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AULA 07 – O FECHAMENTO DO REGIME SOB COSTA E SILVA A ascensão de Costa e Silva No contexto de sucessão de Castelo Branco, a figura de Costa e Silva emergia como um homem forte, capaz de garantir a ordem e o alinhamento ideológico anticomunista desejado pelas elites e pelos setores mais conservadores do país. Costa e Silva foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional em 1966. Sua eleição evidenciava o desejo dos militares de manter o controle sobre o poder político de maneira mais profunda e alongada no tempo, não se restringindo a uma intervenção pontual na cena nacional como desejava a linha castelista das Forças Armadas. Ao assumir a presidência em 15 de março de 1967, Costa e Silva herdou um país marcado por desafios econômicos e por uma sociedade civil que começava a se organizar contra o regime autoritário. Ao contrário de seu antecessor, que preferiu uma abordagem mais burocrática e menos pública, Costa e Silva adotou uma postura mais assertiva e visível, o que definiu o tom de seu governo desde o início. Poder-se-ia caracterizar seu mandato como um todo como um de repressão e de endurecimento do regime militar. Nas próximas seções, exploraremos a Doutrina de Segurança Nacional que permeou a política de Costa e Silva, o surgimento da luta armada e a resposta do governo através dos grupos paramilitares, culminando na promulgação do AI-5, um ato que viria a ser um dos mais repressivos do período militar no Brasil. A doutrina de Segurança Nacional Conceituação e origens da doutrina A Doutrina de Segurança Nacional, que se tornou a pedra angular da política durante o regime militar brasileiro, tinha suas raízes nos conceitos de guerra fria e na influência direta das políticas anticomunistas dos Estados Unidos. Essa doutrina era baseada na percepção de que o Estado deveria ter um papel ativo na proteção da nação contra inimigos internos, com uma ênfase particular à agitação subversiva comunista e às influências externas de regimes de mesmo perfil ideológico. Os militares brasileiros absorveram as ideias de segurança nacional e as adaptaram à realidade política e social do Brasil. Essa doutrina enfatizava a necessidade de um desenvolvimento integrado — político, econômico, psicossocial e militar — para garantir a estabilidade e a soberania nacional. Sob o governo Costa e Silva, a Doutrina de Segurança Nacional foi implementada por meio de uma série de medidas que buscavam combater o que era visto como uma ameaça comunista. Isso se traduziu em uma justificativa para a supressão de liberdades civis, a censura da imprensa e a perseguição a grupos políticos e indivíduos considerados subversivos. A adoção da Doutrina de Segurança Nacional teve consequências profundas para a política interna do Brasil. Ela serviu como base para o endurecimento do regime e para a expansão dos poderes do governo em detrimento dos direitos individuais. Com a segurança nacional como prioridade máxima, a oposição ao governo era vista como ameaça e tratada como tal, o que levou a um aumento significativo da repressão estatal. Essa repressão atingiu seu ápice com o Ato Institucional Número 5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro de 1968, após uma série de eventos que incluíram manifestações estudantis e o surgimento da luta armada contra o regime. A oposição ao regime Movimentos Estudantis e a Passeata dos Cem Mil Os estudantes desempenharam um papel vital na oposição ao regime. Em 1968, o movimento estudantil ganhou força e protagonismo com a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro. Essa manifestação pacífica, que contou com a participação de estudantes, intelectuais, artistas e outros membros da sociedade civil, foi um marco na luta contra a ditadura e um dos maiores protestos do período. A brutalidade policial contra os manifestantes, especialmente o assassinato do estudante Edson Luís, ampliou o descontentamento popular e a simpatia pela causa defendida pelos estudantes. A Imprensa e a Censura Apesar do controle rígido, a imprensa também encontrou maneiras de expressar oposição. Jornalistas e redatores habilidosos utilizavam de linguagens codificadas e metáforas para criticar o regime e informar sobre os acontecimentos censurados. Publicações alternativas e clandestinas circulavam fora dos canais oficiais, e o jornalismo investigativo se esforçava para trazer à luz as injustiças e a repressão patrocinadas pelo Estado. O início da guerrilha paramilitar Outra parcela, mais radical, de oposição ao regime decidiu tomar medidas mais enérgicas e escolheram formas de resistência que incluíam a guerrilha urbana e a luta armada nos rincões do país. A escolha por essas ações violentas foi motivada pela crença de que a ditadura militar só poderia ser confrontada por meio de ações diretas e mais drásticas. Surgiram, então, diversos grupos de guerrilha que buscavam inspiração em revoluções socialistas bem-sucedidas, como a cubana. Estes grupos, compostos por estudantes, intelectuais e trabalhadores realizavam ações que iam desde assaltos a bancos, sequestros de personalidades importantes – muitas vezes para negociar a liberação de prisioneiros políticos – até atentados contra as forças de segurança do Estado. Entre os grupos que se destacaram nesse período, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Comando de Libertação Nacional (Colina) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram alguns dos mais ativos. Cada um desses grupos tinha sua ideologia própria, seus métodos e objetivos específicos, mas todos compartilhavam o desejo comum de derrubar o regime militar e instaurar um governo comunista no Brasil. Esses grupos conduziram algumas das mais notórias operações da resistência, incluindo o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969, realizado pelo MR-8 em conjunto com a ALN, que resultou na libertação de quinze prisioneiros políticos. A repressão do Estado aos paramilitares Em resposta à luta armada, o governo Costa e Silva intensificou a repressão. Foram estabelecidos órgãos de inteligência e segurança, como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e a Operação Bandeirante (OBAN), que mais tarde daria origem ao DOI-CODI. Essas organizações tinham carta branca para atuar na detecção, captura e eliminação dos opositores do regime, utilizando-se frequentemente de tortura e outras formas de violência. Além disso, surgiram grupos paramilitares, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que eram compostos por civis e militares que agiam à margem da lei, frequentemente com a conivência ou o apoio tácito de elementos dentro do governo. Esses grupos contribuíram para o clima de terror que se instaurou no período, cometendo atentados e assassinatos contra pessoas marcadas como subversivas. O confronto entre os grupos de resistência e os aparatos de segurança do Estado, com a contribuição dos paramilitares, criou um ambiente de medo e incerteza, que precipitou a tomada de medidas ainda mais severas pelo governo, culminando na promulgação do AI- 5, que se tornaria o instrumento legal mais repressivo da ditadura militar. O Ato Institucional nº 5 A promulgação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, representa um dos momentos mais sombrios da história brasileira recente. O contexto que levou a esse ato foi marcado por uma série de eventos políticos, como a crescente oposição ao regime militar, manifestações estudantis, e a resposta dura do governo a qualquer forma de dissidência. O assassinato do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto em uma manifestação no Rio de Janeiro e a subsequente Passeata dos Cem Mil, uma das maiores manifestações públicas contra o regime militar, somada às ações de guerrilheiros inflamaram o ambiente político e social. Além disso, o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que criticavaas Forças Armadas, foi o estopim que levou à cassação de seus direitos políticos e ao fechamento do Congresso Nacional. O AI-5 foi a resposta do governo a esse ambiente de contestação, dando ao presidente poderes quase absolutos. Com ele, Costa e Silva poderia fechar o Congresso Nacional, intervir nos estados e municípios, suspender direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos e cassar mandatos eletivos. Além disso, o ato suspendeu garantias constitucionais, o que efetivamente eliminou habeas corpus para crimes políticos. Ato Institucional nº5 ● Poder de fechar o Congresso Nacional e as Assembleias estaduais e municipais; ● Direito de cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e Executivo dos níveis federal/estadual e municipal; ● Direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos cidadãos; ● Direito de demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários das burocracias federal, estadual e municipal; ● Direito de demitir ou remover juízes e suspensão das garantias ao Judiciário de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; ● Poder de decretar estado de sítio sem os impedimentos constitucionais; ● Direito de confiscar bens como punição por corrupção; ● Suspensão da garantia de habeas corpus em todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; ● Estabelecia o julgamento de crimes políticos por tribunais militares; ● Direito de legislar por decreto e baixar outros atos institucionais complementares; ● Proibição de apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do AI-5; ● O Ato permaneceria em vigor até que o Presidente o revogasse. Segundo Maria Helena Moreira Alves, de 1968 até 1979, ano de sua revogação, o AI-5 serviu para a punição de 1607 pessoas. Entre os processados estavam burocratas, militares, políticos, professores, advogados, arquitetos, engenheiros e membros do judiciário! Estendendo os expurgos aos militares, o governo pôde controlar a dissensão interna e eliminar os principais focos de oposição dentro das próprias forças armadas. Somando o número de casos de punição dados a público em nome dos atos institucionais número 1, 2 e 5 aos casos conhecidos de prisão, suspensão e outras medidas disciplinares, 6592 membros das Forças Armadas sofreram alguma forma de coerção direta por suas crenças e opiniões democráticas que divergiam das políticas dos governos de Segurança Nacional. (...) A consequência mais grave do Ato Institucional terá sido talvez que abriu caminho para a descontrolada utilização do Aparato Repressivo do Estado de Segurança Nacional. Crucialmente importantes a este respeito foram as restrições impostas ao Judiciário e a abolição do habeas corpus para crimes políticos. Podiam-se efetuar prisões sem acusação formal e sem mandado. (...) isso impedia advogados e outros que defendiam os presos políticos de aplicar as garantias legais. Não podiam assim evitar sérios abusos de poder e a tortura de presos políticos. Por outro lado, a ausência de um prazo de vigência ao ato significava que os poderes extraordinários haviam se tornado ordinários. O Estado de Segurança Nacional estava totalmente centralizado e isolado; o Estado corporificava-se no Executivo e a ele se circunscrevia. O Ato Institucional Nº 5 deu origem a um Leviatã que o General Golbery do Couto e Silva antecipara em seus textos dos anos 50, um Estado hobbesiano que absorvia todo o poder. (Grifo nosso). 4 Expurgos políticos (Parlamentares, prefeitos e governadores cassados)5 Ramo do Governo 1964-1967 Castelo Branco 1967-1970 Costa e Silva e Junta Militar 1970-1974 Médici 1974-1979 Geisel Total Congresso Nacional 76 105 0 8 189 Assembleias estaduais 100 178 10 2 290 4 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Rio de Janeiro: Vozes, 1987, p. 134-135. 5 Retirado de Alves, op. cit., p. 134. Câmaras Municipais 11 36 0 2 49 Governadores 10 0 0 0 10 Prefeitos 27 30 0 0 57 Total 224 349 10 12 595 Punições a militares – AI-1, AI-2, AI-5 (1964-1980) Setor das Forças Armadas Expulsos ou demitidos Transferidos para a reserva Total Exército 123 337 460 Marinha 228 451 679 Aeronáutica 314 182 496 Fuzileiros Navais 52 26 78 Polícia Militar 62 30 92 Total de Militares Punidos 1805 Para além das consequências apontadas por Alves, o AI-5 foi, ainda, decisivo para o incremento das atividades armadas de grupos à esquerda, na medida em que reforçava suas convicções de que somente a luta poderia retirar os militares do poder. A partir de 1969, as atividades ilegais dos grupos “revolucionários” se multiplicaram. Doença de Costa e Silva e a Sucessão Presidencial Em agosto de 1969, o presidente Arthur da Costa e Silva sofreu um derrame cerebral que o deixou incapacitado para exercer suas funções presidenciais. Este evento súbito e inesperado desencadeou uma crise política, uma vez que o vice-presidente, Pedro Aleixo, era um civil e não era aceito por todos dentro do governo militar porque se opunha às medidas repressivas defendidas pela linha-dura das Forças Armadas. Diante da incapacidade de Costa e Silva e da resistência à posse de Pedro Aleixo, uma junta militar assumiu o controle do país. Composta pelo ministro da Marinha, Augusto Rademaker; pelo ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares; e pelo ministro da Aeronáutica, Márcio de Sousa Melo, a junta governou o Brasil por um breve período. Esta foi uma época de grande incerteza, na qual a legalidade constitucional estava em aberto. A decisão sobre quem assumiria a presidência após Costa e Silva foi tomada dentro das forças militares. O Alto Comando das Forças Armadas decidiu que a escolha deveria recair sobre uma figura que continuasse a política da linha-dura. Emílio Garrastazu Médici, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), foi o escolhido. Ele foi apontado como sucessor ainda durante a gestão da junta militar e assumiu a presidência após eleição indireta pelo Congresso Nacional, que estava sob controle dos militares e da ARENA. A transição para o governo Médici marcou a continuação da repressão e do autoritarismo no Brasil. Médici, frequentemente visto como o mais linha-dura dos presidentes militares, presidiu durante o chamado "milagre econômico", período de crescimento econômico que, no entanto, não se traduziu em melhorias sociais para a população. A repressão política, já intensa sob Costa e Silva, se agravou ainda mais sob Médici. A doença e subsequente afastamento de Costa e Silva demonstraram a fragilidade institucional do regime militar, bem como as tensões internas entre as diferentes facções das Forças Armadas. A escolha de Médici como sucessor enfatizou a preferência da ala mais repressiva do regime militar e definiu o curso do Brasil para os anos seguintes, caracterizados por um crescimento econômico acompanhado de uma repressão política ainda mais severa e sistemática. Esta sucessão presidencial é um ponto-chave na história do regime militar no Brasil, pois ilustra a natureza autoritária do governo e o modo como o poder era negociado e mantido dentro dos círculos militares, à margem dos processos democráticos. A compreensão deste período é essencial para o estudo do impacto da ditadura no desenvolvimento político e social do Brasil contemporâneo.