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78 História do Brasil III A Carta Constitucional do Estado Novo consagrava, também, a legislação sindical-urbana elaborada desde o início da década e que atrelava a existência das associações profi ssionais ad referendum ao Ministério do Trabalho (MTIC). Quanto às nuances da relação Estado/classes trabalhadoras no Brasil durante o Estado Novo, é imprescindível o destaque à gestão de Alexandre Marcondes Filho à frente do MTIC no triênio 1942-45. Nesse período, ocorreu a implementação do projeto trabalhista de Vargas edifi cado desde a gestão de Agamenon Magalhães no MTIC, entre 1934 e 1937, evidenciando, de certa forma – pelo menos neste aspecto –, um relativo elo de continuidade entre o período constitucional e a ditadura Vargas. A gestão do paulista Marcondes Filho à frente do MTIC foi objeto de estudo de diversos trabalhos; no entanto, é de autoria da historiadora Ângela de Castro Gomes o esforço mais original para compreensão da atuação do advogado paulista naquela que se confi gurava na mais importante agência do Estado brasileiro ao longo da Era Vargas. Em sua tese de doutorado, Castro Gomes apresenta com minúcias a atuação de Marcondes Filho na elaboração do projeto que foi, sem dúvida, um dos vetores de sustentação e legitimidade do Estado ditatorial varguista frente aos diversos setores da sociedade civil, em especial, as classes trabalhadoras. Em síntese, reproduzindo a fala de Castro Gomes, o principal objetivo do projeto trabalhista (que não se resumiu aos limites da atuação do MTIC) foi o estreitamento dos laços entre o Estado e o movimento operário, via representação sindical. Ao mesmo tempo que se buscava maior controle sobre o movimento sindical, buscava-se também, por outro lado, maior representatividade deste movimento diante do operariado, “ou seja, não se buscava apenas o mero controle, mas a adesão e a mobilização, o que só é possível através dos procedimentos mais representativos e capazes de gerar certa dose de representatividade real” (GOMES, 2005). Paralelamente também a esta lógica compreende-se o esforço da ditadura estado-novista de associar a noção de cidadania ao trabalho, seja através da coerção exercida pelos artifícios legais, seja pela propaganda ou pela ideologia ofi cial. “Em Canudos representa de elemento passivo o jagunço que corrigindo a loucura mística de Antônio Conselheiro e dando-lhe umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou, tornou plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões, de que o louco como os contagiados são fiéis e legítimas criações. Ali se achavam de fato, admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica de loucura.” (Nina Rodrigues, As coletividades anormais. 2006) II. Ergueu-se contra a República O bandido mais cruel Iludindo um grande povo Com a doutrina infiel Seu nome era Antônio Vicente Mendes Maciel [...] Os homens mais perversos De instinto desordeiro Desertor, ladrão de cavalo Criminoso e feiticeiro Vieram engrossar as tropas Do fanático Conselheiro (João Melchíades Ferreira da Silva apud Mark Curran, História do Brasil em cordel. 1998) Acerca das leituras que os textos fazem de Canudos, é correto afirmar que a) I pondera sobre a necessidade de se compreender a Guerra de Canudos no contexto das rebeliões contra o avanço do capitalismo no sertão brasileiro; II refere-se aos rebeldes do sertão baiano como principais responsáveis pela instabilidade político-institucional dos primeiros anos da República brasileira. b) I analisa o evento ocorrido no sertão baiano a partir de referências médicas e antropológicas, tratando-o como o embate entre a barbárie, em função da condição primitiva e enlouquecida do sertanejo, e a civilização; II identifica a prática dos combatentes do Arraial de Canudos à dos cangaceiros. c) I reconhece legitimidade na rebelião dos sertanejos baianos, em razão do abandono institucional de que essas pessoas foram vítimas ao longo do tempo; II mostra o líder Antônio Conselheiro como um importante articulador político, vinculado aos mais importantes oligarcas baianos, os chamados coronéis. d) I condena as principais lideranças da rebelião baiana pela postura de defesa das práticas religiosas primitivas e rústicas, que se contrapunham aos princípios cristãos; II acusa o líder Antônio Conselheiro de provocar tensões étnicas e de classe, ao propor uma sociedade igualitária social e economicamente. e) I denuncia a ausência de uma compreensão científica, por parte do poder público, sobre as motivações dos rebeldes de Canudos; II critica os moradores do arraial de Canudos pela violência gratuita contra as forças legais, que estavam preocupadas em oferecer aos sertanejos a entrada no mundo da civilização. TEXTO: 1 - Comum à questão: 32 Leia o cordel abaixo. “(...) Com moedas de tostões, de dois tostões e cruzados Lampião fazia o bem a muitos necessitados principalmente aos mendigos, aos cegos e aos aleijados. Um dia a tarde caía e o santo do Juazeiro viu da casa onde morava, do extremo do terreiro seu mais ilustre afilhado, o mais devoto romeiro. Era Lampião que vinha liderando um grupo armado dos lados de Pernambuco pelo padre convidado para dar combate aos Prestes cordialmente chamado. Andava a coluna Prestes pregando pânico geral e possivelmente como finalidade central desestabilização do governo federal. Foi para conter tal fúria que Lampião foi chamado, na casa do repentista João Mendes foi instalado num sobrado onde ficou com o seu grupo hospedado. No confortável sobrado do ilustre repentista recebia autoridades, dava esmola e entrevista contando suas mais terríveis façanhas a um jornalista. Internacionalmente, sobretudo no sertão é sabido que a patente honrosa de capitão Virgulino recebeu do padre Cícero Romão. Conduzia Lampião suplícios martirizantes, ferros de marcar novilhos para ferrar delatantes que fossem denunciar 79 Aula 4 – O Estado Novo – 1ª parte Propaganda e ideologia ofi cial: o papel do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) Um dos instrumentos mais efi cazes para a sustentação da ditadura do Estado Novo foi a propaganda institucional formulada e operada de forma sistemática por uma agência estatal criada especifi camente para esse fi m. Instituído pelo Decreto-lei nº 1.915, de 27 de dezembro de 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda tinha como objetivo estabelecer amplo controle sobre a produção cultural brasileira em suas mais diversas áreas. Além disso, era também tarefa do DIP estabelecer um rígido controle e supervisão sobre os diversos meios de comunicação de massa. Ao DIP atribuía-se a tarefa de elaborar e divulgar os parâmetros da ideologia ofi cial. Entenda-se, neste caso, ideologia como recurso de poder da própria ordem instituída. Em outras palavras, a ideologia assume a dimensão de um fato constitutivo da ordem que se deseja construir (MACHADO apud GOMES, 2005). Mais do que um simples porta-voz da ordem instituída, o DIP, em sua dimensão de agência estatal, exercia um papel de ordenador da produção cultural, buscando atrelá-la e submetê-la ao projeto político ofi cial, dar sentido e fomentar a produção cultural segundo o prisma estabelecido pelos anseios da ditadura e do ditador. Dividido em seis seções – propaganda; radiodifusão; cinema e teatro; turismo; imprensa e serviços auxiliares –, entre as tarefas mais importantes estava a de organizar o programa de radiodifusão ofi cial chamado "A Hora do Brasil". Com sessenta minutos de duraçãoe transmitido diariamente, o programa sintetizava as principais ações do governo. "A Hora do Brasil" era a voz do presidente nos lares de milhões de brasileiros. Constituía-se no esforço cotidiano de aproximar o cidadão e seu presidente (ditador!), um recurso de poder fundamental para a construção da carismática imagem de Vargas. No campo da produção cultural deve ser mencionado o esforço do DIP em conceber uma publicação periódica que não 80 História do Brasil III alijou fi guras importantes da intelectualidade da época (até mesmo os não alinhados à ideologia ofi cial). A Revista Cultura Política – publicação mensal de estudos brasileiros sob direção do intelectual Almir Andrade, circulou de março de 1941 ao fi m do Estado Novo, em outubro de 1945. Foi certamente a mais importante publicação do DIP e tinha como propósitos promover uma nova concepção de cultura, adequando-a aos pressupostos nacionalistas e autoritários da ordem autoritária em vigência, e, sobretudo, “esclarecer e divulgar ao grande público as transformações que o país sofria por obra das iniciativas governamentais” (GOMES, 2005). Além de Azevedo Amaral (já citado no primeiro boxe desta aula) e Francisco Campos, teóricos próceres da ditadura Vargas, a revista contou também com a participação esporádica de nomes como Nelson Werneck Sodré, Graciliano Ramos e Gilberto Freyre, que se limitaram a escrever sobre assuntos relacionados às suas áreas de interesse, respectivamente história, literatura e folclore. O Departamento de Imprensa e Propaganda perdurou até 1945, quando suas funções já não se adequavam à nova ambiência social que marcava a conjuntura brasileira da época. As crescentes pressões da sociedade civil organizada pelo fi m da censura e pela liberdade de expressão levaram ao esgotamento das atribuições do órgão, levando Vargas a extingui-lo, por decreto, em fi ns de maio daquele ano. "Hora do Brasil/Voz do Brasil" A ideia de se fazer um programa radiofônico ofi cial diário não foi, propriamente, uma originalidade da ditadura Vargas. Segundo o historiador Orlando de Barros, a inspiração para a Hora do Brasil veio da Alemanha Nazista, mais especifi camente da forma como o Terceiro Reich lançava mão dos veículos de comunicação de massa para dar publicidade às principais ações 81 Aula 4 – O Estado Novo – 1ª parte do cotidiano do Executivo. A versão brasileira do programa "Hora de Berlim" perdurou até 1942. Com a aproximação do Brasil ao bloco dos Aliados e o enfraquecimento dos setores germanófi los no governo varguista, mudanças foram realizadas no programa, e a principal delas foi sua denominação. A "Hora do Brasil" passou a se chamar "Voz do Brasil", um evidente esforço para assemelhar o programa radiofônico brasileiro à "Voz da América", o serviço internacional radiofônico do governo dos EUA, que começava a ser transmitido em fevereiro daquele mesmo ano. Atende ao Objetivo 1 1. Leia com atenção o documento exposto a seguir. O Golpe do Estado Novo: mensagem lida por Getúlio Vargas em 10/11/1937. (...) Prestigiado pela confi ança das forças armadas e correspondendo aos generalizados apelos de meus concidadãos acedi [concordei] em sacrifi car o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro, com o fi rme propósito de continuar servindo a Nação. As decepções que o regime derrogado [invalidado] trouxeram ao país não se limitaram ao campo moral e político. A economia nacional, que pretendera participar das responsabilidades do governo, foi também frustrada nas suas justas aspirações. Cumpre restabelecer, por meio adequado, a efi cácia da sua intervenção e colaboração na vida do Estado. (...) Considerando de frente e acima dos formalismos jurídicos a lição dos acontecimentos, chega-se à conclusão iniludível [sem dúvida], a respeito das gêneses políticas de nossas instituições: elas não correspondem, desde 1889, aos fi ns para que se destinavam. Um regime que, dentro dos ciclos prefi xados de quatro anos, quando se apresentava o problema sucessório presidencial, sofria tremendos abalos, verdadeiros traumatismos mortais, dada a