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1 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA EMPRESTADA Arthur Huais Salemi1 Eduardo Conceição do Nascimento2 Elenice Almeida da Silva3 Erica Bissaco4 Herica Barbosa Oliveira5 Jessica Pereira dos Santos6 Luís Fernando Alexandrino Corrêa7 Jorge Luis Neves Esteves8 Carlos Barbará9 SUMÁRIO: 1. Aspectos históricos da interceptação telefônica no Brasil 1.1 Conceito de interceptação telefônica 1.2. Requisitos legais para a captação de comunicação telefônica 2. A prova emprestada na lei 9.296/96 4. Considerações Finais RESUMO A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, inciso XII, autorizou a interceptação das comunicações telefônicas, desde que fossem preenchidos alguns requisitos como a ordem judicial, uma lei que regulamentasse seu uso e que fosse destinada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Dessa forma, o artigo 5º, inciso XII da carta magna, passou a ser regulamentado pela lei 9.296/96, que trouxe a possibilidade, nos casos de investigação criminal e durante instrução processual penal, da violação das comunicações telefônicas legitimando o seu uso como meio de prova. Ocorre que em muitos casos, no transcorrer de uma investigação criminal, surgem materiais referentes a outros procedimentos investigatórios, processos ou feitos da esfera administrativa e cível. O presente artigo, será desenvolvido através de uma pesquisa exploratória, utilizando-se de bibliografia baseada em livros, artigos, sites e revistas jurídicas, sendo os textos, elaborados a partir de conclusões tiradas dessas leituras. Este estudo realizado, irá demonstrar quais são as hipóteses onde são permitidas o uso dessa prova que foi obtida através de uma interceptação telefônica para ser utilizada em outros campos do direito como o administrativo. O objetivo principal, é fazer uma análise sobre o uso da interceptação telefônica como meio de prova emprestada no processo, onde para uma melhor compreensão, destacaremos conceitos que irão esclarecer o seu uso sempre observando sua legalidade, visto que visam entre outras finalidades formar a opinião do julgador acerca da existência ou inexistência de determinado fato criminoso. Palavras – chave: Interceptação Telefônica. Prova Emprestada. Investigação Criminal. Processo. ABSTRACT The Federal Constitution of 1988 in Art. 5, section XII, authorizing the interception of telephone communications, provided that certain requirements were met as a court order, a law that would regulate its use and it was intended for purposes of criminal investigation or legal discovery 1 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 2 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 3 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 4 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 5 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 6 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 7 Discente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 8 Docente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. 9 Docente do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. Pesquisa e Ação V2 N3: Outubro de 2016 ISSN 2317-3793 Edição Especial - Curso de Direito – 50 anos 2 criminal. Thus, Article 5, paragraph XII of the Magna Carta, is now regulated by Law 9,296 / 96, brought the possibility, in cases of criminal investigation and during criminal procedural, the violation of telephone communications legitimizing its use as a means proof. It turns out that in many cases, in the course of a criminal investigation, there are materials related to other investigative procedures, processes or made administrative and civil courts. This article will be developed through an exploratory research using books based bibliography, articles, websites and legal journals, and texts, drawn from conclusions drawn from these readings. This study will demonstrate what are the assumptions which are allowed to use this evidence that was obtained through telephone interception to be used in other fields of law such as administrative. The main objective is to make an analysis of the use of telephone interception as a means of borrowed proof in the process, which for better understanding, highlight concepts that will clarify their use always watching their legality, as aimed among other purposes form the opinion the judge about the existence or absence of a particular criminal act. Key - words: Telephone Interception. Proof borrowing. Criminal investigation. Process. INTRODUÇÃO O presente artigo científico, tem como principal finalidade, abordar a questão da interceptação telefônica como meio de prova emprestada, as divergências em torno do assunto bem como sua utilidade em outros processos, seja também criminal, civil ou administrativo. Diante da realidade social brasileira contaminada pelo alto índice de criminalidade e, visto que estamos desprovidos de uma estrutura político- administrativa que tenha o real interesse em investir na solução de problemas de base que podem gerar efeitos positivos em médio a longo prazo, qual seja um investimento com seriedade na educação infantil, juvenil, adulta, investimentos na cultura, família, etc, estamos presenciando uma situação caótica onde as estatísticas criminais crescem a cada dia, crimes violentos, mortais, endossados por uma corrupção desenfreada que assombra quase toda estrutura dos poderes legislativos, executivos e judiciário nacional. Essa triste realidade social produtora de criminosos, já que não combatida em sua gênese precisa ter uma resposta do direito penal, daí a importância de um processo penal que assegure uma produção de provas totalmente calcada pela legalidade que visa fornecer ao Estado juiz material suficiente para que ele possa aplicar o direito material e resolver os conflitos criados principalmente pela falta de interesse político. A interceptação telefônica como meio de prova emprestada, prestigia a celeridade e a eficiência no processo penal, de forma a utilizar uma prova produzida anteriormente em processo criminal, agora como meio de prova 3 documental em um novo processo, desde que observados a legalidade e a moralidade em tal procedimento. O presente estudo, será tratado sob a perspectiva da lei 9.296 de 24 de julho de 1996, onde abordaremos os aspectos históricos da legislação no Brasil, ou seja, desde a Constituição Federal de 1969 até o presente momento, conceituando a interceptação telefônica, os requisitos legais para sua realização, bem como o cabimento da prova emprestada, que é o objeto de nosso trabalho. O presente artigo, irá tratar da interceptação telefônica sob a perspectiva da lei 9.296 de 24 de julho de 1996, bem como seus aspectos históricos, requisitos necessários para sua captação, assim como as possibilidades ou não de seu uso na forma de prova emprestada em um outro processo, civil, administrativo ou criminal. 1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA NO BRASIL A Constituição Federal de 1969 em seu capítulo IV, tratava dos direitos e garantias fundamentais, dispondo em seu artigo 153, § 9º: Art. 153 (...) § 9º - É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas”, deixando claro não haver previsão de qualquer exceção a inviolabilidade das comunicações telefônicas. Porém, havia a lei 4.117 de 27 de Agosto de 1962, anterior a constituição de 1969 e que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações onde em seu artigo 57, inciso II, letra “e” estabelecia: Art. 57 Não constitui violação de telecomunicação: II – O conhecimento dado: e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. Por esse motivo, um grande debate se formou em torno da discussão sobre a constitucionalidade doartigo 57 da lei 4.117/62 que permitia a interceptação telefônica. FERNANDES, GRINOVER e GOMES comentam: “Em rumoroso caso judicial, ocorrido em São Paulo, foi discutida pelo tribunal de Justiça a conduta de juiz que, a pedido da autoridade policial, havia autorizado interceptação telefônica, com fundamento no código de Telecomunicações. Após parecer de Damásio de Jesus, favorável a ordem judiciária, a representação foi arquivada, considerando-se lícita à ordem de interceptação (Repres. 006.336/87 TJSP). Ademais, em decisão do STF, que determinou o 4 desentranhamento dos autos, do resultado de interceptação telefônica por ilicitamente realizada, o Min. Aldir Passarinho fez alusão aos mencionados dispositivos do Código de Telecomunicações como possivelmente adequados para legitimar as escutas em caso de crimes particularmente graves, como os de extorsão mediante sequestro” 10 Com o advento da Constituição Federal de 1988 começou uma nova discussão em torno da interceptação telefônica, tendo em vista o artigo 5º, inciso XII da carta magna autorizar a quebra do sigilo telefônico nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Para uma corrente, o Código de Telecomunicações poderia continuar a ser usado, já para outra havia a necessidade da criação de uma lei específica. Nesse sentido a jurisprudência: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROVA ILICITA: "DEGRAVAÇÃO" DE ESCUTAS TELEFONICAS. C.F., ART. 5., XII. LEI N. 4.117, DE 1962, ART. 57, II, E, "HABEAS CORPUS": EXAME DA PROVA. I. - O SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS PODERA SER QUEBRADO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL (C.F., ART. 5., XII). INEXISTÊNCIA DA LEI QUE TORNARA VIAVEL A QUEBRA DO SIGILO, DADO QUE O INCISO XII DO ART. 5. NÃO RECEPCIONOU O ART. 57, II, E, DA LEI 4.117, DE 1962, A DIZER QUE NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÃO O CONHECIMENTO DADO AO JUIZ COMPETENTE, MEDIANTE REQUISIÇÃO OU INTIMAÇÃO DESTE. E QUE A CONSTITUIÇÃO, NO INCISO XII DO ART. 5., SUBORDINA A RESSALVA A UMA ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA ESTABELECIDA EM LEI. II. - NO CASO, A SENTENÇA OU O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO SE BASEIA APENAS NA "DEGRAVAÇÃO" DAS ESCUTAS TELEFONICAS, NÃO SENDO POSSIVEL, EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", DESCER AO EXAME DA PROVA. III. - H.C. INDEFERIDO.11 Assim sendo, a lei 9.296/96, veio para disciplinar o artigo 5º, inciso XII, preenchendo uma lacuna que havia a algum tempo na lei. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII, autorizou a interceptação das comunicações telefônicas nos seguintes termos: Art. 5º (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 10 FERNANDES, Antonio Scarance; GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. p. 178 11 Supremo Tribunal Federal. Rel. Min. Sepulveda Pertence. HC: 69912 RS. DJ 26.11.1993 5 Assim, a Constituição Federal 1988, passou a autorizar a interceptação telefônica desde que fossem preenchidos três requisitos quais sejam, a ordem judicial, uma lei que regulamentasse a interceptação telefônica e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Apesar de ser previsto na Constituição Federal, a interceptação telefônica ainda não poderia ter sua aplicabilidade imediata pois segundo o próprio dispositivo constitucional, ainda dependeria de uma lei que a regulamentasse. Para GOMES, “Essa urgência de lei regulamentadora acentuou-se ainda mais quando o STF e o STJ passaram a considerar ilícitas todas essas interceptações realizadas com fundamento nessa norma genérica do Código Brasileiro de Telecomunicações. De acordo com o STF e o STJ, o art. 57, II, e, da Lei 4.117/1962 não foi recepcionado pela Constituição Vigente, sendo necessária, assim, a elaboração de lei regulamentadora das formas, limites e hipóteses de cabimento das interceptações.”12 Em 24 de julho de 1996 as interceptações telefônicas foram regulamentadas através da lei 9.296 sendo publicada em 25 de julho do mesmo ano, cumprindo um requisito constitucional exigido para as interceptações. O artigo 5º, inciso XII ao ser regulamentado pela lei 9.296/96, trouxe a possibilidade, nos casos de investigação criminal e durante instrução processual penal, de violação das comunicações telefônicas passando a legitimar seu uso como meio de prova. “No entanto, a lei 9.296/96 somente tratou das chamadas “interceptações telefônicas, deixando, infelizmente, a descoberto, toda uma gama de situações que implicavam gravações de comunicações e conversas, as quais são correntes e podem servir amplamente no interesse da apuração de fatos muitas vezes de suma gravidade.”13 A lei por exemplo não fala de gravação clandestina, escuta ambiental ou gravação ambiental, ainda assim, se faz necessário entender alguns desses conceitos, como veremos a seguir. 12 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. p. 20 13 CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Interceptação Telefônica. p. 29 6 1.2 CONCEITO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Interceptação telefônica, é quando um terceiro mediante ordem judicial, realiza a captação de conversa telefônica sem o consentimento de seus interlocutores. Apenas a interceptação telefônica é amparada pelo artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal, regulada pela lei 9.296/96, ficando a captação ambiental de sinais eletrodo magnéticos, ópticos ou acústicos regulamentadas na lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. Fora dessas hipóteses, qualquer forma de capitação ambiental ou interceptação telefônica, são proibidas. “Interceptação telefônica (ou interceptação em sentido estrito): consiste na captação de comunicação telefônica por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores. Essa é a interceptação em sentido estrito (ou seja, um terceiro intervém na comunicação alheia, sem o consentimento dos comunicadores).14 Para uma melhor compreensão do conceito de interceptação telefônica, vamos definir outras situações como a escuta telefônica, gravação telefônica, interceptação ambiental, escuta ambiental e gravação ambiental. A escuta telefônica, consiste na captação de comunicação telefônica por um terceiro, porém com o consentimento de um de seus comunicadores. Como se pode notar, existe uma pequena diferença entre “escuta telefônica” e “interceptação telefônica”, onde na primeira existe o consentimento de um dos comunicadores na gravação da conversa e no segundo, a gravação é realizada sem que seus interlocutores tenham conhecimento. A gravação telefônica que também é conhecida pelo nome de “gravação clandestina”, acontece quando um de seus interlocutores realiza a captação de conversa telefônica, sem o consentimento do outro. “Gravação telefônica ou gravação clandestina: é a gravação da comunicação telefônica por um dos comunicadores, ou seja, trata-se de uma gravação da própria comunicação. Normalmente é feita sem o conhecimento do outro comunicador, daí falar-se em gravação clandestina.15 Na interceptação ambiental, temos um terceiro realizando a captação de conversa ambiente, sem o consentimento de seus interlocutores. 14 Ibidem. p. 24 15 Ibidem. p. 25 7 Já na escuta ambiental, um terceiro também realiza a captação de conversa ambiente, porém, desta vez com o consentimento de apenas um de seus interlocutores. Por fim, a gravação ambiental ou “gravação clandestina”, acontece quandoum de seus interlocutores realiza a gravação de uma conversa ambiente sem que o outro tenha conhecimento. Nesse mesmo sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “TRÁFICO DE INFLUÊNCIA (ARTIGO 332 DO CÓDIGO PENAL). GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA ENTRE O PACIENTE, ADVOGADO, E SUA CLIENTE EFETUADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. SIGILO VIOLADO. ILICITUDE DA PROVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. 1. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. 2. A escuta é a captação de conversa telefônica feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores, ao passo que a gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o consentimento ou a ciência do outro”.16 Existe ainda, a interceptação ambiental que segundo AVOLIO, “é a captação de conversa entre presentes feita por terceiro dentro do ambiente em que se situam os interlocutores, mas sem o conhecimento destes. Por outro lado, a escuta ambiental é entendida como a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiros, feita com o conhecimento de alguns, ou pelo menos um, dos interlocutores”.17 Corroborando com o já exposto, a gravação ambiental na visão de GOMES, “é a captação no ambiente da comunicação feita por um dos comunicadores (ex: gravador, câmeras ocultas etc.). Também denominada gravação clandestina”.18 Portando, entende-se que somente a interceptação telefônica é abrangida pela lei 9.296/96 ficando as demais hipóteses, fora de seu regime jurídico. 1.3 REQUISITOS LEGAIS PARA A CAPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA 16 Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, Habeas Corpus n. 161.053/SP DJe 03.12.2012 17 NASCIMENTO, Ariel José Guimarães. Interceptação das comunicações telefônicas como mecanismo de investigação criminal. Apud AVOLIO, Luiz Fernando Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. p. 99 18 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. p. 25 8 A lei 9.296/96, traz alguns requisitos em seus artigos 1º e 2º que são exigidos para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, sendo eles divididos em: ordem do juiz competente da ação principal, indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, crime punido com reclusão, que não exista outro meio de produzir a prova e que sirva para instruir a investigação policial ou processo criminal. Dos requisitos, a ordem do juiz é o primeiro que deve ser observado para a quebra do sigilo telefônico, estando previsto no artigo 1º da lei 9.296/96, que dispõe que a interceptação de comunicações telefônicas “... dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.”. O artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988, exige a ordem judicial na quebra do sigilo telefônico, já a lei 9.296/96 em seu artigo 1º exige que tal ordem seja dada pelo juiz competente da ação principal. Conforme exposto, não é qualquer juiz que está apto a autorizar a interceptação telefônica e sim aquele que tem competência para julgar a ação principal. Desta forma, o Ministério Público ou a Autoridade Policial não pode fazer uso da interceptação telefônica sem que o juiz que estiver a frente do processo a autorize. Nesse sentido a jurisprudência: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ARTS. 299, PARÁGRAFO ÚNICO, E 319 DO CÓDIGO PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PRO JUÍZO INCOMPETENTE. NULIDADE CONFIGURADA. I - O juiz competente para a ação principal é quem deve autorizar ou não a interceptação das comunicações telefônicas. (Precedente) II - In casu, declarada a competência do e. Tribunal a quo para processar e julgar o feito, devem ser desentranhadas dos autos as provas decorrentes da quebra de sigilo telefônico determinada por Juízo incompetente. Ordem concedida, para anular a decisão que determinou a interceptação telefônica do ora paciente, determinando o desentranhamento da prova nula, sem prejuízo das demais provas constantes do inquérito.”19 19 Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fisher, Habeas Corpus n. 161.053/SP DJe 23.08.2005 9 O segundo requisito legal, trata-se de haver indício razoáveis de autoria ou participação em crime punido com reclusão, e está previsto no artigo 2º, inciso I da lei 9.296/96. Nestes termos, GOMES exemplifica: “Cabe observar, desde logo, que a lei não se contentou com a mera “possibilidade” de autoria ou participação, ou seja, com a mera “suspeita”. Não basta que a autoria seja possível; urge que seja provável. Tanto á assim que a lei requer “indícios razoáveis da autoria ou participação” (art. 2º, I). E para que tais indícios apareçam, normalmente já existe uma investigação criminal em curso ou um processo em andamento.”20 Indícios razoáveis de autoria, trata-se da conhecida expressão chamada de fumus boni iuris ou fumaça do bom direito onde se faz necessário a prova da existência de um crime ou indícios suficientes de autoria. Acrescentamos que o juiz competente pode autorizar a interceptação telefônica mesmo que antes da instauração do inquérito policial, visto que de acordo com a jurisprudência de nossos tribunais superiores, o artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal bem como o artigo 1º da lei 9.296/96 trazem o termo “investigação criminal”, e esta tem início antes mesmo da instauração do inquérito policial. Nesse sentido a jurisprudência: “RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÃO DA MEDIDA. POSSIBILIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O SUCESSO DAS INVESTIGAÇÕES. PRAZO DA INTERCEPTAÇÃO. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO PELO JUIZ SINGULAR. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. MEDIDAS QUE NÃO ULTRAPASSARAM O PRAZO LEGAL DE QUINZE DIAS. PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE AÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE. DEMAIS NULIDADES. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO PELA CORTE REGIONAL. QUESTÕES SUSCITADAS NO WRIT ORIGINÁRIO. OMISSÃO CARACTERIZADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. 1. Não há constrangimento ilegal no deferimento da monitoração telefônica do recorrente, quando verificado que restou devidamente demonstrado que a única possibilidade de êxito das investigações seria por meio da medida de interceptação telefônica, a qual traria elementos para um melhor dimensionamento dos fatos ilícitos e uma delimitação mais segura acerca da autoria delitiva. 2. No caso dos autos, verifica-se que o pedido formulado pela autoridade policial delimitou o fato a ser inicialmente investigado, a linha de trabalho traçada, os indícios veementes de autoria e materialidade e o objetivo das quebras de sigilo telefônico requeridas, demonstrando, assim, a essencialidade da medida para o sucesso e 20 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. p. 96 10 a continuidade das investigações. Ainda, constata-se que o pedido também demonstrou, ante a complexidade dos fatos em apuração, a impossibilidade de realização da prova e de investigação dos fatos por meios diversos do postulado. Da mesma forma, verifica-se a dificuldade de se apurar mais especificamente quem seriam os outros policiais rodoviários federais supostamente envolvidos nos ilícitos. Por fim, constata-se que as infrações penais apuradas são punidas com reclusão.”21 Temos ainda como requisito para quebra do sigilo telefônico, que os crimes a ser investigados através desse meio tenham previstos como pena a de “reclusão”, pois devemos interpretar a contrario sensuo artigo 2º, inciso III da lei 9.296/96 diz: Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: (...) III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. “Assim, embora o art. 2º, I, utilize a expressão “infração penal”, é certo que o âmbito de admissibilidade da interceptação telefônica é restrito apenas às infrações com pena de reclusão. Não é qualquer infração penal que a autoriza. Em princípio, apenas e exclusivamente a punida com “reclusão. No jogo do bicho, por exemplo, sendo contravenção, não é possível a interceptação. ”22 Desta forma, em crimes que tem definido como pena a detenção bem como as contravenções penais, não se admite a interceptação telefônica. Se, por exemplo, uma pessoa se utilizar-se do telefone para ameaçar alguém, não será permitida a interceptação dessas conversas, pois o crime de ameaça em nosso código penal é punido com pena de detenção. Outro requisito é o da subsidiariedade que significa dizer que a interceptação telefônica somente poderá autorizada se a prova não puder ser obtida por outro meio, como por exemplo busca e apreensão. É o que prevê o artigo 2º, inciso II da lei 9.296/96: Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: (...) II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; 21 Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti, Habeas Corpus n. 37209 BA DJe 21.11.2013 22 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. p. 106 11 Em outras palavras, a interceptação é meio de prova subsidiário, ou seja, deve ser o único meio possível de se obter a prova. Trata-se do requisito do “periculun in mora”, pois só é possível a interceptação quando a prova não puder ser obtida de nenhuma outra forma somente podendo ser realizada se houver há o risco de se perder a oportunidade probatória. Desta forma, entende GOMES, “Quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, significa que há a possibilidade de se alcançar o mesmo resultado com outros meios probatórios”.23 Para finalizar, conforme previsto no artigo 1º da lei 9.296/96, a interceptação telefônica só será possível na esfera penal, ou seja, deve servir para instruir uma investigação policial ou processo criminal. Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. 2. A PROVA EMPRESTADA NA LEI 9.296/96 Conforme visto anteriormente, a lei 9.296/96, da mesma forma que a Constituição Federal, restringiu o uso da interceptação telefônica unicamente para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vamos verificar se, a partir do momento em que houve a quebra do sigilo telefônico, as provas obtidas para tais fins podem ser utilizadas em outro processo (administrativo, civil) que não criminal, os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais quanto a possibilidade do o empréstimo dessa prova. Nesse sentido, alguns doutrinadores entendem que a prova obtida por meio de interceptação telefônica apenas pode ser utilizada no processo penal no qual a mesma foi autorizada judicialmente e produzida, ou seja, não admite que seja utilizada como prova emprestada em outros processos sejam ou não criminais. 23 Ibidem p. 99 12 CERNICCHIARO diz que “a prova colhida conforme o procedimento mencionado só pode ser utilizada na hipótese mencionada no requerimento de autorização judicial. Ou seja, imprestável para outro inquérito ou outro processo”24 Esse entendimento é baseado principalmente no fato de que o direito a intimidade trata-se de um direito fundamental e só pode ser violado nas hipóteses permitidas pela nossa lei maior, além disso o artigo primeiro da lei 9.296/96 prevê o segredo de justiça na interceptação telefônica demostrando a incompatibilidade com a prova emprestada nesses casos. Luiz Flávio Gomes desaprova o uso da interceptação telefônica como meio de prova emprestada em processo não criminais ponderando que em nome do direito á intimidade que é constitucionalmente protegido o próprio legislador determinou que a interceptação telefônica seja judicialmente autorizada para fins criminais, sendo assim, admitir que seja utilizada a prova emprestada em processos civis e administrativos seria uma forma de violação indireta dessa regra. “O legislador constitucional, ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal), já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito a intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo.”25 Por outro lado, alguns doutrinadores mantém posicionamento diverso, como é o caso do renomado jurista Guilherme de Souza Nucci, o qual afirma que o direito á intimidade, que não é um direito absoluto, já foi licitamente violado quando de sua autorização judicial e produção da prova através da interceptação telefônica no processo penal: NUCCI, entende que “se a interceptação telefônica realizou-se com autorização judicial, para fins de investigação ou processo criminal, violou-se a intimidade dos interlocutores de maneira lícita. Ora, tornando-se de conhecimento de terceiros o teor da conversa e podendo produzir efeito concreto na órbita penal, é natural que possa haver o empréstimo da prova para fins civis ou administrativos.”26 24 CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Interceptação Telefônica. p. 58 Apud CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Lei 9.296/96 – interceptação telefônica, Boletim IBCCrim 25 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. p. 63 26 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 351 13 Dessa forma, de acordo com alguns doutrinadores, não há qualquer óbice, ou seja, o direito á intimidade foi antes legalmente violado razão pela qual não existe problema em utilizar a prova produzida no processo penal como prova emprestada em processos não criminais. Diante das controvérsias, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal que mesmo diante da limitação imposta pelo o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal e do artigo 1º da lei 9.296/96, admitiu a utilização da prova emprestada obtida através da interceptação telefônica em processos administrativos disciplinares desde que tal processo seja contra a mesma pessoa que figure como parte no processo penal, conforme a seguinte jurisprudência: “PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos.27 Essa mesma corrente de doutrinadores, entende também que se a partes doprocesso de origem forem as mesmas do processo para onde foram transferidos os materiais probatórios decorrentes da interceptação telefônica, estão preenchidos os requisitos necessários para a validade da prova, pois obedecido o princípio do contraditório. Nos ensinamentos de JUNIOR, “para que seja admissível a prova emprestada no processo civil a doutrina exige que a parte contra quem vai ser produzida tenha efetivamente participado do processo penal de onde adveio a prova a ser emprestada. Caso contrário, em atenção ao princípio do contraditório, a parte terá de ratificar a prova no juízo civil. Mas de qualquer sorte, admite-se a prova emprestada, como regra, do processo penal para o processo civil, dadas a unidade de jurisdição e a teoria geral da prova.”28 Apesar de todas as divergências trazidas, entendemos que, é possível sim, desde que, respeitados o contraditório, a ampla defesa e o devido 27 Supremo Tribunal Federal. Rel. Min. Cesar Peluzo. Inq-QO: 2424 RJ. DJ 25.04.2007 28 CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Interceptação Telefônica. p. 59 Apud JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na Constituição Federal. p. 140. 14 processo legal, utilizar nos processos civis bem como nos administrativos disciplinares as provas colhidas em um procedimento penal, e com elas inclusive aplicar uma punição ou absolver um servidor público submetido a tal procedimento. Devemos destacar a importância do Estado juiz analisar o caso concreto e observar se o instituto da prova emprestada não está sendo utilizado de forma maliciosa, ou seja, o magistrado deve observar se o processo penal não está sendo deflagrado com intenção única de “usar” posterior interceptação telefônica como prova emprestada em processos não criminais. Portanto, não há óbice para que a interceptação telefônica seja utilizada como prova emprestada em processos não criminais desde o juiz analise o caso concreto e que sejam observados todos os requisitos constitucionais e legais, especialmente, ser judicialmente autorizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e contemplar o princípio do devido processo legal e da ampla defesa, devendo a parte contra quem se quer produzir a prova emprestada ser também parte no processo criminal em que foi realizada a interceptação telefônica originariamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve a finalidade de ser mais um instrumento no estudo e conhecimento dos temas acerca da lei 9.296 de 24 de julho de 1996 visto sua complexidade e importância e ainda diante do contexto social de criminalidade que vivemos tendo em vista o descaso político que desencadeia na necessidade de grandes intervenções do Estado Juiz através do processo penal. Neste sentido, foi procurado, além de passar pela parte histórica da interceptação telefônica no Brasil, elencar alguns aspectos relevantes, como seus requisitos constitucionais e legais necessários para sua captação. Vimos as indagações segundo as quais verificam a possibilidade de se, a partir do momento em que houve a quebra do sigilo telefônico, as provas obtidas para tais fins podem ser utilizadas em outro processo não criminal, ou seja, administrativo ou civil, a esse respeito relacionamos os posicionamentos 15 doutrinários e jurisprudenciais favoráveis e contrários ao empréstimo dessa prova. Desta forma chegamos à conclusão que diante das divergências apresentadas com relação a possibilidade de utilização ou não da interceptação telefônica produzida legalmente em processo penal como prova emprestada em processos civis ou administrativos, temos de um lado doutrinadores que sustentam sua inadmissibilidade e de outro os que admitem sua utilização diante da observância e preenchimento dos requisitos constitucionais e legais. Concluímos destacando que o estudo realizado serviu para demonstrar que a prova emprestada, quando totalmente acobertada pela constitucionalidade e legalidade traz ao sistema jurídico brasileiro vários benefícios, entre eles a economia e celeridade processual bem como possibilita ao julgador ter em mãos mais um mecanismo que o auxilia na solução das lides. REFERÊNCIAS CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. 2. Ed. São Paulo. Saraiva. 2011. FERNANDES, Antonio Scarance; GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2001. GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. 3. Ed. São Paulo. RT. 2014 NASCIMENTO, Ariel José Guimarães. Interceptação das comunicações telefônicas como mecanismo de investigação criminal. Disponível em Acesso em 24 de Abril de 2015 NUCCI, Guilherme de Souza. Manua de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rio de janeiro. Forense. 2014