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10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 1/53 Objetivos Módulo 1 A Sociolinguística Variacionista Descrever o objeto e o objetivo da Sociolinguística Variacionista. Acessar módulo Módulo 2 O surgimento da Sociolinguística Reconhecer o contexto teórico do surgimento da Sociolinguística Variacionista. A Sociolinguística Prof. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro Descrição Descrição do objeto, objetivo e contexto teórico da Sociolinguística Variacionista, apresentando seus conceitos básicos e o preconceito linguístico. Propósito Adotar uma atitude científica baseada na ausência de preconceito e na análise sistemática de dados empíricos diante da variação linguística a fim de permitir uma abordagem adequada nos estudos linguísticos. Buscar Baixar conteúdo em PDF Vídeos Menu 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 2/53 Acessar módulo Módulo 3 Conceitos teóricos variacionistas Identificar os conceitos de variedade, variável, variante e condicionador. Acessar módulo Módulo 4 Variedades linguísticas e preconceito linguístico Relacionar variedades linguísticas e preconceito linguístico. Acessar módulo Introdução Se você já se surpreendeu com o sotaque de moradores de outro estado, entrou em uma briga feroz na internet em torno das palavras biscoito e bolacha ou fez cara de ponto de interrogação diante de alguma expressão usada por um familiar mais velho, então você já teve a oportunidade de constatar uma obviedade: pessoas diferentes falam de formas diferentes. Se você já tentou ler um livro do século XVI (digamos, Os Lusíadas) com o texto original, um poema do século XIV (como aquelas cantigas trovadorescas que estudamos na escola) ou mesmo um jornal do início do século XX, já teve a oportunidade 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 3/53 de constatar uma segunda obviedade: as línguas mudam com o tempo. O que você talvez não saiba é que esses dois fenômenos — chamados tecnicamente de variação linguística e de mudança linguística — são parte fundamental e inevitável de qualquer língua humana. Tão fundamental e tão inevitável que existe toda uma área da Linguística dedicada unicamente a estudá-los. Essa área atende por quatro nomes: Sociolinguística Variacionista, Sociolinguística Laboviana, Sociolinguística Quantitativa, Sociolinguística da Variação e Mudança. Usaremos preferencialmente o primeiro nome, mas você pode escolher o rótulo de sua preferência. O importante é entender o funcionamento da teoria — e o que ela nos ensina sobre a diversidade linguística e o preconceito. Então, mãos à obra! 1 A Sociolinguística Variacionista Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de descrever o objeto e o objetivo da Sociolinguística Variacionista. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 4/53 Fundamentos da Sociolinguística Premissa Uma boa maneira de começarmos a conhecer a Sociolinguística Variacionista é examinando a constituição interna da palavra sociolinguística. Como você pode notar, esse termo resulta da combinação de dois elementos: a palavra linguística e o radical sócio, que significa social (por exemplo, um problema socioeconômico é um problema simultaneamente social e econômico). Essa observação nos dá a primeira pista: a Sociolinguística Variacionista investiga a relação entre linguagem e sociedade. Esse é um bom começo, porque nos permite diferenciar a Sociolinguística Variacionista de campos como: Psicolinguística Investiga a relação entre linguagem e mente. Neurolinguística Estuda a relação entre linguagem e cérebro. A verdade é que muitas outras áreas também se debruçam sobre a relação linguagem-sociedade e, consequentemente, localizam-se em uma zona de interseção entre a Linguística e as Ciências Sociais. Por 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 5/53 isso, precisamos ser um pouco mais específicos e fazer a seguinte pergunta: O que a Sociolinguística Variacionista estuda que as demais áreas interessadas no binômio linguagem- sociedade não estudam? A Sociolinguística Variacionista tem como objeto de estudo específico os fenômenos intimamente relacionados da variação linguística e da mudança linguística. Mas, convenhamos, essa resposta não ajuda muito se não formos capazes de definir, com precisão, os seus dois conceitos- chave: variação linguística e mudança linguística. Variação linguística X Mudança linguística Variação linguística é o fenômeno segundo o qual duas ou mais formas diferentes apresentam o mesmo significado referencial. Em outras palavras, dizemos que duas formas estão em variação quando elas podem ser usadas para dizer a mesma coisa. As palavras mexerica e bergamota, embora sejam formas distintas, referem-se ao mesmo alimento; logo, dizemos que se encontram em variação. Da mesma maneira, as pronúncias “escrever” e “escrevê” denotam exatamente a mesma ação (o ato de produzir um texto escrito); logo, trata-se, mais uma vez, de formas em variação. Por que falamos em significado referencial, em vez de dizer, simplesmente, significado? Resposta Há um bom motivo. Ocorre que, na opinião de muitos linguistas, duas formas diferentes nunca terão exatamente o mesmo significado. Por exemplo, as palavras fezes e merda se referem ao mesmo objeto (o excremento de humanos e animais), mas têm conotações claramente distintas: enquanto a primeira é mais técnica (e talvez dê um ar de autoridade a quem a emprega), a segunda é chula (e pode fazer seu usuário parecer uma pessoa grosseira). Por causa dessas diferenças, dizemos que fezes e merda não são sinônimos perfeitos. Apesar disso, esses termos são, sim, sinônimos referenciais, isto é, denotam a mesma 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 6/53 A variação pressupõe, portanto, coexistência entre duas (ou mais) formas que competem pela expressão de um significado. O que acontece se uma das formas em competição desaparecer da língua, encerrando assim a disputa? Nesse caso, não falamos mais em variação, e sim em mudança linguística. Considere, por exemplo, o caso dos pronomes você e Vossa Mercê no português brasileiro (PB). Segundo Lopes e Duarte (2003), por algum tempo, eles estiveram em variação (competiam pela expressão do significado: segunda pessoa do singular), mas, em algum momento do século XVIII, o você venceu a disputa: seu uso disparou, o de Vossa Mercê caiu a zero e, com isso, o sistema do PB se modificou. O que esse exemplo mostra é que mudança pressupõe variação: o desaparecimento de Vossa Mercê (mudança) só aconteceu após um período em que Vossa Mercê e você coexistiam, competindo pela expressão de um mesmo significado referencial (variação). O contrário, porém, não é verdadeiro: é possível que duas ou mais formas permaneçam indefinidamente em variação, sem que nunca uma delas ganhe a disputa — quando isso acontece, dizemos que se trata de variação estável, e não de mudança. entidade objetiva. E, como vimos, isso basta para serem considerados formas em variação. Resumindo Mudança pressupõe variação, mas variação não implica necessariamente mudança. Podemos então deixar estabelecido que o objeto de estudo da Sociolinguística Variacionista são os fenômenos da variação linguística e da mudança linguística. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 7/53 Mas, na prática, quando um sociolinguista está trabalhando na sua pesquisa, qual é a sua tarefa? O que ele se propõe a fazer? Certamente, o objetivo do pesquisador não será o de meramente constatar a existência de um caso de variação (“as formas aipimpois são sinais que correspondem de forma exata ao referente ou à realidade, possuindo semelhança física com o objeto. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 13/47 Parabéns! A alternativa A está correta. Alguns sinais ou signos são icônicos, ou seja, são denominados de ícones. O ícone é um sinal que tem semelhança com o objeto que ele representa, como ocorre no caso da imagem da caveira para representar perigo. Assim, o ícone ocorre quando o signo representa o objeto por semelhança de qualidades. 2 - Características da linguagem humana Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as características da linguagem humana. A linguagem humana As quatro características Das propriedades mais específicas que cooperam para que a linguagem humana seja flexível e versátil, há quatro características que frequentemente são apontadas: 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 14/47 Dualidade ou dupla articulação Arbitrariedade Independência de estímulo Produtividade Essas características tornam a linguagem, do ponto de vista linguístico, exclusiva dos seres humanos. Vamos conhecê-las! A dualidade Também chamada de dupla articulação. A partir do século XIX, os estudiosos da linguagem passaram a entender que a língua é articulada, constituindo-se em uma das características que a tornam diferente da forma de comunicação dos animais. O termo articulação vem do latim articulus, que tem tanto o sentido de “junta dos ossos” ou “nó das plantas” quanto o sentido de “ligação, conexão, relação das partes de um discurso; membro de uma frase” (SARAIVA, 2000). A articulação na linguagem refere-se ao fato de os enunciados poderem ser desmembrados em partes, já que surgem do resultado da união de elementos que podem ser encontrados em outros enunciados. Dito de outra forma, pronunciamos as palavras porque os sons que as compõem se combinam ou se articulam. Veja a sentença a seguir: Os atletas correram a maratona. Essa frase pode ser dividida em unidades menores, como: Os atletas 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 15/47 correram a maratona Para formar frases, o falante escolhe, entre os vocábulos que estão em sua mente, aqueles que em determinado contexto têm o efeito desejado, articulando-os de acordo com as regras da sentença naquela língua. Cada um dos vocábulos constitui um elemento autônomo, podendo aparecer em outras sentenças da língua, dependendo das necessidades do usuário. Continuando a análise da frase, cada um desses vocábulos resulta da união morfológica, ou seja, a sentença pode ser reduzida a unidades menores, como em: União morfológica A morfologia estuda a estrutura, a formação, a flexão e a articulação dos vocábulos. A união morfológica designa, então, a articulação entre as formas mínimas elementares da estrutura dos vocábulos, incluindo os radicais e os morfemas. O morfema é a menor unidade de funcionamento na composição (estrutura) da palavra ou do vocábulo, sendo, portanto, a unidade linguística mínima que possui significado (RIBEIRO, 2013). Plural os atletas Singular oø atletaø O símbolo ø é usado para indicar uma ausência ou uma forma nula, no caso, a ausência da consoante -s. Na Matemática, este mesmo símbolo é usado para representar o conjunto vazio. Perceba a oposição entre a presença do -s (em “os” e “atletas”) e a sua ausência (em “o” e “atleta”). Lembre-se de que o símbolo ø é usado para indicar uma ausência ou uma forma nula, no caso, a ausência da consoante -s, que gera uma diferença de valor no vocábulo, deixando de ter a marca de plural e indo para o singular. A conclusão à qual você deve chegar é que o -s é uma desinência de número usada para indicar o plural. Situação parecida acontece com a forma verbal “correram”. Vamos observar a seguir: Desinência Um morfema ou elemento final que indica as variações ou flexões de nomes (substantivos, adjetivos etc.) e verbos. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 16/47 Note que o -m indica que o verbo está na 3ª pessoa do plural; o -ra- é uma marca de pretérito; o -e- indica que se trata de um verbo da 2ª conjugação. Todos esses elementos, os chamados morfemas, dão sentido aos vocábulos ou à estrutura gramatical. Eles se identificam com radicais, vogais temáticas, prefixos, sufixos e outros elementos da estrutura gramatical. A frase pode ainda ser dividida em unidades menores: os fonemas. Essa divisão se relaciona com a base sonora das palavras, ou seja, são partes que compõem a estrutura fonológica do vocábulo e apresentam funções diferentes. Se fizermos a troca de um fonema por outro, teremos um outro vocábulo. Fonemas Segmento mínimo ou a menor unidade, no campo fônico (som), destituída de sentido, ou seja, não apresenta isoladamente um significado, um conceito ou uma ideia (RIBEIRO, 2013). Os fonemas não correspondem necessariamente às letras da grafia usual e são representados por letras entre barras. Também são considerados uma subdivisão da sílaba e são estudados pela fonologia (CÂMARA Jr., 1996). A palavra Maratona Os fonemas da palavra /m/, /a/, /r/, /a/, /t/, /o/, /n/, /a/ Assim, podemos entender que a linguagem verbal ou a língua é articulada, pois as sentenças são o resultado da união de elementos menores. A dupla articulação ou dualidade acontece porque as unidades mínimas se combinam ou se articulam em dois níveis: Morfemas correra/m corre/ø∅ corr/e 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 17/47 A primeira articulação, as combinações dos morfemas, dá significação ou sentido gramatical. Fonemas A segunda articulação, as relações combinatórias dos fonemas, tem apenas função distintiva. Qual a vantagem da dupla articulação? A grande vantagem da dupla articulação da linguagem é que ela permite uma melhor adaptação das línguas às necessidades da comunicação humana, facilitando o processo e diminuindo o esforço do falante. Essa economia fica clara quando vemos que a formação do masculino e do feminino se dá por meio de palavras diferentes, como em homem/mulher, boi/vaca e outros. Na maioria das vezes, o processo é mais econômico e utilizamos apenas uma mudança morfológica para flexionar, por exemplo, o número ou o gênero das palavras: cantor, cantora, cantores. A arbitrariedade Este conceito diz respeito à relação existente entre a forma e o significado, entre o sinal e a mensagem. A linguagem opera com elementos que buscam retratar a realidade. Vejamos alguns exemplos: A sequência de sons “cavalo” serve para representar o conceito que temos do animal. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 18/47 A série fônica “amor” representa um sentimento. Assim, a linguagem humana se vale de um processo de representação ou simbolização, mas esse processo é arbitrário, ou seja, não há nenhuma relação direta entre a sequência de sons e o seu significado, não há uma relação natural, por exemplo, entre o nome e o sentido que ele designa. Exemplo É arbitrário o fato de utilizarmos a palavra maçã para um referente que corresponde à fruta que você conhece e que todos nós podemos comer. Não há um motivo natural, uma relação de causa e efeito para chamarmos de maçã um determinado fruto. Prova disso é que utilizamos palavras diferentes em outros idiomas para fazermos referência ao mesmo fruto: em inglês, usa-se a palavra apple; em alemão, usa-se a palavra apfel; em francês, usa-se a palavra pomme, em espanhol, usa-se a palavra manzana. A arbitrariedade na língua é, assim, uma manifestação da referência simbólica que a língua faz à realidade. Os elementos dalinguagem não constituem a realidade em si, eles fazem referência à realidade, ou representam a realidade, por meio dos signos linguísticos. (DALLIER, 2015) A independência de estímulo A independência de estímulo na linguagem humana está relacionada ao fato de não haver conexão entre as palavras e as situações em que elas são utilizadas. Segundo Lyons (1987), não há uma previsibilidade de se dizer determinadas palavras em função da situação vivenciada pelo falante, assim como se prevê um comportamento habitual, a partir das próprias situações. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 19/47 Exemplo Você não pronuncia a palavra livro todas as vezes que vê ou folheia um livro. Por outro lado, é possível que essa palavra seja dita em situações nas quais as pessoas não estejam vendo ou folheando um livro. Da mesma forma, não é provável que, ao passar por inúmeras situações preocupantes, você pronuncie a palavra preocupado todas as vezes. A probabilidade de usar essa palavra não seria maior nessa situação do que a de utilizá-la em outro contexto. A independência de estímulo também tem a ver com a criatividade no uso da língua. De acordo com Lyons (1987), um enunciado que falamos em dada ocasião é, em princípio, não predizível, e não pode ser descrito apropriadamente, no sentido técnico desses termos (independência de estímulo e criatividade), como uma resposta a algum estímulo identi�cável, linguístico ou não linguístico. Assim, uma criança, quando está adquirindo a língua, não produz os enunciados apenas a partir dos estímulos externos que recebe. A produtividade A produtividade de um sistema linguístico possibilita a construção e a interpretação de novas frases ou novos textos. Assim, a partir de um número limitado de elementos, a linguagem nos mostra possibilidades infinitas de combinação. O conjunto limitado de letras ou de sons da língua portuguesa, por exemplo, permite a produção de uma infinidade de frases ou textos. Isso quer dizer que com apenas 26 letras do nosso alfabeto podemos escrever tudo o que quisermos ou imaginarmos. Assim, em função da produtividade, a linguagem não apresenta um limite definido, não exige a mera reprodução de mensagens previamente compartilhadas. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 20/47 Cada falante de uma língua pode fazer, e acabará fazendo, combinações únicas e, ainda assim, será compreendido, desde que a mensagem utilize o mesmo código que o receptor domina (BORBA, 1998). Lyons (1987) afirma que a produtividade linguística também se manifesta no fato de a criança, ainda muito cedo, produzir construções gramaticais que jamais ocorreram antes em sua experiência. Essas características da linguagem humana têm sido objeto de estudo de vários pesquisadores, principalmente a partir do estabelecimento da ciência da linguagem – a Linguística – no começo do século XX. Mais à frente, você conhecerá alguns estudos que antecedem o surgimento da Linguística para, depois, conferir como e por que ela surgiu. Características da linguagem Para saber mais sobre as características da linguagem, assista ao vídeo a seguir. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 21/47 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 22/47 Identifique as características ou propriedades que tornam a linguagem, do ponto de vista linguístico, exclusiva dos seres humanos. Parabéns! A alternativa C está correta. A linguagem humana se caracteriza por possuir dois níveis de estrutura que se combinam, o que é denominado de dualidade; também apresenta uma relação na motivada, arbitrária, entre o som e o sentido das palavras, o que é denominado arbitrariedade; além disso, a forma como respondemos por meio da língua a um determinado estímulo não é automática e previsível, o que é denominado independência de estímulo; por fim, a linguagem humana tem como característica a possibilidade de combinar e recombinar elementos, o que é chamado de produtividade. Questão 2 A combinação na língua entre unidades mínimas tanto por meio dos morfemas, que dão significação ou sentido gramatical, quanto por meio dos fonemas, que têm função distintiva, é uma característica da linguagem identificada com a A Dupla articulação, arbitrariedade, dependência de estímulo e improdutividade. B Flexibilidade, versatilidade, causalidade e dualidade. C Dualidade ou dupla articulação, arbitrariedade, independência de estímulo e produtividade. D Dualidade, arbitrariedade, previsibilidade e produtividade. E Interatividade, não arbitrariedade, dependência de estímulo e produtividade. A produtividade. B arbitrariedade. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 23/47 Parabéns! A alternativa D está correta. A dupla articulação ou dualidade acontece porque as unidades mínimas se combinam ou se articulam em dois níveis: o dos morfemas e o dos fonemas. A primeira articulação, as combinações dos morfemas, dá significação ou sentido gramatical. A segunda articulação, as relações combinatórias dos fonemas, tem apenas função distintiva. 3 - Os estudos pré-linguísticos Ao �nal deste módulo, você será capaz de distinguir os estudos da linguagem no período pré-linguístico. Estudos sobre a linguagem Antiguidade Os estudos sobre a linguagem tornaram-se cada vez mais importantes e abundantes nas últimas décadas. Embora o século XX tenha sido um marco para o estabelecimento de uma ciência da linguagem, é relevante conhecer alguns estudos realizados ao longo de muito tempo, remontando inclusive à Antiguidade Clássica. C independência de estímulo. D dupla articulação. E versatilidade. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 24/47 Antiguidade Clássica É um período bem abrangente da história da europa que se inicia com a poesia grega de Homero, aproximadamente no século VIII a.C., e se estende até a queda do Império Romano, no século V d.C. A Antiguidade Clássica, desse modo, compreende as civilizações grega e romana em um período de grande riqueza filosófica, literária e artística. Os primeiros estudos são denominados paralinguísticos, pois eram mais voltados às análises filosóficas e às abordagens da natureza biológica da linguagem, em vez de se limitarem a aspectos próprios da linguagem. Platão e Aristóteles são exemplos de pensadores que estudaram a linguagem privilegiando uma análise filosófica. Veja: Platão Filósofo grego que nasceu em Atenas por volta do ano 427 a.C. e morreu na mesma cidade em 347 a.C.. Ele entendia que a linguagem afastava o homem do mundo das ideias, o lugar da verdade, por isso toda fala deveria ser comprometida com a verdade. Platão foi, provavelmente, o primeiro a classificar as palavras em nomes e verbos (BRANDÃO, 1976). Aristóteles Filósofo grego, discípulo de Platão, nascido em Estagira, em 384 a.C., e falecido em Atenas, em 322 a.C. Compreendia a linguagem como suporte para reflexão filosófica e meio de manifestação de valores e crenças. Pela linguagem se deveria buscar a verdade (exigência de certezas) e descobrir de modo especulativo o que é adequado para persuadir em cada situação (BRANDÃO, 1976). Grécia Na Grécia, havia a ideia de explicar a relação entre o conceito e a palavra utilizada para designá-lo. Uma questão importante era: haveria alguma relação entre a palavra e seu significado? Também havia discussões sobre o processo de funcionamento das línguas. Vejamos, por exemplo, dois embates que ocorriam sobre essa discussão. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html#25/47 Naturalistas e convencionalistas Discutiam se o processo da língua era algo normal ou se ele obedecia a determinadas convenções estabelecidas pela sociedade. Analogistas e anomalistas Discutiam se os processos linguísticos seguem analogias, imitações ou se, por outro lado, são tão desorganizados que não obedecem a nenhum princípio. Ainda na Antiguidade Clássica, houve outra tradição de estudo da linguagem, dessa vez, preocupada em definir o certo e o errado no modelo utilizado pelas classes letradas, o que deu origem aos estudos gramaticais. Entre os gregos, Dionísio da Trácia (170 a.C. – 90 a.C.) organizou a primeira gramática sistemática do grego por volta do século II a.C. Nessa gramática, ele categorizou as classes de palavras em: Nome Verbo Particípio Artigo Pronome Preposição Advérbio 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 26/47 Ele também atribuiu certas categorias gramaticais a essas classes, que são: Tipo Primitivo e derivado. Forma Simples e composta Gênero Neutro, feminino e masculino Número Singular, plural e dual Caso Nominativo, acusativo, genitivo, dativo etc. Sobre a categoria caso, vale dizer que consiste em uma noção gramatical relacionada ao valor ou à função sintática que uma palavra possui na frase. O caso é representado por uma terminação, ou seja, a palavra muda sua forma para indicar a alteração do seu valor ou da sua função na frase. Por exemplo: O caso nominativo tem valor de sujeito ou de predicativo do sujeito. O acusativo corresponde ao objeto direto. O genitivo, ao complemento nominal. O dativo possui valor de objeto indireto. Conjunção 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 27/47 Lembrando também que a descrição gramatical era baseada em determinado modelo ou paradigma. Roma No século II a.C., o filósofo Marco Terêncio Varrão (116 a.C. – 27 a.C.) dedicou-se aos estudos gramaticais na tentativa de classificar a gramática como ciência e arte. Varrão fazia a distinção entre variação natural (flexão) e variação voluntária (derivação). Vejamos: Quando uma palavra recebe marcas de tempo, de modo e gênero, fica caracterizada a flexão. Quando palavras novas surgem a partir de uma outra. Por exemplo, em português, o verbo cantar aparece no dicionário apenas na forma infinitiva porque as outras seriam variações do mesmo verbo, como cantei, cantava, cantamos etc. Porém, o mesmo dicionário apresenta cantar, cantor, cantoria e cantata, todas essas formas oriundas de uma primitiva. Varrão também propôs um sistema dividido em classes de palavras a partir de contrastes de flexão ou variação. Como outros estudiosos gregos, Varrão reconheceu que o caso e o tempo eram as categorias que primariamente serviam para diferenciar os vocábulos com flexão das línguas clássicas. (ROBINS, 1983). Tradição hindu Também houve a preocupação na Antiguidade, da parte de vários estudiosos, de compreender a língua dos textos clássicos. Fora da cultura ocidental antiga, também houve estudos sobre a linguagem, como aconteceu na tradição hindu. Flexão Derivação 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 28/47 Por volta do século IV a.C., entre os hindus, já eram realizados estudos sobre a linguagem por meio dos mitos e das lendas. Também havia eruditos que buscavam entender o funcionamento da língua. Inicialmente, como afirma Lyons (1979), eram discussões religiosas inspiradas nos hinos sagrados dos hindus, com o objetivo de não permitir que o texto sagrado fosse corrompido. Tempos depois, Panini, um antigo gramático hindu, passou a fazer descrições cuidadosas da língua. No século II a.C., outro gramático, Pantañjali, explicou as regras e os estudos realizados por Panini. De acordo com Câmara Jr. (2011), esses dois gramáticos hindus lançaram a base da gramática do sânscrito, uma língua ancestral do Nepal e da Índia. Segundo Robins (1983), todos esses antigos estudos da linguagem ofereceram uma terminologia que foi traduzida e adaptada ao latim, passando a constituir os fundamentos de quase dois mil anos de teoria gramatical e de ensino e estudo do grego e do latim. Assim, boa parte da nomenclatura adotada nos estudos gramaticais e linguísticos atuais surge na Antiguidade e, à medida que as pesquisas avançam, evidencia-se a necessidade de novos termos para dar conta dessas demandas explanatórias. Idade Média 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 29/47 Segunda metade do século V No início da Idade Média, na segunda metade do século V, Prisciano de Cesareia, um gramático romano que ministrou aulas em Constantinopla, ampliou o conceito de classes de palavras para: Nome (incluindo adjetivos) Verbo Particípio Pronome Advérbio Preposição Interjeição Conjunção 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 30/47 Idade Média De acordo com Robins (1983), Prisciano também percebia, como os demais gramáticos da Antiguidade, que a letra era ao mesmo tempo a menor unidade gráfica e a menor unidade fonológica. Meados do século XIII Ao avançarmos no período da Idade Média, em meados do século XIII, encontramos os estudiosos conhecidos como modistas, voltados para o entendimento do modo como os termos da língua passam a ter significação. Eles perceberam que a estrutura das línguas é universal, o que existe em uma língua, existe na outra, em termos de estrutura. Surgem, então, as chamadas gramáticas especulativas, que tinham o objetivo de integrar a descrição gramatical à teoria filosófica da escolástica, tomando como base o que Prisciano já havia feito. Escolástica Método para pensar e aprender que conciliava a fé cristã com o pensamento racional. Atenção! Os gramáticos especulativos ensinavam que a palavra não representa diretamente a natureza da coisa significada, mas apenas como ela existe de uma maneira ou de um modo: uma substância, uma ação, uma qualidade. (BORBA, 1998) Essa gramática baseava-se na ideia de que a língua é um espelho que reflete a realidade subjacente aos fenômenos do mundo físico. Desse modo, tentava-se determinar de que forma a palavra se vinculava à inteligência e à coisa que ela representava. Século XVI De acordo com Petter (2003), houve uma numerosa tradução de livros sagrados para diversas línguas no século XVI graças à Reforma Protestante, ainda que o latim se mantivesse como língua universal. Ao mesmo tempo, os viajantes trouxeram seus conhecimentos das línguas com as quais tiveram contato, desconhecidas na Europa até aquele momento. No início desse século, foi lançado o primeiro dicionário poliglota do mundo. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 31/47 Séculos XVII e XVIII Entre os séculos XVII e XVIII, a preocupação com os modelos anteriores continua. Por isso, em 1660, na França, surge a Gramática de Port-Royal, escrita pelo padre, teólogo e filósofo Antoine Arnauld e pelo monge e gramático Claude Lancelot. Essa gramática passa a ser o modelo para muitas gramáticas daquele momento. O consenso na época é que a linguagem estava fundada na razão e refletia o pensamento, logo, os princípios de análise deveriam ser universais para qualquer língua. Lyons (1987) afirma que, nesse período, a preocupação era “demonstrar que a estrutura da língua é um produto da razão e que as diferentes línguas são apenas variedades de um sistema lógico e racional mais geral”. Século XIX O conhecimento cada vez maior da linguagem provoca o interesse pelas línguas faladas, ao invés de análises abstratas sobre a linguagem, como era o costume anteriormente. Segundo Petter (2003), é nesse períodoque surgem as chamadas gramáticas comparadas e a linguística histórica. Torna-se evidente que as línguas passam por transformações ao longo do tempo, independentemente da vontade dos falantes, seguindo as necessidades próprias da língua. Vejamos alguns autores que se destacaram nessa época: Wilhelm von Humboldt No início do século XIX, o filósofo e linguista prussiano Wilhelm von Humboldt, fundador na Alemanha da Universidade de Berlim, 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 32/47 “procurou estabelecer o mecanismo e a natureza da linguagem por meio de raciocínios gerais que se aplicam ao funcionamento das línguas em particular”. Humboldt entendia a língua como energia ou força criadora de cada um, não sendo apenas um produto a ser utilizado pelos falantes. Desse modo, a língua exerceria grande influência no modo como os falantes percebem e organizam a realidade, o mundo dos objetos, e em torno disso sua própria mente ou pensamento. (BORBA, 1998) Franz Bopp No começo do século XIX, o alemão Franz Bopp, linguista e professor na Universidade de Berlim, publica um estudo comparando o grego, o latim, o persa e o germânico. Tem-se o início da chamada linguística histórica, que ressaltava as semelhanças entre as línguas, evidenciando que muitas delas tinham um ancestral comum. De acordo com Petter (2003), a descoberta de semelhanças entre essas línguas e grande parte das línguas europeias evidenciou que existia entre elas uma relação de parentesco, que elas constituíam, portanto, uma família, a indo-europeia, cujos membros tinham uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do método histórico-comparativo. Os estudos no século XIX, identificados com a linguística histórica e atrelados à gramática comparada, levavam em conta a mudança das línguas e procuravam descobrir sua história, comparando, por exemplo, línguas europeias a outras mais antigas ou ancestrais. Tudo isso contribuiu para o fortalecimento de um sistema próprio para tratar exatamente da linguagem (o que chamamos de metalinguagem), para o estabelecimento de símbolos e para o desenvolvimento de recursos para descrição de uma língua. Além disso, os estudos ao longo do século XIX prepararam o terreno para o surgimento da Linguística como ciência da linguagem no início do século XX. Linha do tempo Para saber mais sobre os estudos da linguagem ao longo do tempo, assista ao vídeo a seguir. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 33/47 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 34/47 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 No período chamado pré-linguístico, especialmente na Grécia e Roma antigas, os primeiros estudos da linguagem se distinguem por serem: Parabéns! A alternativa A está correta. Os primeiros estudos são denominados paralinguísticos, pois eram mais voltados para análises filosóficas e abordagens da natureza biológica da linguagem, em vez de se limitarem a aspectos próprios da linguagem. Platão e Aristóteles são exemplos de pensadores que estudaram a linguagem privilegiando uma análise filosófica. Questão 2 A estudos paralinguísticos, porque se caracterizavam por análises filosóficas e abordagens da natureza biológica da linguagem, em vez de examinar os aspectos próprios da linguagem. B estudos gramaticais históricos e comparativistas, porque abordavam a evolução das línguas e comparavam línguas mortas a línguas vivas. C estudos modistas, porque se ocupavam do modo como as palavras produzem sentido. D estudos históricos e etimológicos, porque investigavam a formação das línguas europeias a partir de um tronco linguístico comum. E estudos semióticos que utilizavam conceitos teóricos sofisticados e complexos. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 35/47 No século XIX, os estudos pré-linguísticos devem ser distinguidos como: Parabéns! A alternativa D está correta. Os estudos da linguagem no século XIX correspondem à linguística histórica e estão relacionados com a gramática comparada, focando na mudança das línguas e na descoberta de sua história, comparando, por exemplo, línguas europeias a outras mais antigas ou ancestrais. A investigação científica da linguagem, que valorizava o estado da língua, em vez de se ocupar de suas mudanças históricas. B estudos que não contribuíram para o estabelecimento de uma metalinguagem ou linguagem própria no estudo da língua. C estudos de gramática especulativa identificados com a filosofia escolástica e a retomada de pensadores como Platão e Aristóteles. D estudos identificados com a linguística histórica e a gramática comparada, que prepararam o terreno para o surgimento da Linguística como ciência da linguagem no início do século XX. E investigação científica, sistemática e metódica a partir do estabelecimento de área reconhecida academicamente. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 36/47 4 - O estabelecimento da Linguística Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a Linguística como ciência da linguagem. A Linguística como ciência da linguagem Até o início do século XX, os estudos linguísticos não possuíam autonomia, pois estavam submetidos a outras áreas, como a Lógica, a Filosofia, a História e a Literatura. Mas, a partir desse momento, os estudos linguísticos começam a se preocupar apenas com os fatos da linguagem, usando métodos científicos para estabelecer hipóteses e sistematizando os dados, com um quadro teórico para tal empreitada. Surge, então, a Linguística Moderna, ou simplesmente Linguística, a ciência da linguagem, tendo como marco de sua fundação os estudos de Ferdinand de Saussure. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 37/47 Ferdinand de Saussure Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um importante filósofo e linguista suíço. Na Alemanha, estudou química, física, grego, latim, sânscrito, celta e indiano. Com apenas 24 anos, na França, começou a ensinar linguística histórica em uma universidade. Seus cursos ficaram famosos e, em 1891, voltou para Genebra, sua cidade natal, onde ministrou aulas até 1911. As aulas entre 1907 e 1911, conhecidas como Curso de Linguística Geral, são a base para a Linguística Moderna. Segundo Alkmin (2004), desde as tradições antigas de estudo da linguagem até o surgimento da Linguística, os estudos se vinculavam ao contexto e às questões de sua época. Por isso, “As teorias da linguagem, do passado ou atuais, sempre re�etem as concepções particulares do fenômeno linguístico e as compreensões distintas do papel deste na vida social”. Assim, nos diferentes momentos históricos, “as teorias linguísticas definem, a seu modo, a natureza e as características relevantes do fenômeno linguístico. E, evidentemente, a maneira de descrevê-lo e de analisá-lo”. Veja algumas definições ou conceitos para a Linguística: A ciência que investiga os fenômenos relacionados à linguagem e que busca determinar os princípios e as características que regulam as estruturas das línguas. (SILVA, 2007) A ciência que se se interessa pelo conjunto estruturado dos recursos linguísticos que expressa as relações, funções e categorias relevantes para a interpretação dos enunciados (dimensão sintática); pelos modos de representação da realidade, tomados como sistema de referência para essa interpretação (dimensão semântica); pelos mecanismos que relacionam essa interpretação a determinados estados de fato, nas coordenadas espaço-temporal e interpessoal (dimensão dêitico-referencial), e a determinadas situações de uso, inclusive paraavaliar os enunciados, do ponto de vista de sua adequação a determinadas ações e a determinados propósitos (dimensão Definição de Silva Definição de Franchi 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 38/47 pragmático-discursiva) ou do ponto de vista de sua verdade ou falsidade (dimensão lógica). (FRANCHI, 1990) A ciência que tem um objeto de estudo próprio: a capacidade da linguagem, que é observada a partir dos enunciados falados e escritos. Esses enunciados são investigados e descritos à luz de princípios teóricos e de acordo com uma terminologia específica e apropriada. A universalidade desses princípios teóricos é testada através da análise de enunciados em várias línguas. A Linguística tende a ser empírica, e não especulativa ou intuitiva, assim, tende a basear suas descobertas em métodos rígidos de observação. Ou seja, a maioria dos modelos linguísticos contemporâneos trabalha com dados publicamente verificáveis por meio de observações e experiências. Estreitamente relacionada ao caráter empírico da Linguística está a atitude não preconceituosa em relação aos diferentes usos da língua. Essa atitude torna a Linguística, primordialmente, uma ciência descritiva, analítica e, sobretudo, não prescritiva. (CUNHA; COSTA; MARTELLOTA, 2008) A Linguística surge como uma forma de descrever e de compreender o mistério de uma pessoa ser capaz de se comunicar com outra por intermédio de sinais que são percebidos sensorialmente, ou seja, ela se volta para o estudo dos códigos que usamos para realizar a comunicação. Ocupa-se, inicialmente, da descrição e da análise da estrutura e do funcionamento da língua, a partir da observação dos fatos linguísticos. O Linguista e seu método Se a Linguística é a ciência que estuda a linguagem, quem é o linguista? Cunha, Costa e Martellota (2008) afirmam que o linguista é o profissional ou pesquisador que trabalha “suas observações sobre a linguagem, relacionando-as a uma teoria linguística construída para esse propósito. A partir dessa teoria, criam-se métodos rigorosos para a descrição das línguas”. Os estudos da Linguística não têm necessariamente a ver com a aprendizagem de muitas línguas, em ser um poliglota, mas o linguista deve ser capaz de discutir sobre uma Definição de Cunha, Costa e Martellota 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 39/47 ou mais línguas, conhecer seu funcionamento, suas semelhanças e suas diferenças. Diferentemente da gramática normativa, a gramática que aprendemos na escola, a Linguística está mais preocupada em explicar e descrever fatos, indo além do conceito de certo e errado, descrevendo padrões sonoros, lexicais e gramaticais existentes na língua, sem avaliar se seu uso é bom ou ruim, belo ou feio. Sobre isso, imagine a seguinte situação: Exemplo Jorge gosta de música clássica e Ana prefere ouvir músicas eletrônicas. Ambos jamais poderão dizer que o seu estilo musical é melhor ou pior que o do outro, pois aí entram critérios subjetivos, de gosto pessoal e de formação cultural de cada pessoa. Em relação ao uso da língua, as variações existem, mas não tornam aquele modelo melhor ou pior do que outro. Por isso, as variações da pronúncia, do vocabulário e da sintaxe dos moradores de uma zona rural com pouco acesso à escola não são julgados engraçados ou errados pela Linguística, mas são analisados e explicados dentro de um quadro teórico específico. Qual a metodologia que o linguista utiliza? A metodologia do linguista foca principalmente na língua oral de determinada comunidade, mas em segunda instância pode analisar a escrita também. A prioridade da língua oral na Linguística difere da abordagem tradicional ou mesmo da gramática escolar, mais preocupadas com o modelo literário utilizado na língua. Dado o prestígio da língua escrita na maioria das sociedades do mundo, é difícil convencer o leigo da importância do estudo da oralidade, indo além do modelo escrito, tipográfico. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 40/47 A Linguística desenvolveu uma metodologia com a intenção de descrever e analisar a língua a partir de conjunto de dados coletados, o corpus. Esse conjunto não é formado apenas por frases corretas do ponto de vista da gramática normativa, mas de tudo aquilo que é efetivamente realizado. Essa postura teórica e metodológica dá à Linguística o seu caráter científico fundamentado na observação dos fatos linguísticos e na objetividade, livre de estigmas sociais ou mesmo culturais. Segundo Cunha, Costa e Martellota (2011), pode-se afirmar que a Linguística executa duas tarefas principais: “O estudo das línguas particulares como um fim em si mesmo, com o propósito de produzir descrições adequadas de cada uma delas”. “O estudo das línguas como um meio para obter informações sobre a natureza da linguagem de um modo geral”. A Linguística, portanto, entende que nenhuma língua é intrinsecamente superior ou inferior à outra, porque todo sistema linguístico é capaz de transmitir de forma adequada a cultura do povo que fala determinada língua. Assim, uma língua minoritária, falada por alguns povos indígenas, por exemplo, não é inferior a uma língua falada por milhões de usuários, como o inglês. As áreas da Linguística Segundo Petter (2003), a área da Linguística pode ser dividida da seguinte maneira, levando em conta o foco de análise: Trata de uma língua, descrevendo-a simultaneamente no tempo, analisa as relações existentes entre os fatos linguísticos em um estado da língua, além de fornecer dados que confirmam ou não as hipóteses. Modernamente, ela cede lugar à Linguística Teórica, que constrói modelos teóricos, mais do que descreve. Linguística descritiva (ou sincrônica) Linguística histórica (ou diacrônica) 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 41/47 Analisa as mudanças que a língua sofre através dos tempos, preocupando-se, principalmente, com as transformações ocorridas. Procura estudar questões sobre como as pessoas, usando suas linguagens, conseguem comunicar-se; quais propriedades todas as linguagens têm em comum; qual conhecimento uma pessoa deve possuir para ser capaz de usar uma linguagem e como a habilidade linguística é adquirida pelas crianças. Utiliza conhecimentos da Linguística para solucionar problemas, geralmente referentes ao ensino de línguas, à tradução ou aos distúrbios de linguagem. Engloba todas as áreas, sem um detalhamento profundo. Fornece modelos e conceitos que fundamentarão a análise das línguas. A partir disso, surgiram outras vertentes como: Sociolinguística Busca analisar a relação da língua e da sociedade. Neurolinguística Estuda o comportamento da língua no cérebro, no processamento das informações. Psicolinguística Linguística teórica Linguística Aplicada Linguística Geral 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 42/47 Tenta explicar a aquisição da linguagem, seja a língua nativa ou uma estrangeira. Etnolinguística Trabalha a relação da língua e da cultura, entre outras áreas. Assim, ao longo do século XX, a área da Linguística foi se constituindo de forma interdisciplinar, com o interesse e a contribuição dessas áreas do conhecimento. Divisões da Linguística Para saber mais sobre as subdivisões da Linguística, assista ao vídeo a seguir. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 43/47 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 O caráter científico da Linguística deve ser reconhecido porque A a Linguística desenvolveu uma metodologia com a intenção de avaliar a língua,a partir de um conjunto de dados coletados, para estabelecer o que é correto e quais usos da língua são superiores e quais são inferiores. B a observação dos fatos linguísticos a partir da subjetividade do pesquisador permite identificar qual sistema linguístico não é capaz de transmitir a cultura do povo que o utiliza. C a língua é estudada do ponto de vista da gramática normativa, com uma metodologia que prescreve o 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 44/47 Parabéns! A alternativa D está correta. A Linguística desenvolveu uma metodologia própria para descrição e análise da língua a partir da observação do sistema da língua e da coleta de dados dessa língua. Assim, a Linguística se estabeleceu como área e disciplina acadêmica, não mais limitada ao estudo da história da língua ou da abordagem etimológica e gramatical. Questão 2 Assinale a alternativa que apresenta uma afirmação identificada com o caráter científico da Linguística e do trabalho do linguista. certo e o errado no uso da linguagem. D a metodologia utilizada tem a intenção de descrever e analisar a língua, a partir de dados coletados, estabelecendo uma postura teórica e metodológica fundamentada na observação dos fatos linguísticos e na objetividade. E é empregado o método histórico que busca reconstruir a história das línguas e o estabelecimento de sua origem. A O linguista é o pesquisador que especula sobre a linguagem, relacionando suas observações com o senso comum. B A partir de determinada teoria, criam-se métodos de análise para estabelecimento de regras gramaticais das línguas. C Os estudos da Linguística devem, obrigatoriamente, conduzir ao aprendizado de muitas línguas a fim de formar poliglotas. D O linguista deve ser capaz de pesquisar uma ou mais línguas, descrevendo seu funcionamento e elementos comuns ou distintos. E O linguista deve atuar a partir das teorias e métodos estabelecidos na filosofia ou ciências sociais, que 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 45/47 Parabéns! A alternativa D está correta. Cunha, Costa e Martellota (2008) afirmam que, se a Linguística é a ciência que estuda a linguagem, o linguista é o profissional ou pesquisador que trabalha suas observações sobre a linguagem, relacionando-as a uma teoria linguística construída para esse propósito. A partir dessa teoria, criam-se métodos rigorosos para a descrição das línguas. Assim, os estudos da Linguística não têm necessariamente a ver com a aprendizagem de muitas línguas, em ser um poliglota, mas o linguista deve ter a competência de discutir sobre uma ou mais línguas, conhecer seu funcionamento, suas semelhanças e suas diferenças. Considerações �nais Como todas as outras ciências, a Linguística serve para ampliar o conhecimento e a compreensão da realidade, do mundo. No caso da Linguística, o que se quer conhecer e pesquisar é uma das mais importantes características do ser humano: a linguagem. As aplicações dos estudos linguísticos surgem em decorrência do conhecimento construído. Por meio da pesquisa dos linguistas, pode-se compreender as estruturas e o funcionamento das línguas, inclusive daquelas mais desconhecidas e remotas; elaborar teorias sobre a aquisição da linguagem; reconhecer os fenômenos de mudança e de variação na língua; obter subsídios ou fundamentos para metodologias de ensino das línguas; descobrir as relações entre linguagem e pensamento, linguagem e sociedade, linguagem e cultura, entre outras possibilidades. Podcast Para encerrar, ouça um resumo sobre os principais assuntos abordados neste conteúdo. tradicionalmente estudam a linguagem. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 46/47 Explore + Confira as indicações que separamos especialmente para você! Acompanhe a entrevista com o professor Mário Perini, da UFMG, Sobre língua, linguagem e Linguística, feita pela Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010. Para uma visão mais ampla e detalhada da história dos estudos linguísticos, leia o artigo Evolução dos estudos linguísticos, da professora Lucia F. Mendonça Cyranka, da UFJF, publicado na Revista Práticas de Linguagem. v. 4, n. 2, jul./dez. 2014. Referências BORBA, F. S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes 1998. BRANDÃO, R. O. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976. CÂMARA JR., J. M. Dicionário de linguística e gramática. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. CÂMARA JR., J. M. História da linguística. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. DALLIER, L. C. Linguística. Rio de Janeiro: SESES, 2015. LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Edusp, 1979. LYONS, J. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. MARTELLOTA, M. E. Dupla articulação. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. RIBEIRO, M. P. Gramática aplicada da língua portuguesa. 22. ed. Rio de Janeiro: Metáfora, 2013. 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Relatar problema javascript:CriaPDF() 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 1/43 Objetivos Módulo 1 O estruturalismo linguístico Descrever os conceitos gerais do estruturalismo linguístico e suas características. Acessar módulo Módulo 2 Dicotomias saussureanas O estruturalismo de Ferdinand de Saussure Prof. Nataniel dos Santos Gomes Descrição Apresentação do conceito de estruturalismo proposto por Ferdinand de Saussure e de suas principais ideias para o campo da Linguística. Propósito Conhecer as principais ideias defendidas por Ferdinand de Saussure no estabelecimento da Linguística como ciência para progredir nos estudos da linguagem. Buscar Baixar conteúdo em PDF Vídeos Menu 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 2/43 Definir as dicotomias saussureanas. Acessar módulo Módulo 3 Características do signo linguístico Identificar as características do signo linguístico. Acessar módulo Introdução No começo do século XX, o nome de Ferdinand de Saussure se estabeleceu como o grande fundador da Linguística Moderna. Suas elaborações teóricas acerca da linguagem lançaram as bases dos estudos linguísticos ao longo do século passado. É claro que outras correntes teóricas ampliaram ou mesmo superaram algumas abordagens e conceitos de Saussure. Por isso, estudar as ideias desse pensador e teórico é fundamental. Neste conteúdo, você conhecerá o arcabouço teórico desenvolvido por Saussure – o estruturalismo linguístico –, com destaque para os diversos pares conceituais por ele propostos. 1 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 3/43 O estruturalismo linguístico Ao final deste módulo, você será capaz de descrever os conceitos gerais do estruturalismo linguístico e suas características. Saussure e a LinguísticaModerna A Linguística é uma ciência relativamente nova em comparação a outras ciências humanas. Os estudos linguísticos passaram a ter status de ciência no início do século XX com Ferdinand de Saussure (1857- 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 4/43 1913) e os fundamentos teóricos por ele apresentados em seu Curso de Linguística Geral, ministrado em Genebra. Saussure nasceu em Genebra, Suíça. Na Alemanha, estudou Química, Física, grego, latim, sânscrito, celta e indiano. Com apenas 24 anos, começou a ensinar linguística histórica em uma universidade francesa. Seus cursos ficaram famosos e, em 1891, voltou para Genebra, onde ministrou aulas até o ano de seu falecimento. Com o início da Linguística como ciência e disciplina autônoma, surgiram elaborações teóricas que permitiram caracterizar a língua como uma estrutura. Os estudos de Saussure deram base a uma corrente teórica denominada estruturalismo, embora o linguista suíço usasse o termo sistema em vez de estrutura para definir a língua como um todo em que as partes estão relacionadas para sua organização em um sistema coerente, conforme você aprenderá mais adiante. Saussure apresentava as partes do sistema como um conjunto de unidades em que acontecem correlações e oposições. Um exemplo das relações entres as partes do sistema da língua seriam as combinações de formas mínimas que resultam em unidades linguísticas superiores. É o que ocorre com as sílabas formando uma palavra ou, ainda, no exemplo da composição da palavra aguardente, em que ardente determina o termo água, resultando em uma palavra composta, conforme visto a seguir: 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 5/43 No Brasil, o estruturalismo impactou fortemente os estudos linguísticos, a começar pelo reconhecimento da Linguística como ciência autônoma nos anos 1960. Naquela época, muitos pesquisadores experientes foram atraídos por essa área de conhecimento, entre eles Joaquim Mattoso Câmara Júnior, o primeiro doutor em Linguística do país. Tais estudiosos usavam a Linguística como uma disciplina auxiliar para os estudos literários. O estruturalismo venceu a resistência de outras escolas de análise, mas foi superado por novas tendências nos estudos linguísticos, ainda que tenha continuado a se desenvolver e seja muito importante para a compreensão da constituição da Linguística. Conceito de estruturalismo linguístico Não se pode falar de um estruturalismo apenas, já que o termo é utilizado em diversas áreas das ciências humanas, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e a Linguística. O surgimento do estruturalismo foi um dos acontecimentos de maior destaque para o pensamento científico do século XX. Sem ele é impossível entender inúmeros progressos das ciências humanas a partir de pesquisas ligadas à linguagem. O estruturalismo linguístico se consolidou com a publicação do livro Curso de Linguística Geral, considerado uma obra póstuma de Saussure em função de ter sido escrito por alguns de seus alunos da Universidade de Genebra, utilizando anotações de aulas entre os anos de 1907 e 1911. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 6/43 Foto da capa original do livro Curso de Linguística Geral, 1916. Segundo essa corrente teórica, A língua apresenta-se como o conjunto de estruturas, possibilidades e oposições funcionais. Assim, tudo o que pode ser dito, enquanto for compreensível pelos usuários, admite múltiplas realizações sem que a inteligibilidade seja atingida, estando em constante mudança para satisfazer as necessidades da comunidade. Segundo Costa (2011), o estruturalismo entende que a língua é formada por elementos coesos, que estão inter-relacionados e funcionam a partir de um conjunto de regras, constituindo uma organização, um sistema ou uma estrutura. Desse modo, o próprio sistema tem leis internas que estruturam a organização dos seus elementos. Vejamos a definição do linguista Mattoso Câmara Júnior para estruturalismo: Estruturalismo [é a] propriedade que têm os fatos de uma língua de se concatenarem por meio de correlações e oposições, constituindo em nosso espírito uma rede de associações ou estrutura. É por isso que se diz ser a língua um sistema. Trata-se, entretanto, de uma estrutura dinâmica, para servir às mais variadas e inesperadas necessidades da comunicação, e que nunca é cabal, mas sempre está em elaboração. O caráter 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 7/43 incompleto da estrutura linguística explica não só a irregularidade e a exceção no plano da sincronia, mas também as mudanças linguísticas. (CÂMARA JUNIOR, 1996, p.111) Conforme a definição de Câmara Júnior, A estrutura ou o sistema linguístico são mais amplos do que a norma gramatical, porque contêm tudo o que é possível e vão além do que é realizado. Assim, a estrutura é também um sistema de possibilidades, pois uma língua não é apenas aquilo que já foi feito por meio de determinado procedimento, mas é também o que, mediante tal recurso, pode-se fazer. Ou seja, não é somente passado e presente, uma vez que possui uma dimensão de futuro, sempre criando possibilidades novas. Essa é a dimensão de futuro do sistema linguístico, que usa elementos da própria língua para criar novas possibilidades. Logo, é tarefa do linguista analisar a organização e o funcionamento dos elementos que constituem a língua. Exemplo Veja o exemplo seguinte, extraído do livro de contos Tutameia: terceiras estórias, do escritor brasileiro Guimarães Rosa: “Desistindo do elevador, embriagatinhava escada acima”. (ROSA, 1969, 104) Embora o dicionário não traga o verbo embriagatinhar, o leitor é capaz de entender, sem muita dificuldade, que a personagem estava tão embriagada que subia as escadas engatinhando. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 8/43 Ainda no exemplo anterior, podemos notar a aproximação e a organização de determinadas unidades linguísticas para formar uma palavra nova, fenômeno que ocorre constantemente na língua em todos os níveis estruturais por possuírem características semelhantes e obedecerem a princípios de funcionamento. Para entender o conceito de sistema, Saussure usa várias vezes a analogia de um jogo de xadrez. No jogo, o material de que as peças são constituídas não é relevante, pois importa como elas se relacionam entre si, as regras e a função de cada uma em relação à outra. Vale lembrar que não é o conhecimento das regras normativas encontradas nos livros de gramática que determinará o funcionamento do jogo, se assim fosse, aqueles que tiveram pouco acesso aos estudos não conseguiriam se comunicar. De acordo com Costa (2011, p.115), a língua, para o estruturalismo, “deve ser estudada em si mesma e por si mesma. Tudo aquilo que não pertence ao campo linguístico deve ser deixado de fora da análise, já que a preocupação é com a estrutura a partir de relações/regras internas, deixando de lado relações da língua com a sociedade, com a cultura ou mesmo com a geografia ou qualquer outro tipo de relação que não seja exclusivamente ligada ao sistema linguístico”. O estruturalismo norte- americano O estruturalismo norte-americano é apresentado de maneira independente da proposta europeia de Saussure. De acordo com o 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 9/43 professor e linguista Marcos Antônio Costa (2011), a corrente estruturalista norte-americana tem as seguintes suposições: As línguas apresentam uma estrutura específica. A estrutura é divididaem três subsistemas: fonológico, morfológico e sintático. O subsistema é formado por unidades: para a fonologia, o fonema; para a morfologia, o morfema; e para a sintaxe, o sintagma. A descrição linguística deve começar pelas unidades mais simples. As unidades devem ser definidas a partir de sua posição estrutural. A semântica é excluída, já que a descrição usa da objetividade absoluta. O estruturalismo norte-americano, na visão do professor Marcos Antônio Costa (2011), estabelece que, para estudar a língua, são necessárias as seguintes condições: Para a vertente norte-americana do estruturalismo, as partes da língua se organizam em posições específicas que se relacionam entre si. Trata- se de um método exclusivamente descritivo e indutivo que explica por que as frases não são simples sequências de elementos, mas constituintes formados por unidades inferiores. Portanto, uma frase é o resultado de diversas camadas de constituintes. Veja, a seguir, como são esses dois métodos: Descritivo Para a linguística estruturalista, o que importa é a descrição da estrutura e do funcionamento da língua tal como ela se Conjunto variado de sentenças Inventário de sentenças Regras de combinação Análise de elementos 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 10/43 apresenta em determinado momento em vez de normatizar ou prescrever como deve ser seu funcionamento. Por isso, o método adotado é o descritivo. Indutivo Para a linguística estruturalista, o método indutivo é caracterizado pelo estudo formal da língua, partindo das unidades mais simples para as maiores, já que as frases são formadas por combinações de construções. Exemplo da aplicação do método indutivo, a frase “o menino comeu a maçã” é composta pelos sintagmas “o menino” e “comeu a maçã”. Esses sintagmas, por sua vez, são compostos pelas palavras “o”, “menino”, “comeu”, “a”, “maçã”; e ainda pelos morfemas “o”, “menin”, “o”, “com”, “eu”, “a”, “maçã”; e por fim pelos fonemas /o/ /m/e/n/in/u/ /k/u/m/e/u/ /a/ /m/a/s/ã/. Os sintagmas, as palavras, os morfemas e os fonemas são considerados unidades ou camadas que relacionadas entre si resultam na frase do nosso exemplo: “O menino comeu a maçã”. O modo de análise do estruturalismo norte-americano é bastante formal e restringe sua abordagem à classificação dos elementos que aparecem nos dados coletados e à identificação das leis que regem tais combinações. Panorama do estruturalismo norte-americano Neste vídeo, o linguista e professor Nataniel Gomes nos apresenta o estruturalismo norte-americano e faz um comparativo entre as duas teorias. Vamos lá! 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 11/43 Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 1 - Vem que eu te explico! O estruturalismo linguístico Módulo 1 - Vem que eu te explico! A noção de sistema no estruturalismo 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 12/43 Questão 1 Assinale a alternativa que descreve corretamente o estruturalismo linguístico proposto por Ferdinand de Saussure. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A O entendimento da língua como um sistema pode recorrer à analogia com o jogo de xadrez, porque o mais importante na língua é como os elementos internamente se relacionam entre si, quais as regras e o modo de funcionamento deles. B A língua é um sistema ou uma estrutura, por isso o mais importante são as regras normativas das gramáticas escolares e não o funcionamento interno dos elementos da língua. C A língua, apesar de ser um sistema, deve ser estudada priorizando as relações sociais de seus falantes ou usuários. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 13/43 Questão 2 A corrente estruturalista norte-americana pode ser adequadamente descrita por meio de qual característica? D O estudo da língua como um sistema permite confirmar que os falantes ou usuários com pouco acesso aos estudos não conseguem se comunicar. E O estudo da língua deve ser centrado nos aspectos culturais, sociais e externos ao seu sistema. Responder A O estruturalismo norte-americano entende que as partes da língua são organizadas em posições indefinidas e aleatórias, possuindo autonomia entre si. B O método dedutivo e exclusivamente interpretativo caracteriza o estudo da língua e da estrutura das frases no estruturalismo norte-americano. C Uma frase deve ser entendida como a sobreposição de elementos isolados que se constituem em sequências simples. D As unidades ou camadas da língua são consideradas a partir das relações que estabelecem entre si, como pode ser descrito na análise das diversas combinações entre os sintagmas, as palavras, os morfemas e os fonemas encontrados na frase “O menino comeu a maçã”. E Os sintagmas, os morfemas e os fonemas são considerados elementos isolados na frase, sem relação entre si, como exemplificado na frase “O menino comeu a maçã”. Responder 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 14/43 2 Dicotomias Saussureanas Ao final deste módulo, você será capaz de definir as dicotomias saussureanas. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 15/43 As três dualidades Você sabe o que é uma dicotomia? O termo se refere à divisão de um conceito em duas partes, formando um par opositivo. Ao estudarmos Saussure, encontramos as chamadas dicotomias. Algumas das principais dualidades propostas por Saussure são: Língua e fala Sincronia e diacronia Sintagma e paradigma Língua e fala Comecemos com a dicotomia língua e fala, ou langue e parole, se fôssemos utilizar os termos franceses originalmente empregados por Saussure. Para explicar o conceito de língua, é importante relembrar que ela faz parte da linguagem. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 16/43 Para Saussure (1996), a linguagem é um objeto duplo, pois um fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra. A linguagem é multiforme e heteróclita, enquanto a língua é o aspecto social, coletivo, compartilhada entre os falantes como uma herança recebida de seus antepassados. Para Saussure (1996, p.95), “a língua constitui um sistema de valores puros que nada determina fora do estado momentâneo de seus termos,” ou seja, a pureza tem a ver com os valores que se dão no ato da fala. Ainda segundo o teórico, “A língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça.” (1996, p.27). Logo, a língua funciona como um princípio de ordenação, que se configura fala e promove a modernização do sistema linguístico. O falante pega as peças, como no jogo de xadrez, seguindo princípios e organizando o sistema linguístico. Dessa forma, temos o seguinte: Coletivo Individual Exemplo Saussure (1996) dá o seguinte exemplo: “Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro”. O exemplo mostra que não ocorrem mudanças repentinas ou mesmo individuais na língua, sendo ela, portanto, resistente à mudança. Por outro lado, Saussure afirma que, para haver mudança na língua, as alterações deverão ocorrer nos atos da fala, que se constituem numa manifestação individual da língua. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussurehttps://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 17/43 Língua Fala Para Saussure, não é possível conceber um sem o outro. A língua, portanto, é um sistema coletivo utilizado para a comunicação dos indivíduos na sociedade, sendo parte essencial da linguagem. O autor também afirma que a língua é um tesouro depositado no cérebro dos usuários de uma mesma comunidade linguística e declara que ela decorre de um contrato feito entre os falantes, justificando o seu caráter social. Ninguém, de forma individual, pode criar nem modificar a língua. Quando Saussure (1996) se refere à fala, afirma que ela constitui o uso individual do sistema linguístico, sendo um ato individual de vontade e de inteligência. O usuário combina as unidades disponíveis no sistema linguístico para expressar seu pensamento, sendo um mecanismo psicofísico que exterioriza tais combinações, ou seja, torna-se uma manifestação prática e concreta da língua por determinado falante. Por isso, afirma-se que a fala é individual e está submetida às regras da língua, que podem ser modificadas, desde que outro usuário a quem a informação é endereçada aceite a mudança. Nesse sentido, a mudança começa pela fala até chegar à língua. Há uma comparação da língua com o dicionário que pode ajudar a compreender melhor o conceito de fala. O linguista brasileiro Edward Lopes explica essa analogia da língua com o dicionário: Saussure compara a língua a um dicionário, cujos exemplares tivessem sido distribuídos entre todos os membros de uma sociedade. Desse dicionário (ao qual deveríamos acrescentar, para 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 18/43 sermos mais precisos, uma gramática), que é a langue, cada indivíduo escolhe aquilo que serve aos seus propósitos imediatos de comunicação. Essa parcela concreta e individual da langue, posta em ação por um falante em cada uma de suas situações comunicativas concretas, chamou-a Saussure parole (em português “fala” ou “discurso)”. (LOPES, 2005, p.77) Diante do conceito e da distinção de língua e fala, Saussure estabelece que o objeto de estudo da Linguística é a língua e não a fala, que é vista como secundária. A língua é comum a todos, sendo essencial na atividade de comunicação e não uma manifestação específica de cada um, como é o caso da fala. Por isso, toda a preocupação extralinguística é abandonada e a estrutura linguística é estudada a partir de relações internas da língua. Lembre-se de que para Saussure não se pode estudar as relações internas da língua de forma isolada. A língua é essencial para que a fala seja entendida e o usuário possa se comunicar. Além disso, ela se forma a partir de sua manifestação individual, a fala, que é uma forma concreta de uso. Veja a imagem a seguir: Circuito da comunicação para Saussure (1996). A imagem mostra como Saussure entendia o processo de comunicação. O termo comunicação vem do verbo latino comunicare, que significa 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 19/43 tornar comum, ou seja, são necessários alguns elementos comuns para que haja comunicação. São necessários dois indivíduos que falem a mesma língua e usem signos comuns aos dois. Atividade discursiva Refletindo sobre a questão, responda: Em uma palestra, é possível haver comunicação? Digite sua resposta aqui Chave de resposta Os indivíduos envolvidos na comunicação precisam falar a mesma língua, caso contrário, não haverá comunicação entre eles. Por exemplo, os dois devem ser falantes da língua portuguesa e usar elementos comuns aos dois. É relativamente comum encontrar pessoas que falam a mesma língua que nós, mas usam um vocabulário muito específico que impede a comunicação. Elas falam, mas não estabelecem comunicação. Se todos os requisitos são acompanhados, cada um dos usuários da imagem apresenta uma fala característica, individual, pertencente a determinada língua, o que não prejudica a comunicação entre eles. Diferença entre língua e fala Neste vídeo, o professor Luís Dallier comenta as diferenças entre langue e parole. Vamos assistir! 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 20/43 Antes de conhecer a próxima dicotomia de Saussure, confira uma síntese da distinção entre língua e fala: Langue Língua Sistema global de regularidades Caráter coletivo Social, exterior ao indivíduo Convencional Homogênea Interesse prioritário do linguista; pode ser estudada separadamente Parole Fala Formada por expressões reais em si Caráter individual Atividade linguística concreta e individual Exprime pensamento pessoal Heterogênea Considerada acessória e acidental Sincronia e diacronia Para entender a dicotomia sincronia e diacronia, vamos conhecer os fatos a seguir: No início do século XIX, os pesquisadores notaram muitas semelhanças entre determinadas línguas. Assim, buscou-se reunir as línguas em grupos ou famílias, método que ficou conhecido como histórico-comparativo. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 21/43 Vamos entender melhor agora cada um desses conceitos: Veja no gráfico a seguir um exemplo da diferença entre diacronia e sincronia: Diacronia X sincronia A partir de 1870, os chamados neogramáticos criticaram o método histórico-comparativo, demonstrando que as mudanças linguísticas seguiam certa regularidade, independentemente da vontade dos falantes e, por isso, afastaram-se das especulações pouco científicas e subjetivas para seguirem o rigor científico no entendimento das mudanças ocorridas nas línguas ao longo do tempo. Saussure se diferencia ao estabelecer que o estudo da língua pode se dar em um eixo diacrônico, relacionado aos fatos que se sucedem com uma língua no decorrer do tempo, ou em um eixo sincrônico, relacionado ao que é simultâneo ou coexistente em uma língua. Sincronia Diacronia 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 22/43 Nas linhas horizontais, vemos o estudo sincrônico, enquanto na linha vertical, a abordagem diacrônica. Ao estudar a forma verbal ponere no latim, temos um estudo sincrônico (linhas horizontais), da mesma forma ao estudar o verbo poer no português antigo e pôr e suas variantes atuais no nosso português. Porém, ao estudar as mudanças do latim até o português atual, do português antigo ao atual ou do latim ao português antigo, tem-se o estudo diacrônico (linha vertical), ou seja, são abordadas as mudanças ocorridas durante um espaço de tempo. A sincronia e a diacronia podem ser comparadas da seguinte maneira: A sincronia pode ser comparada a uma fotografia, assim como um texto descritivo. A diacronia pode ser comparada a um filme, assim como uma narrativa, uma sucessão de eventos. A metáfora do jogo de xadrez 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 23/43 Neste vídeo, veremos que Saussure identificava, no tabuleiro de um jogo de xadrez, comparações com os enfoques sincrônico e diacrônico. Depois de apontar a diferença entre as duas formas de investigação linguística, Saussure defende que a prioridade está sobre o olhar sincrônico da língua, ou seja, o estruturalismo deve privilegiar o sistema da língua, que se configura a partir de suas relações internas em determinado momento. Sintagma e paradigma Saussure identifica na língua dois tipos de relação: as sintagmáticas e as paradigmáticas. Essas relações evidenciam como as unidades que constituem o sistema relacionam-se umas com as outras, organizando a estrutura da língua. Para Saussure, asrelações entre os sintagmas estão baseadas na linearidade da língua, ou seja, a noção é que a língua é constituída de elementos que se sucedem um após o outro na cadeia da fala. Essa relação entre os elementos é chamada de sintagma. Assim, um termo terá valor quando contrastado com o anterior, o posterior ou ambos, porque um sintagma não pode aparecer ao mesmo tempo que o outro. Por isso, Saussure afirma: O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas (por exemplo: re-ler, contra todos; a vida humana, Deus é bom; se fizer bom tempo, sairemos etc.). 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 24/43 (SAUSSURE, 1996, p.142) As relações sintagmáticas se originam das diversas combinações entre esses elementos. Lembre-se das aulas de análise sintática na escola. Era pedido que os termos das orações fossem classificados como sujeito, predicado, objeto direto, complemento nominal, adjunto adverbial, entre outros. O que o professor estava pedindo era que aquele sintagma fosse classificado de acordo com a gramática normativa. Além disso, em nossa fala, organizamos as frases a partir de sintagmas, e não de palavras soltas. Nós fazemos isso a todo instante, como você pode ver no exemplo a seguir: Agora veja a definição de sintagma dada por Câmara Jr.: Exemplo Daniel comprou um pão na padaria no domingo. Temos: “Daniel”, “comprou”, “um pão”, “na padaria” e “no domingo”. Tais sintagmas podem ser colocados em diversas posições da sentença, como em: (1) Daniel comprou, no domingo, um pão na padaria. (2) No domingo, Daniel comprou um pão na padaria. (3) Daniel comprou na padaria, no domingo, um pão. Mas o sintagma não pode ser quebrado ou invertido, como em: (1) * Daniel comprou pão um na padaria no domingo. (2) * na Daniel comprou um pão padaria no domingo. (3) * Daniel comprou um pão na padaria domingo no. Lembre-se de que o asterisco (*) indica que a frase é agramatical, ou seja, não é possível na língua. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 25/43 Termo estabelecido por Saussure para designar a combinação das formas mínimas numa unidade linguística superior. De acordo com o espírito da definição implícita em Saussure, entende-se atualmente por sintagma apenas um conjunto binário (duas formas combinadas) em que um elemento determinante cria um elo de subordinação com outro elemento, que é o determinado. Quando a combinação cria uma mera coordenação entre os elementos, tem-se, ao contrário, uma sequência. (CÂMARA, Jr., 1996, p.135) Quando o falante une duas ou mais unidades, como nos exemplos anteriores, ele está combinando sintagmas e são criadas diversas relações que se articulam entre si, com várias possibilidades de associação entre essas unidades. Nessa dicotomia, encontramos também as relações paradigmáticas. Os paradigmas são manifestados por relações de associação mental entre a unidade linguística que está em determinada posição na frase e todas as outras que estão ausentes, mas que pertencem à mesma classe daquela e que poderiam substituí-la naquele contexto. Por exemplo, a palavra sapateiro está associada a sapato e à sapataria, com base no radical sapat. Da mesma forma, o sufixo -eiro pode nos levar a outra série de paradigmas, como violeiro, cabelereiro, livreiro e outros. Assim, o funcionamento da língua ocorre porque ela é um sistema formado por associações, combinações e exclusões. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 26/43 Paradigmas da raiz “sapat”. Câmara Júnior define paradigma como “Conjunto de formas linguísticas que se associam por um traço linguístico permanente, que é o denominador comum de todas elas. Na base desse traço, estabelecem- se correlações e as oposições entre os membros do paradigma.” (1996, p.145). Para Joaquim Mattoso Câmara Júnior, o paradigma trabalha com relações inspiradas em combinações, ou seja, é o material que está na mente do falante para que possa ser escolhido, dentro de uma lista de possibilidades. Por isso, a relação sintagmática se dá pela ausência, já que a escolha de um elemento automaticamente exclui os outros e um elemento se discerne do outro na relação. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Recomendação Vale lembrar que, no paradigma, elementos podem ser associados, mesmo que o sentido seja outro. Trata-se de um repositório ou memória em que estão inúmeras possibilidades retiradas da língua. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 27/43 Módulo 2 - Vem que eu te explico! Porque a langue é o objeto de estudo de Saussure? Módulo 2 - Vem que eu te explico! As relações sintagmáticas e paradigmáticas 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 28/43 Questão 1 Ao estudarmos Saussure, deparamo-nos com as dicotomias língua/fala e sincronia/diacronia, apresentadas em seu Curso de Linguística Geral. Definir essas dicotomias implica afirmar corretamente que Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A a língua (langue) tem caráter individual em oposição ao caráter coletivo da fala (parole). Seu estudo é denominado sincrônico quando o enfoque são as mudanças ocorridas ao longo do tempo. B a língua tem caráter individual, concreto e não sistêmico. Além disso, seu estudo é denominado diacrônico quando o enfoque é simplesmente o passado da língua. C a língua pode ser caracterizada como coletiva e social. Seu estudo é denominado diacrônico quando o enfoque são as mudanças ocorridas ao longo de determinado período de tempo. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 29/43 Questão 2 Assinale a alternativa que apresenta uma definição correta das relações sintagmática e paradigmática: D a linguagem tem um lado social ou coletivo, que corresponde à fala. E a fala é a dimensão coletiva da língua e seu estudo diacrônico é privilegiado no estruturalismo linguístico. Responder A O sintagma é baseado na noção de que os elementos da língua se sobrepõem, sem linearidade, enquanto o paradigma é uma relação em que os elementos são combinados apenas quando o sentido de cada um é o mesmo. B O sintagma é baseado na noção de que a língua é um sistema em que os elementos se sucedem um após o outro na cadeia da fala, tendo valor quando contrastado com outro elemento, enquanto o paradigma é uma relação que se manifesta como um eixo de possibilidades de elementos estabelecidos na memória do usuário da língua. C Quando os elementos linguísticos estão isolados na língua, tem-se um paradigma, e quando acontecem combinações ou associações a partir da memória ou repertório linguístico, tem-se o sintagma. D A relação sintagmática é aquela em que um elemento pode aparecer ao mesmo tempo que o outro, ou seja, a escolha de um elemento não exclui automaticamente os outros elementos. E Os eixos sintagmático e paradigmático são semelhantes, ou seja, eles correspondem a um mesmo modo de organização ou estruturação da língua 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 30/43 3 Características do signo linguístico Ao final deste módulo, você será capaz de identificar as características do signo linguístico. Responder 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 31/43 O signo linguístico Ao afirmar que a línguae mandioca estão competindo pela expressão do mesmo significado referencial”) ou de mudança (“declaro encerrada a competição entre Vossa Mercê e você: o você ganhou”). Mais do que isso, ele quer explicar o que leva o falante a escolher uma forma em detrimento de outra (no caso da variação) e o que leva uma forma a permanecer no sistema linguístico enquanto outra desaparece (no caso da mudança). O papel do sociolinguista Um sociolinguista deve buscar correlações sistemáticas entre o uso da língua e um conjunto de fatores sociais e/ou linguísticos. Por exemplo, pense novamente na alternância entre mexerica e bergamota. Você provavelmente sabe que essas duas formas estão associadas a regiões geográficas distintas: A primeira é muito usada no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil, ao passo que a segunda se destaca na Região Sul. Pronto: você acaba de estabelecer uma correlação sistemática entre o uso da língua (emprego mais frequente das palavras mexerica ou bergamota) e um fator de natureza social (a região geográfica em que o falante vive). Agora pense no outro caso de variação: a alternância entre “escrever” e “escrevê”. Note que esse par de palavras é apenas um exemplo; o mesmo tipo de alternância ocorre com muitos outros pares, “cantar” versus “cantá”, “flor” versus “flô”. Comentário 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 8/53 A essência do trabalho de um sociolinguista variacionista consiste exatamente em procurar correlações entre: A maneira como as pessoas falam Por exemplo: “mexerica” ou “bergamota”; “escrever” e “flor” ou “escrevê” e “flô”. Os fatores de natureza social ou linguística Refere-se a região geográfica do falante ou classe gramatical da palavra. Por que isso é importante? Por um motivo simples: ao fazer isso, a Sociolinguística Variacionista consegue demonstrar o seguinte: A variação linguística é condicionada (não livre) e sistemática (não aleatória). Em princípio, alguém poderia supor que a escolha por uma forma ou por outra é gratuita, imotivada: o falante usaria ora “mexerica”, ora “bergamota” — ou ora “flor”, ora “flô” — sem que nada condicionasse suas escolhas. Seria como se ele sorteasse uma das variações ao acaso. E, como resultado, teríamos, para cada sistema linguístico, uma variabilidade desordenada, aleatória. Não seria possível identificar qualquer padrão coletivo. Contudo, as coisas não funcionam assim. A Sociolinguística Variacionista tem sido capaz de identificar certas correlações sistemáticas entre o uso da língua e fatores de natureza social e linguística — coisas como “no Sul, usa-se mais bergamota do Pensando sobre esses diferentes casos, você talvez tenha a sensação de que o apagamento do /R/ final é mais comum em verbos (“escrevê”, “cantá”) do que em substantivos (“amô”, “ditadô”). Pronto: você acaba de estabelecer uma correlação sistemática entre o uso da língua (manutenção ou apagamento do /R/ final) e um fator de natureza linguística (a classe gramatical da palavra). 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 9/53 que no Sudeste e no Centro-Oeste” ou então “em verbos, apaga-se o /R/ final mais frequentemente do que em substantivos”. Ora, a própria existência dessas correlações sugere que o falante não é inteiramente livre para escolher entre uma forma ou outra: pelo contrário, ele sofre condicionamentos. Como resultado, quando analisamos o uso linguístico de diferentes comunidades, encontramos padrões. E essa é a ideia central da Sociolinguística Variacionista: por mais que o sistema linguístico seja variável, essa variabilidade não implica caos e aleatoriedade — pelo contrário, ela é regular e sistemática. Sejamos justos: é claro que os sociolinguistas vão muito além de simplesmente dizer que “pessoas de uma região tendem a falar assim, pessoas de outras regiões tendem a falar assado”. Existem pelo menos cinco razões para isso: Comentário A variável será o /R/ final de palavra. Já as variantes — isto é, as alternativas disponíveis para a expressão dessa variável — são a realização do /R/ e o apagamento do /R/. Coletam e analisam dados sistematicamente (isto é, gravam e transcrevem a fala das pessoas ou reúnem textos escritos por elas). Quanti�cam esses dados e os submetem a métodos estatísticos avançados. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 10/53 A Sociolinguística Neste vídeo, o professor aborda o ofício do sociolinguista e sua relação com outras subáreas, como: a Análise da Conversa, a Etnografia da Fala, a Sociolinguística Interacional, a Análise do Discurso Francesa, a Análise do Discurso Crítica e a Sociologia da Linguagem. Consideram múltiplos fatores para um mesmo fenômeno e buscam entender as relações entre esses fatores. Investigam não apenas o modo como as pessoas falam (e escrevem), mas também suas percepções, crenças e atitudes em face de diferentes usos linguísticos. Fazem generalizações a partir da análise de diferentes fenômenos, isto é, depois de analisar diferentes casos particulares de variação e mudança (nós versus a gente; Vossa Mercê versus você), procuram chegar a uma teoria geral que explique como se dão a variação e a mudança nas línguas humanas. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 11/53 Síntese Completando essa apresentação inicial da Sociolinguística Variacionista, sintetizaremos o que vimos neste módulo em cinco breves pontos: O objeto de estudo da Sociolinguística Variacionista são os fenômenos (fortemente relacionados) da variação linguística e da mudança linguística. A relação entre variação e mudança é tal que a segunda pressupõe a primeira, mas a primeira não implica necessariamente a segunda. O objetivo da Sociolinguística Variacionista é identificar os fatores capazes de explicar a variação e a mudança linguísticas. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 12/53 Por trás desse objetivo está a premissa de que a variação Essa sistematicidade advém da existência de correlações sistemáticas entre a heterogeneidade da estrutura linguística e um conjunto de fatores de natureza social e gramatical. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 1 - Vem que eu te explico! Diferença entre variação e mudança linguística Módulo 1 - Vem que eu te explico! O papel do sociolinguista 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 13/53 Questão 1 Assinale a alternativa que descreve adequadamente o objeto e o objetivo da Sociolinguística Variacionista. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A Sociolinguística Variacionista tem como objeto de estudo somente a mudança linguística e como objetivo os fatores que explicam essa mudança. B O objeto de estudo da Sociolinguística Variacionista é tão somente a variação linguística e seu objetivo é a compreensão dos fatores que impedem essas variações. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 14/53 Questão 2 Assinale a alternativa que melhor descreve o vínculo entre variação e mudança linguísticas. C A Sociolinguística Variacionista tem como objeto de estudo a língua e seu objetivo é simplesmente constatar a existência de um caso de variação. D O objeto de estudo da Sociolinguística Variacionista são a variação e a mudança linguísticas; seu objetivo de estudo está centrado nos fatores que as explicam. E O objeto de estudo da Sociolinguística Variacionista é o padrão ou norma da língua e seu objetivo é o estabelecimento daé um sistema de signos, Saussure define o signo linguístico a partir da união psíquica entre um significado e um significante, que são partes absolutamente inseparáveis, o que torna impossível um sem o outro. O significado seria equivalente a um conceito, ou seja, é uma contraparte inteligível. Já o significante se aproxima da noção de imagem acústica, mas não é o som material, e sim a impressão do som, a parte sensível do signo. Veja a imagem a seguir: A natureza do signo linguístico. No exemplo anterior, Saussure demonstra o funcionamento do signo linguístico a partir de um conceito manifestado pelo desenho do cavalo e da árvore. Esse conceito é imediatamente associado à imagem acústica de cavalo e árvore. Atenção! Note que Saussure usa as palavras em latim para que ninguém acredite que a relação entre o significado e o significante tem alguma aproximação com a realidade que não seja a imposição. O “signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 32/43 O signo só existe se tiver o conceito e a imagem acústica reunidos por esse vínculo indissociável. Normalmente, confunde-se palavra escrita ou falada com o signo, mas ela é apenas uma parte visível do signo. O signo linguístico. O signo só existe se tiver o conceito e a imagem acústica reunidos por esse vínculo indissociável. Normalmente, confunde-se palavra escrita ou falada com o signo, mas ela é apenas uma parte visível do signo. O conceito também não deve ser associado a uma coisa, o que seria uma simplificação muito grande, afinal, podemos nos referir a conceitos abstratos, como amor, alegria, entre outros, que não coisas. Por isso, mais adiante, Saussure passa a empregar os termos significado e significante para definir o signo. Veja a próxima imagem, que ilustra o pensamento saussureano: O signo linguístico. conceito e uma imagem acústica.” (SAUSSURE, 1996, p.79) 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 33/43 Ao ouvir o significante árvore, virá à mente do usuário da língua o conceito do que está sendo denominado árvore, e não o conceito ou sentido de uma caneta ou de um carro. É interessante notar que um mesmo significante pode ter mais de um significado, como acontece com a polissemia (a palavra adquire um novo sentido). O significante cabra possui significados distintos nas frases a seguir: A cabra invadiu o terreno. Ele era um cabra da peste. Não achei o pé de cabra. Também é possível encontrarmos significantes distintos com um mesmo significado, como ocorre em abóbora e jerimun, palavras que designam o mesmo fruto. Signo linguístico Neste vídeo, o linguista Antônio Suarez Abreu trata do conceito de signo linguístico a partir de Saussure e de outros linguistas que vieram depois dele. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 34/43 Arbitrariedade e linearidade do signo linguístico Assim como a língua é imposta como uma herança, o signo também é recebido de períodos anteriores e apresenta duas características essenciais: a arbitrariedade e a linearidade. Saussure explica a arbitrariedade do signo linguístico como “o laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário.” (SAUSSURE, 1996, p.81). A união entre um significado e um significante é imposta, não existe nenhum tipo de vínculo causal entre os dois. Qual é a relação existente entre uma palavra como cadeira e seu conceito? Nenhuma. Apenas a imposição ou algo convencional, não motivado naturalmente. Por isso que em outras línguas o conceito de cadeira será representado por outras formas. Atenção! A ideia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra sequência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes: o 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 35/43 Desse modo, para Saussure, o significado ou conceito atrelado a um significante não depende da livre escolha de quem fala, já que o usuário da língua não tem ao alcance a possibilidade de “trocar alguma coisa num signo, uma vez que esteja ele estabelecido num grupo linguístico”. A conclusão, portanto, é “que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.” (SAUSSURE, 1996, p.83). Se a relação entre o significado e o significante não pode ser alterada, o usuário, para transmitir suas ideias, precisa utilizar o sistema linguístico conforme os outros falantes pertencentes à mesma comunidade linguística. E se por um lado o signo linguístico é arbitrário, Saussure lembra que pode haver relativa motivação entre o significado e o significante em alguns casos. O princípio fundamental da arbitrariedade do signo não impede distinguir, em cada língua, o que é radicalmente arbitrário, vale dizer, imotivado, daquilo que só o é relativamente. Apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária; em outra, intervém um fenômeno que permite reconhecer graus no arbitrário sem suprimi-lo: o signo pode ser relativamente motivado. (SAUSSURE, 1996, p.152) Seguindo ainda a lógica das dicotomias para explicar o sistema da língua, Saussure apresenta dois tipos de arbitrariedade: significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por significante b-o-f de um lado da fronteira franco-germânica, e o-k-s (ochs) do outro. (SAUSSURE, 1996, p.81-82). 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 36/43 Absoluta Relativa A arbitrariedade absoluta pode ser exemplificada pelos números dez e nove, que isolados são totalmente arbitrários, manifestando uma relação imotivada. Ao combinar os dois números para formar dezenove, tem-se uma atenuação da arbitrariedade, pois dezenove originou-se dos signos ou palavras anteriores (dez e nove). Os significados anteriores servem para o entendimento do terceiro signo, portanto, temos a arbitrariedade relativa. A arbitrariedade do signo linguístico pode se contrapor à associação com a realidade encontrada no símbolo. O símbolo é motivado, ou seja, de alguma forma tem uma relação de causalidade ou proximidade com o mundo. Para explicar essa diferença, Saussure apresenta o símbolo da justiça, a deusa grega Têmis, com os olhos vendados, segurando a balança em uma mão e a espada na outra. Ao olhar para o símbolo da justiça, entende-se o seu papel de ser imparcial e de pesar os fatos. O signo tem uma relação arbitrária, imposta convencionalmente, com o conceito de justiça. Exemplo Outro exemplo para arbitrariedade absoluta é a palavra livro, enquanto livreiro é exemplo de arbitrariedade relativa, pois se trata de uma derivação. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 37/43 Outra característica defendida por Saussure sobre o signo linguístico é sua linearidade. Nas palavras dele, “o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha.” (1996, p.84). A parte material do signo, ou seja, o significante, é linear. Isso se concretiza nas formas fônicas, nos significantes acústicos que se manifestam um após outro, gerando uma cadeia. Segundo Saussure (1996, p.84), esse caráter apareceimediatamente quando os representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos. Se tomarmos a palavra cavalo e a segmentarmos em c-a-v-a-lo ou ca-va- lo, como na seguinte imagem, temos uma manifestação da linearidade no fato de identificarmos uma sequencialidade ou ordem que não pode ser rompida ou subvertida sob pena de dissolvermos o significante e o desprovermos de seu significado. (DALLIER, 2015, p.60). Segmentação da palavra “cavalo”. O signo não tem necessariamente associação com a escrita, mas serve para ilustrar a relação da linearidade do significante, uma letra de cada vez, assim como ocorre na sequência fônica. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 38/43 Se o signo mantém o aspecto da imutabilidade para que a língua seja preservada e compreendida pelos usuários, é na arbitrariedade que surgem as mudanças linguísticas. Para que a mudança ocorra, é preciso que outros membros da coletividade concordem, processo que se dá por meio do tempo, da língua e dos falantes. A mudança linguística não surge da noite para o dia. É um processo gradativo que começa com a variação. Por exemplo, a forma “Vossa Mercê” não foi simplesmente substituída por “você” em um instante. “Vossa Mercê” era amplamente utilizada, até que algumas pessoas passaram a produzir a forma “vosmecê”, que foi substituindo a forma anterior e alcançou uma nova variação: “você”. Atualmente, encontramos também a forma oral “cê”. Em outras palavras, a mudança linguística começa pela variação e, com o tempo, acontece o abandono da forma mais antiga. Observe: Não se deve confundir mudança linguística com atualização ortográfica. A ortografia é a forma estabelecida como correta para se escrever. Se cada indivíduo escrevesse da forma como se fala, em um espaço curto de tempo haveria tantas possibilidades de escrita que seria difícil ler um texto e, por isso, são estabelecidos certos padrões. Um exemplo de atualização ortográfica foi a mudança de escrita da palavra “pharmácia” para farmácia ou as alterações ocorridas recentemente em palavras como “idéia” e “vôo”, que perderam o acento gráfico. Nesses casos, não houve alteração de som, de morfologia ou mesmo de sentido, apenas modificou-se a grafia. Essas transformações acontecem para suprir as necessidades da sociedade, mas não podem ser vistas como mudança linguística. Vossa Mercê Vosmecê 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 39/43 Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 3 - Vem que eu te explico! Arbitrariedade absoluta e relativa Módulo 3 - Vem que eu te explico! Linearidade do signo linguístico 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 40/43 Questão 1 Devemos identificar como característica do signo linguístico, de acordo com Saussure, a relação significante/significado. Assinale a alternativa que identifica corretamente aspectos do conceito de significante e significado. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A O significante e o significado são partes do signo linguístico que podem ser separadas, podendo uma existir sem a outra. B O significante é equivalente a um conceito e o significado corresponde a uma imagem acústica, a parte sensível do signo. C O significado é equivalente a um conceito e o significante corresponde a uma imagem acústica, a parte sensível do signo. 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 41/43 Questão 2 Considerando que aipim, mandioca e macaxeira são termos diferentes para designar o mesmo tipo de planta e que manga pode designar tanto uma fruta quanto uma parte da camisa ou da blusa, identifique a alternativa que corretamente apresenta uma afirmativa sobre a relação significante/significado. D O significante é o som material ou a forma da palavra escrita, enquanto o significado é a coisa de que falamos. E Significado e significantes são conceitos que definem o signo linguístico a partir da união não psíquica entre as partes materiais da língua. Responder A O significante manga possui um único significado. B Os significantes aipim, mandioca e macaxeira possuem significados diferentes. C Manga é exemplo de que um mesmo significante pode ter mais de um significado, enquanto aipim, mandioca e macaxeira exemplificam significantes distintos com um mesmo significado. D Significantes diferentes nunca podem ter um mesmo significado e um único significante não pode ter significados diferentes. E Significantes diferentes sempre terão significados diferentes, não havendo exceção. Responder 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 42/43 Considerações �nais O estudo de dicotomias como língua/fala e diacronia/sincronia, além dos conceitos de arbitrariedade e linearidade, evidenciam que, para Saussure, a língua é um sistema, ou seja, uma estrutura. Ao estudar a língua como sistema, sob o enfoque sincrônico, destacando as relações sintagmáticas, você deve ter percebido que a língua é uma rede de elementos interligados com regras próprias que determinam e controlam o uso da própria língua (BORBA, 1998). Sob o enfoque diacrônico, por sua vez, nota-se que ao longo do tempo podem ocorrer mudanças no sistema da língua. A perspectiva estruturalista, no entanto, vê as mudanças linguísticas como um todo orgânico que se move, e não as partes isoladamente (BORBA, 1998, p.32). É bom lembrar, ao final deste conteúdo, que o foco dos estudos estruturalistas não foram as mudanças ocorridas na língua ao longo do tempo, mas o estudo da língua como um sistema ou estrutura em determinado momento. Outras correntes e teorias linguísticas posteriores ao estruturalismo de Saussure acabaram resgatando a dimensão diacrônica e até mesmo os aspectos sociais e culturais no estudo da língua. Podcast Ouça um resumo sobre os principais assuntos abordados neste conteúdo. 00:00 13:53 1x Explore + Você pode aprofundar seus conhecimentos sobre o estruturalismo proposto por Saussure lendo o artigo Saussure e o estruturalismo: retomando alguns pontos fundamentais da teoria saussuriana, das professoras Alessandra da Silveira Bez e Carla de Aquino. Outro texto que ajuda a aprofundar os estudos sobre o estruturalismo, partindo de Saussure e chegando até outros linguistas que vieram depois dele, é o artigo O Estruturalismo, do linguista Mattoso Câmara Jr. https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html 10/11/2023, 10:18 O estruturalismo de Ferdinand de Saussure https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00313/index.html# 43/43 Referências BORBA, F. S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998. CÂMARA JR., J. M. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1996. COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 113-126. DALLIER, L. C. Linguística. Rio de Janeiro: SESES, 2015. LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. 19. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. RIBEIRO, M. P. Gramática aplicada da língua portuguesa. 22. ed. Rio de Janeiro: Metáfora, 2013. ROSA, J. G. Tutameia. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1996. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material O que você achou do conteúdo?Relatar problema javascript:CriaPDF() 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 1/44 Objetivos Módulo 1 Vertentes europeia e norte-americana do funcionalismo Descrever o funcionalsimo em suas vertentes europeia e norte- americana. Acessar módulo Módulo 2 Iconicidade e gramaticalização O Funcionalismo Prof.ª Lana Mara Rodrigues Rego Descrição O funcionalismo linguístico e suas vertentes: europeia e norte-americana. O princípio da iconicidade e o processo de gramaticalização. Diferenças entre funcionalismo e formalismo. Propósito Identificar os conceitos e as contribuições do funcionalismo linguístico em suas vertentes europeia e norte-americana permite avaliar sua relação com o formalismo linguístico e reconhecer o desenvolvimento dos estudos linguísticos ao longo do século XX. Buscar Baixar conteúdo em PDF Vídeos Menu 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 2/44 Identificar o princípio de iconicidade e o processo de gramaticalização. Acessar módulo Módulo 3 A relação entre as abordagens formalista e funcionalista Relacionar a abordagem formalista à abordagem funcionalista. Acessar módulo Introdução Ao conhecermos os estudos linguísticos ao longo do século XX, percebemos que o estruturalismo e o gerativismo foram duas abordagens bastante importantes. Apesar de suas contribuições, essas abordagens eram mais formalistas e não davam conta da linguagem como instrumento de interação social. Nesse contexto, a corrente linguística que surgiu buscando explicar a língua a partir das situações de comunicação ou do contexto discursivo foi denominada funcionalismo linguístico. Por isso, vamos conhecer os conceitos e as contribuições do funcionalismo linguístico no cenário dos estudos linguísticos. Bons estudos! 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 3/44 1 Vertentes europeia e norte-americana do funcionalismo Ao final deste módulo, você será capaz de descrever o funcionalsimo em suas vertentes europeia e norte-americana. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 4/44 Contextualizando Estudar a língua a partir da análise de seu uso, principalmente por meio da coleta e do registro da fala de seus usuários, é um procedimento muito importante para os estudos linguísticos. Por tanto, nada melhor do que começarmos este módulo analisando o relato abaixo. Relato de corpus Acompanhe o áudio e a transcrição baseados no relato de opinião de uma informante do corpus elaborado pelo Grupo de Estudos Discurso & Gramática, seção Rio de Janeiro. Na transcrição, apresentada no vídeo anterior, são usados os seguintes sinais: Saiba mais Corpus é o conjunto de textos escritos e registros orais para fins de análise dos dados reais de determinada língua. A partir de critérios estabelecidos previamente, esses dados são coletados para serem objetos de pesquisa. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 5/44 Indica qualquer tipo de pausa Indica ruptura ou truncamento Representa palavras ou segmento incompreendidos 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 6/44 Representa alongamento de vogal Leia o trecho da transcrição, dando atenção especial aos elementos em destaque. "O que adianta... um casamento tão lindo... gastam tanto... pra no final eh... viv/ fica dois... três dias juntos... () até dois... três dias... depois se separam... entendeu? eu acho isso aí um absurdo... porque... poxa... eu... sei lá... (né?) sabe? eu a vida::/ tudo bem... está tudo difícil... né? mas a pessoa... eu acho a pessoa tem que saber... diretamente aquilo que quer..."(VOTRE; OLIVEIRA, 1995) O que os elementos destacados sinalizam? Oralidade Eles são chamados de marcadores discursivos. Considerados, tradicionalmente, como vícios de linguagem, esses elementos, típicos da oralidade, são usados para a organização da fala. Perceba como eles exercem a função de preencher o vazio da fala enquanto o falante reorganiza suas ideias no momento da interação. 1 de 2 Funcionalismo europeu O surgimento da Linguística como ciência da linguagem, no início do século XX, a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure, consagra o entendimento de que a língua é um sistema ou uma estrutura autônoma cujo funcionamento de seus elementos internos se dá por meio de relações ou combinações. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 7/44 Ferdinand de Saussure Porém, a visão estruturalista de Saussure, que considera a língua como um sistema autônomo, acabou sendo colocada em questão para privilegiar a língua como sistema funcional, que é utilizado tendo em vista determinado objetivo ou finalidade. A noção de função ganhou força nas discussões de linguistas posteriores a Saussure. Parte desses linguistas era membro da Escola de Praga, que é originária do Círculo Linguístico de Praga, fundado em 1926 pelo linguista tcheco Vilém Mathesius (1882-1945). Surge, então, a abordagem funcionalista, caracterizada pela concepção da língua como instrumento de comunicação e interação. O que significa que a estrutura ou o sistema da língua está sujeito às situações de comunicação, que acabam influenciando a estrutura gramatical da língua. Contribuições dos linguistas da Escola de Praga Fonologia Os estudos funcionalistas da Escola de Praga ficaram mais conhecidos por terem como foco a Fonologia. Chama a atenção o trabalho de Nicolai Trubetzkoy (1890-1938), responsável pelos fundamentos para o desenvolvimento dessa área. Na concepção de Trubetzkoy e de seus seguidores: 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 8/44 Os fonemas não são elementos mínimos em si, mas feixes ou conjunto de traços distintivos simultâneos. (CUNHA, 2009, p. 160) Para compreender melhor, observe este exemplo: Articulação do fonema /p/ O fonema /p/ é constituído dos traços: oclusivo, bilabial, surdo. Articulação do fonema /b/ O fonema /b/ é constituído dos traços: oclusivo, bilabial, sonoro. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 9/44 Logo, /p/ e /b/ diferem quanto à sonoridade, e esse traço [ + ou - sonoro] que distingue pares mínimos, como as palavras ‘pata’ e ‘bata’ (CUNHA, 2009, p. 160). Morfologia As contribuições dos linguistas da Escola de Praga, entretanto, não se limitam apenas à Fonologia. Roman Jakobson (1886-1982) destacou-se por sua contribuição à Morfologia, introduzindo o conceito de marcação, aplicado inicialmente em Fonologia. Comentário Na Fonologia, é muito comum apresentar os traços distintivos a partir de um esquema binário marcado pelos sinais + e – , que representam presença/ausência de determinada propriedade fônica. Saiba mais A marcação na Morfologia pode ser exemplificada tomando a categoria de gênero. A forma menina [+ feminino] é marcada. Em oposição a menino [– feminino], forma não marcada. Assim, o termo marcado carregaria uma marca semântica de gênero (menina), enquanto o termo não marcado não carregaria marca. Uma consequência disso é que o termo marcado teria uma distribuição na língua mais restrita do que o termo não marcado (MÄDER, 2015, p. 104). 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 10/44 Vejamos um exemplo na Morfologia, com relação à categoria de número: A forma crianças contém o traço [+ plural] e seria considerada uma forma marcada. Em oposição à forma criança, que não contém o traço plural [- plural] e seria, portanto, uma forma não marcada. Identi�caçãodas funções da linguagem Outra contribuição de Jakobson é a identificação das funções da linguagem, a partir de estudos realizados por outro linguista do Círculo de Praga, o alemão Karl Bühler (1879-1963). As funções identificadas por Bühler são: Referencial ou representativa Relacionada ao referente, ou seja, ao que se representa da realidade ou ao qual a língua se refere (ênfase no referente). Exemplos de situações em que predomina a função referencial: notícia de jornal, manual com a descrição de um aparelho, rótulo de embalagem de produtos alimentícios. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 11/44 Emotiva ou expressiva Relacionada à exteriorização ou manifestação de emoções, opiniões ou juízos de quem se expressa ou se comunica (ênfase no emissor). Exemplos de predomínio da função emotiva: artigos de opinião, carta pessoal, declaração de amor. Apelativa ou conativa Relacionada a quem recebe a mensagem (ênfase no receptor). Exemplos de predomínio da função apelativa: usar verbos no imperativo nas propagandas, chamar a atenção do interlocutor durante uma conversa. Já as funções elaboradas por Jakobson são: Fática Relacionada ao estabelecimento inicial de contato entre os interlocutores (ênfase no meio ou canal de comunicação). Exemplo: no início de um telefonema: “Alô, tem alguém aí? Alô! Oi, tudo bem?” 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 12/44 Metalinguística Relacionada às explicações ou aos esforços de decifração do código utlizado na comunicação (ênfase no código). Exemplos: o verbete de um dicionário, a explicação de um conceito. Função poética Relacionada à mensagem, quando se volta para si mesma, recebendo um tratamento mais cuidadoso ou que provoque algum estranhamento ou efeito estético (ênfase na mensagem). Exemplos: texto poético, slogan criativo. Teoria da perspectiva funcional da sentença Com foco na estrutura gramatical das línguas, o fundador do Círculo Linguístico de Praga, Vilém Matheusius(1882-1945), lançou a Teoria da perspectiva funcional da sentença. Segundo ele, a organização sintática dos elementos na oração (a posição e a relação dos termos em determinada frase) é motivada pelo contexto discursivo em que ela ocorre. Confira o exemplo e entenda melhor: 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 13/44 Enunciados como "Você é bobo!" e "Bobo é você!" não podem ser vistos como versões alternativas de dizer o mesmo conteúdo, considerando que os dois enunciados não seriam utilizados na mesma situação de comunicação. Motivações relacionadas ao contexto de utilização da língua levariam o falante a escolher uma forma, e não outra. Os exemplos (A) e (B), a seguir, são versões diferentes da mesma sentença, com as palavras mudando de ordem em função de uma situação de comunicação específica. Veja: (A) José chegou ontem à noite O item (A) pode ser a resposta à pergunta: “Quem chegou?” ou “José chegou?” (B) Ontem à noite José chegou O item (B) pode ser a resposta para a pergunta “Quando o José chegou?”, pressupondo que há algum dado já conhecido e uma nova informação. Pode-se constatar que a maneira como as frases são organizadas indica que há partes com mais informação nova do que outras partes das frases, o que caracteriza a perspectiva funcional da sentença. Comentário Outros nomes importantes do funcionalismo europeu: Michael K. Halliday (Inglaterra) e Simon C. Dik (Holanda). Ambos, na década 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 14/44 Funcionalismo norte- americano Na década de 1970, nos Estados Unidos, o funcionalismo ganhou força a partir do trabalho de Dwight Bolinger (1907-1992), além de um grupo de pesquisadores na Califórnia. Outros funcionalistas também desenvolveram seus trabalhos em diversas partes dos Estados Unidos, como o linguista Robert Van Valin (1952) em Nova York, atualmente professor na Universidade de Düsseldorf, na Alemanha. Alguns linguistas funcionalistas norte-americanos tiveram formação no gerativismo, mas passaram a buscar alternativas teóricas para abordar melhor os fenômenos estudados. Gerativismo é uma corrente de estudos da ciência da linguagem que teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950, a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky, professor emérito de Linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Na teoria gerativa, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma faculdade mental natural. A linguagem é analisada de forma matemática e abstrata (formal) (KENEDY, 2009, p. 127 e 130). A língua passa a ser investigada a partir do contexto linguístico e da situação extralinguística (elementos externos à língua). Busca-se, portanto, uma Linguística com foco no uso. A sintaxe, que trata das relações formais entre os elementos da sentença, deve ser investigada a de 1970, apresentaram interesse nos pressupostos teóricos funcionalistas. Dik ganhou notoriedade com o desenvolvimento da Teoria da Gramática Funcional. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 15/44 partir da língua em uso, pois a sua forma está relacionada às estratégias utilizadas pelos falantes no momento da interação. Marcos do funcionalismo norte-americano Vejamos mais profundamente algus marcos do funcionalismo norte- americano: Foco do funcionalismo norte-americano Os funcionalistas buscam verificar o modo como os usuários da língua se comunicam eficientemente. Um dos pontos-chave do funcionalismo norte- americano é entender que a forma como os elementos da língua se organizam não deve ser descrita ou explicada sem levar em conta que a estrutura da língua tem uma função comunicativa. Isso quer dizer que o estudo da língua precisa levar em conta o contexto da situação de comunicação, o contexto. Funcionalismo no Brasil Você sabia que também houve estudos funcionalistas por aqui? Assista ao vídeo e saiba mais! 1976 1979 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 16/44 Vamos começar! Entenda sobre o funcionalismo no Brasil. Na transcrição da fala logo no começo deste módulo, é possível perceber que a informante planeja o que está falando no momento da interação. Por essa razão, é possível notar a dificuldade em manter a linearidade ou evitar repetições e interrupções. Aquele é um exemplo de que a fala apresenta interrupções, pausas e hesitações para se pensar no que acabou de falar ou mesmo no que será dito adiante. Isso mostra que vamos reorganizando nossa fala por meio de reflexões, reavaliações ou adendos a partir do que acabou de ser dito, tudo isso enquanto continuamos falando, como acontece numa conversação. Assim, expressões como “... poxa...... sei lá... (né?) sabe?” são exemplos de marcadores da fala, usados para viabilizar o processamento das informações enquanto falamos e marcar para o ouvinte que estamos reformulando nosso pensamento. Com isso, também ganhamos tempo para reorganizar as ideias e dar continuidade à fala (MARTELOTTA et al., 1996, p. 62). Além do que você aprendeu até agora sobre o funcionalismo, há alguns princípios dessa corrente linguística que ainda devem ser trabalhados, como o princípio da iconicidade e da gramaticalização, assunto do próximo módulo. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 1 - Vem que eu te explico! 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 17/44 Teoria da perspectiva funcional da sentença Módulo 1 - Vem que eu te explico!Foco do funcionalismo norte-americano 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 18/44 Questão 1 O funcionalismo linguístico deve ser adequadamente descrito como Questão 2 O funcionalismo norte-americano ganha força na década de 1970. Uma de suas características pode ser descrita corretamente como: Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A corrente teórica que reproduziu os princípios de Saussure, focando a estrutura gramatical independentemente do objetivo do uso da língua. B abordagem que se caracteriza por uma concepção de língua como um fim em si mesma, importando mais o estudo de seus aspectos formais e internos. C abordagem teórica que identifica a língua como um sistema separado e independente das situações de comunicação. D corrente teórica em que a função de comunicação e expressão é central e a linguagem é atividade dirigida para um fim específico. E corrente teórica que aborda a língua a partir de uma concepção inatista e abstrata. Responder 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 19/44 2 Iconicidade e gramaticalização Ao final deste módulo, você será capaz de identificar o princípio de iconicidade e o processo de gramaticalização. A investigação da língua a partir do contexto linguístico e da situação extralinguística. B foco na estrutura gramatical, ou seja, apenas na forma linguística. C rejeição de uma linguística com foco no uso. D ênfase na estrutura linguística independentemente do seu uso. E investigação da sintaxe da língua a partir de estruturas idealizadas e abstratas. Responder 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 20/44 Princípio da iconicidade Para começar, vejamos a comparação de algumas formas! O que o indivíduo está usando para forçar a abertura da janela? Por que será que chamamos o objeto utilizado por ele de “pé de cabra”? Vamos comparar as formas? 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 21/44 Você consegue observar alguma semelhança entre a ferramenta e o animal? Por que será que isso ocorre? Essas questões podem nos ajudar a pensar sobre o funcionalismo linguístico, principalmente em relação ao princípio da iconicidade. Vamos descobrir o que é? Para os funcionalistas, a iconicidade é a correlação natural entre forma e função, ou seja, entre a expressão (código linguístico) e seu conteúdo. Esse entendimento era contrário ao princípio da arbitrariedade elaborado por Saussure, que defendia uma relação não motivada, não natural, sem causalidade, entre a forma (expressão) e o conteúdo (sentido). Comentário Além do princípio de iconicidade e do processo de gramaticalização, há outros princípios e categorias centrais do funcionalismo norte-americano, como informatividade, marcação, transitividade e plano discursivo. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 22/44 A versão mais forte do princípio da iconicidade foi proposta por Dwight Bolinger. Ele defendia que: A condição natural de uma língua é preservar uma forma para um signi�cado e um signi�cado para uma forma. (BOLINGER, 1977, apud MARTELOTTA et al., 1996) Uma forma com várias funções e uma função com várias formas De acordo com a versão original do princípio de iconicidade, há uma única forma linguística para expressar uma ideia. No entanto, quando se observam os processos de variação e de mudança linguísticas, verifica- se que essa relação isomórfica (de um para um – entre forma e conteúdo) nem sempre ocorre. Há casos em que há duas ou mais formas alternativas de dizer a mesma coisa (CUNHA, 2009). Essa versão inicial do princípio, portanto, foi reformulada devido aos estudos sobre os processos de variação e mudança linguísticas que apontam a existência de uma forma que desempenha várias funções ou uma função que é desempenhada por várias formas. Veja algumas situações na Língua Portuguesa que ilustram o fato de uma forma apresentar várias funções e de uma função poder ser exercida por várias formas (CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2003): Uma forma com várias funções 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 23/44 Uma função com várias formas Mudança linguística e iconicidade O caráter dinâmico das línguas aponta para o fato de que algumas formas linguísticas, com o uso, passam a exercer outras funções. Perde- se, total ou parcialmente, o significado original. Pode-se dizer, com isso, que há fenômenos linguísticos que mudam com o tempo, em função do uso da língua. Um exemplo interessante é a conjunção embora, cuja relação entre forma e significado passa a ser aparentemente arbitrária com a mudança ao longo do tempo. Em boa hora Era medieval Embora Atualidade 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 24/44 A conjunção embora, atualmente, é utilizada com valor concessivo (Embora Paulo tenha trabalhado muito no final de semana, foi demitido.). No entanto, na era medieval, embora apresentava também valor temporal, significando em boa hora. Naquela época, "essa expressão era comumente acrescida a determinadas frases em virtude da crença de que o sucesso dos atos estava relacionado ao momento em que eram praticados" (CUNHA, 2009, p. 167). Observa-se que, ao longo do tempo, a expressão em boa hora passa a ter a sua forma diminuída. A necessidade de reformular a versão inicial do princípio de iconicidade levou os funcionalistas a propor três subprincípios relacionados à quantidade de informação, ao grau de integração entre os constituintes da expressão e do conteúdo e à ordenação sequencial dos segmentos. Veja mais informações sobre cada um deles: Processo de gramaticalização Outro pressuposto teórico do funcionalismo é o processo de gramaticalização: itens que fazem parte do léxico e das construções sintáticas passam a ser utilizados com novas funções gramaticais. O processo de gramaticalização é considerado um processo de regularização do uso da língua e está, portanto, relacionado à variação e à mudança linguísticas. Para os funcionalistas, a gramática de uma língua é uma estrutura maleável. Por isso, novas formas e novos rearranjos são feitos. Quantidade de informação Grau de integração entre constituintes e conteúdo Ordenação sequencial dos segmentos 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 25/44 Ao analisar alguns processos de gramaticalização, é possível identificar que a forma deixa de fazer referência a algo do mundo real para assumir funções de caráter gramatical. De modo geral, percebe-se um desgaste fonético da forma e a perda da expressividade (CUNHA, 2009). Veja algumas situações (CUNHA et al., 2003, p. 174): Trajetória de substantivos e verbos para conjunções Trajetória de nomes e verbos para morfemas O termo gramaticalização pode ser entendido em seu sentido amplo (lato sensu) e em seu sentido específico (stricto sensu). Em sentido amplo, as mudanças ocorrem no interior da própria gramática. Em sentido específico, o processo de gramaticalização envolve formas que migram do léxico para a gramática (CUNHA et al., 2003). A pesquisa desenvolvida pela professora Leonor Oliveira, sobre a trajetória do pronome onde, é um exemplo de estudo que enfoca a gramaticalização lato sensu. Atenção! É bom lembrar que, para os funcionalistas, a gramática é o conjunto de padrões ou de regularidades da língua que se estabelecem pelo uso da própria língua. Nesse sentido, o uso da língua acaba moldando a gramática, ou seja, torna regular as formas de organizar a fala. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismohttps://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 26/44 Oliveira (2000) destaca em seu trabalho o deslizamento de sentido da forma onde, que tem novas funções na própria gramática, passando de pronome relativo com o sentido de espaço físico para designar espaço de tempo e, em seguida, como marcador discursivo. Veja alguns exemplos de contextos reais de uso da língua, retirados do corpus do Grupo de Estudos Discurso e Gramática, seção Natal: Espaço físico “Aí ele tinha... tinha o porão... onde guardava as ferramentas...” 1 de 3 Como exemplo da gramaticalização stricto sensu, é possível citar a investigação da professora Maria Aparecida da Silva Andrade (SILVA, 2000) sobre a trajetória de mudança do verbo ir, que passa de verbo pleno a verbo auxiliar: 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 27/44 Construção metafórica Lembra do exemplo do “pé de cabra”? Agora que você já conhece o princípio de iconicidade e o processo de gramaticalização, que tal analisá-lo? Trata-se de uma construção metafórica, em que um novo sentido é atribuído. Observe que, por um processo de transferência semântica, uma mesma forma passa a expressar novas ideias. Para entender mais sobre isso, veja como os funcionalistas investigam uma base corporal da metáfora. Um dos recursos mais comuns de deslizamento de sentido e de indiretividade é a metáfora. (VOTRE apud MARTELOTTA et al., 1996) Para o autor, o corpo (humano) serve como a base para a construção de metáforas comuns no dia a dia. Assim, as metáforas são construídas a partir do nosso corpo. Partindo dele, temos a concepção de objetos com os quais lidamos Veja alguns exemplos citados por ele: 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 28/44 Apoiou o pé da cadeira numa pedra. Está com uma cabeça de prego no joelho. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 29/44 Apoiou as costas do sofá na perna da mesa. Quebrou o bico da prancha contra um coral. Iconicidade e gramaticalização Confira um resumo dos principais aspectos sobre iconicidade e gramaticalização estudados neste módulo. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 30/44 Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 2 - Vem que eu te explico! Mudança linguística e iconicidade Módulo 2 - Vem que eu te explico! O conceito de gramaticalização 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 31/44 Questão 1 Identifique a afirmação que corresponde ao princípio da iconicidade, seja no seu sentido original e mais forte, seja na sua reformulação em função das mudanças e variações da língua. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A A relação não natural entre expressão e conteúdo caracteriza a arbitrariedade da língua, manifestada no fato de a forma de uma palavra não ter relação de causalidade com seu conteúdo ou sentido. B O sufixo -inho nas palavras criancinha, paizinho, gentinha e devagarzinho demonstra uma forma com uma única função, apontando para ausência de causalidade. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 32/44 Questão 2 Assinale a alternativa em que o conceito do processo de gramaticalização é apresentado e ilustrado corretamente. C As diversas formas para função de impessoalização do agente da ação verbal não ilustra uma das reformulações do princípio de iconicidade original. D Em sua versão original e mais forte, o princípio da iconicidade defendia que a condição natural de uma língua é preservar uma forma para um significado, e um significado para uma forma. E O princípio da iconicidade corresponde à relação não natural entre forma e conteúdo, apontando para a não causalidade da língua. Responder A O termo gramaticalização pode ser entendido apenas em seu sentido específico (stricto sensu), como exemplificado no verbo ir, que sempre aparece como verbo pleno. B O termo gramaticalização pode ser entendido em seu sentido amplo (lato sensu), como exemplificado no invariável do pronome relativo onde. C A gramaticalização corresponde às mudanças que ocorrem no interior da própria gramática, como exemplificado nas mudanças de sentido do pronome relativo onde. D A gramaticalização possui apenas sentido específico (stricto sensu), ilustrado pelas mudanças que ocorrem no interior da própria gramática. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 33/44 3 A relação entre as abordagens formalista e funcionalista Ao final deste módulo, você será capaz de relacionar a abordagem formalista à abordagem funcionalista. E No interior da gramática da língua, não ocorrem mudanças, conforme se atesta no uso do pronome relativo onde. Responder 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 34/44 Contexto teórico do formalismo Ao conhecer, brevemente, o histórico dos estudos funcionalistas na Europa e nos Estados Unidos, você observou que os funcionalistas consideram que a investigação linguística deve ir além da estrutura gramatical, pois, nessa investigação, não se pode descartar a análise do contexto discursivo e da motivação para os fatos linguísticos. Essa abordagem se opõe ao modo como a Linguística era feita na época. O estruturalismo e o gerativismo, correntes da Linguística que têm como nomes importantes, respectivamente, os linguistas Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky, caracterizam uma abordagem formalista dos estudos de uma língua. Vamos entender a diferença entre essas abordagens? Com Saussure, a Linguística se firma como ciência da linguagem, tendo como seu objeto de estudo definido a língua e como metodologia a descrição e análise dos elementos formais de sua estrutura interna. Para Saussure, a língua deve ser vista como uma estrutura ou um sistema autônomo. Essa é a base para os estudos estruturalistas, nos quais a língua é concebida como um sistema com um conjunto de elementos organizados, constituindo um todo. A tarefa do linguista, por sua vez, é analisar a estrutura da língua, ou seja, sua organização estrutural. O foco no estruturalismo, a partir de Saussure, é a investigação de aspectos fonéticos, fonológicos e sintáticos da língua. Questões relacionadas ao significado – questões semânticas – e relacionadas às situações comunicativas em que o falante se encontra – questões pragmáticas – não foram contempladas nas análises estruturalistas. De acordo com Ilari (2009, p. 58), para os estruturalistas, o sistema deve ser o objeto de estudo Estruturalismo de Saussure Gerativismo de Chomsky 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 35/44 das pesquisas linguísticas, “e não as mensagens a que ele serve de suporte”. Se, para Saussure, a Linguística deve se ocupar com a investigação da língua, para Chomsky, o foco deve ser o funcionamento da faculdade da linguagem. Ambos desconsideram a investigação da língua em uso, caracterizando, portanto, uma abordagem formalista dos estudos linguísticos, o que se opõe à corrente funcionalista. Abordagem formalista X abordagem funcionalista Para Neves (1997), a abordagem formalista ou polo formalista tem seus maiores expoentes no Estruturalismo norte-americano (representado por Boomfield, Harris e outros) e, em um sentido menos rigoroso, no gerativismo de Noam Chomsky. Por outro lado, o polo funcionalista tem seus representantes na Escola de Praga e nos modelos de gramática de Halliday e Dik. Veja os principais representantesde cada abordagem: Objeto de estudo da linguística funcional Em oposição à abordagem formalista, o linguista francês André Martinet (1908-1999), representante do funcionalismo europeu fora da Escola de 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 36/44 Praga e fundador da Sociedade Internacional de Linguística Funcional, aponta a competência comunicativa como o verdadeiro objeto de estudos da Linguística. Conforme André Martinet (apud NEVES, 2018, p. 16), cabe à Linguística investigar o modo como as pessoas conseguem se comunicar pela língua. Essa ideia opõe-se ao pensamento de Saussure e de Chomsky, que consideram a língua como um fenômeno isolado. Assim, de acordo com os funcionalistas, a língua serve a uma variedade de propósitos. Um deles é efetuar a comunicação. O foco do funcionalismo é o uso da língua, visando verificar as regularidades observadas nesse uso a partir da análise do contexto discursivo. Para os funcionalistas, a análise da estrutura gramatical dentro de toda a situação comunicativa merece destaque, uma vez que a situação comunicativa explica ou mesmo determina a estrutura gramatical. (REGO, 2009, p. 54) Assim, os funcionalistas tratam a gramática como uma estrutura maleável, que se adapta aos contextos comunicativos e às necessidades cognitivas dos falantes. Desse modo, por exemplo, não é possível compreender o fenômeno sintático sem considerar os contextos discursivos, ou seja, as situações em que a língua é utilizada. São essas situações de comunicação e de uso que acabam estabelecendo a forma de a língua se organizar; dito de outra forma, constituem a gramática da língua. O paradigma formal e o paradigma funcional 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 37/44 Comparativo entre os paradigmas formal e funcional Entenda a distinção entre o paradigma formal e o paradigma funcional. Vejamos o quadro de distinção entre o paradigma formal e o paradigma funcional : Tópicos Paradigma Formal Paradigma Funcional Como definir a língua Como conjunto de orações. Como instrumen de interação soc Principal função da língua É a expressão de pensamentos. É a comunicaçã Correlato psicológico Competência: capacidade de produzir, interpretar e julgar orações. Competência comunicativa: habilidade de interagir socialmente com língua. O sistema em uso O estudo da competência tem prioridade sobre o da atuação. O estudo do sistema deve fa se dentro do quadro de uso. Língua e contexto/situação As orações da língua devem descrever-se independentemente do contexto/situação. A descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição seu funcioname em dado contex 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 38/44 Tópicos Paradigma Formal Paradigma Funcional Aquisição da linguagem Faz-se no uso de propriedades inatas, com base em um input restrito e não estruturado de dados. Faz-se com a aj de um input extenso e estruturado de dados apresenta no contexto cultural. Universais linguísticos São propriedades inatas do organismo humano. Explicam-se em função de restrições: comunicativas; biológicas ou psicológicas; contextuais. Relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática A sintaxe é autônoma em relação à semântica; as duas são autônomas em relação à pragmática; as prioridades vão da sintaxe à pragmática, por via da semântica. A pragmática é quadro dentro d qual a semântic a sintaxe devem ser estudadas; a prioridades vão pragmática à sintaxe, por via d semântica. No quadro, observamos como a visão sobre língua, uso, aquisição e gramática é distinta nas duas abordagens. Resumidamente, a conclusão é que os formalistas veem a língua como “um objeto autônomo, cuja estrutura independe de seu uso em situações comunicativas reais” (KENEDY; MARTELOTTA, 2003, p. 20). Para os funcionalistas, por sua vez, a língua é um instrumento de comunicação que varia e muda. Portanto, é necessário investigar seu funcionamento. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 39/44 Módulo 3 - Vem que eu te explico! Objeto de estudo da linguística funcional Módulo 3 - Vem que eu te explico! Os enfoques distintos entre formalismo e funcionalismo 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 40/44 Questão 1 Diferentemente dos formalistas, os funcionalistas estudam a língua no seu contexto de uso. Nesse sentido, é fundamental analisar: Questão 2 Analise as afirmativas a seguir, considerando a relação entre formalismo e funcionalismo. I - Paradigma formal: define a língua como conjunto de orações. Paradigma funcional: define a língua como instrumento de interação social. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A O contexto discursivo em que ocorre a comunicação e a motivação para os fatos linguísticos. B A capacidade inata necessária para desenvolver uma língua e os aspectos mentais na produção linguística. C O modelo formal de descrição teórica de uma língua, com foco na estrutura gramatical. D A competência linguística para produzir os enunciados conforme os estudos gerativistas. E Os aspectos diacrônicos da língua, com foco na sua reconstituição. Responder 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 41/44 II - Paradigma formal: principal função da língua é a expressão de pensamentos. Paradigma funcional: principal função da língua é a comunicação. III - Paradigma formal: sobre a língua e o contexto/situação: as orações da língua devem descrever-se independentemente do contexto/situação. Paradigma funcional sobre a língua e o contexto/situação: a descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição de seu funcionamento em determinado contexto. IV - Paradigma formal: universais linguísticos são aspectos da linguagem vinculados ao uso da língua e às restrições do contexto. Paradigma funcional: universais linguísticos são propriedades inatas do organismo humano. Está correto apenas o que se afirma em: Considerações �nais Você estudou os pressupostos teóricos do funcionalismo, corrente da Linguística que se ocupa em investigar o fenômeno linguístico a partir do seu uso, ou seja, em contextos reais de interação. Diferentemente da abordagem formalista, os funcionalistas afirmam que a estrutura da língua não pode ser investigada sem referência à sua função comunicativa, ou seja, sem investigar seus contextos de uso e os propósitos comunicativos dos interlocutores. Após um breve histórico sobre o funcionalismo europeu, você também conheceu o funcionalismo norte-americano e dois de seus pressupostos A I e II B II e IV. C I, II e III. D II, III e IV. E III e IV. Responder 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 42/44 teóricos: o princípio de iconicidade e o processo de gramaticalização. Este aprendizado deve levá-lo a perceber que as línguas do mundo são dinâmicas e que, com o uso, algumas formas linguísticas passam a exercer outras funções para atender às necessidades comunicativas dos seus usuários. Com o funcionalismo e sua relação de oposição ao formalismo, você certamente ampliou a visão sobre como pode ser feita uma investigação linguística. Podcast Para encerrar, ouça um resumo dos principais tópicos abordados neste conteúdo. 00:00 09:15 1x Explore + Confira as indicações que separamos especialmente para você! Pesquise sobre Corpus DG para conhecer os corpora (plural de corpus) do Grupode Estudos Discurso e Gramática. Para aprofundar seus estudos sobre o funcionalismo, procure o artigo Uma visão geral da gramática funcionalista, da linguista Maria Helena de Moura Neves. Para ler textos sobre a aplicação dos conceitos do funcionalismo, consulte o livro Funcionalismo e estudo de gramática, disponibilizado gratuitamente. Referências BOLINGER, D. Meaning and form. Londres: Longman, 1977. BORBA, F. S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998. CUNHA, M. A. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. T. (org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2009. https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html 10/11/2023, 10:21 O Funcionalismo https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00015/index.html# 43/44 CUNHA, M. A. et al. Pressupostos teóricos fundamentais. In: CUNHA, Maria Angélica da; OLIVEIRA, Mariângela Rios de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. DIK, C. S. Some principles of functional grammar. In: DIRVEN, R.; FRIED, V. (ed.). Functionalism in linguistics. Philadelphia: John Benjamins, 1987. p. 81-100. DUBOIS, J. et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2006. ILARI, R. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. São Paulo: Cortez, 2009. 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Relatar problema javascript:CriaPDF() 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 1/52 O gerativismo de Chomsky Prof. Alessandro Boechat de Medeiros Descrição O conceito de gramática gerativa, as dicotomias competência/desempenho e língua-E/língua-I. Principais definições e argumentações que fundamentam as ideias que alicerçam a teoria gerativa. Propósito Compreender as principais ideias e os argumentos defendidos por Noam Chomsky e outros linguistas gerativistas na revolução cognitiva permite a identificação das importantes influências na ciência da linguagem até os dias de hoje. Objetivos Módulo 1 A gramática gerativo- transformacional 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 2/52 Descrever o conceito de gramática gerativo-transformacional. Módulo 2 A gramática universal Reconhecer o conceito de gramática universal e suas diferentes formulações. Módulo 3 Aquisição da linguagem Relacionar as implicações da gramática universal à aquisição da linguagem. Introdução A linguagem humana é inata, nascemos com ela, ou é algo que temos de aprender? O que torna possível qualquer ser humano adquirir uma língua? Por que a criança, antes mesmo de ir à escola, é capaz de elaborar sentenças que nunca falou e que apresentam alguma ordem ou relação sintática? Essas são algumas questões que provavelmente já vieram à sua mente ao refletir sobre a linguagem ou ao observar como uma criança ainda muito novinha começa a pronunciar as primeiras palavras. Na verdade, vários pensadores e pesquisadores se ocuparam de problemas relacionados à linguagem humana e ao modo como ela se manifesta e se desenvolve. Na Filosofia, nas Ciências Sociais, na Psicologia e na Linguística, há diferentes metodologias, enfoques e teorias para desvendar e compreender o fenômeno da linguagem. Na primeira metade do 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 3/52 século XX e no começo de sua segunda metade, correntes teóricas na Psicologia e até na Linguística defendiam que ela se desenvolve no ser humano, principalmente, a partir de condicionamentos e respostas a estímulos externos, ou seja, a criança começa a falar imitando alguns comportamentos e formando determinados hábitos. No final dos anos 1950, o linguista norte-americano Noam Chomsky provocou uma revolução na maneira de pensar o fenômeno da linguagem humana ao propor uma teoria inovadora da aquisição da linguagem. Para isso, Chomsky elaborou conceitos originais sobre a gramática e o funcionamento da língua. Neste conteúdo, você vai estudar os principais conceitos que norteiam a linguística de Chomsky, comumente denominada linguística gerativa, elaborados desde o início da primeira metade do século XX e desenvolvidos ainda nas primeiras décadas do século XXI. 1 - A gramática gerativo-transformacional Ao �nal deste módulo, você será capaz de descrever o conceito de gramática gerativo-transformacional. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 4/52 Contexto do surgimento do gerativismo Muitos assumem como marco inicial da escola gerativa na Linguística (também conhecida como gramática gerativo-transformacional ou, simplesmente, gramática gerativa) a publicação do livro Syntactic structures em 1957, de autoria de Noam Chomsky. No Brasil, Estruturas sintáticas foi publicado em 2015. No entanto, ainda em 1957, Chomsky submeteu sua famosa resenha para o livro Verbal behavior, escrito por Burrhus Frederic Skinner. Apesar de ter sido submetida em 1957, a resenha só foi publicada dois anos depois. O livro Estruturas sintáticas e a resenha de Chomsky fizeram uma crítica contundente à pesquisa linguística até aquele momento. Vejamos dois exemplos dessa crítica a seguir: Noam Chomsky Além de linguista, filósofo e matemático de fama internacional, Chomsky também tornou-se uma celebridade pelo seu ativismo político. Professor por mais de 40 anos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), mudou-se para a Universidade do Arizona, em Tucson, em 2017. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 5/52 Psicólogos behavioristas Explicavam os fenômenos da mente por meio da análise dos comportamentos que podem ser observados, ou seja, eles propunham uma análise experimental do comportamento. Os behavioristas estudavam as relações entre os estímulos e as respostas que os indivíduos davam ao serem estimulados. Linguistasestruturalistas Mostrar as limitações dessas abordagens e de suas concepções. Questionar a ideia de que a aquisição da linguagem decorre da formação de hábitos ou da imitação de certos tipos de comportamentos, como defendiam psicólogos behavioristas e boa parte dos linguistas estruturalistas nos Estados Unidos. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 6/52 O linguista Leonard Bloomfield, um importante representante da explicação comportamental para a aquisição da linguagem, entendia que a língua se adquire por meio da repetição. O ato de fala corresponderia a um tipo específico de comportamento, enquanto a comunicação seria um tipo de resposta a um estímulo. Assim, seria acertado dizer que esses dois trabalhos, complementares por natureza, são o que historicamente pavimenta a perspectiva gerativa no mundo das ideias linguísticas do século XX. Chomsky será, com efeito, a figura central nesse movimento, redefinindo os objetivos da ciência linguística e cunhando uma série de conceitos que passam a orientar as pesquisas sobre línguas naturais a partir de 1960. Particularmente, ele propõe um retorno ao racionalismo dentro do estudo da linguagem, contrariando tanto o pensamento de matriz empirista, que orienta a psicologia behaviorista, quanto o estruturalismo americano na Linguística. Talvez você esteja se perguntando: O que significa ser racionalista ou empirista? Em linhas gerais, de maneira bastante resumida, os racionalistas defendem que trazemos ideias inatas, conhecimentos que não adquirimos (os quais, de fato, não podemos adquirir) com a experiência. São como proposições impressas em nossa mente/cérebro desde o nascimento. Já o empirismo, que tem como expoente no século XVII o pensador liberal inglês John Locke (1632-1704), alega que somos tabula rasa, ou seja, que não possuímos conhecimentos inatos, não nascemos com ideias impressas em nossa mente. Para essa corrente, temos determinadas habilidades, faculdades, que nos tornam capazes de converter experiências em conhecimento. Observe a seguinte proposição: John Locke (1632-1704) Filósofo inglês que, além de ser um expoente do Empirismo, era também um importante representante do individualismo liberal. Na política, Locke defendeu ideias liberais e foi o primeiro a apresentar a divisão do Estado em três poderes distintos. Em sua obra Ensaio acerca do entendimento humano, publicada em 1689, Locke apresenta sua teoria sobre a aquisição do conhecimento. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 7/52 "Se a é igual a b,e b é igual a c,então a é igual a c." Conhecida como a propriedade de transitividade da relação de igualdade, essa proposição nos ajuda a entender as perspectivas racionalista e empirista. Observe a comparação a seguir: Perspectiva racionalista A proposição exprime um conhecimento que todos nós possuímos, mesmo que não tenhamos consciência disso. Um conhecimento que já trazemos conosco quando nascemos, uma ideia inata. Perspectiva empirista A proposição é aprendida ou formulada a partir das experiências e de nossas capacidades de fazer analogias e de capturar elementos comuns de experiências distintas. É importante isto ficar claro: as capacidades ou habilidades assumidas pelos empiristas não são conhecimentos ou ideias. Curiosidade Os gramáticos de Port Royal, no século XVII, são alguns dos expoentes do racionalismo europeu. Gramáticos de Port Royal A Gramática de Port Royal surgiu na França, em 1660, escrita pelo padre, teólogo e filósofo Antoine Arnauld e pelo monge e gramático Claude Lancelot. Essa gramática passou a ser o modelo para muitas gramáticas daquele momento. O consenso na época é que a linguagem estava fundada na razão e refletia o pensamento. Logo, os princípios de análise deveriam ser universais para qualquer língua. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 8/52 A Linguística norte-americana do século XX - particularmente aquela influenciada pela psicologia behaviorista - terá uma clara orientação empirista, assumindo que nossas dotações naturais não passam de faculdades que nos permitem fazer generalizações, abstrações etc. Ela também defende que nossos comportamentos linguísticos são consequência de uma complexa trama de estímulos, de respostas a esses estímulos (normalmente imitação de comportamentos de outros) e de reforços positivos ou negativos a tais respostas ao longo de nossa história individual. Chomsky, no entanto, questiona esse quadro. Ele mostra que boa parte do que sabemos sobre a língua não está presente nos estímulos linguísticos que recebemos. Para ele, as faculdades de generalização e abstração, entre outras, assumidas pelos empiristas não são suficientes para explicar os conhecimentos linguísticos que os falantes adultos detêm de sua língua. Noam Chomsky. Desse modo, se parte do que sabemos da língua não está nos estímulos que recebemos, para onde nos conduz Chomsky? Reflita um pouquinho sobre isso antes de seguir. Resposta Se pelo menos uma parte daquilo que sabemos não está nos estímulos (na experiência), essa parte não pode ser explicada por qualquer perspectiva empirista - e, em particular, pelo behaviorismo. Logo, é preciso retomar a posição racionalista para explicar pelo menos uma parte do conhecimento linguístico dos falantes adultos. Conhecido como argumento da pobreza do estímulo, esse argumento será detalhado mais adiante. É com base nele que a escola gerativa, racionalista do ponto de vista filosófico, propõe uma forma de inatismo 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 9/52 ou nativismo para explicar a aquisição da língua. Ela defende que os seres humanos vêm ao mundo dotados de conhecimentos especificamente linguísticos (ou princípios linguísticos estruturantes); impressos em sua mente, eles facilitam ou mesmo possibilitam a aquisição de uma língua natural. Tais princípios estão presentes no estado inicial da faculdade da linguagem humana, chamada por Chomsky de gramática universal. Eles possibilitam a aquisição da linguagem, ou seja, são a causa da universalidade, rapidez e uniformidade da aquisição linguística entre humanos. Conceito de gramática gerativa Ao contrário da concepção de gramática como um conjunto de regras prescritivas para falar e escrever corretamente, o conceito de gramática na Filosofia, na Linguística e, em particular, na gramática gerativa é completamente outro. Assumindo que uma língua L seja um conjunto de sentenças finitas em extensão constituídas de um conjunto finito de elementos (CHOMSKY, 1957), Chomsky entende por gramática gerativa dessa língua L um sistema de regras explícito que fornece descrições estruturais completas e bem definidas de todas as sentenças de L - e somente delas (CHOMSKY, 1965). Simplificando, tal gramática, esse sistema de regras explícito, bem definido e completo, será capaz de gerar todas as (infinitas) frases da língua L sob análise - e somente as frases dessa língua. Outras teorias linguísticas que forneçam gramáticas explícitas capazes de gerar todas as sentenças de uma língua fornecerão gramáticas gerativas dessa língua. Atenção! O gerativismo chomskyano se distingue de outras teorias linguísticas gerativas modernas essencialmente por postular a existência de um tipo específico de regra: as transformações. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 10/52 Modernamente, as transformações se traduzem pela regra de deslocamento de constituintes. Uma regra de deslocamento serve para dar conta de sentenças. Exemplo Quem o Mário encontrou na livraria? Na sentença, o pronome interrogativo “Quem” é um objeto direto (complementodo verbo), mas não está na posição tradicional de objeto – ele está deslocado para o início da frase. Uma maneira de lidar com o fato de o objeto direto estar em uma posição que não a dele é dizer que as regras do sistema linguístico incluem deslocamentos de constituintes, regras que movem um constituinte de uma posição para outra dentro da sentença. No exemplo, o objeto está sendo movido da posição tradicional de objeto direto, junto ao verbo, para o início da frase. Ele, portanto, continua sendo objeto direto e interpretado como tal, mas está sendo pronunciado em outra posição. Até aqui, a gramática (ou gramática gerativa) vem sendo entendida como uma teoria linguística sobre as regras ou os princípios que geram as sentenças de determinada língua L, qualquer que seja a natureza dessa teoria. O termo “gramática”, porém, tem outra acepção: sistema de regras ou princípios internalizados, representados na mente dos falantes de determinada língua L, aqueles que dão forma a suas sentenças e lhes permitem produzir e entender as frases dessa língua. Conhecido como gramática universal, esse conceito será trabalhado posteriormente. Ao longo deste conteúdo, você deverá ficar bem atento, pois encontrará o termo “gramática” de maneira ambígua. Gramática gerativa Teoria linguística sobre o conhecimento linguístico de um falante. Gramática universal É o próprio conhecimento linguístico representado na mente dessefalante. Autonomia da sintaxe 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 11/52 Talvez a mais famosa frase de Noam Chomsky seja “Colorless green ideas sleep furiously”, (ideias verdes sem cor dormem furiosamente), encontrada no livro Estruturas sintáticas. A frase, que reúne muitas contradições semânticas, é perfeita do ponto de vista sintático. Talvez você esteja se perguntando: Como se dorme furiosamente? Como uma ideia pode dormir? Como um substantivo abstrato colorido é sem cor ao mesmo tempo? Os falantes de inglês sabem que essa frase não viola nenhuma regra sintática e conseguem inclusive atribuir o contorno prosódico correto à sentença (a entoação correta à frase), embora a sentença não tenha nenhum sentido. Veja que, se a sequência fosse Ideas furiously colorless sleep green, os falantes de inglês saberiam não se tratar de uma sentença de sua língua e não conseguiriam atribuir o contorno prosódico certo a ela. Se a sintaxe de uma sentença não fosse independente de seu significado, esperaríamos que os falantes do inglês considerassem a famosa frase de Chomsky malformada ou, pelo menos, anômala do ponto de vista estritamente sintático. Mas não é isso que acontece. O exemplo nos mostra que a baixa frequência de uma frase tampouco influencia o julgamento do falante: a frase de Chomsky era completamente nova para os leitores da época; portanto, sua frequência de uso era zero. Mesmo assim, os falantes não a julgavam anômala ou malformada do ponto de vista estritamente sintático. A conclusão que se tira a partir dessa discussão é que a sintaxe é autônoma, ou seja, não é derivada ou redutível ao significado, nem está sujeita à frequência. Por outros termos: não é o significado que determina a 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 12/52 natureza e a forma das regras sintáticas. Tampouco é a familiaridade com uma frase que nos diz se ela é bem ou malformada sintaticamente. Competência e desempenho Os conceitos de competência e desempenho aparecem no livro Aspectos da teoria da sintaxe, de Chomsky, publicado pela primeira vez em 1965 (tendo uma edição portuguesa traduzida de 1975). Esse livro traz, em seu primeiro capítulo, uma série de conceitos que permanece até hoje. Esses conceitos são importantes não só para os gerativistas, como também para os seus críticos. Trataremos dos principais a seguir. Competência É simplesmente o conhecimento especificamente linguístico, internalizado, que um falante adulto possui de determinada língua L, o conhecimento de uma gramática específica, que caracteriza única e explicitamente todas as sentenças dessa língua L. Tal conhecimento inclui o conjunto de regras ou princípios particulares que constitui essa gramática (regras sintáticas, fonológicas, propriedades do vocabulário etc.). Exemplo Uma regra que os falantes de todas as variedades de português conhecem e que, portanto, faz parte de sua competência é aquela que estabelece que os artigos, definidos ou indefinidos, submetem-se à flexão de gênero e número (isso não é uma propriedade de qualquer língua; no inglês, por exemplo, os artigos não apresentam flexão). Outro exemplo de conhecimento linguístico particular que possuímos sobre a nossa língua é o do princípio que nos permite omitir objetos (complementos) de verbos quando esses objetos são tópicos discursivos (aquilo de que se fala no discurso). Observe o diálogo a seguir: 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 13/52 Você sabe onde está aquela caneta com várias cores que eu comprei ontem? Eu tinha deixado Ø em cima da escrivaninha. Você já viu Ø lá? No diálogo anterior com os falantes A e B, o objeto direto (indicado com um Ø) do verbo não está expresso nas sentenças de B, mas é recuperado do contexto (é aquilo de que se fala). De maneira interessante, o apagamento do objeto é proibido em línguas, como, por exemplo, o inglês ou o francês (é preciso que haja um pronome na posição de objeto), mesmo quando se trata de um tópico do discurso. Os modelos linguísticos que a gramática gerativa tem formulado ao longo dos anos são todos modelos de competência, isto é, procuram caracterizar aquilo que os falantes sabem sobre essa língua, incluídas aí as propriedades que ela compartilha com todas as outras. Os modelos gerativos são, portanto, modelos do que os falantes sabem sobre sua língua, e não do que fazem com esse conhecimento. Desempenho É o uso que o falante faz de sua competência linguística. Ao contrário da competência, que é um conjunto de representações mentais estáveis (um estado da mente, uma propriedade sua), o desempenho é afetado por inúmeros fatores. Muitos fatores não são linguísticos, como limitações de memória, dificuldades no processamento sentencial, indecisões e reelaborações, entre outros elementos imponderáveis do contexto, da situação de uso. Por isso, o desempenho pode não refletir perfeitamente a competência, ainda que dependa dela. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 14/52 Língua-E e língua-I É interessante perceber que os dados linguísticos que a criança recebe na fase de aquisição da língua são retirados do desempenho dos falantes ao seu redor, mas o desempenho deles frequentemente não reflete de forma perfeita sua competência. Isso, entretanto, não impede que as crianças adquiram a língua falada por essas pessoas que estão no seu entorno. Língua-E e língua-I No livro Conhecimento linguístico: sua natureza, origem e uso, publicado em 1986, Chomsky apresenta dois conceitos fundamentais: língua-E e língua-I. Língua-E (língua externa) É a língua em sua dimensão sociológica, política e até histórica: a língua não individual. Exemplos de língua-E: a língua portuguesa objeto de acordos ortográficos, exigida em concursos públicos, ensinada nas gramáticas normativas; a própria noção de língua cunhada por Saussure no Curso de Linguística Geral; os dados linguísticos que os adquirentes de uma língua recebem na fase de aquisição (as produções linguísticas dos falantes no seu entorno). A língua-E, ao contrário da língua-I, apresenta dificuldades para estabelecer 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 15/52 descrições científicas ou filosóficas sobre suavariedade culta. Responder A Variação e mudança são fenômenos semelhantes, porém independentes. B Variação e mudança são fenômenos mutuamente dependentes, de maneira que um não existe sem o outro. C Mudança pressupõe variação, mas não vice-versa. D Mudança é o mesmo que variação estável. E Mudança e variação linguísticas são fenômenos distintos que ocorrem principalmente na língua escrita. Responder 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 15/53 2 O surgimento da Sociolinguística Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de reconhecer o contexto teórico do surgimento da Sociolinguística Variacionista. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 16/53 A institucionalização da Sociolinguística Vamos observar alguns acontecimentos sobre o primeiro uso da palavra sociolinguística: 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 17/53 Evidentemente, Labov não foi a primeira pessoa a desenvolver um estudo relacionando a heterogeneidade linguística a variáveis sociais. Mas sua dissertação de mestrado e tese de doutorado, concluídas respectivamente em 1963 e 1964, tiveram papel fundamental no estabelecimento da Sociolinguística Variacionista como movimento autoconsciente e na sua consolidação como disciplina autônoma. Depois de sua aposentadoria, Labov detém o título de Professor Emérito de Linguística da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Nem a conferência nem a obra resultante dela se limitavam à área conhecida atualmente como Sociolinguística Variacionista. Pelo menos três áreas estavam implicadas: a Etnografia da Fala, a Sociologia da Linguagem e, claro, a Sociolinguística Variacionista. Todas elas têm algo em comum: o interesse pela linguagem em uso no contexto social. Tendências da Linguística hegemônica do século XX Para Calvet (2002), a obra Sociolinguistics representa o rompimento com o tipo de estudo da linguagem que caracterizou os dois paradigmas linguísticos mais bem-sucedidos do século XX: a Linguística Estrutural (paradigma hegemônico, grosso modo, na primeira metade do século passado) e a Linguística Gerativa (que se impôs como paradigma dominante a partir dos anos 1960). Vamos lembrar duas características desses paradigmas: Constituição de um objeto homogêneo 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 18/53 Adoção de uma abordagem imanentista Agora vamos ver o objetivo e conhecer o autor de cada uma: 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 19/53 Homogeneidade e imanência da linguagem Tanto Saussure quanto Chomsky estavam, é claro, trabalhando com idealizações: nenhum deles achava de verdade que qualquer agrupamento de falantes pudesse ser linguisticamente homogêneo. Mas os dois acreditavam — e não há mal nenhum nisso — que o estudo científico da linguagem seria mais produtivo se abstraísse as diferenças individuais no uso da língua. Em Linguística, dizemos que uma abordagem é imanentista quando ela focaliza a língua em si mesma, isto é, desconectada de fatores externos ao próprio sistema linguístico. Que fatores seriam esses? Podem ser muitos, incluindo: 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 20/53 A estrutura da sociedade A cultura O funcionamento da mente humana O uso linguístico concreto Resumindo A emergência da Sociolinguística Variacionista deve ser entendida, portanto, como uma espécie de reação a duas fortes tendências da Linguística hegemônica do século XX: a homogeneidade e a imanência. Assim, ao se institucionalizar, em meados dos anos 1960, o que a Sociolinguística Variacionista faz é oferecer uma maneira alternativa de se fazer Linguística, cuja principal característica é o interesse por estudar não o sistema linguístico em si mesmo, mas o uso linguístico inserido na vida social. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 21/53 Estudos sociolinguísticos no Brasil Assista ao vídeo que traz uma panorâmica dos estudos sociolinguísticos no Brasil. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 2 - Vem que eu te explico! Contexto histórico do surgimento da Sociolinguística Módulo 2 - Vem que eu te explico! Reação da Sociolinguística à abordagem imanentista da língua 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 22/53 Questão 1 Assinale a alternativa em que é possível reconhecer corretamente o contexto teórico que marca o início da Sociolinguística. Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A Os estudos sociolinguísticos dão continuidade aos estudos e às premissas teóricas de Ferdinand de Saussure. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 23/53 Questão 2 A Sociolinguística buscou correlacionar a estrutura linguística à estrutura social. Ao fazer isso, logo no seu surgimento, com qual premissa dos paradigmas estruturalista e gerativista a Sociolinguística rompeu? B Os estudos sociolinguísticos dão continuidade aos estudos e às premissas teóricas de Noam Chomsky. C Os estudos sociolinguísticos dão continuidade às abordagens que abstraem as diferenças individuais no uso da língua. D Os estudos sociolinguísticos rompem com a premissa da constituição de um objeto homogêneo e da adoção de uma abordagem imanentista. E Os estudos sociolinguísticos reforçam a abordagem homogênea e imanentista da linguagem. Responder A A autossuficiência do sistema linguístico. B A arbitrariedade do signo. C A existência de uma gramática universal. D A diferenciação entre relações sintagmáticas e paradigmáticas. E O desprezo pelos estudos diacrônicos. Responder 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 24/53 3 Conceitos teóricos variacionistas Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de identificar os conceitos de variedade, variável, variante e condicionador. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 25/53 Conceito de variedade Neste módulo, apresentaremos alguns conceitos teóricos que formam o arcabouço variacionista. Trataremos, especificamente, de quatro grandes conceitos: Variedade Variante Variável Condicionador Esses conceitos são as principais ferramentas analíticas à disposição de um sociolinguista para lidar com problemas de variação. Variedade Uma variedade é a forma de falar própria de determinado grupo social. Por exemplo, podemos nos referir à variedade carioca, à variedade acreana ou à variedade da Zona Leste da cidade de São Paulo. Nesses casos, os grupos sociais citados são, respectivamente, o conjunto dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro, o conjunto dos habitantes do estado do Acre e o conjunto de moradores da Zona Leste paulistana. A região geográfica não é o único parâmetro social que nos permite definir uma variedade. Um sociolinguista pode estabelecer a variedade a ser estudada a partir de qualquer parâmetro que lhe pareça relevante, por exemplo: Idade Grau de escolaridade Gênero/sexo 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 26/53 Assim, podemos falar na variedade dos falantes com mais de 60 anos, com ensino superior completo e do gênero feminino. E, é claro, podemos ainda combinar esses parâmetros, o que vai conduzir a recortes mais específicos de grupos sociais: a variedade dosnatureza ou para responder a questões, como, por exemplo, sobre onde ela se localiza. Língua-I (língua interna ou individual) Língua interna é a gramática (sistema de regras ou de princípios) internalizada pelo falante como resultado do processo de aquisição. Trata-se de um conceito que, em grande medida, confunde-se com o de competência, pois caracteriza o corpo de conhecimentos estritamente linguísticos que o falante adulto detém da língua que usa. Podemos pensar que a língua-I seja um estado da mente de um falante, sendo considerada uma condição estável, isto é, que não sofre mudanças importantes depois de atingida. Chomsky (1994) afirma que a língua-I é um objeto legítimo de investigação científica que permite uma investigação sistemática. Isso ocorre porque a língua-I constitui algo que indiscutivelmente existe na mente de um falante, sendo um estado dessa mente, que pode ser descrita. Componentes de uma gramática gerativa chomskyana Os linguistas estruturalistas já haviam percebido, antes mesmo de Chomsky, que a única maneira de fazer uma descrição adequada e útil de determinada língua seria dividir essa descrição em níveis. Assim, uma língua poderia ser descrita, por exemplo, em seu nível fonológico ou no morfossintático. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 16/52 A gramática gerativa propõe uma divisão em, pelo menos, três níveis: sintático, fonológico e semântico-pragmático. No livro Aspectos da teoria da sintaxe, Chomsky (1975) defende que tais níveis de descrição correspondem a componentes de uma teoria das competências linguísticas. Ou seja, nossa competência linguística é organizada de tal modo que ela reconhece, pelo menos, três tipos de regras (ou de princípios): sintáticas, fonológicas e semânticas. Desse modo, a teoria do conhecimento linguístico dos falantes (de sua competência) tem o seguinte desenho simplificado: Estruturalistas São teóricos vinculados ao estruturalismo linguístico, corrente que se inicia com Ferdinand de Saussure e seu entendimento de que a língua é um sistema articulado no qual seus elementos se concatenam por meio de correlações e oposições. Cada elemento tem seu valor a partir de sua posição no sistema ou na estrutura. Assim, fonemas, morfemas e sintagmas se combinam em diferentes níveis para formar a estrutura da língua. Esquema simplificado da teoria do conhecimento linguístico dos falantes. Como vimos na imagem anterior, Chomsky (1975) impõe uma organização lógica entre tais componentes, havendo uma assimetria entre elas: a sintaxe é a componente central, responsável pela combinação dos itens para a geração de sentenças, enquanto a componente fonológica e a semântica são interpretativas, já que simplesmente interpretam o que a componente central, a sintaxe, gera. Chomsky (1975) argumenta que a sintaxe precisa ter precedência lógica sobre a fonologia e a semântica, pois a estrutura sintática define a estrutura fonológica e o significado de uma sentença. Assim, as setas saem da sintaxe para as outras componentes da gramática, mas não há setas apontando tais componentes de volta para a sintaxe nem ligando a fonologia à semântica. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 17/52 No caso da fonologia, a maneira como os constituintes estão organizados sintaticamente na frase nos diz como será a distribuição de acentos e a prosódia da sentença. As línguas costumam evitar choques de acentos. Ou seja, evitam que sílabas de acento forte fiquem imediatamente adjacentes a outras de acento forte e que sílabas de acento fraco fiquem imediatamente adjacentes àquelas de acento fraco. A estrutura fonológica de uma única palavra e de uma sequência de palavras procura, portanto, alternar as sílabas fortes com as fracas. Na palavra “borboleta”, há: uma sílaba forte, bor, com um acento secundário (uma espécie de tônica um pouco mais fraca); uma sílaba fraca, bo; a sílaba mais forte de todas, que é a tônica da palavra, le; e, por fim, outra sílaba fraca, ta. Veja que ocorre uma alternância, evitando os choques de acentos mencionados (SANDALO; TRUCKENBRODT, 2002). Verifique um exemplo com sequência de palavras: 1. Ao pronunciarmos o constituinte nominal “café quente”, fazemos um ajuste para evitar que as íl b tô i fé d “ fé” 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 18/52 No entanto, o interessante sobre essa regra fonológica, que ajusta os acentos para evitar o choque, é que ela leva em conta a estrutura sintática, não se aplicando sob certas circunstâncias. Por exemplo, na frase “café queima”, não fazemos a transferência do acento para a primeira sílaba de café, apesar de, não transferindo o acento, ficarmos com duas sílabas fortes (tônicas) adjacentes. Veja a explicação acerca desse exemplo: Café quente Café queima sílabas tônicas fé, de “café”, e quen, de “quente”, fiquem juntas. 2. Para isso, fazemos o deslocamento do acento de fé para ca na palavra “café”. Trata- se da retração do acento. 3. Sendo assim, pronunciamos cáfe, e não café. Com a transferência de acento, criamos a alternância e evitamos o choque. 4. Desse modo, ca fica forte com o deslocamento; fé fica fraca; quen continua forte; e te continua fraca. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 19/52 Um choque acontece dentro de um constituinte nominal, que define um sintagma fonológico (uma unidade da estrutura prosódica de uma sentença), e a regra que desloca o acento se aplica. Um acento se encontra no constituinte nominal sujeito da sentença (“café”, que será um sintagma fonológico), e o outro acento está no predicado (“queima”, que é outro sintagma fonológico). Nesse caso, o choque acontece na fronteira entre dois sintagmas fonológicos, e a regra não se aplica. No fim das contas, o que encontramos, portanto, são regras fonológicas que precisam “ver” a estrutura sintática. Com isso, a componente sintática tem de preceder a fonológica. No lado da semântica, fica claro que a interpretação que damos a uma frase é crucialmente dependente da estrutura sintática dela. Isso mostra que a componente sintática também deve preceder a componente semântica em nossa competência, como no caso de “café quente”. O mesmo caso, porém, não expressa o que fazemos quando formulamos ou processamos sentenças. Não se trata, afinal, de um modelo de desempenho, como já dissemos. O que ele expressa é o que o falante sabe sobre sua língua – ou seja, repetindo, é um modelo de competência. Gramática gerativo- transformacional O vídeo a seguir traz importantes comentários sobre a gramática gerativo-transformacional. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 20/52 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 21/52 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Assinale a alternativa que descreve corretamente um conceito pertencente ao gerativismo. Parabéns! A alternativa A está correta. A A competência nomeia um conjunto de conhecimentos inatos que corresponde à gramática internalizada ao final do processo de aquisição da língua. B A língua-I é um conjunto de conhecimentos especificamente gramaticais externado pelo falante, caracterizando a faculdade da linguagem ligada à alfabetização. C O desempenho de um falante ao usar sua língua não pode ser afetado por fatores diversos, pois se trata de habilidade restrita aos conhecimentos linguísticos. D A gramática gerativa é um conjunto de habilidades não inatas que promove a aquisição da língua, correspondendo ao conceito de desempenho. E O conjunto de habilidadesque contribui para a aquisição de uma língua é denominado competência, sendo um aparato inato. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 22/52 A competência é o conjunto de conhecimentos estritamente linguísticos internalizados, isto é, a gramática internalizada ao final do processo de aquisição pelos falantes de uma língua. Não se trata de um conjunto de habilidades ou faculdades que facilita a aquisição de uma língua. A noção de competência, de influência racionalista, jamais seria definida em termos de habilidades ou capacidades constituintes de um aparato inato que facilitam ou possibilitam a aprendizagem. A visão racionalista defende conhecimentos inatos, não capacidades ou habilidades inatas, ainda que elas possam existir. Questão 2 A teoria linguística que trata das regras ou dos princípios que geram as sentenças de determinada língua, assim como da possibilidade de as línguas apresentarem sentenças cujos constituintes podem ser deslocados ou pronunciados em lugares diferentes, é uma descrição da: Parabéns! A alternativa B está correta. A gramática gerativo-transformacional corresponde ao conceito relacionado tanto às regras que permitem a produção ou geração de frases possíveis em determinada língua quanto às regras de transformação ou deslocamento de um constituinte da frase para uma posição que não é a convencional. A Gramática normativa ou prescritiva. B Gramática gerativo-transformacional. C Gramática universal. D Dicotomia competência/desempenho. E Gramática estruturalista 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 23/52 2 - A gramática universal Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer o conceito de gramática universal e suas diferentes formulações. Concepção de gramática universal A gramática universal é o estágio inicial da faculdade da linguagem, como já mencionamos anteriormente. A essa altura, você talvez esteja se perguntando: Mas o que está incluído na gramática universal, uma vez que esse estado inicial não é uma “folha de papel em branco” (tabula rasa)? Nas décadas de 1960 e 1970, Chomsky e os gerativistas defendiam que as línguas eram sistemas de regras particulares. Assim, as regras seriam aprendidas pelos falantes a partir dos dados, mas a gramática universal, o estado inicial da faculdade de linguagem na mente deles, fornecia aos indivíduos certas restrições sobre os tipos de regras linguísticas possíveis. Atenção! 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 24/52 Uma das restrições mais importantes é: as regras das línguas nunca levam em conta (pelo menos não somente) a ordem das palavras numa sentença, mas uma estrutura de constituintes subjacente a essa ordem (uma estrutura de fato hierárquica, em que constituintes estão contidos em outros constituintes). O que isso significa? Vejamos o caso clássico da posição do auxiliar do inglês em perguntas polares. No inglês, a sentença declarativa em (A) tem uma versão interrogativa em (B), em que John e o auxiliar na terceira pessoa, has (tem, em português), trocam de ordem. Observe: Perguntas polares Perguntas cujas respostas são sim ou não. John has read a book. Has John read a book? Uma regra para a formação da interrogativa em (B) perfeitamente compatível com (A) seria: para formar uma interrogativa polar, ou seja, uma pergunta cuja resposta seja “sim” ou “não”, em inglês, inverta a ordem do primeiro verbo auxiliar que aparece na sequência de palavras da contraparte declarativa com o que vem antes desse verbo. A regra diz, então, para tomar o primeiro verbo em (A), has, e invertê-lo de posição com o que vem antes, John, para gerar (B). Observe que essa é uma regra que só olha para a ordem dos elementos na frase – procura o primeiro verbo auxiliar na sequência de palavras. A frequência de perguntas polares nas conversas dos falantes de inglês é muito baixa; a maioria absoluta das ocorrências de perguntas polares é perfeitamente compatível com a regra enunciada acima. Trata-se, portanto, de uma regra que descreve a maioria absoluta dos dados que supostamente uma criança receberia na fase de aquisição. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 25/52 No entanto, essa não é a regra correta. Se ela se aplicar à frase (A) a seguir, por exemplo, tomará o verbo auxiliar be na terceira pessoa do singular, is (é, em português), e não o verbo has, gerando a saída incorreta em (B). A pergunta polar correta é apresentada em (C). The lad who is singing has read a book O rapaz que está cantando leu um livro. Is the lad who singing has read a book? Sentença inaceitável do ponto de vista gramatical. Has the lad who is singing read a book? O rapaz que está cantando leu um livro? Algumas perguntas emergem dessa discussão: Por que a língua inglesa não possui a regra baseada somente na ordem como t l d i ? 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 26/52 A resposta de Chomsky a tais perguntas será a seguinte: Resposta Porque o estado inicial da faculdade da linguagem, a gramática universal, só admite regras dependentes de estrutura, e nunca aquelas exclusivamente dependentes da ordem linear dos itens. Ou seja, nossa mente já vem equipada com o conhecimento de que as regras nas línguas naturais devem levar em conta estruturas hierárquicas de constituintes na sua formulação, mas não exclusivamente a ordem das palavras na sentença. A regra correta envolve uma noção estrutural, a de sujeito sentencial, uma categoria que pode incluir até outro verbo dentro de si em uma oração relativa, como vemos em (A), e a inversão se dará entre o auxiliar que concorda com o sujeito e esse sujeito, como verificamos em (C). a postulada acima? Se a regra proposta acima é compatível com a imensa maioria dos dados, por que as crianças em fase de aquisição nunca cometem erros em seu comportamento linguístico compatíveis com tal regra? Por que as crianças nunca produzem coisas como (B) durante a fase de aquisição? Por que elas nunca supõem uma regra baseada somente na ordem das palavras, já que ela é compatível com a imensa maioria dos dados – e é mais simples do que a regra verdadeira? 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 27/52 Até o final dos anos 1970, os gerativistas supunham que a gramática universal incluísse um conhecimento sobre os tipos de regras linguísticas possíveis, e não o conhecimento das regras particulares das línguas em si, que só poderiam ser aprendidas a partir dos dados linguísticos, como é o caso da regra de inversão do auxiliar inglês que discutimos acima. Tratava-se de um conhecimento sobre as categorias universais, como nomes e verbos, e de um critério para a avaliação de gramáticas alternativas em relação aos dados linguísticos disponíveis. Essa dotação facilita a aquisição da linguagem, pois diminui o número de hipóteses que a criança precisa formular na aquisição das regras de uma língua. Mas o que isso quer dizer? Lembre-se do exemplo anterior, da inversão do auxiliar do inglês em perguntas polares. Resumindo Como as crianças em fase de aquisição já sabem que as regras devem fazer referência à estrutura de constituintes, e não somente à ordem das palavras, elas não formularão uma regra que procura pelo primeiro verbo numa sequência de itens (como a regra errada que propusemos antes) nem precisarão confrontar essa regra com os dados relevantes – os quais, nesse caso, são escassos – para excluí-la. Ora, com menos regras para testar, seu trabalho é diminuído de maneira drástica. Ao longo da década de 1970, os linguistas gerativistas, estudando diversas línguasdiferentes, perceberam que muitas regras que eles propunham para descrevê-las compartilhavam princípios bastante abstratos. Era comum que, nessas pesquisas, conjuntos de regras fossem substituídos por princípios mais gerais nas descrições que esses linguistas faziam. Eles ainda perceberam que esses princípios, bastante abstratos e gerais, estavam presentes em todas as línguas ou variavam de forma limitada entre elas. Desse modo, a concepção de língua como conjunto de regras particulares começou a ser substituída pela de língua como conjunto de princípios com a possibilidade de variação paramétrica (princípios universais da linguagem presentes com alguma variação em diferentes línguas). A gramática universal, o estado inicial da faculdade da linguagem, passa, portanto, a ser entendido de outro modo: ela incluirá tanto princípios universais (que valem para todas as línguas, como é o 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 28/52 caso da restrição sobre regras discutida acima) quanto princípios que variam de maneira restrita, os parâmetros. Os dados linguísticos disponíveis na fase de aquisição mostram às crianças como elas devem fixar esses parâmetros. Uma língua-I será essencialmente uma combinação específica de fixações paramétricas, sendo atingida ao final da fase de aquisição. Gramática universal: princípios e parâmetros O livro Lectures on government and binding, publicado em 1981, reúne um conjunto de palestras ministradas dois anos antes por Noam Chomsky na Universidade de Pisa. Baseado em estudos realizados por vários linguistas confrontando famílias de línguas, o autor conduz uma discussão bastante detalhada sobre o parâmetro pro-drop e suas consequências. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 29/52 Esse livro é considerado um marco inicial da teoria de princípios e parâmetros, redefinindo os significados de língua, gramática e gramática universal. Talvez você esteja se perguntando: pro-drop Redução da expressão inglesa pronoun-dropping para se referir à possibilidade de omitir o sujeito numa sentença. O que é o parâmetro pro-drop? O que é parâmetro? O que é princípio? Um princípio será uma propriedade universal, que é encontrada em todas as línguas. Um importante princípio das línguas naturais humanas (talvez a sua propriedade mais importante) é o do encaixe, que dá conta da chamada recursividade linguística. Quanto aos constituintes, o princípio do encaixe nos diz que podemos encaixar um dentro do outro. Nos exemplos a seguir, encaixaremos orações relativas (entre colchetes) dentro de orações relativas: Pedro arrumou um gato. Pedro arrumou um gato [que só gosta de comida enlatada]. Pedro arrumou um gato [que só gosta de comida enlatada [que seja importada do Japão]]. Podemos encaixar subordinadas dentro de subordinadas, como você pode ver a seguir: Exemplo Pedro disse [que Maria contou [que Augusto concluiu [que Manuela acredita [que a vida é bela]]]]. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 30/52 Apesar de restrições em uma ou outra construção específica, todas as línguas admitem algum tipo de encaixe – e, por isso, trata-se de um princípio, uma propriedade universal. O princípio do encaixe é muito importante, pois permite que as línguas humanas usem meios finitos (um número finito de palavras e de princípios ou regras de combinação dessas palavras) para gerar um número infinito de sentenças. Outro exemplo de princípio é o princípio C da teoria da ligação. Observe as sentenças a seguir. Ele disse que João tomou sorvete na praça. João disse que ele tomou sorvete na praça. Na sentença A, o pronome ele não pode referir-se a João, mas, na sentença B, pode. A restrição em A é uma propriedade universal das línguas: será verificada tanto no português quanto no chinês, assim como no kaigang (língua indígena brasileira do tronco Jê falada em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Também é uma restrição que não faz referência à ordem dos constituintes, apesar de parecer que sim – atendendo, portanto, à exigência de que regras ou restrições sempre se apliquem sobre constituintes hierarquicamente organizados. Observe esta sentença: O rapaz que o viu disse que João tomou sorvete na praça. Veja que, na sentença anterior, o pronome átono o vem antes do nome próprio João; no entanto, a correferência entre o pronome o e o nome próprio João é permitida. Logo, não é o fato de o pronome vir antes do nome que proíbe a correferência. Você verá mais sobre esse princípio adiante, mas é importante mostrar, com os dois exemplos citados, que há leis universais às quais as línguas obedecem independentemente das culturas a que essas línguas 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 31/52 estão ligadas ou de suas histórias. Essas leis serão chamadas de princípios. O conceito de parâmetro O que é parâmetro pro-drop Vamos tratar do conceito de parâmetro, procurando compreender o que é o parâmetro pro-drop. Algumas línguas, como o inglês e o francês, não permitem orações sem um sujeito expresso (desde que o verbo não esteja no modo imperativo). Isso quer dizer que sempre deve haver um sujeito expresso na sentença, mesmo que ele não se refira a nada. Na sentença em inglês a seguir, cujo verbo descreve um fenômeno da natureza, há um pronome neutro, it, como sujeito da sentença. Esse pronome não se refere a nada no mundo; está lá somente para realizar uma função sintática obrigatória. A mesma exigência não se aplica ao português e ao espanhol, como vemos em (B) e (C), em que a mesma frase é dita em três idiomas diferentes: It rained a lot yesterday. Choveu muito ontem. Ayer llovió mucho. Uma língua pro-drop permite (obriga, em certos casos), portanto, que a função sintática de sujeito fique sem uma expressão fonológica para ela. Línguas que não são pro-drop, como o francês e o inglês, não o permitem. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 32/52 Atenção! A propriedade pro-drop traz consigo outras propriedades para o sistema linguístico. Por exemplo, elas permitem a posposição do sujeito (Chegou a encomenda ainda há pouco); as que não são pro-drop não permitem. É importante entender que, segundo a teoria de princípios e parâmetros, o estado inicial da faculdade de linguagem dos seres humanos, sua gramática universal, é dotado de um princípio relativo à realização dos sujeitos das sentenças nas línguas e que esse princípio tem duas opções paramétricas: ou uma língua é pro-drop, ou não. O adquirente da língua (a criança em fase de aquisição) conhecerá previamente essas duas opções e fixará uma ou outra a depender dos dados que receber: se perceber que a língua que está adquirindo tem muitas frases sem o sujeito expresso, ou com posposição do sujeito, ou com expletivos nulos, entre outras coisas, ela fixará pro-drop positivamente; se não encontrar nenhuma dessas coisas ou encontrar muito poucos exemplares delas, vendo-as somente em construções marcadas, ela fixará o parâmetro pro-drop negativamente. Parâmetro da ordem entre núcleo e complemento 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 33/52 Outro parâmetro é o da ordem entre núcleo e complemento. Ele nos diz qual é a ordem entre núcleos e complementos de constituintes sintáticos que uma língua apresenta./p> Mas você deve estar se perguntando: O que é um núcleo de um constituinte sintático? Os constituintes sintáticos têm sempre um elemento que “pede” outros e que define qual é a categoria do constituinte inteiro. Exemplo Um verbo transitivo pede um complemento verbal, um objeto, e a combinaçãodesse verbo com seu complemento será um sintagma verbal. Uma preposição pede um complemento, um objeto (ela nunca pode ocorrer sozinha), e a combinação dessa preposição com seu complemento será um sintagma preposicional, e assim por diante. O que o parâmetro da ordem atesta é o seguinte: ou os núcleos estão à direita dos complementos, ou à esquerda deles. O português é uma língua de núcleo à esquerda; já o japonês, à direita. Ou seja, no português, verbos e nomes ficarão à esquerda de seus complementos; conjunções, à esquerda das orações; e auxiliares, à esquerda dos verbos principais. Além disso, haverá preposições. Já no japonês, essas ordens serão todas invertidas, havendo posposições, e não preposições. Esse parâmetro tem impacto dramático na ordem final dos constituintes na sentença. Apresentaremos a seguir uma sentença em português e como ela seria na ordem de uma língua com o parâmetro da ordem fixado de outro modo, como acontece no japonês: Pedro perguntou se João tinha tomado sorvete. Pedro João sorvete tomado tinha se perguntou. Mais uma vez, o valor do parâmetro será fixado a partir dos dados. A criança em fase de aquisição sabe que todo constituinte sintático tem 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 34/52 um núcleo e que a relação linear entre o núcleo e o complemento se apresentará numa das duas opções acima (dois conhecimentos inatos fornecidos pela gramática universal). Identificando os núcleos dos constituintes e seus complementos, ela conseguirá fixar o parâmetro com poucos dados linguísticos. Atenção! A presença de dois parâmetros na gramática universal possibilita a existência de quatro línguas distintas. Cada língua (gramática) particular será uma combinação específica de fixações paramétricas. Se todos os parâmetros tiverem somente duas opções, o número de gramáticas possíveis será calculado pela fórmula simples dois elevado ao número de princípios com opções paramétricas fornecido pela gramática universal. Assim, se a gramática universal incluir, digamos, 20 parâmetros, ela possibilitará a existência de, pelo menos, 1.048.576 gramáticas (línguas) distintas. Hoje, mais ou menos 6 mil línguas distintas são faladas no mundo inteiro. Princípios e parâmetros Assista ao vídeo a seguir com comentários sobre princípios e parâmetros e exemplos do parâmetro pro-dop. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 35/52 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Assinale a afirmação compatível com as concepções de gramática universal apresentadas neste módulo e propostas pela teoria gerativa em linguística. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 36/52 Parabéns! A alternativa B está correta. A gramática universal não é o estado final do processo de aquisição da linguagem (uma língua particular), mas o seu estado inicial, anterior aos estímulos linguísticos e à fixação dos parâmetros (ou à aquisição dos sistemas de regras das línguas particulares). Essa gramática é o estado da faculdade da linguagem que contém virtualmente todas as línguas e gramáticas possíveis. Questão 2 Analise as afirmativas a seguir considerando que, na gramática universal, um princípio é uma propriedade universal encontrada em todas as línguas e um parâmetro, uma variação ou restrição desse princípio em determinadas línguas. I. Na frase “It rained a lot yesterday”, ocorre o parâmetro pro-drop (supressão do sujeito). II. Na frase “Choveu muito ontem”, há o exemplo de ocorrência do parâmetro pro-drop. III.Em “Ayer llovió mucho”, acontece a omissão do sujeito. Está correto apenas o que se afirma em: A Conjunto de possibilidades sobre os tipos de regras da gramática normativa. B Estado inicial da faculdade da linguagem rico em estrutura. C O estado atingido pela faculdade da linguagem ao final do processo de aquisição. D O estado da faculdade da linguagem referente às regras de uma língua específica. E O estado da faculdade da linguagem que corresponde a dados concretos de um idioma. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 37/52 Parabéns! A alternativa E está correta. A afirmativa I está errada, porque ela contém um exemplo de língua que não apresenta o parâmetro pro-drop, já que o inglês obriga a presença do sujeito na sentença. No caso, o sujeito é o “it”, mesmo sendo um pronome neutro. As afirmativas II e III estão corretas, pois reconhecemos nelas o parâmetro pro-drop pelo fato de o sujeito ser omitido. 3 - Aquisição da linguagem Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar as implicações da gramática universal à aquisição da linguagem. A I. B II. C III. D I e II. E II e III. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 38/52 O argumento da pobreza de estímulo O argumento da pobreza do estímulo fundamenta a orientação racionalista no estudo da aquisição da linguagem humana. Ele se baseia no fato de que os conhecimentos linguísticos que os falantes adultos têm de sua língua excedem bastante as informações contidas nos dados linguísticos a que eles foram expostos durante a aquisição dessa língua. De maneira mais precisa, a questão é que várias gramáticas diferentes (diversos sistemas de regras ou de princípios diferentes) são compatíveis com os dados que servem de estímulos linguísticos primários para as crianças em fase de aquisição. Se os falantes, portanto, só aprendessem a partir dos dados linguísticos, esperaríamos que eles não atingissem consistentemente a gramática da língua falada no entorno. No entanto, eles atingem essa gramática. Resumindo Ninguém pode aprender uma gramática somente a partir da experiência. Para que essa ideia fique mais clara, retomemos o princípio C da teoria da ligação, visto anteriormente quando estudávamos a noção de princípio na gramática universal. Vamos também retomar os mesmos exemplos: Ele disse que João tomou sorvete na praça. João disse que ele tomou sorvete na praça. Como você viu antes, algo impede a correferência entre o pronome e o nome próprio “João” em A, ou seja, “ele” e “João” não se referem à mesma pessoa. No entanto, em B, existe a correferência, pois “João” e “ele” se referem à mesma pessoa. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 39/52 O problema relevante aqui é que os dados linguísticos primários recebidos pelas crianças em fase de aquisição são compatíveis tanto com uma gramática que não inclua o princípio C quanto com uma gramática que o inclua. Mesmo que as crianças em fase de aquisição não encontrassem situações em que “ele” e “João” se refiram à mesma pessoa em sentenças semelhantes à sentença A, nada as obriga a supor que essa correferência não poderá acontecer em outros contextos de fala, ou com verbos novos para ela, ou qualquer outra coisa que possamos imaginar. Contando somente com os dados linguísticos (positivos) que recebe, a criança jamais terá elementos suficientes para aprender que a falta de correferência observada em frases semelhantes à A decorre de uma restrição que, independentemente do contexto, vale sempre. Argumento da pobreza de estímulo na aquisição da linguagem Observe neste vídeo comentários importantes sobre o argumento da pobreza de estímulo na aquisição da linguagem. Além do argumento da pobreza de estímulo em aquisição da linguagem 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 40/52 A tese nativista (ou inatista) é também reforçada por diversos achados observacionais e experimentais em aquisição da linguagem. A primeira coisa que se observa éa seguinte: a produção linguística das crianças em fase de aquisição não é mera imitação do comportamento linguístico dos adultos. Ela está sujeita a limitações de seu estágio, isto é, da fase correspondente em que a criança está na aquisição. Exemplo As crianças muitas vezes regularizam flexões de verbos irregulares e produzem formas como “Eu sabo”, ainda que nunca tenham ouvido tal forma regular em seu ambiente linguístico. Logo, elas não estão imitando o comportamento de alguém nesse caso. Além disso, mesmo que tentem imitar os adultos, as crianças estão limitadas pela fase de aquisição na qual se encontram. Se, em determinada fase da aquisição, elas usarem de modo inconsistente (ou simplesmente não usarem) preposições, conjunções e verbos auxiliares, continuarão a fazer isso mesmo ao tentar reproduzir a frase de um adulto com todos esses itens. As crianças tampouco aprendem as formas corretas de sua língua por meio de correções dos adultos, as quais, na visão dos behavioristas, seriam reforços negativos a determinados tipos de comportamentos linguísticos. Você deve estar se perguntando: Por que isso acontece? Observe os aspectos descritos na sequência e entenda esses comportamentos linguísticos: Em primeiro lugar, os adultos não costumam corrigir aspectos formais, erros gramaticais das sentenças que as crianças produzem, mas corrigem essencialmente os problemas na expressão de suas mensagens. Ou seja, as correções são muito mais voltadas para o que elas queriam dizer e não conseguiram do que para o fato de não terem usado um auxiliar correto ou de terem criado uma flexão verbal inesperada. Além disso, é comum que as crianças não deem atenção a esse tipo de correção. Não é implausível imaginar que, ao corrigir uma Correção de aspectos formais 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 41/52 criança que disse “Eu sabo”, explicando para ela que não é “Eu sabo”, e sim “Eu sei”, ela responda: “Não, mamãe, sou eu que sabo!”. Em segundo lugar, um fato atestado experimentalmente em aquisição infantil são os períodos críticos. Uma gama de estudos experimentais mostra coisas extraordinárias sobre as janelas de aquisição de tipos específicos de conhecimentos linguísticos. A existência de tais janelas sugere um programa biológico de desenvolvimento da aquisição da linguagem em interação com os estímulos linguísticos recebidos e reforça obviamente a tese nativista. Em terceiro lugar, é preciso dizer que a existência de determinados tipos universais linguísticos favorece a visão nativista. Tomemos mais uma vez o princípio C da teoria da ligação como exemplo. Não há qualquer impedimento lógico para a existência de uma língua cuja gramática viole esse princípio em algum recanto ou capital do mundo. No entanto, nenhuma língua estudada até agora faz isso. A única resposta plausível para tal é que o princípio C é uma propriedade da espécie humana; portanto, nenhuma língua natural humana o violará. Em quarto e último lugar, existem as seguintes evidências para a existência de um estado inicial rico da faculdade da linguagem e talvez de um programa biológico de desenvolvimento específico para essa cognição específica, complementando o argumento da pobreza do estímulo: Mesmo quando as condições de exposição aos dados linguísticos são restritas ou anormais, a aquisição de uma Janelas de aquisição Tipos universais linguísticos Outras evidências biológicas 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 42/52 língua sempre acontece com crianças normais; Essa aquisição obedece aos mesmos estágios independentemente da língua-alvo, isto é, independentemente de a criança estar no processo de aquisição do português, do alemão, do árabe ou do japonês; A aquisição é relativamente rápida e eficaz. Gramática universal e aquisição da linguagem Como vimos anteriormente, o estado inicial da faculdade da linguagem, chamado na literatura gerativista de gramática universal, é bastante rico. Isso facilita a aquisição de qualquer língua natural humana, justamente porque todas as línguas possíveis (gramáticas) já existem, pelo menos virtualmente, na mente dos seres humanos desde o nascimento. Conduzidos por pesquisadores norte-americanos, vários estudos experimentais com crianças apresentam resultados importantes para a visão nativista - em particular, para a teoria de princípios e parâmetros. Curiosidade Algo interessante apontado por esses estudos é que os “erros” cometidos pelas crianças em fase de aquisição são, em sua maioria, “acertos” em outras línguas. Já se sabia que os erros das crianças são bastante restritos. O dado relevante das pesquisas de autores norte-americanos, como, por exemplo, Charles Yang (2002), é que uma criança em processo de aquisição em um ambiente de falantes de inglês pode construir frases seguindo regras da gramática do chinês, por exemplo, mas nunca frases obedecendo a regras ou princípios que não encontramos em nenhuma língua. Note que uma regra gramatical do chinês não está certamente nos dados de inglês que a criança recebe. Portanto, ela não aprende essa regra dos dados. Yang (2002) explica esse fato usando a teoria de princípios e parâmetros: 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 43/52 De posse das variações paramétricas fornecidas pela gramática universal, as crianças vão atribuindo continuamente pesos probabilísticos para os valores de um parâmetro ao longo do período de aquisição com base nos dados linguísticos que recebem. Vejamos uma situação que pode ajudar a entender essa questão. Exemplo Durante algum tempo, as produções linguísticas de uma criança em ambiente anglófono (falantes nativos do inglês) podem ocorrer sem sujeito expresso, como se o parâmetro pro-drop (que permite a omissão do sujeito) fizesse parte da língua inglesa. É interessante o fato de que todas as crianças em fase de aquisição de qualquer língua produzam sentenças sem sujeito expresso. Segundo a teoria de Yang (2002), isso acontece porque a criança ainda não possui evidência suficiente para atribuir alta probabilidade à ligação negativa do parâmetro. Ela ainda não considera altamente provável que a sua língua seja uma que não é pro-drop. A pesquisa demonstra que o espaço de erros possíveis que as crianças podem cometer durante a aquisição é restrito pela variação paramétrica fornecida pela gramática universal. Os estágios da aquisição da linguagem e o período crítico A aquisição é um processo uniforme entre as diferentes línguas, ou seja, o desenvolvimento independe da língua-alvo da aquisição. Observe alguns marcos importantes: A partir dos seis meses de idade, as crianças balbuciam. Entre o oitavo e o nono mês, elas estão produzindo sons da língua que vão adquirir. Esses sons ainda são desprovidos de significado: l íl b CV ( t l) 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 44/52 algumas sílabas CV (consoante-vogal), por exemplo, vêm repetidas. É um período em que a criança restringe o seu inventário de sons – inicialmente amplo – ao dos sons da língua-alvo da aquisição. Contudo, elas já conseguem identificar a prosódia da língua que estão adquirindo e distingui- la da de outras línguas. Em algum momento do final do primeiro ano ou do início do segundo ano de vida, as crianças começam a produzir sentenças de uma só palavra. Esse período é chamado de estágio holofrástico. Holofrase é uma palavra com o sentido de uma frase ou sentença. No início do terceiro ano de vida (aos dois anos de idade), já são produzidas sentenças curtas com mais palavras, mas ainda imperfeitas na utilização do vocabulário gramatical. Trata-se do estágio telegráfico. Nesse estágio, a produção linguística da criançaenvolve basicamente as palavras de classes abertas (nomes, verbos, adjetivos, advérbios). O uso de palavras funcionais (como ti j õ i õ t ) é b t t 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 45/52 É interessante notar que, tanto no estágio telegráfico quanto no holofrástico, a criança demonstra que sua produção está aquém de sua competência. No estágio em que suas frases se resumem a uma palavra somente, fica claro que as crianças querem dizer muito mais do que a palavra isoladamente veicula, como se aquela palavra x estivesse incluída em uma frase, como, por exemplo, “Quero x” ou “Faça x”. Além disso, experimentos controlados revelaram que elas são capazes de distinguir agentes e pacientes de sentenças simples com verbos transitivos, o que mostra claramente que sua competência linguística naquele momento excede o que elas produzem – que ainda não são frases. O desenvolvimento gramatical das crianças ao longo do terceiro ano de vida é espantoso. Quando chegam aos três anos, elas já formam frases usando perfeitamente os itens funcionais que não usavam adequadamente; além disso, suas frases já se assemelham muito, do ponto de vista gramatical, àquelas produzidas pelos adultos, com subordinação e outras estruturas sofisticadas. Atenção! Além desse andamento uniforme, que é observado independentemente da língua, uma gama variada de pesquisas tem mostrado que há um período crítico para a aquisição da linguagem, cujo término se dá no início da puberdade. Segundo Lenneberg (1967), é nesse período que a lateralização cerebral se completa, ou seja, é na puberdade que o processo que leva à distribuição das funções entre os hemisférios cerebrais termina. É por isso que, entre outras coisas, danos físicos na região do cérebro responsável pela linguagem após a puberdade produzem perdas permanentes das capacidades linguísticas da vítima. Havendo, portanto, um período crítico, alguém que não tenha sido exposto a dados linguísticos nesse período não adquirirá uma gramática. artigos, conjunções, preposições etc.) é bastante inconsistente ou não acontece. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 46/52 Referentes às chamadas crianças selvagens, diversos casos documentados evidenciam que, se uma pessoa não for exposta a dados linguísticos até o início da puberdade, não conseguirá internalizar uma gramática, mesmo que consiga aprender um vocabulário relativamente rico. Exemplo Um dos casos mais tristes e dramáticos é o da menina Genie, uma californiana mantida em cativeiro pelo pai dos 20 meses aos 13 anos de idade, sofrendo maus-tratos e ficando subnutrida e sem contato linguístico com ninguém. No caso de Genie, ela aprendeu um vocabulário variado, mas não conseguia produzir frases bem formadas com ele. De fato, a pesquisa mostrou que a linguagem que ela aprendeu se manifestava no hemisfério direito, e não no esquerdo, como acontece com a imensa maioria dos falantes de qualquer língua. Os fatos apresentados anteriormente constituem evidências importantes a favor de um desenvolvimento biologicamente definido de uma cognição específica – a da linguagem – e favorecem uma abordagem que combina orientação racionalista com ciências naturais (e com a metodologia das ciências naturais), como é o caso da abordagem gerativa para o estudo da linguagem. Por fim, é importante esclarecer que, mesmo tendo uma determinação biológica, a aquisição depende da experiência deflagradora. Ou seja: Ainda que exista todo um programa biológico (uma dotação genética) seguido pela criança no processo de aquisição e mesmo assumindo que a aquisição conte com um estágio inicial bastante rico, não há aquisição sem experiência. Dessa forma, a internalização de uma gramática resulta de uma interação complexa entre um programa biológico predefinido e especificamente linguístico e a experiência linguística. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 47/52 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Assinale a alternativa que relaciona corretamente o conceito de gramática universal à aquisição da linguagem. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 48/52 Parabéns! A alternativa C está correta. A gramática universal é o estado inicial da faculdade da linguagem com princípios e parâmetros. Um desses parâmetros é denominado pro-drop. Em línguas que não são pro-drop, que obrigam a expressão do sujeito, a criança acaba produzindo sentenças sem um sujeito explícito, o que evidencia uma característica universal da faculdade da linguagem: construção de frases sem sujeito no processo de aquisição de qualquer língua. A A gramática universal corresponde ao estado intermediário da faculdade da linguagem e atua na aquisição da língua, fornecendo regras para que cada um fale corretamente seu idioma. B Todas as línguas ou gramáticas possíveis existem virtualmente na mente dos seres humanos desde o nascimento. Por isso, as crianças não cometem erros nem há variação de parâmetros que devam ser considerados. C O estado inicial da faculdade da linguagem possui princípios e parâmetros; em relação ao parâmetro chamado pro-drop, observa-se que as crianças em fase de aquisição de qualquer língua produzem frases sem sujeito expresso. D Ainda que a faculdade da linguagem em seu estado inicial seja limitada e pobre, as crianças, quando expostas a uma língua, não cometem erros nem reproduzem frases diferentes do que ouvem dos falantes no seu entorno. E A construção de frases sem sujeito por parte de uma criança evidencia a necessidade de alfabetização antes da idade escolar. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 49/52 Questão 2 Considerando o que você estudou sobre o processo de aquisição da linguagem neste módulo, assinale a alternativa correta. Parabéns! A alternativa B está correta. O estágio holofrástico se caracteriza pela produção de frases de uma única palavra. Aos seis meses, a criança apenas balbucia sons. O processo de aquisição é uniforme entre as línguas. No estágio telegráfico, o uso de termos funcionais ainda é imperfeito. A Com seis meses de idade, as crianças já produzem, em média, todos os sons da língua que estão adquirindo. B No estágio holofrástico, entre o primeiro e o segundo ano, a criança passa a produzir palavra com o sentido de uma frase. C A aquisição é um processo não uniforme e que acontece de modo diverso nas diferentes línguas. D No estágio telegráfico, o uso de termos funcionais, como preposições, artigos e conjunções, já acontece perfeitamente. E Os estágios holofrástico e telegráfico são correspondentes ao balbucio de sons. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 50/52 Considerações �nais Você aprendeu que a linguística gerativa se propõe a descrever as línguas naturais de maneira muito precisa e acurada, além de explicar como essas línguas são adquiridas. Um dos conceitos estudados, o argumento da pobreza do estímulo, mostra que a orientação empirista das abordagens tradicionais é insuficiente para explicar a riqueza e a complexidade dos conhecimentos linguísticos dos adultos. Por isso, o gerativismo adota uma orientação nativista ou inatista e afirma que o estado inicial da faculdade da linguagem é rico. O gerativismo de Noam Chomsky chama de gramática universal o estado inicial da faculdade da linguagem. Atualmente, os gerativistas propõem que essa gramática inclua princípios (propriedades universais) e parâmetros (variações limitadas para alguns desses princípios). Essa proposta tem a capacidade de explicar a rapidez, a facilidadee o sucesso na aquisição da linguagem por parte das crianças, além de justificar a grande variedade das línguas do mundo. A gramática gerativa chomskyana se mantém como uma das principais vertentes da pesquisa linguística, produzindo descrições minuciosas de línguas pouco ou muito investigadas, além de possibilitar estudos interdisciplinares com a Biologia, a Psicologia e as Neurociências. Podcast Para terminar, ouça este podcast com alguns pontos importantes sobre o gerativismo de Chomsky. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 51/52 Explore + Leia as indicações: Para aprofundar o conhecimento sobre aquisição da linguagem e as pesquisas desenvolvidas na segunda metade do século XX, leia o artigo Aquisição da linguagem: uma retros pectiva dos últimos trinta anos, da linguista Letícia Correa, publicado na revista Delta. Você pode estudar mais sobre o gerativismo de Chomsky lendo o interessante artigo Noam Chomsky e o funcionamento da linguagem: menos é mais!, de Paulo Ângelo Araújo-Adriano e Williane Corôa, publicado no Blog de Linguística da UNICAMP. Referências CHOMSKY, N. A review of B. F. Skinner’s verbal behavior. In: Language, 35, n. 1, 1959, p. 26-58. CHOMSKY, N. Aspectos da teoria da sintaxe. Coimbra: Armenio Amado, 1975 CHOMSKY, N. Estruturas sintáticas. Petrópolis: Vozes, 2015. CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981. CHOMSKY, N. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994. LENNEBERG, E. Biological foundations of language. Nova York: John Wiley, 1967. SANDALO, F.; TRUCKENBRODT, H. Some notes on phonological phrasing in brazilian portuguese. In: CSIRMAZ, A.; LI, Z.; NEVINS, A.; VAYSMAN, O.; WAGNER, M. (orgs.). Phonological answers: MIT working papers in Linguistics, n. 42, 2002, p. 285-310. SKINNER, B. F. Verbal behavior. Cambridge: B. F. Skinner Foundation, 1957. 10/11/2023, 10:20 O gerativismo de Chomsky https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00433/index.html# 52/52 YANG, C. D. Knowledge and learning in natural language. Oxford: Oxford University Press, 2002. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material O que você achou do conteúdo? Relatar problema javascript:CriaPDF()falantes paulistanos com ensino superior completo, das mulheres acreanas, dos pescadores fluminenses com mais de 50 anos, e por aí vai. Agora, vamos conhecer dois importantes conceitos: Pensando especificamente na realidade sociolinguística do Brasil, fica claro que a norma padrão é, de fato, apenas uma idealização. Não existe nenhum grupo social cuja forma de falar corresponda integralmente a esse conjunto de prescrições. Isto é, no Brasil, nenhuma variedade linguística real — ou seja, empiricamente atestável na realidade sociolinguística — inclui todos os usos ditados pela tradição gramatical. Mas, você pode estar pensando, nem a variedade culta? Certamente, não. Por exemplo, eu, que uso (por definição) a variedade culta, acabo de virar para a minha mulher e dirigir a ela o seguinte enunciado: “Me diz depois o que você acha deste texto que eu estou escrevendo?”. Segundo a tradição gramatical, eu não poderia ter empregado a próclise (“me diz”) no início do enunciado, mas essa forma Norma culta Norma padrão 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 27/53 de falar é corriqueira para mim. Esse uso, portanto, pertence à norma culta, mas não à norma padrão. Variável e variante Tendo estabelecido o conceito de variedade, passemos agora às noções de variável e variante. Para compreendê-las, procure responder às seguintes perguntas: Agora podemos voltar aos termos variável e variante. Em Sociolinguística Variacionista, a palavra variável é usada em referência a qualquer aspecto do sistema linguístico que admite variação. Já o termo variante faz referência às diferentes formas que competem pela realização da variável. Em uma pesquisa variacionista, o linguista tipicamente elegerá uma variável e investigará quais são as variantes que podem realizá-la. Por exemplo: se você decidir estudar a alternância entre nós e a gente na expressão da 1ª pessoa do plural, então sua variável será a 1ª pessoa do plural (é um aspecto do sistema linguístico que admite variação, e Resumindo A norma culta é uma variedade empiricamente atestável, isto é, a forma de expressão própria de um grupo social real (os falantes com maior prestígio social). Já a norma padrão é apenas um conjunto de prescrições gramaticais registrado nas gramáticas normativas. Em tese, a norma padrão pode ou não coincidir com alguma variedade real (como a variedade culta); no Brasil, certamente isso não ocorre. Quantos pronomes diferentes o sistema do português brasileiro nos disponibiliza para que expressemos a ideia de 1ª pessoa do singular? E quanto à 1ª pessoa do plural? 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 28/53 por isso foi eleito como objeto do seu estudo) e suas variantes serão o nós e o a gente (as diferentes formas disponíveis para a realização da variável). O diagrama a seguir sintetiza essa ideia: Vamos considerar um segundo exemplo. Imagine a seguinte situação: Temos aqui, claramente, um caso de variação. Por isso, vale a pena perguntar: Caso você decida desenvolver uma pesquisa sobre esse tema, qual será a variável e quais serão as variantes do seu estudo? A variável será o /R/ final de palavra. Já as variantes — isto é, as alternativas disponíveis para a expressão dessa variável — são a Exemplo Como um pesquisador experiente, você observa uma oscilação na maneira como as pessoas realizam o “r” em final de palavras no português brasileiro: em algumas situações elas efetivamente produzem o som do “r” (cantar, ator), em outras parecem suprimi-lo (“cantá”, “atô”). 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 29/53 realização do /R/ e o apagamento do /R/. A explicação que vimos até aqui está sintetizada na tabela a seguir: EXEMPLO DE ALTERNÂNCIA VARIÁVEL VARIANTES Nós saímos X A gente saiu 1ª pessoa do plural - Nós - A gente Cantar X “Cantá” Ator X “Atô” /R/ em final de palavra - Presença do /R - Ausência do /R Diogo Pinheiro. A variação afeta todos os componentes de um sistema linguístico, ocorrendo nos seguintes níveis: Comentário Não diga que as variantes são “cantar” versus “cantá” ou “ator” versus “atô”. Esses são apenas exemplos. Na sua pesquisa, você não está interessado em nenhuma palavra específica (seja ela “cantar”, “ator” ou qualquer outra). Você está interessado na variação entre a realização ou o apagamento do /R/. Lexical Fonológico Morfológico Morfossintático 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 30/53 Variante de prestígio e variável estigmatizada Ao analisar as variantes na língua, é possível notar que, muitas vezes, existe entre elas uma diferença relativa ao prestígio social. Isto é, em alguns casos, uma das variantes é socialmente valorizada ao passo que as demais são socialmente desvalorizadas. A Sociolinguística Variacionista se refere a esses dois tipos de variantes, respectivamente, como: Variante de prestígio Atribui prestígio às pessoas que a empregam. Variante estigmatizada Funciona como estigma social para quem as emprega. A variante de prestígio corresponde à forma prescrita pela norma padrão, ao passo que as variantes estigmatizadas tendem a ser formas não padrão. Um exemplo claro disso diz respeito ao fenômeno da concordância nominal, como podemos identificar na alternância “os filhos” X “os filho”. Nesse caso, a forma não padrão (sem marcação de plural no nome) é uma variante estigmatizada, ou seja, um uso linguístico que tende a ser revestido de um julgamento social negativo. Ao mesmo tempo, vemos que a forma padrão (com marcação de plural no nome) é uma variante de prestígio, tendo, portanto, a capacidade de conferir aos seus falantes uma avaliação favorável. Nem sempre as diferentes variantes de um fenômeno variável podem ser hierarquizadas quanto ao grau de prestígio (ou estigma) que elas “colam” no seu usuário. Sintático 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 31/53 Além disso, pode ainda acontecer de uma variante originalmente estigmatizada perder seu estigma com o tempo. Segundo Coelho et al. (2015), é o que estaria ocorrendo, na expressão da 1ª pessoa do plural, com a variante “a gente”: embora se trate de uma forma não reconhecida pela tradição normativa (e, portanto, não pertencente ao português padrão), esse pronome estaria deixando de ser percebido como inapropriado (mesmo para contextos formais). Às vezes, é possível vislumbrar o significado social de uma variante por meio de uma análise sociolinguística que focalize a maneira como as pessoas falam: se sujeitos altamente escolarizados evitam determinada forma, ao passo que falantes menos escolarizados não o fazem, isso pode significar que a forma em questão é socialmente estigmatizada. Mas essa abordagem é insuficiente por pelo menos duas razões: As pessoas podem avaliar negativamente uma forma e ainda assim empregá-la ou julgar positivamente determinada forma e não a empregar consistentemente. As formas linguísticas podem evocar muitos outros significados sociais para além do prestígio e do estigma associados à educação formal. Na pesquisa sociolinguística, é interessante investigar não apenas o modo como as pessoas se expressam (por exemplo, analisando textos orais produzidos por elas em uma entrevista), mas também como elas Exemplo Em relação à regra variável posição do sujeito, não há qualquer razão para supor que a variante sujeito pré-verbal (“o João chegou”) seja mais ou menos estigmatizada do que a variante sujeito pós-verbal (“chegou o João”). Nesse caso, simplesmente não pesa, sobre qualquer uma das variantes, algum tipo de condenação por parte da tradição normativa. 10/11/2023, 10:21 ASociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 32/53 percebem e avaliam a sua própria fala e a dos outros (por exemplo, por meio de questionários em que o falante deve indicar se uma forma sugere que seu usuário é inteligente, confiável etc.). O tipo de estudo que se volta para a investigação das crenças e das atitudes linguísticas constitui uma das ramificações da Sociolinguística Variacionista. Variedade, variável e variante Neste vídeo, o professor Diego Pinheiro abordará como combinar os três conceitos estudados: variedade, variável e variante. Condicionadores Passemos agora ao próximo conceito central do arcabouço variacionista: o de condicionador. Para um sociolinguista, não basta constatar que, por exemplo, o sistema do português disponibiliza as variantes com “r” e sem “r” para o fenômeno variável realização do /R/ em final de palavra. Também queremos responder às seguintes perguntas: Quais falantes, em que contextos, tendem a usar a variante com ”r”? Quais falantes, em quais contextos, priorizam a variante sem “r”? 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 33/53 Para dar conta desse tipo de pergunta, os sociolinguistas utilizam o conceito de condicionador. Condicionadores são os fatores que favorecem a “escolha” de uma ou outra variante. O nome condicionador vem exatamente da ideia de que esses fatores condicionam o comportamento linguístico do falante (embora não o determinem de modo definitivo e inescapável). Para entender que fatores seriam esses, pense novamente nas palavras terminadas em /R/, como “cantar” e “ator”. Talvez perceba que pessoas com baixa escolaridade usam mais frequentemente formas do tipo “atô” do que pessoas com alto grau de escolarização. Se isso for verdade, você poderá dizer que o grau de escolaridade condiciona o comportamento dos falantes em relação ao fenômeno variável realização do /R/ em final de palavra (pessoas com baixa escolaridade teriam mais chance de apagar o “r”). Em outras palavras, você terá descoberto que o fator grau de escolaridade é um condicionador relevante para esse fenômeno variável. Mas talvez você tenha tido um insight diferente e imaginado o seguinte: ao menos para algumas pessoas, é mais provável que elas digam “cantá” (ou “comê”, “fazê” etc.) do que “atô” (ou “amô”, “flô” etc.). Comentário Colocamos a palavra “escolha” entre aspas porque ela pode sugerir que o emprego de determinada forma seria sempre consciente e deliberado — o que, muitas vezes, não é o caso. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 34/53 Nesse caso, falando em termos um pouco mais técnicos, a probabilidade de ocorrência do apagamento depende de a palavra ser um verbo (como “cantar”) ou um nome (como “ator”). Se isso for verdade, você poderá dizer que a classe gramatical da palavra condiciona o comportamento do falante (ele terá mais chance de apagar o “r” se estiver pronunciando um verbo). Em outras palavras, você terá descoberto que o fator classe gramatical é um condicionador relevante para esse fenômeno variável. Comparando os dois condicionadores descobertos (hipoteticamente) por você, verificamos que eles têm naturezas diversas: enquanto o grau de escolaridade é um fator de natureza social (externo ao sistema linguístico em si mesmo), a classe gramatical é um fator de natureza linguística (diz respeito a uma informação que faz parte do Saiba mais Condicionador ou variável independente? Em artigos e livros de Sociolinguística Variacionista, você talvez se depare com a expressão “variável independente”. Ela significa exatamente o mesmo que condicionador. Ou seja, quando o artigo disser “analisando a variável independente grau de escolaridade...”, você pode ler como “analisando o condicionador grau de escolaridade...”. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 35/53 conhecimento linguístico do falante). Essa observação mostra claramente que existem duas categorias de condicionadores: Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 3 - Vem que eu te explico! O conceito de condicionadores Módulo 3 - Vem que eu te explico! Grau de escolaridade como condicionador Externos Internos Resumindo Até aqui, você pôde identificar as quatro principais ferramentas analíticas da Sociolinguística Variacionista, que correspondem ao conceito de: variedade, variável, variante e condicionador. Esses quatro conceitos estão também relacionados com o objeto de estudo e o objetivo da Sociolinguística Variacionista. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 36/53 Questão 1 Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 37/53 O apagamento do “r” no final de palavras, como em “atô” e “cantá”, é um fenômeno variável que tem mais chance de acontecer quando se tem baixa escolaridade. A atuação do fator grau de escolaridade nesse caso deve ser identificada com qual conceito do arcabouço teórico da Sociolinguística Variacional? Questão 2 Suponha que você comece a reparar no fato de que algumas pessoas tendem a falar “blusa” e “planta” enquanto outras falam com mais frequência “brusa” e “pranta”. Diante disso, você decide então estudar a realização do /l/ em grupo consonantal, observando a variação entre a pronúncias com [l] e a pronúncia com [ɾ]. Em relação a esse estudo, os três elementos sublinhados devem ser identificados, respectivamente, com quais conceitos teóricos? A Condicionador, porque o grau de escolaridade é um fator condicionador para o fenômeno variável. B Variável, porque o grau de escolaridade é um aspecto do sistema linguístico que admite variação. C Variante, porque o grau de escolaridade é uma forma de realização da variável. D Variedade, porque a escola possui uma forma de falar própria. E Variação, porque o ambiente escolar valoriza os registros mais informais. Responder A Variante de prestígio; variante estigmatizada; variável independente. B Variável; variante de prestígio; variante estigmatizada. C Variável independente; variável dependente; condicionador. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 38/53 4 Variedades linguísticas e preconceito linguístico Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de relacionar variedades linguísticas e preconceito linguístico. D Prestígio encoberto; norma padrão; norma culta. E Condicionador, variante de prestígio; variável independente. Responder 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 39/53 O preconceito linguístico Nos dias atuais, felizmente, parte da sociedade brasileira tem falado muito sobre os mais diversos tipos de preconceito: de raça/etnia, de religião, de gênero, de orientação sexual, de idade. Mas um tipo específico de preconceito ainda não recebeu a atenção que merece: o preconceito linguístico. Preconceito é um julgamento infundado sobre as capacidades de uma pessoa — e sua consequente exclusão de certos espaços sociais, em particular as esferas de poder — com base em algum atributo da sua identidade. Quando esse julgamento se baseia em atributos étnico-raciais, trata-se de racismo. Quando esse julgamento toma como base a idade da vítima, trata-se de etarismo. E, evidentemente, quando a base do julgamento são as marcas gramaticais presentes na fala de determinado falante, trata-se de preconceito linguístico. A premissa que sustenta o preconceito linguístico é a de que certos usos seriam inerentemente inferioresa outros. Em favor dessa tese, encontram-se, no senso comum, dois argumentos distintos: Os dois argumentos, embora distintos, sustentam o mesmo raciocínio, que pode ser sintetizado assim: Ineficiência comunicativa Irregularidade estrutural 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 40/53 Em comparação com as variantes de prestígio, as formas estigmatizadas são inerentemente inferiores, por serem comunicativamente ineficientes ou gramaticalmente desestruturadas (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Logo, usuários dessas formas são menos capazes que usuários das variantes de prestígio, porque se expressam pior ou pensam pior (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Como se vê, esse raciocínio serve para justificar a discriminação dos usuários das variantes estigmatizadas (e sua consequente exclusão de uma série de espaços da vida social): a ideia é a de que, se eles de fato são menos capazes (como seu uso linguístico provaria), sua marginalização não seria infundada. Variantes e variedades Variantes estigmatizadas e sua e�ciência Comecemos pelo primeiro argumento: o de que variantes estigmatizadas seriam deficientes do ponto de vista comunicativo. Para entender por que essa ideia não passa de um mito, considere a sentença “eu vi os menino tudo” — um uso fortemente estigmatizado e afastado tanto da norma padrão quanto das variedades cultas do português brasileiro. Comentário Desconstruir essa ideia, porém, não é difícil: se demonstrarmos que o ponto (1) é falso, o ponto (2) cai por terra automaticamente. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 41/53 Apesar de todo esse estigma, ninguém tem qualquer dificuldade de entender o que essa frase quer dizer: que o falante (“eu”) constatou visualmente (“vi”) a presença da totalidade dos seres humanos de pouca idade (“os menino tudo”). Se é assim, então não há nenhuma razão para afirmar que a sentença “eu vi os meninos todos” transmite melhor a mensagem pretendida do que “eu vi os menino tudo”. Não há qualquer evidência de que também não conseguiríamos entender um tratado de Física Quântica ou um poema do Castro Alves (1847-1871) se alguns elementos dos seus sintagmas nominais não tivessem o -s exigido pela norma padrão. Quer ver? Tente você mesmo com estes versos de O Navio Negreiro: Stamos em pleno mar... Abrindo as vela Ao quente arfar das viração marinha. Variedades não padrão e suas regras Passemos agora ao segundo mito: a ideia de que falantes que usam formas não padrão, do tipo “os menino tudo”, falam “sem regras” — isto é, de modo assistemático, aleatório, bagunçado e desleixado. Mais uma vez, é fácil provar que isso não é verdade. Para isso, compare as sentenças abaixo: a) Eu vi os menino tudo. b) Nós compramos os livro tudo. Comentário Se você não teve dificuldade em compreender a mensagem, fica demonstrado que usos socialmente estigmatizados não são comunicativamente inferiores aos socialmente prestigiados. 1 2 3 4 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 42/53 Você já deve ter ouvido alguém falar frases como (1.a.) e (1.b.), mas provavelmente nunca ouviu usos do tipo (2), (3) e (4). O que isso mostra? Simples: quem fala “os menino tudo” e “os livro tudo” está seguindo, com certo rigor, uma exaustiva lista de regras. Eis algumas delas: A concordância não padrão com “tudo” exige, obrigatoriamente, artigo no plural, nome no singular e a palavra “tudo” após o nome (ainda que isto seja uma simplificação, já que outros elementos, além de artigos, podem aparecer à esquerda do nome). Ao usar a variante não padrão, os falantes observam todas essas regras. Caso não o fizessem, isto é, caso sua fala fosse de fato aleatória, eles diriam ora “os menino tudo”, ora “menino os tudo”. Evidentemente, isso não acontece — logo, a única conclusão possível é a de que esses falantes estão seguindo regras. Ou seja, sua fala é padronizada. Nota-se que variedades não padrão, ao contrário do que muitos pensam, são comunicativamente eficientes, sistemáticas e regulares. Em outras palavras, conseguimos desmontar os dois argumentos normalmente utilizados para sustentar a tese de que Coloque o artigo sempre antes do nome — nunca depois (como mostra a impossibilidade de 2). Você pode colocar o artigo no plural e o nome do singular, mas nunca o contrário (como mostra a impossibilidade de 3). O quanti�cador “tudo” deve obrigatoriamente vir após o nome quanti�cado, nunca antes dele (como mostra a impossibilidade de 4). 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 43/53 certas formas linguísticas seriam inerentemente melhores que outras. E, uma vez que essa tese é derrubada, a conclusão decorrente dela também se desmonta: se variantes estigmatizadas não são inerentemente piores, então seus usuários não são pessoas menos capazes (nem quanto à capacidade comunicativa nem quanto à capacidade cognitiva). Existe um falar certo ou errado? Se nenhuma forma linguística é inerentemente melhor do que outra, ou seja, se não existe nenhuma razão comunicativa ou gramatical para preferir uma variante A (“os meninos”) em detrimento de uma variante B (“os menino”), então, qual é o critério usado pelas gramáticas normativas para decidir quais usos são “certos” e quais são “errados”? Em poucas palavras, o problema aqui é social, e não linguístico, veja a seguir com mais detalhes. Atenção! O preconceito linguístico, além de ser discriminatório e excludente, baseia-se em um raciocínio infundado, sem sustentação científica. Para se sustentar, o discurso preconceituoso depende de uma premissa que é objetivamente falsa: a de que algumas formas linguísticas seriam inerentemente melhores que outras. Desmontando-se esse argumento, o raciocínio se desfaz, e fica claro que não existe qualquer base científica para se discriminar e excluir as pessoas devido ao seu modo de falar. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 44/53 Se o problema fosse linguístico, bastaria às classes populares aprender a norma padrão (ou a norma culta) e elas seriam rapidamente catapultadas para o topo da pirâmide social. Mas essa é uma visão ingênua. Na realidade, a dinâmica é a seguinte: Re�exão A norma padrão é moldada com base na fala de uma elite socioeconômica, de maneira que a forma de expressão própria dessa elite é tomada como o padrão de correção gramatical (o falar “certo”, o falar “bonito”). Por isso, se você quiser saber por que uma forma é tratada como erro atualmente, deve procurar a resposta não na forma linguística em si — quer dizer, em alguma propriedade fonológica, morfológica ou sintática —, mas na história social da língua, cujas circunstâncias em algum momento terão estigmatizado esse uso como feio, errado e condenável. As pessoas são divididas entre melhores e piores com base em algum fator independente, não linguístico (pode ser o patrimônio, o fenótipo, as duas coisas juntas ou qualquer outro fator relevante em uma sociedade). 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 45/53 Que lição devemos tirar disso tudo? Devemos entender que, em se tratando de uso linguístico, não existe “certo” e “errado”? Não existe erro gramatical? Todas as formas de falar são igualmente válidas? Vamos com calma. Para responder a perguntas desse tipo, precisamos antes estabelecer o que entendemos por “certo” e “errado”. E o problema é que existem, pelo menos, três definições possíveis. Sendo assim, o primeiro passo é explicitar cada uma delas: De�nição 1 Certa é a forma comunicativamente mais eficiente; errada é a forma que produz uma comunicação precária,do ponto de vista do entendimento mútuo. De�nição 2 Decide-se que a forma de falar das “pessoas melhores” é certa e bonita — o que signi�ca que, se a fala delas mudar, o padrão de correção gramatical muda junto (ou, pelo menos, seus novos usos não serão estigmatizados). Nesse cenário, as “pessoas piores” não têm muita saída — primeiro, porque elas �carão eternamente correndo atrás do padrão de correção dos eleitos; segundo, porque elas já serão portadoras de outras marcas que as estigmatizam independentemente da linguagem. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 46/53 C é fl d ã l id d d é De�nição 3 Certa é a forma revestida de prestígio social; errada é a forma socialmente estigmatizada. Pronto: agora que nós estabelecemos, com clareza, os possíveis significados das noções de “certo” e “errado”, podemos oferecer respostas simples, diretas e objetivas (no sentido de serem objetivamente verdadeiras e não meras opiniões) às perguntas acima: De�nição 1 Se assumirmos a definição 1, então não existe “certo” e “errado” na língua. De�nição 2 Se assumirmos a definição 2, então são possíveis usos certos e usos errados, mas os erros são pouco frequentes e não dependem de escolarização. De�nição 3 Se assumirmos a definição 3, então existe “certo” e “errado” na língua, e os erros são bastante frequentes e altamente dependentes do processo de escolarização. Vamos explicar cada uma das respostas: Definição 1 Definição 2 Definição 3 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 47/53 As coisas ficam mais claras quando substituímos termos altamente polissêmicos como “certo” e “errado” por expressões com significado inequívoco. Os linguistas dizem que “não existe certo e errado”? Depende. Objetivamente, os linguistas dizem que: Preconceito linguístico Neste vídeo, o professor Diego Pinheiro abordará como o preconceito linguístico propõe um desafio aos profissionais da educação e o que esses profissionais podem fazer para não reforçar/reproduzir preconceitos. Não existem variantes melhores ou piores comunicativamente. Não existem variantes mais ou menos bem estruturadas gramaticalmente, mas existem usos esporádicos assistemáticos. Existem variantes bem-vistas e malvistas pela sociedade. Se isso signi�ca que existe ou não “certo e errado”, depende de como você de�ne esses conceitos — mas a essa altura isso já não deverá mais ser tão relevante. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 48/53 Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Módulo 4 - Vem que eu te explico! Variantes estigmatizadas e sua eficiência Módulo 4 - Vem que eu te explico! Variedades não padrão e suas regras 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 49/53 Questão 1 A atitude de desprezo ou menosprezo em relação à variedade linguística do outro se configura como preconceito porque Vamos praticar alguns conceitos? Falta pouco para atingir seus objetivos. A é preciso demonstrar respeito a todas as pessoas, independentemente do grau de sofisticação da sua fala. B a estruturação gramatical dos usos linguísticos é menos importante que a capacidade de se fazer entender. 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 50/53 Questão 2 Assinale a alternativa que apresenta adequadamente a posição dos linguistas em relação às variantes linguísticas, levando em conta a situação do preconceito linguístico. C todas as variedades linguísticas são igualmente estruturadas do ponto de vista gramatical e eficientes do ponto de vista comunicativo. D não é justo discriminar uma pessoa se ela tiver sido vítima da falta de acesso à escolarização. E a língua culta é o registro universal e que deve ser prestigiado em todas as situações de comunicação Responder A O preconceito linguístico é injustificável porque os linguistas afirmam de forma absoluta e independentemente de qualquer sentido que não existe “certo e errado”. B Os linguistas dizem objetivamente que não existem variantes melhores ou piores comunicativamente. C Os linguistas entendem que todas as variantes são bem vistas pela sociedade, portanto não há razão para o preconceito linguístico. D Os linguistas defendem um único sentido para os termos “certo” e “errado”. E Os linguistas argumentam que as variedades linguísticas impedem a comunicação entre os usuários da língua. Responder 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 51/53 Considerações �nais Procuramos oferecer uma apresentação panorâmica do campo da Sociolinguística Variacionista. Isso inclui especificar o objeto e o objetivo da disciplina (em contraste com outras áreas afins dos estudos da linguagem), contextualizar historicamente o seu surgimento, apresentar e ilustrar seus principais conceitos teóricos (variedade, variável, variante e condicionador) e desenvolver uma breve discussão sobre preconceito linguístico. Esperamos que você possa tanto mergulhar por conta própria na vasta literatura científica da área (vida profissional) quanto contribuir para a adoção e disseminação de atitudes não preconceituosas em relação à linguagem (vida social). Podcast Neste podcast, Diego Pinheiro responde às perguntas de Luís Dallier sobre os estudos na área da Sociolinguística. 00:00 19:19 1x Explore + Leia o texto Condicionantes externos e internos, do linguista e professor Diogo Pinheiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para aprofundar o conceito de condicionadores na Sociolinguística Variacional e verificar o resultado de pesquisas acadêmicas sobre esse assunto tanto na língua portuguesa quanto na língua inglesa. Para avançar no estudo dos conceitos principais da Sociolinguística Variacional e conhecer aplicações desses conceitos em estudos da língua inglesa, leia o texto Juntando tudo: variedade, variável e variante em um estudo de William Labov, de Diogo Pinheiro. https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html 10/11/2023, 10:21 A Sociolinguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00334/index.html# 52/53 Se você quiser conhecer a história dos estudos sociolinguísticos no Brasil, leia o artigo Sociolinguística no/do Brasil, da linguista e professora Raquel Freitag. Referências BRIGHT, W. (ed.). Sociolinguistics: Proceedings of the UCLA Sociolinguistics Conference 1964. The Hague, Paris: Mouton, 1966. CALVET, L. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002. CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge, MA: MIT Press, 1965. COELHO, I. L. et al. 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Propósito Compreender alguns conceitos acerca dos estudos da linguagem no contexto do surgimento da Linguística para se familiarizar com o campo do estudo científico da linguagem. Objetivos Módulo 1 Linguagem e signo Descrever o conceito de linguagem. Módulo 2 Características da linguagem humana Identificar as características da linguagem humana. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 2/47 Módulo 3 Os estudos pré-linguísticos Distinguir os estudos da linguagem no período pré-linguístico. Módulo 4 O estabelecimento da Linguística Reconhecer a Linguística como ciência da linguagem. Introdução O interesse pela linguagem há muito tempo está presente na história da humanidade, manifestando-se na literatura, na filosofia e até mesmo em tradições religiosas muito antigas, como no relato da criação do mundo por meio da palavra ou da linguagem, encontrado no livro bíblico de Gênesis. O interesse vem da tentativa de entender como as experiências podem ser trocadas, como se pode falar do que existia antes de nós ou do que ainda nem surgiu. A linguagem é um fenômeno impressionante. Ela está presente em praticamente todos os momentos, do nascimento até o fim da vida. Durante sua jornada, o ser humano transita pelos mais variados e complexos sistemas de comunicação. A linguagem é capaz de fazer tudo isso com alguns poucos elementos, como veremos mais adiante, permitindo a produção e a compreensão de informações. O autor C. S. Lewis, por exemplo, na saga As Crônicas de Nárnia, descreve a fundação do mundo mágico de Nárnia. Os personagens são levados a outra dimensão, na qual o leão Aslam está criando seu fantástico universo. Para começarmos este conteúdo, assista ao vídeo que apresenta um interessante trecho do livro O sobrinho do mago, deste autor. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 3/47 1 - Linguagem e signo Ao �nal deste módulo, você será capaz de descrever o conceito de linguagem. Linguagem O termo linguagem tem vários significados. É usado com mais frequência para caracterizar o processo de comunicação. Nesse sentido, as línguas naturais, ou seja, aquelas que se desenvolvem de forma espontânea em uma comunidade, como o português, o inglês e o francês, entre outras, são instrumentos que servem para a comunicação entre os falantes de uma língua, entendida aqui, inicialmente, como um sistema vocal utilizado por membros de um grupo social ou de uma comunidade de falantes. Assim, a linguagem é, neste primeiro sentido, uma habilidade que os seres humanos têm de se comunicar por intermédio de línguas. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 4/47 Comunicação Comunicação vem do latim communicare, que significa tornar algo comum. É por meio da comunicação que os seres humanos partilham diferentes informações entre si, sendo essencial para a vida em sociedade. Nem todas as línguas são naturais. Existem também as chamadas línguas artificiais, criadas por um grupo de indivíduos, sem passar por um processo de mudança ou de transformação resultante da vida cultural de algum povo. São, portanto, línguas inventadas. Por exemplo: Os fãs da franquia cinematográfica Star Trek criaram diversas línguas artificiais, inventadas. O esperanto é uma língua internacional, artificial ou planejada, que não pertence de modo natural a nenhuma comunidade ou país. Esperanto Língua artificial e universal criada em 1887 por Ludwik Lejzer Zamenhof (1859 - 1917), médico polonês de origem judaica, que ainda na adolescência elaborou a primeira versão do esperanto. No Brasil, o 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 5/47 esperanto é utilizado desde 1890. O alfabeto dessa língua é composto por 28 letras, baseado no alfabeto latino. Cada letra corresponde a um único som. A gramática do esperanto possui apenas 16 regras básicas. Por ser uma língua planejada, um de seus princípios é evitar a polissemia, por isso, as palavras possuem apenas um sentido. Há vários livros publicados e vídeos na Internet falados em esperanto. Atenção para não confundir línguas artificiais com línguas mortas, que são aquelas não mais faladas, mas que apresentam registro documental, podendo ser estudadas na atualidade. Um dos exemplos mais citados é o latim que, apesar de não ser falado como primeira língua ou língua materna em nenhum lugar do mundo, possui vasto material disponível. Como a linguagem pode ser classi�cada? De acordo com o sistema de sinais que a linguagem utiliza, ela pode ser classificada em: Linguagem verbal Caracteriza-se pelo uso de sinais verbais para a comunicação, ou seja, vale-se da palavra falada ou escrita. Nesse caso, as línguas naturais, como o português, o inglês, o espanhol, o japonês, o árabe etc., são exemplos de linguagem verbal, seja na modalidade escrita ou oral. Linguagem não verbal Caracteriza-se pelo uso de outros tipos de sinais, que não sejam as palavras, tais como as cores, os gestos, os desenhos e os sinais sonoros. Alguns exemplos encontrados em nosso cotidiano são os sinais de trânsito que orientam os motoristas, as bandeiras nas pistas de Fórmula 1, as expressões faciais e os silvos dos guardas no trânsito. Vamos fazer um teste? O que você pensa ao se deparar com a imagem a seguir? 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 6/47 Automaticamente você deve tê-la associado a algum tipo de perigo e risco. De fato, ela transmite uma informação. Esse tipo de elemento é chamado de ícone, que em grego significa imagem. O ícone é um sinal que se assemelha ao objeto por ele representado, como a fotografia, o desenho e a estátua. Agora, quando você vê uma nuvem escura no céu, com o que a associa? Podemos associá-la à noção de que provavelmente vai chover. A nuvem é um exemplode índice, ou seja, um sinal indicador, pois, segundo Yoda e Nagata (2018), indica algo tendo como fundamento a existência concreta deste e está diretamente ligado ao objeto. Qual é a principal diferença entre as duas manifestações, ícone e índice? Confira agora: Ícone Ao usar o desenho de uma caveira, evidencia sua elaboração intencional para transmitir uma informação a um receptor. Índice Ao usar o exemplo da nuvem escura, evidencia a falta da intenção de se estabelecer comunicação. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 7/47 Os conceitos de ícone e índice foram desenvolvidos por Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo, linguista, físico e matemático norte- americano, considerado um dos fundadores da Semiótica Moderna. A Semiótica pode ser definida como a ciência ou doutrina formal dos signos ou, como afirma Santaella (1983), a ciência de toda e qualquer linguagem. O signo, por sua vez, pode ser definido como uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Signos Para saber mais sobre a diferença entre ícone e índice, assista ao vídeo a seguir. Linguagem e interação Até aqui, você deve ter percebido que o conceito de linguagem é bem abrangente, pois engloba todos os sinais ou signos utilizados na expressão ou na comunicação, incluindo a linguagem verbal e a não verbal. A língua, nesse contexto, é considerada uma das possibilidades ou manifestação da linguagem e, por isso, pode ser identificada com a linguagem verbal. As diferentes formas de linguagem, incluindo a língua, a mais importante delas, vão além da expressão do que temos em mente e da sua função como meio ou instrumento para nossa comunicação. A linguagem deve ser entendida como uma forma ou um processo de interação entre os seres humanos. A língua é usada para se praticar ações, agir sobre o outro ou reagir ao que se ouviu. Interagimos por meio da língua e produzimos sentido dentro de um contexto social, histórico e ideológico. Imagine a seguinte situação: 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 8/47 Parece simples, mas essa situação envolve a interação entre a mente e a realidade sociocultural do emissor e receptor para produzir e entender as estruturas e os significados da língua. Veja, a seguir, como se realiza esse processo: Emissor O indivíduo que fala realiza uma atividade sociocognitiva extremamente complexa, codificando os pensamentos em palavras, que são combinadas para formar frases, as quais são pronunciadas, modularizando o som que sai da boca, para um receptor em determinado contexto. Receptor O indivíduo que recebe a informação, também passou por uma tarefa bastante complexa, decodificando os sons da fala que são dirigidos a ele, de modo a identificar as palavras e frases para conseguir interpretar as informações. Mais do que isso, para informar exatamente o horário, em vez de apenas e simplesmente responder: “sei que horas são”, foi preciso identificar a intenção da pergunta: “você sabe que horas são?”. A linguagem humana, então, pode ser descrita como um fenômeno geral e abrangente que se refere a todo e qualquer sistema de expressão, comunicação e interação humana utilizando-se de diversos e variados signos. Jonas está tomando café da manhã tranquilamente em sua casa. De repente, percebe que pode estar atrasado para chegar ao trabalho e pensa: “Não vou chegar a tempo!” Sem um relógio ou celular por perto, pergunta para a sua esposa: “Você sabe que horas são?” Parece claro que a intenção de Jonas é ser informado sobre qual horário o relógio está marcando, e não se a sua esposa sabe ou não o horário. Sua interlocutora, compreendendo o que Jonas tem em mente, olha o celular e responde: “São seis e meia!”. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 9/47 Se quali�camos a linguagem como humana, quer dizer que os animais não se comunicam nem possuem linguagem? Há estudiosos que identificaram padrões de comunicação entre certas comunidades de outros seres vivos, o que poderia levar ao questionamento sobre a possibilidade de se falar em linguagem animal. De acordo com Petter (2003), um desses pesquisadores foi o zoólogo alemão Karl von Frisch que, em 1959, publicou um estudo sobre o sistema de comunicação das abelhas. A abelha-operária, quando encontra alimento, volta à colmeia e leva a informação às outras abelhas por meio do tipo de voo que realiza. Se o sustento está próximo, ela voa em círculos. Se o sustento está longe, ela voa em forma de oito. Uma conclusão possível é que as abelhas podem reter informação em algum tipo de memória, produzir essa mensagem por meio de comportamentos e compreender a informação. Mas, o que alguns chamariam de linguagem animal, de acordo com Petter, “não se deixa analisar e decompor em elementos menores.” (PETTER, 2003, p.16-17). A abelha não produz um diálogo, não cria uma mensagem a partir de uma outra. Seu conteúdo é único, no caso, o alimento, e não possui variação, exceto pelo tipo de voo sobre a distância em que o sustento está. Por isso, “a comunicação das abelhas não é uma linguagem, é um código de sinais”. Isso seria evidenciado pelas seguintes características: 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 10/47 conteúdo fixo; mensagem invariável; relação a uma só situação; transmissão unilateral; enunciado indecomponível. Assim, teríamos de ampliar bastante o conceito de linguagem para afirmar que os animais possuem uma linguagem. Perceba que a linguagem que nós, seres humanos, utilizamos, em particular a língua, possui características que não são encontradas em outras formas ou outros padrões de comportamentos animais. Diferença entre ícone e índice Para saber mais sobre a diferença entre ícone e índice, assista ao vídeo a seguir. 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 11/47 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Assinale a alternativa que apresenta a descrição mais completa do conceito de linguagem. A A linguagem é o processo de comunicação constituído pelas línguas naturais. B A linguagem é a expressão do pensamento por meio da língua. A linguagem é um fenômeno geral e abrangente que engloba qualquer sistema de expressão, 10/11/2023, 10:17 Linguagem e Linguística https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/00081/index.html# 12/47 Parabéns! A alternativa C está correta. A linguagem humana se refere a todo e qualquer sistema de expressão, comunicação e interação humana utilizando-se de diversos e variados signos. Assim, a linguagem não se reduz à língua, à linguagem verbal ou mesmo às línguas naturais, pois abrange linguagens que utilizam outros tipos de signos, como a linguagem da música, da dança ou do gestual. Questão 2 Alguns dos sinais ou signos que constituem a linguagem podem ser descritos como: C comunicação e interação humana por meio da diversidade de signos. D A linguagem é a capacidade, tanto dos seres humanos quanto dos animais, de dialogar e interagir por meio das línguas artificiais. E A linguagem é o sistema de signos verbais que permitem a comunicação por meio da fala. A Icônicos, porque são sinais que têm semelhança com o objeto que representam, como o ícone de uma caveira representando perigo e risco. B Indicadores, porque são sinais que indicam o sentido abstrato de uma palavra, como o índice exemplificado na palavra nuvem. C Verbais, porque estão centrados apenas na palavra falada. D Não verbais, porque estão centrados apenas na palavra escrita. E Simbólicos,