longe de um ponto do ciclo realmente forte. Em 2021, com a distorção que a pandemia</p><p>gerou nos preços de toda a cadeia de bens global, tivemos um breve momento de real alta de ciclo,</p><p>mas por agora, podemos dizer que estamos em um patamar “confortável” – nem com preços tão</p><p>baixos para preocupar em relação as contas públicas, nem com preços tão altos para gerar os</p><p>melhores benefícios para o país.</p><p>Os ciclos importam, estamos vivendo parte importante dele e você precisa saber disso.</p><p>58</p><p>As fases do ciclo de vida de uma empresa</p><p>Você conhece de fato as empresas que você tem em carteira? Seja sincero – estamos perguntando</p><p>não somente se você sabe se elas são lucrativas ou em qual setor elas atuam, mas há um ponto</p><p>principal que você precisa sempre saber responder ao se confrontar com essa questão. Estamos</p><p>falando sobre a fase do ciclo da companhia que você tem em carteira.</p><p>Tudo na vida é cíclico. Empresas não são diferentes. Elas são criadas, passam por uma fase de</p><p>crescimento (as vezes acelerado, as vezes nem tanto), atingem a maturidade, quando as vendas</p><p>ficam estáveis (leia-se vendas, e não receita) e então chegam um novo ponto de inflexão, sendo</p><p>que podem atingir um ponto de renovação, onde se reinventam e voltam a crescer, continuam na</p><p>estabilidade, sem novidades, ou então entram em fase de declínio, sendo atacadas pelo mercado</p><p>que se reinventou.</p><p>Nesse texto, passaremos um breve resumo sobre cada ponto desse ciclo para você passar a</p><p>assimilar as empresas que tem em carteira, buscando compreender como elas funcionam, evitando</p><p>erros de análise mais graves que podem comprometer sua tomada de decisão e causar prejuízo.</p><p>Início: nessa fase a empresa está ainda engatinhando, é quando a ideia do negócio é concebida e</p><p>começa a ser desenvolvida. Os fundadores estão criando uma estrutura básica, planejando todo o</p><p>business e os primeiros clientes ainda estão sendo conquistados. Os desafios são gigantes, e não há</p><p>empresa na bolsa de valores que esteja listada ainda nessa fase, visto que esse tipo de negócio é</p><p>mais voltado ao mercado de venture capital e negócios ainda minúsculos de alto risco e retorno.</p><p>Digamos que, de certa forma, são empresas ainda que estão saíndo do papel.</p><p>Growth: aqui é quando começa a fase do crescimento. O melhor exemplo possível que podemos</p><p>dar para esse tipo de companhia, é o Nubank. Antes de realizar seu IPO, o Nubank foi produto de</p><p>59</p><p>investimento de venture capital e recebeu muito dinheiro de quem acreditou no negócio,</p><p>crescendo até atingir certa solidez e atingindo a fase de growth. Nessa fase, existem centenas de</p><p>tipos de companhia na bolsa de valores: Petz, Banco Inter, M. Dias Branco, Locaweb, RaiaDrogasil,</p><p>Equatorial, Vivara, Méliuz, Arezzo, Fleury, Renner, WEG... enfim, se a empresa já encontrou o seu</p><p>respectivo mercado e já tem seu produto elaborado, soma-se isso as suas avenidas de crescimento</p><p>e podemos concluir que ela está na fase de growth. Normalmente, toda small cap é uma empresa</p><p>de growth, mas nem toda empresa de growth é uma small cap. Tudo depende do mercado</p><p>endereçável – é o mercado potencial de conquista é grande e a empresa ainda tem uma</p><p>participação pequena, é growth. Um exemplo bom aqui seria a RaiaDrogasil: a empresa já passou</p><p>dos R$ 50 bilhões de valor de mercado, mas segue sendo de crescimento, ou seja, nem toda</p><p>empresa de crescimento é small cap.</p><p>Maturidade: essa é a fase que as gigantes se encontram. Quando você vê um ativo negociando a</p><p>um preço sobre lucro mais alto e constante, como uma Ambev, por exemplo, é comum devido essa</p><p>fase de existência. Aqui estão as empresas que já não possuem uma expectativa de crescimento tão</p><p>forte, simplesmente porque não possuem mais para onde crescer. Veja: a Ambev já domina 70% do</p><p>mercado de cervejas do Brasil. Sua avenida de crescimento nessa linha é extremamente limitada,</p><p>visto que quanto maior, mais difícil é de crescer, com parte do mercado tendo preferência por</p><p>outras marcas. Seu mercado endereçável hoje está em bebidas não alcoólicas ou outros países, mas</p><p>a penetração é mais difícil e o crescimento mais complexo. Por isso, é completamente ilógico olhar</p><p>para a Ambev com uma lente de growth – ela não tem mais para onde crescer com o mesmo</p><p>potencial que qualquer outra companhia de bebidas menor. Outra comparação fácil seria do Itaú</p><p>com o Nubank. O Itaú hoje tem uma carteira de crédito de quase R$ 1.2 trilhão, é o maior banco do</p><p>país, tem mais de 100 milhões de clientes totais em sua base e está inserido em boa parte dos</p><p>serviços financeiros do país. Suas avenidas de crescimento são limitadas. Cresce anualmente? Sem</p><p>dúvidas, mas o ritmo é bem menor por já ser o dominante. Enquanto isso, o Nubank, que é ainda</p><p>minúsculo (com uma base de clientes colossal), tem todo o mercado dos grandes bancos para</p><p>conquistar. E imprescindível que você compreenda isso porque muito investidor olha para</p><p>empresas em fase de maturidade com uma visão errada, como se fosse problema. Não é. Empresas</p><p>nesse ponto do ciclo são mais seguras, mais conservadoras, priorizam mais a remuneração direta</p><p>via dividendos, bonificações e afins e são perfeitas para investidores que priorizam a segurança.</p><p>Declínio ou renovação: esse é o ponto “enigma” do gráfico. Empresas nascem, crescem, atingem</p><p>sua maturidade, e então são confrontadas com algum tipo de ponto de inflexão. Aqui, há três</p><p>caminhos a seguir. O primeiro deles é a estabilidade: veja, uma empresa do setor de energia, por</p><p>exemplo, ou até mesmo do setor de saneamento, dificilmente irá se deparar com alguma disrupção</p><p>que mude completamente o setor. A Sanepar vende tratamento de água e água potável. A Engie</p><p>vende energia elétrica. Ambas vendem produtos que estão mais suscetíveis a estabilidade da</p><p>qualquer outra coisa. Indo para o outro extremo, peguemos a Apple. A empresa está inserida no</p><p>mercado de tecnologia, e você não vai encontrar um mercado que passa por tantas mudanças</p><p>estruturais quanto o mercado de tecnologia. Hoje, em sua maturidade, se ela não se mexer face as</p><p>60</p><p>mudanças do setor, como temos o próprio boom de inteligência artificial que está ocorrendo, ela</p><p>será engolida por alguma empresa que se adaptou e entrará em declínio, seguindo o gráfico com</p><p>uma curva descendente. Se não houver nenhuma grande mudança no setor, ela seguirá na linha de</p><p>maturidade, bem provavelmente, com receita crescente e vendas estáveis. Se ela inovar com algo</p><p>espetacular disponível no mercado e causar uma disrupção, assim como foi com seus iPhones, ela</p><p>seguirá a linha ascendente do gráfico, na linha da renovação. Entende? A empresa tem três</p><p>caminhos, e cabe a capacidade da gestão dirigir ela para onde quer que seja, sendo sempre a linha</p><p>de renovação preferível, mas não necessariamente a de estabilidade ruim, dependendo muito do</p><p>setor de atuação.</p><p>Tudo isso que dissemos aqui, é obrigatório de você saber. Identificar em qual ciclo a sua companhia</p><p>está, te poupa de erros graves de análise. Lembrando que no gráfico o eixo trata sobre “vendas”, e</p><p>não “receita”. É completamente possível uma companhia aumentar sua receita com as vendas</p><p>estáveis com a dinâmica de repasse de preço e aumento de valor agregado por produtos. A Ambev</p><p>mesmo é um exemplo disso: sua receita está subindo expressivamente nos últimos anos em uma</p><p>dinâmica de repasse de inflação somado a uma mudança do mix de seus produtos para venda de</p><p>marcas mais premium, isso é, produtos mais voltados ao público de maior poder aquisitivo.</p><p>Toda empresa está em algum ponto do ciclo – não use a mesma lente para analisar todas elas.</p><p>Nvidia: euforia e reflexão</p><p>Talvez esse seja um daqueles textos que, quando lidos na posterioridade, parecem óbvios demais,</p><p>tratando sobre algo que olhamos e pensamos: “tudo indicava que era de fato aquilo, então por que</p><p>as pessoas lidavam como se não fosse?”. Estamos falando sobre as ações da Nvidia.</p><p>Vamos contextualizar.</p><p>61</p><p>Em maio de 2023, a Nvidia divulgou seu resultado referente ao primeiro trimestre de 2023. Além</p><p>de números fortíssimos com lucro, receita, operacional e outras linhas demonstrando melhora e</p><p>resiliência em um cenário de viés econômico mais contracionista globalmente dizendo, a empresa</p><p>também divulgou sua projeção sobre os próximos resultados, que pegou o mercado de surpresa,</p><p>com uma forte melhora de expectativas, revisando os números (que já eram altos) para cima.</p><p>Toda essa melhora de expectativa</p><p>e aumento de preço teve como razão um fator em específico:</p><p>Inteligência artificial. Sim, a IA que você provavelmente já não aguenta mais ouvir falar sobre.</p><p>Apesar de ser um colosso fabricante de placas de vídeo, a inteligência artificial tem altíssima</p><p>demanda e necessidade pelos produtos da Nvidia. Para o funcionamento da tecnologia em nível</p><p>mais avançado, é necessário GPUs poderosas que impulsionam processamento, além de</p><p>ferramentas e expertise que a empresa tem na área. Em resumo: se a inteligência artificial começa</p><p>a tomar cada vez mais espaço e se torna o novo ouro, a Nvidia seria como uma “pá” para os</p><p>mineradores dessa história.</p><p>Toda essa expectativa positiva sobre a empresa e seus futuros números, refletiram diretamente no</p><p>preço das ações – obviamente, com tanto hype assim sobre inteligência artificial, o mercado</p><p>sempre protagoniza o seu papel de detector de oportunidades, precificando os ativos relacionados</p><p>a esses eventos eufóricos com o melhor e mais alto preço possível. Com a Nvidia não foi diferente:</p><p>a divulgação de resultado da companhia fez ela atingir alguns recordes.</p><p>Fonte: Companies Market Cap</p><p>Primeiramente, o reflexo no valor de mercado da companhia. Esse é o gráfico de seu valor de</p><p>mercado desde a virada do milênio. Não, não é o gráfico do bitcoin, é o da Nvidia mesmo. Entre</p><p>outubro de 2022 e julho de 2023, dia 05/07/2023, mais precisamente, dia que esse texto está</p><p>sendo elaborado, a companhia saiu de US$ 280 bilhões de valor de mercado para US$ 1.05 trilhão.</p><p>Um ganho de valor de mercado de US$ 720 bilhões (+257%) em apenas 9 meses. E não para por aí.</p><p>62</p><p>Fonte: Statista</p><p>A empresa conquistou também a terceira posição em ganhou de valor de mercado em um só dia na</p><p>história. No dia 25/05/2023, após a divulgação de resultados, ela ganhou um total de US$ 184</p><p>bilhões de valores de mercado em um só pregão. Apenas a Amazon e a Apple conseguiram</p><p>números maiores. Em questão de proporção, isso equivale a praticamente 20% do valor de</p><p>mercado total da bolsa de valores brasileira. Sozinha, atualmente, a Nvidia vale o mesmo tanto que</p><p>mais de 500 empresas de capital aberto do país juntas. Veja o impacto disso com um zoom no</p><p>gráfico de preço da ação.</p><p>Fonte: TradingView</p><p>Agora você vê melhor.</p><p>O gráfico acima é o preço da ação da Nvidia (NYSE:NVDA) entre o meio do mês de maio e o</p><p>começou do mês de julho. No dia 25/05, data de divulgação do resultado, da pra ver melhor a</p><p>parede que se formou por conta do novo preço da ação, que subiu quase 30% em um só dia.</p><p>63</p><p>Resumo da situação até aqui: a inteligência artificial beneficiou o resultado da Nvidia fazendo com</p><p>que a empresa vendesse mais placas de vídeos entre outros de seus produtos, e a expectativa (e</p><p>guidance) que a Nvidia deu sobre seu futuro crescimento graças a inteligência artificial fez com que</p><p>o mercado alimentasse maiores expectativas de crescimento da companhia. É um ciclo, consegue</p><p>perceber? E daí vem o perigo, e esse é o principal ponto que queremos tratar nesse texto, que</p><p>começará de fato agora.</p><p>Tudo o que você lerá abaixo, não tem a intenção de formar sua opinião sobre o ativo, muito menos</p><p>é um endosso a entrar comprado ou vendido nas ações. Gostamos de frisar isso sempre, porque</p><p>todos, absolutamente todos os estudos aqui realizados além dos comentários que abordamos nos</p><p>relatórios, tem cunho educativo. Todos os que elaboram esse material são certificados e possuem</p><p>expertise em análise, mas não somos uma research e não pretendemos ser por agora. Nosso</p><p>mercado é o de educação, e o texto aqui presente serve para levantar uma principal reflexão: o de</p><p>como pode ser fácil identificar evidências de uma ação que está com o preço completamente fora</p><p>do lugar. Toda ação que passa por uma bolha, tem seus sintomas, e se houver de fato uma olhada,</p><p>não significa que você deve entrar vendido e apostar na queda. Uma frase sobre isso é marcante: o</p><p>mercado pode passar mais tempo irracional do que você líquido – ou seja, você pode acertar o seu</p><p>movimento de short em um ativo para apostar em sua queda, mas o mercado pode ser irracional</p><p>por mais tempo do que você espera, a ação pode subir mais e você pode quebrar com isso.</p><p>O simples fato de você não fazer nada quando está investindo, já é fazer algo.</p><p>Interprete os dados abaixo como um estudo buscando compreender a dinâmica do aumento de</p><p>preço de uma ação. A Nvidia foi escolhida pois foi recorrentemente citada em nossa caixa de</p><p>perguntas no Instagram, o que torna ela o melhor exemplo possível para o texto.</p><p>A começar: o preço sobre lucro. Sendo bem sinceros, não gostamos muito desse indicador. Ele tem</p><p>seu uso em alguns momentos mais pontuais, mas na maioria dos casos, o investidor menos</p><p>acostumado com análise fundamentalista acaba levando ele a sério demais e construindo um</p><p>racional para tomada de decisão que é completamente equivocado. Nesse caso da Nvidia, é o</p><p>exemplo perfeito de momento em que o indicador pode ser utilizado sem medo e com real uso, e</p><p>explicaremos o motivo.</p><p>64</p><p>Fonte: Macrotrends</p><p>Acima você vê o gráfico de preço sobre lucro das ações da Nvidia, quinzenalmente, desde 2010.</p><p>O fato é que as ações nunca foram “baratas” como ditam os manuais de economia. Sabe aquela</p><p>regra que a gente vê por aí dizendo que ações com o preço sobre lucro acima de 20 vezes devem</p><p>ser evitadas e coisas do tipo (e que não gostamos nem um pouco)? As ações da Nvidia</p><p>praticamente nunca ficaram em um preço sobre lucro abaixo de 20 vezes, sendo que sua média</p><p>histórica, até o final de 2022, foi de 60 vezes. Ações de forte crescimento naturalmente possuem</p><p>maior preço sobre lucro. Qualidade também impacta esse indicador. É por isso que algumas</p><p>empresas (WEG, RaiaDrogasil, Equatorial etc) são mais caras. No caso da Nvidia, sendo uma</p><p>empresa de tecnologia que basicamente domina o mercado de placas de vídeo do planeta, o preço</p><p>sobre lucro sempre foi alto.</p><p>O problema é que em 2023 o número desandou completamente.</p><p>Fonte: Macrotrends</p><p>Acima é o preço sobre lucro da Nvidia desde 2019. A pandemia beneficiou forte o setor de</p><p>tecnologia global e fez o indicador subir, também, só que em nenhum momento as ações</p><p>atreveram a ser negociadas em patamares como o atual. Ilustrando: a média histórica de preço</p><p>sobre lucro é de 60 vezes. No auge da pandemia com o setor sendo brutalmente beneficiado pela</p><p>venda não recorrente de placa de vídeos por conta do boom das criptomoedas (usa-se placas de</p><p>vídeo para minerar a maior parte das criptomoedas) e afins, o preço sobre lucro subiu para algo</p><p>próximo de 80 vezes. Hoje, com esse hype da inteligência artificial, o preço sobre lucro saiu de 60</p><p>vezes para 220 vezes. No gráfico você identifica, imparável desde o final do ano passado.</p><p>65</p><p>Vez ou outra, esse indicador pode enganar. O preço sobre lucro é uma razão entre o preço da ação</p><p>dividido pelo lucro por ação da empresa. Vamos recapitular o básico.</p><p>Não vamos entrar em detalhes para não tornar o texto enfadonho, mas uma ação, com o indicador</p><p>de P/L que tanto amam usam, fica cara sempre por um dos dois motivos: (I) ou o preço da ação</p><p>sobe demais, refletindo uma expectativa positiva do mercado sobre o desempenho e crescimento</p><p>da empresa em questão, ou (II) o lucro por ação cai demais, seja por algum problema não</p><p>recorrente, fazendo com que o indicador seja completamente distorcido pontualmente. É bem</p><p>simples, matemática básica, sem necessidade de se assustar ou quebrar a cabeça. Exemplificamos</p><p>abaixo com três exemplos.</p><p>Na primeira coluna, um cenário padrão, a ação negocia a 17x preço sobre lucro. Na segunda coluna,</p><p>o mercado começa a embutir maior otimismo sobre a companhia, com isso, o preço da ação</p><p>dispara (no exemplo, triplica de preço), refletindo futuro crescimento, enquanto o lucro por ação</p><p>ainda não saiu do lugar, fazendo com que a ação negocie</p><p>a 50x preço sobre lucro. Na terceira</p><p>coluna, é um cenário de queda de lucro, quase sempre isso ocorre quando pontualmente uma</p><p>companhia passa por problemas. Um exemplo rápido aqui seria os grandes bancos durante a</p><p>pandemia, que tiveram de provisionar dezenas de bilhões para a inadimplência, fazendo com que o</p><p>lucro fosse temporariamente afetado. No exemplo acima, o preço da ação continua constante,</p><p>enquanto o lucro por ação dispara.</p><p>Agora você percebe o perigo de analisar o indicador de preço sobre lucro de forma isolada sem</p><p>considerar o que está acontecendo? É um número que olha pro retrovisor, fala do passado, e não</p><p>do presente. Olhar isoladamente pode induzir ao erro, e é o que a maioria dos investidores fazem.</p><p>É preciso saber o que ocorreu ou o que está ocorrendo para esse preço sobre lucro ter disparado. E</p><p>o cenário oposto existe, também: achar que uma ação é boa oportunidade somente pelo PL baixo,</p><p>quase sempre culmina em tomada de decisão equivocada.</p><p>No caso da Nvidia, é o exemplo do meio: o mercado está otimista.</p><p>66</p><p>Não houve qualquer impacto negativo no lucro da companhia nos últimos trimestres. Na verdade,</p><p>ao longo de 2021 e 2022, ela se beneficiou bastante da venda de placa de vídeos por conta do</p><p>boom de criptomoedas, como já citamos, o que fez com que ela registrasse um lucro recorde no</p><p>período.</p><p>Fonte: Bloomberg</p><p>Em suma, a ação atualmente negocia em um preço sobre lucro altíssimo por puro reflexo de</p><p>expectativas otimista com base nesse boom de IA que vem ocorrendo. Não duvidamos disso:</p><p>provavelmente seus próximos trimestres sejam bem fortes, mas aqui estamos falando sobre anos,</p><p>e não trimestres.</p><p>Outro ponto que chama a atenção para a companhia, é o movimento que a diretoria tem tomado</p><p>com as ações que possui.</p><p>Fonte: Nasdaq</p><p>Uma análise interessante que o investidor pode fazer é o da movimentação dos “insiders” da</p><p>companhia. Insiders, no caso, são os cargos executivos – diretores, C levels e afins. Por possuírem</p><p>67</p><p>altíssima relevância nas operações da companhia e toneladas de informações sensíveis, sempre que</p><p>funcionários de cargos mais elevados querem comprar ou vender ações, é necessário informar a</p><p>SEC e devidas autoridades envolvidas para evitar conflito de interesse. É bem obvio o motivo: todos</p><p>esses profissionais que estão dentro da companhia estão sempre dois passos a frente por tocarem</p><p>o negócio. Seja um resultado extremamente bom ou um resultado extremamente ruim, algum</p><p>escândalo ou qualquer outro evento que tenha potencial de movimentar forte o preço da ação... se</p><p>assim pudessem comprar e vender as ações quando bem entendessem, gozariam do benefício de</p><p>informações privilegiadas em relação ao mercado, ou seja, todo movimento é registrado e</p><p>devidamente antecipado para evitar isso.</p><p>Na tabela acima, podemos ver melhor a situação.</p><p>Nos últimos 12 meses, houve 29 compras de ações da Nvidia por parte dos executivos da empresa e</p><p>68 vendas. A questão é de nada serve ver a quantidade de operações sem analisar a quantidade de</p><p>ativos negociados.</p><p>Fonte: Nasdaq</p><p>Melhor agora. Acima, a tabela de ações compradas e vendidas nos últimos 12 meses.</p><p>Foram compradas 1.1 milhão de ações no período, enquanto foram vendidas 4.0 milhões de ações,</p><p>ou seja, foram vendidas bem mais ações do que compradas no período. É possível afirmar que os</p><p>executivos da companhia estão vendendo os ativos. O motivo? Ninguém sabe, mas normalmente o</p><p>mercado leva como sinalização de problema na companhia (que não é o caso), ou que as ações</p><p>estão caras demais (que é o que o mercado está interpretando atualmente).</p><p>Indo um pouco além, em junho, na nossa página do Instagram, fizemos uma publicação onde</p><p>consolidamos todas as vendas de ações dos executivos entre maio (data de alta do preço da ação)</p><p>até o final de junho. Inegavelmente, os números impressionam.</p><p>68</p><p>Fonte: Nasdaq, FinDocs</p><p>Como visto, desde o dia de alta violenta de preço das ações, houve uma pisada no acelerador por</p><p>parte dos executivos, vendendo quase US$ 200 milhões em ações em menos de um mês.</p><p>Não são números suficientes para concluir nada, mais uma vez, são apenas evidências. O trabalho</p><p>da análise consiste em sondar informações e evidências para assim concluir e tomar decisões.</p><p>Todos esses números que estamos mostrando aqui são dados públicos, inclusive esses da venda de</p><p>ações por parte de executivos, pode ser visto também na bolsa brasileira, sendo dados abertos</p><p>publicados na CVM mensalmente.</p><p>Se os “donos” da empresa estão vendendo mais ações do que o normal, isso pode ser algum sinal,</p><p>então é valioso que você aprenda a olhar dessa forma.</p><p>Chegou a hora da parte mais “carregada” do texto. Até aqui, falamos sobre dados bem simples</p><p>utilizando alguns gráficos e tabelas que você bate o olho e compreende. Agora vamos entrar em</p><p>partes um pouco mais técnicas, pegando carona em um estudo que o Damodaran (basicamente o</p><p>maior nome do valuation e precificação de ações vivo atualmente) realizou publicamente por conta</p><p>da popularidade do assunto.</p><p>Se você não o conhece, vale muito a pesquisa - Aswath Damodaran. Autor de dezenas de livros e</p><p>estudos sobre valuation e a maior referência da atualidade no assunto.</p><p>Para começar, vamos compreender o negócio da Nvidia ao longo do tempo. Vamos lá.</p><p>69</p><p>Fonte: aswathdamodaran.blogspot.com</p><p>A Nvidia foi fundada em 1993 e realizou o seu IPO em 1999, na esteira da bolha da internet, perto</p><p>da virada do milênio.</p><p>Preste atenção principalmente na tabela acima do gráfico. Ali está parte do ouro dos números.</p><p>Dividido em períodos, Damodaran constrói a tabela com o crescimento de receita da companhia e</p><p>sua margem de lucro operacional em cada período, tanto a margem consolidada quanto a margem</p><p>ajustada desconsiderando os gastos com pesquisa e desenvolvimento. Historicamente a Nvidia</p><p>sempre teve um crescimento espetacular de receita, mas de certa forma, cíclica. O crescimento foi</p><p>fortíssimo ao longo de do período de 2000 a 2005 com um crescimento médio de 26,4% ao ano,</p><p>desacelerando entre 2006 e 2015, mas voltando a uma forte guinada entre 2016 e 2023. O que</p><p>mais impressiona nisso tudo, é que a empresa não só teve um crescimento de receita fenomenal</p><p>durante todos esses anos, mas principalmente que ela conseguiu crescer e ter suas margens</p><p>conservadas, e até mesmo melhoradas. Depois de 2016, a margem ajustada da companhia</p><p>desconsiderando pesquisa e desenvolvimento se aproximou de 40%. São números obscenos de tão</p><p>altos. A explicação para isso é bem simples: boom de tecnologia. Popularização e crescimento do</p><p>mercado de games e afins. A Nvidia é o carro-chefe nesse aspecto.</p><p>Hoje o mercado apoia esse crescimento não só na expansão desse segmento de games e</p><p>relacionados, mas também no mercado de inteligência artificial, uma vertical potencial para a Nvidi</p><p>que ainda engatinha. Para Damodaran, a inteligência artificial será um game changer para a</p><p>humanidade, mas inegavelmente, a maior parte dos que estão nesse mercado irão perder, assim</p><p>70</p><p>como ocorre com absolutamente qualquer grande mudança econômica ou relacionada – a grande</p><p>maioria tenta revolucionar e perde, enquanto os poucos que acertam consolidam o mercado.</p><p>Dada essa “introdução” para o conhecimento do histórico da companhia, partimos para o ponto</p><p>central de Damodaran: quanto a empresa deve gerar de resultado para honrar o atual preço que o</p><p>mercado deu para ela.</p><p>Um valuation é realizado considerando quatro pontos principais: o risco, que representa o custo de</p><p>capital, o crescimento da receita, a rentabilidade da companhia que é representada pelas margens</p><p>e o reinvestimento necessário que a companhia tem para manter suas operações e arcar com seu</p><p>crescimento.</p><p>Fonte: aswathdamodaran.blogspot.com</p><p>Acima estão as premissas que Damodaran usou para fazer seu valuation.</p><p>Em seu blog você pode baixar a planilha completa que ele utilizou gratuitamente e não</p><p>estenderemos para a discussão de cada ponto isolado para não tornar o assunto enfadonho ou</p><p>muito pesado em termos técnicos, mas a princípio, Damodaran considerou que a Nvidia seguirá</p><p>sendo a líder de mercado no mercado de inteligência artificial, crescerá forte no mercado de auto e</p><p>suas margens continuarão altas, com a companhia sendo altamente rentável como sempre foi, ou</p><p>seja, são premissas já otimistas para buscar atingir o preço de tela da companhia. Para daqui 10</p><p>anos, Damodaran considerou que a Nvidia terá uma receita de US$ 266 bilhões daqui 10 anos,</p><p>sendo US$ 195 bilhões provenientes de seu segmento de IA, que crescerá em quase 20 vezes ao</p><p>longo da década.</p><p>Baseando-se em todas essas premissas, Damodaran chegou a um preço justo da ação de... US$ 240.</p><p>Sim, um valor de tela que é 40% menor do que o atual, ou seja, para o valuation de Damodaran,</p><p>considerando premissas já relativamente otimistas, a ação está com um preço completamente fora</p><p>do lugar, de certa forma, injustificável.</p><p>Um jeito mais simples de compreender o ponto de Damodaran sem precisar saber nos detalhes</p><p>como funciona o valuation de uma empresa, visto que seu nível técnico é extremamente avançado</p><p>e incluir aqui no relatório cada um de seus gráficos e seu racional nos detalhes pode acabar</p><p>dificultando a compreensão do ponto principal do texto, a tabela abaixo facilita.</p><p>71</p><p>Fonte: aswathdamodaran.blogspot.com</p><p>Basicamente uma tabela considerando o quanto a ação vale para cada cenário existente. Vamos lá.</p><p>Se você considerar que a Nvidia terá uma margem operacional de 30% com uma receita de US$ 100</p><p>bilhões em 2033, a ação deve valer US$ 89 hoje.</p><p>Se você considerar que a Nvidia terá uma margem operacional de 40% com uma receita de US$ 200</p><p>bilhões em 2033, a ação deve valer US$ 189 hoje.</p><p>Se você considerar que a Nvidia terá uma margem operacional de 50% com uma receita de US$ 500</p><p>bilhões em 2033, a ação deve valer US$ 542 hoje.</p><p>É uma tabela bem simples que ilustra o grau de otimismo do mercado. Hoje, com as ações a US$</p><p>420, aproximadamente, o mercado está mirando uma receita de US$ 500 bilhões com uma margem</p><p>operacional de 40%. Faz sentido para você? Lembrando, que no começo dos dados disponibilizados</p><p>pelo Damodaran, mostramos que historicamente a Nvidia tem uma margem operacional de 37%</p><p>caso realizemos o ajuste e desconsideremos os gastos com pesquisa e desenvolvimento.</p><p>Como conclusão de seu valuation, Damodaran diz que vendeu metade de sua posição em Nvidia</p><p>(iniciada em 2018) porque julga que as ações estão caras demais. Veja: mesmo Damodaran, do alto</p><p>de seu conhecimento com a convicção de seus modelos de valuation, ainda assim não abriu de sua</p><p>posição em totalidade. Um investidor inteligente nunca trata o mercado com tanta convicção a</p><p>ponto de enxergar algo binário – nunca se trata de somente um “sim” ou um “não”, é uma</p><p>sucessão de “depende”.</p><p>Nossa opinião não diverge da opinião de Damodaran. Também achamos que a ação está cara, e</p><p>dificilmente (mas não impossível) ela conseguirá atingir o crescimento que reflete em tela hoje. O</p><p>ponto é que você optar por especular em cima disso ou tomar decisões com convicção demais,</p><p>pode acabar te colocando em um problema que te machucará seriamente.</p><p>O mercado pode ficar irracional mais tempo do que você pode ficar líquido, ou seja, shortear a ação</p><p>não é uma boa ideia.</p><p>72</p><p>A empresa pode impressionar e fazer todos os modelos de valuation honrando com um</p><p>crescimento cavalar ao longo do tempo, ou seja, vender 100% da sua posição não é uma boa ideia.</p><p>Ajuste de acordo com isso. Você não precisa agir de forma binária, você pode tomar medidas com</p><p>parcimônia, aliás, você deve.</p><p>Vinícius Salvador</p><p>Head de Economia &</p><p>Co-Founder</p><p>se formos olhar somente pela janela da inflação anual (isso é, de janeiro até agora), o</p><p>Brasil tem impressionado muito, com números superiores aos países de primeiro mundo, e isso só</p><p>reforça a importância do Banco Central tratar sobre um ciclo de corte de juros logo.</p><p>Evidências de uma possível decolagem brasileira</p><p>Ser um investidor no Brasil é uma tarefa árdua.</p><p>Apesar da literatura de investimentos pregar que o horizonte de longo prazo é a solução para a</p><p>maioria das adversidades (e isso é realmente verdade), muitos investidores negligenciam o fato de</p><p>que alcançar esse horizonte requer enfrentar uma sucessão de períodos de curto prazo.</p><p>Esses curtos prazos estão repletos de turbulências, crises e emoções. Mesmo que você seja do tipo</p><p>de investidor que evita assistir noticiários, inevitavelmente acaba sendo afetado por discussões</p><p>familiares ou conversas com amigos sobre assuntos que você prefere evitar ou não dar</p><p>importância.</p><p>No Brasil, a última década também foi bastante desafiadora. Uma breve análise da história</p><p>econômica do país é suficiente para refrescar a memória e recordar como enfrentamos um período</p><p>terrível entre 2010 e 2020.</p><p>Retrospectivamente, podemos observar que entre 2002 e 2008 passamos por um notável ciclo de</p><p>valorização das commodities, impulsionando o crescimento econômico do país. No entanto, esse</p><p>ciclo foi abruptamente encerrado pela maior crise imobiliária da história do capitalismo, com o</p><p>estouro da bolha do Subprime nos Estados Unidos. Embora essa crise tenha causado pouco</p><p>impacto direto no Brasil, seus efeitos indiretos foram significativos.</p><p>O estouro da bolha imobiliária desencadeou uma era de incerteza global que persistiu por anos, e</p><p>as commodities, em geral, apresentaram um desempenho bastante fraco.</p><p>Olhando para o contexto brasileiro, podemos constatar que entre 2010 e 2020 enfrentamos duas</p><p>crises, uma de natureza interna e outra de natureza global - em outras palavras, uma originada por</p><p>nossa culpa, e outra resultante de circunstâncias que nos contaminaram.</p><p>7</p><p>Fonte: IBGE</p><p>Na primeira crise, tudo começou após o estouro da bolha do Subprime, em 2008. Como já dito, o</p><p>mundo entrou em trajetória de incerteza, com as commodities perdendo força, mesmo que ainda</p><p>altas por um tempo. Essa perda de força inevitavelmente levou o Brasil a uma atividade econômica</p><p>mais fraca, visto a alta dependência do país sobre a exportação desses produtos.</p><p>Fonte: TradingView – minério de ferro -78% entre a máxima de 2011 e a mínima de 2015</p><p>8</p><p>Fonte: TradingView – petróleo -71% entre a máxima de 2011 e a mínima de 2016</p><p>Diante dessa desaceleração, a gestão econômica e política da época adotou medidas anticíclicas,</p><p>desconsiderando os riscos existentes, e cada vez mais recorreu a políticas populistas ou de estímulo</p><p>para evitar a recessão econômica iminente. No entanto, essa abordagem se mostrou uma receita</p><p>para o desastre. Como era óbvio e inevitável, com gastos crescentes, queda na arrecadação e um</p><p>déficit orçamentário, o dólar disparou e a inflação o acompanhou. Em 2015 e 2016, mergulhamos</p><p>na pior crise econômica registrada na história moderna do país, com uma contração do PIB de 3,5%</p><p>e 3,3%, respectivamente.</p><p>É importante ressaltar que um dos principais erros da gestão econômica da época pode ser</p><p>facilmente observado em dois gráficos: os ciclos econômicos, como sempre afirmamos, são</p><p>implacáveis. Pode-se tentar mitigar o impacto de uma desaceleração econômica, mas é impossível</p><p>detê-la por completo. Com o colapso dos preços dos principais produtos negociados pelo Brasil e a</p><p>adoção de políticas excessivamente expansionistas, culminamos na pior crise já enfrentada,</p><p>agravada por uma crise política sem precedentes.</p><p>O tempo passou e as coisas começaram a se normalizar. Em 2017, os indicadores retornaram a</p><p>território positivo, com um crescimento do PIB de 1,3% no ano - ainda baixo, mas indicativo de uma</p><p>recuperação gradual após os impactos da crise anterior.</p><p>No entanto, em 2020, o Brasil enfrentou mais uma crise, dessa vez em um contexto global, não</p><p>mais isolado, mas compartilhado por todos os outros países.</p><p>Foi em março que a Organização Mundial da Saúde (OMS) oficialmente declarou a pandemia da</p><p>Covid-19. Diante desse inimigo desconhecido e invisível, juntamente com o trágico aumento no</p><p>número de mortes causadas pelo vírus, a economia global foi paralisada como nunca antes.</p><p>9</p><p>Negócios tiveram que fechar suas portas por meses, o desemprego atingiu níveis alarmantes em</p><p>vários países e o trabalho remoto tornou-se a norma para a maioria das ocupações naquela época.</p><p>Estima-se que, durante o auge da pandemia, aproximadamente 52% da população global estava em</p><p>isolamento domiciliar.</p><p>O Brasil, sendo um país com alto nível de endividamento e vulnerabilidade econômica típicos de</p><p>uma nação emergente, enfrentou uma situação ainda mais desafiadora.</p><p>O dólar disparou, a inflação se manteve em alta, os problemas logísticos globais resultaram em</p><p>aumentos de preços generalizados e, para piorar, o país enfrentou uma crise hídrica adicional.</p><p>Fonte: ONS</p><p>Em 2021, o Brasil enfrentou não apenas os desafios contínuos da pandemia, mas também a pior</p><p>crise hídrica dos últimos 100 anos. Os reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste, que são vitais</p><p>para a geração de energia do país (representando 70% do total), atingiram níveis críticos, chegando</p><p>a apenas 32% de seu volume, o valor mais baixo registrado desde 2001, quando a situação era</p><p>ainda mais grave, com 30% de volume e racionamento de energia.</p><p>Como uma medida para lidar com essa situação, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)</p><p>implementou a bandeira tarifária de escassez hídrica, que acrescentava R$ 0,142 ao valor de cada</p><p>kWh consumido na conta de energia.</p><p>Inevitavelmente, esse aumento teve impacto catastrófico na economia em termos inflacionários.</p><p>10</p><p>Fonte: NHS Solar, ANEEL</p><p>A energia é fundamental para a economia, é a base de seu funcionamento. Quando o preço da</p><p>energia, assim como o do petróleo, aumenta, isso se reflete em um aumento dos custos em toda a</p><p>cadeia produtiva. Ao falarmos de um aumento de R$ 0,14 por kWh consumido, estamos falando de</p><p>um aumento que afeta absolutamente todos os setores da economia do país, especialmente a</p><p>indústria eletrointensiva. Isso se reflete no aumento dos preços das caixas de papelão utilizadas nas</p><p>compras pela internet, na conta de luz de sua casa, nos alimentos que você consome e até mesmo</p><p>na gasolina. Tudo está interligado à energia.</p><p>Setores como a indústria pesada (produção de ferro, aço e alumínio), a indústria de papel e</p><p>celulose, a indústria de mineração e a indústria química são altamente dependentes de energia – os</p><p>chamados segmentos “eletrointensivos”. O aumento dos custos energéticos vai muito além da</p><p>conta de luz que pagamos no final do mês.</p><p>Como mencionado anteriormente, os resultados foram catastróficos. Além do violento aumento do</p><p>dólar durante o período, dos problemas na cadeia logística global e da inflação já pressionada por</p><p>fatores externos, enfrentamos uma crise econômica decorrente da pandemia, juntamente com um</p><p>endividamento do país em um curto espaço de tempo.</p><p>Além disso, tivemos um aumento estrutural nos custos de energia, o que contribuiu ainda mais</p><p>para a pressão inflacionária. Em 2021, a inflação quase atingiu os níveis de 2015.</p><p>Joao Henrique Sato</p><p>11</p><p>Fonte: IBGE</p><p>Em resumo, a década passada no Brasil foi marcada por crises. Entre 2010 e 2020, o país perdeu</p><p>oportunidades favoráveis e enfrentou a pior crise econômica da era moderna. Justamente por isso,</p><p>é importante esclarecer que todas as narrativas negativas sobre o Brasil como um péssimo local</p><p>para investimentos são apenas isso, narrativas. Sem dúvidas as mazelas internas corroboraram para</p><p>o péssimo desempenho, mas é injusto</p><p>alegar uma recorrência com base em 10 anos.</p><p>Embora os últimos 10 anos tenham sido desafiadores, não vamos nos concentrar repetidamente no</p><p>que já dissemos em outros relatórios, que no longo prazo e em dólares, a bolsa brasileira teve um</p><p>desempenho superior à bolsa americana e seus principais pares. Já abordamos esse assunto em</p><p>outros relatórios (se você ainda não leu, recomendamos que baixe e leia todos os relatórios com</p><p>calma). O que queremos mostrar é que atualmente os ventos estão soprando mais favoravelmente</p><p>para os países emergentes do que para os países desenvolvidos.</p><p>Não estamos sugerindo que os países desenvolvidos estejam destinados a um declínio. Os Estados</p><p>Unidos continuarão crescendo fortemente em termos econômicos, suas empresas permanecerão</p><p>líderes globais e o país continuará sendo uma terra de oportunidades, sendo um investimento</p><p>obrigatório em qualquer carteira de investidor brasileiro de longo prazo, mas só reforçando o fator</p><p>cíclico.</p><p>Como você já deve saber, a economia global passa por ciclos. Há momentos em que o mundo</p><p>experimenta um crescimento acelerado, com os países emergentes se destacando em relação aos</p><p>países desenvolvidos, e há momentos de contração econômica, quando o mundo passa por uma</p><p>política monetária mais restritiva para controlar a inflação decorrente de uma expansão excessiva,</p><p>afetando mais os países emergentes. De certa forma, os países emergentes possuem um potencial</p><p>de crescimento maior, porém com um maior nível de risco.</p><p>Joao Henrique Sato</p><p>12</p><p>Fonte: Morgan Stanley</p><p>O gráfico acima é a rentabilidade dos mercados emergentes divido década a década desde 1930.</p><p>Para o período de 1930 a 1988, foi utilizada a composição de mercados emergentes da Global</p><p>Financial Data (GFD), e de 1988 até 2020, o índice MSCI de mercados emergentes.</p><p>Perceba como a última década, apesar do Brasil ter passado por duas crises gigantes e momentos</p><p>bem ruins, esse cenário de rentabilidade ruim não foi exclusividade do nosso país. Desde o início da</p><p>série histórica, a década entre 2010 e 2020 foi a pior já registrada para os emergentes. A</p><p>composição desse índice altera com o tempo, mas em essência, não muda muito, sendo que na</p><p>década passada era algo próximo de 30% China, 16% Taiwan, 15% Índia, 13% Coréia do Sul, 5%</p><p>Brasil e 21% outros países.</p><p>De forma consolidada, como dito, o desempenho ruim não é exclusividade do Brasil. De fato,</p><p>tivemos números extremamente ruins – se você pegar o índice EWZ, referente ao nosso país, verá</p><p>que tivemos uma desvalorização de aproximadamente 44% na última década, mas o desempenho</p><p>de todos os países emergentes foi fraco.</p><p>Foi uma década fraca. Foi um ponto fraco do ciclo para os emergentes, com um cenário</p><p>completamente atípico, representando a pior década já registrada para os países emergentes.</p><p>Agora, uma ótica mais econômica.</p><p>13</p><p>Fonte: Morgan Stanley</p><p>O gráfico acima é o quanto o PIB dos países emergentes representa do PIB global. Perceba como a</p><p>alta foi fortíssima durante a década de 2000 a 2010, e então deum uma desacelerada com</p><p>lateralização na década atual, parando nos 39,1%. A linha pontilhada, no caso, é a projeção dos</p><p>próximos anos.</p><p>Não é mera coincidência: a década passada foi de fato ruim de forma geral para os países</p><p>emergentes. E dificilmente continuará assim. A pandemia causou um evento que pouca gente se</p><p>lembra, que inclusive já citamos diversas vezes em relatórios: os estímulos econômicos</p><p>monumentais dos países desenvolvidos, em especial, dos EUA.</p><p>Somando toda a impressão monetária dos EUA nos últimos 3 anos, foi impresso quase US$ 13</p><p>trilhões, sendo que desses US$ 13 trilhões, quase US$ 5 trilhões foram via quantitative easing,</p><p>dinheiro escoando para o mercado de capitais por meio dos bancos.</p><p>Inevitavelmente, todo esse dinheiro potencializou o crescimento econômico dos países</p><p>desenvolvidos, que no caso dos EUA, goza do benefício de poder de endividar mais do que países</p><p>emergentes, imprimindo mais dinheiro, inflando mais o mercado de capitais e proporcionando</p><p>maior crescimento econômico. O resultado está no gráfico, com os países que precisam ter uma</p><p>responsabilidade fiscal maior (vide o Brasil), imprimindo menos dinheiro, caso contrário, o câmbio</p><p>explode e a inflação segue junto (a Argentina e a Turquia são bons exemplos disso). Isso levou o</p><p>mundo a alocar mais dinheiro nos países desenvolvidos do que nos emergentes, mas os números</p><p>mostram outro ponto importante.</p><p>14</p><p>Fonte: Morgan Stanley</p><p>O gráfico acima é o percentual que os países emergentes representam da alocação total de</p><p>investimentos desde 1998. Perceba como o número de ciclo em ciclo, vem crescendo. Em alguns</p><p>momentos, dispara para cima, em outros, para baixo, reforçando, novamente, os ciclos que sempre</p><p>falamos. Nada além disso.</p><p>Entendemos completamente os investidores que estão entrando na bolsa e se sentem inseguros.</p><p>Todo santo dia vemos influenciadores de finanças ou até mesmo agentes de mercado pregando o</p><p>terror sobre o nosso mercado de capitais. A foto, quase sempre, é da década passada, que</p><p>infelizmente foi péssima, mas como mostramos nos gráficos acima e na explicação sobre os</p><p>fundamentos econômicos, não deve ser levada como regra.</p><p>Particularmente, acreditamos que os ciclos são soberanos. É isso que dita a economia. Ciclos.</p><p>Decisões políticas entre outros fatores relacionados tem peso, mas no caso do Brasil, o que dita o</p><p>ritmo da economia é o preço do petróleo, do minério de ferro e dos produtos do agro. Tudo</p><p>sempre irá bem contanto que esses três pilares sigam sustentando a balança comercial do país e</p><p>atraindo capital estrangeiro. Acreditamos também, que nas próximas décadas, talvez essa mesmo</p><p>que estamos agora, os emergentes sejam as estrelas Ser a estrela, significa que terá a maior</p><p>rentabilidade, e não que os países desenvolvidos irão mal. Países desenvolvidos podem ir bem, mas</p><p>emergentes, irem muito bem. A década passada foi um apanhado de anomalias econômicas com</p><p>uma pandemia que gerou mais anomalias econômicas.</p><p>Se você acredita que o mundo econômico mudou para sempre e por alguma razão inexplicável os</p><p>ciclos deixarão de acontecer e os países emergentes irão sofrer cada vez mais, investir no Brasil é</p><p>uma má ideia.</p><p>Joao Henrique Sato</p><p>15</p><p>Se você, assim como nós, acredita que os ciclos são soberanos, que eles continuarão acontecendo,</p><p>e que a década passada não é a regra, mas sim a exceção, investir no Brasil é uma excelente ideia.</p><p>Apesar de toda a fragilidade, todos os sustos, todos os problemas e coisas do tipo, o Brasil é um</p><p>país emergente e nele há uma série de empresas de altíssimo potencial de retorno. Volatilidade</p><p>gera oportunidade. Não há economia perfeita em lugar nenhum do mundo. A bolsa americana tem</p><p>seus problemas, seus casos de fraude e seus períodos de queda. A bolsa brasileira, idem. Aproveite</p><p>o melhor de cada uma e durma tranquilo sabendo que você diversificou seu patrimônio com</p><p>inteligência.</p><p>Não há garantia nenhuma, mas tudo aponta para um possível novo ciclo de emergentes onde o</p><p>Brasil possa decolar.</p><p>Dolarize tranquilamente, nem sequer a China deseja um dólar fraco</p><p>Em relatórios anteriores, já tratamos desse tema que frequentemente assombra o mercado</p><p>financeiro: o fim do dólar. Não é um assunto novo. Na verdade, é recorrente e, diante de qualquer</p><p>turbulência geopolítica, ganha mais força com narrativas forçadas e mentiras contadas com verniz</p><p>profissional.</p><p>No caso, após a invasão da Rússia em território ucraniano, esse assunto voltou a ser discutido nos</p><p>círculos de mercado. Com os Estados Unidos utilizando sua própria moeda como arma de</p><p>influência, banindo a Rússia de sistemas de pagamento globais e confiscando suas reservas em</p><p>dólar, muitos líderes políticos começaram a se questionar diante de uma medida tão incisiva e</p><p>unilateral: "E se fosse</p><p>comigo?".</p><p>Atualmente, o mundo está dolarizado. Não abordaremos novamente os dados, pois já os tratamos</p><p>no relatório do mês de março (se ainda não o leu, recomendamos que o faça). Mais de 60% das</p><p>Joao Henrique Sato</p><p>16</p><p>reservas dos países estão em dólares americanos. Mais de 90% das transações realizadas</p><p>globalmente entre agentes de mercado de todos os cantos do planeta são em dólares americanos.</p><p>São os dólares americanos que absorvem toda a liquidez global em momentos de incerteza</p><p>econômica, com os títulos da dívida pública americana se tornando a reserva de valor preferida.</p><p>No entanto, algumas narrativas têm ganhado força, causando insegurança cada vez maior nos</p><p>investidores mais novos no mercado. De um lado, alguns dizem para dolarizar parte do patrimônio</p><p>e investir em moeda forte, pois ter 100% do seu dinheiro em reais pode ser um pouco arriscado.</p><p>Por outro lado, alguns afirmam que o dólar está com os dias contados.</p><p>Sem rodeios, nós concordamos com a primeira opinião: sim, você deve dolarizar seu patrimônio</p><p>comprando ativos dolarizados e ficar tranquilo. Não somos defensores de investir 100% no exterior,</p><p>mas um percentual da sua carteira não é um problema e até é necessário para a diversificação</p><p>cambial. Talvez 30% ou um pouco mais/menos, dependendo do seu perfil de risco. E não, não</p><p>acreditamos que o dólar esteja com os dias contados, pelo menos não nas próximas décadas.</p><p>Um fator que fortaleceu essa narrativa foi o poder econômico da China.</p><p>No início de 2023, os veículos de mídia começaram a discutir a "desdolarização" do planeta com</p><p>base em algumas negociações que a China estava conduzindo usando o yuan em vez de dólares.</p><p>Compras de petróleo, produtos agrícolas, commodities em geral e até mesmo bens de menor valor</p><p>agregado, acordos comerciais excluindo os Estados Unidos... Você deve estar familiarizado com a</p><p>forma como a mídia funciona: basta uma única transação para causar alarde, e parte da mídia</p><p>utiliza a situação para instigar o medo e o terror.</p><p>Tudo isso é apenas barulho. Barulho criado para gerar insegurança e confusão ao investir. A</p><p>indústria da busca por cliques não poupa esforços para tornar as coisas parecerem muito maiores</p><p>(ou menores) do que realmente são, por meio de narrativas.</p><p>A seguir, citaremos três pontos que você deve saber e que sempre levarão a acreditar que,</p><p>enquanto eles existirem, a chance de o yuan chinês substituir o dólar é próxima de zero. É uma</p><p>questão puramente fundamentada em aspectos econômicos, ao contrário de muitas opiniões</p><p>enviesadas que vemos por aí, afirmando que o dólar está fadado ao fim por conta de uma agenda</p><p>ideológica do autor da opinião. Vamos lá.</p><p>Reservas Internacionais e dívida pública: e se te contássemos que a China, por mais que tenha</p><p>toda sua rivalidade cultural e econômica com os EUA, é o segundo principal pais a financiar a dívida</p><p>americana? Pois é.</p><p>17</p><p>Fonte: Investopedia – quantidade de títulos públicos americanos que cada país carrega em bilhões de dólares</p><p>Até janeiro de 2023, a China carregava consigo a quantia de US$ 859 bilhões em títulos públicos</p><p>americanos. Esse número cresceu em velocidade assustadora, e hoje o país, sozinho, detém quase</p><p>12% de todos os títulos carregados por investidores estrangeiros, ficando atrás somente do Japão,</p><p>que carrega US$ 1,1 trilhão em uma relação de muito, muito longa data. Enquanto o Japão</p><p>desenvolve essa relação há muito tempo, a China conseguiu atingir essa segunda posição em</p><p>menos de 30 anos.</p><p>Indo um pouco além, podemos tratar também sobre as reservas cambiais da China.</p><p>Fonte: State Administration of Foreign Exchange (China) – Reservas Cambiais em dólares</p><p>Esse talvez seja gráfico mais surpreendente que você verá sobre o assunto.</p><p>Entre 2000 e 2022, a China elevou a quantidade de suas reservas cambiais em praticamente US$ 3</p><p>trilhões. Estima-se que aproximadamente 75% dessas reservas estejam em dólares, o que nos</p><p>levaria a um número de quase US$ 2,4 trilhões em 2022. Sobre a queda entre 2014 e 2015, que</p><p>você provavelmente se perguntou: na época, o país passou por um breve problema de incerteza</p><p>econômica, além da desaceleração econômica global, levando a China a utilizar parte desse</p><p>montante para implementar algumas políticas anticíclicas no país. De toda forma, ao longo dos</p><p>18</p><p>últimos anos, essa quantidade voltou a subir, e basta a China querer para retomar aos níveis</p><p>anteriormente registrados. Mesmo com toda essa queda, a China ainda é o país com a maior</p><p>reserva cambial do planeta, com mais do que o dobro do que possui o Japão. Em termos</p><p>comparativos, o Brasil hoje possui US$ 350 bilhões em reservas, ou seja, a reserva chinesa é quase</p><p>10 vezes maior do que a nossa.</p><p>Com todos esses números sobre as reservas e a detenção de títulos públicos, fica a nossa primeira</p><p>pergunta para reflexão: faz sentido a China querer a derrocada do dólar, sendo que o dólar é a</p><p>própria moeda de reserva do país? É em dólar que todo o seu dinheiro está guardado, é ela que</p><p>possui quase US$ 1 trilhão em títulos públicos americanos. Uma queda dos Estados Unidos significa,</p><p>inevitavelmente, uma queda da China. Ela pode aspirar a uma posição de liderança global, mas, por</p><p>enquanto, ela precisa dançar conforme a música que está tocando, e essa música é decidida pelos</p><p>Estados Unidos, com o dólar sendo a principal moeda global. Até a China compreende isso.</p><p>Conta capital fechada: não vamos entrar no mérito da contabilidade macroeconômica para não</p><p>tornar o texto enfadonho ou indigesto, mas vamos simplificar esse ponto para você. Pense que</p><p>todo país tem uma balança de pagamentos, e nessa balança há uma linha onde são registradas</p><p>todas as transações financeiras e de capitais do país, incluindo nesses números, as transações</p><p>cambiais (leia-se venda e compra de yuans/dólares). No caso da China, essa conta é praticamente</p><p>fechada.</p><p>A China tem controles extremamente rigorosos de entrada e saída de câmbio do país. Sua conta</p><p>capital não é aberta como é a do Brasil ou a dos EUA, por exemplo. Nós, brasileiros, caso bem</p><p>quisermos, podemos acessar o site da Avenue e realizar remessas de dinheiro para fora do país.</p><p>Assim podem também os americanos utilizando a Interactive Brokers. Na China, não funciona dessa</p><p>forma.</p><p>A conta capital é fechada (ou quase) e toda entrada ou saída cambial passa por forte controle do</p><p>Partido Comunista Chinês. A moeda não tem livre circulação, que é um dos principais pontos que</p><p>tornam uma moeda amplamente adotada. Essa postura é adotada pela China pois permite ao PCC</p><p>um controle mais fácil da economia – veja, em momentos de maior incerteza, o chinês médio não</p><p>consegue realizar remessas de todo seu dinheiro para fora do país como você pode fazer por aqui,</p><p>isso melhora a estabilidade econômica por lá e é justamente o que o Governo busca.</p><p>Esse fator inclusive é o que leva a muitos chineses que trabalham no exterior a preferir pagamentos</p><p>em dólares do que em yuans. Se recebido em yuan, há a chance de não poder ser realizada uma</p><p>conversão para a moeda desejada, o que obriga o chinês a utilizar o dinheiro dentro do seu próprio</p><p>país (o que é inclusive outro motivo da conta capital ser fechada, forçar o uso do dinheiro na</p><p>economia interna).</p><p>Agora, mais uma pergunta: você acha que é razoável a utilização de uma moeda praticamente não</p><p>conversível? O que estamos falando aqui não é opinião, é fato. Não estamos arcando com</p><p>19</p><p>nenhuma agenda ideológica, mas explicando somente o funcionamento da contabilidade</p><p>macroeconômica que baseia o sistema da moeda chinesa. Até mesmo os chineses, caso possível,</p><p>optam por ter dólares em vez de yuans justamente por ser uma moeda que da a eles a liberdade de</p><p>uso onde bem entenderem, coisa que não podem fazer caso recebam em yuans pela conta capital</p><p>fechada do país. Não estamos tratando aqui se isso é correto ou não, mas falando</p><p>das</p><p>consequências práticas. Você acha que o mundo vai adotar uma moeda com esse nível de controle?</p><p>Pegged Yuan: esse é um ponto um pouco polêmico, mas discutível. O termo “pegged” significa</p><p>“atrelado”. Até 2005, o yuan chinês foi completamente pegged ao dólar, ou seja, não havia</p><p>flexibilidade nenhuma da moeda. Diferente do que passamos aqui no Brasil, com a volatilidade</p><p>cambial, na China o câmbio era fixo e ancorado no dólar.</p><p>Por um lado, isso é positivo pois evita choques na economia, como a que passamos em 2020, com o</p><p>dólar subindo quase 30% em um curtíssimo espaço de tempo e levando a inflação junto para cima,</p><p>por outro, é um sinal de controle econômico que afasta qualquer investidor, além do fato de que</p><p>para isso ser realizado, o país precisa ter uma economia extremamente controlada. Como citamos</p><p>acima, a conta capital chinesa é fechada, então quem arca com isso é a própria população chinesa</p><p>às custas de sua própria liberdade.</p><p>Apesar desse regime de câmbio fixo atrelado ao dólar ter sido abandonado em 2005, hoje em dia o</p><p>PBOC (The People’s Bank of China, o Banco Central da China) ainda controle severamente o câmbio</p><p>do país. Ele possui maior flexibilidade, mas a China sempre conduz o preço de sua moeda de acordo</p><p>com o preço da moeda americana buscando “equilibrar” a situação para não gerar maiores</p><p>problemas relacionados aos números que citamos mais acima, tendo em vista o fato de que a China</p><p>depende completamente do dólar e uma implosão seja no yuan ou no dólar não é algo benéfico.</p><p>É completamente improvável que uma moeda que tem regime de flutuação de preço tão</p><p>controlado seja amplamente utilizada em transações econômicas.</p><p>Uma moeda tem o seu valor refletindo uma série de fatores existentes – desde expectativas sobre</p><p>o futuro econômico do país até mesmo a sua taxa de juros que altera o valor de carrego da moeda.</p><p>Um bom exemplo hoje seria o real: o investidor externo pode carregar nossa moeda com uma taxa</p><p>bruta de retorno de 13,75% ao ano, isso por si só altera completamente o valor do câmbio. É por</p><p>isso que é importante a livre negociação da moeda sem interferências expressivas. É claro que uma</p><p>interferência ou outra acaba ocorrendo. Mais uma vez, o Brasil serve de exemplo: quando o Banco</p><p>Central percebe uma movimentação atípica no câmbio, ele entra para atenuar o impacto, e isso é</p><p>necessário. Imagine uma Petrobras da vida tentando levar algumas dezenas de bilhões de dólares</p><p>para fora do país para realizar alguma transação até mesmo de pagamento de dividendos – caso o</p><p>Banco Central não entre na contraparte para atenuar o efeito, o câmbio pode desandar de forma</p><p>expressiva em um curto espaço de tempo e causar problemas maiores.</p><p>20</p><p>A questão é o controle imprevisível e recorrente. Não funciona. Veja o gráfico da moeda em relação</p><p>do dólar e você compreenderá.</p><p>Fonte: TradingView</p><p>Basicamente, linhas retas ilustrando o controle da moeda e, após o abandono do câmbio fixo,</p><p>praticamente uma estabilidade desde 2012. Oficialmente, o yuan não é mais fixo ao dólar, mas</p><p>sejamos sinceros... o gráfico responde o suficiente.</p><p>Ou seja, não é nem um pouco interessante a derrocada do dólar para a China considerando que a</p><p>sua própria moeda é reflexo do dólar para tirar algumas vantagens econômicas.</p><p>Condução política e intervencionismo: aqui não se trata de politicagem, é só um consenso do</p><p>mercado.</p><p>A China é um país que tem uma estrutura política diferente e todos sabem disso – a própria China</p><p>tem orgulho disso. De forma resumida, a China é comandada pelo Politburo chinês, que é uma</p><p>instituição da China com 25 membros do mais alto escalão do Partido Comunista Chinês. Esse</p><p>Politburo é quem da as cartas da condução econômica e política da China e desempenha um papel</p><p>crucial na governança. Basta ver o tempo que o Xi Jinping está no poder, completará 10 anos agora</p><p>em 2023. Tanto faz se você acha isso certo ou errado, assim como nossa opinião que é irrelevante</p><p>nesse aspecto, e estamos dizendo isso apenas para ilustrar como esse tipo de fator tem impacto</p><p>sobre nosso assunto.</p><p>Essa centralização de poder é um fator de risco para a moeda. Quer um exemplo? O que houve no</p><p>setor de educação do país recentemente.</p><p>21</p><p>Só para contextualizar, durante um longo período a China aderiu a política de filho único. Entre</p><p>1979 e 2015, era permitido que cada casal tivesse apenas um filho. A maioria dos casais sofriam</p><p>com essa restrição. Se um casal tivesse mais de um filho, não havia problema nenhum, mas o</p><p>Governo não dava suporte. Educação, saúde e afins para o segundo filho ficavam completamente</p><p>sob responsabilidade da família. O Governo não arcava com nada. Essa política por tanto tempo</p><p>acabou gerando o problema que a China passa hoje: os casais chineses já não querem mais ter</p><p>filhos por conta do custo mais alto. Eles se acostumaram com isso.</p><p>Visando “resolver” parte desse problema, em julho de 2021 o Partido Comunista Chinês atropelou</p><p>o setor de educação do país com diversas medidas regulatórias, um evento que foi chamado de</p><p>“crackdown”. Proibição de lucro das companhias relacionadas a educação e quaisquer fins</p><p>relacionados foram algumas das decisões, tudo isso para tentar resolver um problema que</p><p>influenciava na decisão de grande parte dos casais: o custo da educação. Com educação cara, quem</p><p>é que vai querer ter filho, afinal? Sempre há, mas as considerações dobram. O resultado no preço</p><p>das ações dessas empresas foi digno de ser chamado de banho de sangue.</p><p>Fonte: Financial Times</p><p>A medida intervencionista do Partido Comunista Chinês, levou as principais companhias do setor,</p><p>em um dia, caírem até 60%. Esse é o nível de risco de intervenção.</p><p>As intervenções não param por aí, como dissemos, todos sabem disso e todos estão de acordo, é</p><p>assim que funciona a economia do país e ninguém aqui está advogado politicamente contra. A</p><p>questão é que economicamente dizendo, é completamente impossível que a moeda de um país</p><p>com esse risco de intervenção seja amplamente utilizada. Poderíamos estender esse ponto para</p><p>diversos outros exemplos, mas terminaremos por aqui, com o caso mais marcante e recente</p><p>ocorrido.</p><p>22</p><p>Não é questão ideológica. Particularmente, não acreditamos nem um pouco que a China terá sua</p><p>moeda sendo usada no lugar do dólar americano.</p><p>É uma moeda cheia de restrições cambiais, é uma moeda com pouca liquidez por conta do</p><p>controle, é uma moeda que não expressa o mínimo de transparência necessária e que está a frente</p><p>de um monstro gigante relacionado a falta de transparência. A derrocada do dólar machucaria a</p><p>China em magnitude ainda maior do que machucaria os EUA, como mostramos pela linha de</p><p>reservas cambiais e câmbio fixo. Veríamos a China tendo suas reservas dizimadas caso algo</p><p>ocorresse.</p><p>O dólar americano tem todos os seus problemas, e sim, todo império um dia cai. É inevitável – veja</p><p>o vídeo “changing world order” do Ray Dalio para entender um pouco sobre isso. A questão não é o</p><p>“se”, mas o “quando”.</p><p>Você deixar de dolarizar parte do seu patrimônio com receios de algo que provavelmente só</p><p>ocorrerá em décadas, é algo bem perigoso. Volta e meia esse tipo de assunto sobre dolarização ou</p><p>yuanização é saturada de argumentos seguindo vieses ou cartilhas ideológicas ignorando</p><p>completamente os dados econômicos. Pouco importa se você prefere os EUA ou a China, o mundo</p><p>real escoa o dinheiro para onde encontra maior segurança. Hoje essa segurança, em todos os</p><p>aspectos possíveis, está com os EUA – desde a segurança econômica até a segurança militar, que</p><p>também é um fator a ser considerado.</p><p>Não tenha medo do fim do dólar. Se algum dia isso ocorrer, é bem provável que você já esteja com</p><p>o patrimônio em um patamar bem confortável a ponto de sequer ter que se importar com isso,</p><p>além do fato de que ao investir em empresas americanas, você não está investindo somente</p><p>em</p><p>dólares, você está investindo principalmente em empresas globais que, independente da moeda</p><p>que utilizem, continuarão negociando seus produtos. A proteção vem principalmente daí. Hoje</p><p>quase 40% da receita das empresas da S&P500 vem de fora dos EUA.</p><p>Esperamos que com esse texto, unido ao texto que escrevemos em março (e se você não leu ainda,</p><p>leia logo), você finalmente tenha segurança sobre seus aportes no exterior e pare de dar atenção a</p><p>todo esse papo com narrativas catastróficas, que quase sempre se originam de viés político ou de</p><p>desonestos que praticam suas habilidades de caça-cliques às custas de sua saúde mental.</p><p>Dolarize-se tranquilamente com moderação, nem sequer a China deseja um dólar fraco.</p><p>23</p><p>Small Caps, alta forte, mas ainda com muito potencial</p><p>Esse texto será breve, e temos a intenção apenas de trazer um gráfico.</p><p>A alta dos índices de small caps foi expressiva nos últimos meses. Do final de abril até o início de</p><p>junho, alguns índices (como o SML11) chegaram a registrar alta de mais de 20%. Até o presente</p><p>momento que estamos escrevendo esse texto, a alta já se aproxima de 30%. Com uma alta</p><p>expressiva como essa, não tarda até que a insegurança bata e as perguntas sobre preço comecem a</p><p>surgir. “Será que está caro?”, “Compensa esperar abaixar mais?”, “Se subiu tanto, não é pra cair</p><p>agora?”. Para a última pergunta, depende, mas para o resto, o gráfico abaixo responde.</p><p>Fonte: Bradesco BBI, Refinitiv</p><p>Analisando somente os múltiplos financeiros relacionados ao preço sobre lucro projetado 12 meses</p><p>pra frente, ainda há muito potencial para alta. O número atualmente gira em torno de 8,0x, a</p><p>mínima desde 2010, sendo que está 40% abaixo da média histórica de 13,2x e 60% abaixo da</p><p>máxima histórica registrada em 2021 (e aqui, apenas um número informativo, vide que a máxima</p><p>não deve ser referência).</p><p>Lembrando que esse indicador de preço sobre lucro trata sobre o índice. Existem centenas de small</p><p>caps na bolsa brasileira – algumas já subiram bastante e tem menor potencial de alta pros próximos</p><p>meses, outras ainda nem saíram do lugar direito, mas a intenção aqui é passar a ideia de que os</p><p>ativos estão com os preços tão amassados (como temos falado já há meses), que mesmo face a</p><p>altas tão expressivas, a chance deles ainda estarem extremamente descontados é grande.</p><p>Não se prenda ao tanto que subiu, mas sim foco no quanto pode valer.</p><p>24</p><p>Projeções econômicas: o veneno está na dosagem</p><p>Brincar com os números pode ser algo viciante – e todo vício é perigoso.</p><p>Talvez você não tenha esse hábito, mas para quem é do mercado ou trabalhe no segmento</p><p>econômico, usa bastante do próprio tempo para realizar projeções. Projeção para saber para onde</p><p>vai o câmbio, projeção para saber para onde vai o PIB, projeção para saber para onde vai a</p><p>inflação... e não só no meio econômico. Analistas de companhias no meio de investimentos</p><p>também fazem isso. Projeções para compreender para onde vai o lucro das companhias, para onde</p><p>vai a dívida, para onde vai a participação de mercado... em resumo, o ser humano não se contém:</p><p>ele precisa do mínimo de segurança para se agarrar e tomar decisões e não suporta o escuro</p><p>completo.</p><p>De certa forma, isso faz sentido, e está correto. Imagine você, face a oportunidade de compra de</p><p>uma companhia. Pronto para gastar seus R$ 200 milhões para a fazer a aquisição de algum negócio</p><p>com alto potencial lucrativo, dificilmente você gastaria todo esse dinheiro sem ter o mínimo de</p><p>ideia sobre o caminho que a empresa pode tomar.</p><p>Você precisa fazer o mínimo de projeções criando todo tipo de cenário (geralmente o pessimista, o</p><p>base e o otimista) para compreender os riscos e o potencial retorno de onde você está alocando</p><p>seu dinheiro. E isso se enquadra em qualquer tipo de número. Qualquer. Mas é preciso saber como</p><p>o jogo funciona, pois projeções podem desandar, e comumente são revisadas.</p><p>Fonte: Boletim Focus (Banco Central do Brasil)</p><p>Acima, consolidamos as principais projeções do Boletim Focus sobre os dados econômicos há 12</p><p>meses, há 6 meses, há 3 meses e hoje (começo de julho) para ilustrar o nosso ponto. Antes, vamos</p><p>contextualizar e explicar o que é o Boletim Focus.</p><p>O Boletim Focus é um relatório semanal divulgado pelo Banco Central do Brasil. Esse relatório</p><p>reúne o consenso dos principais agentes econômicos e de mercado sobre as expectativas de alguns</p><p>dados macroeconômicos, entre eles, os principais que plotamos na tabela acima: inflação,</p><p>crescimento de PIB, SELIC e câmbio. Todas as estimativas são para o final do período, no caso da</p><p>tabela, para o ano de 2023.</p><p>25</p><p>Não é divulgado o número exato de participantes que entram nessa colheita de dados, mas estima-</p><p>se que seja quase (ou um pouco mais) de uma centena. Ele tem um peso importante para grande</p><p>parte dos economistas e outros analistas, pois acaba sendo uma ferramenta para projeções. Se um</p><p>economista deseja realizar uma projeção sobre algum dado macroeconômico, por exemplo, lá vai</p><p>ele para o relatório do Boletim Focus e pega o número desejado usando como base. Vale lembrar</p><p>que no mercado existem milhares de outros players que divulgam projeções, e estamos aqui</p><p>falando sobre o Boletim Focus por ser o “oficial”, afinal, é o do Banco Central.</p><p>O problema é: projeções desandam. No caso do Boletim Focus, elas são revisadas semanalmente.</p><p>Toda segunda-feira um novo relatório é divulgado com a revisão dos profissionais que respondem</p><p>sobre esses números. Veja a mudança nas expectativas do PIB.</p><p>Fonte: Boletim Focus (Banco Central do Brasil) – 10/07/2023</p><p>O gráfico contem quatro linhas, cada um com uma cor, sendo que cada cor representa um ano</p><p>diferente. Para facilitar a compreensão, vamos focar no que importa: a linha azul.</p><p>Com dados de projeção desde julho de 2022, veja o quanto que a revisão sobre o fechamento de</p><p>PIB para esse ano mudou. Está literalmente sendo revisado toda semana, sendo que a partir de</p><p>maio, o número mudou de forma assustadora: saímos de uma projeção de PIB de 0,88% para 2,19%</p><p>em três meses! Não estamos falando de uma mudança sutil, estamos falando de uma projeção que</p><p>quase que triplicou em menos de 90 dias. Como explicar isso? Explicaremos mais a frente, mas veja,</p><p>para outras variáveis, não é muito diferente.</p><p>Fonte: Boletim Focus (Banco Central do Brasil) – 10/07/2023</p><p>26</p><p>O câmbio (dólar) mirava um fechamento de R$ 5,25 para 2023 até janeiro desse ano. Hoje, com o</p><p>maior otimismo do cenário, a revisão foi brutal, caindo para R$ 5,00. Lembrando que o câmbio</p><p>atual é de aproximadamente R$ 4,90 no momento que esse texto está sendo escrito, e</p><p>provavelmente ocorrerão novas revisões para baixo no boletim.</p><p>Volte a tabela que publicamos no início do texto, e veja novamente, com atenção, o quão</p><p>expressivo é a diferença dos números em espaços tão curtos de tempo.</p><p>Se você estiver indignado, tudo isso tem explicação. O mundo muda.</p><p>Não adianta o ser humano se prender a projeções como se fossem números exatos e inalteráveis. O</p><p>cenário econômico muda diariamente, constantemente, a todo momento, em todo lugar. Hoje, em</p><p>um mundo globalizar, um problema na Rússia pode interferir no Brasil. Um problema na China</p><p>pode interferir no Brasil. Um problema nos EUA, na Alemanha, ou na Índia pode interferir no Brasil.</p><p>É por isso que as revisões são necessárias e os números tanto são alterados. Um exemplo simples</p><p>que você pode lembrar, foi o da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Explodiu em março de 2022 e</p><p>esse evento por si só causou um terremoto no planeta em termos econômicos. Tudo,</p><p>absolutamente tudo mudou de lá para cá, sendo que alguns meses foram caóticos por conta da</p><p>incerteza sobre alguns preços.</p><p>O que estamos escrevendo aqui, não é detratar análises econômicas ou projeções, hora, temos</p><p>economistas e analistas em nossa equipe e assim como</p><p>outros agentes de mercado, também</p><p>realizamos projeções semanalmente para ter ideia de onde pisamos e dos cenários possíveis. Todas</p><p>essas projeções são extremamente necessárias, andar no escuro completo é impossível, antes uma</p><p>incerteza visível do que invisível. O escuro é o que realmente dá medo.</p><p>A questão é que você tem que saber como utilizar projeções.</p><p>Não é para você ler uma matéria em algum portal de notícias dizendo que o dólar vai subir ou que o</p><p>PIB vai cair e levar como verdade absoluta. É só uma projeção. Uma projeção que está sujeita a</p><p>alterações assim como qualquer outro número.</p><p>Você se lembra de 2022? Nos relatórios do ano passado, falamos dezenas de vezes sobre como o</p><p>Brasil estava surpreendendo completamente o mundo, superando todas as projeções e</p><p>expectativas, com as projeções novas tendo de ser revisadas com viés cada vez mais otimista com a</p><p>guinada econômica que o país entrara. O ano de 2023 pode ser a mesma coisa. Assim como pode</p><p>ser qualquer ano, e isso não é só pela ótica positiva, é pela negativa também. Se o cenário está</p><p>mirando um otimismo eufórico, tome cuidado, pois quanto mais alto, maior o tombo.</p><p>Use projeções, mas entenda, elas sempre são revisadas. Não confunda com futurologia.</p><p>27</p><p>Instagram vs TikTok</p><p>Narrativas. Se você leu o nosso relatório publicado no mês março (e se não leu ainda, leia o quanto</p><p>antes), vai se lembrar de um texto que falamos sobre a Renner, a Shein e as narrativas que o</p><p>mercado costuma endossar no curto prazo. É narrativa dizendo que as fintechs acabarão com os</p><p>bancões, é narrativa dizendo que o e-commerce acabará com os shoppings, que os aplicativos</p><p>chineses acabarão com as lojas do varejo de vestuário do Brasil... enfim, narrativas por todos os</p><p>cantos. E isso não é exclusividade brasileira. No texto presente, vamos falar sobre uma narrativa</p><p>que ganhou força com uma das empresas mais importantes do capitalismo moderno: a Meta.</p><p>Contextualizando: a Meta (antigo Facebook) é a empresa que manda nas redes sociais do planeta.</p><p>Hoje ela é dona do Facebook, do Instagram, do WhatsApp e outros diversos aplicativos ou serviços</p><p>menores, mas não menos importantes. Anteriormente chamada de Facebook sob o ticker “FB”, foi</p><p>em outubro de 2021 que a empresa mudou o seu nome para Meta, e em 2022 que o ticker da</p><p>companhia virou META. A mudança não foi só no nome, mas principalmente no business da</p><p>companhia. Hoje a intenção da gestão é não ser somente uma empresa de redes sociais, mas o</p><p>carro-chefe da revolução tecnológica referente ao metaverso. Não entraremos em detalhes sobre</p><p>essa mudança de perfil da companhia para não alongar o texto desnecessariamente, mas vale a</p><p>pesquisa.</p><p>Apesar de toda essa mudança, em termos financeiros, a empresa nos últimos meses não mudou</p><p>nada. Seus pilares de geração de receita e valor seguem em cima de suas redes sociais. Pelo</p><p>Facebook e pelo Instagram, a Meta gera em 2022 gerou uma receita de US$ 116 bilhões via receita</p><p>de publicidade. Sabe quando você está rolando a timeline do Instagram e do Facebook e aparece</p><p>uma propaganda? Significa alguém pagou a Meta para veicular uma propaganda que queria. Hoje</p><p>existem aproximadamente 3.6 bilhões de usuários ativos utilizando os serviços da empresa. Agora</p><p>você consegue perceber o quão gigante ela é. Não é em vão que, no ápice de seu preço, ela chegou</p><p>a valer mais de US$ 1 trilhão e sua receita beira os US$ 120 bilhões. Ela é um dos principais pilares</p><p>do capitalismo moderno via publicidade.</p><p>O problema nisso tudo é: até praticamente 2019, a Meta jogava solta com o Instagram e o</p><p>Facebook em termos de redes sociais. A empresa sozinha canalizava quase todo o dinheiro para</p><p>28</p><p>publicidade e por falta de opção, invariavelmente, atraia as pessoas para as suas redes sociais. E</p><p>recentemente isso mudou.</p><p>Fonte: Statista – número de usuários ativos em cada rede social</p><p>Fundado em 2014 sob o nome de “Musical.ly”, foi em 2016 que a empresa que fundou o aplicativo</p><p>foi comprada pela gigante ByteDance, teve seu nome mudado para TikTok e começou a virar o que</p><p>é hoje, atingindo esse crescimento meteórico que é ilustrado no gráfico acima.</p><p>Em questão de quatro anos o monstro chinês saiu de menos de 100 milhões de usuários para os</p><p>atuais 1.7 bilhão, ultrapassando o público do Instagram, e de diversas outras redes sociais, abaixo</p><p>somente do Facebook, que é seu principal concorrente junto do Instagram dada da integração</p><p>existente entre ambos.</p><p>Não demorou muito para esse crescimento do TikTok começar a gerar incertezas sobre o futuro da</p><p>Meta. Dependendo completamente do Instagram e do Facebook para a sua geração de receita,</p><p>como fica uma rede social em que o seu principal concorrente cresce sem parar mês após mês,</p><p>ameaçando “roubar” parte do dinheiro que você recebe para publicidade e significa o lucro da sua</p><p>companhia? É risco de concorrência em sua mais pura forma. O impacto no preço das ações não</p><p>demorou muito a chegar.</p><p>29</p><p>Fonte: TradingView - Cotação da META</p><p>Em uma análise rápida, entre o final de 2019 até a máxima de 2021, as ações da Meta subiram</p><p>quase que em linha reta até seu pico histórico, de US$ 382 por ação. Até que, da sua máxima</p><p>histórica até o início de 2023, as ações desabaram 65%.</p><p>Se for levar o fundo de novembro como referência, as ações derreteram pouco mais de 75%. Sendo</p><p>justos, é necessário colocar na conta também outros fatores: o cenário incerto sobre a inflação</p><p>americana, os receios sobre o investimento que a companhia realizou em um projeto ainda pouco</p><p>sólido (metaverso) o arrefecimento do boom do digital pós pandemia, o aumento do juros nos EUA</p><p>por parte do FED entre outros fatores sem dúvidas levaram também a pressão sobre o preço da</p><p>ação da empresa, afinal, foi o movimento que o mercado inteiro seguiu, mas face aos seus pares, as</p><p>big techs, a Meta foi disparadamente a que mais sofreu perda de valor de mercado justamente pelo</p><p>endosso da narrativa sobre a concorrência que o TikTok tem causado sobre o crescimento da</p><p>companhia.</p><p>Concorrente maior significa perspectiva de crescimento menor. E isso não durou muito tempo.</p><p>30</p><p>Fonte: TradingView - Cotação da META</p><p>Até o momento que esse texto está sendo escrito, desde o primeiro pregão de 2023, as ações da</p><p>Meta subiram em linha reta e de forma impressionante, acumulando 129% de retorno em pouco</p><p>mais de 6 meses e sendo uma das companhias da S&P500 que mais valorizaram no período.</p><p>Mais uma vez, essa alta tem diversos motivos – endereçar todo o cenário a um só fator seria</p><p>irresponsabilidade. O próprio cenário macroeconômico mudou bastante durante esse tempo e com</p><p>ele, a projeção de precificação das companhias, mas pelo simples fato da Meta se destacar</p><p>completamente já é algo que evidencia como o mercado pesou mais nela por fatores que vão além</p><p>do cenário econômico.</p><p>Quer compreender o tamanho do movimento e como ele foi bem além do que ocorreu com seus</p><p>pares no mercado usando somente um gráfico e de forma bem simples?</p><p>Veja o gráfico abaixo.</p><p>31</p><p>Fonte: CompaniesMarketCap – Valor de mercado da Meta nos últimos 10 anos</p><p>Acima você vê o valor de mercado da Meta desde 2012.</p><p>Do seu pico em 2021 até seu fundo em novembro de 2022, a companhia voltou ao seu valor de</p><p>mercado de 2015. Estamos falando de uma retração de valor de 7 anos em menos de 12 meses.</p><p>Falando somente dessa forma, já dá para compreender a magnitude do movimento, mas agora,</p><p>vamos ver pela ótica financeira como alguns movimentos são completamente irracionais e</p><p>questionáveis.</p><p>Fonte: Bloomberg – Dados financeiros da Meta em bilhões de dólares</p><p>Já que o mercado jogou o preço da ação da empresa para patamares de 2015, nada mais justo do</p><p>que comparar os dados financeiros de 2021 (usamos 2021 pois eram os dados de fechamento</p><p>considerando a queda de 2022) com os de 2015.</p><p>E não é preciso muito esforço para perceber o que</p><p>aconteceu.</p><p>Na queda do período, o mercado basicamente ignorou todo o crescimento da Meta dos últimos</p><p>anos (de mais de 500% em todas as linhas) e assumiu que ela voltaria aos patamares da época,</p><p>mesmo sendo a líder global disparada em termos de redes sociais entre outras posições poderosas</p><p>como sua participação de mercado em publicidade na internet.</p><p>Não é ser engenheiro de obra pronta, mas sejamos sinceros, qual é a dificuldade de perceber a</p><p>assimetria nesse movimento? É bem simples: nesse cenário, o investidor ou acredita que a Meta vai</p><p>voltar aos números de 2015 (e para isso, haja pessimismo) ou acredita que não vai. Se é a primeira</p><p>32</p><p>opção, tem que evitar o ativo. Se a segunda, encarar como oportunidade. E o mercado viu o erro do</p><p>exagero logo depois, como bem mostramos no gráfico de retorno desse ano.</p><p>Esse tipo de análise de comparação dos números financeiros é bem simples e vale sempre a pena</p><p>você fazer quando vê um ativo derretendo em preço. Pegue o patamar de preço da ação, veja a</p><p>qual data ele recuou e compare os dados. Da para pegar algumas discrepâncias dessa forma.</p><p>E agora, o ponto central do texto: as narrativas.</p><p>Como bem falamos inicialmente, o mercado se alimenta de narrativas. Ele especula. Ele opera</p><p>notícias. Ele abraça o curto prazo e joga ao preço das ações tudo aquilo que ele acha que</p><p>acontecerá. As vezes ele acerta, mas quase sempre, o movimento é exagerado, os ruídos</p><p>amplificam o impacto no preço das ações, seja pela euforia, em uma ótica positiva, causando</p><p>bolhas, ou pela depressão e medo, em uma ótica negativa, causando oportunidades.</p><p>Uma das principais narrativas sobre a Meta foi o crescimento meteórico do TikTok, que de fato é</p><p>um fator de risco importante a ser monitorado, mas, que o mercado realizou um movimento</p><p>completamente exagerado. E os gráficos abaixo te mostrarão isso. Todos os dados que você verá</p><p>são referentes ao mercado americano, mas ainda assim, é uma comparação ideal, dada da</p><p>concentração de receita que vem de lá – está tratando da região mais importante.</p><p>Fonte: Sensor Tower, RBC Markets</p><p>Acima você vê o tempo total gasto em cada aplicativo em anos.</p><p>Perceba como desde agosto de 2022 o número de horas gastas no Instagram vem subindo,</p><p>enquanto no TikTok, ele não saiu do lugar desde o começo de janeiro de 2022. A linha tracejada,</p><p>33</p><p>que é a diferença entre ambos, apesar de ter crescido entre fevereiro e abril, é a ilustração do</p><p>movimento entre ambas. Ou seja, o Instagram está ganhando cada vez mais espaço, enquanto o</p><p>TikTok tem lateralizado.</p><p>Fonte: Sensor Tower, RBC Markets</p><p>Acima você vê a quantidade de sessões de cada aplicativo em milhões.</p><p>Outro número extremamente positivo para a Meta, o Instagram segue com mais acessos do que o</p><p>TikTok (e isso é bom do ponto de vista econômico – enquanto o TikTok consegue ter mais tempo</p><p>dedicado por usuário, o Instagram consegue ter mais acessos, o que significa um alcance maior de</p><p>potencial consumidores de suas publicações pagas e maior volume de renda).</p><p>Além disso, a diferença tem aumentado positivamente para a Meta.</p><p>Fonte: Sensor Tower, RBC Markets</p><p>34</p><p>Acima você vê a quantidade de usuários ativos mensalmente em cada aplicativo.</p><p>Como esperado do TikTok ter um número bem superior por ter mais usuários do que o Instagram (e</p><p>isso deve ser considerado em todas as métricas), o dado também mostra melhora expressiva em</p><p>termos relativos para a Meta.</p><p>Apesar da quantidade lateralizada de usuários ativos no Instagram, no TikTok há queda desde o</p><p>começo do ano passado, diminuindo cada vez mais a diferença entre ambos, ou seja, boa parte dos</p><p>usuários que foram para o TikTok estão diminuindo o uso do aplicativo, enquanto no Instagram,</p><p>segue com atividade constante.</p><p>E um último gráfico, para ilustrar ainda melhor a situação.</p><p>Fonte: Sensor Tower, RBC Markets</p><p>Acima você vê a quantidade diária de tempo gasto em minutos por usuário ativo em cada</p><p>aplicativo.</p><p>Assim como todos os outros dados, o Instagram tem melhorado muito desde agosto e diminuído a</p><p>diferença entre ambos, com parte da base que usava o TikTok migrando de volta para o Instagram.</p><p>Dados. É isso que o investidor tem que analisar para tomar decisões. Falamos sobre a Meta em</p><p>algum outro relatório no passado, e há algo que precisa ser ressaltado: ela é beneficiada pela</p><p>guerra geopolítica que os EUA possuem com a China.</p><p>35</p><p>Já há anos ambos os países estão envolvidos em uma guerra comercial que tem ficado cada vez</p><p>mais intensa, sendo que sob o Governo do Donald Trump, com seu discurso e medidas</p><p>protecionistas, houve ainda mais endosso sobre isso.</p><p>Não seria nem um pouco surpreendente ver o TikTok sendo banido dos EUA de forma completa.</p><p>Hoje, poucos estados do país baniram o aplicativo, mas as discussões são acaloradas e as acusações</p><p>sobre o TikTok por parte dos americanos em alguns pontos são bem graves, indo desde histórias</p><p>sobre manipulação de conteúdo, com alguns dizendo que o aplicativo chinês controla o conteúdo a</p><p>ser entregue para os americanos, até mesmo a acusações sobre invasão de privacidade e risco de</p><p>dados pessoais. Tudo isso, querendo ou não, são fatores que beneficiam a Meta. Veja, se o TikTok</p><p>for de fato banido do país, a maior parte do público será obrigada a migrar para o Instagram de</p><p>forma completa. Simples assim. Há sempre uma parcela que resiste utilizando softwares para</p><p>contornar isso, mas é um percentual irrelevante.</p><p>O mercado sempre, mas sempre tem narrativas perigosas. Sempre. É necessário esse tipo de texto</p><p>e alarmar as pessoas sobre, para lembrar o porquê elas devem selecionar muito bem as fontes de</p><p>conhecimento e notícias que elas seguem. É nesse tipo de movimento de queda violenta das ações</p><p>somadas a uma narrativa envernizada que o investidor mais inseguro ou novo de mercado acaba</p><p>tomando decisões erradas. É o que a gente sempre fala: foque nos números, foque nos dados,</p><p>controle seu emocional e seja racional nas decisões. Na dúvida, nunca faça. Temos absoluta certeza</p><p>que teve investidor que vendeu as ações da Meta quando ela estava lá no fundo do ano passado.</p><p>São investidores que abraçam narrativas e esquecem de analisar o mais importante.</p><p>Não seja analista cotações. Esse estudo breve foi sobre a Meta, mas se encaixa para absolutamente</p><p>qualquer ativo do mercado. Qualquer um. São dados que você deve analisar, e não a cotação do</p><p>ativo ou a opinião de alguém que finge entender sobre o assunto usando palavras difíceis. Dados.</p><p>Bitcoin: rentabilidade passada (definitivamente) não significa</p><p>rentabilidade futura</p><p>Tente encontrar um ativo que vislumbre um retorno mais impressionante do que o bitcoin, e falhe</p><p>miseravelmente. É impossível. Talvez você encontre algum outro caso dentro do próprio mercado</p><p>de criptomoedas, mas fora dele, no mercado tradicional, com um retorno tão cavalar quanto o do</p><p>bitcoin, não há.</p><p>Estamos falando de um retorno não de 1.000%, 10.000% ou 100.000%, que são retornos que</p><p>dependendo do seu capital investido, já são mais do que suficientes para garantir uma generosa</p><p>aposentadoria para você e suas próximas gerações, estamos falando de um retorno na casa dos</p><p>milhões. Sim, dezenas de milhões. É difícil de acreditar, mas os números e o gráfico abaixo irão te</p><p>mostrar melhor.</p><p>36</p><p>Fonte: Bloomberg</p><p>Apesar do Bitcoin ter começado a sua negociação abertamente no mercado em 2009, temos</p><p>apenas dados de 2010 para frente disponíveis por questões de registro de nossa fonte, ainda assim,</p><p>não muda em nada para o que estamos tratando aqui.</p><p>Desde 2010, o Bitcoin saiu de um preço de US$ 0,003 (menos de 1 centavo) para os atuais US$</p><p>29.900 na data que esse texto está sendo escrito. Agora, o gráfico em escala logarítmica para</p><p>ilustrar melhor.</p><p>Fonte: Bloomberg</p><p>O retorno</p><p>de 2010 até hoje, significa um retorno de quase 1 bilhão por cento. Exato. É por isso que</p><p>falamos que é impossível você achar algum ativo que se aproxime desse número. Obviamente que</p><p>não é muito justo alegar que essa é a rentabilidade prática do ativo. Sejamos sinceros: em 2010,</p><p>37</p><p>sequer havia gente sabendo o que era Bitcoin ainda. Em 2009 não havia sequer registro de</p><p>negociação em aberto. Isso começou a surgir somente um ano depois e mesmo assim era</p><p>extremamente raro, mas ainda assim, se você pegar como base a rentabilidade dos últimos 10</p><p>anos, você terá um retorno de quase 222.000% em uma década. Nada mal. Significa que em 10</p><p>anos, cada dólar investido virou US$ 2221. Se você ajustar o preço e colocar o câmbio na conta, o</p><p>número fica ainda maior. E é esse o erro de grande parte dos que investem em Bitcoin – tomar</p><p>como base essa rentabilidade passada, que definitivamente não vai se repetir. Digamos que é</p><p>praticamente impossível, matematicamente dizendo, essa rentabilidade se repetir. Vamos lá.</p><p>Um dos fatores que levou o Bitcoin a ser amplamente utilizado em escala global (e, apesar de</p><p>amplo, ainda há muito a crescer), é o seu potencial de proteção. Proteção contra intervenção, no</p><p>caso.</p><p>Se você ainda não sabe, o Bitcoin surgiu em 2009 como resultado da crise de 2008, por um criador</p><p>(ou grupo) anônimo, denominado Satoshi Nakamoto, com a genialidade do sistema da blockchain.</p><p>Goste ou não do Bitcoin, a tecnologia que levou sua criação é algo inegavelmente reconhecível. Um</p><p>sistema descentralizado e aberto a prova de qualquer tipo de fraude onde todo tipo de ação é</p><p>registrado e validado. É disso que vem a proteção contra a intervenção: não há um agente emissor</p><p>de Bitcoin nem um órgão controlador ou concentrador – é uma moeda global, descentralizada, sem</p><p>um dono ou proprietário. Com o estouro da crise de 2008, então, surgiu o Bitcoin como uma forma</p><p>de manifesto contra o que os EUA fizeram com o sistema bancário do país, alimentando uma bolha</p><p>imobiliária com impressão descontrolada de dinheiro, causando dor a milhões de americanos que</p><p>sofreram com a falência de bancos gigantes, como ocorreu com a Lehmann Brothers.</p><p>Essa característica de não intervenção que o Bitcoin tem, o levou a alcunha de “ouro digital”,</p><p>fazendo uma alusão a sua propriedade de proteção, semelhante à do ouro. Veja, o ouro, em crises,</p><p>valoriza, visto que ele tem um valor intrínseco e historicamente carrega consigo a demanda pela</p><p>escassez e pela propriedade de valor.</p><p>O Bitcoin, no caso, busca o mesmo objetivo: a moeda é escassa e há um limite de 21 milhões de</p><p>unidades, então, sendo justos, uma análise de preço deve levar o ouro como par, que é justamente</p><p>o que faremos aqui. Iremos comparar alguns números do ouro com os números do Bitcoin para</p><p>buscar dar algum respaldo de precificação, apesar de ser algo extremamente difícil de se discutir,</p><p>tratando sobre uma criptomoeda.</p><p>Todos os números que você ver nesse artigo, não tratam de nenhum tipo de projeção ou preço alvo</p><p>de qualquer ativo que seja. É um estudo buscando compreender as limitações matemáticas do</p><p>38</p><p>mercado de criptomoedas usando como base os fundamentos econômicos, visto que nada tem seu</p><p>preço em direção ascendente de forma infinita.</p><p>Fonte: World Gold Council</p><p>Acima você vê o valor de mercado do ouro nos últimos 10 anos. O valor de mercado, no caso,</p><p>consolida todo o valor de ouro que esteja “acima do chão”, seja esse ouro localizado nas reservas</p><p>dos Bancos Centrais dos países ou em outros bens de uso particular. Segundo o World Gold Council,</p><p>maior autoridade global sobre esse mercado, é seguro trabalhar com um número 20% abaixo ou</p><p>acima do realizado pela tela de preço que encontramos por aí.</p><p>Hoje o valor de mercado total do ouro está em US$ 13.2 trilhões, sendo que desde 2020, pela</p><p>disparada do preço do ouro em razão da pandemia com todos os problemas econômicos e surtos</p><p>sobre a liquidez global, esse valor cresceu 63%. Não é que o preço do ouro seja exatamente volátil,</p><p>mas em momentos de incerteza, seu preço costuma disparar, que é como o gráfico mostra.</p><p>Como citamos anteriormente, compreenda o mercado de ouro como um “espelho” para o mercado</p><p>potencial do Bitcoin. Em tese, a descentralização do Bitcoin e suas propriedades de escassez e</p><p>proteção fazem com que a criptomoeda desempenhe um papel importante como concorrente do</p><p>ouro.</p><p>Isso não é opinião nossa – é um ponto discutido amplamente pela comunidade cripto. Alguns</p><p>advogam contra, enquanto outros a favor, mas de forma geral, nosso texto busca dar o ponto de</p><p>vista comparando sob esse pretexto, um ativo de proteção que tenha como pilar central</p><p>“ourificação” da sua carteira. Os limites sob essa ótica.</p><p>Agora, vamos analisar o valor de mercado do bitcoin nos últimos 10 anos.</p><p>39</p><p>Fonte: Coinmarketcap</p><p>Um crescimento notável, saindo de um mercado de valor total de aproximadamente US$ 1 bilhão</p><p>(lembrando que a escala desse gráfico está em bilhão, e não em trilhão, como a do ouro) para um</p><p>topo de US$ 902 bilhões em 2022. Pegamos os preços de abertura de cada ano, sendo que em</p><p>outubro de 2021, o valor de mercado do bitcoin chegou a bater US$ 1.2 trilhão.</p><p>Veja, nos últimos 10 anos o crescimento do valor de mercado do bitcoin foi espetacular. Entre</p><p>janeiro de 2013 e janeiro de 2023, a criptomoeda multiplicou o seu valor em, 457 vezes. Nada mal.</p><p>Agora, vamos comparar esses dois gráficos.</p><p>Fonte: World Gold Council e Coinmarketcap</p><p>40</p><p>Evidentemente, se usarmos o mercado de ouro como referência para o mercado do Bitcoin, ainda</p><p>há muito espaço para andar. Em um comparativo breve, em 2022 o valor de mercado total do ouro</p><p>foi de US$ 11.8 trilhões, enquanto do Bitcoin, US$ 902 bilhões, ou seja, o mercado de ouro era 13</p><p>vezes maior que o de Bitcoin na época. Somente considerando que o Bitcoin busque o preço do</p><p>ouro em termos de valor de mercado, que é algo completamente possível economicamente (veja,</p><p>estamos falando ser possível, e não provável, cabendo aqui a sua análise e opinião), há espaço de</p><p>sobra para uma valorização promissora nos próximos anos. Vamos tabelar os números para</p><p>visualizar melhor.</p><p>Fonte: World Gold Council, Coinmarketcap e FinDocs</p><p>Feito. Agora temos o valor de mercado do ouro e do Bitcoin lado a lado nos últimos 10 anos.</p><p>Para explorar nosso ponto, criamos uma terceira coluna: a de upside.</p><p>Em finanças, upside é um termo utilizado para descrever o potencial de ganho em um investimento</p><p>considerando algum preço em específico. Como na nossa comparação o preço de referência é o</p><p>mercado de ouro, então trabalhemos com o preço do ouro sendo o “preço teto” do Bitcoin nesse</p><p>caso.</p><p>A medida que o preço do bitcoin foi crescendo, esse potencial de upside foi diminuindo. Veja,</p><p>enquanto em 2013 o potencial de upside do bitcoin era de 811.800% (oitocentos e onze mil e</p><p>oitocentos por cento), em 2014, com o valor de mercado do bitcoin multiplicando por 10 vezes,</p><p>esse upside já caiu para 69.220%. Em outras palavras, enquanto em 2013 quem comprava bitcoin</p><p>tinha um potencial de ver seus bitcoins valorizarem 811.800%, quem comprou em 2014 tinha um</p><p>potencial 91% menor, de upside de 69.220%. Não é ruim, claro, se você investe em algo que</p><p>rentabiliza 69.220%, você vê cada R$ 1,00 virar R$ 693,20, mas o nosso foco aqui não é falar sobre</p><p>rentabilidade boa ou ruim, mas sim sobre rentabilidade potencial.</p><p>41</p><p>Com a queda de 70% do valor de mercado do bitcoin em 2015, o upside potencial cresceu</p><p>novamente, agora em 242.867%, até que o mercado voltou a valorizar forte, com o potencial de</p><p>upside atingindo uma mínima de “apenas” 5.133% em 2018. Vamos por em um gráfico para</p><p>entender melhor esse potencial de upside.</p><p>Fonte: World Gold Council, Coinmarketcap e FinDocs</p><p>Para valores tão altos assim, há a necessidade da escala em logarítmica, mas agora a interpretação</p>