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ZOONOSES AULA 5 Profª Mariana Forgati 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, veremos que a proximidade do ser humano com outras espécies de animais, embora traga muitos benefícios, também pode ser bastante prejudicial. Veremos que os animais de companhia podem atuar como vetores de patógenos para o ser humano. Além disso, veremos as características gerais, bem como formas de controle de populações de animais sinantrópicos, principalmente pombos, roedores, quirópteros, bem como artrópodes que atuam como vetores de patógenos. Como vimos em conteúdos anteriores, animais sinantrópicos são aqueles adaptados a viver junto ao ser humano (syn – junto; anthro – humano), principalmente no ambiente urbano. Tratam-se de animais com relevância para a saúde pública por serem potenciais agentes causadores de zoonoses, e que se encontram no ambiente urbano principalmente em decorrência da ocupação humana dos ambientes naturais de forma desordenada. TEMA 1 – ANIMAIS DE COMPANHIA A relação do ser humano com outras espécies de animais é bastante antiga. A domesticação dos animais pelo ser humano data de aproximadamente 12 mil anos. A partir de então, os animais de companhia, especialmente cães e gatos, foram submetidos, por seleção natural e artificial, a inúmeras alterações em relação ao seu temperamento, tamanho corporal, cor e outras características morfológicas, favorecendo a convivência com o ser humano. Atualmente, os animais de companhia estão presentes em 40% de lares ao redor do mundo (Bueno, 2020). Essa maior proximidade, apesar de trazer inúmeros benefícios, pode prejudicar o ser humano. Isso porque cães gatos participam dos ciclos biológicos de inúmeras zoonoses, tais como raiva, dermatofitose, esporotricose, salmonelose, toxoplasmose, giardíase, toxocaríase, larva migrans cutânea, hidatidose, leptospirose etc. A seguir, estão listadas algumas medidas profiláticas que, se adotadas pelo tutor responsável, minimizam os riscos de se contrair uma zoonose: levar o animal de companhia a visitas regulares ao médico veterinário para controle de parasitos internos e externos; manter a vacinação em dia; higienizar os locais onde os animais permanecem. 3 A principal problemática em relação aos animais domesticados está na superpopulação de cães e gatos errantes, especialmente nos países em desenvolvimento, o que favorece a transmissão e disseminação de diversas zoonoses. Outra questão é referente aos animais semidomiciliados, ou seja, animais com livre acesso às ruas podem entrar em contato com animais infectados e, ao retornarem para suas residências, podem carregar diversos patógenos para sus tutores (Andrade; Rossi, 2019). A Organização Mundial de Saúde recomenda as seguintes medidas preventivas a serem adotadas pelo Poder Público, para o controle da população de animais errantes: • Esterilização dos animais; • Promoção de uma ampla cobertura vacinal; • Incentivo à educação para uma guarda responsável; • Controle do comércio e criadouro de animais; • Identificação e registro dos animais; • Recolhimento seletivo dos animais de rua. TEMA 2 – POMBOS Os pombos são aves pertencentes ao gênero Columba, o qual inclui mais de 50 espécies, que se distribuem ao redor de todo o globo terrestre, sendo que a espécie mais bem adaptada ao ambiente urbano é Columba livia domestica. Esses animais vivem de quatro a seis anos nos ambientes urbanos, sendo que, no período reprodutivo e sob condições favoráveis, as fêmeas ovopositam de 10 a 14 ovos por ano (Schuller, 2005). Essas aves, que foram introduzidas no Brasil em meados do Século XVI, têm sido favorecidas nos grandes centros urbanos pela ausência de predadores naturais, oferta abundante de abrigo (vãos e frestas da arquitetura urbana) e, principalmente, abundância de alimento em decorrência das atividades humanas (essas aves possuem pouca seletividade alimentar). Os pombos são tão dependentes dos seres humanos para a alimentação, que foi relatada a eliminação de uma população bastante numerosa de pombos em uma ilha inglesa após desocupação humana da mesma (Nunes, 2003). Além dos problemas sanitários, que discutiremos com mais detalhes na sequência, os pombos trazem problemas estéticos, uma vez que suas fezes, 4 além de causar sujidade nos locais públicos, danificam estruturas arquitetônicas, como prédios, monumentos, estátuas etc. Ainda se poderiam mencionar os problemas estruturais que o acúmulo de fezes, penas e restos de ninhos podem causar em decorrência do entupimento de calhas e sistemas de drenagem de água de chuva. Os pombos são importantes e conhecidos agentes causadores de zoonoses, uma vez que podem carregar uma série de microrganismos patogênicos e parasitas. Por exemplo, ectoparasitos dos pombos, como ácaros e carrapatos, podem infestar os moradores dos centros urbanos. Lembrando que os ácaros e carrapatos, além de problemas alérgicos, podem veicular microrganismos patogênicos, como os causadores da babesiose e doença de Lyme. Suas fezes podem ser portadoras de uma série de microrganismos causadores de doenças, como psitacose, salmonelose, histoplasmose, criptococose, toxoplasmose, shiguelose, listeriose, aspergilose, além de processos dermatológicos e respiratórios diversos (Nunes, 2003). Sendo assim, é fundamental o controle de pombos nos ambientes urbanos, já que, quanto maior o número de indivíduos, maior será o perigo de exposição aos agentes patogênicos liberados nas excretas dessas aves. Nunes (2003) elencou algumas medidas de controle de pombos nos ambientes urbanos, agrupando-as em cinco categorias: de baixo impacto; de baixo impacto e risco a outrem; medidas proibidas; medidas duráveis; e medidas complementares. Dentre as medidas de baixo impacto, podemos listar: inclinação de superfície de pouso; uso de estruturas que impeçam ou desestabilizem o pouso; emprego de espantalhos; emprego de refletores luminosos; emprego de aves de rapina; equipamentos sonoros de ultrassom; tiros de ar comprimido. Como medidas de baixo impacto e de risco a seres humanos e/ou outros animais temos o uso de: sonorizadores diversos; fogos de artifício; gel irritante de contato; cercas eletrificadas; armadilhas para captura; e quimioesterelizantes a base de hidrocloro (utilizado como método contraceptivo). Os pombos, apesar de serem animais introduzidos, são classificados como animais da fauna brasileira, de acordo com a portaria 20 do IBAMA (24/03/1994), sendo, portanto, passíveis de abrigo legal pela lei de crimes ambientais (Lei n. 9.605 de 1999). Logo, algumas medidas de controle são 5 proibidas, como: uso de armas de fogo, envenenamento e captura e soltura em outras áreas. Como mediadas duráveis, temos: vedação de espaços e vãos nas construções urbanas; e uso de abrigos controlados. Por fim, como sugestões de medidas complementares, temos: a destinação dos resíduos em geral; controle de formas alternativas de fornecimento voluntário de alimento; controle dos ectoparasitos; limpeza e desinfecção de locais de abrigo; e educação, orientação e esclarecimento da população a respeito da problemática. Essas medidas de controle somente serão efetivas se forem realizadas vistorias zoossanitárias periódicas nos locais afetados pela superpopulação de pombos, bem como no entorno desses ambientes, de modo a serem definidas medidas mais adequadas a cada situação. Por fim, não podemos deixar de comentar a importância de ações preventivas, nesse caso. Portanto, além do envolvimento das autoridades públicas, que deverão destinar verbas e capacitação técnica, é necessário que a comunidade local seja envolvida nesse processo. Logo, programas permanentes de educação e esclarecimento da comunidade sobre a problemática são fundamentais para que tais medidas decontrole tenham sucesso. TEMA 3 – ROEDORES Os roedores são mamíferos da ordem Rodentia, maior ordem de mamíferos, cuja principal característica é a presença de dois pares de dentes incisivos com crescimento contínuo. Existem cerca de 2 mil espécies de roedores espalhadas ao redor do mundo, o que corresponde a aproximadamente 40% das espécies de mamíferos existentes e conhecidas. Esse sucesso na ocupação de diversos ambientes se deve principalmente à sua adaptabilidade à uma variedade de condições abióticas e baixa especificidade alimentar. Dentre os roedores sinantrópicos, três espécies se destacam como potenciais transmissoras de zoonoses: Rattus novergicus, Rattus rattus e Mus musculus, os quais serão melhor caracterizados a seguir. Rattus novergicus (Figura 1), popularmente conhecido como ratazana ou rato de esgoto, é o maior roedor da família Muridae. Como principais características morfológicas desse roedor, temos: pelagem espessa com 6 coloração acastanhada na região dorsal e acinzentada na região ventral; o comprimento da cauda é menor que a do corpo e cabeça juntos; e o fato de que os adultos pesam de 200 a 350 gramas. São animais noturnos, que vivem em bandos, abrigando-se, preferencialmente, em tocas escavadas no solo. Entretanto, nos centros urbanos, eles vivem em redes de esgoto e de águas pluviais, depósitos de lixo etc. O controle desses animais é dificultado devido à neofobia, ou seja, medo daquilo que é novo; eles possuem aversão a iscas utilizadas para a captura. Figura 1 – Rattus norvergicus, popularmente conhecido por ratazana Crédito: Holger Kirk/Shutterstock. Rattus rattus (Figura 2) é o rato de telhado, que busca abrigo nos estratos mais altos do ambiente, como vãos, telhados e sótãos. Apesar de sua coloração ser semelhante à de R. novergicus, eles possuem a cauda maior que o comprimento do corpo e da cabeça juntos, além de terem menor tamanho corporal (100 a 200 gramas). São animais noturnos e também apresentam neofobia, apesar de menos acentuada que a das ratazanas. 7 Figura 2 – Rattus rattus, rato de telhado, rato preto ou rato de forro Crédito: Eric Isslee/Shutterstock. Mus musculus é o camundongo, com menor tamanho dentre as três espécies (15 a 20 gramas) e menor relevância epidemiológica. Por seres animais diminutos, noturnos e silenciosos, conseguem infestar residências e pontos comerciais durante muito tempo, sem serem notados. Entretanto, normalmente, as infestações por M. musculus são de fácil controle por rodenticidas (veneno de rato). Dentre as zoonoses transmitida pelos roedores, a mais preocupante é a leptospirose, cujo reservatório mais importante é R. norvegicus. A espécie Leptospira interrogans, sorovar Icterohaemorrhagiae, é altamente adaptada a este reservatório, no qual a infecção renal e eliminação pela urina podem durar anos (Bharti et al, 2003). Sendo assim, é fundamental que medidas de vigilância e controle da população urbana de roedores sejam realizadas, principalmente de forma programada, coordenada, em situações específicas, segundo critérios epidemiológicos e em consonância com as medidas propostas e preconizadas pelo Ministério da Saúde e por legislação vigente (Brasil, 2016). É importante mencionar que todas as ações, sejam de vigilância, prevenção, controle ou monitoramento, devem seguir protocolos que minimizem custos e riscos envolvidos, sejam para o ser humano, sejam para outros seres vivos. A seguir, estão relacionados alguns dos componentes do manejo integrado de roedores urbanos (Brasil, 2016): • Inspeção do local infestado; • Identificação da(s) espécie(s) infestante(s); • Medidas preventivas e corretivas (antirratização) – educação em saúde. 8 • Adoção de medidas de controle (desratização), com a proposta de reduzir, a níveis toleráveis, a infestação por roedores. Os únicos raticidas (ou rodenticidas) permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) são os anticoagulantes à base de hidroxicumarina, nas formas de: pó de contato (usado exclusivamente no interior das tocas), isca granulada e isca ou bloco impermeável (parafinado ou extrusado). A seguir, veremos que o controle de cada espécie de roedor requer uma forma preferencial de hidroxicumarina. Para o controle de R. novergicus, a forma mais eficiente é aplicação de pó de contato no interior das tocas. Já o controle de R. rattus é mais eficiente com a utilização da isca granulada acondicionada em porta-iscas. Por se tratar de uma espécie encontrada comumente dentro do ambiente domiciliar, sendo que o controle químico envolve riscos aos moradores do local; devido ao seu comportamento neofílico (atração pelo que é novo), o controle de M. musculus é eficiente através do uso de rodenticidas em caixas porta-iscas, com iscas na forma granulada. Após o controle da infestação, é necessário que sejam adotadas ações de monitoramento, para avaliar a efetividade das medidas de controle e, se necessário, abordar uma nova estratégia de controle. É importante ressaltar que muitas das intervenções dependem de serviços que fogem ao escopo da área de vigilância de zoonoses. Como o manejo ambiental com o objetivo de controle de roedores requer melhorias na infraestrutura urbana e a mudança de comportamento da população, é possível que ocorram reinfestações locais previamente controlados (Brasil, 2016). TEMA 4 – QUIRÓPTEROS Os quirópteros compreendem uma ordem de mamíferos voadores extremamente rica e diversificada, conhecida por morcegos. No Brasil, os quirópteros representam a segunda maior ordem de mamíferos, com 170 espécies de morcegos (Paglia et al. 2012), muitas delas endêmicas. Esses animais exploram recursos alimentares e ocupam ambientes bastante diversos, podendo ser encontrados em praticamente todos os domínios morfoclimáticos terrestres, exceto em locais com grandes altitudes, polos e algumas ilhas oceânicas. Além disso, desempenham papel ecológico de muita 9 relevância, como polinização, dispersão de sementes e controle de insetos, sendo essenciais para a manutenção dos ecossistemas naturais. Entretanto, devido ao fato de algumas espécies conviverem com os seres humanos nos ambientes urbanos e por serem potenciais transmissores de zoonoses, esses animais apresentam importância para a saúde pública (Silva et al., 2013). Muitas espécies de quirópteros vêm sofrendo um processo de sinantropização, devido à expansão urbana e agrícola, o que contribui com a supressão dos seus habitats naturais. O ambiente urbano contribui principalmente para o estabelecimento de quirópteros fitófagos, já que a vegetação urbana tem potencial para ser fonte de alimento para a família dos quirópteros filostomídeos. Assim como a iluminação pública favorece a concentração de insetos, atraindo, dessa forma, quirópteros insetívoros (Pacheco et al., 2010). O processo sinantrópico de algumas espécies de quirópteros causam diversos transtornos aos seres humanos, como: adentramento nas edificações e defecação nos ambientes urbanos, bem como maior proximidade aos animais domésticos. Os quirópteros estão associados a zoonoses causadas por vários tipos de agentes etiológicos, como protozoários (tais como Plasmodium, causador da malária, Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, e Leishmania, causador da leishmaniose), vírus (além do vírus causador da raiva, pertencente à família Rhabdoviridae, vírus das famílias Arenaviridae, Coronaviridae, Flaviviridae, Herpesviridae e Togaviridae, muitas das quais associadas a infecções virais emergentes), bactérias (como as dos gêneros Pasteurella, Salmonella, Escherichia e Yersinia) e fungos (como Histoplasma capsulatum, causador da histoplasmose; Corrêa et al., 2013). Dentre as infecções zoonóticas citadas anteriormente, a raiva é aquela mais associada à presença dos quirópteros.Desde o início do Século XX, Desmodus rotundus (Figura 3), a principal espécie hematófaga do Brasil, tem sido associada à transmissão da raiva. Atualmente, essa espécie é considerada o mais importante reservatório e vetor desta doença, apesar do aumento no número de identificação do vírus da raiva em morcegos não hematófagos, em partes, devido ao maior número de estudos realizados com animais e à maior divulgação dos casos na mídia (Corrêa et al., 2013). Entretanto, segundo os dados dos Centros de Controle de Zoonoses (CCZs), os morcegos molossídeos 10 são os mais envolvidos nos adentramentos em edificações e, portanto, representam risco em potencial para os seus moradores (Pacheco et al., 2010). No estado de São Paulo, por exemplo, a espécie frugívora Artibeus lituratus e a insetívora Molossus nigricans são as mais comumente encontradas com o vírus rábico (Sodré et al., 2010). No Paraná, entre 2004 e 2008, as espécies mais encaminhadas pelos CCZs, o Laboratório Central do Estado (LACEN), foram Molossus molossus, Molossus rufus e A. lituratus, sendo a última com maior número de indivíduos positivos para a raiva (Pacheco et al., 2010). Figura 3 – Desmodus rotundus principal espécie hematófaga do Brasil, sendo associado, também, à transmissão do vírus da raiva Crédito: Mendesbio/Shutterstock. O controle das populações de quirópteros nos ambientes urbanos é bastante complexa. Além do pouco conhecimento sobre o comportamento das espécies no ambiente urbano, a captura, coleta e manejo de morcegos devem ser precedidos de autorização de órgãos ambientais. Além disso, essas ações somente podem ser executadas por profissionais habilitados e cadastrados no Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (Brasil, 2016). Um plano de ação eficiente para o controle das populações de quirópteros nos ambientes urbanos requer, segundo Pacheco e colaboradores (2010): 11 • Levantamento das espécies e número de indivíduos; • Monitoramento dessas populações; • Incremento de estudos sobre a biologia, ecologia e comportamento (etologia) das espécies sinantrópicas; • Implementação de Centro de Estudos e Anilhamento de Morcegos (CEAM), para a compreensão das dinâmicas populacionais; • Estudos epidemiológicos para a melhor compreensão morcego-homem; • Elaboração de programas de educação ambiental e em saúde, para orientação da população sobre a relevância ecológica dos morcegos, bem como desmistificar da ideia do "morcego meramente transmissor de doenças", ao mesmo tempo, trazer informações relevantes para a prevenção de zoonoses transmitidas por esses animais; • Atuação em conjunto com as Secretaria de Obras e demais órgãos responsáveis pela normatização das edificações e planejamento urbano, de modo a reduzir dois dos fatores de crescimento populacional desses animais nas áreas urbanas: abrigo e alimento; • Construção de abrigos artificiais, objetivando estudos científicos, turismo, educação ambiental, avaliando o convívio dos morcegos em relação à população humana, sem causar danos ao meio ambiente; • Incentivo do uso de espécies vegetais fornecedoras de alimento para morcegos fitófagos nos planos de recuperação de áreas degradadas em locais distantes dos centros urbanos; • Campanhas eficientes de vacinação animal. A expectativa é que, com o aumento de informações, exista maior suporte aos programas de controle das zoonoses transmitidas pelos quirópteros nos ambientes urbanos. TEMA 5 – ARTRÓPODES VETORES DE DOENÇAS Antes de abordarmos os principais artrópodes vetores de zoonoses propriamente ditos, precisamos revisar o conceito de vetor. Para a Parasitologia, vetor é o veículo capaz de transmitir o parasito entre hospedeiros. O vetor pode ser fômite (ou inanimado), mecânico (quando está envolvido apenas com o transporte do parasito) ou biológico, quando está envolvido no ciclo de vida do parasito, além da sua transmissão para o hospedeiro definitivo. 12 O controle dos vetores é precedido de sua captura e identificação, bem como definição da área de abrangência do vetor, sendo essa a área prioritária e alvo para a aplicação das medidas de controle vetorial. Na Tabela 1, você poderá verificar quais são os principais vetores de infecções com grande relevância epidemiológica no Brasil (Aedes aegypti, Anopheles, Lutzomyia, triatomíneos, carrapatos e pulgas), em qual ciclo parasitário, determinado vetor está envolvido, quais suas principais características, medidas de identificação espécie e área-alvo, bem como medidas de controle propostas no Manual de Vigilância, Prevenção e Controle de Zoonoses, do Ministério da Saúde (Brasil, 2016). 13 Tabela 1 – Identificação e medidas de controle dos principais artrópodes vetores de patógenos no Brasil Aedes aegypti Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle -dengue; - chikungunya; -zika; - febre amarela (urbano) - repasto sanguíneo das fêmeas e ovoposição crepuscular; - ovos depositados na superfície da água; - preferência por recipientes escuros ou sombreados - coleta e identificação de ovos, larvas e pupas requer visita domiciliar (equipe técnica capacitada) QUÍMICO: uso criterioso de inseticidas; MECÂNICO: manejo ambiental para eliminar vetor (ex. eliminar focos de água parada); BIOLÓGICO: predadores (peixes e invertebrados aquáticos) e patógenos (Bacillus thuringiensis israelenses) e insetos geneticamente modificados Anopheles Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle - malária - fêmeas hematófagas, mais ativas no início da noite; - procria-se em águas de baixo fluxo, profundas, límpidas e sombreadas, - estudos para verificar alterações do horário de atividade; - reconhecimento do território, composição e a caracterização das espécies ocorrentes como QUÍMICO: borrifação residual intradomiciliar; mosquiteiros impregnados com inseticidas de longa duração; nebulização espacial. MECÂNICO: drenagem, aterro ou modificação do fluxo de água (caso de 14 com pouco aporte de matéria orgânica e sais subsídio para a definição de áreas receptivas (onde a presença, a densidade e a longevidade do vetor tornam possível a transmissão autóctone). criadouros permanentes); limpeza da vegetação das margens; BIOLÓGICO: exige-se avaliação criteriosa para a utilização de biolarvicidas, acompanhado de intervenções de controle vetorial destinadas a mosquitos adultos. Lutzomyia Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle - leishmaniose visceral (LV ou calazar); - leishmaniose tegumentar (LT ou úlcera de Bauru) - fêmeas hematófagas crepuscular e noturna; - ovopositam em locais úmidos ricos em matéria orgânica em decomposição e protegidos da luz. - LV: investigação entomológica em áreas de surtos, com transmissão moderada e intensa; - LT: estudos bioecológicos das espécies vetoras. QUÍMICO: O controle químico (inseticidas de ação residual) é indicado em áreas com registro do primeiro caso autóctone de LV; no caso de LT – mais de um caso humano num período máximo de 6 meses ou ocorrência em crianças menores de 10 anos. MECÂNICO: forma preventiva de redução de criadouros. BIOLÓGICO: não há recomendações Triatomíneos 15 Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle - doença de Chagas - hemípteros hematófagos; - vivem em domicílios e peridomicílios, principalmente em residências precárias. - alimentos (açaí) - vigilância ativa – pesquisa programada;- vigilância passiva – notificação da presença dos insetos pelos moradores - vigilância do processamento do açaí (térmico) QUÍMICO: o uso de inseticidas piretroides de ação residual, aplicado no intra e peridomicílio, é recomendado apenas em situações específicas. MECÂNICO: tratamento térmico do açaí BIOLÓGICO: não há recomendações. Carrapato (Amblyomma cajennense) Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle - febre maculosa - doença de Lyme - aracnídeo hematófago; - larvas conhecidas por micuins; - adultos conhecidos por carrapato- estrela; - verificar a presença da população de vetores estabelecida; - verificar presença de condições naturais favoráveis para o estabelecimento da população. - objetivo de manter níveis mínimos de infestação; QUÍMICO: recomendado em caso de surtos de febre maculosa, em áreas superpovoadas (decisão conjunta entre diferentes esferas e de acordo com a legislação ambiental vigente), ou infestações intradomiciliares. Obs: é recomendado o controle periódico com 16 carrapaticidas em animais domésticos e de produção. MECÂNICO: manutenção de vegetação rasteira. BIOLÓGICO: não há recomendações. pulgas Ciclo biológico envolvido Características Identificação da espécie e da área- alvo Controle - peste bubônica; - tifo - inseto sifonáptero hematófago com preferência parasitária em roedores. - ações de vigilância devem ser constantes nas áreas focais (de 3 em 3 anos), o que requer a captura e exame das pulgas. QUÍMICO: uso de inseticidas (carbamatos) associada a desratização (quando for o caso de pulgas contaminadas) MECÂNICO E BIOLÓGICO: não há recomendações. Fonte: Forgati, 2021. Lembrando que, além das medidas de controle químico, mecânico e biológico propostas, devem ser implantadas medidas de educação em saúde continuadas voltadas para a prevenção da doença de transmissão vetorial alvo, para que a própria população seja ativa no controle das zoonoses. NA PRÁTICA Gostaria de propor algumas questões para revisar todo o conteúdo visto ao longo dessa aula sobre animais sinantrópicos. • Qual a definição de animais sinantrópicos? • Quais são as principais espécies sinantrópicas dos ambientes urbanos? • Quais os fatores envolvidos no estabelecimento de diferentes espécies nos ambientes urbanos? 17 • O que garante o sucesso na ocupação dos ambientes urbanos por espécies originalmente silvestres? • Qual é a maior problemática relacionada aos animais de companhia? • Quais as principais zoonoses transmitidas pelos animais sinantrópicos vistos ao longo desta aula? • Quais medidas são comuns a todas as espécies sinantrópicas vistas ao longo da nossa aula? FINALIZANDO Nessa aula conhecemos alguns dos animais sinantrópicos, ou seja, que vivem em proximidade com o ser humano, e que podem ser vetores de inúmeras zoonoses. Dentre os animais vistos nesta aula, aqueles que o ser humano traz voluntariamente para sua residência são os animais de companhia, especialmente cães e gatos. Esses animais participam do ciclo de inúmeros patógenos e precisam de consultas periódicas com um médico veterinário para controle parasitário e regularização das vacinas, sendo o problema maior envolvido com os animais errantes e semidomiciliados. Pombos e algumas espécies de roedores (R. norvergicus, R. rattus e M. musculus) são bastante adaptados aos ambientes urbanos, principalmente devido à grande disponibilidade de alimento e de locais para abrigo. Os quirópteros fitófagos e insetívoros, principalmente, vêm sofrendo um processo de sinantropização, devido à expansão urbana e agrícola. Muitos artrópodes atuam como vetor mecânico ou biológico de patógenos causadores de zoonoses. Nesta aula, vimos que cada espécie possui suas particularidades em relação aos mecanismos de controle, que devem seguir protocolos baseados em evidências científicas e que respeitem a legislação ambiental vigente, principalmente no que se diz respeito ao uso de inseticidas. Com isso, além de se obter sucesso no controle vetorial, evitam-se a seleção de linhagens resistentes, a exposição desnecessária da população a compostos potencialmente tóxicos e a contaminação ambiental. Embora todas as espécies sinantrópicas estudadas nesta aula tenham suas particularidades, algo que é comum na maioria dos casos é a maior proliferação de animais nas áreas urbanizadas, como consequência da 18 ocupação humana de forma desordenada, o que desafia a nossa capacidade de apresentar soluções a tempo de conter o avanço dessas espécies. 19 REFERÊNCIAS ACHA, P. N.; SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 3. ed. Washington: OPAS, 2001. ANDRADE, V.; ROSSI, G. A. 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