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Princípios ligados diretamente ao processo Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal é uma garantia basilar do processo penal, e que abarca outras tantas garantias constitucionais. Trata-se de uma forma de assegurar a todos um julgamento justo. O julgamento justo, por sua vez, pressupõe o respeito as regras do processo penal e a observância de garantias constitucionais, como o mencionado devido processo legal, por exemplo. Busca-se, com isso, proteger o cidadão contra o uso arbitrário do poder punitivo estatal. Esse princípio está previsto no art. 5º, LIV da Constituição Federal, que determina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O exame desse princípio, originário do due process of law, nos permite identificar alguns direitos ou prerrogativas essenciais à sua configuração como garantia da ordem constitucional. São exemplos de tais prerrogativas: • O direito ao processo ou garantia de acesso ao Poder Judiciário. • O direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação. • O direito a um julgamento público e célere. • O direito ao contraditório e à plenitude de defesa. • O direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto. • O direito à igualdade entre as partes. • O direito de não ser processado com base em provas ilícitas. • O direito à gratuidade de justiça. • O direito à observância do princípio do juiz natural. • O direito ao silêncio ou a não autoincriminação. • O direito à prova. • O direito de presença e de participação ativa nos atos de interrogatório judicial. Assim, o devido processo legal garante ao acusado um processo justo, em que todas as garantias previstas na Constituição e nas leis sejam observadas e, ao final, a prolação de uma sentença por um juiz imparcial. Princípio da busca da verdade real Também chamado de princípio da verdade material ou da verdade substancial, determina que, no processo penal, devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas todas as providências cabíveis para tentar descobrir como os fatos realmente se passaram, de forma que o jus puniendi seja exercido com efetividade em relação àquele que praticou ou concorreu para a infração penal. No entanto, é necessário ter em vista que a procura da verdade real não pode implicar violação de direitos e garantias estabelecidos na legislação. Assim, temos como exemplos de exceções à verdade real: a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF) e a impossibilidade de revisão criminal contra a sentença absolutória transitada em julgado. Importante destacar que muitos criticam a ideia de que se deve buscar a verdade real. Confira o que pensa Aury Lopes Junior: A visão de que o processo penal busca a mitológica verdade real é um ranço inquisitório superado há séculos. Trata-se de uma concepção vinculada ao sistema inquisitório e aos sistemas autoritários, que em nome da busca da verdade legitimaram as maiores atrocidades que a história da humanidade conheceu. Ademais é uma tese absurda, na medida em que confunde o real com o imaginário, pois o crime é sempre passado, logo, nunca é real. É memória, história, imaginação. É sempre imaginário, nunca é real. (LOPES JUNIOR, 2019, p. 513) Dessa forma, a crítica a tal noção se encontra no fato de que nunca se irá alcançar a verdade real, servindo esse princípio, muitas vezes, para justificar a atuação de ofício do magistrado, violando o sistema acusatório previsto na Constituição. Princípio da publicidade O princípio da publicidade determina que o Estado garanta a transparência a seus atos, reforçando, com isso, a ideia de independência, imparcialidade e responsabilidade do juiz. A publicidade surge como uma garantia individual, determinando que os processos civis e penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar formas opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o Judiciário e o Ministério Público. Esse princípio está previsto expressamente na Constituição: Art. 93, IX - Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. E também no Código de Processo Penal: Art. 792 - As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DECRETO-LEI Nº 3.689/1941) Dessa forma, como visto, tal princípio se consagra como uma verdadeira garantia para o acusado, que estará menos suscetível a eventuais violências ou arbitrariedades por parte do Estado. Princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF) O princípio do contraditório é considerado um dos princípios centrais do processo judicial moderno, sendo elemento substancial do acesso à Justiça, possuindo diversos desdobramentos. Nas palavras de Leonardo Greco: Numa noção elementar poderia ele ser definido como o princípio que impõe ao juiz a prévia audiência de ambas as partes antes de adotar qualquer decisão (auditur et altera pars) e o oferecimento a ambas das mesmas oportunidades de acesso à justiça e de exercício do direito de defesa. Assim sendo, trata-se do direito assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo manifestar-se e produzir as provas necessárias antes de o magistrado decidir. Tal princípio possui expressa previsão na Constituição Federal que afirma, em seu art. 5º, LV, que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Logicamente, tal concepção não determina um total distanciamento do magistrado, pelo contrário, este deve efetivamente integrar o contraditório, ordenando e equilibrando a atuação das partes de maneira a garantir a isonomia processual. Na realidade, no exercício do contraditório, o magistrado assume uma posição de controle, a partir da qual pode e deve agir para equacionar a ação dos envolvidos, garantindo um tratamento igualitário, sempre com o cuidado de não afetar a sua parcialidade, tema a ser tratado no tópico seguinte. Atenção! Esse princípio é mitigado em determinados casos, como ocorre no denominado contraditório diferido ou postergado, no qual a ciência ou impugnação do investigado ou acusado ocorre em momento posterior. Em tais situações, a urgência da medida ou a sua natureza exige um provimento imediato, sob pena de prejuízo ao processo ou, no mínimo, de ineficácia da determinação judicial. Princípio da ampla defesa A ampla defesa traduz o dever do Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe foi realizada. É bem verdade que grande parte da doutrina entende que o contraditório e o direito de defesa são distintos. Entretanto, mesmo esta concorda que são indissolúveis, afinal é do contraditório que surge o exercício da ampla defesa. Não é outro o entendimento de Marco Antonio Rodrigues: Para que se possa definir o conteúdo do contraditório, é preciso primeiro verificar sua relação com a ampla defesa, já que ambos estão previstos no artigo 5º, LV da Lei Maior. Com efeito, não se trata de sinônimos, até porque não seria útil que o legislador estabelecesse em um mesmo dispositivo duas previsões de sentido idêntico. Assim, a ampla defesase constitui num elemento do contraditório, pois aquele significa permitir às partes que apresentem adequadamente as alegações que embasem sua pretensão ou defesa, com a consequente possibilidade de provar seus argumentos, bem como de interpor os recursos cabíveis em face das decisões proferidas. O exercício da ampla defesa é de fundamental importância na concretização do contraditório e da justiça. Afinal, o que fundamenta o acesso à justiça é a busca pela verdade — seja real ou processual — e somente por meio da garantia às partes dos meios para reconstruir os fatos é que se torna possível aplicar o direito de forma legítima. Na realidade, a própria essência do contraditório se consubstancia em uma fórmula para buscar a verdade. A concepção moderna da garantia da ampla defesa reclama, para a sua verificação, seja qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades procedimentais, genericamente consideradas, a saber: a) o direito à informação; b) a bilateralidade da audiência; e c) o direito à prova legalmente obtida ou produzida. É importante destacar ainda que, para a doutrina, a ampla defesa pode ser exercida de duas formas distintas: autodefesa e defesa técnica. A autodefesa é realizada facultativamente pelo próprio agente, sendo permitido calar-se ou trazer qualquer elemento de convicção, ainda que não jurídico, o que pode ser bastante útil perante os jurados no tribunal do júri, que decidem de acordo com a íntima convicção. Já a defesa técnica é realizada obrigatoriamente por advogado habilitado, conforme o art. 261 do CPP, não podendo o réu se autorrepresentar no processo penal, a não ser que seja advogado (art. 263 do CPP), sendo esta defesa irrenunciável. A falta de defesa técnica, no processo penal, nos termos da Súmula nº 523 do STF, constitui nulidade absoluta, mas, se for deficiente apenas, só anulará o processo caso exista prova do prejuízo do réu. Por fim, é preciso ressaltar que não é suficiente garantir à parte, como exercício da legítima defesa, o direito à prova e a possibilidade de participar do processo, sendo essencial a efetiva capacidade de influenciar o julgador na tomada de sua decisão. Assim, de nada adianta a parte produzir provas e evidências se o magistrado não está inclinado ou obrigado a considerá-las. Princípios ligados diretamente às partes Princípio do in dubio pro reo Também chamado de princípio da prevalência do interesse do réu, favor rei, favor libertatis ou favor inocente, esse princípio privilegia a garantia da liberdade em detrimento da pretensão punitiva do Estado, decorrendo diretamente da presunção de inocência. Segundo tal princípio, a dúvida deve militar em favor do acusado. Dessa forma, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve prevalecer. A doutrina indica que tal princípio está previsto implicitamente no art. 386, VII do Código de Processo Penal, que determina que o juiz absolverá o réu quando não existir prova suficiente para condenação. Destaca-se que esse princípio é mitigado em determinados momentos, como na decisão de pronúncia, em que não se exige a certeza da autoria do crime, mas apenas a existência de indícios suficientes e prova da materialidade, imperando, nessa fase final da formação da culpa, o chamado in dubio pro societate. Da mesma forma, tal princípio também é mitigado na decisão de recebimento da denúncia, ou seja, caso haja dúvida sobre a pertinência da ação penal, deve ela ser admitida. Princípio da presunção de inocência Esse princípio está previsto no art. 5º, LVII da Constituição Federal que determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Também chamado de princípio do estado de inocência ou da situação jurídica de inocência ou da não culpabilidade, esse princípio deve ser considerado em três momentos distintos: 1. Na instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova. 2. Na avaliação da prova, impondo-se a valoração das provas em favor do acusado quando houver dúvidas sobre a existência de responsabilidade pelo fato imputado. 3. No curso do processo penal, como parâmetro de tratamento ao acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória. O princípio de presunção de inocência é de extrema importância no direito processual penal, pois impõe que o réu deve ser considerado inocente até a última decisão. Da mesma forma, também permite ao réu o uso de todos os meios para que prove sua inocência. Ocorre que tal entendimento somente prevaleceu até 2016, quando, no julgamento do HC 126292, o STF decidiu que era possível a execução provisória da pena, desde que proferido acórdão condenatório em segundo grau. Contudo, em novo julgamento, a Corte revisou seu entendimento sobre o tema e decidiu nas ADC 43/DF, 44/DF e 54/DF, em 7 de novembro de 19, que a execução provisória da pena ofende o princípio da presunção de inocência, sendo este o entendimento mais atual. Cabe ressaltar que, no que se refere ao tribunal do júri, a Lei nº 13.964/2019 trouxe uma importante previsão acerca das apelações oriundas dos julgamentos plenários. Atualmente, admite-se a execução provisória da pena nos casos de condenação no tribunal do júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão. Dessa forma, segundo o art. 492, §4º do CPP, a apelação nesses casos não terá efeito suspensivo, salvo determinadas exceções. Art. 492 §4º - A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo. §5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o §4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: I - não tem propósito meramente protelatório; e II - levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. §6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia. (CÓDIGO DO PROCESSO PENAL, DECRETO-LEI Nº 3.689/1941) Por fim, importante destacar que a decisão do STF que firmou o entendimento de que é inconstitucional a execução provisória da pena deve ser aplicada às penas restritivas de direitos. Não é outro o entendimento do STJ sobre o tema, com forme a Súmula nº 643: “A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado da condenação.” Princípio ne procedat judex ex officio Também conhecido como princípio da ação, princípio da demanda ou princípio da iniciativa das partes, consolida a regra da inércia da jurisdição e produz consequências práticas importantes em relação ao desenvolvimento do processo. Esse princípio se desenvolveu no direito romano e busca estabelecer a independência e imparcialidade da magistratura, determinando que o juiz não deve agir de ofício, ou seja, sem a provocação das partes. Com base nesse princípio, o STF editou a Súmula nº 160, que determina: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Importante destacar que, mesmo sendo aplicável tal princípio ao direito processual penal brasileiro, tanto o Código de Processo Penal, quanto leis penais extravagantes preveem diversas hipóteses em que o juiz pode agir de ofício. Cite-se, como exemplo,o art. 156 do CPP e o art. 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro. Princípios ligados diretamente ao juiz Princípio da imparcialidade do juiz A imparcialidade significa que o magistrado, situando-se no vértice da relação processual triangulada entre ele, a acusação e a defesa, deve possuir capacidade objetiva e subjetiva para solucionar a demanda, isto é, julgar de forma equidistante, vinculando-se apenas às leis, aos fatos e às provas. A imparcialidade do julgador é princípio basilar do processo e imprescindível para que seu desenvolvimento conduza a uma sentença justa. Afinal, a ideia de um terceiro alheio aos interesses das partes é essencial para um processo legítimo. Como afirma Renato Brasileiro: [...] a necessidade de um terceiro imparcial é a razão de ser da própria existência do processo, enquanto forma de heterocomposição de conflitos, sendo inviável conceber a existência de um processo em que a decisão do feito fique a cargo de um terceiro interessado em beneficiar ou prejudicar uma das partes. O juiz imparcial é aquele que ocupa a posição do Estado no processo, ou seja, de um terceiro supraordenado às partes. Assim, deve ser aquele que não possui qualquer interesse na causa, senão a resolução do conflito em conformidade com o sistema jurídico vigente. Para evitar a contaminação da imparcialidade do juiz que atua na fase da investigação, a Lei nº 13.964/2019 trouxe a figura do juiz das garantias, que, em suma, é o juiz que atua da fase das investigações até o recebimento da inicial acusatória, quando então dá lugar ao juiz da instrução e julgamento. No entanto, vale lembrar que o STF, por meio de medida cautelar proferida monocraticamente pelo min. Luiz Fux no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6300, 6305, 6299 e 6298, decidiu suspender, até o julgamento do mérito da ação penal, todos os dispositivos da nova legislação que versam sobre o juiz das garantias. Atenção! Embora prezem pela imparcialidade do juiz, diversos dispositivos do Código de Processo Penal permitem a atuação de ofício do magistrado, o que, para muitos doutrinadores, representa uma clara violação a tal princípio. Princípio do juiz natural O princípio do juiz natural, decorrente da Constituição (art. 5º, XXXVII e LIII), apresenta três facetas: i) somente aqueles investidos legalmente de jurisdição podem exercê-la; ii) ninguém será processado e julgado por um órgão instituído após o fato (vedação ao juízo de exceção); e iii) deve haver uma distribuição específica e taxativa da competência para o julgamento. Assim, esse princípio consiste objetivamente no direito que cada cidadão possui de conhecer previamente o juiz ou tribunal responsável por julgá-lo, caso pratique uma conduta em dissonância com o ordenamento jurídico estabelecido. Dessa forma, é verdadeiro fundamento do Estado democrático de direito. Parte da doutrina fala ainda no princípio do promotor natural. Para esse princípio, veda-se a designação arbitrária, pela chefia da instituição, de promotor para patrocinar caso específico, ou seja, o promotor natural há de ser sempre aquele previamente estatuído em lei. Princípio da motivação A exigência de motivação, prevista no art. 93, IX, da CF e no art. 381 do CPP, tem a finalidade de permitir às partes a impugnação das decisões tomadas no âmbito do Poder Judiciário, conferindo, ainda, à sociedade a garantia de que essas não resultam de posturas arbitrárias. Destaca-se que, no tribunal do júri, há mitigação da obrigatoriedade de motivação, pois o conselho de sentença, formado por juízes leigos, não pode motivar nem fundamentar o seu entendimento, vigorando o princípio da incomunicabilidade dos jurados e da íntima convicção. Com base no princípio da motivação, a Lei nº 13.964/2019 trouxe a determinação de que decisões que decretem medidas cautelares diversas da prisão deverão ser justificadas e fundamentadas. Art. 282, §3º - Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional. (CÓDIGO DO PROCESSO PENAL, DECRETO-LEI Nº 3.689/1941) Da mesma forma, o legislador determinou expressamente a necessidade de motivação das decisões que decretam a prisão preventiva e indicou ainda o que não se deve considerar como decisão devidamente fundamentada. Art. 312 §2º - A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. [...] Art. 315 - A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada. §1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. §2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (CÓDIGO DO PROCESSO PENAL, DECRETO-LEI Nº 3.689/1941) Por fim, a ausência de motivação por parte do magistrado leva ao reconhecimento da nulidade das decisões proferidas, conforme determina a Constituição Federal em seu art. 93, IX. Estrutura do processo penal: sistemas penais A estrutura do processo penal sofreu grandes alterações ao longo dos séculos, sempre acompanhando os dogmas, as ideologias e a estrutura social e política vigente, se mais punitiva ou libertária. Dessa maneira, é possível associar o sistema processual penal estabelecido com o viés democrático ou autoritário de determinado governo ou nação. Como dito, o processo funciona como garantia, instrumento de controle do poder do Estado. Assim, pela forma que este é conduzido, é possível verificar-se maior ou menor o grau de proteção dos direitos humanos fundamentais do sujeito submetido a ele. Não é outra a opinião de José Frederico Marques: O processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às diretrizes políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela Constituição, das diretrizes políticas desta é que partem os postulados informadores da legislação e da sistematização doutrinária. No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco afirma o seguinte: O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisarefletir as bases do regime democrático, nela proclamadas; ele é, por assim dizer, o microcosmo democrático do Estado de direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade. Como veremos nos tópicos seguintes, o sistema acusatório possui características democráticas, observando os direitos e as garantias das partes envolvidas. Já o sistema inquisitório, mais próximo de modelos autoritários, apresenta características que, muitas vezes, colidem com os direitos fundamentais dos acusados. Sistema acusatório Em oposição ao sistema inquisitorial, o sistema acusatório caracteriza-se pela clara distinção entre as funções de julgar e de acusar. Da mesma forma, a iniciativa probatória deve ser das partes, mantendo-se o juiz afastado, apenas como um terceiro imparcial, sem interferir de qualquer modo na investigação e na coleta da prova. Este é o entendimento de Geraldo Prado: A construção teórica do princípio acusatório há de consumar-se mediante oposição ao princípio inquisitivo. São antagônicas as funções que os sujeitos exercem nos dois modelos de processo. É desse antagonismo, portanto, que as diferenças devem ser extraídas. Assim, se na estrutura inquisitória o juiz ‘acusa’, na acusatória a existência de parte autônoma, encarregada da tarefa de acusar, funciona para deslocar o juiz para o centro do processo, cuidando de preservar a nota de imparcialidade que deve marcar a sua atuação. Em tal sistema, ambas as partes — acusação e defesa — têm tratamento igualitário, predominando o procedimento oral, a publicidade dos atos, o contraditório e a ampla defesa. Assim, o sistema acusatório possui estrutura e mecanismos de zelar pela imparcialidade do julgador. Nesse sentido, veja o que afirma Aury Lopes Junior: É importante destacar que a posição do ‘juiz’ é fundante da estrutura processual. Quando o sistema aplicado mantém o juiz afastado da iniciativa probatória (da busca de ofício da prova), fortalece-se a estrutura dialética e, acima de tudo, assegura-se a imparcialidade do julgador. O estudo dos sistemas processuais penais na atualidade tem que ser visto com o ‘olhar da complexidade’ e não mais com o ‘olhar da Idade Média’. Significa dizer que a configuração do ‘sistema processual’ deve atentar para a garantia da ‘imparcialidade do julgador’, a eficácia do contraditório e das demais regras do devido processo penal, tudo isso à luz da Constituição. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Em última análise, é a separação de funções e, por decorrência, a gestão da prova na mão das partes e não do juiz (juiz-espectador), que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive. Somente no processo acusatório-democrático, em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes, é que podemos ter a figura do juiz imparcial, fundante da própria estrutura processual. Assim, conforme dito, o processo acusatório tem como uma de suas principais características a separação entre o juiz e as partes, não interferindo o julgador na investigação e na instrução processual, sendo efetivamente garantida sua imparcialidade até o julgamento final. Não é outro o entendimento de Luigi Ferrajoli ao diferenciar os dois modelos: Está claro que aos dois modelos são associáveis sistemas diferentes de garantias, sejam orgânicas ou procedimentais: se o sistema acusatório favorece modelos de juiz popular e procedimentos que valorizam o contraditório como método de busca da verdade, o sistema inquisitório tende a privilegiar estruturas judiciárias burocratizadas e procedimentos fundados nos poderes instrutórios do juiz, compensados talvez pelos vínculos das provas legais e pela pluralidade dos graus de juízo (instâncias). Em suma, no sistema acusatório, existe separação entre os órgãos incumbidos de realizar a acusação e o julgamento, o que garante a imparcialidade do julgador e, por conseguinte, assegura a plenitude de defesa e o tratamento igualitário das partes. Sistema brasileiro Atualmente, há quem defenda a existência de um sistema misto, decorrente da composição dos sistemas inquisitório e acusatório. Seria, assim, um sistema que possui características de ambos. Grande parte da doutrina afirma que o Brasil adota tal sistema, predominando na fase pré- processual (fase de investigação) o modelo inquisitorial e na fase processual (instrução e julgamento) o modelo acusatório. É importante mencionar a crítica que parte da doutrina faz à qualificação de um sistema processual penal como misto, em razão da impossibilidade de existirem sistemas inteiramente puros, sendo todos mistos, uns se aproximando do inquisitorial e outros do acusatório. Também é importante sublinhar a crítica que sustenta a impossibilidade de um sistema misto, apoiado em dois princípios que se excluem reciprocamente: o inquisitorial e o acusatório. Analisando o sistema processual penal brasileiro atual, é possível perceber claramente de que modelo ele se aproxima. Evidente tal proximidade com o modelo inquisitório, quando, apesar de muitas reformas, ainda permanecem dispositivos que dão amplos poderes ao julgador para intervir na produção probatória: Art. 156 - A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. [...] Art. 209 - O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. [...] Art. 234 - Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. Um dos fundamentos mais utilizados para a concessão de tais “poderes” é o de que caberia ao magistrado a busca pela “verdade real”. Entretanto, sob o manto de tal justificativa, permite-se que o juiz, supostamente imparcial, atue de maneira ativa na investigação e na instrução. É preciso destacar que a interpretação sistemática da Constituição Federal do Brasil estabelece a garantia de que o processo penal deve seguir o sistema acusatório. Tal constatação decorre dos próprios princípios estabelecidos, como a dignidade da pessoa humana, a valorização do homem, bem como a própria transição de um regime autoritário para um regime democrático. Adicionalmente, diversos são os institutos e as garantias previstas constitucionalmente que decorrem do sistema acusatório: i) contraditório e ampla defesa; ii) devido processo legal; iii) presunção de inocência; iv) publicidade dos atos; e v) titularidade do Ministério Público sobre a ação penal pública. Fontes e sujeitos Podemos definir como fonte do direito tudo aquilo de que provém um preceito jurídico. Sabemos que o processo penal é um meio necessário para a aplicação do direito material. Ele é representado por um conjunto de procedimentos que vinculam os sujeitos e as partes do processo a fim de trazer legitimidade ao exercício do poder punitivo do Estado, buscando evitar eventuais abusos. Dessa forma, as fontes são pilares que servem de suporte para a interpretação precisa do sistema. As fontes do direito processual são divididas basicamente em duas: Fonte Material: É a fonte de produção, refere-se ao ente que temcompetência para elaborar as normas, ou seja, é aquela que cria o direito. No que se refere às fontes materiais, o art. 22, inciso I, dispõe que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Assim, no caso do direito processual penal, o poder constituinte originário definiu que cabe à União legislar sobre sua estrutura e seus pilares fundamentais. Fonte Formal: É aquela que revela o direito. As fontes formais se subdividem em fontes primárias ou imediatas, que são as leis, a Constituição Federal, as emendas à constituição, os tratados, convenções e regras de direito internacional, e fontes secundárias ou mediatas, que são a analogia, os costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do direito. Sujeito processual, por sua vez, é definido como toda pessoa que intervém na relação jurídico-processual, ou seja, aqueles que atuam no processo. Tal sujeito pode ser classificado como principal ou secundário. Os sujeitos principais participam da relação em caráter de obrigatoriedade, de modo que, sem eles, não se constitui um processo. São sujeitos processuais principais: • juiz; • acusado; • Ministério Público; • querelante. Deles, forma-se a relação angular-processual, estando o juiz acima e entre as partes em decorrência de sua imparcialidade. Sujeitos processuais secundários (acessórios ou colaterais), por sua vez, integram a relação processual sem caráter de obrigatoriedade. Em suma, sua presença é facultativa. É chamado também de colateral, haja vista que se agregam ao polo ativo ou passivo processual. Fazem parte desse grupo o assistente de acusação, o fiador do réu e os auxiliares da justiça. Aplicação da lei processual penal no espaço O processo penal, em todo o território nacional, rege-se pelo Código de Processo Penal. Tal regra está prevista em seu art. 1º, caput, que adotou, quanto ao alcance de suas normas, o princípio da territorialidade, segundo o qual seus dispositivos se aplicam a todas as ações penais que tramitem pelo território brasileiro. Destaca-se que o Código de Processo Penal adota o princípio da territorialidade absoluta (locus regit actum), no sentido de que, no Brasil, não se admite a aplicação de direito processual estrangeiro, apesar de se admitir a aplicação de regras de direito internacional. Da mesma forma, o CPP adota, ainda, o princípio da territorialidade estrita, pois a lei processual penal brasileira, ao contrário do que ocorre com a lei penal, não possui extraterritorialidade. Entretanto, isso não significa que ela não possa ser aplicada a crimes cometidos fora do território nacional, para isso, basta que o crime seja julgado em território nacional. Assim dispõe o Código de Processo Penal sobre o tema: Art. 1º - O processo penal reger-se-á, em todo o Território Brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do STF, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, §2º, e 100); III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, nº 17); V - os processos por crimes da imprensa. Diante disso, é possível verificar que o próprio Código de Processo Penal elenca hipóteses em que este não terá aplicação, ainda que o fato tenha ocorrido em território nacional. Os tratados, as convenções e as regras de direito internacional, firmados pelo Brasil, mediante aprovação por decreto legislativo e promulgação por decreto presidencial, afastam a jurisdição brasileira, ainda que o fato tenha ocorrido no território nacional, de modo que o infrator será julgado em seu país de origem. É o que ocorre, por exemplo, com agentes diplomáticos aqui acreditados, como embaixadores e secretários de embaixadas. Outra hipótese indicada expressamente é aquela em que devem ser aplicadas as prerrogativas constitucionais do presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do presidente da República, e dos ministros do STF, nos crimes de responsabilidade. Essa hipótese se refere aos crimes de natureza político-administrativa, e não aos delitos comuns, sendo o julgamento dessas infrações realizado pelo Poder Legislativo e não pelo Judiciário. Atenção! Os processos de competência da Justiça Militar, isto é, os crimes militares, seguem os ditames do Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), e não da legislação processual comum. Quanto aos processos por crimes da imprensa, vale destacar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 130-7/DF, declarou que tal norma não foi recepcionada pela Constituição, de modo que, atualmente, os antigos crimes da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967) deverão ser enquadrados, quando possível, na legislação comum, e a apuração ocorrerá nos termos do Código de Processo Penal. Por fim, importante indicar que o art. 5º, §4º, da CF prevê que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Dessa forma, ainda que um delito seja cometido em território nacional, havendo denúncia a esse tribunal, o agente deverá ser entregue para que lá seja julgado, aplicando-se as regras de direito internacional. Aplicação da lei processual penal no tempo Como regra geral, aplica-se o princípio do efeito imediato ou princípio da aplicação imediata ou sistema do isolamento dos atos processuais. Assim dispõe o CPP: Art. 2º - A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DECRETO-LEI Nº 3.689/1941) Dessa forma, o art. 2º do CPP adotou o princípio da imediata aplicação da lei processual penal, também chamado de princípio tempus regit actum. De acordo com esse princípio, os novos dispositivos processuais podem ser aplicados a crimes praticados antes de sua entrada em vigor. Assim, para a definição da lei aplicável, considera-se a data da realização do ato e não a data da infração penal. Ante o exposto, a lei processual será aplicada imediatamente, ainda que prejudicial ao réu. Destaca-se que não há violação ao art. 5º, XL, da CF, pois a vedação incorporada nesse dispositivo constitucional não se refere às normas puramente processuais penais, mas apenas às normas de natureza penal. Vale ressaltar que o art. 3º da Lei de Introdução ao CPP dispõe que “o prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no CPP”. Assim, se um determinado prazo já estiver em andamento, incluindo o prazo recursal, valerá o prazo da lei anterior se o prazo da nova lei for menor do que aquele outro. Tal situação apresenta uma hipótese de ultratividade da lei processual penal. É importante, contudo, diferenciar as chamadas normas processuais heterotópicas e normas processuais mistas ou híbridas: Normas processuais heterotópicas: Como sabemos, normas processuais são aquelas que regulamentam aspectos relacionados ao procedimento ou à forma dos atos processuais, possuindo aplicações imediatas. Já as normas materiais são aquelas que objetivam assegurar direitos ou garantias, possuindo efeitos retroativos nas hipóteses que beneficiam o réu, mas jamais retroagindo para prejudicá-lo. Ocorre que existem determinadas regras que, apesar de inseridas em diplomas processuais penais, possuem conteúdo material, retroagindo para beneficiar o réu. Outras, ao revés, incorporadas a leis materiais,apresentam um conteúdo processual, regendo-se pelo critério tempus regit actum. Essas são chamadas de normas heterotópicas. Normas processuais híbridas: São aquelas que possuem preceitos de direito material e de direito processual. Nessas hipóteses, prevalece o conteúdo material da norma, assim devem respeitar o princípio que veda a aplicação retroativa da lei penal quando seu conteúdo for prejudicial ao réu. Ou seja, a regra de irretroatividade não se aplica às normas processuais que também possuem em seu conteúdo natureza de direito material.