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ÉTICA CRISTÃ AULA 2 Prof. Roberto Rohregger 2 CONVERSA INICIAL Normalmente, julgamos os outros pelas suas ações e a nós mesmos pelas nossas intenções. Viver de forma ética requer responsabilidade, temos que compreender que devo ser responsável pelos meus atos. A ética faz parte da vida, da práxis das pessoas. Interpõe-se entre a necessidade de agir, o que é próprio de todo ser vivo, e a nossa natureza racional. E encravada nela há sentimento de bondade, de beleza, de verdade. Por mais que o ser humano se perverta não consegue apagar totalmente a luz de bem que se irradia no seu ser (Libanio, 2015, p. 54). Dessa forma, apenas se tivermos a disposição de tornarmos nossos atos éticos uma prática, isto é, estar inserido no dia a dia de forma vivencial, é que ela pode tornar-se um valor pessoal. A ética é uma disciplina, e também uma reflexão, assim deve ser estudada, compreendida, para ser efetivamente praticada. Nesta aula, vamos aprofundar o entendimento sobre os fundamentos da ética. Para isso, é importante o entendimento do que vem a ser a ética, compreender o significado do termo e a importância desse assunto. Dessa forma, veremos a definição de ética e moral, e o valor da ética. Veremos ainda o valor da tradição, do senso comum com relação as questões éticas e morais, e a importância da reflexão lógica para a elaboração e fundamentação de declarações éticas. Assim, teremos um panorama mais amplos sobre a ética de forma geral e da ética cristão fundamentada nas escrituras de forma mais específica. TEMA 1 – DEFINIÇÃO DE TERMOS A ética é objeto de estudo desde a mais remota antiguidade. Os filósofos gregos se debruçaram para compreender a forma de bem viver e as implicações que a ética trazia para cada indivíduo e para a sociedade. A origem do termo ética vem do grego ethos, que se pode traduzir por "costume", “hábito” ou "disposição". Os gregos logo compreenderam que a compreensão sobre a ética deve ser vivenciada, e que o proceder ético é vital para o desenvolvimento saudável da comunidade. A ética surge da reflexão filosófica, e a filosofia tem seu berço na Antiga Grécia. Vários filósofos refletiram sobre a ética, Sócrates, Platão e outros antes 3 deles já se debruçavam na discussão sobre questões éticas e seus dilemas. Mas o primeiro filósofo a classificar a ética como uma disciplina filosófica foi Aristóteles. Segundo sua concepção, os saberes se dividiam em teóricos ou científicos, poiéticos e práticos, sendo este último o que busca investigar o que devemos fazer, como devemos agir, qual decisão é a mais conveniente, ou seja orienta para que se tenha uma vida justa e boa (Candiotto, 2010, p. 14). A ética inicia-se de forma natural, em decorrência das atividades e interações humanas. No decorrer da história se aprimora, aborda mais temas e se amplia, segundo Azpitarte, o ser humano é ético em decorrência da sua natureza: O ser humano é obrigado a ser ético por sua própria natureza, à qual inevitavelmente ele deve imprimir uma orientação em função do sentido que quiser dar a sua existência. Nascemos sem estar prontos; por outro lado, a moral não é senão o estilo de vida que cada um escolhe, em coerência com seu projeto próprio (Azpitarte, 1995, p. 11). Dessa forma, precisamos refletir sobre a forma como as pessoas agem, sobre o seu comportamento, necessitamos de normas que possam orientar nossas decisões e ações (Kung, 2003, p. 54). Assim, a ética é inerente ao ser humano, em decorrência do encontro com o outro, que exige uma ação, e uma limitação. Com relação à ética cristã, isso também ocorre, porém mediada pela normatização cristã, isto é, por aquilo que, a partir dos ensinos das Sagradas Escrituras se compreende sobre àquilo que Cristo ensinou. Enquanto a ética considera o que é moralmente certo ou errado, a ética cristã considera o que é moralmente certo ou errado para os cristãos. [...] Deus não limitou sua revelação às Escrituras; ele também se revelou, de forma geral, através da natureza (Rm 1.19-20; 2.12-14). Deve-se, assim, esperar que existam semelhanças e justaposições entre a revelação natural e a sobrenatural de Deus visto que seu caráter moral não muda (Geisler, 2010, p. 15). Devemos compreender que existe muitas semelhanças entre os conceitos relacionados a ética cristã e uma ética praticada pela sociedade de forma geral, porém existem diferenças também. Algumas posições éticas cristãs podem não serem consideradas como normativas, isto é, como uma norma válida para a sociedade em geral. TEMA 2 – O VALOR DA ÉTICA A ética é uma construção social. Dessa forma, não podemos nos esquecer de que há outras pessoas vivendo conosco, que têm seus desejos, anseios e 4 por isso têm objetivos próprios e para serem alcançados, inclusive o de se realizar como pessoa, de interagem e terem direitos a ser respeitados, assim como deveres a cumprir. Vivemos em uma sociedade extremamente complexa, mediada boa parte por redes sociais e onde o progresso da tecnologia e da ciência trazem regularmente novidades que muitas das vezes implicam em novas perspectivas sobre os conceitos éticos que já estavam estruturados. A humanidade está a entrar por senda perigosa. Mede a ação pela régua da factibilidade tecnológica. E esta pelo lucro de algum grande empório. Fazer tornar-se, então, fácil. Medir as consequências da ação escapa às previsões. As histórias de crianças conhecem cenas em que a fada comunica a uma pessoa a arte de iniciar e parar um processo de produzir água ou outra coisa. Acontece que um intruso percebe só o segredo de começar a aventura e põe-se a executar a tarefa que não sabe concluir. E daí a catástrofe. A sabedoria dessas histórias vale para muitas das experiências cientificas. Cientistas geniais conseguiram a fissura do átomo e agora ninguém sabe o que pode acontecer e o que fazer com o excesso de bombas atômicas estocadas (Libanio, 2015). Como podemos perceber, a ética tem uma importância extremamente alta, pois a reflexão sobre as ações humanas deve procurar antever os dilemas que podem ser enfrentadas no futuro. Somente por meio dessa reflexão ética é que se pode gerar sabedoria visando evitar que as ações humanas na atualidade impliquem em sacrifícios para as gerações futuras. A sociedade contemporânea, de forma geral está inserida em um relativismo ético no qual o conceito de certo e errado está muito atrelado no ponto de vista particular do indivíduo, o que pode causar conflitos que muitas vezes é postergado com a afirmação que cada um tem a sua verdade. Porém, em uma sociedade em que cada um tem a sua verdade, a verdade de fato deixa de existir. O valor da ética está em possibilitar a convivência entre indivíduos e com as suas particularidades. A ética para o cristão deve de máxima importância, pois a mensagem de Cristo também é uma mensagem ética. TEMA 3 – OS CONCEITOS ÉTICOS E A TRADIÇÃO Todo indivíduo herda os conceitos éticos da família em que nasce, e posteriormente do meio em que vive. Esses aprendizados, principalmente no âmbito familiar, ficam profundamente marcados no sujeito, pois é no relacionamento familiar, no pequeno mundo que nos prepara para o grande mundo, que iremos aprender como devemos agir com as outras pessoas. A família tem o papel de iniciar a criança, a partir do seu nível de compreensão no 5 mundo da ética. Muitas vezes passamos a vida sem questionar ou refletir se estes conceitos são bons ou não. A tradição tem um papel fundamental e importantíssimo na construção da ética individual e social. Quer os cristãos gostem ou não, eles existem dentro do contexto do mundo. A situação é que o Cristianismo existe na terra, que os cristãos vivenciam no mundo a fé, que a comunidade cristã é uma entre muitas comunidades, e que influencia e é influenciada pela sociedadeem geral. Os aspectos da sociedade mais ampla, como a economia ou a política, são parte do mundo do cristão. Não há vida cristã à parte da vida neste mundo (Johns; White, 2001, p. 311). A tradição em uma comunidade não implica que seja ética, muitas vezes ações são repetidas e mantidas apenas por ser desta forma por gerações. Compreender o contexto em que se está inserido é extremamente importante para avaliar o posicionamento ético de uma comunidade. A ética cristã tem na tradição uma fonte de orientação uma vez que o próprio Cristo seguiu a tradição oral da comunidade Judaica, porém opondo-se aquelas que distorciam as Escrituras, ou seja, Cristo questionou a tradição judaica quando esta estava em desacordo com as Escrituras, por mais que a intenção fosse apresentar uma interpretação dos escritos sagrados. TEMA 4 – OS CONCEITOS ÉTICOS E O SENSO COMUM Podemos definir senso comum como um conhecimento aceito de forma empírica, isto é, por observações, constatações e vivências que acabaram sendo absorvidas por um grupo de pessoas ou pela sociedade de forma geral e que não dependeram de constatações científicas. Segundo o dicionário Aurélio, senso comum é um “conjunto de opiniões tão geralmente aceitas em época determinada que opiniões contrárias parecem aberrações individuais” (Ferreira, 1995). Trata-se de um saber comum, sem necessidade de muitas explicações e também sem muita reflexão sobre suas fundamentações. Apesar de que o senso comum normalmente é hereditário, isto é, é transmitido de geração em geração, ele pode perder o seu caráter orientativo quando começa a ser questionado ou, não se percebe mais a sua validade para a vida das pessoas, dessa forma o senso comum sobre alguma questão pode mudar ou até desaparecer. Não é simplesmente por ser senso comum que a posição ética ou a declaração sobre alguma questão esteja errada. Muitas afirmações que são senso comum podem ser resultado de experiências antigas que se demonstraram eficientes, porém falta-lhe o caráter científico ou filosófico. 6 Da mesma forma uma opinião pode ser compartilhada por uma comunidade por muitas gerações e estar errada, e o erro sendo perpetuado por muito tempo. O senso comum pode ser um parâmetro para se iniciar uma investigação científica ou filosófica/ética sobre determinado tema para que, sendo correta seja melhor fundamentada ou se concluindo estar errada poder ser descartada também com fundamentos críticos. Segundo Libanio, Várias atitudes básicas vedam-nos a capacidade de julgamento. O fanatismo religioso, o fundamentalismo e a doutrinação ameaçam-nos de diversos lados. O mundo da política serve de palco para renhidas disputas. E nele as eleições elevam a temperatura. Com efeito, assediam as campanhas eleitorais traiçoeiras jugadas (Libanio, 2015, p. 33). Assim, muito do que é proclamado é a partir do senso comum que pode também ser construído nestes ambientes que formam o indivíduo. O senso comum é algo quase que “natural” ao ser humano, isto é, nossa aprendizagem se dá em comunidade que assume determinadas posturas como corretas e ao crescermos nesta comunidade assimilamos estes valores sem um senso crítico e, por vezes, aqueles que questionam são vistos como pessoas que não estão ajustados ao convívio comum, ou ao convívio com o grupo. Quebrar o sendo comum não é uma tarefa fácil, exige a capacidade de avaliação das ações que esta realidade impõe, e muitas vezes o conceito está arraigado na sociedade de tal forma que se pode levar gerações para que haja alguma mudança significativa. TEMA 5 – OS CONCEITOS ÉTICOS E A LÓGICA A reflexão racional exerce um papel fundamental na elaboração de conceitos éticos. As investigações filosóficas forneceram uma ampla base para que o ser humano pudesse avaliar suas posições morais, bem como avaliar corretamente as formas como se decide os dilemas éticos. Do grego logos, que significa “palavra”, “discurso”, mas também “pensamento”. Embora durante o desenvolvimento da lógica tenham surgido numerosas definições (às vezes bem diferente entre si e com vários graus de adequação no que diz respeito aos objetos e aso fins que lhe são próprios) a Logica pode ser definida, com boa aproximação, como a disciplina que privilegia o estudo de conjuntos coerentes de enunciados (Abbagnano, 2012, p. 722). Assim, a lógica auxilia na formulação de conceitos éticos, e é necessária para que o enunciado ético tenha sentido e fundamento no seu todo. No decorrer 7 da história, várias correntes éticas foram elaboradas, muitas vezes entrando em discordância uma com as outras. A crença verdadeira é uma condição necessária para o conhecimento. Todavia, a crença verdadeira é suficiente para o conhecimento? De forma alguma. A razão par isso é quem alguém pode acreditar em cosias que são verdadeiras, embora não tenha nenhuma justificativa para isso, ou garantia, para semelhantes crenças. Pode ser que a crença de alguém seja verdadeira por mero acidente (Moreland; Craig, 2005, p. 100). A lógica contribui para a ética possibilitando que a reflexão da mesma avance e que possa confirmar conceitos que por vezes estavam no nível do sendo comum, ou como já explanamos, possa ser desconstruído demonstrando sua incoerência. A ética não pode ficar no nível do sentimento, da opinião pessoal. A pluralidade das sociedades é um desafio para o racionalismo, que deve promover a definição racional das normas éticas. A lógica fundamenta esses princípios. NA PRÁTICA Relembramos que apenas se tivermos a disposição de tornarmos nossos atos éticos uma prática é que ele pode tornar-se um valor pessoal. Transformar a ética em atos práticos da vida é algo que exige disciplina e convicção. Muitas vezes agir deforma ética implica assumir algumas perdas, pelo menos vista pelo aspecto geral da sociedade. Fazer algo que é certo deve ser um compromisso pessoal, isto é, não faço o que é certo apenas quando estou sendo observado, mas mesmo quando não há ninguém por perto, ou quando não haveria nenhuma forma de ser flagrado em um ato errado. Um fenômeno interessante para verificarmos o nível ético de nossa sociedade é a quantidade de câmeras que mercados e lojas dispõem. Com a simpática frase “Sorria, você está sendo filmado” tenta-se passar uma mensagem final que de qualquer forma é “não roube, eu estou de olho em você!”. De qualquer forma, se as câmaras, que exigem um valor significativo, estão ali decorre de que o custo da sua instalação compensa em virtude dos furtos que o mercado sofreu ou sofreria. O compromisso ético deveria implicar que mesmo não havendo nenhuma câmera para vigiar, nenhum funcionário para observar as ações dos clientes, não deveria haver furtos, pois aqueles produtos expostos não me pertencem, isto é, mesmo que não houvesse nenhum sistema de segurança, nenhuma câmera, deve-se agir de forma ética e não se apropriar 8 de algo que não lhe pertence. Porém, será que alguma loja estaria disposta a desligar seu sistema de segurança por um dia inteiro, confiando que não haveria furtos? Isto nos leva a uma questão fundamental, como vivemos a ética no nosso dia a dia? Sempre reclamamos da corrupção em nosso país, mas muitas vezes somos capazes de molhar a mão de um guarda para nos livrar da multa, damos um jeitinho na declaração do imposto de renda para não pagar imposto, usamos e abusamos da pirataria, que outros exemplos? Mentiras, subterfúgios etc. A ética deve fazer parte do nosso dia a dia, se não sou capaz de agir de forma ética em pequenas situações do dia a dia é bem provável que estando em uma posição da qual teria facilidade de desviar algum dinheiro, faria isto. FINALIZANDO Nesta aula, vimos conceitos extremamente importantes para compreendermos melhor o que é a ética. Aprendemos que a ética tem uma grande importância para o desenvolvimento da sociedade, eque há inúmeros fatores que influenciam a forma como elaboramos e vivemos a ética. A tradição, o senso comum e a lógica são alguns destes fatores que contribuem, as vezes sem sequer percebermos, para formar nossos conceitos. Verificamos ainda que a ética deve ser reflexiva, e parte do nosso dia a dia, e que é nos pequenos atos que se percebe nosso compromisso com o viver ético. Assim, nossos estudos apontaram que a ética deve ser vivida como um valor pessoal no dia a dia, e que como cristãos ela tem um papel ainda mais importante na nossa forma de agir e viver. 9 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2012. AZPITARTE, E. L. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995. CANDIOTTO, C. Ética: definições, modelos e perspectivas. Curitiba: Champagnat, 2010. FERREIRA, A. B. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Folha de São Paulo, 1995. GEISLER, N. L. Ética Cristã: opções e questões contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2010. JOHNS, C. B.; WHITE, V. W. A ética de Ser: Caráter, Comunidade, Praxis. In: PALMER, M. D. (Org.). Panorama do pensamento cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. KUNG, H. Projeto de ética mundial. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2003. LIBANIO, J. B. A ética do cotidiano. São Paulo: Paulinas, 2015. MORELAND, J. P.; GRAIG, W. L. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005.