Prévia do material em texto
Apoio Apoio Não é só um 0800, é uma plataforma de atendimento com protocolos, com o expertise e parceria vindo da Raríssimas de Portugal e o Instituto da Criança que beneficia os pacientes de doenças raras. Através das respostas às nossas pergun- tas conseguiremos iniciar um mapea- mento inédito no Brasil. Precisamos "entender" o que os "raros" pensam, o que sentem, o que precisam, qual a expectativa, quais as angústias. Enfim, procurar "conhecer" para tentar "aten- der" as mínimas necessidades para que tenham uma qualidade de vida digna. BAIXE E PARTICIPE! 4 Prefácio Temos uma necessidade muito grande de difundir conhecimento sobre as doenças raras, não só para os profi ssionais da Saúde. Esse saber precisa alcançar toda a sociedade, para que haja uma mudança do senso comum, sobre essas doenças. Os profi ssionais da Saúde precisam saber fazer: os diagnósticos, tratamentos, seguimentos e acompanhamentos dessas patologias, para melhorar a qualidade do seu trabalho, na assistência a essas pessoas. A sociedade precisa saber que as pessoas com pessoas raras estão presentes entre nós desde os primórdios da humanidade, que elas contribuem e contribuíram muito com o desenvolvimento humano social, cultural, científi co e da própria Medicina. Muitas das chamadas doenças comuns, aquelas que acometem o ser humano com maior frequência e em maior número, obtiveram tratamento e cura, a partir do conhecimento científi co adquiridos com os estudos científi cos, sobre as Doenças Raras. O valor de um Compêndio de Doenças Raras, como o aqui apresentado, é divulgar os saberes sobre essas patologias, não só registrar a sua existência. Mas, favorecer uma “mudança”, que promova a inclusão social e o respeito às necessidades dessas pessoas, tanto na Saúde, como na Sociedade”. Carmela Maggiuzzo Grindler – Coordenadora estadual do Programa Nacional de Triagem Neonatal e Coordenadora do Projeto de Implantação da Politica Nacional de Assistência Integral à Pessoa com Doença Rara do estado de São Paulo 5 Prefácio A idealização e elaboração do livro Compendio de Doenças Raras envolvendo inúmeros profi ssionais da área médica e membros da Sociedade Brasileira de Genética Médica é um verdadeiro marco na ampliação do conhecimento sobre este tema entre os profi ssionais de saúde do Brasil. Tanto ainda temos a aprender, tanto ainda temos que fazer para reconhecer indivíduos com doenças raras, tanto ainda temos que evoluir nas tecnologias de avaliação e diagnóstico e tanto ainda temos que fazer pelos pacientes. O principal objetivo será sempre reconhecer o RARO no universo dos comuns, promovendo a digna assistência na área da saúde e a melhor da qualidade de vida, tanto aos afetados, quanto seus familiares e cuidadores. Considera-se que 80% das doenças raras são de causas exclusivamente genéticas, causando um enorme impacto a todos os familiares. O livro certamente irá percorrer os quatro cantos do Brasil desde o meio da assistência básica até a mais especializada, pois os Raros estão entre nós. O papel do Médico Geneticista destaca-se cada vez mais neste contexto sendo o especialista adequadamente formado a atender pacientes com doenças raras de causa genética. Em nome do corpo clínico do Instituto da Criança do HC-FMUSP, parabenizo o Instituto “Vidas Raras” e a “Raríssimas do Brasil” por mais esta iniciativa, que traz uma contribuição de valor inestimável para a luta por uma maior consciência e uma melhor assistência às pessoas com Doenças Raras em nosso país. Agradeço a oportunidade dada a vários de nós em participar desta obra, além do privilégio de hospedar a LINHA RARA (0800 006 7868) na nossa Instituição. Muito obrigada,. Carolina Fischinger Moura de Souza, Presidente Sociedade Brasileira de Genética Médica (2016-2018) Magda Carneiro-Sampaio, Presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do HCFMUSP aaaaaa 8 AAcromegalia é uma doença crônica rara decorrente da produção ex- cessiva do hormônio do crescimento (GH) e, consequentemente, do fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF-I). Em 98% dos casos, a doença é causada por adenomas hipofi sários secretores de GH (somatotropinomas), em cerca de 2% dos casos pela hipersecreção eutópica ou ectópica do hormônio liberador do GH e, muito raramente, pela secreção ectópica de GH. A doença apresenta uma prevalência de 40 a 125 casos por milhão de habitantes e uma incidência anual de três a quatro casos por milhão de habitantes, acometen- do ambos os sexos e podendo ocorrer em qualquer idade, sendo mais comum entre os 40 e 50 anos de idade. Estes pacientes apresentam uma taxa de mortalidade 1,7 vezes maior que a população geral de mesma idade e sexo, principalmente por causas cardiovasculares. Na maioria das vezes, a Acromegalia ocorre de forma esporádica, no entanto, num pequeno número de casos, pode fazer parte de síndro- mes familiares, como as Neoplasias Endócrinas Múltiplas, o Complexo de Carney ou Adenomas Hipofi sários familiares isolados. A doença apresenta um curso clínico insidioso, caracterizando-se por sinais e sintomas decorrentes da ação do GH e/ou do IGF-I nos tecidos periféricos e de efeito compressivo do adenoma sobre as estruturas vizinhas à sela túrcica. As ma- nifestações da hipersecreção hormonal são caracterizadas, principalmente, por al- terações craniofaciais, aumento de extremidades, hiperidrose, artralgia, síndrome do túnel do carpo, apneia do sono e visceromegalias. Há ainda maior prevalência de doenças cardiovasculares (hipertensão arterial, cardiomiopatia acromegálica) e alterações do metabolismo glicídico (diabetes mellitus, glicemia de jejum alterada, intolerância oral à glicose). Quando acome- te crianças e adolescentes (antes do fechamento das cartilagens de conjugação) acarreta o gigantismo. Já os efeitos locais da expansão tumoral se manifestam por cefaleia, distúrbios visuais, hipopituitarismo e hiperprolactinemia não-tumoral. A partir de uma suspeita clínica, o diagnóstico é fi rmado através de dosagens laboratoriais de GH e IGF-I. A presença de níveis séricos de GH basais menores Acromegalia A doença apresenta um curso clínico insidioso, caracterizando-se por sinais e sintomas decorrentes da ação do GH e/ou do IGF-I nos tecidos periféricos e de efeito compressivo do adenoma sobre as estruturas vizinhas à sela túrcica 9 ■ Professora adjunta de Endocrinologia, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ■ Coordenadora do Centro de Pesquisa em Neuroendocrinologia, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ ■ Membro da diretoria do departamento de Neuroendocrinologia, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Monica Gadelha que 0,4 ng/dL e IGF-I normal excluem a doença. Caso contrário, deve ser realizado o teste de tolerância oral à glicose, sendo confi rmado o diagnóstico caso não haja supressão do GH para níveis menores que 0,4 ng/dL. Após o diagnóstico laboratorial, deve ser realizado exame de ima- gem de sela túrcica, ressonância magnética, preferencialmente. O tratamento cirúrgico está indicado nos pacientes com tumores pequenos (cada uma delas causadas pela defi ciência de uma única sulfatase, sendo seis enzimas lisossomais, e duas sulfatases não-lisossomais. A defi ciência das sul- fatases lisossomais corresponde a cinco tipos de Mucopolissacaridoses (MPS): II (defi ciência de idurinato-2-sulfatase), IIIA (defi ciência de sulfamidase), IIID (glico- samino-6-sulfatase), IVA (defi ciência de galactose-6-sulfatase) e VI (defi ciência da arilsulfatase B); e a Leucodistrofi a Metacromática (defi ciência de arilsulfatase A), decorrente do acúmulo de sulfolipídios. A defi ciência das enzimas não lisossomais levam à Ictiose ligada ao X (defi ciência de arilsulfatase C) pelo acúmulo de esteroide sulfato, e à Condrodisplasia Punctata ligada ao X (defi ciência de arilsulfatase E). Em suma, os pacientes com DMS apresentam uma combinação de achados clínicos da Leucodistrofi a Metacromática e vários tipos de MPS: degeneração neurocognitiva, anomalias esqueléticas, organomegalias e ictiose. As DMS podem ser classifi cadas conforme idade de início: (1) forma neonatal grave (0 a 2 anos)- achados clínicos variáveis e semelhantes a MPS com evolução a óbito no primeiro ano de vida; (2) forma infantil tardia (0 a 2 anos) - inclui a maioria dos casos; assemelha-se a pacien- tes com a forma infantil da leucodistrofi a metacromática com perda progressiva das capacidades cognitivas e motoras, além de alterações esqueléticas. Há também uma forma mais leve com início após 2 anos.(3) forma juvenil (2 a 4 anos): A forma mais A De� ciência Múltipla de Sulfatases (DMS) (OMIM #272200) é um erro inato do metabolismo extremamente raro de herança autossômica recessiva. O defeito enzimático atinge toda a família das sulfatases levando ao acúmulo de sulfátides, glicosaminoglicans sulfatados, es� ngolípides e sulfato-esteróides. Defi ciência Múltipla de Sulfatases 47 Defi ciência Múltipla de Sulfatases ■ Professor Asso- ciado do Instituto de Ciências Biológicas e Chefe do Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) ■ Vice-Presidente do Conselho Regional de Biomedicina- Quar- ta Região ■ Graduado em Bio- medicina pela UFPA, Mestrado e Doutorado em Bioquímica pela UFRGS Luiz Santana leve é a mais frequente; sendo que os pacientes apresentam dismorfi smos faciais, organomegalia, cardiopatia e neurodegeneração menos grave. Há relatos de raros casos com início tardio na infân- cia e progressão lenta. Diagnóstico: Os pacientes apresentam mucopolissacaridúria e sulfatidúria, além disso a DMS pode ser confi rmada pela determinação da atividade de várias sulfatases nos leucócitos, além da análise de mutações no gene SUMF1. Tratamento: Suporte com equipe multidisciplinar. Não há terapêutica específi ca ainda. Observações adicionais: Em parceria entre o Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Uni- versidade Federal do Pará e o Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foi diagnosticado o segundo caso de DMS no Brasil. Essa parceria entre serviços especializados mostra a importância do diagnóstico precoce, possibilitando aconselhamento genético adequado à família. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ D Doença Doença 48 A defi ciência de OTC é uma doença rara, grave e afeta predominantemente meninos. A sua herança genética é ligada ao cromossomo X, portanto as meninas, apesar de manifestarem algum tipo de sintoma, geralmente são mais brandos ou mesmo ausentes. A frequência estimada é de 1:25000 recém-nascidos. Muitos casos ainda não são corretamente diagnosticados. A forma de apresentação mais clássica (65% dos casos) a manifestação é no período neonatal podendo ser rapidamente fatal caso não seja reconhecido e tratado adequa- damente. Os bebês afetados apresentam um intervalo livre de sintomas e nas pri- meiras 24 a 72 horas iniciam com recusa alimentar, pouca sucção, vômitos, letargia, sonolência, apatia, hiperventilação (respiração rápida e profunda) progredindo para um quadro de convulsões e coma (eletroencefalograma lentifi cado). O quadro é de uma grave encefalopatia. Nas formas infantis (lactente e pré-escolar), ocorre crises de vômitos, recusa alimen- tar (principalmente de proteínas), sonolência, ataxia (incoordenação motora), sinais de hiperventilação, alucinações, transtornos comportamentais. Este quadro pode ser intermitente e desencadeado por alguma infecção (febre) ou mesmo ingestão exces- siva de proteína (carne, leite, ovos) Nas formas juvenis e adultas ocorrem crises de incoordenação motora, intolerância a proteína, distúrbios comportamentais, crises de enxaqueca e convusões. Quando há uma suspeita clínica, o diagnóstico é através da dosagem da amônia no sangue. Normalmente, nos indivíduos afetados, a amônia é muito elevada (acima de 200 μmol/L) - hiperamonemia. Contudo, para a conclusão diagnóstica são necessá- rios exames bioquímicos específi cos como a dosagem de aminoácidos plasmáticos que mostra o aumento da glutamina, alanina e redução signifi cativa da citrulina e a dosagem do ácido orótico na urina com presença muito elevado na fase aguda. A análise genética molecular por sequenciamento do gene OTC complementa o diag- nóstico e posteriormente auxilia no aconselhamento genético da família e no diag- nóstico pré-natal. A existência de uma história familiar compatível com uma doença A de� ciência enzima ornitina carbamoiltransferase (OTC) é um Erro Inato do Metabolismo do ciclo da uréia. A principal função do ciclo da ureia é eliminar o excedente de amônia produzida pelo metabolismo de produtos nitrogenados (proteínas) e a sínteses de citrulina e arginina (aminoácidos essências na forma- ção de proteínas). Defi ciência de Ornitina Transcarbamilase - OTC 49 ligada ao X é altamente sugestiva desta patologia, principalmente em bebes com quadro de coma e encefalopatia sem causa estabelecida. O tratamento consiste numa dieta de restrição de proteínas adequada ao nível de tolerância de cada doente. Normalmente é necessário a utilização de uma formula metabólica especifi ca com limita- ção de proteína para cada faixa etária. Também é necessário a suplementação com os aminoácidos arginina e citrulina. O uso do benzoato de sódio ou fenilbutirato de sódio está indicado para todas as formas, pois promovem a depuração da amônia, desintoxicando os individuos afetados. Algu- mas formas graves podem ser tratadas com sucesso através de transplante hepático. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Atual presidente da Socie- dade Brasileira de Genética Médica. ■ Médica Geneticista do Ser- viço de Genética Médica do Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS), Brasil. ■ Mestre e Doutora em Ge- nética e Biologia Molecular em 2005. Especialista em Genética Médica, Genética Bioquímica e Patologia Clinica pela AMB. ■ Coordenadora do SIEM – Serviço de Informação Sobre Erros Inatos do Metabolismo, Hospital de Clinicas de Porto Alegre. ■ Atuando nas seguintes áreas: Genética Clinica, erros Inatos do Meta- bolismo, Neurogenética, Doenças Neuromusculares, Glicogenoses. Doenças li- sossômicas perquisa clinica em genética humana. ■ Co-autora de varios artigos na área de erros inatos do metabolism e neurogené- tica. Revisora de revistas cienti� cas internacionais. Carolina Fischinger Moura de Souza D Doença Doença 50 A Deleção do braço curto do cromossomo 5 ou síndrome Cri-Du-Chat foi originalmente descrita em 1963 por Lejeune, na França, e recebe esse nome pelo fato dos seus portadores possuírem um choro semelhante ao miado de um gato. Isso ocorre devido às anormalidades da laringe e da epiglote, especialmente quando bebês. Os afetados também apresentam hipotonia, microcefalia, hipertelorismo ocular, inclinação palpebral para baixo, epicanto, ore- lhas mal formadas e de implantação baixa, defeitos cardíacos (30 a 50%), dedos longos e retardo de crescimento e desenvolvimento. A defi ciência intelectualé acentuada e as crianças necessitam de uma educação especial precoce e um ambiente de apoio familiar. As habilidades motoras fi nas são atrasadas, embora algumas crianças estejam conseguindo aprender a escrever. As crianças afetadas, frequentemente, têm um caminhar desajeitado, difi culdade no treinamento do controle de suas necessidades fi siológicas e um sono agitado, que melhora com a idade. Muitas crianças podem ter problemas de comportamento como hiperatividade, auto-agressividade e possuem obsessões com determinados objetos. A estimativa é de que esta síndrome afete de 1:15 000 a 1:50 000 nados vivos. Esta síndrome é resultante de uma deleção parcial do braço curto do cromossomo 5. A região crítica para o choro característico situa-se na região 5p15.3. No estudo de 24 crianças atendidas no Instituto da Criança (HC-FMUSP), o tamanho dessa deleção variou de 16 a 40 Mb, envolvendo a região 5p13 e 5p terminal. Não houve diferença no quadro clínico das crianças estudadas com diferentes tamanhos de deleção. Esta deleção ocorre de novo em 85% dos casos portanto, na maioria das ve- zes, não é herdada dos pais e, em 15% dos casos, se originam de uma segregação anormal de uma translocação parental. Estes casos são causados pela translocação equilibrada nos cromossomos de um dos pais. As pessoas com translocações equi- libradas são normais porque nenhum material genético foi perdido, assim, prova- velmente não saberão que são portadores até que tenham uma criança afetada na família. Choro fraco semelhante a um miado de gato, microcefalia, face redonda com hipertelorismo, retardo de crescimento e desenvolvimento Deleção do braço curto do cromossomo 5 51 A detecção da deleção do braço curto do cromossomo 5 pelo exame de cariótipo com banda G ou pelo FISH (hibridação in-situ por fl uorescência) confi rma o diagnóstico da síndrome. Em seguida, deve ser indicado o estudo de cariótipo dos pais para detectar uma possível translocação equilibrada. Se o resultado do cariótipo dos pais for normal, a deleção é de novo e o risco de recorrência para a futura prole será menor que 1%. Observou-se um melhor desempenho intelectual dos pacientes estimulados no ambiente fa- miliar, em relação aos institucionalizados, evidenciando que eles dispõem de um potencial que pode ser ampliado. Inicialmente, a maioria dos pacientes apresenta muita difi culdade na fala, mas metade dos pa- cientes acima de 10 anos de idade consegue uma aquisição de vocabulário e sentenças adequadas para uma comunicação. A escoliose é uma complicação frequente na evolução da síndrome que deve ser acompanhada. Foi criado o Núcleo de Aconselhamento de Pesquisa Cri du Chat www.portalcriduchat.com.br por iniciativa da avó de um paciente afetado, para dar apoio e orien- tação às famílias. Para saber mais www.ghente.org/ciencia/genetica/cri-du-chat.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica pediatra, médica geneticista, especialista em Genética Médica ■ Mestrado, Doutorado e Livre Docência pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Chefe da Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Chong Ae Kim D Síndrome 52 E sta síndrome foi descrita pela primeira vez, na década de 1960, pelo endo- crinologista Ângelo DiGeorge, que demonstrou a correlação entre a falta de glândulas paratireoides e a ausência de timo numa criança com infec- ções recorrentes. Depois, ele observou que as crianças com síndrome de DiGeorge (SDG) apresentavam também determinados tipos de cardiopatias congê- nitas. A SDG, velocardiofacial e de anomalias faciais e conotruncais, inicialmente consideradas como diferentes síndromes, atualmente, são classifi cadas como sendo variações de um mesmo espectro clínico, com sobreposição de fenótipos e expres- sividade variável. Considera-se que essas condições constituem um único espectro clínico e que a classifi cação diagnóstica depende da idade de apresentação e da mani- festação clínica predominante. Embora cada fenótipo mantenha o seu nome estabele- cido, atualmente, prefere-se o uso do termo síndrome da deleção 22q11.2. É considerada como a microdeleção cromossômica humana mais comum, detec- tada em 1:3000-1:4000 nascidos vivos, em estudos na Europa e EUA. Hoje, sabe-se que a deleção 22q11 ocorre com frequência superior à previamente estimada, mas dados precisos sobre a incidência são desconhecidos. A SDG é causada por uma mi- crodeleção da banda q11.2 do cromossomo 22, evidenciada em estudos citogenéticos e moleculares. A perda genômica em 22q resulta em um fenótipo clínico complexo que inclui: Malformações cardíacas: em cerca de 80% dos casos. Os defeitos conotruncais são uma importante característica presente na deleção 22q11.2. Estima-se que 5% dos pa- cientes com cardiopatias congênitas apresentem a DGS ou suas variantes; Anormalidades do desenvolvimento do timo: a hipoplasia tímica com diferentes graus de acometimento é observada em mais de 80% dos casos, sendo sua principal mani- festação a redução do número de células T periféricas, propiciando um aumento do risco do aparecimento de infeções por patógenos de baixa virulência ou oportunistas e de doenças auto-imunes; Anormalidades das paratireóides: em 50 a 60% dos pacientes, pode ocorrer hipocalce- mia, causando convulsões de difícil controle e tetania no período neonatal; Anomalias craniofaciais: incluem hipertelorismo, orelhas com baixa implantação e É considerada como a microdeleção cromossômica humana mais comum, detec- tada em 1:3000-1:4000 nascidos vivos, em estudos na Europa e EUA. O diagnósti- co é baseado no quadro clínico, radiológico, na avaliação da imunocompetência e na citogenética clássica e molecular DiGeorge 53 DiGeorge redobradas, com angulação proeminente e protuberantes, fi ssuras palpebrais pequenas, inclinação anti-mongólica dos olhos, deformidade labial, arcada palatina elevada, fenda labial e/ou palatina total/parcial, micrognatia, úvula bífi da, ponta do nariz bulbosa e depressão infranasal curta; Retardo de desenvolvimento, manifestações neurológicas e comportamentais: descrevendo-se retardo de fala, autismo e outros distúrbios neuropsiquiátricos. Estima-se que até 5% das crian- ças possam apresentar retardo de desenvolvimento neuropsicomotor. O diagnóstico é baseado no quadro clínico, radiológico, na avaliação da imunocompetência e na citogenética clássica e molecular. Para o diagnóstico clínico, é muito importante a anamnese deta- lhada, visando em especial a consanguinidade na família e a susceptibilidade a infecções e doenças auto-imunes e reações anômalas a vacinas, entre outros dados. A ausência da imagem típica do timo no Raio-X, Tomografi a e Ressonância Nuclear Magnética do tórax não pode ser usada para diag- nóstico de atimia. É necessária a avaliação da função tímica através da quantifi cação dos TRECs (thymic recente emigrant cells) em sangue periférico. A avaliação da imunocompetência deve ser realizada nas crianças com deleção 22q11.2, através da análise do leucograma que evidencia linfo- citopenia persistente, imunofenotipagem de linfócitos T e suas subpopulações, linfócitos B e célu- las NK por citometria de fl uxo, dosagem de IgG, IgM, IgA e IgG séricas, determinação de títulos de anticorpos séricos para antígenos vacinais (anti-sarampo, tétano, hepatite B e polissacarídeo do S. pneumoniae). Na avaliação citogenética é realizada a técnica de cultura de linfócitos, FISH (fl uorescent in situ hybridization) e MLPA (multiplex ligation-dependent probe amplifi cation). No manejo da criança portadora da SDG é necessária a atuação simultânea e conjunta da equi- pe multidisciplinar, geralmente composta por pediatra, geneticista, cardiologista, endocrinolo- gista, neurologista, cirurgião plástico, psicólogo e fonoaudiólogo. O prognóstico desta síndrome é extremamente variável, dependendo da gravidade dos sintomasapresentados. Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/886526-overview http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica Neonatologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Marcília Sierro Grassi D Síndrome 54 Pertencente ao grupo IV (distúrbios de sulfatação) da classifi cação atual de displasias esqueléticas (DE), está associada a mutações em heterozigose composta no gene DTDST (SLC26A2). Este gene codifi ca um transportador de sulfato expressado nos condrócitos. Quando não funcionante, resulta em hipossulfatação de proteoglicanos da matriz cartilaginosa, desidratação dos condróci- tos e, por consequência, desorganização da ossifi cação endocondral. A DD é alélica a formas com fenótipo mais leve como a displasia epifi sária múltipla AR, ou até mes- mo letais, como a acondrogênese do tipo IB, confi gurando um espectro fenotípico. Os sinais cardinais, como o pé torto congênito (equino-varo) bilateral, polegar “do caroneiro” por hipoplasia do 1º metacarpo e encurtamento rizomélico dos membros é identifi cável por volta da 20a semana de gestação por USG morfológico. Diferente de outras formas de DE, o crânio é proporcional, com dismorfi smos discretos. Com- plicações respiratórias neonatais são comuns e atribuíveis ao tórax curto, em alguns casos com hipoplasia pulmonar e traqueomalácia. Metade dos casos apresenta fenda palatina, que requer correção nos primeiros anos de vida. A voz é descrita como fi na por alterações da laringe e traquéia. O inchaço do pavilhão auditivo externo, mais especifi amente na anti-hélix, é comum nas primeiras semanas. Normalmente não se recomenda punção, mas sim compressas mornas locais. Os achados radiográfi cos tí- picos são: cifose cervical neonatal, ossifi cação incompleta das vértebras torácicas altas, clefts vertebrais torácicos e lombares, tórax curto e estreito, ílios hipoplásicos com acetábulos rasos, encurtamento dos ossos longos com alargamento metafi sário, fêmur distal arredondado com as patelas fragmentadas e mãos típicas com desvio ulnar dos dígitos, hipoplasia do 1º metacarpo e presença de sinfalangismo. Compli- cações ortopédicas são a principal preocupação médica ao longo da infância e vida adulta, exigindo acompanhamento multiprofi ssional. Contraturas em fl exão associa- das ao encurtamento e pouca fl exibilidade dos tendões, resultam em artrose precoce de quadris e joelhos por volta dos 20 anos. O pé torto congênito do diastrófi co é considerado desafi ador para a correção cirúrgica, geralmente recidivando e exigindo Trata-se de doença genética que afeta o crescimento e desenvolvimento esqueléti- co, de herança autossômica recessiva (OMIM#222600), caracterizada por mi- cromelia importante, artrogripose de grandes articulações e cifoescoliose tóraco- -lombar progressiva. Displasia Diastrófi ca 55 Displasia Diastrófi ca múltiplos procedimentos. Deformidades da coluna vertebral estão sempre presentes. A cifose cer- vical neonatal geralmente desaparece nos primeiros anos de vida. Entretanto recomenda-se cuida- do durante procedimentos que exijam hiperfl exão ou hiperextensão, como na IOT. Cifoescoliose tóraco-lombar progressiva associada ao estreitamento do canal espinhal é a principal causa de complicações neurológicas na vida adulta e deve ser acompanhada por um cirurgião de coluna experiente. O desenvolvimento intelectual é normal. Por fi m, faz-se necessário o aconselhamento genético dos casais jovens após o 1º fi lho acometido. Para saber mais https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1350/ http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico geneti- cista pela FMRP – USP ■ Especialista pela Sociedade Brasi- leira de Genética Médica ■ Fellow em ortope- dia pediátrica pela Thomas Jefferson University ■ Pesquisador da Unidade de Genética Médica – Departamento de Pediatria da FMUSP. ■ Coordenador do Laboratório de Genética Molecular do Fleury Medicina e Saúde. Wagner Antonio da Rosa Baratela D Doença Doença 56 A incidência é de 1:3500 nativivos do sexo masculino, sendo a mais fre- quente das distrofi as musculares. Etiologia: A DMD é causada por mutações no gene da distrofi na (llócus Xp21.2-p21.1) que codifi ca a distrofi na (proteína da membrana da célula muscular). As principais mutações no gene DMD são: (1) deleção de 1 ou mais exons - 65%; (2) duplicação de 1 ou mais exons – 7 a 10%; (3) outras mutações (deleções ou inserções pequenas, alterações no sítio de splicing, mutações de ponto,etc.)- 25 a 35%. Quadro clínico:O espectro leve da DMD inclui pacientes assinptomáticos com au- mento na CK sérica, e cãibras musculares com mioglobinúria. O espectro grave in- clui doença muscular progressiva classifi cada como DMD ou Distrofi a de Becker, no qual a musculatura esquelética é mais acometida, e denomina-se miocardiopatia associada a DMD quando o coração é primariamente acometido. Os meninos podem apresentar atraso na deambulação, hipertrofi a da panturrilha, difi - culdade em correr, saltar ou subir escadas; caem facilmente e tendem a andar na pon- ta dos pés. Um dos sinais clássicos da DMD é o sinal de Gowers, no qual o paciente utiliza as mãos e braços para escalar seu corpo quando necessita assumir posição vertical. Esse achado decorre da fraqueza dos quadris e dos músculos da coxa. Os pacientes podem apresentar atraso da linguagem. Os pacientes necessitam de cadeira de rodas aproximadamente aos 13 anos. A mio- cardiopatia geralmente ocorre após 18 anos. Poucos pacientes sobrevivem além de 30 anos, sendo as complicações respiratórias e cardíacas as causas de óbito. Diagnóstico: As dosagens séricas elevadas da creatinoquinase (CK) é screening para diagnóstico. As enzimas hepáticas (TGP e TGO) séricas também estão aumentadas, pois estão presentes no tecido muscular. Dois testes, imunocitoquímica e immuno- blotting para distrofi na são utilizados para determinar a presença da distrofi na. O tes- te genético para detecção de mutações no gene DMD pode estabelecer o diagnóstico de DMD. Se houver confi rmação molecular, a biópsia muscular não será necessária. Tratamento: Os corticosteróides retardam o declínio na força muscular e função mo- tora, as alterações cardíacas, respiratórias e ortopédicas, como a escoliose. Indica-se A Distro� a Muscularde Duchenne (DMD) é uma doença muscular progressiva de herança recessiva ligada ao X. Distrofi a Muscular de Duchenne 57 ■ Formada pela Escola Paulista de Medicina (atual UNIFESP) e especialista em Pe- diatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria a partir de 1984. ■ Atua na área de pacientes neuromus- culares há 25 anos. ■ Uma das respon- sáveis pela portaria 1531 que concedeu aos pacientes por- tadores de distro� as musculares os cuidados respiratórios e o Bipap. Ana Lucia Langer suplementação de cálcio e vitamina D. Incia-se cardioproteção precoce com inibidores da enzima de conversão, betabloqueadores e inibidores da aldosterona.O acompanhamento deve ser feito por eletrocardiograma, holter, ecocardiograma e ressonância nuclear magnética do coração.Para trata- mento da restrição ventilatória indicam-se espirômetros de incentivo, exercícios de air-stacking; manobras manuais ou mecânicas (aparelhos de auxílio à tosse); suporte ventilatório, inicialmente no período noturno e posteriormente nas 24 horas do dia. Os pacientes necessitam de equipe mul- tidiscuplinar de reabilitação incluindo fi sioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicoterapeutas, etc. Aconselhamento genético:O risco para a irmandade do indivíduo acometido depende do estado de portador da mãe. Se a mãe do propósito for portadora de mutações no gene DMD, o risco de transmissão é de 50%. Os meninos que herdarem a mesma variante serão acometidos; e as meninas podem ou não desenvolver miocardiopatia.. Para saber mais http://www.treat-nmd.eu/diagnosis-andmanagement-of-DMD/ http://www.acadim.com.br/ http://www.vidasraras.org.br/site/ D DoençaDoença 58 A Doença de Sandhoff (OMIM: 268800) é uma esfi ngolipidose com padrão de herança autossômica recessiva causada por mutações no gene HEXB, resultando na defi ciência das enzimas beta-hexosaminidase A e beta-He- xosaminidase B. A defi ciência enzimática leva ao acúmulo lisossômico de gangliosídeos GM2, especialmente no sistema nervoso central. A prevalência na população europeia é estimada em 1 :130.000, considerada uma doença genética ultrarrara. O quadro clínico da Doença de Sandhoff é muito semelhante ao obser- vado na Doença de Tay-Sach, podendo se apresentar de três formas: forma clássica infantil, que se manifesta a partir de 3 a 5 meses de vida, com a presença de regres- são do desenvolvimento neuropsicomotor, fl acidez muscular, cegueira, convulsões e mancha vermelho-cereja na retina. O prognóstico geralmente é fatal, levando o paciente a óbito antes de completar 4 anos de vida; forma juvenil, que se manifesta entre 3 a 10 anos de vida, com comprometimento da fala, ataxia cerebelar e deterio- ração progressiva gradual da função cognitiva, porém, nessa forma da doença não há comprometimento visual; forma adulta tardia, que apresenta uma relevante heteroge- neidade fenotípica, desde sintomas semelhantes aos observados nas ataxias espino- cereberales à atrofi a muscular espinhal e distonia. Medidas terapêuticas são restritas a cuidados de suporte para a manutenção da nutrição, hidratação adequada, controle de doenças infecciosas e controle das convulsões. No momento não há nenhuma te- rapia específi ca que evite a progressão ou reverta as manifestações clínicas da Doen- ça de Sandhoff. O diagnóstico depende do histórico clínico, achados em exames físicos, exames histopatológicos, determinação bioquímica ou biópsia de material. O diagnóstico bioquímico é realizado pela mensuração das atividades enzimáticas das enzimas hexosaminidases A e B. A identifi cação de mutações patogênicas no gene HEXB pode ser importante no aconselhamento genético para a família. ,o Brasil, há poucos casos diagnosticados de Doença de Sandhoff. Em uma parceria As Doenças de Depósito Lisossômico (DDL) são representadas por mais de 50 erros inatos do metabolismo causados por acúmulos de macromoléculas devido à de� ciência parcial ou total de enzimas lisossomais especí� cas e podem ser agrupadas em mucolipidoses, mucopolissacaridoses e es� ngolipidoses. Doença de Sandhoff 59 Doença de Sandhoff entre o Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal do Pará (centro regional de referência para o diagnóstico laboratorial de DDL) e o Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (centro latino-americano de referência para o diagnóstico de DDL), foi possível realizar o diagnóstico bioquímico do primeiro caso de Doença de Sandhoff (Forma Infantil) na Região Norte. O paciente foi encaminhado por uma médica geneticista do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (UFPA). Apesar de muitas DDL, como a Doença de Sandhoff, não apresentarem um bom prognóstico, essa experiência da parceria de serviços especializados demonstra a importância do diagnóstico preco- ce de DDL, crucial para monitoramento, tratamento e aconselhamento genético para as famílias em riscos. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Professor Asso- ciado do Instituto de Ciências Biológicas e Chefe do Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) ■ Vice-Presidente do Conselho Regional de Biomedicina- Quar- ta Região ■ Graduado em Bio- medicina pela UFPA, Mestrado e Doutorado em Bioquímica pela UFRGS Luiz Santana D Doença Doença 60 A síndrome de Dravet (sD) é considerada, segundo a classifi cação propos- ta pela Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE), uma encefalopatia epiléptica, defi nida como uma condição em que as anormalidades epi- leptiformes por si só contribuem para o caráter progressivo da disfunção cerebral. Ocorre em crianças, previamente hígidas, que apresentam estado de mal epiléptico febril ao redor dos 6 meses de vida, com crises hemiclônicas ou genera- lizadas. Nos 6 meses seguintes, a criança tem novos episódios de crises febris, que podem ocorrer a cada 1 ou 2 meses, envolvendo ora um dimídio ora o outro, podendo ser prolongadas. Entre 1 e 4 anos de vida, surgem outros tipos de crises, como as mioclônicas, ausências atípicas, parciais complexas e, mais raramente, as crises atô- nicas. No primeiro ano de vida, o desenvolvimento neurológico apresenta-se normal, havendo uma estagnação das aquisições motoras e cognitivas a partir do segundo ano de vida e, posteriormente, uma regressão das aquisições, principalmente nos casos que apresentam estados de mal epiléptico repetidos. Com o crescimento da criança, surgem a ataxia e os sinais piramidais. Na idade adulta, metade dos pacientes apre- senta crises parciais complexas ou tônico-clônicas generalizadas, com predomínio noturno e, mais raramente, crises mioclônicas, ausências atípicas e crises atônicas. O eletrencefalograma (EEG) interictal e ictal na sD não é específi co. O EEG tende a ser normal nos dois primeiros anos de vida. Surgem, então, complexos ponta-onda generalizados e descargas multifocais, além de resposta fotossensivel, sendo frequentes as crises epilépticas unilaterais, com alternância do lado. Em alguns pacientes, as crises mioclônicas, o estado de mal epiléptico e a fotossensibi- lidade ocorrem mais tardiamente ou estão ausentes e o EEG tem poucas descargas interictais. Estes pacientes tendem a ter uma evolução menos grave da doença. A ressonância de encéfalo geralmente é normal ou mostra alterações inespecífi cas, como discreta atrofi a difusa. O diagnóstico da sD é molecular, pela demonstração da mutação "de novo" do gene SCN1A que codifi ca o canal de sódio voltagem dependente tipo I e está presen- te em 70 a 80% dos casos. Existem várias mutações descritas até ao momento, não havendo um fenótipo específi co relacionado com cada mutação. Acredita-se que a O diagnóstico da sD é molecular, pela demonstração da mutação de novo do gene SCN1A que codi� ca o canal de sódio voltagem dependente tipo I e está presente em 70 a 80% dos casos Dravet 61 Dravet ■ Neurologista e Neuro� siologista Clínica. Foi Coordenadora do Serviço de Cirurgia de Epilepsia na Infância do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo Vera Cristina Terra perda da função do gene SCN1A seja responsável, tanto pela ocorrência de crises epilépticas fre- quentes, quanto pelo envolvimento cognitivo. As crises são geralmente refratárias ao tratamento medicamentoso. A primeira opção de trata- mento é o ácido valpróico e benzodiazepínicos. Outras opções de tratamento são: topiramato, leve- tiracetam, brometos e a dieta cetogênica, usados como tratamento adjuntivo. O Stiripentol é a única droga que demonstrou efi cácia quando combinada ao ácido valpróico e ao clobazam em estudos duplo-cegos, devido ao seu efeito sobre a neurotransmissão gabaérgica. Lamotrigina, carbamazepi- na e fenobarbital podem piorar as crises e devem ser evitados. A sensibilidade à febre ou a variações de temperatura persistem duran- te todo o curso da sD, mas o seu impacto sobre a frequência e severidade das cri- ses é maior na infância, sendo as crises epilépticas, particularmente as crises mio- clônicas, ausências atípicas e crises parciais complexas, menos frequentes em adultos. O EEG, embora mantenha um padrão interictal e ictal heterogêneo, tem uma tendência ao desaparecimen- to da fotossensibilidade. Com o passar dos anos, sinais cerebelares como ataxia, disartria, tremor de intenção e alterações da motilidade ocular vão-se tornando mais proeminentes. A marcha está marcadamente comprometida, sendo agravada por alterações ortopédicas como cifose, cifoesco- liose, pé caído ou pé em garra. O retardo mental tem instalação progressiva, sendo mais evidente a partir do segundoano do diagnóstico, e evolui para um comprometimento moderado a severo, com difi culdades de linguagem e alterações de personalidade, que podem ter caráter autístico ou psicótico. A maioria dos pacientes adultos é dependente para os cuidados de vida diários. Os pacientes com sD podem ser encaminhados para os serviços de referência no tratamento da epilepsia do SUS. Para saber mais www.ninds.nih.gov http://www.vidasraras.org.br/site/ D Síndrome eee 64 A prevalência ao nascimento é de 1,5: 10.000 (ao nascimento 1 M:1,8 F e, após 3 meses, 1 M:2,9 F). Etiologia: 80% dos casos de síndrome de Edwards são devidos à trissomia completa do cromossomo 18; 10% dos casos apresentam aneuploidia dupla, têm uma translocação envolvendo o cromossomo 18, resultando em trissomia parcial desse cromossomo. Os 10% restantes são mosaicos com linhagens celulares normais e trissomia 18. A idade materna encontra-se aumentada (média: 32,5 anos). Quadro clínico: Os RN apresentam baixo peso ao nascimento, hipoplasia da muscula- tura esquelética, sucção débil, crises de cianose, tremores e convulsões na 1 a semana de vida. Evoluem com grande difi culdade de desenvolvimento e crescimento, hipoto- nia inicial seguida de hipertonia. Choro e sucção são débeis, e devido difi culdade para alimentação, há necessidade frequente de sonda nasogástrica. Os pacientes apresentam dolicocefalia, micrognatia, orelhas displásicas de implanta- ção baixa (faun-like ears), mãos fechadas e com sobreposição do 2 o sobre o 3 o e do 5 o sobre o 4 o dedo; pés em aspecto de mata-borrão. Apresentam pescoço é curto, tórax infundibiliforme, esterno curto, hérnia inguinal e umbilical. Ocorrem malformações em múltiplos órgãos: - SNC (30%): microcefalia, hipoplasia do cerebelo, heterotopias na substância branca cerebelar e anomalias do corpo caloso. - Cardiovasculares (85%): CIV (75-100%), anomalias valvares, PCA, CIA, cardiopa- tias complexas; artéria umbilical única (50%). - Sistema digestivo: atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica, divertículo de Meckel e malrotação intestinal. - Sistema urogenital: anomalias renais (57%) - rim em ferradura, rins policísticos ou hipoplásicos, hidronefrose e duplicação ureteral. Nos meninos, a anomalia mais fre- quente é a criptorquidia e, nas meninas, a hipoplasia dos ovários. - Sistema Ocular: microftalmia, opacifi cação corneana e coloboma de íris. A trissomia do cromossomo 18 é a segunda aneuploidia dos autossomos após a trissomia 21. Edwards 65 Edwards Diagnóstico: cariótipo com banda G (50 metáfases). Aconselhamento genético: O risco de recorrência da trissomia 18 livre e da trissomia 18 mosaico é inferior a 1%. Prognóstico: condição grave, incapacitante e os raros sobreviventes apresentam défi cit de crescimen- to acentuado e defi ciência mental profunda. O geneticista deve realizar o aconselhamento genético. O RN com trissomia 18 deve ser considerado como um paciente com prognóstico bastante reservado, e não deve ser submetido a procedimentos invasivos. A instituição de tratamentos intensivos e cirúr- gicos deve ser discutida abertamente com os pais, baseada no conhecimento da história natural da trissomia 18. E Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ Síndrome ■ Médica Geneticista e Pediatra- Assistente e Pesquisadora do ITACI (Instituto de Tratamento de Câncer Infantil) - Departamento de Pediatria-Instituto da Criança-Hospital das Clínicas-Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Consultora cientí� co- -Técnica da Linha Rara-Brasil ■ Médica Geneticista e Pediatra voluntária da Associação Rubinstein-Taybi do Brasil (ARTS) So� a Mizuho Miura Sugayama Síndrome 66 A síndrome de Ehlers-Danlos é uma doença do tecido conjuntivo carac- terizada por hipermobilidade articular, pele hiperextensível e anorma- lidade na cicatrização. A pele é fl ácida e elástica, demonstrando hipe- rextensibilidade marcante. As cicatrizes de feridas fi cam alargadas, com aspecto papiráceo, principalmente em joelhos e cotovelos. Devido à hiper- mobilidade articular, os pacientes podem relatar frequentes luxações, que são em geral facilmente reduzidas por eles próprios. Alguns pacientes podem referir dor crônica. Também podem ocorrer prolapso de valva mitral ou tricúspide, dilatação da raiz da aorta e ruptura espontânea de grandes artérias. As manifestações de fra- gilidade tecidual são observadas em vários órgãos, podendo ocorrer insufi ciência cervical na gestação, hérnias umbilicais, inguinais ou incisionais e prolapso retal. Podem ocorrer perfurações intestinais ao exame de colonoscopia, assim como rup- tura ocular a pequenos traumas. A síndrome de Ehlers-Danlos é classifi cada em tipos de acordo com seus qua- dros clínicos e genes envolvidos. A prevalência estimada de todos os tipos é de 1:10 000 a 1:25 000. A síndrome de Ehlers-Danlos Tipo Clássica é de herança autossômica dominante e os genes presentes são o COL5A1, COL5A2 ou COL1A1. Os principais sintomas são: pele hiperextensível, cicatrizes papiráceas, hipermobilidade articular e fragili- dade tecidual. A do Tipo Hipermobilidade tem como genes presentes o COL3A1 e o TNXB. Os principais sintomas são pele hiperextensível, hipermobilidade articular generalizada e dor crônica. No Tipo Vascular, os genes presentes são o COL3A1 e os principais sintomas são pele fi na, translúcida, fragilidade ou ruptura arterial / intestinal / uterina, equimoses e face característica. Já o Tipo Cifoescoliose, é de herança autossômica recessiva, e tem presente apenas o gene PLOD1 que lhe con- fere sintomas de frouxidão ligamentar generalizada, hipotonia neonatal, escoliose progressiva, fragilidade de estruturas oculares e habitus marfanoides. O Tipo Artro- calásia é de herança autossômica dominante e os genes presentes são COL1A1 ou COL1A2. Os principais sintomas são hipermobilidade articular generalizada, com A síndrome de Ehlers-Danlos é classi� cada em tipos de acordo com seus quadros clínicos e genes envolvidos. A prevalência estimada de todos os tipos é de 1:10 000 a 1:25 000 Ehlers-Danlos 67 Ehlers-Danlos luxações recorrentes, luxação congênita do quadril, hipotonia, cifoescoliose e cicatrizes atrófi cas. O Tipo Dermatosparaxis é de herança autossômica recessiva e tem presente apenas o gene ADA- MTS2 que lhe confere sintomas de fragilidade cutânea grave, pele redundante, equimoses, rup- tura prematura de membranas fetais e grandes hérnias. Nos restantes tipos a herança é variável, algumas ligadas ao X, e os sintomas são periodontite, aspecto progeroide, musculocontratural, entre outros. Para o diagnóstico, o quadro clínico do paciente direciona para a classifi cação dos tipos da síndrome de Ehlers-Danlos e, quando possível e disponível, exame molecular para pesquisa de mutação no gene em questão pode ser solicitado para confi rmação diagnóstica. Alguns pacientes necessitam de uso de anti-infl amatórios ou analgésicos para as dores articu- lares crônicas e cuidado especial de grandes feridas. Esportes de contato e ácido acetilsalicílico devem ser evitados. Os casos com prolapso de válvulas cardíacas ou dilatação da raiz da aorta devem ser seguidos com ecocardiogamas anuais ou a critério do cardiologista. A gestação de mulheres com a síndrome de Ehlers-Danlos deve ser acompanhada em pré-natal de alto risco. O risco de recorrência depende do tipo diagnosticado (alguns tipos são autossômicos dominantes, outros recessivos e outros ainda são ligados ao cromossomo X). Para saber mais http://sedbrasil.wixsite.com/home http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica pediatra, médica geneticista, especialista em Genética Médica ■ Possui Mestrado, Doutorado e Livre Docência pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rachel Sayuri Honjo E Síndrome Síndrome 68 Acomete preferencialmente mulheres (80 a 90% dos casos), iniciando- -se geralmente entre 30 e 50 anos, numa fase ainda produtiva da vida destespacientes. A causa da esclerose sistêmica ainda não é comple- tamente conhecida, mas acredita-se numa predisposição genética; em- bora a maioria dos casos tenha um “fator gatilho” desconhecido, alguns fatores ambientais podem estar envolvidos, como solventes orgânicos (tolueno, benzeno, cloreto de polivinil e tricloroetileno, entre outros), sílica (em mineiros de carvão e trabalhadores em pedreiras), silicone (próteses mamárias rotas) e o uso de drogas (inibidores do apetite, L-triptofano, bleomicina). Sua principal manifestação clínica é o espessamento da pele, inicialmente em face e extremidades (mãos e pés), que pode, em alguns casos, evoluir para espessamen- to difuso da pele, acometendo tronco e membros. A chamada “garra esclerodérmi- ca”, uma contração dos dedos das mãos, pode ocorrer em um terço dos pacientes, notadamente quando não são tratados precocemente. Mas a manifestação clínica que mais comumente é a primeira a ser referida pelos pacientes esclerodérmicos é o fenômeno de Raynaud, que é uma vasoconstrição refl exa das extremidades associada às temperaturas frias e à tensão emocional. Clinicamente, os pacientes se queixam de que seus dedos fi cam muito pálidos ou arroxeados quando expostos ao frio, muitas vezes necessitando o uso de luvas para aquecer as extremidades. Os pacientes com esclerose sistêmica com fenômeno de Raynaud moderado a grave podem cursar com microulcerações freqüentes nas pontas dos dedos e até evoluir para gangrena de extremidades caso não tenham sua doença controlada. Modernamente, tem se observado que 10 a 20% dos pacientes com esclerose sistêmica não desenvolvem fi brose da pele; por isto, a cuidadosa avaliação clínica dos pacientes com fenômeno de Raynaud auxilia bastante no diagnóstico precoce destes pacientes. A esclerose sistêmica (ES) é uma doença reumatológica caracterizada por sinto- mas relacionados a duas situações importantes: � brose (que causa o endureci- mento da pele e dos órgãos internos) e alterações vasculares (que podem variar do fenômeno de Raynaud à presença de múltiplas úlceras isquêmicas). Descrita como doença restrita à pele a partir de 1754, somente na última década passou a ter novos critérios diagnósticos (2013) bem como recomendações especí� - cas (2009-2013) para seu tratamento, que a caracterizam como uma doença sistêmica de múltiplas faces e que pode requerer a atuação conjunta de várias especialidades. Esclerose Sistêmica 69 Esclerose Sistêmica O acometimento dos órgãos internos é freqüente na esclerose sistêmica. O órgão interno mais comumente acometido é o esôfago; 60 a 80% dos pacientes se queixam de azia intensa e difi cul- dade para engolir (os alimentos muitas vezes “entalam”), sintomas associados a um refl uxo gas- troesofágico associado ao retardo na movimentação na musculatura do esôfago, evidenciados em exame radiológico contrastado. Em menor proporção (menos de 10%) e mais tardiamente no quadro clínico da doença, existe o acometimento do intestino, associado a diarréia signifi cativa. Outro órgão frequentemente envolvido na esclerose sistêmica é o pulmão. Dentre as manifes- tações pulmonares, que representam a causa mais comum de óbito do paciente esclerodérmico, existe a fi brose pulmonar e a hipertensão pulmonar. Ambas cursam com falta de ar progressiva aos esforços. Como tanto a fi brose quanto a hipertensão pulmonar podem ser diagnosticados precocemente, exames subsidiários como a prova de função pulmonar, a tomografi a compu- tadorizada de alta resolução de tórax, o ecocardiograma com Doppler e, quando necessário, o cateterismo cardíaco são frequentemente solicitados no acompanhamento dos pacientes com esclerose sistêmica. Outros acometimentos, como o cardíaco (menos de 20%) e o renal (menos de 10%) são bem mais raros, e costumam ocorrer somente em pacientes com acometimento de pele mais extenso. O tratamento da esclerose sistêmica normalmente é realizado por vários medicamentos, devido aos inúmeros acometimentos clínicos da doença. O uso de drogas imunossupressoras é preco- nizado nos pacientes com acometimento extenso de pele e de órgão internos, enquanto também são utilizadas drogas anti-fi bróticas (mais específi cas para o espessamento da pele), vasoativas (para melhorar a circulação) e pró-cinéticas (para melhorar a motilidade do tubo digestivo). O prognóstico e o tratamento da ES vão depender da extensão e do tipo de órgãos afetados. A pesquisa ativa da doença em pacientes com estigmas iniciais tem colaborado para um diagnós- tico precoce, indispensável para se iniciar tratamento específi co nas fases iniciais da doença, colaborando para uma signifi cativa melhora do prognóstico da ES. Para saber mais www.abrapes.org.br http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Assistente-Doutor da Disciplina de Reumatologia da Fa- culdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ■ Presidente da Comissão de Escle- rose Sistêmica da Sociedade Brasileira de Reumatologia (2010-2014). ■ Coordenador do Grupo de Estudos de Esclerose Sistêmica da Liga Panamericana de Associações de Reumatologia (PANLAR) (2006- 2014). ■ Membro Fundador e Presidente do Con- selho Cientí� co da Associação Brasilei- ra de Pacientes com Esclerose Sistêmica (ABRAPES). PERCIVAL DEGRAVA SAMPAIO-BARROS E Doença Doença 70 O Complexo Esclerose Tuberosa (CET) é uma doença hereditária que se manifesta com alterações neurológicas, lesões cutânea e o desenvol- vimento de hamartomas, tumor benigno, em vários órgãos, inclusive no sistema nervoso central; é conhecida como uma síndrome neurocu- tânea, descrita pela primeira vez em 1880. É um distúrbio sistêmico de herança autossômica dominante, causada pela mutação de um dos genes TSC1 ou TSC2. Patologicamente, esclerose tuberosa é uma desordem de migração, proliferação e diferenciação celular que ocorre em fase embrionária precoce. Não há predi- leção pelo sexo ou grupos étnicos. A incidência estimada é de um a cada 6000 a 10000 indivíduos. As manifestações clínicas podem estar presentes desde o nasci- mento e evoluem durante a infância, adolescência e vida adulta. Clinicamente se caracterizam por manifestações cutâneas (máculas hipocromicas, angiofi bromas faciais, manchas shagreen e fi bromas ungueais), as manifestações neurológicas são heterogêneas (epilepsia refratária, em especial os espasmos infantis, displasias corticais, nódulos subependimais e astrocitomas de células gigantes, défi cit cogni- tivo, alterações comportamentais desde hiperatividade até transtorno do espectro autista); manifestações renais (angiomiolipomas e cistos renais); manifestações cardíacas (Rabdomioma, arritmias), manifestações oftalmológicas (Hamartoma de retina). Existem ainda manifestações pulmonares (linfangioleiomiomatose), ma- nifestações gástricas (pólipos hamartomatosos no reto), e manifestações muscu- loesqueléticas (cistos ósseos) e odontológicas (pequenas depressões do esmalte dentário, fi bromas gengivais, hiperplasia de gengivas e lesões pseudocísticas da mandíbula). O diagnóstico inicialmente é clínico com história clínica, exame físi- co e neurológico, história familiar e observação dos familiares de primeiro grau. Existem alguns critérios diagnósticos revistos pela Tuberous Sclerosis Alliance e pelo National Institutes of Health desde 1998 e recomendados até hoje, são divi- didos em critérios Major e Minor, os quais servem como triagem clínica. Consi- dera-se defi nitivo o diagnóstico de Esclerose Tuberosa (ET) na presença de dois critérios major ou um major e dois minor. O diagnóstico é provável na presença de um critério major e um minor. A ET é considerada possível na presença de um critério major ou dois ou critérios minor. A partir da suspeita deve-se lançar As manifestações clínicas não estão presentes na totalidade desde o nascimento, vão surgindo ao longo da vida, e existe uma grande variabilidade clínica, inclusi- ve entre membrosda mesma família. Esclerose Tuberosa 71 Esclerose Tuberosa mão de exames direcionados como a Ressonância nuclear magnética de encéfalo (RNME), na busca de displasias e túbers, e o eletroencefalograma (EEG), principalmente na presença de crises convulsivas. A epilepsia costuma ser uma constante, em geral, apresenta-se com crises de difícil controle, as quais necessitam de manejo adequado e urgente, principalmente diante dos espasmos infantis, que são considerados uma encefalopatia epilética, e que nesses casos a medicação de escolha deve ser a vigabatrina, medicação de alto custo, porém, amparada por lei para distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em alguns casos, o tratamento ci- rúrgico está indicado. Outra condição que necessita de intervenção medicamentosa e de terapia comportamental é o transtorno do espectro autista. É de suma importância o rastreio dos demais sistemas, onde possa haver manifestações da doença, principalmente o cardíaco, renal, pulmo- nar e oftalmológico. O seguimento clínico com rastreios periódicos, terapias medicamentosas e intervenções com terapias comportamentais, apoio pedagógicos e a inclusão desses pacientes em atividades sociais promove um melhor desenvolvimento e melhora a qualidade de vida. O uso de inibidores mTOR, como terapia alvo, já está reconhecida como tratamento para astrocitoma subependimário de células gigantes. Esses inibidores produzem imunossupressão e deve-se estar atento para o risco de infecção e o uso de vacinas com vírus atenuados. Os pacientes com ET e suas famílias devem receber o aconselhamento genético, assim como tratamento e manejo por equipe multidisciplinar. Para saber mais http://www.pharma.us.novartis.com/product/pi/pdf/afi nitor.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Formada em Medicina pela Universidade Federal do Pará (1994), com especialização em Neuropediatria pela Universidade Estatual Paulista UNESPBotucatu. ■ Curso de atualização em Medicina do Sono pela fundação AFIP Instituto do Sono de São Paulo. ■ Atualmente é me- dica especialista do Hospital Universitário Bettina Ferro da Universidade Federal do Pará. Dra. Helena Feio Dados gerais Formação Atuação Projetos Produções Educação e Popularização de C & T Eventos Orientações Bancas + Raimunda Helena Ferreira Feio Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4130709139956506 Última atualização do currículo em 10/02/2016 Formada em Medicina pela Universidade Federal do Pará (1994), com especialização em Neuropediatria pela Universidade Estatual Paulista UNESPBotucatu. Curso de atualização em Medicina do Sono pela fundação AFIP Instituto do Sono de São Paulo. Atualmente é medica especialista do Hospital Universitário Bettina Ferro da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Neuropediatria, com ênfase em Desenvolvimento infantil, Epilepsia, e Neurogenética. (Texto informado pelo autor) Identificação Nome Raimunda Helena Ferreira Feio Nome em citações bibliográficas Feio,R. H. Endereço Endereço Profissional Universidade Federal do Pará, Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. Rua Augusto Corres, O1 Guamá 66030040 Belem, PA Brasil Caixapostal: 479 Formação acadêmica/titulação 1998 2000 E Doença Doença 72 A Espinha Bífi da é a patologia mais comum entre os defeitos de fecha- mento do tubo neural (DFTN). Este grupo de defeitos envolve a falha de fusão do tubo neural (estrutura embrionária que dá origem ao cé- rebro e a medula espinhal) durante a quarta semana de embriogênese humana. Um amplo espectro clínico é observado, desde DFTN abertos, como formação de bolsa contendo meninges (meningocele) ou medula espinhal e meninges (mie- lomeningocele) até DFTN fechados, como Espinha Bífi da oculta. Estas alterações são mais comuns na porção lombar e sacral da coluna vertebral, afetando em geral 2 a 3 vértebras. A intensidade dos sinais clínicos varia conforme o nível e a ex- tensão das lesões. Apesar dos procedimentos médicos padrão, os indivíduos afeta- dos apresentam risco para uma série de defi ciências físicas e de desenvolvimento (inervação anormal abaixo do nível da lesão, vários graus de fraqueza muscular e limitação sensorial, bexiga neurogênica, incontinência urinária e fecal, hidrocefa- lia, defi ciência intelectual variável), além de maior mortalidade. A incidência dos DFTN é de cerca de 1,05 para cada 1000 nativivos, de acordo com o Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações Congênitas. No entanto, as taxas apresentam variação geográfi ca, temporal, segundo disponibili- dade de diagnóstico pré-natal e possibilidade de interrupção eletiva da gestação. Aproximadamente 70% dos DFTN são defeitos isolados e apresentam herança multifatorial. Evidências do envolvimento de fatores genéticos são observados atra- vés da associação com síndromes genéticas conhecidas, tais como trissomias 13 e 18, rearranjos cromossômicos, vários distúrbios de um único gene e pela história familiar (levando a um risco empírico de recorrência de 2-5% estimado para os irmãos - 50 vezes maior, comparado à população geral). Entre os fatores ambientais que estão associados com risco aumentado de DFTN, encontram-se as exposições a teratógenos como a diabetes materna des- controlada (2-10 vezes), obesidade materna (1,5-3,5 vezes), hipertermia materna (até 2 vezes), alguns compostos farmacêuticos como drogas antiepilépticas duran- Apesar dos procedimentos médicos padrão, os indivíduos afetados apresentam risco para uma série de de� ciências físicas e de desenvolvimento Espinha Bífi da 73 Espinha Bífi da te os primeiros meses de gravidez (Valproato, risco de 10 a 20 vezes) e, antagonistas do ácido fólico, tais como Carbamazepina, Fenitoína, Fenobarbital, além de Trimetoprim, Triantereno e Primidona. Ademais, foi verifi cado o efeito protetor da suplementação materna periconcepcional de áci- do fólico, tendo sido demonstrado que a dose de 4 mg/dia reduz a incidência de DFTN em até 75%. Logo são potencialmente evitáveis, tendo justifi cado políticas públicas de saúde, incluin- do campanhas educativas e programas de fortifi cação de alimentos. O diagnóstico pré-natal pode ser realizado através da ecografi a fetal e também pela elevação da alfafetoproteína. São necessários pronto tratamento (incluindo as cirurgias reparadoras) e seguimento com equipe multiprofi ssional. Por ser um defeito isolado ou parte de uma síndrome reconhecível, recomenda-se investigação adequada para o tratamento e aconselhamento genético apropriados. Para saber mais www.news-medical.net/health/Spina-Bifi da.aspx http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Residência em Genética Médica pelo Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto/ Universidade de São Paulo (2005-2008) ■ Mestrado em Saúde Materno-Infantil da Universidade Federal do Maranhão (2009-2012). ■ Presidente da Regional Norte- -Nordeste da Sociedade Brasileira de Gené- tica Médica (biênio 2011-2013). Maria Juliana Rodovalho Doriqui E Defeitos do tubo neural ffffff 76 A doença de Fabry é uma doença geneticamente determinada, ligada ao cromossomo X. É causada pela defi ciência de uma enzima lisossomal, a alfa-galactosidase A (alfa-GAL A). Mutações no gene GLA, localizado no cromossomo Xq22, são responsáveis por essa defi ciência, sendo des- critas mais de 600 mutações nesse gene até o momento. As mutações descritas po- dem ser missense, nonsense e inserção ou seleção de único aminoácido. As mutações são privadas em sua maioria, ou seja, particulares daquela família. A redução de atividade da alfa-GAL A resulta no acúmulo progressivo de metabó- litos (glicoesfi ngoglicolipídeos), em especial o globotriaosilceramida 3 (Gb3), em células de diferentes tecidos e órgãos. A incidência da doença, na população geral, foi estimada em 1:117 000, embora possa estar subestimada. O quadro clínico é variável e progressivo, com acometimento de múltiplos órgãos. A forma clássicageralmente tem o seu início na infância ou adolescência, com crises periódicas de acroparestesia, aparecimento de lesões cutâneas vasculares, hipohidrose e distúrbios gastrointestinais. Deterioração gradual da função renal até à fase fi nal da doença renal ocorre, geralmente, em homens entre a terceira e a quinta década de vida. É nessa fase, ainda, que os homens podem desenvolver doença cardiovascular e/ou cerebrovascular. Já as mulheres heterozigotas, em geral, apresentam manifesta- ções clínicas mais leves e um início mais tardio. Os sinais e sintomas que aparecem mais tardiamente estão associados à falência de órgãos e à morte prematura dos portadores . A doença de Fabry é de natureza progressiva. A confi rmação do diagnóstico é realizada pela demonstração dos níveis reduzidos ou indetectáveis da atividade da enzima alfa-GAL no plasma, soro ou leucócitos, em homens. Nas mulheres, a atividade enzimática pode estar normal, reduzida ou indetectável, sendo o diag- nóstico então fi rmado pelo estudo molecular do gene GLA. A dosagem do Gb3 urinário ou plasmático complementa o estudo bioquímico do paciente, mas pode não se encontrar elevado em algumas situações, como no sexo feminino e em pa- cientes portadores da mutação N215S. Após o diagnóstico, é fundamental o estudo dos demais familiares que se encontram em risco de serem portadores da doença. Na maioria das doenças ligadas ao cromossomo X, as mulheres heterozigotas são assintomáticas. Entretanto, diversos estudos demonstram que a maioria das mulhe- O quadro clínico é variável e progressivo, com acometimento de múltiplos órgãos. A forma clássica geralmente tem seu início na infância ou adolescência, com crises periódicas de acroparestesia, aparecimento de lesões cutâneas vasculares, hipohidrose e distúrbios gastrointestinais Fabry 77 Fabry res heterozigotas apresentam características da doença. As mulheres costumam manifestar mais tardiamente os sintomas com uma progressão mais lenta e maior variabilidade fenotípica. A varia- ção de manifestações clínicas em mulheres heterozigotas é atribuída, em parte, à inativação alea- tória do cromossomo X. Manifestações leves incluem a característica córnea verticillata (70%- 90%), acroparestesia (50%-90%), angioqueratomas e hipoidrose (10%-50%). Manifestações mais graves incluem hipertrofi a ventricular esquerda, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas, ata- ques de isquemia transitória, acidente vascular cerebral e doença renal terminal. A qualidade de vida dessas pacientes também é reduzida. A expectativa de vida dos pacientes, tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, encontra- -se reduzida quando comparada à média da população geral. A causa mais comum de morte entre ambos os sexos foi doença cardiovascular, seguida de doença cerebrovascular, quando o manejo da doença renal é adequado. O atual manejo da doença de Fabry consiste no tratamento sintomático das manifestações clíni- cas de cada paciente, associado à terapia de reposição enzimática (TRE), visando à suplementação da enzima alfa-galactosidase A. Duas terapias foram aprovadas pela ANVISA no Brasil: agalsida- se alfa (Replagal, Shire Human Genetic Therapies Inc) e agalsidase beta (Fabrazyme, Genzyme Inc). A TRE mostrou-se efetiva e segura no tratamento da doença em homens, mulheres e crianças afetados pela doença de Fabry. Diversos estudos clínicos demonstraram melhora de diferentes parâmetros relacionados à doença, incluindo concentração de Gb3 em níveis urinários e plasmáti- cos, dor neuropática, qualidade de vida, estrutura e função cardíaca e renal. Para saber mais www.mdsaude.com/2010/02/doenca-de-fabry.html http://www.vidasraras.org.br/site/ F ■ Graduação em Medicina pela Facul- dade de Medicina de Marília (2004) ■ Residência médica em Pediatria pela Irmandade da Santa Casa de São Paulo (2007) ■ Especialização em Genética Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2010) ■ Especialista em Pediatria e Genética Medica Dra Isabel Furquim Doença Doença 78 A PKU, ou Fenilcetonúria, foi inicialmente descrita em 1934 pelo médico norueguês Asbjorn Fölling. Este foi o primeiro erro inato do metabolismo a ser ofi cialmente associado à presença de defi ciência mental. A FAL é um aminoácido essencial e indispensável à síntese protéica em tecidos de mamíferos. Apenas uma proporção de sua ingesta normal é usada para a síntese de proteínas. A maior parte é oxidada, primariamente, em tirosina (TIR) e uma porção menor em outros metabólitos, primariamente, o ácido fenilpirúvico. A FAL é convertida em TIR pela enzima fenilalanina hidroxilase (PAH) tendo como cofator a tetraidrobiopterina (BH4). O cofator BH4 é reciclado para a função como um catalisador na enzima de hidroxilação, uma rota que requer a ação da proteína de estimulação da PAH. A reação de hidroxilação da L-Fenilalanina (L-Fal) envolve quantidades eqüimoleculares de L-Fal, BH4 e oxigênio, sendo os produtos tirosina, didrobiopterina quinonóide (qBH2) e água. A didrobiopterina redutase (DHPR) é a enzima que catalisa a regeneração do BH4. Essa reação é dependente de NADH. A FAL é convertida, por descarboxilação e transaminação, a metabólitos que são livremente excretados. O bloqueio da rota principal de catabolismo da fenilalanina provoca acúmulo desta e de seus metabólitos (fenilpiruvato, fenilactato, fenilacetato) no sangue e demais tecidos. O diagnóstico clínico da doença é difícil, porque a criança começa a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, associado ou não à convulsão e outras anormalidades, apenas por volta do 3.° ao 6.° mês de idade. Pela difi culdade do diag- nóstico clinico precoce, o diagnóstico laboratorial através da triagem neonatal é de ex- trema importância. No Brasil, a triagem pode ser feita tanto em laboratórios privados, como no sistema público de saúde. O teste de triagem neonatal deve ser coletado após as primeiras 48 horas de vida, ou seja, após o início da alimentação com proteínas. Os resultados alterados devem ser confi rmados em uma segunda coleta, através de amostra em papel fi ltro, soro, sangue total ou urina (de acordo com a metodologia empregada no laboratório especializado). Os casos confi rmados devem então ser encaminhados para tratamento e investigações adicionais em serviços de referência. O diagnóstico é feito pela detecção de altos níveis sanguíneos de FAL, preferen- O diagnóstico clínico da Fenilcetonúria é difícil porque a criança começa a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Assim, o diagnóstico laboratorial, através da triagem neonatal, é de extrema importância Fenilcetonúria 79 Fenilcetonúria cialmente através de métodos quantitativos como a análise fl uorimétrica, método enzimático e a espectrometria de massa in tandem. A hiperfenilalaninemia é defi nida por níveis plasmáticos de FAL acima de 120μM/l (2mg/dl). Também pode ser defi nida como a razão fenilalanina/tirosina sangüínea persistentemente maior do que três (a variação normal para concentrações sangüíneas sendo: a de fenilalanina 0,58 a 2 mg/dl ou 35 a 120μM/l e a de tirosina 0,67 a 2,2 mg/dl ou 40 a 130μM/l). Por este motivo, recomenda-se dosagem simultânea de tirosina. Podemos classifi car as hiperfenilalaninemias em Fenilcetonúria clássica ou Hiperfenilalaninemia maligna, Fenilcetonúria leve, persistente benigna, transitória ou materna. Existe ainda a Defi ciência de Tetrahidrobiopterina (BH4), determinada pela defi ciência do co-fator BH4, necessário para a ati- vação da PAH. Nestes pacientes observamos defi ciência mental grave, convulsões, irritabilidade e sinais do tipo parkinsonismo. Como o co-fator BH4 é também necessário para a conversão da tirosina em dihidroxifenilalanina e de triptofano em 5-hidroxitriptofano, precursores da dopamina, as mani- festações clínicas são mais graves do que na Fenilcetonúria clássica, e não são corrigidas apenas pela restrição dietética da fenilalanina. O tratamento paraPKU, inicialmente inexistente, foi determinado em 1953 por um médico ale- mão na universidade de Birminghan, que introduziu uma terapia dietética com baixos teores de fenilalanina, utilizada até hoje. Na atualidade, vive-se um momento “efervescente” nas pesquisas com PKU, com surgimento de novas alternativas terapêuticas, permitindo elevar a atividade residual da PAH, ou mesmo, ter sua função substituída, alternativas que permitem reduzir a entrada da FAL excessiva no cérebro. Estas possibilidades talvez permitam a liberação de alguns pacientes de sua restrição dietética. Es- tes avanços servem como pano de fundo para a pesquisa atual e futura, e talvez permitam corrigir os defeitos enzimáticos em PKU. Certamente ainda mais avanços estarão presentes num futuro próximo. Para saber mais www.safe.org.br http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica Endocrinologista Pediátrica – Mestre pela UNIFESP ■ Fellow em Endocrinologia Pediátrica da Université René Descartes, Paris, França ■ Médica Assistente de Pacientes com Fenilcetonúria desde 1985 ■ Assessora Técnica do Programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde ■ Presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal – Gestão 2011/2012 ■ Coordenadora do Serviço de Refe- rência em Triagem Neonatal do Estado do Rio Grande do Sul – Hospital Materno Infantil Presidente Vargas Paula R. Vargas F Doença Doença 80 A Fibrodisplasia Ossifi cante Progressiva (FOP) é uma afecção caracte- rizada por ossifi cação de tecidos diferentes do esqueleto (ossifi cação heterotópica, OH), em surtos, com início na infância e de forma pro- gressiva e acumulativa. Os pacientes apresentam um sinal clínico ao nascimento que é muito signifi cativo para o diagnóstico: uma malformação bilateral do hálux, que é reduzido de tamanho e desviado em valgo. As tumorações em partes moles surgem como saliências na musculatura do pes- coço e dorso, local mais frequente, usualmente após sinais fl ogísticos no local, e em seguida se transformam para consistência óssea. Posteriormente, outros segmentos do corpo são acometidos. Os fatores que favorecem um surto de OH são: injeções intramusculares, infecções virais, trauma de partes moles, trauma cirúrgico, blo- queios anestésicos e tração prolongada das articulações. O músculo liso e cardíaco, língua, diafragma, músculos orbitários e da movimentação ocular são poupados de OH. As tumorações podem ser confundidas principalmente com tumores muscu- loesqueléticos, resultando em procedimentos propedêuticos ou de tratamento que são invasivos e pioram o quadro. Observa-se que, no fi nal da fase de crescimento, os surtos de OH espontâneos se atenuam, mas podem continuar ocorrendo após traumas. Outros aspectos presentes na FOP são: perda auditiva condutiva leve na adoles- cência (50% dos casos), encurtamento do 1.º metacarpo ou da falange proximal do polegar (50%), anomalias em coluna cervical (80%), osteocondromas, principal- mente na porção medial da tíbia proximal (90%), colos femorais curtos e alargados (70%), clinodactilia e/ou encurtamento do 5.º quirodáctilo (50%). A única alteração laboratorial é o aumento da fosfatase alcalina nos surtos de OH. A frequência de fraturas não está aumentada na FOP. Na forma clássica de FOP, não ocorre compro- metimento cognitivo e/ou baixa estatura. Na evolução da doença, ocorre uma rigidez progressiva do pescoço e da colu- na, assim como anquilose extra-articular, trazendo grave restrição da mobilidade. Dentre as complicações, muitos pacientes desenvolvem restrição para abertura da mandíbula, resultando em difi culdade para alimentação e higiene bucal. O diagnóstico pode ser feito clinicamente com auxílio de radiografi as, ou pela da Na evolução da doença, ocorre uma rigidez progressiva do pescoço e da coluna, assim como anquilose extra-articular, trazendo grave restrição da mobilidade Fibrodisplasia Ossifi cante Progressiva 81 Fibrodisplasia Ossifi cante Progressiva ■ Residência em Genética Médi- ca, pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (USP) ■ Especialista em Genética Médica pela AMB ■ Doutorado pela Universidade de Brasília ■ Médico Geneticista da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, com experiência na área de retardo mental, doenças neurogenéticas, malformações congênitas e displasias ósseas Daniel Rocha de Carvalho identifi cação da uma mutação de ponto recorrente (c.617G>A, p.R206H) no gene ACVR1 (quase todos os casos) na forma clássica. Estima-se uma prevalência de 1 afetado para cada 2 milhões de indivíduos. A herança é autossômica dominante, sendo quase todos os casos esporádicos. Até o momento, não há nenhuma terapia disponível que possa prevenir os surtos de OH. Consi- dera-se a recomendação de base teórica para o uso de inibidores de leucotrieno (montelucaste). Nos surtos agudos, recomenda-se o uso de prednisona na dose de 2 mg/kg/dia, via oral, por 4 dias, assim que haja a percepção de tumorações (preferencialmente nas primeiras 24 horas). Após o corticoide, deve ser utilizado outro anti-infl amatório não-esteroidal por, no máximo, 10 dias. As medidas preventivas continuam sendo as mais signifi cativas. Evitar uso de injeções intramus- culares e ter cuidados rigorosos com a higiene bucal. Não realizar a tração prolongada da articula- ção temporomandibular no tratamento dentário, prevenir quedas e traumas e evitar procedimentos cirúrgicos, além da profi laxia vacinal para infl uenza e pneumococos. No Brasil, não há centros de atendimento dedicados a FOP e os pacientes devem ser acompanha- dos em hospitais terciários por equipe multidisciplinar. Os familiares podem obter mais informa- ções pela associação FOP Brasil, ligada a uma rede de apoio internacional (IFOPA). Para saber mais www.scielo.br/pdf/rb/v38n1/23370.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ F Doença Doença 82 Não existem estudos de prevalência e incidência no Brasil. Tendo por base estudos internacionais e a distribuição por idade da população brasileira, estima-se que existam entre 12 e 15.000 casos de FPI no Brasil.(1) Em um estudo brasileiro de 120 pacientes seguidos por longo tempo a me- diana de sobrevida foi de 43 meses. (2) Patogenia Há anos atrás, aceitava-se que as doenças intersticiais em geral, resultariam de uma infl amação alveolar (“alveolite”), seguida de deposição de colágeno (”fi brose”), po- rém o uso de medicamentos anti-infl amatórios e imunossupressores se mostrou ine- fi caz no tratamento da FPI. Embora este mecanismo se aplique a diversas doenças pulmonares difusas, na FPI a infl amação tem papel secundário. (3) Apresentação clínica e diagnóstica A FPI é rara antes dos 50 anos de idade, a média de idade situando-se em torno de 70 anos. A doença é mais frequente em homens fumantes ou ex-fumantes (em torno de 2/3 dos casos). Os sintomas habituais são dispneia progressiva e tosse. Estertores são audíveis nas bases pulmonares em mais de 90% dos casos, e podem ser confundidos com sons audíveis em pneumonias e insufi ciência cardíaca. A prova de função pulmonar mostra o padrão clássico de doença restritiva, com redução da difusão do CO. Os critérios diagnósticos para a FPI incluem (4): 1.Exclusão de outras doenças intersticiais Exposição para possível pneumonia de hipersensibilidade é o dado mais relevante no Brasil (mofo, contato com pássaros). 2.Presença na TCAR de padrão típico de pneumonia intersticial usual com aspecto em favo de mel nas bases pulmonares. 3.Em casos em que a tomografi a não é típica, há necessidade de biópsia pulmonar A mortalidade intra-hospitalar da biópsia pulmonar cirúrgica eletiva éFibrose pulmonar idiopática 83 Fibrose pulmonar idiopática ■ Doutor Em Pneumo- logia UNIFESP-SP. Coordenador do Grupo de Assistência e Pesquisa em Doenças Intersticiais, UNIFESP-SP. Carlos Alberto de Castro Pereira Tratamento 1.Geral A tosse em certos pacientes é proeminente e codeína pode ser tentada. A dispneia pode ser aliviada com oxigenoterapia, quando a PaO2 estiver reduzida. A reabilitação pulmonar com exercícios me- lhora a distância caminhada em 6 minutos e a dispneia. (5) Os exercícios podem ser mantidos em casa, com uso de O2. Depressão e ansiedade são comuns na FPI, e o uso de ansiolíticos e antide- pressivos deve ser liberal. Não há risco de depressão respiratória. Doença do refl uxo gastroesofageano é comum na FPI, e pacientes sintomáticos devem ser tratados. Transplante pulmonar deve ser indicado em pacientes com idade inferior a 65 anos, sem contraindi- cações e com doença progressiva. Dados diversos, especialmente os derivados dos testes de função pulmonar seriados, permitem estimar a fase na qual a doença se encontra e a sobrevida, e a eventual indicação de transplante. 2.Tratamento farmacológico específi co Nos últimos anos dois medicamentos antifi bróticos se mostraram efetivos na FPI- a pirfenidona e o nintedanibe. (6,7) Nenhum estudo comparou diretamente estes agentes, mas os resultados são bas- tante semelhantes Existe redução da perda da capacidade pulmonar, em média à metade. O tempo de sobrevida é prolongado. Ambos são usados por via oral. Estas duas medicações foram aprovadas pela ANVISA no Brasil, mas têm custo elevado. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ F Doença Doença 84 A FC é causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembra- ne Condutance Regulator) (locus 7q31.2) que codifi ca a proteína CFTR, que funciona como um canal de cloro, responsável pela regulação do vo- lume líquido nas células epiteliais. A incidência é de 1:3000 nativivos no mundo. Nos Estados brasileiros nos quais há triagem neonatal há mais de 10 anos, a incidência é de 1: 9500 nativivos. A mutação mais frequente (>70%) é a deleção de uma fenilalanina no códon 508 do gene CFTR (deltaF508). Foram detectadas mais de 2000 mutações, as quais causam efeitos variáveis na função da CFTR levando a ampla variabilidade fenotípica. Há seis classes de mutações CFTR: as classes I, II, III e VI são consideradas mais graves e associadas à expressão fenotípica típica e pior prognóstico, havendo pouca ou nenhuma proteína CFTR na membrana plasmá- tica. As mutações das classes IV e V geram fenótipos mais leves, com perda parcial da atividade CFTR. DIAGNÓSTICO: Na triagem neonatal quantifi ca-se a IRT (tripsina imunorreativa), que é precursora da enzima pancreática. A coleta da primeira IRT deve ser realizada entre o 3º e 7º dias de vida. De acordo a Secretaria de Saúde do Estado de São Pau- lo, se IRT> 80 ng/mL, uma nova amostra deve ser colhida entre o 16º e o 30º dias de vida. Se na segunda amostra o valor do IRT> 70 ng/mL, indica-se a dosagem de cloro no suor. Quadro clínico: (1) manifestações gastrointestinais: íleo meconial (ao nascimento em 15-20%); insufi ciência pancreática até o fi nal do primeiro ano; doença hepáti- ca (2,5% na primeira década de vida; 27%-35% até os 18 anos de idade); (2) ma- nifestações respiratórias: deterioração pulmonar progressiva devido a retenção de muco com obstrução das vias aéreas, bronquiectasias, infecção bacteriana crônica e sinusite crônica. A Pseudomonas aeruginosa é o patógeno mais associado à perda progressiva da função pulmonar e pior prognóstico; (3) distúrbios hidroeletrolíticos: hiponatremia, hipocalemia, hipocloremia e hiperbicarbonatemia; frequentes antes dos dois anos de idade , podendo ser crônico ou subagudo, esse último decorrente de calor excessivo, vômitos, suor excessivo, diarréia e infecção pulmonar. Os pacientes podem apresentar vômitos, desidratação, inapetência e/ou défi cit-pôndero-estatural. (4) infertilidade masculina (>95%): devido a hipoplasia ou agenesia dos dutos defe- rentes e da vesícula seminal que podem ser unilaterais ou bilaterais. O desenvolvi- mento testicular e a espermatogênese geralmente estão preservadas. TRATAMENTO: Suplementação de enzimas pancreáticas e reposição de vitaminas lipossolúveis em altas doses diárias. Em regiões de clima quente, pode ser necessário A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética multissistêmica de herança autos- sômica recessiva que acomete o epitélio do trato respiratório, pâncreas, intestino, sistema hepato-biliar, glândulas sudoríparas e vasos deferentes no sexo masculino. Fibrose Cística 85 Fibrose Cística reposição diária de 2 mEq/kg/dia de sódio. Indica-se diariamente fi sioterapia respiratória associada à fl uidifi cação do muco. Como fl uidifi cantes efetivos são utilizadas solução salina hipertônica a 7% e a Alfa-dornase. Os antibióticos inalatórios, orais e endovenosos e a Alfa-dornase são responsáveis pela melhora da expectativa de vida após a década de 90. Tabela 1. Critérios diagnósticos para a FC: são necessários pelo menos, um dado positivo da primeira coluna e um da segunda coluna para confi rmação (adaptado de Borowitz et al, 2009). *GI: gastrointestinais 1 DOS ABAIXO Sinais fenotípicos História familiar Triagem • Bronco-sinuso-pneumopatia crônica Aumento do cloro no suor 2 mutações associadas à FC Anormalidade no transporte nasal de íons ou ou • Anormalidades GI* ou nutricionais • Síndromes de perda de sal • Anormalidades urogenitais masc. • História de FC num irmão ou parente próximo • Teste de triagem positivo ou ou ASSOCIADOS A Para saber mais http://acamrj.org.br/ www.abram.org.br www.unidospelavida.org.br www.vidasraras.org.br ■ Professora Adjunta-A, Área de Saúde da Criança e do Adoles- cente do Curso de Medicina da Universi- dade Federal de São Carlos-UFSCar. ■ Médica Assistente, Gastroenterologia Pe- diátrica, HCFMP-USP. Doutora e Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente, USP Ribeirão Preto. ■ Residência Médica, Pediatria Geral e Gastroenterologia Pediátrica, HC- -FMRP-USP. ■ Responsável pelo serviço de Pneumo- logia Pediátrica da FMRP-USP ■ Mestre e doutora em Pediatria pelo Departamento de Puericultura e Pedia- tria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP ■ Membro do Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística ■ Professora Associada do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Divisão de Gastroente- rologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica do Hospital das Clínicas. ■ Coordenadora do Ambulatório Multi- disciplinar de Fibrose Cística do Hospital das Clínicas da FMRP-USP ■ Professora Doutora do Departamento de Puericultura e Pedia- tria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Divisão de Gastroenterolo- gia e Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas. Ieda Regina Lopes Del Ciampo Lidia Alice Gomes M M Torres Maria Inez Machado Fernandes Regina Sawamura F Doença Doença gggggg 88 O tipo 1, ou forma infantil, é caracterizada pelo início dos sintomas antes de um ano de idade, com progressiva disfunção do sistema nervoso central, levando à espasticidade, perda auditiva, perda visual, com mácula ver- melho-cereja ao exame de fundoscopia, postura em descerebração, além de hepatoesplenomegalia e displasia esquelética. A expectativa de vida é em torno de dois a três anos. O tipo 2 pode ser dividido em formas infantil tardia e juvenil. Na forma infantil tardia, os sintomas iniciam entre um e três anos de vida, com uma expectativa de vida de cinco a dez anos. Na forma juvenil, os sintomas iniciam entre três e dez anos de vida, com a parada da aquisição de marcos do desenvolvimento e posterior regressão neurológica lenta. Indivíduos com o tipo 2 podem ou não apre- sentar displasia esquelética. Indivíduos com o tipo 3 apresentam sintomas a partir da segundaexemplo, o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo e o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo. Para saber mais www.nedo.pt/item.aspx?id_item=88&id_rubrica=80&id_seccao=3 http://www.vidasraras.org.br/site/ ADoença 10 A TTR é uma proteína sintetizada principalmente no fígado, mas tam- bém, em pequenas proporções, no plexo coroide, no epitélio pigmentar da retina e nas células alfa das ilhas pancreáticas, e que na corrente sanguínea existe na forma de um homotetrâmero (Ueda e Ando, 2014 ). A presença de uma mutação faz com que o homotetrâmero torne-se instável, dissocie-se em monômeros de TTR, que tem alteração em sua estrutura, adquirin- do propriedade amiloidogênica, depositando-se nos tecidos (Ueda e Ando, 2014). A FAP é uma polineuropatia comprimento-dependente que envolve fi bras sensi- tivas, autonômicas e motoras. O início, em geral, se dá pelo acometimento das fi bras fi nas. O paciente refere à presença de dor, parestesias e disestesias distais, que vão progredindo dos pés em direção às regiões proximais da perna. Em geral, neste período, surgem as primeiras disautonomias, incluindo impotência sexual, constipação intestinal e/ou diarreia pós-prandial e hipotensão postural. Nesta fase da doença, a sensibilidade cinético-postural, a sensibilidade vibratória e a motricidade estão preservadas, assim como o exame eletroneuromiográfi co. À medida que a doença avança em direção às regiões mais proximais dos membros inferiores, as regiões distais dos membros superiores são acometidas e as fi bras nervosas grossas (cinético-postural, vibração e motricidade) vão sendo progres- sivamente acometidas, à medida que a disautonomia se acentua, muitas vezes exigindo a instalação de um marcapasso cardíaco. Nestas fases mais avançadas a eletromiografi a mostra, em geral, um padrão de polineuropatia axonal, embora ocasionalmente o estudo da condução possa sugerir uma polirradiculoneuropatia infl amatória desmielinizante crônica (PIDC), um importante diagnóstico diferen- cial. Nas fases mais avançadas da doença, há comprometimento sensitivo envolven- do praticamente toda a superfície corporal, a fraqueza e a atrofi a são intensas, a disautonomia é marcante e o paciente evolui para um estado caquético intenso, ocorrendo o êxito letal em aproximadamente 10 anos. Embora seja uma doença de herança autossômica dominante, a penetrância é in- completa e muitas vezes a história familiar está ausente, difi cultando o seu reco- A amiloidose hereditária associada a mutações na proteína transtirretin (ATTR) (www.abpar.org.br )é uma doença hereditária de herança autossômica domi- nante, multissistêmica, progressiva e grave, que mais frequentemente com- promete os nervos periféricos (polineuropatia amiloidótica familiar – FAP), o coração (cardiopatia amiloide familiar – FAC) e os rins, embora também possa comprometer adicionalmente os olhos, o sistema nervoso central e os músculos. Amiloidose Associada à Transtirretina (ATTR) 11 Amiloidose Associada à Transtirretina (ATTR) Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ www.abpar.org.br nhecimento. Além disso, existem duas formas de apresentação, uma forma de início precoce ( 50 anos), frequente na Suécia e nas regiões não endêmicas do Japão e de Portugal. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico característico, nos achados eletroneuromiográfi cos, na presença de amiloide-TTR em biópsia de glândula salivar, tecido adiposo e tecido nervoso, e nos testes genéticos. O TTR é um gene pequeno e deve ser inteiramente sequenciado, pois embora no Brasil predomine a mutação TTR Val30Met, outras mutações foram descritas e a pesquisa isolada desta mutação pode ser limitante. Além dos cuidados gerais e seguimento das complicações sistêmicas associadas, principalmen- te cardíacas e renais, duas opções terapêuticas estão disponíveis no momento, o transplante hepático e o tafamidis, embora outros tratamentos promissores estejam em avaliação. O trans- plante diminui a progressão da doença e o tafamidis, um estabilizador da TTR, principalmente quando utilizado precocemente, tem efeitos comprovadamente benéfi cos na neuropatia. ■ Professor Associado de Neurologia da Faculdade de Me- dicina de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo ■ Mestrado, doutorado e livre-docência pela Faculdade de Me- dicina de Ribeirão Preto, Unive. de São Paulo ■ Especializacão em Neuropatias Periféri- cas e Neuro� siologia Clínica no Hospital das Clínicas da Fa- culdade de Medicina de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo, e pela Medical School in New Orleans, Louisiana State University ■ Pós-doutorado em Neurogenética no Institute of Neurolo- gy, Queen Square, e Royal Free Hospital, Londres, Reino Unido Wilson Marques Júnior Doença A 12 Ocorre perda de células da medula espinhal, denominadas de neurônios motores. A incidência é de 1:10.000 nativivos. Etiologia: A doença é causada por mutações nos genes SMN1 (Survival of Motor Neuron 1), localizado na região telomérica do cromossomo 5 (locus 5q13) e no gene SMN2 (Survival of Motor Neuron 2), localizado na região centromérica do mesmo cromossomo. Estes dois genes compartilham mais de 99% de identidade entre os nucleotídeos e codifi cam a proteína SMN. A perda homozigó- tica do gene SMN1 causa as AMEs. A gravidade da doença parece estar relacionada ao número de cópias do gene SMN2. Contudo, o gene SMN2 não compensa total- mente a ausência de expressão do gene SMN1, pois produz 25% da proteína SMN. A maioria dos pacientes apresentam deleções no exon 7 ou 8 do gene SMN1. Quadro clínico: A falta da proteína SMN leva à degeneração de motoneurônios alfa (α) localizados no corno anterior da medula espinhal, resultando em fraqueza e para- lisia muscular proximal progressiva e simétrica. Há três grupos de AMEs: (1) Amiotrofi a tipo 1 ou doença de Werdnig-Hoffmann: é a forma mais grave, e suspeita-se antes de seis meses de vida. O lactente não consegue sustentar a cabeça, o choro e a tosse são fracos. Ocorre incapacidade de deglutição antes de um ano de idade. Devido a difi culdade na eliminação de secreções e fraqueza da musculatura intercostal há necessidade precoce de suporte ventilatório. (2) Amiotrofi a tipo 2 ou Forma Intermediária ou Doença de Dubowitz: O início ocor- re entre 6 e 18 meses e o diagnóstico geralmente é feito antes dos 2 anos de idade. O comprometimento da musculatura proximal é maior que a musculatura distal. Os membros superiores são acometidos posteriormente. Os pacientes podem apresentar difi culdades para tossir e eliminar secreções provenientes da traqueia, tremores fi nos (miofasciculações), escoliose e contraturas ao longo dos anos. A expectativa de vida é de 10 a 40 anos. (3) Amiotrofi a tipo 3 ou Doença de Kugelberg-Welander ou Amiotrofi a Espinhal Ju- venil: Manifesta- se após 18 meses de idade. O indivíduo será classifi cado como tipo 3 se conseguir dar no mínimo 5 passos independentes. Há grande variação clínica. Alguns portadores podem deambular até 30 a 40 anos, e outros não deambulam mais Amiotrofi as Espinhais As Amiotro� as Espinhais (AMEs) (Spinal Muscular Atrophy-SMA) constituem um grupo de doenças genéticas de herança autossômica recessiva que acometem parte do sistema nervoso que controla os movi- mentos voluntários. 13 Amiotrofi as Espinhais no fi nal da adolescência. (4) Amiotrofi a tipo 4 ou tipo adulto: Início na idade adulta (após 35 anos) com sintomas insidiosos e de evolução lenta. Diagnóstico: além dos achados clínicos e de exames complementares (enzimas séricas, eletromio- grafi a e biópsia muscular), o teste genético pode estabelecer o confi rmar diagnóstico. As deleções no gene SMN1 são detectadas em 98% dos pacientesou terceira década de vida que se caracterizam por sinais extrapiramidais, alteração de marcha e cardiomiopatia, podendo apresentar comprometimento cogni- tivo em fases mais avançadas da doença. Devido a esses sintomas, muitas vezes são confundidos com pacientes com doença de Parkinson. O diagnóstico é baseado na baixa ou nula atividade da enzima beta galactosidase em leucócitos ou fi broblastos. O percentual de atividade residual geralmente se corre- laciona com o fenótipo. Por exemplo, indivíduos com a forma infantil apresentam atividade enzimática praticamente nula, enquanto indivíduos com a forma adulta apresentam entre 5-10% de atividade residual. O diagnóstico molecular baseia-se na detecção de variantes bialélicas no gene GLB1, já tendo sido descritas mais de 150 variantes genéticas, no entanto, não há uma boa correlação genótipo-fenótipo visto que a maioria dos indivíduos afetados é heterozigoto composto. A gangliosidose GM1 tem uma incidência estimada em um a cada 100.000 a 300.000 nascidos vivos em todo o mundo, sendo a forma infantil a mais comum. Interessante ressaltar que a incidência estimada no Brasil é de um a cada 17.000 nascidos vivos, em sua maioria do tipo 1 (infantil), sendo uma das maiores incidências mundiais. No Japão, a forma adulta é a mais prevalente, podendo esse fato estar relacionado ao efeito fundador ou ao maior conhecimento da doença pelos médicos japoneses. A gangliosidose GM1 é uma doença lisossomal e pode ser classi� cada em três formas. Gangliosidose GD1 89 Gangliosidose GD1 Para saber mais https://ntsad.org/index.php/the-diseases/gm-1 http://www.vidasraras.org.br/site/ Atualmente, o tratamento para indivíduos com gangliosidose GM1 é de suporte e visa prover ade- quado ganho calórico e nutricional, além de a qualidade de vida dos pacientes poder ser incremen- tada quando o cuidado é provido por médicos especialistas em genética, cardiologia, neurologia, ortopedia, dentre outros. Por exemplo, os melhores resultados cirúrgicos são obtidos em centros em que cirurgiões e anestesistas tem experiência no cuidado de pacientes com doenças lisosso- mais. Está indicado o acompanhamento com terapia ocupacional para otimizar as atividades de vida diária, além de fi sioterapia para otimizar a marcha, mobilidade e conforto, incluindo o uso de órteses. Não há tratamentos específi cos aprovados pelo FDA, EMA ou ANVISA, porém, há proto- colos promissores em fase pré-clínica, envolvendo chaperonas farmacológicas e terapia gênica. G Filippo Vairo ■ Geneticista, especialista em Genética Médica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Mestre em Ciências Médicas: Medicina pela UFRGS ■ Professor Titular do Departamento de Ge- nética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ■ Pesquisador I A do CNPq e Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tec- nologia de Genética Médica Populacional (INAGEMP) e da Es- cola Latino-Americana de Genética Humana e Médica ■ Vice-Presidente da Sociedade Latino- -Americana de Erros Inatos do Metabolismo e Triagem Neonatal ■ Editor-chefe do Journal of Inborn Errors of Metabolism and Screening Roberto Giugliani Doença Doença 90 A doença de Gaucher (DG) é a mais frequente das doenças lisossômicas, com incidência internacional estimada em 1:57 000 nascidos vivos. Porém, em judeus Ashkenazi, a incidência chega a 1 em cada 400. É causada pela presença de mutações patogênicas em ambos os alelos do gene GBA, que codifi ca a enzima glicocerebrosidase, responsável pela hidrólise de glicocerebrosídeo em glicose e ceramida. Como consequência, há acúmulo de glicocerebrosídeo nos macrófagos, principalmente no baço, fígado, medula óssea e pulmão, fazendo da Gaucher uma doença multissistêmica, com ampla heteroge- neidade fenotípica. Classicamente, a Gaucher é dividida em três formas principais, no entanto, há uma gama de achados que se sobrepõem entre as formas. A tipo I é a forma mais prevalente e a que ocorre com maior frequência na população de judeus Ashkenazi. As tipo II e III são menos comuns e ocorrem em todas as etnias. O tipo I distingue- -se do tipo II e III pelo não envolvimento do sistema nervoso central, embora al- guns estudos documentem a presença de manifestações neurológicas, geralmente sutis e diferentes daquelas observadas nos tipos II ou III, em pacientes com tipo I. Pacientes com Gaucher que apresentam envolvimento neurológico clássico (DG neuronopática) são designados como tipo II ou tipo III, de acordo com a natureza – aguda (tipo II) ou crônica (tipo III) – da apresentação clínica. Algumas manifestações clínicas são comuns a pacientes com os três tipos de DG como hepatoesplenomegalia, anemia, trombocitopenia, dor óssea, osteopenia e retardo de crescimento. As manifestações mais comuns das formas neuronopá- ticas são atraso do desenvolvimento, estrabismo, paralisia do olhar horizontal, demência progressiva, ataxia e mioclonias (tipo III) e hidropsia fetal não imune, icterícia colestática e ictiose congênita (tipo II). A Gaucher parece ser fator de risco para o desenvolvimento de outras comorbidades como doença de Parkinson e Mieloma Múltiplo. O diagnóstico defi nitivo de Gaucher requer confi rmação da atividade defi ciente da glicocerebrosidase em leucócitos ou fi broblastos, preferencialmente associada ao aumento da enzima quitotriosidase em plasma (esse último critério não é obri- Hepatoesplenomegalia, anemia, trombocitopenia, dor óssea, osteopenia e retardo de crescimento, são manifestações clínicas comuns aos doentes de Gaucher Gaucher 91 Gaucher Para saber mais www.mayoclinic.com/health/gauchers-disease/DS00972 http://www.vidasraras.org.br/site/ gatório, uma vez que 6% dos indivíduos apresentam atividade reduzida da quitotriosidase). In- divíduos com suspeita clínica e níveis enzimáticos não característicos, ou que foram testados somente por meio de papel-fi ltro, requerem confi rmação do diagnóstico por meio da análise molecular do gene GBA. O tratamento de escolha para a Gaucher é a terapia de reposição enzimática (TRE), realizada por meio de aplicação endovenosa de enzima recombinante, a cada 15 dias (duas vezes por mês). Existem atualmente três enzimas recombinantes: a imiglucerase, a alfavelaglicerase e a alfataliglicerase. Tais enzimas parecem ser similares em termos de efi cácia, mas apresentam di- ferenças em termos de segurança (embora a maioria dos pacientes não venha a apresentar efeitos adversos graves qualquer que seja o produto utilizado). Existe, também, a terapia de redução de substrato (TRS) com miglustate, de administração oral, que visa a diminuir a síntese do glico- cerebrosídeo. De acordo com a literatura, a escolha da estratégia de tratamento a ser utilizada, e também da dose da enzima a ser aplicada, deve ser individualizada e baseada nas manifestações clínicas dos pacientes – é fundamental que o paciente seja constantemente monitorado a fi m de ser identifi cado o seu esquema ótimo de tratamento. Outros tratamentos estão em desenvolvi- mento e representam uma perspectiva futura de tratamento, incluindo o uso de chaperonas a te- rapia génica e o transplante de células-tronco. Eventualmente esses novos tratamentos poderão ser utilizados de forma complementar à TER ou à TRS. ■ Geneticista, especialista em Genética Médica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Mestre em Ciências Médicas: Medicina pela UFRGS Filippo Vairo ■ Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular, UFRGS ■ Laboratório BRAIN, Centro de Pesquisa Experimental, HCPA Ida Vanessa D. Schwartz G Doença Doença 92 Os sarcomas do aparelho digestivos são entidades raras e cursavam invariavelmente para o óbito, poucos meses após o diagnóstico. A cirurgia era a única forma de tratamento resumindo-se a tanto a ressecções amplas da lesão primária (envolvendo outros órgãos) e nas recidivas. A quimioterapia e radioterapia, isoladas ou associadas, pouco contribuíam para aumentar o tempolivre de doença. As taxas de resposta não excediam os 5%. Com a incorporação dos conhecimentos da imunohistoquímica e da biologia molecular identifi cou-se um tipo específi co entre os sarcomas do trato digestivo que expressa uma proteína específi ca identifi cada pelo CD 117, denominada KIT. Essa caracterização permitiu uma nova classifi cação em 1999 proposta por Hirota e colaboradores. Portanto, hoje os tumores estromais gastrointestinais – GIST – são sarcomas que expressam a proteína KIT em mais de 95% dos casos. Com essa ideia, vários pesquisadores estão recuperando casos anteriores a 1999 e realizan- do o estudo imunohistoquímico e, consequentemente, um número signifi cativo de casos de leiomioblastomas, leiomiossarcomas, schwanomas e outros sarcomas migraram para GIST. Mas qual é a real importância prática desta “nova doença”. Em 2002, houve um grande avanço na terapia oncológica destes tumores. A iden- tifi cação da KIT e o consequente conhecimento de que o receptor transmembrana tirosino- quinase era parte fundamental no processo de divisão celular permitiram, quase que acidentalmente, a utilização de uma terapia específi ca, via oral, de blo- queio da atividade desenfreada dessa tirosino-quinase. A droga alvo denominada Mesilato de Imatinibe mudou a história desta afecção. Os estudo iniciais demonstraram uma taxa de resposta de 85%. Em tempo recorde esta nova arma contra os GIST foi aprovada para uso clínico pelo F.D.A. Hoje,os GIST podem ser tratados de forma neoadjuvante, nos casos de tumores grandes e irressecáveis, ou de forma complementar e até adjuvante e mostram uma signi- fi cativa melhora no tempo de progressão tumoral. Consequentemente, a sobrevi- vência, mesmo dos casos de doença metastástica, aumentou signifi cativamente Os tumores estromais gastrointestinais – GIST – são sarcomas que expressam a proteína KIT em mais de 95% dos casos GIST 93 GIST Para saber mais www.huc.min-saude.pt/imagiologia/biblio_data/RB_Tumores_Estroma_ Gastrointestinal_GIST.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ (de 6 meses para, até 6 anos). Infelizmente, a utilização do Mesilato de Imatinibe noutros tumores que são KIT positivo não apresentaram os mesmos resultados e a melhor explica- ção seria a de que, provavelmente, essa proteína transmembrana não participa diretamente no processo neoplásico. A expectativa na era Imatinibe é entender melhor os mecanismos de resistência e de mutação das células tumorais do GIST, pois já se encontram casos que apresentam resistência inicial ou adquirida com o tratamento. Mesmo assim, a con- tribuição do Mesilato de Imatinibe já vez história na medicina com sua forma de atuação específi ca (terapia alvo) e direcionada, acarretando poucos efeitos colaterais para uma droga quimioterápica e tendo a via oral uma forma tranquila de administração. Portanto, os tumores estromais gastrointestinais de expressão KIT é uma classifi cação deste sarcoma específi co e uma nova forma de tratamento oncológico. ■ Professor Adjunto, Chefe do Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno da Dis- ciplina de Gastroen- terologia Cirúrgica, Departamento de Cirurgia - UNIFESP ■ Vice-presidente da Associação Brasileira de Câncer Gástrico. ■ Fellow da Baylor College of Medicine, Houston, Texas. ■ Coordenador do Serviço de Cirurgia Geral, Gastro e Proctologia do Hospital do Rim e Hipertensão - Fundação Oswaldo Ramos - UNIFESP. Laercio Gomes Lourenço Sarcomas G Doença Sarcomas 94 O GCP apresenta incidência geral de 1 para cada 10.000 nascimentos, podendo variar entre populações e continentes. (Sarfarazi et al, 2003). A maioria dos casos de GCP (75%) é bilateral, mais de 80% dos casos manifesta-se clinicamente no primeiro ano de vida, dos quais 25% são diagnosticados no período neonatal e 60% nos primeiros 6 meses de vida. Em um estudo realizado no Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas – FMUSP no setor de visão subnormal, a principal causa de baixa visão encontrada foi o Glaucoma Congênito Primário (30,6%). Outro estudo retrospectivo sobre as causas de baixa visão em crianças realizado por Kara-José et al., o glaucoma congê- nito foi uma importante causa de perda visual. Estas evidências mostram que apesar de ser uma doença rara, a incidência geral é de um para cada 10.000 nascimentos. O glaucoma congênito é uma doença que o diagnóstico precoce e o rápido tratamento pelo oftalmologista vão infl uenciar no melhor prognóstico visual do paciente e pre- venção à cegueira infantil. Por isto, a importância do encaminhamento pelo pediatra e oftalmologista geral em reconhecer e encaminhar o caso, com suspeita de glauco- ma congênito, logo que possível ao especialista. A etiologia molecular de Glaucoma Congênito Primário (GCP) é apenas parcial- mente compreendida, pois apenas alguns genes responsáveis por GCP foram identi- fi cados. As mutações no CYP1B1, que codifi ca uma enzima citocromo P450, são a causa mais comum de GCP autossômico recessivo em todo o mundo, representando até 87% dos casos familiares em algumas populações consanguíneas, mas apenas 25% -27% nas populações com etnia heterogênea. Recentemente foram identifi cadas mutações TEK em pacientes com PCG, que provavelmente, estão sujeitos à doença e são transmitidos em um padrão autossômico dominante com expressividade variá- vel. A tríade sintomática classicamente descrita no glaucoma congênito primário é cons- tituída por fotofobia, epífora e blefaroespasmo. Para fi ns de diagnóstico, buftalmo (aumento do globo ocular) com edema de córnea, escavação do nervo óptico e au- mento da pressão intraocular são claras evidências de glaucoma pediátrico. Outros sintomas relevantes são: Fotofobia, dobras lineares na membrana de Descemet da Glaucoma pediátrico abrange diversas entidades � siopatológicas, é caracteriza- do pela presença de pressão intraocular (PIO) elevada, que representa um fator de risco para lesão do nervo óptico e perda de campo visual subseqüentes. Glaucoma Pediátrico 95 Glaucoma Pediátrico ■ Médica especialista em Oftalmologia pela Santa Casa -SP, especializou-se em Glaucoma no New England Eye Center, Boston – EUA e Genética Ocular no Wilmer Eye Institute - Johns Hopkins Hospital (U.S. News America’s Best Hospitals) ■ Completou seu doutorado em 2003 na UNIFESP, recebendo o título de PhD em Oftalmologia. Chefe do setor de Genética Ocular , responsável pelo diagnóstico e aconselhamento genéticos das doenças oculares hereditárias no Hospital das Clínicas – FMUSP ■ Membro da Sociedade Brasileira de Glaucoma, Sociedade Brasileira de Lentes de Contato, Córnea e Refratometria, Colégio Brasileiro de Oftalmologia. Dra Simone Finzi córnea, geralmente no sentido horizontal ou concêntrico ao limbo (Estrias de Haab), miopia e am- bliopia anisometropia. O tratamento do glaucoma congênito primário é cirúrgico e deve ser realizado logo após o diag- nóstico. O bom prognóstico está relacionado com o início tardio dos sintomas e a precocidade do tratamento cirúrgico. As opções de tratamento cirúrgico incluem, inicialmente, a trabeculotomia ou a goniotomia, com taxas de sucesso semelhantes. A trabeculotomia ou a goniotomia podem ser repetidas em áreas não operadas para adquirir con- trole dos níveis pressóricos. No caso de falência, realiza-se a trabeculectomia com metabólito. Os tubos de drenagens e procedimentos ciclodestrutivos são reservados a casos refratários. O tratamento clínico é coadjuvante no glaucoma pediátrico, e pode ser realizado com beta-blo- queadores, inibidores da anidrase carbônica (tópico e oral) e análogos da prostaglandinas. Os alfa-2 agonistas são menos utilizados devido toxicidade sistêmica principalmente em crianças abaixo de dois anos de idade. Os beta-bloqueadores é o tratamento padrão no tratamento congênito. Devido a efeitos colaterais cardio respiratórios, a oclusão do ponto lacrimal deve ser orientada aos pais. Também existem estudos comprovando a efi cácia dos inibidores daanidrase carbônica. Deve-se ter cuidado quando utilizado via oral em crianças pelo risco de acidose metabólica. Recentemente tem aumentado o uso dos análogos de prostaglandinas. A resposta ao tratamento com análogos da pros- taglandinas é maior em pacientes com idade mais avançada e no Glaucoma Juvenil. Por último, deve-se lembrar que o paciente com diagnóstico de glaucoma congênito nunca recebe alta, pois o descontrole da doença pode ocorrer mesmo após vários anos de níveis pressóricos adequados. G Doença Doença 96 A incidência estimada é de 1:20.000 a 1:25.000 nativivos. As formas mais comuns são tipos I, II, III e, entre os tipos com acometimento hepático, os mais comuns são tipo I, III e IX. Não há dados brasileiros de incidência, sendo subestimada pela falta de acesso aos métodos diagnósticos. Sugere- As Glicogenoses constituem um grupo de doenças hereditárias, nas quais ocorre defeito na atividade das enzimas responsáveis pelo armazenamento ou liberação do glicogênio. A Glicogenose pode ser hepática (acomete somente o fígado), musculares (acomete somente o músculo) e as hepáticas e musculares. Há grande heterogeneidade genética e variabilidade clínica. Na Tabela 1 constam os tipos de glicogenoses hepáticas , enzimas de� cientes, padrões de herança, genes responsáveis e os principais achados clínicos. Neste capitulo vamos abordar as glicogenoses hepáticas Glicogenoses Hepáticas Tipo (MIM) 0,forma hepática (240600) Ia (232200) Ib (232220) IIIa e IIIb (232400 IV (232500) VI (232700) Enzima defi ciente Glicogênio sinta- se (hepática) Glicose-6-fosfatase Transportador de Glicose-6-fosfato Enzima desramifi ca- dora de glicogênio Enzima ramifi cadora de glicogênio Glicogênio fosforila- se hepática Manifestações clinicas Hipoglicemia cetótica ao jejum, hiperglicemia, hiper- lactacidemia e hiperlipide- mia pós-prandial. Ausência de hepatomegalia. Hipoglicemia, hepatomega- lia, retardo do crescimento, acidose lática, hiperurice- mia e hiperlipidemia Idem Ia, acompanhando de neutropenia (infecções recorrentes, doença infl a- matória intestinal) Hepatomegalia, hipogli- cemia cetótica; retardo de crescimento, hiperlipi- demia, elevação da AST e ALT, CPK. Fraqueza muscular e cardiomiopatia ocorrem no subtipo IIIa Hepatomegalia, retardo do crescimento e cirrose Hepatomegalia, retardo do cres- cimento, hipoglicemia, hiperlipi- demia e hipercetose leves Herança AR AR AR AR AR AR Gene GYS2 G6PC SLC37A4 AGL GBE1 PYGL 97 Glicogenoses Hepáticas -se que os tipos mais frequentes são tipos I e o III. (941 caracteres) Quadro clínico: A hipoglicemia é a principal manifestação, podendo causar grave risco de vida, pois o cérebro, musculo, coração necessitam de muita energia proveniente da glicose. Os sintomas da hipoglicemia agudaincluem fome, tremores, irritabilidade, sudorese fria, fadiga constante, sono- lência, perda de consciência podendo evoluir para convulsão. Cronicamente podem surgir nódulos no fígado e nefromegalia pelo acúmulo de glicogênio não metabolizado. Glicogenose tipo Ia (ou doença de Von Gierke): é causada pela defi ciência da enzima Glicose-6- -fosfatase (G6Pase), que se expressa principalmente no fígado, rins e intestino. Os pacientes apre- sentam face de boneca, hepatomegalia, diarreia crônica, esteatose hepática e défi cit de crescimento. Os exames laboratoriais demonstram hipoglicemia, hiperlactatemia, hipercolesterolemia, hipertri- gliceridemia e hiperuricemia. A maioria dos pacientes pode ser diagnosticada por meio de testes bioquímicos e genéticos (análise de mutações no gene G6PC). Glicogenose tipo Ib é causada por uma alteração no transportador de glicose-6-fosfato (G6PT), sendo menos frequente que o tipo Ia. Os sintomas podem estar presentes ao nascimento ou nas primeiras semanas de vida, sendo mais comum a hepatomegalia ou convulsão associada à hipo- glicemia aos 3 – 4 meses de vida. Além das manifestações da glicogenose Ia, os pacientes podem apresentar neutropenia, infecções de repetição, anemia e doença infl amatória intestinal (Crohn Like). O diagnóstico pode ser estabelecido pela análise da enzima medida no fígado (atualmente pouco realizada) ou pela pesquisa de mutações nos genes SLC37A4 (Ib). Tratamento: Alimentação frequente com alimentos que mantenham níveis normais de glicemia evi- tando deposito de glicogênio no fígado, como amido de milho cru a cada 3-6 horas dependendo de cada caso e tolerância ao jejum. A dieta deve ter exclusão de sacarose, frutose e lactose. Indica-se suplementação com vitaminas B, C e D. Os pacientes que não seguem a dieta corretamente podem evoluir com tumores, litíase renal, proteinúria e défi cit de crescimento. IXa1 e IXa2 (306000) IXb (261750) IXc (613027) XI (227810) AR=autossômica recessiva; LXR= ligada ao X recessiva Fontes:(Kishnani et al 2010; Hicks et al 2011; Dagli et al 2012; Bali et al 2013; Chen et al 2015; Kishnani et al 2014) Fosforilase quinase (subunidade alfa) Fosforilase quinase (subunidade beta) Fosforilase quinase (subunidade gama) Transportador de glicose-2 Hepatomegalia, hipoglicemia cetótica ao je- jum, retardo do crescimento, elevação de AST/ ALT e hiperlipidemia leves Semelhante IXa Semelhante IXa e cirrose hepática Hipoglicemiabaixa estatura, raquitismo e abdome protuberante devido ao aumento do tamanho do fígado e rins LXR AR AR AR PHKA2 PHKB PHKG2 GLUT2 *Carolina Fischinger Moura de Souza Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ G Doença Doença 98 A doença Granulomatosa Crônica (dGC) é uma imunodefi ciência primária rara, com incidência próxima de 1/200 000 -1/250 000 nascidos vivos por ano, onde o defeito básico encontra-se nos leucócitos (neutrófi los, monócitos e macrófagos - fagócitos), que apresentam função fagocitária defi ciente. Estas células são essenciais na resposta inicial da imunidade inata contra infecções e agressões. Os fagócitos dos pacientes com dGC, apesar de número nor- mal, apresentam defeito em sua ação microbicida, pelo defeito na produção de ânion superóxido e metabólitos, especialmente o peróxido de hidrogênio. Os pacientes po- dem sofrer infecções bacterianas e/ou por fungos com risco de vida e apresentam também tendência à formação de granulomas em vários tecidos. Os primeiros casos foram descritos em meninos e relacionados ao cromossomo X, correspondendo a 2/3 dos casos, sendo descritos como uma doença ligada ao cromossomo X, que corresponde ao defeito na proteína gp91-phox. Hoje são re- conhecidos outros quatro defeitos moleculares nos genes autossômicos recessivos (p22-phox, p47-phox, p67-phox e 40-phox) que correspondem a 1/3 dos casos de dGC, tanto em meninas como em meninos. São descritos mais de 400 mutações na dGC, o que explica a variedade de formas clínicas mais leves (formas autossômicas recesssivas (AR) ou formas mais graves (ligadas ao X). A suspeita clínica da dGC se faz especialmente em meninos com infecções graves de início precoce (antes do primeiro ano de vida) e que atingem a pele, pulmões, ór- gãos internos e ossos com tendência à formação de abscessos. Os agentes infecciosos mais frequentes são os Staphylococcus, Serratia marcescens, Burkholderia cepacia e fungos (em especial o Aspergillus) entre outros. Abscessos no fígado podem ocor- rer em até 35% dos casos e merecem atenção especial em relação à sua drenagem cirúrgica e uso de antibióticos por tempo prolongado. O diagnóstico da dGC baseia-se no estudo da função dos fagócitos que se encontra reduzida na sua capacidade de produzir radicais de oxigênio sendo usados o teste de redução do corante NBT (nitroblue tetrazolium) e o teste de redução da di-hidroro- damina (DHR) pela citometria de fl uxo. A busca ativa de processos infecciosos nos pacientes com dGC deve ser sempre realizada em pacientes com febre e com alteração nas provas de fase ativa (VHS e A suspeita clínica da dGC se faz especialmente em meninos com infecções graves de início precoce (antes do primeiro anode vida) e que atingem a pele, pulmões, órgãos internos e ossos com tendência à formação de abscessos Granulomatosa Crônica 99 Granulomatosa Crônica ■ Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo e Mestre em Pediatria pela Universidade de São Paulo e Doutorado em Ciências ■ Assistente da Unidade de Alergia e Imunologia do Dept. de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP ■ Doutorado pelo Dept.cde Pediatria da FMUSP ■ Experiência na área de Medicina, com ênfase em Pediatria, Alergia e Imunologia atuando, principalmente, nos seguintes temas: criança, adolescente, asma, imunode� ciências e alergias ■ Assistente da Unidade de Alergia e Imunologia do Dept. de Pediatria – HCFMUSP - São Paulo António Carlos Pastorino Para saber mais www.scielo.br/ http://www.vidasraras.org.br/site/ PCR elevados) e o seu tratamento precoce deve ser agressivo com antibióticos e/ou anti-fúngicos pela via endovenosa, de forma prolongada. Estão indicados como profi láticos o Sulfametoxazol- -Trimetoprim (SMZ-TMP) na dose de 5mg/Kg/dia de trimethoprim e o Itraconazole na dose de 100mg/dia em menores do que 13 anos e 200mg/dia em maiores de 13 anos ou > 50Kg. Essa con- duta profi lática modifi cou o prognóstico e a evolução dos pacientes com dGC, com melhora dos processos infecciosos. Outros achados frequentes na dGC incluem complicações infl amatórias crônicas na pele, intesti- nais e genitourinárias, especialmente doença infl amatória intestinal e granulomas em vários órgãos, muitas vezes tratados com baixas doses de corticosteroides via oral (prednisona -1mg/kg/dia por 1-2 semanas), com manutenção de doses menores por 1-2 meses. O transplante de células hematopoé- ticas tem sido utilizado em diversos centros e considerado curativo na dGC, com maior sucesso em crianças, podendo apresentar bons resultados em até 90% dos casos. Um estudo que descreveu 429 pacientes com dGC na Europa, entre 1954 e 2002, mostrou que a idade média do óbito foi de 37,8 anos nos casos ligados ao X e de 49,6 anos nos casos AR, sendo as pneumonias complicadas e a sepse as causas mais comuns de óbito. A alimentação deve priorizar alimentos cozidos e dieta laxante para evitar abscessos periretais. Na higiene corporal, é importante promover e lavagem cuidadosa de ferimentos com água e sabão, além do uso de água oxigenada para evitar infecções. Deve ser proibido manusear a terra e jardi- nagem com adubos orgânicos nos pacientes com dGC, além de evitar nadar em piscinas aquecidas ou águas salobras pela possibilidade de aspiração do Aspergillus. Cuidados gerais como promover vacinação de rotina com vacina de vírus vivos atenuados e infl uenza e contraindicar a vacinação da BCG também são pontos importantes do tratamento dos pacientes com DGC. G Doença Doença hhhhhh 102 A Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma doença rara, po- tencialmente fatal, progressivamente debilitante e caracterizada pela hemólise crônica e descontrolada e pela ativação plaquetária, me- diadas pelo complemento. Estes eventos estão associados a um risco significativo de mortalidade precoce, trombose fatal e baixa qualidade de vida. 35% dos pacientes com HPN morriam em 5 anos do diagnóstico, mesmo quando recebendo medidas de suporte ótimas, sendo a trombose a principal causa de morte. Outras complicações graves e potencialmente fatais da doença incluem doença renal crônica, hipertensão pulmonar, dispneia, dor torácica, dores abdo- minais e fadiga independente da anemia. A HPN é resultado da expansão clonal, na medula óssea, de células-tronco hematopoiéticas que apresentam mutações somáticas no gene fosfatidilinositol glicano classe A (PIG-A), ligado ao cromossomo X, levando a uma deficiência em proteínas ancoradas pelo glicosilfosfatidilinositol (PA-GPI), CD55 e CD59, que regulam a atividade do complemento na superfície celular. A deficiência ou a falta dos PA-GPI nas células sanguíneas leva à ativação do complemen- to e hemólise descontroladas. O tamanho do clone (quantidade de células sem expressão de PA-GPI) parece ter pouca influência sobre o nível ou o tipo das complicações que os pacientes individuais apresentam. A citometria de fluxo com leucócitos e hemácias é o método diagnóstico de escolha, e devem ser pesquisados pacientes dos grupos de risco: falências medu- lares (anemia aplástica e mielodisplasia), anemia hemolítica coombs negativo, citopenia e trombose sem explicação, hemoglobinúria e os fatores prognósticos podem ser úteis no direcionamento das estratégias de control. Até recentemente, a HPN era inadequadamente controlada por meio de tratamentos de suporte e pa- liativos (transfusões e uso de anticoagulantes), mas esses tratamentos não eram eficientes, como demonstrado pela mortalidade de 30% a 50% dos pacientes 10 anos após o diagnóstico. O transplante de medula óssea e a terapia imunos- supressora são considerados opções em alguns pacientes com disfunção muito A HPN é resultado da expansão clonal, na medula óssea, de células-tronco hematopoiéticas que apresentam mutações somáticas Hemoglobinúria Paroxística Noturna 103 Hemoglobinúria Paroxística Noturna ■ Medicina pela UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), residência em Hematologia- -Hemoterapia pela UFTM ■ Doutorado em Hematologia pela UNIFESP (Universi- dade Federal de São Paulo), em Hemoglobinuria Paroxistica Noturna (HPN) ■ Hematologia do Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos, São Paulo Rodrigo Pavani grave da medula óssea. Uma nova abordagem é a administração de Eculizumabe, um inibidor do complemento terminal, que leva a uma inibição rápida e prolongada do complemento e da hemólise, me- dida por reduções significativas dos níveis de lactato desidrogenase (LDH) em uma semana e que é prolongada por oito anos de tratamento. Esta redução levou à melhora dramática da morbidade clínica e das complicações potencialmente fatais. A eficácia clínica e a segurança de Eculizumabe foram demonstradas em três estudos principais com 195 pacientes com HPN e em seus prolongamentos, e em outros estudos. Portanto, a HPN é uma doença insidiosa e potencialmente fatal e as estratégias de bloqueio do complemento abrem uma perspectiva nova no manejo dos pacientes portadores de tão grave enfermidade. Para saber mais www.scielo.br/pdf/ramb/v56n2/a22v56n2.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ H Doença Doença 104 O aumento do ACTH leva ao acúmulo dos precursores imediatamente anteriores ao bloqueio enzimático, e dependendo do ponto de blo- queio, leva à formação de compostos virilizantes. A forma mais co- mum da HCSR é devido à deficiência da enzima 21- hidroxilase (21- OH), que promove a conversão de 17-hidróxi-progesterona (17OHP) a 11-desóxi cortisol. O acúmulo da 17OHP desvia a síntese para compostos androgênicos, e ocorre virilização intra-útero. QUADRO CLÍNICO: há 3 formas: (1) clássica não perdedora de sal: o defeito enzimático prejudica somente a via produtora de cortisol e poupa a via mineralocorticóide (virilizante simples). (2) clássica, perdedora de sal: é a forma mais grave, na qual, além da viriliza- ção, ocorre deficiência de mineralocorticóides, causando desidratações hipona- trêmicas graves, podendo levar a choque hipovolêmico e óbito. A virilização de fetos femininos é uma das causas mais frequentes de natvivos com ambiguidade genital. Nos meninos, o quadro de virilização não chama a atenção. Se a criança não for perdedora de sal, pode não ser diagnosticada, exceto quando apresenta pubarca precoce. (3) não clássica: o defeito enzimático é mais discreto e os sintomas ocorrem ao redor do quarto ano de vida, com pilificação pubiana (diagnóstico diferencial das pubarcas precoces). A incidência da HCSR é de 1:5.000 a 15.000 nativivos (forma clássica) na po- pulação caucasiana; e 1% (forma não clássica). INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA: A 17OH-progesterona é dosada em sangue colhido no papel de filtro no teste de triagem neonatal, permitindo o diagnóstico precoce,especialmente das formas graves, perdedoras de sal, com risco de vida. O diagnóstico pode ser confirmado pela pesquisa de mutações no gene CYP21, que codifica a 21-OH. As mutações incluem deleções, grandes conversões gêni- cas ou mutações de ponto. Há boa correlação genótipo/fenótipo. A hiperplasia congênita de supra-renal (HCSR) constitui um grupo de doenças genéticas de herança autossômica recessiva na qual, a de� ciência de enzimas da via metabólica do cortisol impede sua formação em quantidade adequada para promover a retroinibição do Hormônio Adrenocorticotró� co Hipo� sário (ACTH). Hiperplasia Congênita de Supra-Renal 105 Hiperplasia Congênita de Supra-Renal TRATAMENTO: Reposição com glicocorticóides (nas formas clássicas virilizantes simples, e em alguns casos da forma não clássica) e mineralocorticóides (nas formas clássicas per- dedoras de sal). O glicocorticóide de eleição é a hidrocortisona, administrada na dose de 10 a 15mg/m2, via oral, dividida em três doses. Quando se associa um mineralocorticóide, a medicação usada é a 9-alfa-flúor-hidrocortisona em doses que variam de 0,05 a 0,2mg/dia, associada a suplementação de sódio. Nos pacientes em que ocorreu descompensação com risco de choque hipovolêmico, o tratamento além da reposição de volume, consiste em do- ses mais elevadas de hidrocortisona (50-100mg/m2, via endovenosa) e mineralocorticóides. Muitas vezes, é necessária a correção prévia do sódio, que pode estar perigosamente baixo Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Professor livre-docente pela USP ■ Chefe da unidade de Endocrinologia Pediátrica do ICR-HC-FMUSP ■ Editor senior do International Journal of Pediatric Endocrinology ■ Membro do departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria ■ Presidente do Comitê Paulista de Endocrinologia Pediátrica Durval Damiani H Doença Doença 106 A Hipocalémia Hipertensiva Recessiva ou excesso aparente de mineralocor- ticóides (AME) ou síndrome de Ulick é uma forma rara de pseudo hi- peraldosteronismo autossômico recessivo. Até o presente, menos de 100 casos foram relatados. O AME é caracterizado por baixo peso ao nascer, poliúria e polidipsia, atraso de crescimento, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e hipocalemia graves, alcalose metabólica e, frequentemente, nefrocalcinose. Apesar do quadro clínico sugerir uma síndrome de excesso de mineralocorticóides, os pacientes apresentam concentrações baixas ou normais de aldosterona e baixos níveis de ativi- dade de renina plasmática. A doença manifesta-se nos primeiros anos de vida e foram descritos casos de acidente vascular cerebral (AVC) antes dos 10 anos de idade em crianças não tratadas. O AME é causado por mutações inativadoras em homozigose ou em heterozigose composta no gene que codifi ca a enzima 11β-hydroxiesteroide desidrogenase do tipo 2 (11β-HSD2, gene HSD11B2) no cromossomo 16q22. Esta enzima é responsável pela conversão de cortisol em cortisona e está presente, principalmente, em tecidos-alvo dos mineralocorticóides como os rins, tecido vascular e cérebro. O cortisol pode agir como estimulante do receptor do mineralocorticóide (MR) pela sua alta afi nidade de ligação com este receptor, cujo ligante natural é a aldosterona. Em contraste, a cortisona não apresenta efeitos sobre o MR. Desta forma, a enzima 11β- HSD2 promove, em grande parte, a especifi cidade do MR pela aldosterona. A perda da atividade da 11β-HSD2, que ocorre na AME, ocasiona uma estimulação excessiva do MR pelo cortisol, seguida por uma expressão aumentada do canal de sódio epitelial (ENaC) e da bomba Na/K-ATPase no túbulo coletor cortical, resultando em retenção de sódio e perda urinária de potássio. O diagnóstico de AME é baseado nos achados clínicos, principalmente hiperten- são arterial e hipocalemia grave nos primeiros anos de vida, associadas a concentra- ções normais ou baixas de aldosterona e da atividade de renina plasmática. Para a confi rmação diagnóstica, é necessária a comprovação de um aumento importante na relação cortisol/cortisona plasmáticos, por meio da dosagem de seus metabolitos uri- nários tetrahidrocortisol e tetrahidrocortisona. Em indivíduos normais, esta relação é próxima a 1, porém, em indivíduos com AME, esta relação pode variar entre 6 e 33.9 Outra maneira de evidenciar a defi ciência de atividade da 11β- HSD2 é a medida de A Hipocalémia Hipertensiva Recessiva ou AME é causado por mutações inativadoras em homozigose ou em heterozigose composta e os pacientes apresentam concentrações baixas ou normais de aldosterona e baixos níveis de atividade de renina plasmática Hipocalémia Hipertensiva Recessiva 107 Hipocalémia Hipertensiva Recessiva ■ Médico graduado pela Universidade Federal de Santa Maria-RS ■ Pós-doutorado na Universidade de Montreal, Canadá ■ Orientador de Mestrado e Doutorado na FMRP–USP Sonir R. Antonini ■ Médico graduado pela Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro ■ Mestrado e Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente na FMRP–USP Fabio Luiz Fernandes Rosa geração de água triciada no plasma, na presença de [11-3H]-cortisol. No estudo de uma série de 14 indivíduos com AME, a taxa de conversão do cortisol em cortisona foi de 0–6%; já em indivíduos normais esta taxa de conversão atinge 90–95%. Uma forma mais leve de AME (AME2), em que os indivíduos apresentam sinais mais leves e relação cortisol/cortisona normal foi descrita. Nestes casos, a avaliação do gene HSD11B2 pode confi rmar o diagnóstico. A triagem genética para irmãos de pacientes com AME é indicada logo após o nascimento, sendo que os portadores de mutações no gene HSD11B2 necessitam de seguimento sistemático para detecção e tratamento precoce da HAS e/ou das alterações eletrolíticas. O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com a síndrome de Liddle, uma forma de pseudo hiperaldosteronismo, caracterizada por HAS e hipocalemia causadas por mutações ativadoras dos genes codifi cadores das subunidades do canal ENaC. Outros diagnósticos diferenciais devem ser feitos com HAS de causa renal e, bem menos frequente no nosso meio, com intoxicação por alcaçuz. O tratamento consiste numa dieta pobre em sódio, associada a uso de diuréticos poupadores de potássio e suplementação de potássio. Entre os diuréticos poupadores de potássio, a espironolactona pode ser usada para bloquear o MR e pode ser associada a baixas doses de tiazídicos para o controle da pressão arterial e redução da hipercalciúria. Doses elevadas de tiazídicos, entretanto, não devem ser utilizadas por favorecerem a perda urinária de potássio. Outro diurético poupador de potássio potencialmente útil no tratamento é a amilorida, fármaco que bloqueia o canal ENaC. Agentes anti- -hipertensivos como os antagonistas do canal de cálcio podem ser necessários para o controle da pressão arterial. Uma forma de terapia complementar seria o uso de dexametasona, visando o blo- queio da secreção de ACTH e supressão do cortisol endógeno. Apesar de apresentar efeito aditivo no tratamento da HAS, esta terapia apresenta pouco efeito sobre o cortisol urinário e sobre as con- centrações de cortisona e corticosterona. Para saber mais www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=PT&Expert=320 http://www.vidasraras.org.br/site/ H Síndrome Síndrome 108 A HPP é causada por mutações no gene ALPL (tissue-nonspecifi c alkaline phosphatase) localizado em 1p36, que desempenha papel importante na mineralização, sendo responsável pela hidrólise do pirofosfato inorgânico. Há também alteração no metabolismo da vitamina B6. Quadro clínico: Há seis formas conforme a idade de início das manifestações e gra- vidade: (1) pré-natal grave: ausência da mineralização intra-uterina em membros e tórax, cra- niossinostose e epilepsia responsiva à vitamina B6. (2) pré-natal benigna: desmineralização intra-uterina dos ossos longos poupando tó- rax e abdome. Os pacientes evoluem para uma das formas levesdo lactente. (3) lactente: início antes do sexto mês de vida; défi cit pôndero-estatural, raquitismo, craniossinostose, epilepsia responsiva à vitamina B6; e hipercalcemia. (4) infantil: manifesta-se após seis meses, perda precoce e indolor dos dentes (antes dos 5 anos), craniossinostose, raquitismo, dor e fraqueza muscular apendicular. (5) adulta: osteomalácia após 5ª década; fraturas recorrentes e de difícil consolidação, frauras de metatarsos por estresse, , pseudofraturas femorais, queda dentária, degene- ração da cartilagem articular e ossifi cação de ligamentos. (6) odontohipofosfatasia: perda precoce da dentição primária e/ou cáries graves sem manifestações esqueléticas. Diagnóstico: Os achados radiológicos incluem graus variáveis de desmineralização, alterações metafi sárias sugestivas de raquitismo como craniosinostose, “línguas” ra- diotransparentes em metáfi ses e osteoesclerose. O principal achado laboratorial é a redução da FA sérica e correlação inversa com a gravidade da doença. A calcemia e a fosfatemia estão no limite superior, ou pode haver hipercalcemia e/ou hiperfosfate- mia, hipercalciúria e nefrocalcinose. Tratamento: Os pacientes das formas pré-natal e do lactente frequentemente reque- rem assistência ventilatória. Para correção da hipercalcemia é necessário restrição de A hipofosfatasia (HPP) é um erro inato do metabolismo caracterizada por defeito na mineralização óssea e/ou dentária com baixa atividade sérica e óssea da fosfatase alcalina (FA). Há duas formas de herança: autossômica recessiva nas formas pré-natal (OMIM#241500) e do lactente (OMIM#241510), e autossômi- ca dominante na forma adulta e na odontohipofosfatasia (OMIM#146300). A prevalência na Europa das forma grave e moderadamente grave é de 1: 300.000 e 1: 6.370 indivíduos, respectivamente. Hipofostasia 109 Hipofostasia cálcio, hidratação, diuréticos de alça e glicocorticóides. Os aminobisfosfonatos não estão indicados, pois pioram a mineralização. A administração da fosfatase alcalina humana recombinante (asfotase alfa) subcutânea em pacientes das formas pré-natal, do lactente e da infância resultaram em melhora da mineralização. A medicação foi aprovada no Japão, Canadá, Europa e Estados Unidos. Prognóstico: A forma pré-natal é geralmente fatal. Metade dos pacientes com forma lactente evo- luem ao óbito por insufi ciência respiratória; mas podem melhorar espontaneamente.A forma infantil melhora após o fechamento da placa de crescimento; contudo pode ocorrer recrudescência na vida adulta. ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das s ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ H Síndrome Síndrome 110 A doença de Huntington (dH) é uma doença neurodegenerativa here- ditária que geralmente se manifesta em adultos entre os 30 e os 40 anos de idade. Estima-se que sua prevalência na população Mundial gire em torno de 10 a 15 casos para cada 100 000 habitantes po- rém, em algumas regiões de exceção do globo, como em áreas ao redor do lago Maracaibo na Venezuela e na Escócia, ela ocorre numa frequência até 50 vezes maior. A dH é transmitida por herança autossômica dominante e a mutação apre- senta penetrância completa. Dessa forma, qualquer descendente de um paciente acometido tem 50% de chance de herdar a mesma doença e todo o portador da mutação virá a apresentar a doença em algum momento da sua vida. No início dos anos 90, determinou-se que a mutação genética responsável pela dH seria a expansão de uma sequência repetitiva de trinucleotídeos CAG, presente normalmente no gene IT15, mais tarde denominado gene da huntingtina, loca- lizado no cromossomo 4. Os pacientes apresentam 36 ou mais repetições dessa sequência CAG e, quanto maior o número de repetições, menor a idade de início da doença. Atualmente, a expansão CAG pode ser facilmente pesquisada em la- boratórios de análises clínicas e, assim, é possível detectar a mutação até mesmo naqueles que ainda são assintomáticos. Os sintomas da doença instalam-se gradativamente e, em geral, os primeiros sintomas são leves e sutis e caracterizam-se, principalmente, por alterações das funções cognitivas executivas. Podem surgir ainda manifestações comportamen- tais como alterações do humor, ansiedade, agressividade e, às vezes, certa apatia e até mesmo mudanças signifi cativas da personalidade. O aparecimento dos sin- tomas motores é geralmente responsável por denunciar a doença e confere-lhe a sua marca característica – a presença de movimentos generalizados coreiformes. Todos esses sintomas progridem naturalmente e o paciente evolui com perdas cognitivas cada vez mais graves até desenvolver demência. Os sintomas psiquiá- tricos podem fl utuar com a apresentação de sintomas psicóticos e alterações com- portamentais. O risco de suicídio é um problema a ser monitorado. Os problemas, motores desde o início, incluem alterações de marcha e equilíbrio, incoordenação motora, bradicinesia, distonia, disartria, disfagia, alterações da velocidade e har- monia dos movimentos oculares sacádicos e de acompanhamento e progridem de Qualquer descendente de um paciente acometido pela doença tem 50% de possibilidade de herdar a mesma doença e todo o portador da mutação virá a apresentar a doença em algum momento da sua vida Huntington 111 Huntington ■ Professor de Neurologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP Vitor Tumas maneira a causar também importantes problemas funcionais ao paciente. Além das alterações clínicas descritas, os pacientes com dH apresentam visível atrofi a dos núcleos caudados ini- cialmente e depois de todo o encéfalo, ao exame de Ressonância Magnética do crânio. Não há outras alterações laboratoriais características. O quadro clínico, em geral, é bastante típico e muito raramente uma outra doença pode provocar sintomas semelhantes aos da dH. Quando a dH se inicia muito precocemente, geralmente manifesta-se com um quadro atípico, com predomínio de sinais parkinsonianos, ou com a presença de mioclonias, epilepsia, ou outras manifestações. Não existe um tratamento neuroprotetor capaz de impedir ou arrefecer a progressão dos sintomas da dH. O tratamento do paciente geralmente requer o apoio de múltiplos profis- sionais e o uso de drogas sintomáticas. Neurolépticos, Tetrabenazina e Amantadina podem reduzir os movimentos coreicos. Os neurolépticos também são úteis no manejo de sintomas comportamentais e psicóticos. Antidepressivos e ansiolíticos podem ser utilizados para tratar as alterações do humor e ansiedade, e os hipnóticos podem ser necessários para os distúrbios do sono. Pesquisas atuais concentram esforços em desenvolver terapias neuroprotetoras para portadores assintomáticos da dH. Para saber mais www.abh.org.br http://www.vidasraras.org.br/site/ H Doença Doença iiiiii 114 Já foram descritos cerca de 120 homens afetados. Sinônimos: Síndrome de Bloch-Sulzberger; Incontinência pigmentar de Bloch-Siemens; Melanoblastose de Bloch-Sulzberger; Dermatose pigmento- sa de Siemens-Bloch; Incontinência pigmentar tipo 2 (IP2); IP tipo letal em homens; Nevus pigmentosus systematicus; Melanosis corii degenerativa; Melano- blastosis cutis linearis sive systematisata. Principais sintomas As lesões de pele apresentam as seguintes fases: (1) inflamatória ou vesicular com lesões papulares, pústulas e bolhas no pe- ríodo neonatal e que persiste por semanas a meses, sendo confundida com Her- pes ou impetigo; (2) verrucosa, com placas irregulares, lineares, verrugosa geralmente em membros superiores ou inferiores (mãos e pés) que geralmente aparece em 2-6 semanase desaparece com 6 meses de idade; (3) pigmentar em que há pigmentação castanha ou cinza-azulada, em dis- tribuição em linhas de Blashko ou em “figura chinesa”, surgida na infância e diminui lentamente até desaparecer na idade adulta; (4) hipopigmentar ou atrófica em que há máculas lineares hipopigmentadas em tronco e membros na idade adulta. Outras alterações Cutâneas: anomalias em mamilos ou glândula mamária, alopecia, distrofia das unhas, ceratoacantoma ungueal (ocasional). Orais: anomalias do palato, anodontia parcial e dentes cônicos. Neurológicas: microcefalia, convulsões, atraso no desenvolvimento, espasti- cidade, hidrocefalia, AVC isquêmico, ataxia. As anomalias são graves em 33% dos casos. Oftalmológicas: estrabismo, catarata, atrofia óptica, neovascularização ou descolamento da retina, cegueira, anoftalmia, microftalmia, uveite. Imunológicas: leucocitose, eosinofilia, mau funcionamento de linfócitos e neutrófilos. Doença genética rara (0,7 /100.000 nascimentos) de herança dominante ligada ao X, em que 97% das afetadas são mulheres e quase sempre é fatal no sexo mas- culino, levando ao aborto espontâneo na maioria dos casos. Incontinência pigmentar 115 Incontinência pigmentar ■ Graduada em Medicina pela UFC, mestre em Medicina pela FMUSP e doutora em Ciências da Saúde pela UFRN. ■ Neonatologista do HGCC, geneticista do HIAS, presidente do IPEES, professora coor- denadora da Genética Médica da Estácio FMJ (Ceará) e da Faculdade de Medicina Santa Maria (Paraíba). Erlane Marques Ribeiro Esqueléticas: costelas supernumerária, sindactilia, hemiatrofia e encurtamento de braços e pernas. Achados ocasionais: fissura labial, baixa estatura, cardiopatia e pé torto congênito. Exames para diagnóstico O diagnóstico é dado a partir das alterações clínicas, porém, pode-se realizar o teste mo- lecular para detectar a mutação no gene IKBKG (também conhecido como NEMO) ou a biopsia de pele, que mostra diferentes alterações em cada fase da lesão. Tratamento O tratamento é sintomático. Deve-se consultar os especialistas envolvidos como pediatra, neurologista, dermatologista e odontologista. O geneticista deve fazer o aconselhamento genético nestes casos. Para saber mais http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=PT&Expert=464 http://www.vidasraras.org.br/site/ I Doença Doença 116 A Ictiose Lamelar (IL) é uma doença autossômica recessiva, na maioria dos casos, pois a herança autossômica dominante também foi descri- ta em alguns pacientes. É uma anormalidade na diferenciação epidérmica que leva a uma descamação alterada, com presença de escamas difusas que variam desde quadros brandos a extremamente comprometedores da qualidade de vida e que acomete cerca de 1 em cada 200 000 nascidos-vivos. Foram identifi cadas diferentes mutações gênicas, responsáveis pelo quadro de IL, entre elas, da transglutaminase 1 (TGM1) encontrada no cromossomo 14 (14q11), ABCA12, CYPAF22, NIPAL4 (ictina), ALOX12B , ALOXE3, PNPLA1. A maioria dos casos apresenta-se ao nascimento, com bebê colódio. Clinica- mente, o bebê colódio nasce com uma membrana translúcida sobre toda a pele, fi na como um pergaminho, mas endurecida, que pode romper-se logo após o nas- cimento ou nas primeiras semanas de vida. Apresenta também ectrópio e eclábio. Nem todas as crianças que nascem como bebê colódio serão, obrigatoriamente, portadores de IL. Podem também ser crianças com Eritrodermia Ictiosiforme con- gênita, Tricotiodistrofi a, doença de Gaucher, entre outros. Na IL, o quadro clínico em geral demonstra a pele com escamas placares, acha- tadas, poligonais, escuras (na maioria das vezes amarronzadas) e largas. Pode haver eritema na pele abaixo das descamações, em geral, discreto. Palmas de mãos e plantas de pés usualmente mostram-se espessadas. Alopecias e distrofi as ungueais podem ocorrer, porém, não são o mais habitual. Hipoidroses moderadas a severas são vistas. É um quadro exclusivamente cutâneo não havendo alterações sistêmicas. Apesar de a pele ser bem espessa, a função de barreira está alterada, com au- mento da susceptibilidade para infecções bacterianas e fúngicas e perda do equi- líbrio da passagem transepidérmica de água. Pode haver defi ciência em síntese de vitamina D devendo a mesma ser dosada e reposta, caso seja necessário, bem como intolerância ao calor. Uma barreira cutânea defeituosa permite uma absorção maior de substâncias A maioria dos casos apresenta-se ao nascimento, com bebê colódio, ou seja, que possui uma membrana translúcida sobre toda a pele, � na como um pergaminho, mas endurecida, que pode romper-se logo após o nascimento ou nas primeiras semanas de vida Ictiose Lamelar 117 Ictiose Lamelar ■ Formação médica e residência nas especialidades de Clínica Médica e Dermatologia: Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto ■ Frequência de Mestrado na Universidade de São Paulo – Instituto da Criança – Unidade de Genética ■ Título de Especialista em Dermatologia, pela Sociedade Brasileira de Dermatologia ■ Membro Internacional da Academia Americana de Dermatologia Samantha Vernaschi Kelmann externas que podem ser tóxicas e, por isso, medicamentos tópicos devem ser prescritos com cau- tela. A conduta frente a um paciente com IL será a tentativa de restauração da barreira cutânea. No bebê colódio, os cuidados em unidades intensivas tornam-se imprescindíveis, sendo neces- sário mantê-lo em incubadora para garantir adequada temperatura cutânea, prevenção de desidra- tação e de contaminações bem como cuidado com a mucosa ocular, para preservação contra res- secamento de córneas. A partir daí, preparações tópicas, humidifi cantes, hidratantes e emolientes diárias são fundamentais. Os banhos devem ser rápidos, mornos e com sabonetes neutros e suaves. Em alguns casos, podem ser usados os retinóides orais se as medidas tópicas não forem sufi cien- tes, mesmo logo após o nascimento. O aconselhamento genético para explicação da origem do quadro e da possibilidade de trans- missão é necessário. Para saber mais www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Expert=64752&lng=PT http://www.vidasraras.org.br/site/ I Doença Doença 118 É uma das formas mais graves de imunodefi ciência primária (IDP) com defi ciência no desenvolvimento dos linfócitos T, defi ciência da função e/ ou número dos linfócitos B e células NK (natural killer). Há comprome- timento de toda a imunidade adaptativa/adquirida. Contudo, grande parte da imunidade inata (fagócitos e sistema complemento) está preservada na maioria das formas de SCID. Etiologia: Foram identifi cados mutações em 14 genes, sendo os mais frequentes IL-2RG (herança ligada ao X), IL7RA, RAG1, ADA, JAK3 (herança autossômica recessiva). A forma ligada ao X é a mais frequente, com predomínio de meninos acometidos. A prevalência é de 1:50.000 nativivos. No Brasil estima-se 50 lacten- tes com SCID/ano, considerando a média anual de 2,5 X106 nascimentos; mas o número de pacientes diagnosticados é inferior a 10/ano, supondo-se que muitos evoluam a óbito sem diagnóstico. Quadro Clínico: Os recém-nascidos nascem a termo com peso e estatura normais, sem qualquer sinal clínico especial. Contudo, as infecções se manifestam desde os primeiros meses de vida, incluindo (1) candidíase oral recorrente e persistente; (2) pneumonias de evolução prolongada sem resposta a antibioticoterapia habitual; (3) evolução grave de bronquiolite, em especial pelo vírus respiratório sincicial; (4) diarreia persistente com défi cit de ganho de peso. Metade dos lactentes com SCID evoluem com complicações graves após vacina BCG, com lesão local que não cicatriza e disseminação da infecção. Os achados laboratoriais consistem em linfocitopenia persistente (genética. A imagem tímica não é visualizada na radiografi a do tórax. Na síndrome de Omenn, que é uma das formas de SCID, o lactente apresenta eri- tema e descamação de pele (the red baby), hepatoesplenomegalia, além de diarréia de difícil controle. Resumindo, os sinais de alerta para SCID são: (1) infecções graves, persistentes ou recorrentes; (2) reação anômala à BCG; (3) ausência de imagem tímica; (4) A Imunode� ciência Combinada Grave (ICG) é conhecida como SCID - acrôni- mo de "Severe Combined Immunode� ciency" Imunodefi ciência Combinada Grave 119 ■ Professora Titular do Depto. de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e atual Diretora do Instituto da Criança do Hos- pital das Clínicas da FMUSP. ■ Entre 1994 e 2005, foi Professora Titular de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP – Universidade de São Paulo. Magda Carneiro Sampaio linfocitopenia (os valores normais para lactentes são mais elevados do que em crianças maiores e adultos. Como a BCG é administrada compulsoriamente no Brasil nos primeiros dias de vida, recomenda-se perguntar se há casos de IDPs (ou mortes precoces por infecção) na família, e consanguinidade entre os progenitores; e na dúvida, adiar a vacinação. Diagnóstico: Os estudos de triagem neonatal nos Estados Unidos (2008) e mais recentemente em países da Europa revelaram que a SCID pode ser detectada por meio qRT-PCR (PCR quantitativo em tempo real) onde se identifi ca os TRECs (Thymic Recent Emigrant Cells). Este exame está disponível no Brasil somente em serviços privados. Tratamento: O transplante de células-tronco hematopoiéticas de medula óssea ou sangue de cor- dão umbilical representa a única expectativa de sobrevivência para crianças com SCID. Há su- cesso em 85-90%, inclusive no Brasil, quando realizados precocemente e sem complicações in- fecciosas graves. Há protocolos de terapia gênica na defi ciência da adenosino-deaminase (ADA) e na forma ligada ao X. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ I Doença Doença 120 A s Imunodefi ciências Primárias (IDPs) constituem um grupo grande, clinicamente heterogêneo de cerca de 180 diferentes doenças, número que cresce a cada dia com a descrição de novos defeitos. Como grupo, estima-se que as IDPs acometam 1 em cada 1200 pessoas na população geral, de acordo com estudos epidemiológicos recentes realizados nos EUA. Isola- damente, porém, as IDPs são todas doenças raras, com exceção da Defi ciência Sele- tiva da Imunoglobulina A (DIgA). Por outro lado, estima-se que 1:10 000 nascidos vivos apresente uma IDP grave, que precisa ser identifi cada e tratada rapidamente, para garantir a sobrevivência da criança afetada. Em grande parte desses casos, a única forma de tratamento é o transplante de células hematopoiéticas (TCH), que podem ser oriundas de medula óssea ou do cordão umbilical. A detecção de algumas formas de IDPs graves através do “teste do pezinho” já começou a ser implantada nos EUA. A maior parte das IDPs é representada por defeitos monogênicos, ou seja, de- correm da mutação de um único gene e têm caráter de transmissão autossômico recessivo. Entre as IDPs graves, existem várias doenças ligadas ao cromossomo X, afetando, assim, apenas meninos, que representam 3/4 dos casos diagnosticados abaixo dos 2 anos de vida no Instituto da Criança (Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina da USP). A grande susceptibilidade às infecções (infecções de repetição, muito graves ou por germes de baixa patogenicidade) representa a característica comum a quase todas as IDPs, e por isso mesmo, é o principal motivo de suspeita e de encaminha- mento para centros de referência. As formas mais comuns de IDPs são as Defi ciências de Anticorpos. Em algumas defi ciências graves de anticorpos, o tratamento regular com preparações de ga- maglobulina endovenosas ou subcutâneas é, em geral, muito efi caz na prevenção de infecções. Adultos com defi ciências de anticorpos com frequência apresentam complicações autoimunes, sobretudo plaquetopenia e anemia hemolítica. Aliás, as manifestações de autoimunidade representam o segundo tipo de achado clínico mais comum nas IDPs. Cerca de 300 doenças compõem hoje o grupo das Imunode� ciências Primárias (IDPs), a maior parte das quais representada por defeitos monogênicos, ou seja, decorrem da mutação de um único gene e têm caráter de transmissão autossô- mico recessivo. Imunodefi ciências Primárias 121 Nas IDPs combinadas, tanto os linfócitos T como os B são defi cientes em função e, em geral, também em número. Aqui as entidades que exigem maior atenção são as Imunodefi ciências Com- binadas Graves (em inglês SCID, Severe Combined Immunodefi ciency) do lactente. A vacinação com BCG representa um enorme risco para os afetados por SCIDs. As Defi ciências de Fagócitos, elementos fundamentais na defesa anti-infecciosa representados pelos neutrófi los e pelo sistema monócito-macrófago, tais como o defeito mais comum, a Doença Granulomatosa Crônica, controlada parcialmente com antibioticoterapia contínua e para a qual o TCH também constitui uma alternativa para os casos mais graves. As Defi ciências de proteínas do Sistema Complemento levam a uma grande susceptibilidade a infecções bacterianas e carac- teristicamente por germes do tipo Neisseriae, representando assim os portadores de meningite meningocócica de repetição um grupo a ser investigado para esses defeitos. Outro grupo de risco são crianças e adolescentes com Lúpus Eritematoso Sistêmico. Existe um grupo de síndromes genéticas que cursa com imunodefi ciência (ID) associada e são, por isso, chamadas de Síndromes Bem Defi nidas com ID. Mais recentemente, foi reconhecido o grupo das IDPs com Imunodes- regulação, em que a entidade que merece maior atenção é a chamada síndrome Hemofagocítica (HLH). O TCH representa hoje a única terapêutica efi caz para as HLH de caráter familiar. As síndromes Autoinfl amatórias (também chamadas de febres periódicas) são hoje classifi ca- das como IDPs e representam, como a próprio nome diz, uma série de defeitos caracterizados pela infl amação exagerada na ausência de infecção. O 8.º grupo de IDPs é constituído pelos Defeitos da Imunidade Inata, em que a Candidíase Mu- cocutânea Crônica representa a doença mais comum. No nosso país, existem vários Centros de Referência, para os quais doentes com suspeita de IDP podem ser referidos por seus médicos, de preferência escolhendo o mais próximo de sua residência. Para saber mais www.imunopediatria.org.br/download/10sinais.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Professora Titular do Depto. de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e atual Diretora do Instituto da Criança do Hospi- tal das Clínicas da FMUSP. ■ Entre 1994 e 2005, foi Professora Titular de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP – Universidade de São Paulo. Magda Carneiro Sampaio I Doença Doença 122 A insensibilidade congênita à dor é a incapacidade de percepção do estímulo doloroso resultante de anormalidade do sistema nervoso periférico, en- quanto a indiferença congênita à dor resulta de anormalidade localizada fora deste sistema. A neuropatia hereditária sensitivo-autonômica tipo IV ou insensibilidade congênita à dor com anidrose é uma condição autossômica recessi- va, de início precoce, causada por mutações no gene NTRK1. Estas crianças costumam ser hipotônicas ao nascimento, há atraso das aquisições motoras, período em que sur- gem lesões tais como fraturas e penetração de objetos, sem que a criança esboce reação. Não há choro com a retirada de sangue ou injecão intramuscular. Quando a dentição se inicia, é comum um processo de automutilação em lábios e língua. Mutilações são também frequentes em mãos e pés. A sensação térmica está comprometida, podendo estar ausente, e o controle da temperatura corporal é ruim, não havendo respostas fi sio- lógicas à temperatura do ambiente, nem mesmo com sudorese,que está ausente. Febre episódica é comum e cerca de 20% dos afetados falecem por hiperpirexia. Há, ainda, ausência lacrimejamento. Comprometimento intelectual é parte do quadro (QI ~ 60), o que só colabora para a má evolução da doença, já que não há percepção da importância do autocuidado. Os refl exos profundos e a força muscular estão poupados. O estudo da condução é normal, mas a resposta simpática da pele está ausente. Não há resposta à prova da histamina, ao mecolil e à pilocarpina. A biópsia neural mostra ausência das fi bras não mielinizadas e acentuada redução das fi bras pouco mielinizadas. As glându- las sudoríparas estão desnervadas. Estas crianças costumam ser hipotônicas ao nascimento, há atraso das aquisições motoras, período em que surgem lesões tais como fraturas e penetração de objetos, sem que a criança esboce reação Insensibilidade congênita à dor 123 ■ Professor Associado de Neurologia da Faculdade de Me- dicina de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo ■ Mestrado, doutorado e livre-docência pela Faculdade de Me- dicina de Ribeirão Preto, Unive. de São Paulo ■ Especializacão em Neuropatias Periféri- cas e Neuro� siologia Clínica no Hospital das Clínicas da Fa- culdade de Medicina de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo, e pela Medical School in New Orleans, Louisiana State University ■ Pós-doutorado em Neurogenética no Institute of Neurolo- gy, Queen Square, e Royal Free Hospital, Londres, Reino Unido Wilson Marques Júnior A insensibilidade congênita à dor do tipo V é também uma doença de herança autossômica re- cessiva causada por mutações no gene NGF-ß, na qual há acentuado comprometimento das sen- sibilidades dolorosa e térmica, enquanto a sudorese é normal ou diminuída. O desenvolvimento de ulcerações mutilantes e de juntas de Charcot é frequente. Retardo mental leve está muitas vezes associado. Parece haver um envelhecimento precoce destas pessoas. Não existindo tratamento efectivo, a ação principal é a prevenção e o tratamento precoce dos ferimentos e, no tipo V, um controle efetivo da temperatura corporal. Para saber mais www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Expert=64752&lng=PT http://www.vidasraras.org.br/site/ Neuropatia I Doença Neuropatia jjjjjj 126 G enericamente, as anomalias de segmentação ou defeitos de segmenta- ção vertebral (DSV) podem estar presentes em quadros clínicos com envolvimento quase exclusivo de vértebras e costelas e cujo padrão de herança é autossômico recessivo ou associados a outros quadros sindrô- micos. Entre os primeiros, reconhecem-se atualmente dois fenótipos, ambos decor- rentes de mutações em genes relacionados à somitogênese. Um deles, a disostose espôndilo-torácica (DST), corresponde a um DSV grave, de alta mortalidade, ca- racterizado por rigidez e encurtamento do pescoço, grave encurtamento da coluna, principalmente do segmento torácico, e fusão posterior de costelas levando a uma aparência da caixa torácica tipo crab-like que resulta em restrição torácica impor- tante e insufi ciência respiratória. O outro, a disostose espôndilo-costal (DEC), é defi nido como um DSV múltiplo com envolvimento de costelas, que se caracteriza clinicamente por uma desproporção corporal com tronco e pescoço curtos, leve escoliose, geralmente não progressiva, e tórax usualmente simétrico. Radiologi- camente, esse fenótipo inclui segmentação anômala de todas ou de, pelo menos, 10 vértebras contíguas, escoliose, desalinhamento de um número de costelas e, às vezes, fusões intercostais ou redução no número, porém guardando uma simetria da caixa torácica. Fazendo parte do fenótipo da DEC se reconhece atualmente quatro subtipos, cada um associado a um gene distinto e com algum padrão clínico carac- terístico: DEC-1 – está associada a mutações no gene DLL3 em mais de 80% dos pacien- tes com esse subtipo. Embora todas as características radiológicas descritas acima estejam presentes, chama a atenção o padrão irregular dos corpos vertebrais, ora arredondado ora ovóide (pebble beach sign) que tende a desaparecer com a idade; DEC-2 – associado a mutações no MESP2 em 50-70% dos casos. Radiologi- camente, o envolvimento da coluna é generalizado, porém com maior compro- metimento cervical e torácico. Mutações mais graves no mesmo gene (MESP2) causa um fenótipo mais grave, acima descrito como DST. A DEC-2 corresponde É de� nido como um DSV múltiplo com envolvimento de costelas, que se caracteriza clinicamente por uma desproporção corporal com tronco e pescoço curtos, leve escoliose, geralmente não progressiva, e tórax usualmente simétrico Jarcho-Levin 127 ao fenótipo descrito inicialmente por Jarcho e Levin; DEC-3 – nesse tipo, mutações são encontradas no LFNG, porém não se sabe com que frequên- cia. O DSV aparece de forma mais grave ao longo de toda a coluna; DEC-4 – nesse tipo, cujo fenótipo também é considerado mais grave se assemelhando ao qua- dro da DST, as mutações são descritas no HES7. De uma maneira geral, aos quadros de DSC não se associam outros defeitos. Os poucos relatos mostram apenas que, nos meninos, esse DSV pode estar associado à hérnia inguinal com mais frequência. As recomendações de manejo clínico e tratamento devem observar a função respiratória, pre- sença/gravidade de escoliose e pesquisa de hérnia inguinal nos meninos. Por último, recomen- da-se a avaliação genético-clínica para fi ns de aconselhamento genético. Para saber mais www.ncbi.nlm.nih.gov/omim http://www.vidasraras.org.br/site/ J ■ Especialista em Genética Médica ■ Professora Associa- da do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Esta- dual de Campinas (UNICAMP) ■ Criou e coordena o Programa de Genética Perina- tal há 20 anos ■ Criou e coordena um grupo de Displa- sias Esqueléticas Denise Pontes Cavalcanti Síndrome Síndrome 128 Doença descrita em 1955 por Jeune e colaboradores como “distrofi a to- rácica asfi xiante de caráter familial”. Tem padrão de herança autos- sômico recessivo, é geneticamente heterogênea e está no grupo das ciliopatias, com acometimento multissistêmico. Os pacientes têm o tórax curto, em forma de sino, ou estreito e alongado. Depen- dendo do grau de estreitamento torácico, a mortalidade precoce por insufi ciência respiratória é alta, nos casos graves. Infecções pulmonares tendem a ser recorren- tes. Com o passar dos anos, o quadro pulmonar tende a melhorar. Baixa estatura pré ou pós-natal, desproporcional, com membros curtos, mãos curtas e polidactilia, geralmente nos quatro membros, podem estar presentes. Anormalidades microscó- picas no fígado e nos rins aparecem progressivamente com a idade. Glomeruloes- clerose e doença cística renal, evoluindo para insufi ciência renal, e doença fi bro- cística do fígado e do pâncreas são descritas. Outros problemas que podem ocorrer são má-absorção intestinal, retinitis pigmentosa e aplasia da retina. O diagnóstico é clinico e radiológico. Deve ser solicitada radiografi a de corpo inteiro do recém-nascido. O tórax é estreito e em forma de sino, com costelas ho- rizontalizadas e junções costocondrais irregulares. No quadril, observam-se asas ilíacas hipoplásicas e quadradas, teto acetabular em tridente, com esporão nas bor- das inferiores das incisuras isquiáticas e ossifi cação precoce da cabeça do fêmur. Membros curtos em relação ao tronco e braquidactilia podem ser observados, com metáfi ses e epífi ses irregulares. Se houver polidactilia, geralmente é nas mãos e nos pés. Casos leves podem ser diagnosticados por radiografi a de tórax. A suspeita diagnóstica pode ser confi rmada por ultrassonografi a fetal no pré- -natal, a partir do segundo trimestre de gestação. A prevenção e tratamento das infecções respiratórias são fundamentais para os pacientes com síndrome de Jeune. A ventilação mecânica é frequentemente ne- cessária nos casos mais graves após o nascimento ou na insufi ciência respiratória Doença de padrão de herança autossômico recessivocaracterizada por baixa estatura pré ou pós-natal, desproporcional, com membros curtos, mãos curtas e polidactilia, geralmente nos quatro membros, podem estar presentes Jeune 129 ■ Graduação em Medicina – UFMG (1984) ■ Doutorado na Universidade de Mainz, Alemanha (1993) ■ Pós-doutorado na Universidade de Viena, Áustria (1994) ■ Especializações em Pediatria, Genética Médica e Genética Bioquímica Laboratorial ■ Professora Associa- da da Faculdade de Medicina – UFMG (1990-atual) Eugênia Ribeiro Valadares resultante de infecções pulmonares recorrentes. Hipóxia e hipercarbia em meio ambiente refl e- tem doença pulmonar restritiva grave. Muitos pacientes que sobrevivem na infância começam a ter desenvolvimento torácico normal. Existe também a possibilidade de expansão torácica cirúrgica. As crianças podem fi car hipertensas por disfunção renal, que deve ser periodicamente inves- tigada. Exames de urina, por exemplo, podem revelar alterações como hematúria e proteinúria. A biópsia renal poderá ser indicada. Os pais de uma criança afetada têm o risco de recorrência de 25% em cada nova gestação do casal. Para saber mais www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0717-75262003000400010&script=sci_arttext http://www.vidasraras.org.br/site/ J Doença Doença 130 E m 1969, Marie Joubert e os seus colaboradores descreveram uma sín- drome autossômica recessiva, em quatro irmãos canadenses que apre- sentavam hipotonia, ataxia, movimentos oculares anormais e hiperpneia e/ou apneia, hoje conhecida como síndrome de Joubert. Posteriormente outros autores descreveram a presença de graus variáveis de hipoplasia do vermis cerebelar e várias outras alterações em pacientes afetados, com prognóstico variá- vel. Em 1997, já na era da Ressonância Magnética, o sinal característico do “dente molar” foi descrito pela investigadora, referindo-se ao aspecto alongado e espesso dos pedúnculos cerebelares superiores, a uma fossa interpeduncular profunda e a hipoplasia ou a aplasia do vermis cerebelar. Este sinal, foi então, observado em outros pacientes com achados fenotípicos variados noutros órgãos que incluíam os rins, globos oculares, fígado e as extremidades. A prevalência estimada para a síndrome é de 1 para 100 000 a 1 para 300 000 pessoas. Sete anos após a descrição do sinal do dente molar, os primeiros genes causado- res da síndrome foram identifi cados: NPHP1 e AHI1 e logo outros foram defi nidos RPGRIP1L, TMEM67/MKS3, ARL13B, e CC2D2A. Esses genes e o produto dos mesmos foram associados à função de uma organela ciliar/corpo basal, uma estru- tura presente em vários tipos celulares, incluindo células epiteliais dos túbulos re- nais, fotorreceptores retineanos, condrócitos, fi broblastos e neurônios, relacionada com diversos processos celulares, fazendo com que a síndrome de Joubert fosse expandida para um grupo de doenças denominado de ciliopatias. Dentre sinais e sintomas presentes na síndrome de Joubert e doenças relaciona- das, a presença do sinal do dente molar, hipotonia, ataxia e alterações de cognição e de comportamento são os mais frequentemente observados. Além do sinal do dente molar, outras alterações encefálicas foram já descritas, como agenesia do corpo caloso, encefalocele, cistos da fossa posterior, hidrocefalia, heterotopias corticais e polimicrogiria. Movimentos oculares anormais estão uniformemente presentes, em graus variáveis de acometimento. Também podem ocorrer alterações ocula- res relacionados a distrofi a da retina e colobomas corioretineanos. A doença renal Na síndrome de Joubert a presença do sinal do dente molar, hipotonia, ataxia e alterações de cognição e de comportamento são os mais frequentemente observados Joubert 131 ■ Médico Assistente do setor de Neurorradiologia do Hospital das Clínicas da Fa- culdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo ■ Médico Radiologista da CEDIRP Gustavo Novelino Simão na síndrome varia desde a nefronoftise de início na infância ou doença cística renal de início mais tardio, sobrepondo com a síndrome de Meckel. O acometimento hepático observado na síndrome de COACH (hipoplasia do vermis cerebelar, oligofrenia, ataxia, colobomas e fi brose hepática) um subtipo da síndrome de Joubert pode ter graus variáveis de manifestação, desde a ausência de sintomas ou a presença de leve aumento sanguíneo das transaminases hepáticas ou, mais frequentemente, sinais ou achados em exames de imagem de hipertensão portal por fi brose hepática. Polidactilia também é observada em muitas ciliopatias. O manejo clínico desses pacientes inclui a avaliação oftalmológica anual, assim como exames de urina, ultrassom renal e hepático, dosagens séricas para seguimento das transaminases, ureia e creatinina e, se necessário, tratamento precoce de possíveis complicações. Monitorização tam- bém deve ser realizada para a possibilidade de apneia obstrutiva ou de causa central. Para saber mais www.ninds.nih.gov/disorders/joubert/joubert.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ J Síndrome Síndrome 132 A síndrome de Jervell-Lange-Nielsen (SJLN) é uma doença de herança autossômica recessiva caracterizada por surdez profunda bilateral con- gênita e defeito na condução elétrica cardíaca, com intervalo QT longo no eletrocardiograma (ECG). A prevalência varia conforme a população estudada, de 1:200.000 (Suécia e No- ruega) a 1:1.000.000 nativivos; acomete igualmente homens e mulheres, porém nas mulheres o quadro clínico é mais leve. Etiologia: ASJLN é causada por mutações nos genes KCNQ1 (mais de 90% dos casos) ou KCNE1. Ambos codifi cam proteínas reguladoras dos canais iônicos do coração e da cóclea, onde realizam movimentos das partículas eletricamente car- regadas (Na, K), gerando impulsos elétricos necessários para o funcionamento do coração e da audição. Quadro clínico: Os sintomas surgem precocemente; metade dos indivíduos aco- metidos apresentam alterações antes dos 3 anos. A surdez neurossensorial bilateral está presente desde o nascimento. Geralmente é severa a profunda, mas afeta com maior intensidade as frequências agudas. A gravidade dos sintomas cardíacos é he- terogênea. A característica principal é o intervalo QT longo (> 500ms) acompanha- do de episódios de taquicardia ventricular polimórfi ca do tipo torsade de pointes e fi brilação ventricular, que ocorrem principalmente na infância. Cianose pode estar presente em crianças menores. Os episódios de síncope são recorrentes, e podem resultar em parada cardíaca e morte súbita. Podem ser desencadeadas por frio, stress, atividade física, excitação, ou ocorrer sem nenhum fator desencadeante. Esses sintomas frequentemente são confundidos com crises epiléticas. A gravidade e a frequência dos episódios melhoraram com a idade. Mais da metade das crianças não tratadas podem evoluir ao óbito antes de 15 anos de idade. Diagnóstico: É estabelecido pela presença da surdez congênita associada ao in- tervalo QT longo no ECG, e pode ser confi rmado pelo teste genético, no qual variantes patogênicas bialélicas no gene KCNQ1 ou no gene KCNE1 devem ser Doença de herança autossômica recessiva caracterizada por perda auditiva congênita profunda bilateral e defeito na condução elétrica cardíaca, com intervalo QT longo ao eletrocardiograma. Jervell Lange-Nielsen 133 ■ Médica otorrinolarin- gologista. ■ Especialista em Otorrinolaringologia Pediátrica pela UNIFESP e Foniatria pela AMB. ■ Doutora em Ciências da Saúde pela UNIFESP. ■ Coordenadora dos ambulatórios de ORL Pediátrica e Foniatria – Hospital de Otor- rinolaringologia de Sorocaba – BOS. Ana Paula Fiuza Funicello Dualibi analisadas. Recomenda-se o sequenciamento do gene KCNQ1, seguida de análise de deleções/ duplicações se não forem detectadas variantes pelo método inicial. Se uma ou nenhuma variante patogênica for identifi cada no gene KCNQ1, pode se prosseguir com o sequenciamento do gene KCNE1. Tratamento: Está indicado implante coclear,com tipo 1; 92% dos pacientes com tipo 2I; e em 88% dos pacientes com tipo 3. Tratamento: É necessário reabilitação com equipe multidisciplinar (fi sioterapia, nutrição, fonote- rapia, etc.). Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ https://www.mda.org/disease/spinal-muscular-atrophy ■ Formada pela Escola Paulista de Medicina (atual UNIFESP) e especialista em Pe- diatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria a partir de 1984. ■ Atua na área de pacientes neuromus- culares há 25 anos. ■ Uma das respon- sáveis pela portaria 1531 que concedeu aos pacientes por- tadores de distro� as musculares os cuidados respiratórios e o Bipap. Ana Lucia Langer Doença A 14 Caracteriza-se por hipotonia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, defi ciência intelectual grave, ausência de fala e epilepsia. Outras carac- terísticas importantes são ataxia, acessos de risos (provocados ou não), prognatismo, microcefalia, braquicefalia, macrostomia, língua protusa, dentes pequenos e espaçados e sialorreia. O andar ocorre geralmente entre 3 e 4 anos de idade e é típico: aos trancos, com a base alargada e os braços fl etidos em abdu- ção. As características comportamentais são muito importantes no diagnóstico de crianças de pouca idade: elas têm um aspecto feliz e apresentam risadas frequentes e provocadas por estímulos mínimos. Em associação com as risadas, há a tendência para abanar as mãos, o que ocorre em momentos de excitação. Os pacientes podem apresentar ainda hipopigmentação, distúrbios de sono, crises de ausência, hiperati- vidade, comportamento autista, fascinação por água, barulho e imagens refl etidas em espelho. Williams et al. (2006) estabeleceram um consenso para os critérios de diagnóstico clínico da AS, que inclui características fenotípicas e comportamentais, além da história do desenvolvimento. A AS resulta da ausência de expressão do gene UBE3A, localizado no segmento cromossômico 15q11-q13. Grande parte dos genes desta região está sob o efeito do imprinting genômico. Quatro classes moleculares são conhecidas em pacientes com AS: 70-75% dos pacientes apresentam deleção materna do segmento 15q11-q13, 2-3% são provenientes de dissomia uniparental paterna do cromossomo 15, cerca de 5% têm um defeito no Centro de Imprinting do cromossomo materno e, fi nalmente, 10% apresentam mutação no gene UBE3A. Cer- ca de 15% dos pacientes com diagnóstico clínico de AS não apresentam mecanismo genético identifi cado. Diagnóstico molecular: o primeiro teste genético indicado é o estudo do padrão de metilação, pois embora ele não identifi que o mecanismo gené- tico responsável pela síndrome, é capaz de fechar o diagnóstico de 80% dos casos (pacientes com deleção, dissomia uniparental e defeitos no centro de Imprinting). O teste de metilação não detecta os pacientes portadores de mutação no gene UBE3A, cujo diagnóstico é feito por meio do sequenciamento direto dos exons codifi cantes do gene. A partir de um resultado de padrão de metílação típico para a síndrome de Angelman, a detecção do mecanismo genético responsável pela doença, por meio do estudo de microssatélites, MLPA ou FISH é imprescindível para o Aconselhamento Angelman A síndrome de Angelman (AS), descrita em 1965 por Harry Angelman, tem sua incidência estimada em 1/10.000 a 1/20.000 nascidos. 15 Angelman Genético, uma vez que os casos de deleção e de UPD apresentam risco de recorrência muito bai- xo (menor que 1%), enquanto que nos casos com microdeleção no centro de Imprinting ou com mutação no gene UBE3A herdada da mãe, o risco passa a ser de 50%. Até o momento, não existe um tratamento efetivo específi co para a AS. Os tratamentos disponíveis são limitados à melhora dos sintomas de problemas associados à síndrome, como: refl uxo gastroesofágico, distúrbios do sono, agressividade e epilepsia. São importantes ainda monitoramento de escoliose, terapias para melhora da coordenação motora, estratégias para comunicação não verbal e orientação antecipada sobre obesidade na idade adulta (frequente nos grupos sem deleção). Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ http://www.omim.org/entry/105830?search=angelman&highlight=angelman ■ Graduada em Ciências Biológicas, mestre e doutora em Biologia/Genética pela Universidade de São Paulo. ■ Pós-doc no CEGH-CEL da Universidade de São Paulo, com bolsa FUSP, atuando principalmente em: síndrome de Angelman, síndrome de Prader-Willi e sequenciamen- to de Nova Geração. Monica Castro Varela Síndrome A 16 Uma Anomalia da Diferenciação Sexual (ADS) é uma situação em que o sexo (46,XX ou 46,XY), o sexo gonadal (ovários ou testículos) e o sexo fenotípico (a aparência masculina ou feminina) não estão de acor- do. Assim, uma criança com aparência externa feminina, com genitália feminina, mas um cariótipo 45,X e ovários em fi ta, ilustra bem que o sexo genético e o gonadal não estão de acordo e, portanto, trata-se de uma ADS. No entanto, são os casos que se apresentam com ambiguidade genital (genitália externa atípica) que acabam sendo diagnosticados precocemente. Uma criança com ambiguidade geni- tal deve ser sempre vista como uma emergência médica, já que a determinação do sexo de criação fi ca postergada até que se tenha uma defi nição mais precisa quanto a esta escolha. Em muitos casos, o diagnóstico é feito com rapidez mas, em algu- mas situações, exames e até mesmo uma abordagem cirúrgica com biópsia gonadal é necessária para uma correta defi nição do sexo de criação. Uma minuciosa história clínica e um cuidadoso exame clínico auxiliam muito na linha diagnóstica mas, em geral, são necessários exames de laboratório, bioquí- micos e de imagem para que se chegue ao diagnóstico. Na história, o uso de me- dicamentos potencialmente virilizantes pela mãe pode induzir a uma virilização de um feto feminino, que acaba nascendo com ambiguidade genital. Outras vezes, a mãe viriliza durante a gravidez (luteoma gravídico, por exemplo) e isto acaba virilizando um feto feminino. Há doenças, como a hiperplasia congênita de suprar- renais em que o feto produz andrógenos em exagero e, numa menina, novamente teremos graus variados de virilização. Ao exame físico, o dado mais importante é a palpação de gônadas. Uma criança com ambiguidade genital sem gônadas palpáveis é, provavelmente, uma hiperplasia congênita de suprarrenais. Nestes casos, um cuidado especial deve ser tomado quanto à perda de sal que tais crianças apresentam, em geral após a primeira ou a segunda semanas de vida. Portanto, o distúrbio hidroeletrolítico (Na baixo e K alto) acabam ocorrendo quando a criança já está em casa e, se a família não estiver atenta, a criança pode morrer por choque hipovolêmico, se não tratada adequadamente. Este é o diagnósico etiológico mais frequente em crianças com ambiguidade genital. Anomalias da Diferenciação Sexual Uma criança com ambiguidade genital deve ser sempre vista como uma emergência médica, já que a determinação do sexo de criação � ca postergada até que se tenha uma de� nição mais precisa quanto a esta escolha 17 Anomalias da Diferenciação Sexual Por outro lado, quando há gônadas palpáveis, geralmente o cariótipo é 46,XY e a gônada é um testículo (no caso, ADS 46,XY) ou um ovotéstis (em que uma parte da gônada é testículo e outra parte é ovário), caracterizando um hermafroditismo verdadeiro (ADS ovotesticular). É sempre importante que tais crianças sejam avaliadas por equipes multidisciplinares, experientes nessa condição clínica, para que as condutas sejam adequadas. A família deve ser imediatamente informada da anormalidade genital, antes do registro da criança e que exames complementares serão necessários para o esclarecimento etiológico do caso. O estudo contrastado dos ductos internos (genitograma) pode dar informações quanto à pre- sença de derivados mullerianos (útero, trompas, terço proximal de vagina) e oferecer ao cirur- gião elementos para o planejamento cirúrgico. A ultra-sonografiuso de beta bloqueador para o tratamento da ta- quiarritmia e evitar situações de risco (competições, brinquedos radicais, mergulho em água fria, etc). O implante do cardioversor desfi brilador implantável (CDI) é indicado em pacientes que já apresentaram parada cardíaca, ou que apresentam síncopes recorrentes apesar do uso de betabloqueadores. Entretanto, a experiência clínica com implante de cardioversor automático em crianças com esta síndrome é limitada. Por ser uma doença potencialmente fatal, o ECG deve ser realizado quando há surdez neurossensorial de etiologia desconhecida, associada a episódios de síncope ou morte súbita de parentes durante a infância / adolescência. Para saber mais www.orphanet http://www.vidasraras.org.br/site/ J Doença Doença kkkkkk 136 A síndrome Kabuki (sK) (MIM# 147920) é uma síndrome malforma- tiva rara caracterizada por face dismórfica distinta, deficiência de crescimento de início pós-natal, dismorfias menores, padrões der- matoglíficos incomuns, anomalias viscerais e esqueléticas, deficiên- cia imunológica e deficiência intelectual de leve a moderada. A prevalência foi estimada em 1/32 000 na população japonesa, mas acredita-se que esteja sub- diagnosticada, devido ao pouco conhecimento do espectro clínico da síndrome. Não se observa diferença entre sexos e a maioria dos casos é esporádica, mas há descrição de famílias com comprovada transmissão autossômica dominante. A aparência facial peculiar sugeriu a denominação “kabuki” pela semelhança com a maquiagem usada pelos atores do teatro tradicional japonês Kabuki. O espectro fenotípico é defi nido por cinco manifestações cardinais: (1) face peculiar (100%) com fendas palpebrais alongadas, cílios longos e eversão da pál- pebra inferior, orelhas proeminentes e grandes com o pavilhão simplifi cado e ponta do nariz voltada para baixo com columela curta; (2) anomalias esqueléticas (92%) variando desde braquidactilia do 5.° dedo, até malformação dos corpos vertebrais (hemi-vértebras; escoliose); (3) padrão dermatoglífi co típico com au- mento numérico das presilhas ulnares, ausência dos trirádios c e/ou d, persistên- cia da almofada digital fetal e padrões hipotenares (93%); (4) defi ciência intelec- tual de leve a moderada (92%); (5) defi ciência de crescimento pós-natal (83%). Outros achados são variáveis e podem incluir: malformação cardíaca (31%), mi- crocefalia, telarca precoce em meninas (23%), fenda palatina e/ou labial, esclera azulada, nevo hiperpigmentado, hirsutismo, malformação de vias urinárias, criptor- quidia, micropênis, hérnia umbilical, vício de rotação intestinal, hérnia inguinal, atresia anal, fístula reto-vaginal, anomalias dentárias, fossetas labiais, difi culdades alimentares, hipogamaglobulinemia e infecções recorrentes. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e principalmente no fenótipo facial, sendo assim “gestáltico”, independente da etnia. Em 2010, o gene responsável pela doença foi detectado por meio de sequencia- mento exômico em pacientes com sK, quando foram detectadas mutações no gene O espectro fenotípico desta síndrome é de� nido por cinco manifestações cardinais: face peculiar, anomalias esqueléticas, padrão dermatoglí� co típico, de� ciência intelectual e de� ciência de crescimento pós-natal Kabuki 137 ■ Especialista em Pediatria e Genética Médica ■ Médica Geneticista Clínica e Preceptora da residência em Genética Médica do Centro de Genética Médica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Vera de Freitas Ayres Meloni MLL2, localizado no cromossomo 12, em 12q13.12. Outros trabalhos confi rmaram mutações no mesmo gene, encontradas em 72-75% dos indivíduos afetados. Outras alterações moleculares estão sendo investigadas, pois uma expressiva proporção de pacientes com sK permanece sem diagnóstico etiológico comprovado, sugerindo a presença de heterogeneidade genética, com outros genes associados à síndrome. Os pacientes com sK necessitam de atendimento multiprofi ssional individualizado visando suporte às comorbidades relacionadas. Os serviços de Genética Médica atuam dentro deste con- texto, auxiliando na confi rmação diagnóstica, na programação de seguimento com protocolo clínico específi co e no aconselhamento genético à família. Para saber mais www.omim.org/entry/147920 http://www.vidasraras.org.br/site/ K Síndrome Síndrome 138 A doença de Kawasaki (dK) é uma vasculite sistêmica, de etiologia desconhecida, que se manifesta com quadro de febre, exantema, con- juntivite, alterações da mucosa oral e das extremidades, linfadenopa- tia cervical e, em algumas crianças, dilatação ou aneurismas de coro- nárias e outras artérias. Acomete principalmente crianças menores de cinco anos de idade (85% dos casos), mais frequentemente meninos. A incidência anual varia de nove a 32,5 casos por 100 000 crianças menores de 5 anos, de acordo com a população estudada. A doença é mais prevalente e mais grave em crianças de origem asiática. Embora seja uma doença aguda, pode evoluir com sequelas cardíacas importantes (dilatação, aneurisma coronariano, infarto do miocárdio) caso não seja diagnosticada e tratada precocemente. A doença é auto-limitada, os sinais e sintomas evoluem num período médio de 10 dias e depois há resolução, na maioria das crianças. No entanto, aneurismas ou ectasias de artérias coronarianas ocorrem em 15 a 25% dos casos não tratados e o seu desenvolvimento costuma ser clinicamente silencioso. O tratamento com altas doses de imunoglobulina intravenosa nos primeiros 10 dias do início da febre reduz o risco dessas complicações. A presença de febre persistente, por pelo menos cinco dias, sem causa defi nida, associada a quatro ou mais dos seguintes critérios, são características preponde- rantes à defi nição do diagnóstico para a doença de Kawasaki: Alterações de extremidades (fase aguda: eritema palmar ou plantar e/ou edema de mãos ou pés e/ou fase subaguda com descamação periungueal nos dedos das mãos ou dos pés ou de região perineal); Exantema polimorfo, inespecífico; Conjuntivite bilateral não purulenta; Alteração de lábios ou cavidade oral: eritema labial, fissuras labiais, língua em framboesa, enantema de mucosa orofaríngea; Linfoadenopatia cervical, maior que 1,5 cm de diâmetro, usualmente unilateral. Na presença de febre e envolvimento coronariano, detectado pelo ecocardiogra- ma, menos do que quatro dos outros critérios é suficiente para o diagnóstico. A doença de Kawasaki é auto-limitada, os sinais e sintomas evoluem num período médio de 10 dias e depois há resolução, na maioria das crianças Kawasaki 139 ■ Professora associada do Departamento de Puericultura e Pediatria ■ Chefe do Serviço de Imunologia, Alergia e Reumatologia Pediátrica ■ Responsável pelo Programa de Residência em Reumatologia Pediátrica, do Hospi- tal das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo Virginia Paes Leme Ferriani Na fase aguda da doença, o hemograma mostra anemia, leucocitose com neutrofilia e des- vio à esquerda e trombocitose (após a primeira semana da doença) e o VHS e PCR estão aumentados. A avaliação cardiológica, por meio do ecocardiograma, está indicada em todos os casos para identificar ectasias ou aneurismas coronarianos. O tratamento consiste na administração de imunoglobulina intravenosa, (IgIV) em uma única dose (2g/kg/dose), até o décimo dia de febre, preferencialmente entre o 5.º e o 7.º dia. Além disso, deve utilizar-se aspirina (AAS) em doses altas (anti-inflamatórias) de 80-100 mg/kg/dia até que a criança permaneça sem febre, durante 48h, altura em que esta dose deve ser reduzida para 3-5 mg/kg/dia (dose anti-agregante plaquetária). O atendimento dos pacientes com dK é feito pelo especialista em Reumatologia Pediátrica. Existem centros de Reumatologia Pediátrica em vários estados do Brasil. No portal da So- ciedade Brasileira de Reumatologia existem informaçõesdetalhadas sobre cada um deles. Para saber mais www.reumatologia.com.br/index.asp?Pagina=reumatologia/servicos.asp http://www.vidasraras.org.br/site/ K Doença Doença 140 A doença de Kimura (DK) é uma doença inflamatória crônica de etiolo- gia incerta. Apresenta-se como uma massa nodular bem definida ou, como uma lesão em placa de limites imprecisos, em geral na região subcutânea, indolor, com predileção pela região da cabeça e pescoço. Rotineiramente envolve as glândulas salivares maiores e linfonodos regionais. A maioria dos casos de DK foi descrita em indivíduos asiáticos, do sexo masculino, durante a segunda e terceira décadas de vida. Do ponto de vista histológico, a lesão é caracterizada por intensa infiltração de eosinófilos e uma grande proli- feração de pequenos vasos sanguíneos. Laboratorialmente demonstra-se eosino- filia e elevação de imunoglobulina E (IgE) no sangue periférico. As opções de tratamento da DK incluem a excisão cirúrgica das massas, a terapia com esteroi- des e a radioterapia, esta última utilizada como alternativa de recorrência local após excisão cirúrgica. Não há relato, até o momento, de transformação maligna na DK. A principal preocupação terapêutica é a recorrência da doença, que ocorre entre 17% e 44% dos pacientes e parece ser mais frequente quando associada aos seguintes fato- res: duração da doença superior a cinco anos, envolvimento bilateral ou lesões multifocais fora da região das glândulas salivares, diâmetro da lesão maior que 3 cm, lesão de limites mal definidos, contagem de eosinófilos no sangue superior a 20%, e IgE sérica acima de 10,000 IU/ml. Alta prevalência de nefropatia em doença de Kimura tem sido relatada (16% dos casos), 78% dos casos apresentam proteinúria/ síndrome nefrótica de patogênese pouco esclarecida. Na maioria dos pacientes a proteinúria se manifesta simul- taneamente ou posteriormente ao aparecimento das lesões cutâneas, enquanto vários casos têm sido relatados nos quais a proteinúria se desenvolve anos antes do aparecimento de lesões na pele. Os padrões histológicos mais comuns de doença renal são glomerulonefrite membranosa, a glomerulonefrite proliferativa mesangial, doença de lesões mínimas e a glomerulosclerose focal e segmentar. Embora não se compreenda bem a patogênese da DK, a participação do sistema A doença de Kawasaki é auto-limitada, os sinais e sintomas evoluem num período médio de 10 dias e depois há resolução, na maioria das crianças Kimura 141 imune é muito sugestiva. Especula-se que infecções virais ou toxinas poderiam estimular a liberação de linfocinas pelas células T levando a alterações na imunorregulação ou induzindo hipersensibilidade tipo 1 mediada por IgE . Estes estímulos imunológicos poderiam levar tanto à formação das massas características da DK como às manifestações renais associadas. O tratamento padrão para a doença de Kimura é a corticoterapia oral. A ação do corticoide reconhecida como moduladora da produção de linfocinas e da produção de linfócitos T, mos- tra-se eficaz na DK , tanto para o controle das massas como da nefropatia. Verifica-se, no entanto, que a suspensão do corticoide frequentemente resulta em reincidência da doença. Para saber mais www.reumatologia.com.br/index.asp?Pagina=reumatologia/servicos.asp http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Chefe da Unidade de Ne- frologia Pediátrica do Instituto da Criança- HCFMUSP ■ Supervisora do Programa de Residência Médica do Departamento de Pediatria- FMUSP ■ Coordenadora da COREME-FMUSP e Prrogra- ma de Doenças Raras do Departamento de Pediatria- FMUSP ■ Secretaria Geral da Asso- ciação Latino-americana de Nefrologia Pediátrica Vera H. Koch K Doença Doença 142 A síndrome de Klinefelter refere-se a um grupo de anomalias cromos- sômicas em que há a presença de um cromossomo X extranumerá- rio, em cariótipo masculino normal, 46,XY. A aneuploidia XXY, em 70% dos casos, é a anomalia mais comum dos cromossomos sexuais, com uma frequência de 1:500 indivíduos e se cons- titui na forma mais comum de hipogonadismo masculino - incidência de 1:1000 na população masculina. As variantes da síndrome de Klinefelter são muito me- nos frequentes: 48,XXYY e 48,XXXY com incidência de 1 por 50 000 nascidos- -vivos, do sexo masculino. Algumas formas de mosaicismo têm sido descritas Os sinais clínicos da síndrome são sutis e dependem da idade do paciente. Ao nascimento, geralmente o exame físico é normal. Nesse período, ou nos primei- ros anos de vida, a síndrome pode ser identificada pelo cariótipo quando da in- vestigação de hipospádia, micropenis ou criptorquidia. Pode ainda ser observada uma limitação de supinação e pronação dos antebraços. Em idade escolar, o paciente pode apresentar atraso da linguagem, proble- mas de aprendizagem ou do comportamento. Em idade puberal, o diagnóstico pode ser sugerido pelo desenvolvimento pubertário atrasado ou incompleto, gi- necomastia, testículos pequenos e hábito eunucóide. A alta estatura em geral é observada a partir dos 5 anos de idade e o adulto atinge uma estatura elevada, com pernas e braços longos. A infertilidade ou o câncer de mama direcionam ao diagnóstico no adulto. O grau de comprometimento mental e físico depende do número de cromossomos X extra. A análise cromossômica em sangue periférico (cariótipo) com a identifi cação de pelo menos um cromossomo X extra em um cariótipo 46,XY confi rma o diag- nóstico. As tecnologias aplicadas à medicina fetal têm possibilitado o diagnóstico mais frequente e precoce da síndrome de Klinefelter, através da análise de amnió- citos ou de células vilocoriais, através do cariótipo ou PCR (Reação em Cadeia de Polimerase), ou FISH (Hibridação In Situ Fluorescente). Em idade puberal e em adultos, há um hipogonadismo hipergonadotrófi co com elevação de FSH e LH e estradiol e níveis de testosterona baixos ou em limite mínimo de normalidade. Os sinais clínicos da síndrome são sutis e dependem da idade do paciente. Nos primeiros anos de vida, a síndrome pode ser identi� cada pelo cariótipo quando da investigação de hipospádia, micropenis ou criptorquidia Klinefelter 143 ■ Professora de Genética Médica – curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) ■ Doutorada em Genética Médica na Université Louis Pasteur – França ■ Responsável pelo serviço de Genética Médica do Hospital Universitário Alcides Carneiro – UFCG ■ Título de especialista em Pediatria e em Genética Médica Paula Frassinetti Vasconcelos de Medeiros Nem todos os pacientes 47,XXY necessitam de reposição com testosterona (via intramuscu- lar ou sob a forma de gel ou patch cutâneo) a partir da idade puberal. A dose de testosterona deverá ser suficiente para manter concentrações séricas normais de testosterona, estradiol, FSH, LH e deve promover o desenvolvimento de pêlos corporais, engrossamento da voz, aumento da massa muscular, da densidade óssea e do tamanho do pênis. A ginecomastia pode não regredir com o tratamento hormonal, sendo necessário o tratamento cirúrgico. A valvulopatia da aorta, ruptura de aneurismas, câncer de mama, Leucemia, Linfoma, tu- mores de células germinativas, doenças auto-imunes. Osteoporose, diabetes mellitus e ti- reoiodopatias são doenças associadas à síndrome de Klinefelter. O risco de recorrência não é maior do que o observado na população geral. Sabe-se, no entanto, que a probabilidade de não-disjunção do cromossomo X aumenta com a idade materna. Para saber mais www.orpha,net http://www.vidasraras.org.br/site/ K Síndrome Síndrome 144 As complicações podem incluir sangramento, celulite, trombose ve- nosa, embolia pulmonar, vesícula linfática, ulceração, escoliose vertebral, anormalidades da marcha, lesão articular e dor crônica. Anormalidades associadas, tais como macrodactilia, linfedema, ou o envolvimento dos órgãos abdominais e pélvicos também podem ocorrer. A mutação somática do gene PIK3CA está envolvida em um grupo de condiçõesestreitamente relacionadas que seriam KTS, cravo, M-CM, FAVA. Um teste po- sitivo para tal mutação, pode confirmar o diagnóstico da KTS, enquanto que um resultado negativo não a exclui. A descoberta do gene PIK3CA como a causa de KTS trouxe possibilidade de tratamento. Inibidores de PI3K e mTOR estão sen- do investigados e utilizados. Avaliações com Tomografia Axial Computadoriza- da e ressonância magnética e Doppler colorido são úteis para determinar as re- percussões da síndrome e a melhor forma de manejo das alterações vasculares. O tratamento geralmente é conservador e multidisciplinar. Como regra geral, é importante uma abordagem terapêutica precoce, para que lesões que poten- cialmente levam à grande morbidade, sejam preventivamente caracterizadas e tratadas. Utilizam-se faixas/meias compressivas ou outras medidas equivalentes para auxiliar no tratamento das alterações circulatórias e proteger o membro. Ensaios clínicos recentes com Sirolimus provaram ser úteis em alguns casos. A terapia com laser pode reduzir ou eliminar manchas “vinho do porto” e ajudar a controlar vesículas linfáticas. Os procedimentos cirúrgicos podem ser neces- sários para diminuir tecido em excesso, para excisar veias ectásicas ou para corrigir o crescimento desigual nos membros (fixação da epífise), por exemplo. A gestão interdisciplinar abrangente deve incluir cuidado psicológico para tra- A síndrome de Klippel-Trenaunay (KTS) é uma combinação de malformações vasculares de baixo � uxo (capilar, venosa e linfática) associada ao crescimento excessivo de tecidos moles e ósseo, comprometendo geralmente o membro inferior. Klippel-Trenaunay 145 ■ Professora Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará. ■ Médica do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. ■ Doutora em Medicina pela UNIFESP. Isabel C. Neves de Souza balhar na criança e sua família em questões relacionadas a adaptação e enfrentamento das re- percussões apresentadas. A assistência social deve orientar as famílias quanto aos benefícios sociais e acesso ao tratamento. O apoio a estas famílias pode ser fornecido também através de organizações de base comunitária, associações ou grupos de apoio. ■ Para saber mais https://k-t.org/about-kt/what-is-kts http://www.vidasraras.org.br/site/ K Síndrome Síndrome llllll 148 É caracterizada pelo alto risco para o desenvolvimento de diversos tipos de tumores malignos tais como câncer de mama na pré-menopausa, sarcoma de partes moles e osteosarcoma, tumores do sistema nervoso central e adrenocorticais. Outros tipos de tumores são frequentes na LFS como o câncer de pulmão, colorretal e tireoide. A LFS é uma síndrome de alta penetrância, com risco cumulativo de câncer de 50% aos 40 anos e de até 90% aos 60 anos. O diagnóstico clínico da LFS é defi nido a partir do paciente índice ou probando que apresentou sarcoma antes dos 45 anos, além de um parente de 1° grau com cân- cer antes dos 45 anos e outro parente de 1° ou 2° com câncer antes dos 45 anos ou sarcoma em qualquer idade. Famílias que não apresentam a expressão completa do fenótipo clássico são denominadas Li-Fraumeni like (LFL). A LFL é defi nida pelo probando com um tumor do espectro LFS (câncer de mama na pré-menopausa, sar- coma de partes moles, osteossarcoma, tumor de sistema nervoso central, carcinoma adrenocortical) antes dos 45 anos e: pelo menos 1 parente de 1o ou 2o grau com tumor do espectro LFS antes dos 56 anos ou com múltiplos tumores ou probando com múltiplos tumores sendo dois do espectro LFS (o primeiro diagnóstico antes de 46 anos) ou carcinoma adrenocortical, tumor de plexo coróide, rabdomiossarcoma anaplásico embrionário, independente da história familiar ou câncer de mama antes dos 31 anos. Mutações germinativas no gene supressor de tumor TP53 foram encontradas em aproximadamente 77% dos pacientes com a LFS e entre 40% a 20% com LFL. A prevalência estimada da LFS nos Estados Unidos e na Europa é de aproximadamen- te 1 :5.000 indivíduos (Laloo et al., 2003 ). No Brasil, há uma alta prevalência da síndrome devido à presença da mutação fundadora p.R337H TP53, que está presen- te em 0,3% da população do Sul do Brasil. Até o momento não existem terapias específi cas para pacientes portadores da LFS. A síndrome de Li-Fraumeni (LFS, OMIM # 151623) é uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer de caráter autossômico dominante. Li-Fraumeni 149 O uso de radioterapia no tratamento do câncer em portadores deve ser evitado devido à evidências que indicam o aumento de risco para o desenvolvimento de novos tumores primários. Estratégias clínicas de manejo de risco são necessárias para reduzir a morbidade e a mortalidade da LFS. O rastreamento indicado para pacientes com LFS é o protocolo de Toronto, que inclui a Ressonân- cia Magnética de corpo inteiro e de cérebro, ultrassonografi a abdominal, exames bioquímicos, colonoscopia em adultos e ressonância magnética das mamas em mulheres. Neste estudo, dos pacientes que optaram por não ser rastreados, apenas 21% ainda estavam vivos após 5 anos. No grupo que seguiu o Protocolo de Toronto, 100% ainda estavam vivos após 5 anos. O protocolo de Toronto foi o primeiro a evidenciar benefício de sobrevida na detecção precoce de malignidades em portadores da LFS. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ L ■ Médica formada pela Faculdade de Medicina da Fundação do ABC ■ Especialização em Genética Médica pela UNIFESP ■ Mestre em Oncolo- gia pela Fundação Antônio Prudente ■ Diretora do departamento de Oncogenética do Hospital A.C. Camargo ■ Coordenadora do departamento de Oncogenética da Sociedade Bra- sileira de Genética Clínica ■ Cientista assistente no CIPE no laborató- rio de Oncogenética Molecular ■ Orientadora da pós-graduação da Fundação Antônio Prudente Maria Isabel Achatz Síndrome Síndrome 150 Não se trata de doença oncológica, mas ocorre um processo infl amatório generalizado com destruição tecidual, que muito se assemelha à sepse, mas sem detecção de agentes infecciosos e com falta de reposta aos tratamentos convencionais. O termo HLH se refere a um conjunto de patologias que podem ser divididas em formas primárias ou hereditárias e formas adquiridas. As alterações imunológicas na HLH incluem o envolvimento de células imunológi- cas importantes como os linfócitos natural killer (NK), os T citotóxicos (LTC) e os macrófagos. Os NK e os LTC estão comprometidos em suas funções de promover a eliminação dos tecidos lesados ou infectados e os próprios macrófagos que estão ativados e secretando expressivas quantidades de citocinas capazes de lesar e provo- car danos nos tecidos, evento conhecido como “tempestade de citocinas”. A falta de função das células NK e LTC ocorre por defeitos genéticos exatamente nas proteases (perforinas) envolvidas no processo de morte celular conhecida como apoptose. As formas primárias correspondem a 25% de todos os casos de HLH e são de apre- sentação mais precoce e grave e que requerem, na maioria dos casos, o transplante de células hematopoiéticas. Ocorrem em 1:50.000 a 1:100.000 nascidos vivos e já foram descritos vários genes responsáveis, entre eles os mais frequentes são: PRF1 (gene da perforina na HLH familiar tipo 2 – FHL2, com 20-37% dos casos familia- res), UNC13D (gene da Munc13-4 na FHL3, com 20-30%), STXBP2 (gene da sin- taxina da FHL5, com 5-20% dos casos). Na forma familiar também estão incluídos os casos de Imunodefi ciências primárias que desenvolvem síndrome hemofagocíti- ca precocemente, como a Síndrome de Chediak-Higashi (mutação no gene CHS1/ LYST em 2% casos descritos) e a síndrome de Griscelli tipo 2 (RAB27 em 5% ca- sos) e cuja característica clínica mais evidente são as alterações pigmentares como o albinismo parcial e os cabelos prateados. Outras imunodefi ciências mais raras que podem cursar com HLH são a Doença Linfoproliferativa ligada ao X (XLP), Defeito no canalde Magnésio associada a Imunodefi ciência ligada ao X (XMEN), Defi ciên- cia da quinase de células T induzida pela IL-2 (Defi ciência de ITK), Defi ciência do CD27, todas elas muito relacionadas ao vírus Epstein-Barr. A Linfohistiocitose hemofagocítica – HLH (do inglês - hemophagocytic Lymphohistiocytosis) é uma síndrome rara, agressiva e com risco de vida onde se observa uma ativação imunológica exagerada. Ocorre predomi- nantemente em crianças até os 18meses, sem predomínio entre os sexos, mas pode ocorrer inclusive em adultos. Linfohistiocitose Hemofagocítica 151 ■ Mestre e Doutor em Ciências pela Facul- dade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Chefe da Unidade de Alergia e Imunologia, Departamento de Pediatria, Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Fa- culdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ■ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI). ANTONO CARLOS PASTORINO As formas secundárias da HLH correspondem aos casos onde não se encontram as mutações descritas nas formas familiares e cujos desencadeantes podem ser infecções virais, doenças au- toimunes ou neoplasias. Nesse grupo está incluída a Síndrome de ativação Macrofágica, termo que se utiliza para denominar a HLH desencadeada por doenças reumatológicas, em especial na artrite idiopática juvenil. Os desencadeantes mais frequentes da HLH são as infecções virais, especialmente o vírus Eps- tein-Barr, mas já foram descritos casos associados ao vírus do HIV ou Dengue, Leishmaniose visceral, síndrome de Kawasaki, Doença Granulomatosa crônica, infecções graves, entre outros. Os achados clínicos da HLH estão associados ao seu envolvimento multisistêmico e podem mi- metizar doenças infecciosas, febre de origem indeterminada, hepatite, encefalite, mau estado geral, entre outros, sem diferenças entre os tipos genéticos. A hepatomegalia e esplenomegalia são os achados mais frequentes (até 95-97%), seguidos pela febre (93%), linfonodomegalia, sin- tomas neurológicos e rash cutâneo em 1/3 dos casos e achados correspondentes às doenças de base envolvidas. O laboratório pode apresentar citopenias (até 80% dos casos), elevados níveis de ferritina (> 500�g/dl), hipertrigliceridemia (> 265mg/dl em jejum), hipofi brinogenemia (é aparente nos primeiros meses de vida, mas os sintomas torna-se evidentes entre 6 e os 12 meses. A lesão tubular renal crônica associa-se a uma glomeruloesclerose, resultando em insufi ciência renal crônica lenta e progressiva, após os 10 anos de idade. O fenótipo é característico devido à catarata, ao aspecto de desnutrição crônica, ao grave atraso do desenvolvimento psicomotor com alguns movimentos repetiti- vos de mãos e problemas comportamentais. Há variabilidade fenotípica e alguns pacientes são calmos e afetuosos. Além da catarata, 50% dos meninos afetados apresentam glaucoma que compromete ainda mais a capacidade visual. A SL é causada pela atividade reduzida da enzima inositol-5-fosfatase, devido a mutação no gene OCRL. O diagnóstico é basicamente clínico pelos sinais clássicos de catarata congênita, síndrome de Fanconi Renal, atraso do DNPM. O diagnóstico defi nitivo deve ser estabelecido pela demonstração de atividade (suas mutações levam à defi ciência enzimática e, con- sequentemente, ao acúmulo dos glicosaminoglicanos (GAGs). O principal GAG que se acumula é o dermatan sulfato. O acúmulo progressivo desse GAG, decorrente da defi ciência da arilsulfatase B, leva a uma doença de cará- ter multissistêmico, com aumento expressivo do dermatan sulfato no sistema ósteo- -esquelético, válvulas cardíacas, córnea, fígado, baço e inclusive pulmão. Como não há acúmulo importante do dermatan no sistema nervoso central, pacientes com MPS VI, ao contrário de outras MPS, apresentam intelecto preservado, embora haja casos em que os pacientes podem ter defi ciência intelectual, decorrente de sequela de uma hidrocefalia não corrigida, por exemplo. Pacientes com MPS VI são saudáveis ao nascimento mas, progressivamente, exi- bem sinais de défi cit de crescimento. O diagnóstico, no entanto, é muitas vezes tardio, sendo feito em geral apenas quando a criança já apresenta sinais de acometimento multissistêmico, com a presença de organomegalia, opacifi cação de córnea e fácies infi ltrado. Usualmente, os primeiros sintomas da doença são infecções de vias aéreas superiores de repetição e/o otite média crônica recorrente. As contraturas articulares já se tornam evidentes nos primeiros anos de vida, particularmente a mão em garra (claw hand). Outros sinais clínicos comuns são macrocefalia, macroglossia, aspecto facial infi ltrado, córnea opacifi cada, hernia umbilical e inguinal. Envolvimento do sistema ósteo-esquelético é comum nos pacientes com MPS VI e são frequentes várias alterações ósseas e articulares, como as contraturas em grandes e pequenas articulações, o que limita a mobilidade desses pacientes. Radiologica- mente, descreve-se a presença de dysostosis multiplex (disostose óssea múltipla), um termo que se refere a alterações ósseas múltiplas, decorrente do acúmulo progressivo do dermatan sulfato. Pacientes com MPS VI também apresentam frequentemente complicações do siste- ma nervoso, tanto periférico quanto central. Síndrome do Túnel do Carpo (STC) é um Pacientes com Maroteaux-Lamy, ou MPS VI, são saudáveis ao nascimento e não aparentam sinais de afecção por uma doença de armazenamento lisossômico. Muitos, inclusive, apresentam crescimento acelerado no primeiro ano de vida Marateaux-Lamy 161 achado comum nestes pacientes, apresentando-se com sensação de parestesias ou mesmo pontadas em mãos e pés. Também fraqueza motora pode estar presente. Estreitamento do canal medular (este- nose medular) , particularmente da porção cervical, é outro achado comum nos pacientes com MPS VI e deve ser cuidadosamente avaliado, já que a progressão da estenose pode levar à compressão medular e alterações motoras, importantes nos pacientes. Também é importante o acompanhamento quanto a sinais de hidrocefalia, outra complicação que pode estar presente em alguns pacientes e que pode requerer intervenção cirúrgica. Outros problemas de saúde comuns em pacientes com MPS VI envolvem perda auditiva (geral- mente condutiva, decorrente das otites médias de repetição), opacifi cação da córnea, valvulopatia cardíaca (especialmente envolvendo as válvulas aórtica e mitral), hipertensão pulmonar, alterações dentárias, além da síndrome da apneia do sono (SAOS), essa última, inclusive, pode levar alguns pacientes com MPS VI a necessitarem do uso de CPAB ou BiPAP. Em virtude disso, o paciente bene- fi cia sobremaneira de um acompanhamento médico multidisciplinar. Com o advento da Terapia de Reposição Enzimática (TRE), abriu-se um novo capítulo no trata- mento da MPS VI. O uso da enzima recombinante N-acetilgalactosamina 4-sulfatase, rhASB (gal- sulfase, Naglazyme®), em pacientes com a síndrome de Maroteaux-Lamy evidenciou melhoras clínicas nesses pacientes a partir de vários estudos realizados (Wraith JE 2007; Harmatz el al 2004; Harmatz et al 2005; Harmatz el al 2006). Estudos a longo prazo, porém, ainda são importantes para se verifi car o impacto da TRE na expectativa de vida desses pacientes. A MPS VI é uma enfermidade rara, com uma incidência variável em diferentes populações,variando de 1:250 000 a 1:600 000. Há, porém, uma incidência maior dessa MPS em Portugal e também no Brasil, em comparação com outros países do mundo, onde ela é bem mais rara. Por se tratar de uma enfermidade de herança autossômica recessiva, existe risco de 25% de recorrência da doença em outras gestações, sendo indicado o aconselhamento genético. Para saber mais www.maroteaux-lamy.com http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das s ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço M Síndrome Síndrome 162 A síndrome de Marfan é uma patologia do tecido conjuntivo com trans- missão autossômica dominante e expressividade variável, sem predi- leção por raça ou sexo, que mostra uma prevalência de 1/5000 indi- víduos. As principais manifestações clínicas da síndrome encontram-se no sistema es- quelético (crescimento excessivo dos ossos, hipermobilidade articular, escoliose e deformidade torácica), ocular (ectopia lentis ou luxação do cristalino, miopia e descolamento de retina) e cardiovascular (prolapso da válvula mitral e/ou envol- vimento de outras válvulas cardíacas, dilatação e aneurisma dissecante da aorta). São também observados frouxidão ligamentar, pés planos, hipotrofi a muscular, estrias na pele e pneumotórax espontâneo. Os sinais maiores, como a dilatação da aorta e a luxação do cristalino, são con- siderados fundamentais para o diagnóstico, assim como a determinação de uma mutação em um dos genes responsáveis pela doença. O gene FBN1 foi localizado na região cromossômica 15q21. É um dos maiores genes relacionados com doenças humanas e é responsável por, aproximadamente, 90% dos casos de Síndrome de Marfan. Cerca de 1000 mutações foram descober- tas, porém não existe relação bem estabelecida com uma determinada mutação e a gravidade do quadro clínico. Mais recentemente, foram identificadas mutações nos genes TGFBR1 e TGFBR2. Essas últimas estão relacionadas também a uma diversidade de quadros clínicos que se assemelham à síndrome de Marfan. Os pacientes afetados pela doença se beneficiam de diagnóstico precoce, com o objetivo de minimizar os riscos cardiovasculares e evitar complicações nos de- mais sistemas envolvidos. Atualmente, é possível monitorizar o diâmetro da aorta e instituir o uso de medicamentos que diminuam a frequência cardíaca e o risco de dilatação da aorta. Também se preconiza o acompanhamento oftalmológico, a fim de estabelecer o tratamento da miopia, luxação do cristalino e prevenir o descolamento de retina. O seguimento com o ortopedista para tratamento das alterações esqueléticas, Os pacientes afetados pela doença bene� ciam de diagnóstico precoce, com o objetivo de minimizar os riscos cardiovasculares e evitar complicações nos demais sistemas envolvidos Marfan 163 ■ Graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos ■ Residência em Pediatria pelo Hospital do Servidor Público Estadual ■ Residência em Genética Clínica pelo Hospital do Servidor Público Estadual ■ Mestrado em Gené- tica, UNIFESP ■ Doutoramento em Medicina, UNIFESP ■ Médica e pesquisa- dora na UNIFESP/ EPM, com atuação na área assistencial e pesquisa no Centro de Genética Médica (UNIFESP/ EPM) ■ Professora A� liada da Disciplina de Genética, do Dep. de Morfologia e Ge- nética, da UNIFESP Ana Beatriz Alvarez Perez como a escoliose, pé plano e deformidade de tórax, é fundamental para a qualidade de vida do doente. Mais recentemente, é indicado também o seguimento com o endocrinologista,a fi m de antecipar a puberdade e limitar o crescimento excessivo dos ossos. Os exercícios físicos são limitados, já que diminuir a frequência cardíaca e o impacto no glo- bo ocular são fundamentais para amenizar complicações clínicas. Também é necessária a avaliação genética adequada e continuada, uma vez que, dependendo da idade do paciente, a abordagem muda, chegando fi nalmente ao planejamento familiar e ao estabelecimento de riscos reprodutivos. O tratamento conjunto estabelecido pelo Grupo de Estudos e a Associação de pacientes por- tadores da Síndrome de Marfan tem sido um elo extremamente efi caz para aprimorar a suspeita e diagnóstico clínico e melhorar o intercâmbio de informações entre portadores, familiares e diversos especialistas que cuidam de pacientes com esta doença. Para saber mais www.marfan.com.br http://www.vidasraras.org.br/site/ M Síndrome Síndrome 164 M ielofi brose primária ou Metaplasia Mielóide Agnogênica é uma doença hematológica maligna, crônica, caracterizada por espleno- megalia, um quadro leucoeritroblástico no sangue periférico, pre- sença de hemácias em lágrima, vários graus de fi brose medular e hematopoese extramedular. A incidência estimada é de 0,5 a 1,33 casos por 100 000 habitantes/ano. A idade média ao diagnóstico é de 60 anos (50 a 69 anos) e a sobrevida é de 54%, em 3 anos. Os homens são ligeiramente mais afetados do que as mulheres mas, na forma infantil, esta relação inverte-se. No Japão, esta doença era considerada rara. No entanto, a sua incidência é 18 vezes maior na região da explosão atômica, em Hiroshima, mostrando relação com radiação ionizante. A exposição crônica a derivados de benzeno também é associa- da ao desenvolvimento de Mielofi brose. Vários estudos mostram que a proliferação hematopoética neoplásica que ocor- re na Mielofi brose é de natureza clonal. No entanto, a fi brose medular representa uma reação secundária não neoplásica, relacionada à proliferação hematopoética. A representação da fi brose como epifenômeno nesta doença fi ca claramente de- monstrada na reversibilidade da fi brose em pacientes submetidos a quimioterapia, interferon ou transplante de medula óssea. A hematopoese extramedular, geralmente inefetiva, está sempre presente no fí- gado e baço, contribuindo para a hepatosplenomegalia descrita nestes pacientes. Focos de produção podem ser encontrados na supra-renal, rins, gânglios, bexiga, mamas, pulmões e outros locais. Quando existe hematopoese extramedular no sistema nervoso, podem-se obser- var hemorragia subdural, delírios, aumento da pressão liquórica, coma e alterações motoras e sensoriais diversas. Derrames pleural e pericárdico podem ocorrer por produção extramedular em serosas. Após esplenectomia, a hematopoese hepática pode piorar levando à insufi ciência desse órgão. Cerca de 50% dos casos expres- sam mutação do gene JAK2. Em 25% dos casos, o diagnóstico é feito em pacientes totalmente assintomáticos. O diagnóstico de Mielofi brose pós-ET ou pós-PV exige documentação completa Em 25% dos casos, o diagnóstico é feito em pacientes totalmente assintomáticos, sendo o transplante de medula óssea a alternativa adequada para pacientes jovens e de alto risco Mielofi brose Primária 165 ■ Médico formado pela Escola Paulista de Medicina ■ Especialista em Clínica Médica, Hematologia e Hemoterapia ■ Título de especia- lidade com área de atuação em Transplante de Medula Óssea ■ Doutor em Imunologia pela Universidade de São Paulo ■ Ex fellow da Cornell University Medical College ■ Coordenador do Instituto Einstein de Oncologia e Hematologia Nelson Hamerschlak de um diagnóstico morfológico prévio de PV ou ET, respectivamente. A média de sobrevida é de 5 a 6 anos e as causas principais de óbito são transformação para Leu- cemia aguda, falência medular, trombose e hipertensão portal. Nos pacientes assintomáticos, a conduta deve ser observacional. O transplante de medula óssea é a única medida curativa porém, não está estabelecido o melhor momento para sua realização durante o curso da doença. A anemia pode ser manipulada com o uso de eritropoetina ou andrógenos. Nos casos com anemia hemolítica, os corticosteróides são úteis. Em crianças, altas doses de cortisona auxiliam também no controle da Mielofi brose. Agentes alquilantes, hidroxiuréia e interferon-alfa são empregados no controle de sintomas como febre, dor óssea, perda de peso e sudorese, diminuição do tamanho do fígado, baço e das conta- gens leucocitárias e plaquetárias. Radioterapia pode ser útil em aumentos expressivos de baço ou para controle da dor, tumores extramedulares, serosites e áreas focais de dor óssea (periostites ou osteólises). Mas geralmente, a perda de resposta é rápida. A esplenectomia, com altos índices de morbimortalidade (9%), deve ser reservada para condições especiais como aumento expressivo de baço e dor local, excessiva necessidade transfusional, trombocitopenia importante ou hipertensão portal. O uso de Talidomida em baixas doses, combinada ou não a corticosteróides, revilimid (le- nalidomida), interferon peguilado ou mesmo mesilato de imatinibe, em casos selecionados, podem auxiliar no controle de pacientes com Mielofi brose. Os inibidores de Jak 2 parecem ser úteis para diminuição do baço e controle de sintomas. O ruxolitinibe é o inibidor mais utilizado, pois já foi liberado para uso nos Estados Unidos. No Brasil já está disponível para comercialização. Já possui registro na Anvisa, preço na CMED e está passível de entrar no rol da ANS dos planos de saúde em 2018No conceito atual de classifi cação por risco com base nos níveis de hemoglobina ≥ 10g/ dL, presença ou não de blastos no sangue periférico, leucopenia ou leucocitose, o transplante de medula óssea passa a ser alternativa adequada para pacientes jovens e de alto risco. Para saber mais www.laleukemianet.org/pbr/2_Leukemia/25_MPN/MPN_01.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ M Doença Doença 166 Inicialmente relatada por Osler, em 1898, a síndrome de Morquio ou Mucopo- lissacaridose tipo IV (MPS IV) apenas foi descrita como uma displasia óssea sui generis em 1919. Somente em 1963, porém, é que foi reconhecida como parte de um grupo de doenças lisossômicas conhecido como Mucopolissaca- ridoses. A síndrome de Morquio divide-se em dois tipos principais: tipos A (MPS IV-A) e B (MPS IV-B). No tipo IV-A, o defeito enzimático básico é a defi ciência de uma en- zima conhecida como N-acetil-galactosamina-6-sulfatase, causada por mutações no gene GALNS, mapeado no cromossomo 16q24.3. No tipo IV-B, ocorre a defi ciência da enzima β–galactosidase – essa enzima é codifi cada pelo gene GLB1, localizado no cromossomo 3p21.33. É importante destacar que mutações nesse mesmo gene podem causar um outro grupo de doenças lisossômicas bastante diverso da MPS IV, conhecido como gangliosidoses GM1. Em ambos os tipos, a função dessas enzimas é participar da via metabólica de degradação dos glicosaminoglicanos (GAGs). No caso da MPS IV, o principal GAG envolvido é o queratan sulfato (KS). A N-acetil-galactosamina-6-sulfatase também é importante na degradação do condroitin-6-sulfato (CS). O queratan sulfato é pre- dominantemente encontrado em cartilagens e na córnea, o que explica os achados clínicos nos pacientes com síndrome de Morquio. Como não há quantidades impor- tantes desse GAG no cérebro, não se observa alteração intelectual em pacientes com MPS IV, ao contrário do que ocorre em outras MPS (como a II e III) em que ocorre acúmulo de grandes quantidades de heparan sulfato no sistema nervoso central. Os primeiros sinais e sintomas clínicos da MPS IV tornam-se nítidos durante os primeiros anos da infância. Indivíduos afetados desenvolvem diversas alterações ós- seas como baixa estatura, joelhos valgos, anormalidades das costelas, tórax (pectus carinatum), coluna vertebral, quadris e punhos. Comparados a pacientes com outras formas de MPS, pacientes com a síndrome de Morquiotendem a ter maior envolvi- mento da coluna, com surgimento de escoliose, cifose e giba. Radiologicamente, platispondilia é um achado comum. A hipoplasia do odontoide é outro achado radiológico importante que ajuda no processo diagnóstico de um paciente com MPS IV. A hipoplasia do odontoide pode levar ao mau alinhamento da coluna cervical o que pode causar, por sua vez, compressão medular ou dano à Os primeiros sinais e sintomas clínicos da síndrome de Morquio ou MPS IV tornam-se nítidos durante os primeiros anos da infância. Indivíduos afetados desenvolvem diversas alterações ósseas Morquio 167 medula cervical. Infelizmente, a progressão da compressão medula pode ocasionar tetraplegia ou mesmo óbito, sendo uma complicação importante na síndrome de Morquio e que deve ser constan- temente monitorizada. Pacientes com MPS VI também devem ser cuidadosamente avaliados quanto à parte respiratória, pois as alterações da caixa torácica que desenvolvem em combinação com as alterações da coluna podem ocasionar difi culdades respiratórias, além de deixá-los mais susceptíveis a infecções de vias aéreas superiores e paradas respiratórias durante o sono (apneia do sono). Opacifi cação da cornea é um achado comum em pacientes com MPS IV, o que pode levar a di- fi culdades visuais, sendo importante avaliação periódica com o oftalmologista. Otites medias de repetição são comuns e contribuem para a perda auditiva que esses pacientes podem apresentar. Outros achados comuns em pacientes com MPS IV são alterações do esmalte dentário, valvulopatia cardíaca, hernias inguinais e umbilicais. Alguns pacientes podem ter também leve hepatomegalia. Em virtude do caráter multissistêmico dessa enfermidade, os pacientes com MPS IV devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, com ênfase em reabilitação e prevenção de compli- cações secundárias às alterações progressivas que os pacientes apresentam. A MPS IV é uma enfermidade rara, com uma incidência variável em diferentes populações, indo desde de 1:40 000 até 1:263 000. Por ser uma enfermidade de herança autossômica recessiva, há risco de 25% em outras gestações do casal, sendo importante que a família de um paciente com MPS IV tenha acesso ao aconselhamento genético. Recentemente, houve início de estudo de fase III para uma terapia de reposição enzimática (TRE) para MPS IV-A. A possilidade de TRE abre uma nova história no seguimento dos pacientes com Mor- quio e há uma grande expectativa da comunidade científi ca e dos pacientes quanto aos resultados que virão desse ensaio clínico. Para saber mais www.morquio.org http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das Displasias ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço M Síndrome Síndrome 168 A Miopatia Distal Udd, também denominada Distrofi a Muscular Tibial (DMT), uma das formas de MD, foi descrita pela primeira vez em 1993, em 66 indivíduos fi nlandes1 . Estima-se que a prevalência da doença na Finlândia gire em torno de 8 /100.000 habitantes, sendo considera- da a doença muscular mais frequente no país. Entretanto existem relatos de casos em outras localidades, dentre elas França, Suécia, Alemanha, Espanha e Itália, em descendentes ou não de famílias fi nlandesas. Trata-se de uma doença genética, de caráter autossômico dominante, ocasionada por uma mutação no gene TTN, no locus 2q31, porção c-terminal da proteína sarcomérica Titina, responsável por man- ter a integridade do sistema de contratilidade muscular. Usualmente, os primeiros sintomas ocorrem entre os 35-40 anos de idade e se caracterizam por fraqueza que afeta a musculatura tibial anterior, resultando em difi culdade na dorsifl exão dos pés, de instalação lenta, progressiva e assimétrica, sem alterações sensitivas ou nos refl exos dos músculos afetados. Em sua evolução, a fraqueza atinge os músculos extensores longos do hálux e, em alguns casos, a musculatura proximal dos mem- bros inferiores. Porém, raramente o paciente perde a capacidade de deambular. Na DMT, eventualmente, a musculatura de braços e mãos é afetada, além de não haver doença cardíaca concomitante. Outro achado importante é a preservação dos mús- culos extensores curtos dos dígitos, fato que ajuda diferenciá-la das neuropatias. São úteis no seu diagnóstico os seguintes exames: dosagem de enzimas musculares, eletroneuromiografi a, biópsia muscular no sítio afetado, ressonância magnética dos músculos dos membros inferiores e teste genético. A dosagem de creatinoquinase se encontra discretamente elevada (até 4 vezes); a eletroneuromiografi a nos mús- culos afetados evidencia potenciais de unidade motora com baixa amplitude e curta duração; a ressonância magnética dos músculos, no início dos sintomas, evidencia lipossubstituição do músculo tibial anterior e, após 10-15 anos de doença, pode-se observar lesões nos músculos extensores longos dos dedos, tendões dos glúteos médios e nos tensores da fáscia lata ; a biópsia muscular tem como característica marcante da doença a presença de Rimmed Vacuoles, sendo incomuns áreas de ne- Classicamente, as miopatias são caracterizadas por fraqueza muscular proximal. Entretanto, há um grupo de enfermidades que têm em comum comprometimento muscular predominantemente distal (Miopatias Distais – MD). Miopatia Distal Udd 169 Miopatia Distal Udd crose mesmo em casos tardios. A testagem genética para mutações do gene TTN dá o diagnóstico de certeza para doença, sendo esperadas mutações tipo inserções, deleções e mutações pontuais, estas últimas vistas em portadores sem descendência fi nlandesa. A mutação fundadora fi nlande- sa (FINmai) está localizada no último exon 363(Mex6). Até o momento não existe tratamento curativo para o quadro, não sendo registrados ensaios clínicos medicamentosos. São indicados aconselhamento genético e terapias de reabilitação. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (1981); ■ Residência Médica em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo(1984); ■ Mestrado pela Universidade Federal de São Paulo(1988); ■ Doutorado pela Universidade Federal de São Paulo(1990); ■ Pós-doutorado pela Columbia University (1992). ■ Pós-graduanda da Disciplina de Neurologia – UNIFESP/EPM Acary Souza Bulle Oliveira Paula Santos de Souza ■ ■ Acary Souza Bulle Oliveira M Doença Doença 170 A s Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças genéticas que fazem parte do grupo dos erros inatos do metabolismo (EIM). São causadas pela defi ciência de enzimas lisossômicas especifi cas, que afetam o cata- bolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs). Os GAGs não degradados acumulam-se nas células de vários órgãos e sistemas, enquanto que o excesso é excretado na urina do paciente afetado. Tal acúmulo levará a um quadro multissis- têmico e progressivo, com uma série de sinais e sintomas que podem incluir o com- prometimento dos ossos e articulações, das vias respiratórias, do sistema cardiovas- cular e de muitos outros órgãos e tecidos, incluindo, em alguns casos, as funções cognitivas. Características comuns às MPS são o engrossamento progressivo das feições, opacifi cação de córneas, infecções de vias aéreas de repetição, aumento do fígado e baço, acometimento de válvulas cardíacas, rigidez / anomalias articulares e alterações no crescimento, entre outras. Como a maioria dos EIM, as MPS são herdadas em caráter autossômico recessivo, exceto a MPS II (Hunter), com herança ligada ao cromossomo X. A incidência das MPS varia de 1,9 a 4,5 casos em 100 000 nascimentos. Apesar da primeira descrição em 1917,as bases bioquímicas das MPS só foram elucidadas entre as décadas de 50 e 60. Mais tarde foram identifi cadas as bases moleculares e os subtipos. 11 defeitos enzimáticos causam sete tipos diferentes de MPS: MPS I (Hurler/Scheie), MPS II (Hunter), MPS III-A, III-B, III-C, III- -D (Sanfi lippo A,B,C,D), MPS IV-A, IV-B (Morquio A,B), MPS VI (Maroteaux- -Lamy), MPS VII (Sly) e MPS IX. Importante também ressaltar que nem sempre o quadro clinico é idêntico num mesmo tipo de MPS, havendo formas mais graves e mais leves do espectro. A base principal para o diagnóstico é a suspeita clínica, ge- ralmente aventada devido à combinação de vários sinais/sintomas. Diante da sus- peita, testes específi cos precisam ser solicitados para confi rmação de MPS. Testes de triagem urinários podem indicar a excreção de GAGs; avaliação mais especifi ca dos GAGs urinários (em dosagem quantitativa e avaliação qualitativa dos tipos de GAGs excretados) pode sugerir fortemente a MPS e apontar para tipos específi cos. A confi rmação diagnóstica, no entanto, é dada pela dosagem da atividade da en- zima defi ciente em laboratórios de referência, que pode ser efetuada em plasma, As MPS caracterizam-se por engrossamento progressivo das feições, opaci� cação de córneas, infecções de vias aéreas de repetição, aumento do fígado e baço, acometimento de válvulas cardíacas, rigidez / anomalias articulares e alterações no crescimento, entre outras Mucopolissacaridoses 171 leucócitos, tecidos ou até em papel fi ltro (casos específi cos). Antes dos avanços da biotecnologia e possibilidades especifi cas de terapia, o tratamento das MPS tinha como único foco a antecipação e prevenção de complicações, com suporte multidis- ciplinar, aspecto ainda fundamental no manejo desse grupo. A partir da década de 80, o trans- plante de medula óssea/células tronco hematopoiéticas foi proposto como tratamento das MPS, sendo hoje recomendado primordialmente para formas graves de MPS I (Hurler) diagnosticadas precocemente. Na década de 90, novo desenvolvimento, focado em terapias direcionadas para a restauração da atividade da enzima defi ciente, fez com que a Terapia de Reposição Enzimá- tica (TRE) pudesse tornar-se uma realidade. Tal estratégia terapêutica já está disponível para uso clínico nas MPS I, II e VI e na fase fi nal de desenvolvimento para o tipo IV-A. A TRE é administrada por via intravenosa, em infusão de 3-4 horas, semanalmente, e vem modifi cando a historia natural da doença em grande parte dos pacientes tratados. Outras estratégias terapêuticas em investigação incluem o tratamento da MPS III-A e do défi cit cognitivo na MPS II, através de administração da enzima diretamente no sistema nervoso central, além de estratégias visando a inibição da síntese de GAGs ou do resgate da atividade enzimática com moléculas pequenas. Cabe ressaltar que, até ao momento, mesmo para os tipos nos quais a TRE está disponível, tal terapia deve ser considerada parte do tratamento, sendo de grande importância o diagnóstico pre- coce e o manejo adequado das manifestações multissistêmicas das MPS, visando ganhos ainda maiores na qualidade de vida. Para saber mais www.ufrgs.br/redempsbrasil/index.php http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica Geneticista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fiocruz – Rio de Janeiro ■ Principais áreas de atuação: defeitos congênitos, aconselhamento genético, genética pré-natal, novos tratamentos e políticas públicas em saúde para doenças raras Dafne Dain Gandelman Horovitz M Doença Doença nnnnnn 174 Tem um modo de transmissão autossômico dominante e a penetrância é praticamente completa aos 5 anos de idade. O gene NF1, que é respon- sável pela doença, está localizado no braço longo do cromossoma 17 (17q11.2). É um gene supressor tumoral, que codifi ca uma proteína ci- toplasmática: a neurofi bromina. Mutações associadas à doença estão distribuídas por todo o gene e são habitualmente específi cas de cada família. A frequência de mutações novas é particularmente alta e quase metade dos casos é esporádica. A NF1 é caracterizada por uma grande variabilidade de expressividade clínica, mesmo dentro de cada família. São necessários dois dos seguintes sete critérios para estabelecer o diagnóstico de NF1: • manchas café com leite (nas crianças – 5 ou mais MCCL de pelo menos 0.5mm, nos adultos – 6 ou mais MCCL de pelo menos 1.5mm em seu maior diâmetro); • efélides axilares ou inguinais; • 2 ou mais neurofi bromas cutâneos de qualquer tipo ou um neurofi broma plexi- forme; • 2 ou mais nódulos de Lisch (hamartomas da íris); • displasia da asa do esfenóide ou redução da espessura do córtex dos ossos lon- gos, ou pseudo-artrose; • glioma óptico; • um familiar em primeiro grau afetado. A grande variação da expressividade clínica, o risco de neoplasias e a evolução imprevisível da doença indica um seguimento regular dos pacientes com NF1 com especialistas. Este acompanhamento é, sobretudo, clínico e deverá ser adaptado A neuro� bromatose tipo 1 (NF1) ou doença de von Recklinghausen é uma das doenças genéticas mais comuns, afetando 1 /3.000 - 4.000 indivíduos. Neurofi bromatose tipo 1 175 Neurofi bromatose tipo 1 ■ Médica Geneticista, possui mestrado em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997) ■ Doutorado em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004) ■ Médica Geneticista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, pesquisadora com atuação principalmente nos seguintes áreas: Oncogenética e Erros Inatos do metabolismo. ■ Graduada em Medicina (1992) e doutora em Ciências Biológicas (Bioquimica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999) ■ Residência no Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre de 1993 a 1995 ■ Fellow em genética clínica (1995-1997) e em genética clínica molecular (1997- 1999) no Departamento de Genética do Mount Sinai School of Medicine de Nova Iorque, Estados Unidos ■ Pós-doutorado (CNPq) no Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre na área de oncogenética ■ Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, professora adjunta do Departamento de Genética da UFRGS e professora do núcleo permanente dos Programas de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular e Medicina: Ciências Médicas na mesma Universidade Cristina Netto MD, PhD Patricia Ashton-Prolla MD, PhD N Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ à idade do paciente, de modo a assegurar identifi cação e tratamento precoce das complicações: difi culdades de aprendizagem, glioma óptico agressivo, escoliose evolutiva, hipertensão arterial (por estenose da artéria renal ou feocromocitoma), crescimento dos neurofi bromas, neoplasias, entre outros. Doença Doença 176 Descrita inicialmente em 1914 pelo pediatra alemão Albert Niemann a partir de um caso de uma criança com comprometimento do sistema nervoso central e esplenomegalia, e posteriormente pelo patologista alemão Ludwig Pick (em 1927), a compreensão da fi siopatologia da doença de Niemann-Pick tipo C (NPC) só foi possível em 1984, quando o Dr. Pen- tchev e os seus colegas descobriram a ligação entre a NPC e as anormalidades no trânsito intracelular de lipídios. Duas proteínas são essenciais ao transporte do colesterol para fora do lisossomo: NPC1 e NPC2. Mutações em qualquer um dos genes codifi cadores dessas duas proteínas levam o indivíduo a ser afetado pela NPC. Ainda há muitas dúvidas sobre como essas proteínas atuam, mas evidências laboratoriais sugerem que ambas tra- balham em conjunto para libertar o colesterol de dentro do lisossomo. Quando uma dessas proteínas não funciona adequadamente, ocorre a acumulação do colesterol dentro do lisossomo, “disparando” um cascata de eventos que leva ao acúmulo de glicoesfingolipídios, à alteração do metabolismo do cálcio intracelular e à apoptose celular. Esse acúmulo de glicoesfi ngolipídios ocupa um papel importante no pro- cesso de neurodegeneração, similar ao que ocorre em outras neurolipidoses. Os sintomas principais de NPC são hepatomegalia, esplenomegalia, icterícia (particularmente nos primeiros meses de vida), além dos sinais neurológicos, tais como paralisia do olhar vertical supranuclear, ataxia, distonia, disartria ou ainda outros sinais extrapiramidais (como tremores, parkinsonismo). A paralisia do olhar vertical supranuclear é altamente sugestiva de NPC. Alterações ao nível do fígado ou do baço nos primeiros meses de vida são também muito sugestivas de NPC. Alguns trabalhos sugerem que a NPC pode ser uma causa genética frequente de colestase prolongada no primeiro ano de vida. O diagnóstico é confi rmado por teste citoquímico (teste de Filipin) ou pela análise molecular dos genes NPC1 e NPC2. Os sintomas neurológicos, na maior parte das vezes, manifestam-se entre os 4 e os 10 anos de idade, mas podem começar mais precocemente ou até depois dos 60 anos de idade. O envolvimento neurológico é proeminente e independente do visce- A doença de Niemann-Pick tipo C (NPC), ao contrário dos tipos A/B, é causada não por uma de� ciência de uma enzima lisossomal, mas sim por um defeito de transporte intralisossomal do colesterol Niemann-Pick tipo C 177 Niemann-Pick tipo C ral, e está correlacionado com a gravidade da doença e seu caráter debilitante e fatal. Ainda não há cura para esta enfermidade porém, recentemente, foi aprovado na Europa, Canadá e Brasil, o uso de um iminoaçúcar conhecido como Miglustat como terapia modifi cadora da doença (Te- rapia de Redução de Substrato, TRS). Este medicamento diminui o acúmulo de glicoesfi ngolí- pidios e aparenta modular também o metabolismo do cálcio intracelular, porém não interfere no evento primário da doença, o acúmulo de colesterol no lisossomo. O paciente com NPC deve ser seguido por uma equipe multidisciplinar, com ênfase em reabi- litação e a família do paciente deve ter acesso a aconselhamento genético, pois trata-se de uma enfermidade recessiva com risco de 25% em futuras gestações do casal. Para saber mais www.niemannpickbrasil.org.br http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das Displasias ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço N Doença Doença 178 C aracteriza-se pela presença de baixa estatura de origem pós-natal; dis- morfi smos faciais (hipertelorismo ocular, ptose palpebral, proptose, inclinação para baixo das fendas palpebrais, palato alto e má-oclusão dentária e orelhas posteriorizadas, com dobradura exagerada da porção superior da hélice), pescoço alado, deformidade esternal e sendo muito comum a presença de pectus carinatum superiormente e excavatum inferiormente, cardio- patias congênitas, especialmente a estenose pulmonar valvar e a miocardiopatia hipertrófi ca, criptorquidia, anomalias hematológicas e defi ciência intelectual, em geral de grau leve. Deve-se atentar para o fato que o quadro clínico é bastante va- riável, tanto entre pacientes não aparentados como em indivíduos afetados dentro da mesma família. A maioria dos casos da síndrome de Noonan é isolado nas famílias, decorren- te de uma mutação nova. Nos indivíduos afetados, como o padrão de herança é autossômico dominante, há um risco de 50% de transmissão da doença para os descendentes. A base genética da síndrome começou a ser elucidada recentemente. Diversos genes da via RAS/MAPK estão envolvidos, demonstrando uma heterogeneidade genética. O gene principal, responsável por aproximadamente 50% dos casos, é o gene PTPN11. Essa via de sinalização está envolvida em diversos processos do desenvolvimento, incluindo a valvulogênese pulmonar. Outros genes envolvidos na síndrome, em ordem de frequência, são SOS1, RAF1, KRAS. Mais raramen- te, pode-se encontrar mutações nos genes SHOC2, BRAF, MEK1, NRAS e CBL. As mutações observadas, em geral, são mutações missense, causando um ganho de função. O estudo conjunto destes genes permite a confi rmação diagnóstica da síndrome em aproximadamente 60% dos afetados, indicando que outro(s) gene(s) ainda precisam ser identifi cados. Síndromes com uma sobreposição clínica muito grande com a síndrome de Noo- nan, como a síndrome de Noonan com lentigines (também conhecida como síndro- me de LEOPARD), cardiofaciocutânea e a síndrome de Costello, são causadas por A maioria dos casos da síndrome de Noonan é isolado nas famílias, decorrente de uma mutação nova. Nos indivíduos afetados, como o padrão de herança é autossômico dominante, há um risco de 50% de transmissão da doença para os descendentes Noonan 179 ■ Mestre e Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Geneticista Médica na Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo Débora Bértola genes presentes na mesma via de sinalização e, juntamente com a Neurofi bromatose tipo I, são agora denominadas síndromes neurocardiofaciocutâneas ou RASopatias. Devido a grande heterogeneidade genética presente na síndrome, o estudo molecular torna-se complexo. Além disso, não existe uma correlação genótipo-fenótipo bem estabelecida. Estudos mostram que há uma maior associação da presença de estenose pulmonar valvar em pacientes com mutações no gene PTPN11 e de miocardiopatia hipertrófi ca com o gene RAF1. Por outro lado, pacientes com mutações no gene SOS1 tendem a ter uma menor frequência de baixa esta- tura e defi ciência intelectual e, por outro lado, maior acometimento ectodérmico, caracterizado por hiperceratose folicular. Com o recente advento da tecnologia do sequenciamento de nova geração, que permite o estudo conjunto de diversos genes em painel, a confi rmação diagnóstica tende a ser realizada de forma mais rápida. O tratamento da síndrome dependerá das anomalias apresentadas pelo paciente. A alteração que requer maior atenção é a anomalia cardíaca. A estenose pulmonar valvar pode apresentar-se frequentemente com displasia da valva, o que pode inviabilizar o sucesso da dilatação percutâ- nea por balão. Para o tratamento do défi cit de crescimento, o uso do hormônio de crescimento tem sido preconizado, embora o seu benefício ainda não seja totalmente claro. Para saber mais www.chc.min-saude.pt/servicos/Genetica/noonan.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ N Síndrome Síndrome oooooo 182 Foi descrita, separadamente, pelo Dr. John Opitz como síndrome G e síndrome BBB, na década de 60. Posteriormente, foi constatado que era uma entidade única recebendo o nome de síndrome de Opitz G/ BBB. A síndrome de Opitz G/BBB é caracterizada por defeitos congênitos faciais, laringo-traqueo-esofágicos, genitais e cardíacos. A forma mais comum é ligada ao cromossomo X, afetando somente meninos, sendo em 50% dos casos causada por mutações identificáveis no gene MID1. A prevalência é em torno de 1 para cada 50 000 a 100 000 meninos. Porém uma for- ma autossômica dominante está descrita, sem gene identificado até o momento. As características faciais mais comuns são hipertelorismo ocular, fronte proe- minente, raiz nasal larga, narinas antevertidas, anomalias de orelhas, microce- falia, fontanela ampla e/ou sutura metópica proeminente. Em 50% dos casos, existe fenda labial com ou sem fenda de palato. Outras características são palato alto, anquiloglossia, hipodontia e dentes dea também se tem mostrado útil para evidenciar a presença de útero e/ou cavidade vaginal, bem como demonstrar gônadas em situação intra-abdominal, sem no entanto permitir a caracterização do tipo de gônada presente. Deve-se lembrar, no entanto, que a não identifi cação de gônadas ao ultra-som não signifi ca, necessariamente, que tais estruturas não estejam presentes, havendo necessidade, em casos sele- cionados, de laparotomia exploradora ou laparoscopia para uma completa elucidação das estru- turas presentes e o consequente planejamento terapêutico. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ www.sbp.com.br/img/documentos/doc_tratamento_anomalias.pdf ■ Professor livre-docente pela USP ■ Chefe da unidade de Endocrinologia Pediátrica do ICR-HC-FMUSP ■ Editor senior do International Journal of Pediatric Endocrinology ■ Membro do departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria ■ Presidente do Comitê Paulista de Endocrinologia Pediátrica Durval Damiani Malformação A 18 A taxia telangiectasia (AT) ou síndrome de Louis-Bar resulta de mutações que ocorrem no gene ATM, descrito em 1995. Esse é um dos genes res- ponsáveis por reparos no DNA, portanto, mutações nesse gene facilitam a instabilidade cromossômica, aumentando inclusive a susceptibilidade a tumores. A herança genética é autossômica recessiva e, neste contexto, a presença de consanguinidade pode ser um fator de risco para o aparecimento da doença. Am- bos os pais portadores apresentam 25% de chance de gerar um fi lho acometido e um risco de 50% de que os seus herdeiros sejam portadores da doença. Os sintomas decorrentes da mutação genética são de caráter progressivo e podem ser observados nos primeiros anos de vida sendo os comprometimentos imunoló- gico e neurológico os mais relevantes. Pode haver diversidade na gravidade das manifestações, sendo que, para alguns, pode haver mais prejuízo na fala, para outros no sistema locomotor, mas um achado laboratorial comum é a elevação da alfa- -fetoproteína sérica. As alterações do sistema nervoso são principalmente motoras e degenerativas. As manifestações iniciais podem ser percebidas quando a criança tenta dar os seus primeiros passos e o envolvimento do sistema nervoso central não é uniforme, des- tacando-se a disfunção cerebelar. Como resultado, a marcha, a postura e o tônus muscular dos pacientes fi cam bastante comprometidos. No início, as crianças conse- guem caminhar, até mais rapidamente para manter o equilíbrio, mas a ataxia faz com que os seus passos sejam entrelaçados levando a grandes chances de queda. Com o progredir da doença, o tônus muscular também se altera e os pacientes usam an- dadores ou passam a fi car restritos a cadeiras de rodas. Podem ocorrer movimentos involuntários de braços e mãos. Pacientes com AT apresentam apraxia oculomotora (incoordenação dos movimentos oculares) o que difi culta a visão. A fala também pode fi car prejudicada, mais lenta e pastosa, decorrente da disartria. Torna-se difícil avaliar a cognição destes pacientes, mas em geral ela é preservada assim como a audição, facilitando o processo de comunicação e aprendizado. O sistema imunológico é frequentemente comprometido em pacientes com AT, especialmente a imunidade humoral, responsável pela produção de anticorpos, por- tanto tornam-se necessários cuidados especiais no diagnóstico e tratamento dos pro- Ataxia Telangiectasia As manifestações iniciais podem ser percebidas quando a criança tenta dar os seus primeiros passos e o envolvimento do sistema nervoso central não é uniforme, destacando-se a disfunção cerebelar 19 Ataxia Telangiectasia cessos infecciosos. Cerca de dois terços dos pacientes com AT apresentam defi ciência de imuno- globulina A (IgA), importante na proteção das mucosas das vias aéreas superiores e do sistema digestório. Frequentemente há diminuição do número de linfócitos T e a resposta vacinal pode fi car prejudicada. Para diminuição dos processos infecciosos, pode ser necessária reposição de gamaglobulina por via endovenosa e antibioticoterapia profi lática. Todos os pacientes com AT de- vem realizar avaliação imunológica periódica e ser orientados, sempre que indicado, a receberem as vacinas próprias para a idade, com destaque para a gripe e pneumonia (pneumococo). O estado nutricional dos pacientes deve ser monitorado. As difi culdades na deglutição podem impedir a adequada ingestão calórica e proteica, além de facilitar a aspiração de alimentos ocasio- nando complicações respiratórias. Especial atenção deve ser dada ao comprometimento pulmonar dos pacientes. Todos os pacientes devem realizar avaliações periódicas da função pulmonar, de- vendo a espirometria ser incluída na monitorização rotineira do paciente. A instabilidade cromos- sômica gerada pelas mutações no gene ATM pode facilitar o desenvolvimento de neoplasias. Entre 10 a 30% dos pacientes poderão apresentar algum tipo de câncer, sendo os linfomas e as leucemias os mais frequentes. Recomenda-se fortemente evitar a exposição à radiação, portanto só se devem realizar exames que envolvam esta tecnologia se forem extremamente necessários. É fundamental adequada vigilância para o diagnóstico precoce e rápido início do tratamento. A confi rmação diagnóstica se faz quando se detectam as mutações do gene ATM em ambos os alelos. Uma vez confi rmado o diagnóstico, uma equipe multidisciplinar deve cuidar do paciente: imunologistas, neurologistas, nutricionistas, fonoaudiólogos e fi sioterapeutas. O paciente deve ser inserido em programas de reabilitação motora, terapia ocupacional e apoio emocional. Tudo isto dosado e respeitando os limites do paciente e estrutura familiar. Para saber mais www.asbai.org.br/revistas/Vol243/ataxia.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Mestre e Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP ■ Diretora Secretária da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia ■ Médica Assistente da Unidade de Alergia e Imunologia do Institu- to da Criança, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP Ana Paula Beltran Moschione Síndrome A bbbbbb 22 C aracteriza-se por macrocefalia, lipomas múltiplos, pólipos intestinais hamartomatosos, malformações vasculares, máculas pigmentadas no pênis. Cerca de 50% dos casos apresentam hipotonia e defi ciência inte- lectual moderada a grave. Podem-se observar também alterações mio- páticas proximais, hiperextensibilidade articular, pectus excavatum e escoliose. A predisposição para tumores, especialmente de mama, de tireóide e do endométrio está defi nida para os casos decorrentes de mutação no gene PTEN. O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, porém, através de técnicas de biologia molecular, têm sido encontradas mutações no gene PTEN, em cerca de 65% dos casos. Este gene também está relacionado a outros fenótipos, tais como a doença de Cowden a síndrome de Proteus, síndrome Proteus-like e autis- mo com macrocefalia. O seguimento deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar (incluindo estimulação precoce para os casos que apresentam hipotonia). As manifestações benignas ou malignas são tratadas de forma convencional. Para as lesões mucocu- tâneas, podem ser utilizados agentes tópicos, curetagem, criocirurgia e ablação a laser, reservando-se a exérese cirúrgica para os casos de suspeita de malignidade ou de sintomas signifi cativos, tais como dor e deformidade. Recomenda-se também o rastreamento para câncer, pelo menos para os casos relacionados ao gene PTEN: ultrassonografi a de tireóide e avaliação dermatoló- gica anuais, colonoscopia a partir dos 35/40 anos, com frequência dependente do grau de polipose identifi cado. As mulheres devem iniciar a partir de 30 anos o autoexame mensal da mama, exame de imagem da mama anualmente e ultrassom transvaginal ou biópsia en- dometrial. Para outros tipos de cânceres diagnosticados em familiares em idade precoce, deve iniciar-seapresentação neonatal. Os defeitos laringo-traqueo-esofágicos manifestam-se com tosse e engasgos no momento da alimentação, resultando em pneumonias de repetição por aspiração. As fendas traqueo-esofágicas e laríngeas são comuns. Caso leves podem apre- sentar dificuldade de deglutição que melhora com a idade. Em 90% dos casos, a hipospádia de gravidade variável está presente em me- ninos na forma ligada ao cromossomo X. Outras características genitais como criptorquidia e escroto bífido ou hipoplásico também são comuns. Hidronefrose e refluxo-vesico-ureteral podem estar associados. Um terço dos indivíduos com a forma ligada ao X apresentam atraso de de- senvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual. Apresentam déficit de atenção, dificuldade de aprendizado e problemas de fala. Malformação cerebral como agenesia ou hipoplasia de corpo caloso e/ou vermis cerebelar e malforma- ção de Dandy-Walker estão identificados em 40% dos casos. Um quinto dos pacientes apresentam malformação cardíaca e anomalias anais como ânus imperfurado ou ectópico. As mães dos meninos com síndrome Opitz G/BBB ligada ao X podem ser heterozigotas. Devem ser avaliadas clinicamente e podem apresentar como manifestação clínica hipertelorismo ocular ou telecanto Opitz G/BBB 183 ■ Médica geneticista do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre ■ Especialista em Genética Médica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM) Têmis Maria Félix O diagnóstico é realizado de acordo com as características clínicas. As mães dos meninos com síndrome Opitz G/BBB ligada ao X podem ser heterozigotas. De- vem ser avaliadas clinicamente e podem apresentar como manifestação clínica hipertelorismo ocular ou telecanto. Nestes casos, o risco de recorrência é de 50% para meninos. Na forma autossômica dominante, o pai ou a mãe podem apresentar características clínicas da patologia. Quando um dos pais é afetado, o risco de recorrência é de 50% para meninos ou meninas. Está indicado aconselhamento genético. Casos suspeitos devem ser avaliados por médico geneticista para conclusão diagnóstica. O tratamento é sintomático, isto é, de acordo com as manifestações clínicas, necessitando a inter- venção de uma equipe multidisciplinar. Para saber mais www.scielo.br/pdf/abo/v63n2/v63n2a12.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ O Síndrome Síndrome 184 A Osteogênese Imperfeita (OI) é uma doença hereditária do tecido conec- tivo causada por mutações nos genes COL1A1 e COL1A2, que resultam num prejuízo da qualidade ou da quantidade do colágeno tipo 1, que é a proteína mais abundante do osso. Estas mutações comprometem a es- trutura do osso, uma vez que o colágeno consiste no material elástico do osso, sobre o qual os cristais formados a partir do cálcio e fósforo são depositados. Em 1978, Sillence propôs a classifi cação da OI em 4 tipos: I, II, III e IV. Excluindo-se o tipo II (em que a gravidade leva ao óbito fetal ou nos primeiros dias de vida), o tipo III representa a forma mais grave da doença, manifestando-se por deformidades ósseas progressivas (em membros superiores e inferiores, e tórax), fraturas recorrentes (que ao consolidarem resultam em deformidades), dentinogenesis imperfecta (em que os dentes têm aspecto amarelado e serrilhado), escleras (“branco dos olhos”) de coloração normal ou azulada e grave comprometimento do crescimento. No tipo III, as deformidades podem ser observadas já ao nascimento, com intensidade mo- derada. Neste tipo de OI a gravidade das lesões dos ossos geralmente impede a mo- vimentação independente dos pacientes ou exige o uso de equipamentos de auxílio para a deambulação. No tipo IV, o quadro clínico é menos intenso do que no tipo III, caracterizando-se por deformidades ósseas leves a moderadas, fraturas recor- rentes, baixa estatura de intensidade variável, dentinogenesis imperfecta, e escleras de coloração normal ou azulada. Os tipos III e IV são consideradas formas graves de OI. Por outro lado, o tipo I é o mais leve, tendo como principais características a estatura normal, membros sem deformidade (ou com deformidade leve), escleras azuladas e, raramente, dentinogenesis imperfecta. Na OI, pode haver comprometi- mento da audição, especialmente nos tipos I e III. Nos últimos anos, novos tipos de OI foram descritos (tipos V, VI, VII e VIII), representando formas moderadas a graves da doença (com fraturas frequentes, de- formidades e baixa estatura) e nas quais não há mutações nos genes COL1A1 e COL1A2. Nos tipos V a VIII, observam-se as seguintes particularidades: no tipo V, as fraturas podem resultar na formação de calos ósseos proeminentes; no tipo VI, há diminuição da incorporação de cálcio e fósforo no osso cortical e trabecular (mas não na placa de crescimento, de forma a não haver sinais de raquitismo) e elevação da fosfatase alcalina sérica; no tipo VII, as lesões afetam mais intensamente a parte Apesar das limitações físicas impostas aos pacientes com formas graves de OI, a sua inteligência é absolutamente normal, ou mesmo acima da média Osteogênese Imperfeita 185 Osteogênese Imperfeita ■ Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Médico assistente da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Hamilton Cabral de Menezes Filho proximal dos ossos longos (úmero e fêmur), caracterizando rizomelia; no tipo VIII há lesões com aspecto radiológico de “pipoca” nas metáfi ses e epífi ses de membros inferiores. A OI é transmitida de modo autossômico dominante (tipos I, III, IV, V) ou recessivo (tipos VI, VII e VIII), enquanto que, no tipo II, ambos modos de transmissão são possíveis. Desde as publicações do professor Glorieux e seus colaboradores em 1998 e 2000, os pacientes pediátricos com formas graves de OI têm sido tratados com o pamidronato de sódio (PS). O PS é um medicamento que reduz a atividade dos osteoclastos, células responsáveis pela reabsorção do osso. O tratamento da OI inclui também a administração por via oral de cálcio (nos pacientes com in- gestão inadequada de leite e derivados) e vitamina D (nos pacientes com insufi ciência ou defi ciên- cia em vitamina D). A fi sioterapia tem papel fundamental no tratamento dos pacientes com OI por possibilitar melhora da massa óssea e do quadro clínico, através da promoção de atividades físicas que estimulam a formação óssea. Os familiares e pacientes também devem ser orientados quanto ao uso de medicamentos analgésicos quando da ocorrência de fraturas. A consulta com geneticista é importante, já que permite aos pais saberem o risco de recorrência da doença em futuras gestações. Devemos enfatizar que, apesar das limitações físicas impostas aos pacientes com formas graves de OI, a sua inteligência é absolutamente normal, ou mesmo acima da média. Assim, é inadmissível que estas crianças e adolescentes não frequentem a escola, devendo receber o suporte necessário tanto para o tranporte à unidade de ensino quanto para o acesso à sala de aula. Para fi nalizar, é importante que os pais sejam adequadamente orientados e apoiados quando do nascimento de criança gravemente afetada. Com frequência, a fragilidade dos ossos faz com que os pais evitem contato físico com o recém-nascido. Para saber mais http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_osteogenese_imperfeita.pdf http://www.vidasraras.org.br/site/ O Doença Doença 186 T ambém conhecida como doença dos ossos de mármore ou de Albers- -Schönberg, a Osteopetrose compreende um grupo de doenças que se caracteriza radiologicamente pelo aumento da densidade do esqueleto. São doenças genéticas raras e determinadas por mutações em, pelo me- nos, 10 diferentes genes que alteram o desenvolvimento ou a função dos osteo- clastos. As Osteopetroses são heterogêneas, não apenas do ponto de vista etio- lógico, como também clínico, variandotanto no modo de apresentação clínica como na gravidade. Coletivamente, o diagnóstico dessas condições se faz basea- do na clínica e, sobretudo, na avaliação radiológica, na qual se pode observar: esclerose difusa do esqueleto, defeitos de modelagem em regiões metafisárias (ex: metáfise distal do fêmur com forma de frasco de Erlenmeyer), vértebras e falanges com aparência de “bone-in-bone” e áreas de esclerose focal em base do crânio, pelvis e vértebras. Além disso, as dosagens séricas da CK-BB (isoen- zima BB da creatinoquinase) e da TRACP (fosfatase ácida tartarato resistente) também podem ser usadas para auxiliar o diagnóstico. Por último, a definição molecular requer a identificação da mutação do gene envolvido. Embora mais de 15 tipos sejam conhecidos, as principais formas de osteoetroses são: ARO (Osteopetrose maligna AR) – manifesta-se nos primeiros meses de vida e apresenta alta mortalidade. As manifestações clínicas caracterizam-se por fratu- ras, pois o osso altamente denso é, contraditoriamente, frágil devido a alterações na sua microestrutura, predispondo também a Osteomielite. Outras manifesta- ções são retardo de crescimento, macrocefalia com bossas frontais, estenose de coanas, deficiências visual e auditiva, paralisia facial, hipocalcemia, que pode levar a convulsões e alteração da erupção dentária com graves cáries. A compli- cação mais grave é a supressão da medula óssea por compressão, ocasionando Pancitopenia. O gene envolvido nessa forma clássica é o TCIRG. Além dessa forma, variantes da ARO são conhecidas, como a forma neuropática, ARO com acidose tubular renal e a forma com grave imunodeficiência e alterações ecto- dérmicas; ARO intermediária – também de herança autossômica recessiva, esta forma O diagnóstico se faz baseado na clínica e, sobretudo, na avaliação radiológica, na qual se pode observar: esclerose difusa do esqueleto, defeitos de modelagem em regiões meta� sárias vértebras e falanges com aparência de “bone-in-bone” e áreas de esclerose focal em base do crânio, pelvis e vértebras Osteopetrose Osteopetrose 187 tem início mais tardio (segunda infância) e curso clínico mais leve, com expectativa de vida normal, na maioria dos casos. Os genes envolvidos são CLCN7 e PLEKHMI. ADO (Osteopetrose AD) – também conhecida como forma benigna ou doença de Albers- -Schönberg. As manifestações clínicas e radiológicas costumam aparecer no final da segunda infância ou na adolescência. Embora sintomas clínicos como anemia e problemas oculares possam ocorrer nesta forma, as principais manifestações envolvem o sistema esquelético com fraturas, escoliose, osteoartrite da bacia e osteomielite. O gene envolvido também é o CLCN7. O tratamento destas condições costuma ser de suporte para as manifestações clínicas pre- sentes. Transplante de medula óssea pode ser indicado na forma clássica recessiva ARO, bem como na variante com acidose tubular renal. Para saber mais www.ncbi.nlm.nih.gov/omim http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Especialista em Genética Médica ■ Professora Associa- da do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Esta- dual de Campinas (UNICAMP) ■ Criou e coordena o Programa de Genética Perinatal há 20 anos ■ Criou e coordena um grupo de Displa- sias Esqueléticas Denise Pontes Cavalcanti O Doença Doença 188188 A Síndrome Otopalatodigital tipo 1 (OPD1) é uma doença rara, que afeta menos de 1 em cada 100.000 indivíduos. Ela é causada por mutações no gene FLNA, que determina a produção da proteína Filamina A. Esta proteína faz parte da rede de filamentos que formam o esqueleto celular, além de participar de várias funções dento das células. O gene FLNA está localizado no cromossomo X e esta síndrome tem padrão de herança domi- nante ligado ao X. Desse modo, a presença de mutação no único cromossomo X em indivíduos do sexo masculino é suficiente para que os sintomas apareçam. No entanto, os estes indivíduos transmitem o gene com mutação apenas às suas filhas. No caso das mulheres, como estas apresentam 2 cromossomos X, o qua- dro pode ser mais leve, mas a transmissão da mutação pode ocorrer para filhos dos dois sexos. A ausência de outros casos na família não exclui o diagnóstico, já que pode existir mutação nova, ou seja, que começou em um indivíduo. O quadro clínico envolve alterações esqueléticas, destacando-se perda auditi- va (decorrente de malformações nos ossículos da orelha interna), anomalias do palato e alterações de dedos (polegares curtos e dedos grandes e espatulados e, comumente, segundo dedo longo). Entre outros achados clínicos, são descritos cristas supra-orbitárias proeminentes, fendas palpebrais oblíquas para baixo, hi- pertelorismo ocular, nariz com base e ponta alargados, hipodontia e oligodontia. Nas mãos, os polegares são encurtados e com falanges distais hipoplásicas. Nos pés, observa-se háluces hipoplásicos e separados do segundo artelho, que é lon- go. Pode haver limitação à extensão de ombros e abdução dos quadris, além de encurvamento de ossos longos. Não há comprometimento da inteligência. O diagnóstico é baseado no exame físico e exames radiológicos; a história fami- Alterações auditivas, de palato e em extremidades são os principais sinais desta doença. Otopalatodigital tipo 1 Otopalatodigital tipo 1 Para saber mais Http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=PT&Expert=669 http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica Geneticista e Professora Titular em Genética Clinica do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP ■ Responsável pelo Laboratório de Ci- togenética Humana e Citogenômica da UNICAMP (2005- 2015). Idealizou e coordena o Projeto Crânio-Face Brasil desde 2003. Vera Lúcia Gil da Silva Lopes lial pode contribuir nos casos com recorrência. O sequenciamento do gene FLNA, para confir- mação do diagnóstico, é possível, mas ainda não é comum no Brasil. Entretanto, a detecção de mutação em um indivíduo com a OPD1 facilitaria a detecção de familiares em risco, a partir de testagem de mutação específica. O tratamento baseia-se na reabilitação auditiva (prótese auditiva e terapia fonoaudiológica) e tratamento de complicações ortopédicas. 189 O Síndrome Síndrome pppppp 192 A s amiloidoses sistêmicas são um grupo de doenças que se caracterizam pelo depósito de substância amilóide nos tecidos. A Paramiloidose, tam- bém conhecida como polineuropatia amiloidótica familiar do tipo I, é uma amiloidose hereditária ligada à TTR. Estudos epidemiológicos no norte de Portugal encontraram uma prevalência de 1/1000, mas não existem dados epidemiológicos precisos sobre a prevalência no Brasil. A transtirretina (TTR) é uma proteína de estrutura tetramérica, predominantemen- te sintetizada no fígado, solúvel no plasma, mas instável nos tecidos. A mutação causa a perda da estabilidade dessa proteína de estrutura tetramérica, com a possi- bilidade de sua desagregação em monômeros, levando à formação de precursores que acabarão por se tornar fi brilas amilóides, responsáveis pela deposição tecidual e disfunção do órgão. Não se conhece ao certo o mecanismo fi nal que leva à lesão tecidual, mas sabe-se que o stress oxidativo, a resposta infl amatória e a apoptose estão relacionados. Os tecidos que mais sofrem lesão com o depósito de substância amiloide são os nervos periféricos, coração, trato gastrointestinal, rim e olho. O quadro clínico pro- gride desde uma polineuropatia de fi bras fi nas, acometendo a percepção térmica precocemente e a percepção da dor, além de disautonomia, até uma polineuropatia sensitivo e motora completa, com fraqueza, atrofi a e perda da capacidade deambu- latória, numa evolução para óbito, em média, de 10 anos. A cardiopatia também é marcante, havendo alterações na condução cardíaca precocemente, levando a blo- queios de condução e arritmias, necessidade de implantação de marca-passo, e, mais tardiamente, cardiopatia porinfi ltração miocárdica de amiloide. A função renal é afetada mais tardiamente e a principal manifestação é a síndrome nefrótica com mi- croalbuminúria precoce. Já o depósito em fi bras autonômicas gastrointestinais leva à diarréia, náusea, vômito, perda do controle esfi ncteriano e, consequente ,perda ponderal importante. As diferentes mutações do gene da TTR geram diferentes idades de início e diferen- tes apresentações clínicas. A história clínica detalhada é fundamental ao diagnóstico, assim como a história familiar. Alterações nos estudos de condução nervosa (eletroneu- romiografi a) verifi cam-se apenas após o início franco da doença. A biópsia de nervo periférico ou de outro tecido como a glândula salivar, o tecido subcutâneo ou o reto, auxiliam no diagnóstico. A caracterização dos depósitos de amilóide, marcados com os Em 1939, o Prof. Corino de Andrade estudou uma neuropatia periférica originária da Póvoa do Varzim, em Portugal, denominada "mal dos pezinhos". A Val 30 met, a mutação de TTR mais comum, é encontrada no Brasil devido aos laços migratórios da época dos descobrimentos Paramiloidose 193 Para saber mais www.abpar.org.br http://www.vidasraras.org.br/site/ anticorpos para TTR nos tecidos, é teoricamente de grande valor diagnóstico. O tratamento sintomático e multidisciplinar da doença compreende tratamento da dor neuropática, da hipotensão ortostática, das arritmias cardíacas, da função cardíaca, do controle da manifestações digestivas e nutricionais, tratamento das infecções urinárias, disfunções sexual e esfi ncteriana, tra- tamento das alterações oftalmológicas, tratamento das alterações trófi cas, e fi sioterapia. Quanto ao tratamento etiológico o transplante de fígado tem comprovada efi cácia, no sentido de reduzir a pro- gressão da doença e a evolução natural para o estado grabatário e morte. Algumas drogas capazes de se ligarem à TTR estabilizando-a e evitando sua desagregação e for- mação dos fi lamentos amiloides, foram desenvolvidas. Um estudo de fase III foi concluído com a droga tafamidis e a mesma mostrou-se efi caz em reduzir a progressão do comprometimento neuroló- gico sensitivo e motor, melhorando a qualidade de vida do paciente e seu estado nutricional, quando comparada ao grupo tratado por placebo, em pacientes em fase inicial da doença, com a mutação val30met. O perfi l de tolerabilidade foi muito satisfatório. Entretanto, são aguardados os resultados de estudo com a droga difl usinal, também capaz de esta- bilizar a TTR em sua forma tetramérica, evitando a deposição amiloide. Esta droga está em teste num grupo de doentes mais variado que o estudo com o tafamidis, incluindo várias mutações e fenótipos. Paralelamente, estudos clínicos em fase II avaliam a efi cácia de drogas capazes de bloquear a pro- dução de transtirretina no fígado, através da interferência com o processo de tradução do gene da TTR em proteína TTR, interferido com o RNA mensageiro (RNAm) ou através de outro mecanismo de leitura. Ensaios de fase III com substância capaz de interferir no RNA m e com um oligonucleotídeo de sentido contrário (ASO) estão previstos para início em 2013/2014. P ■ Mestre e Doutora em Medicina (Neurologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ■ Especialista em Neurologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ■ Especialista em Neuro� siologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Neuro� siologia Clínica / Associação Médica Brasileira (SBNC/AMB)) ■ Responsável pelo setor de doenças neuromusculares do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ ■ Responsável pelo Centro de Estudos em Paramiloidose Antônio Rodrigues de Mello (CEPARM) Márcia Waddington Cruz Doença Doença 194 A síndrome de Patau é a terceira aneuploidia dos autossomos. A incidência é de 1:12 000 nativivos ao nascimento (0,92 M:1 F). Etiologia: A síndrome de Patau é devido à trissomia 13 livre do cromosso- mo 13 em 80% dos casos. Cerca de 20% dos casos são resultantes de trans- locações (maioria translocações D/D). Aproximadamente 5% dos casos de trissomia 13 são mosaicos com uma linhagem celular normal. A trissomia 13 está associada à idade materna avançada. Quadro clínico: Os recém-nascidos (RN) apresentam baixo peso ao nascimento devido ao retardo de crescimento intra-uterino, difi culdade na alimentação, hipotonia, hiper- tonia, convulsões, crises de apnéia. Evoluem com atraso acentuado de crescimento e desenvolvimento. As anomalias craniofaciais consistem em microcefalia, ulcerações no couro cabeludo, hemangiomas capilares na glabela ou na nuca; ausência de sobran- celhas, orelhas displásicas, membros fl etidos, com ou sem sobreposição dos dedos com aspecto semelhante às mãos dos pacientes com síndrome de Edwards; calcâneo proeminente e hipoplasia do leito ungueal dos artelhos. Foram descritos mais de 180 tipos de malformações. Podem apresentar tríade carac- terística - microftalmia, fenda labial / fenda palatina e polidactilia. A variabilidade das malformações é a mesma em pacientes com trissomia 13 livre ou por translocação, contudo, a quantidade e a gravidade dessas malformações são maiores na trissomia 13 livre. - SNC: holoprosencefalia (70%), arrinencefalia; hipoplasia cerebelar, agenesia do cor- po caloso e hidrocefalia - Sistema Ocular: microftalmia, coloboma de íris, catarata, displasia da retina, opaci- dades corneanas. - Cardiovasculares (80%): CIV, PCA, CIA, dextrocardia e coartação de aorta. - Sistema digestivo (50- 80%): malrotação intestinal, anomalias do baço, displasias do pâncreas e divertículo de Meckel. - Sistema renal e urinário: rins policísticos, duplicação da pelve renal ou ureter, hidro- nefrose, hidroureter e artérias renais múltiplas. Embora a doença seja genética, não é incomum que a primeira manifestação leve anos para acontecer. A presença de fenômenos epigenéticos, como infeções virais ou gestação, de� agram a ativação descontrolada da via alternativa do complemento Patau 195 ■ Médica Geneticista e Pediatra- Assistente e Pesquisadora do ITACI (Instituto de Tratamento de Câncer Infantil) - Departamento de Pediatria-Instituto da Criança-Hospital das Clínicas-Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Consultora cientí� co- -Técnica da Linha Rara-Brasil ■ Médica Geneticista e Pediatra voluntária da Associação Rubinstein-Taybi do Brasil (ARTS) So� a Mizuho Miura Sugayama - Sistema reprodutivo: nas meninas a disgenesia ovariana é um dos achados mais frequentes, além de falha de fusão dos dutos müllerianos, útero bicorno e vagina bífi da. Nos meninos, a anomalia mais frequente é a criptorquidia, seguida de hipoplasia do escroto e do pênis, e hipospádia peniana. Diagnóstico: cariótipo com banda G (50 metáfases). Aconselhamento genético: O risco de recorrência da trissomia 13 livre e da trissomia 13 mosaico é inferior a 1%. Nos casos de trissomia 13 por translocação está indicado o estudo cromossômico dos progenitores para verifi car se um deles é portador de translocação equilibrada. Prognóstico: condição grave, incapacitante e os raros sobreviventes apresentam défi cit de cresci- mento acentuado e defi ciência mental profunda. O RN com trissomia 13 deve ser considerado como paciente com prognóstico bastante reservado, e não deve ser submetido a procedimentos invasivos. A instituição de tratamentos intensivos e cirúrgicos deve ser discutida abertamente com os pais, baseada no conhecimento da história natural da trissomia 13. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ P Síndrome Síndrome 196 A s polineuropatias imunomediadas incluem a síndrome de Guillan- -Barré (sGB) ou Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Infl amatória Aguda e a forma crônica denominada Polirradiculoneuropatia Des- mielinizante Infl amatória Crônica (CIDP), sendo esta última menos frequente na faixa pediátrica. Na sGB observa-se fraqueza flácida de início distal e em membros inferiores e que, progressivamente,afeta os membros superiores, os músculos da face e os respiratórios. Apresenta perda dos reflexos tendíneos, e a dor piora à movimen- tação dos membros e, em alguns casos, existem também distúrbios no equilíbrio e coordenação, movimentação ocular e disautonomia (arritmia cardíaca, aumento ou queda da pressão arterial). O quadro se instala num período de aproximada- mente 15 dias (máximo até 30 dias), seguido por um período sem mudanças e, após recuperação lenta, com duração de alguns meses. O quadro, na maioria das vezes, é precedido por um quadro infeccioso das vias aéreas superiores ou diarreico, que antecede em uma semana ou mais o quadro neurológico. Observa-se infl amação e desmielinização (perda da bainha de mielina que envolve os nervos) através de um mecanismo onde a bainha de mielina e ou- tros elementos do nervo são agredidos pelo sistema imune através de linfócitos T, macrófagos e plasmócitos. O diagnóstico é realizado pelo quadro clínico, associado a alterações do exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), com aumento das proteínas mas sem elevação dos leucócitos e estudos da função dos nervos através da Eletroneuromiografi a (ENMG). A taxa de óbitos está em torno de 2% e decorre de complicações respiratórias e disautonomias. A maioria dos casos evolui sem sequelas mas, alguns casos, podem manter algum grau de défi cit residual. O tratamento deve ser instituído nos primeiros 15 dias da doença no sentido de evitar a progressão da lesão dos nervos e é realizado pelo pulso endovenoso de imunoglobulinas ou por sessões de plasmaférese. Afora isto podem ser usados O tratamento deve ser instituído nos primeiros 15 dias da doença no sentido de evitar a progressão da lesão dos nervos e é realizado pelo pulso endovenoso de imunoglobulinas ou por sessões de plasmaférese Polineuropatias Imunomediadas 197 Para saber mais www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3002632/ http://www.vidasraras.org.br/site/ analgésicos para o quadro de dor, cuidados fi sioterápicos e tratamento de intercorrências, deven- do o paciente permanecer numa unidade de cuidados intensivos nesta fase inicial. A CIDP diferencia-se da sGB pela recorrência de novos surtos da doença, ou pela progressão do défi cit mesmo após o período de 4 semanas do início do quadro. O LCR também evidencia as mesmas alterações que a sGB e a ENMG mostra um padrão diferente, do tipo crónico. Aqui, o tratamento baseia-se no uso recorrente de imunoglobulina endovenosa, corticosteroides ou plasmaférese, ou outros imunossupressores, a depender da resposta clínica. O seguimento dos pacientes com as Polineuropatias Imunomediadas é realizado pela especiali- dade de Neurologia. Existem vários hospitais no nosso país que dispõem de meios de diagnóstico e terapêutica para estas doenças, além de apresentarem condições terapêuticas emergenciais para a sGB. ■ Especialista em Neurologia Infantil ■ Médico assistente do Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Coordenador do serviço ambulatório de Neuroimunologia – responsável pelo seguimento dos doentes com diagnóstico de Polineuropatias Imunomediadas José Albino da Paz P Síndrome Síndrome 198 As doenças por depósito de glicogênio são erros raros inatos do metabo- lismo que levam ao acúmulo de glicogênio em vários tecidos. A glico- genose tipo II (defi ciência da maltase ácida lisossomal), mais conhe- cida como doença de Pompe (MIM 232300), é um doença de depósito de glicogênio que também se caracteriza por ser uma doença de armazenamento lisossômico. A causa do depósito de glicogênio é a defi ciência da atividade de uma enzima lisossômica, a alfa 1,4 glicosidade ou maltase ácida, sendo uma doença transmitida de forma autossômica recessiva. A incidência estimada é de 1 em cada 40 000 nascidos. A doença pode-se apresentar, grosso modo, em três formas: a infantil, a juvenil e a adulta. De fato, não há uma delimitação rigorosa nessas formas, pois o que se considera é que a doença se manifesta em forma de um contínuo de expressão clí- nica e, não raro, há manifestações da forma juvenil e adulta na mesma irmandade. Na forma clássica da infância, a defi ciência enzimática é praticamente total, ocorrendo miopatia generalizada e cardiomegalia. É uma doença fatal nos primei- ros dois anos de vida, sendo que maioria dos pacientes morre antes de completar o primeiro ano de vida, por insufi ciência cardiorrespiratória. Caracteriza-se por uma progressiva deposição de glicogênio em diferentes tecidos, notadamente no miocárdio, no músculo esquelético e no fígado. A forma adulta da doença tem evo- lução mais lenta, a defi ciência enzimática é parcial (3 a 30% dos níveis normais). Nessa forma, observa-se miopatia generalizada, usualmente com comprometimen- to inicial da musculatura proximal dos membros inferiores e, posteriormente, do diafragma e da musculatura respiratória acessória, frequentemente culminando com insufi ciência respiratória. A forma juvenil apresenta características interme- diárias entre as duas formas anteriores. Atualmente, o tratamento da doença de Pompe é feito através de Terapia de Re- posição Enzimática (TRE) com a alfa-glicosidase recombinante humana associa- da a terapias de reabilitação (fi sioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional). A TRE possibilitou um importante avanço no tratamento desta doença, permitindo a Pode-se apresentar, grosso modo, em três formas: a infantil, a juvenil e a adulta. De fato, não há uma delimitação rigorosa nessas formas, pois o que se considera é que a doença se manifesta em forma de um contínuo de expressão clínica Pompe 199 Para saber mais www.worldpompe.org http://www.vidasraras.org.br/site/ recuperação do quadro muscular cardíaco e esquelético, prolongando a sobrevida dos pacientes e, consequentemente, diminuindo sua morbi-mortalidade. A precocidade no estabelecimento do diagnóstico, para início do tratamento, idealmente nos primeiros meses de vida para as formas infantis, leva a melhores resultados clínicos, pois menor é a chance de ocorrência de lesões irreversíveis. O paciente com doença de Pompe deve ter seguimento com equipe multidisciplinar e a famí- lia do paciente deve ter acesso ao aconselhamento genético, pois trata-se de uma enfermidade recessiva, com risco de 25% em outras gestações do casal. A doença de Pompe é passível de estudo por meio da triagem neonatal e, recentemente, um estudo feito em Taiwan demonstrou a viabilidade do screening neonatal a partir da análise do papel-fi ltro de recém-nascidos. O uso do papel-fi ltro no screening da doença de Pompe pode abrir possibilidade para que haja estabelecimento da triagem neonatal para essa doença, visto tratar-se de um método rápido e extremamente prático. ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das Displasias ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço P Doença Doença 200 A doença de Günther, também conhecida como Porfi ria Eritropoiética Congênita (CEP), foi descrita em 1874 por Schultz. No entanto, Hans Günther aprofundou os estudos relacionados ao tema e foi o primei- ro a reconhecer as Porfi rias como um erro inato do metabolismo. As Porfi rias estão relacionadas com defeitos na biossíntese do heme, composto fundamental para a síntese de hemoproteínas, tais como hemoglobina, citocromo P450, entre outras. As Porfi rias são classifi cadas como agudas (ataques com sintomas neuroló- gicos) ou cutâneas (fotosensibilidade cutânea) dependendo das manifestações clínicas observadas, e como hepáticas ou eritropoiéticas, de acordo com o local onde os intermediários do metabolismodo heme se acumulam no fígado ou nos precursores eritróides na medula óssea. São descritos oito diferentes tipos. A CEP é uma condição de herança autossômica recessiva, associada à atividade defi cien- te da enzima URO-sintase, levando ao acúmulo de porfi rinas nos eritrócitos, na pele, nos ossos e dentes. As manifestações clínicas incluem fotossensibilidade cutânea com a ocorrência de lesões friáveis e bolhosas em regiões expostas ao Sol. Ademais, observam-se o espessamento da pele, hipertricose e alterações hipo ou hiperpigmentares. Os dentes adquirem coloração amarronzada. A anemia hemolítica pode ser grave e levar a esplenomegalia. Os sintomas, habitualmente, se iniciam cedo na infância, embora formas mais brandas tenham sido observadas posteriormente. O diagnóstico requer dosagem de porfi rinas na urina e fezes, estudo de ativida- de enzimática da URO-sintase ou estudo molecular do gene UROS. Recentemen- te, uma forma ligada ao X foi associada ao gene GATA1. As manifestações clínicas incluem fotossensibilidade cutânea com a ocorrência de lesões friáveis e bolhosas em regiões expostas ao Sol. Ademais, observam-se o espessamento da pele, hipertricose e alterações hipo ou hiperpigmentares Porfi ria Eritropoiética Congênita 201 Porfi ria Eritropoiética Congênita ■ Médica formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. ■ Residência em Genética Médica pelo Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira- FIOCRUZ ■ Mestre em Saúde da Criança e da Mulher – INSMCA/FIOCRUZ Angelica Lima Para saber mais www.porphyriafoundation.com/about-porphyria/types-of-porphyria/CEP http://www.vidasraras.org.br/site/ O tratamento envolve transfusões de sangue, efi cazes na redução da produção de porfi rinas. No entanto, tal terapia possui complicações como sobrecarga de ferro, entre outras. É impres- cindível o controle à exposição da luz do Sol, além de evitar traumas. O transplante de medula óssea já se demonstrou efi caz e tem sido utilizado em diversas partes do Mundo. P Doença Doença 202 Apesar de rara, um estudo em população brasileira publicado por Araújo e colaboradores (2016 ), incluiu 39 pacientes (18 famílias do Ceará e 15 famílias de outras regiões brasileiras). E identifi cou, dentre as mutações, uma nova (c.83dupT), cujo estudo de haplótipos indica um ancestral comum, sugerindo efeito fundador. A maioria dos pacientes estudados apresentaram mutações em homozigose, particularmente no Ceará (83.3 %, ape- sar de consanguinidade referida em apenas 33,3%). Enquanto a frequência média de casamentos consanguíneos no Brasil está estimada em 4,8%; no Nordeste varia entre 6 a 12%. Contudo em algumas áreas, foram detectadas taxas de consan- guinidade tão altas quanto 60%. A elevada taxa de endogamia e o relato, em sua maioria, de ancestralidade do Nordeste brasileiro, sugerem uma dispersão dessas mutações a partir dessa região brasileira. Classifi cada entre as displasias esqueléticas que apresentam aumento de densi- dade óssea, a Picnodisostose caracteriza-se também por baixa estatura variável (altura fi nal de 135 a 150 cm), acroosteólise de falanges distais, fragilidade óssea associada a fraturas espontâneas. Manifestações craniofaciais incluem bossas pa- rietal e frontal, presença de ossos wormianos, atraso de fechamento de fontanela anterior, aparência facial peculiar, hipoplasia maxilar, ângulo mandibular obtuso e anomalias dentárias. As unhas podem ser irregulares e frágeis, braquidactilia com encurtamento de falanges distais, hipoplasia de clavículas, e menos comumente também podem ser observadas alterações hematológicas, infecções respiratórias frequentes e apneia do sono. O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas e radiológicas supracitadas, podendo ser confi rmadas através de análise molecular para detectar mutações no gene CTSK. O diagnóstico molecular permite também identifi car indivíduos he- terozigotos, oferecer diagnóstico pré-natal e, mesmo pré-implantação. Dentre os diagnósticos diferenciais, destacam-se Osteopetrose, Displasia Cleidocraniana e Picnodisostose é uma condição genética de herança autossômica recessiva causada por mutações no gene CTSK. Este codi� ca a catepsina K, uma enzima lisossômica secretada pelos osteoclastos, envolvida no metabolismo das proteí- nas da matriz óssea, com fundamental papel na remodelação óssea. Picnodisostose 203 Para saber mais http://www.orpha.net/ http://www.vidasraras.org.br/site/ Acroosteólise idiopática. O tratamento é sintomático, com equipe multiprofi ssional. Enfatiza-se a importância do uso personalizado de GH, cujos níveis séricos adequados permitem signifi cativa resposta na altura fi nal. Ademais, o seguimento ortopédico inclui tratamento adequado das fraturas. O acompa- nhamento odontológico visa prevenção de cáries devido ao risco de osteomielite mandibular, e também a monitoração de outras alterações, como dentes supranumerários, oligodontia, altera- ção de esmalte e maloclusão. A expectativa de vida, bem como 0 desenvolvimento cognitivo e sexual estão dentro do padrão normal. ■ Residência em Genética Médica pelo Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto/ Universidade de São Paulo (2005-2008) ■ Mestrado em Saúde Materno-Infantil na Universidade Fe- deral do Maranhão (2009-2012) ■ Presidente da Regio- nal Norte-Nordeste da Sociedade Brasileira de Gené- tica Médica (biênio 2011-2013) Maria Juliana Rodovalho Doriqui P Doença Doença 204 É causada pela deleção ou disrrupção de um ou mais genes localizados na região 15q11.2-q13 paterna (70%), dissomia uniparental materna (20%), defeitos de imprinting e rearranjos complexos. A prevalência é de 1:10.000 a 1:30.000 nativivos sem predomínio de sexo ou etnia. Quadro clínico: movimentos fetais reduzidos, hipotonia neonatal (10,7% dos lac- tentes hipotônicos); défi cit ponderal no primeiro ano de vida, sinais de hipogo- nadismo hipogonadismo hipogonadotrófi co, como criptorquidia e micropênis. Os dismorfi smos faciais característicos incluem olhos amendoados, boca pequena e lábio superior inclinado para baixo. A maioria dos pacientes apresenta defi ciência cognitiva leve a moderada; ocasionalmente alguns apresentam microcefalia, epi- lepsia e disartria. A obesidade manifesta-se aproximadamente aos cinco anos de idade, com hiperfagia, compulsão alimentar grave levando o paciente a cometer furtos de comidas ou dinheiro, e ingestão de alimentos descartados no lixo ou para animais. A causa desta hiperfagia permanece incerta. Há várias alterações endocrinológicas: diabetes mellitus; baixa estatura (estatura média de 155 cm nos homens, e 148 cm nas mulheres); hipotireoidismo congênito ou adquirido; in- sufi ciência adrenal decorrente de disfunção hipotalâmica generalizada. Há risco maior de osteoporose devido a defi ciência de GH ou esteróides sexuais. A apnéia do sono é causa de morte súbita nos pacientes decorrentes da hipotonia ou hiper- trofi a tonsilar. Diagnóstico: Há um consenso de critérios clínicos para suspeita diagnóstica da SPW, no qual menores de três anos devem ter 5 pontos (pelo menos 4 pontos de critérios maiores) e maiores de três anos, 8 pontos (pelo menos 5 pontos de crité- rios maiores), respectivamente. A síndrome de Prader-Willi (SPW) é considerada uma doença genética de he- rança autossômica dominante caracterizada por múltiplas manifestações clíni- cas, incluindo hipotonia neonatal, obesidade, de� ciência mental, baixa estatura, hipogonadismo hipogonadotró� co e mãos e pés pequenos. Prader-Willi CRITÉRIOS MAIORES (1 PONTO CADA) CRITÉRIOS MENORES (0,5 PONTO CADA) 1- hipotonia neonatal/infantil e sução débil 1- Movimentação fetal diminuída e letargia infantil 2- Problemas de alimentação e dificuldade de ganho ponderal na infância 2- Problemas comportamentais 3- Ganho de peso de 1 a 6 anos, obesidade, hiperfagia 3- Apneia do sono 205 Prader-Willi 1- Movimentação fetal diminuídae letargia infantil O estudo do padrão de metilação da região 15q11.2 detecta mais de 99% dos pacientes com SPW. Outras técnicas como FISH e PCR podem diagnosticar o restante. Tratamento: A maior preocupação é o controle da obesidade e suas consequências metabóli- cas, sendo um grande desafi o para todos os profi ssionais de saúde e familiares envolvidos nos cuidados do paciente. O hormônio do crescimento recombinante humano (rhGH) está indicado para melhora do tônus muscular, melhora cognitiva e controle de peso. Podem ocorrer crises adrenais no início do tratamento com rhGH em pacientes com insufi ciência adernal incipiente, devido ao aumento do metabolismo periférico de cortisol. O rhGH está contra- indicado em casos de apneia do sono (aumenta risco de morte súbita). A reposição de testosterona pode me- lhorar o hipogonadismo. Os pacientes necessitam de reabilitação com equipe multidisciplinar para estimulação precoce. A polissonografi a é importante para avaliação da necessidade de suporte ventilatório. 5- Genitália pequena, puberdade atrasada e insuficiente 5- Hipopigmentação para o padrão familiar 8 – Esotropia, miopia 10- Alterações na articulação da fala 11- Escoriações de pele 6- Desenvolvimento atrasado, disabilidade intelectual 6- Mãos e pés pequenos para a altura 7- Mãos estreitas, borda ulnar reta 9- Saliva espessa e viscosa 4- Dismorfismos faciais característicos 4- Baixa estatura para o padrão familiar aos 15 anos Para saber mais https://www.spwbrasil.com/associacao http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Residência médica em pediatria pelo Hospital Copa D'Or, Instituto D'Or de Ensino e Pesquisa - RJ ■ Residência médica em endocrinologia pediátrica pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ - RJ Wallace Sales Gaspar ■ Membro do Comite de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro - SOPERJ ■ Membro de Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria - SBP ■ Professor Adjunto da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciência Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM/UERJ Paulo Ferrez Collett-Solberg P Doença Doença 206 A causa da PTI é a formação de anticorpos (Ac) antiplaquetas que levam a retirada precoce da circulação pelo baço. Este desequilíbrio imuno- lógico pode ser decorrente de alterações em linfócitos B, produtores destes Ac, ou em linfócitos T, responsáveis pelo controle dos linfócitos B. Outro mecanismo identifi cado é a compensação da falha de trombopoietina (TPO) na produção das plaquetas pelos megacariócitos. A incidência é de 1:10.000 indivíduos, sendo mais frequente nas mulheres em idade fértil do que nos homens. As crianças podem apresentar uma forma aguda e auto-limitada de PTI, em geral decorrente de um quadro infeccioso viral. Quadro Clínico: Os sintomas surgem quando a queda do número de plaquetas compromete o processo de coagulação do sangue a ponto de provocar sangramen- tos. Podem ocorrer surgimento repentino de petéquias nas pernas; equimoses na pele, gengivorragia, epistaxe, menorragia, hematúria ou sangramentos no trato gastrointestinal. Apesar de frequentes, essas hemorragias pequenas não oferecem risco imediato ao paciente. Hematúria, enterorragia ou sangramentos no siste- ma nervoso central são mais graves e oferecem maior risco de complicação ou de vida ao paciente, devendo ser imediatamente tratadas. Muitos pacientes des- crevem também sensação de cansaço. Nas crianças a PTI geralmente apresenta curso limitado e pode melhorar espontaneamente. Nos adultos, porém a evolução da doença é crônica e há necessidade de terapias sequenciais Quaisquer outros sintomas ou sinais clínicos como febre, artralgia, linfonodomegalias ou espleno- megalia estão relacionadas a outras causas de plaquetopenias e necessitam inves- tigação e tratamento diferentes. Tratamento: O objetivo principal é evitar sangramentos mantendo a contagem plaquetária acima de 30 x 109/L. As opções iniciais compreendem imunoglobuli- na humana intravenosa e corticoides para controle da reação auto-imune. Outras A Púrpura Trombocitopênica Imunológica (PTI) é uma doença rara causada pela destruição precoce das plaquetas por anticorpos do próprio indivíduo, sendo conhecida como uma patologia auto-imune. Púrpura Trombocitopênica Imunológica 207 Púrpura Trombocitopênica Imunológica ■ Formada pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde trabalha como médica assistente, responsável pelos ambulatórios de Doenças Plaquetárias, Doenças Mieloproliferativas Crônicas e Hemo� lia. ■ Médica do Centro de Hematologia de São Paulo. Professora convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pela Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e atualmente membro do Comitê de Hemostasia e do Conselho Deliberativo desta sociedade. Ana Clara Kneese Nascimento Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ medicações incluem aztioprina, dapsona, ciclosporina, eltrombopague, romiplostim. Alguns pacientes necessitam de esplenectomia. A decisão sobre qual medicação utilizar varia para cada paciente dependendo do tempo para resposta, tempo de sustentação da resposta e efeitos cola- terais. P Doença Doença qqqqqq 210 Querubismo é uma enfermidade caracterizada por um aumento progres- sivo da mandíbula e/ou maxila de início na infância. Nesta doença, o tecido ósseo mandibular/maxilar é substituído por múltiplos cistos, com- postos por células estromais fi bróticas e células osteoclasto-like. O cres- cimento mandibular/maxilar é indolor e bilateral, geralmente simétrico. O termo Querubismo deve-se à semelhança com os querubins barrocos, anjos que povoavam os quadros e esculturas barrocas, bastante populares na época do século XVII, ca- racterizados pelas bochechas salientes. Foi descrito pela primeira vez por Jones em 1933, sendo denominada naquela ocasião de doença cística multilocular da mandíbula. A frequência desta doença é desconhecida, havendo cerca de 250 casos descritos na literatura. Alguns autores sugerem incidência de 1:10 000 nascidos vivos. Como o fenótipo da doença é bastante variável, podem existir pacientes com expressão clínica leve, muitas vezes imperceptível. Classicamente, contudo, os pacientes apresentam os primeiros sintomas entre dois e cinco anos de idade. As lesões em mandíbula/maxila são lentamente progressivas e tendem a fi car estáveis após a puberdade (ou mesmo a regredir). Anomalias dentárias (agenesia, perda dentária precoce) também podem estar presentes em alguns indivíduos. Pacientes com formas graves de Querubismo podem apresentar problemas de deglutição, fala, visão e respiração por conta das alterações mandibulares. O diagnóstico dessa enfermidade baseia-se em critérios clínicos e radiográfi cos (presença das áreas multiloculares de contornos bem defi nidos e de baixa densi- dade na mandíbula/maxila). A confi rmação do diagnóstico clínico pode ser feito com a análise molecular do gene SH3BP2 (até o momento o único gene implicado no Querubismo como uma entidade isolada). É importante salientar que o Queru- bismo pode ser um elemento presente em algumas outra doenças genéticas (como síndrome de Noonan, síndrome de Ramon com hipertrofi a gengival e mesmo em alguns pacientes com Neurofi bromatose tipo I). No caso dos pacientes com Que- rubismo clássico, em geral inicia-se a análise molecular a partir do exon 9 (em que se concentram 80% das mutações nesse gene). O termo “querubismo” deve-se à semelhança do fenótipo dos pacientes com os “querubins” barrocos, imagens de anjos que povoavam os quadros e esculturas barrocas, bastante populares na época do século XVII, caracterizados por bochechas salientes Querubismo 211 Querubismo Por se tratar de um doença de caráter autossômico dominante, o aconselhamento genético é recomendado, visto o risco de 50% de recorrênciaem prole de um paciente portador de Querubis- mo. Muitos casos, no entanto, podem ser decorrentes de mutações novas, sendo ambos os genito- res não portadores da mutação, apesar de mosaicismo germinativo ser uma possibilidade teórica para explicar alguns casos de novo. O tratamento da doença requer uma equipe multidisciplinar (cirurgião craniofacial, odontólogo, pediatra, oftalmologista, fonoaudiólogo). Enxerto ósseo mandibular e tratamento ortodôntico (in- clusive com reconstrução mandibular) são condutas que podem ser necessárias, apesar de alguns grupos defenderem um tratamento mais conservador em alguns pacientes, com vista à regressão espontânea das lesões em alguns afetados. Para saber mais www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=EN&Expert=184 http://www.vidasraras.org.br/site/ Q ■ Médico geneticista ■ Especialista em Genética Clínica, pela Sociedade Brasileira de Genética Médica ■ Doutorado em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Membro da Sociedade Internacional para Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo (SSIEM) e da Sociedade Internacional para Estudo das Displasias ósseas (ISDS) ■ Membro do American College of Medical Genetics and Genomics Charles Marques Lourenço Doença Doença rrr 214 A sua ocorrência é rara, com 73 pacientes descritos na literatura desde 1975 (Refsum 1945; Ausboug, Wander 2013; Yoneda 2016). O ácido fi tânico é um ácido graxo de cadeia ramifi cada presente em di- versos produtos, como derivados lácteos e carne de ruminantes (Aus- boug, Wander 2013). A forma mais prevalente da doença ocorre pela defi ciência de fi tanoil-CoA hidroxilase, codifi cada pelo gene PhyH localizado no cromossomo 10p13, responsável por cerca de 90% dos casos. Outra forma descrita, responsável por cerca de 10% dos casos, se dá pela defi ciência de peroxima 7, uma proteína codifi cada pelo gene PEX7 localizado no cromossomo 6q22-24, e envolvida na importação peroxissomal de enzimas como a fi tanoil-CoA-hidroxilase (Jansen et al. 2004). A doença geralmente inicia-se no fi nal da infância e início da adolescência, com deterioração progressiva de visão noturna, retinite pigmentosa e anosmia. Após 10 a 15 anos de evolução, pode evoluir com surdez, ataxia, polineuropatia, ictiose e ar- ritmias cardíacas. Raramente apresentam-se assintomáticos até a vida adulta (Wier- zbicki et al. 2002). Em 30% dos pacientes descritos há encurtamento de metacarpo e metarso. De modo geral, há grande variação de apresentação clínica, sendo rara a presença de todos os sinais e sintomas descritos (Plant et al. 1990). O aumento de ácido fi tânico acima de 200mcmol/L é patognomônico da doença (Wierzbicki et al. 2002). A confi rmação diagnóstica pode ser feita através de pes- quisa de mutação do gene PHYH ou PEX7. Como alternativa, o estudo da atividade enzimática de fi broblastos pode ser realizado (Wanders et al. 2001). O tratamento consiste em restrição de ácido fi tânico na dieta, implicando em melhora de diversas manifestações clínicas, como polineuropatia, ataxia, ictiose e arritmias cardíacas. Plasmaférese e lipaférese podem ser utilizadas em casos de sintomas graves. No entanto, essas terapias apresentam efeito incerto na progressão de retinite pigmen- A doença de Refsum é uma desordem autossômica recessiva do metabo- lismo peroxissomal do ácido � tânico, de caráter progressivo, inicialmente descrita em 1945. Refsum 215 tosa, anosmia e surdez (Wierzbicki et al. 2002). Deve-se evitar jejum e perda súbita de peso visto que a lipólise libera ácido fi tânico ao mobilizar as reservas lipídicas. Caso haja restrição à dieta enteral, a nutrição parenteral e a fl uidoterapia intravenosa devem ser prontamente adotadas para manter glicemia sérica e prevenir cetose (Wanders et al. 2015). Os pacientes com doença de Refsum devem realizar acompanhamento periódico com neurologia, dermatologia, oftalmologia e cardiologia. A dosagem de ácido fi tânico deve ser realizada a cada 3 a 6 meses, ou em menor intervalo em presença de doença aguda ou outras situações que aumentem catabolismo celular (Wanders et al. 2015; Yoneda 2016). Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica Neuropedia- tra Hosptal Pequeno Principe ■ Coordenadora do Ambulatório de EIM-HPP ■ Médico Pediatra pelo Hospital das Clínicas da UFMG, titulado pela Sociedade Brasileira de Pediatria ■ Residente em Neuro- logia Pediátrica pelo Hospital Pequeno Príncipe Dra. Mara Lucia Schmitz Ferreira Santos Daniel Valle R Doença Doença 216 A síndrome de Rett (sR), doença descrita inicialmente pelo médico aus- tríaco Andreas Rett em 1966 (Rett, 1966), é uma doença neurológica com herança dominante ligada ao cromossomo X, caracterizada pelo progressivo comprometimento das funções neurológicas e motoras após um período de desenvolvimento inicial aparentemente normal. A capacidade de locomoção e a fala são gradativamente perdidas, assim como o uso intencional das mãos, que é substituído pelos movimentos estereotipados de “lavar as mãos” e bater palmas. Sua incidência estimada é de 1:8500 a 1:15 000 nascidas vivas (Amir et al, 1999; Laurvick et al, 2006). A quase totalidade (99,5%) dos casos é de ocorrência esporádica, com origem na linhagem germinativa paterna. No Brasil, há pelo menos duas casuísticas publicadas de meninas portadoras desta condição com análise do gene MECP2 (Lima et al, 2009; Monnerat et al, 2010). Na forma clássica, a doença apresenta quatro estágios bem defi nidos: 1 desacelera- ção precoce – entre os 6 e os 18 meses; 2 destruição rápida – entre os 2 e os 4 anos; 3 pseudo-estacionário – entre os 4 e os 10 anos; 4 deterioração motora tardia – por volta dos 10 anos de idade. O desenvolvimento neuropsicomotor nos primeiros seis a doze meses é tipicamente normal. A desaceleração do perímetro cefálico inicia-se no primeiro ano de vida (fase 1). Entre os 6 e os 18 meses, as portadoras sofrem uma estagnação no desenvolvimento, seguida de regressão rápida nas habilidades motoras e de linguagem. Nesta fase (2), são comuns as crises de gritos e/ou de choro incon- solável. Outras características que podem ser observadas nesta fase incluem ataques de pânico, bruxismo, episódios de apnéia e/ou hiperpnéia, convulsões, apraxia, tre- mores e a perda ou redução do contato ocular. Outros achados que podem aparecer neste período são a distonia e os distúrbios de mãos e pés. Neste período, a epilepsia torna-se mais intensa. Também nesta fase a escoliose é um problema comum, que compromete mais da metade das afetadas (Kerr et al, 2003). O crescimento costuma ser afetado, sendo que a maioria das meninas apresenta crescimento ponderal e, às vezes, também de estatura insufi cientes. Distúrbios vasomotores, especialmente de membros inferiores, são comuns. Osteopenia pode ser observada precocemente na doença e tende a ser mais intensa nas pacientes não ambulatórias. Incidência mais elevada de prolongamento do intervalo QT corrigido e anormalidades da onda T têm A quase totalidade (99,5%) dos casos é de ocorrência esporádica, com origem na linhagem germinativa paterna. No Brasil há pelo menos duas casuísticas publicadas de meninas portadoras desta condição com análise do gene MECP2 Rett 217 ■ Especialista em pediatria e em genética médica, doutor em genética ■ Professor associado do Departamento de Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro ■ Pesquisador associa- do do Programa de Aconselhamento Genético do Instituto Nacional de Câncer ■ Graduação (Bacharelado) em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2005) ■ Mestrado Acadêmico em Biologia Celular e Molecular pela Fundação Oswaldo Cruz Fernando Regla Vargas Leila Schuindt Monnerat sido descritas em portadoras desta doença e podem estar associadas à morte súbita, relatada em algumas pacientes (Guideri et al, 1999). Existem pelo menos cinco formas variantes,ou atípicas, da doença: 1) forma com predomínio de epilepsia e início do quadro antes dos seis meses de idade, associada a mutações no gene CDKL5 (Evans et al, 2005; Scala et al, 2005); 2) forma congênita ou de início precoce, na qual a regressão não é visível, mas os sintomas são clássicos, associada a mutações no gene FOXG1 (Ariani et al, 2008); 3) forma com regressão tardia e mais gradual que na forma clássica; 4) forme frustra, na qual a regressão ocorre mais tarde (1-3 anos), o uso das mãos é parcialmente preservado e as estereotipias manuais são mínimas ou atípicas; 5) forma com fala preservada, na qual algumas habilidades de comunicação oral são preservadas. No caso das formas variantes (ou atípicas), os estadios da doença não são bem defi nidos. Estas formas representam, aproximadamente, 25% dos casos de síndrome de Rett. A síndrome de Rett foi descrita em homens com cariótipo 47,XXY (Hoffbuhr et al, 2001; Sch- wartsman et al, 2001). Mutações em MECP2 em homens com cariótipo normal são raras e estão associadas à grave encelopatia neonatal com microcefalia e prognóstico reservado (Zeev et al, 2002; Kankirawatana et al, 2006). O manejo inclui avaliações que devem ser realizadas no momento do diagnóstico e, regular- mente: 1.º avaliação do desenvolvimento, crescimento, problemas nutricionais e gastrointes- tinais; 2.º avaliação do sono e distúrbios respiratórios; 3.º avaliação neurológica e com vídeo EEG; 4.º avaliação do intervalo QT por ECG e/ou Holter; 5.º avaliação de disfunções autonô- micas; 6.º avaliação ortopédica e da escoliose. A terapêutica multidisciplinar é fundamental e inclui: fi sioterapia motora e estimulação, terapia fonoaudiológica e de fala, terapia ocupacional, musicoterapia, nutricionista, hipoterapia, hidroterapia e técnicas de aumento da comunicação. Terapia farmacológica para a epilepsia, dieta rica em fi bras e aporte líquido são também neces- sários. Para saber mais www.rettsyndrome.org/ http://www.vidasraras.org.br/site/ R Síndrome Síndrome 218 O retinoblastoma (RB) (MIM #180200) é um tumor maligno que ocorre nas células embrionárias da retina. Acomete principalmente crianças abaixo dos cinco anos. É o mais frequente tumor ocular em crianças com incidência de 1 para cada 20 000 nascidos vivos. Dados de regis- tros de base populacional brasileiros indicam que a incidência de retinoblastoma ajustada para a idade no período de 0 a 4 anos varia de 7 a 24 casos por milhão (De Camargo et al, 2010). Os principais modos de apresentação clínica são a leucocoria, presente em 60% dos casos, e o estrabismo, presente em 20% dos casos. História familiar de retino- blastoma é observada em aproximadamente 10% dos casos. O diagnóstico clínico é realizado pelo exame do fundo de olho e confi rmada por métodos de imagem (ultrassonografi a, tomografi a, Ressonância Magnética). O tumor pode ser unilateral, em 60% dos casos, com idade média de 24 meses e 40% têm doença bilateral, com idade média de 15 meses. O retinoblastoma é con- siderado trilateral quando, além do tumor bilateral, é diagnosticado um pinealoma, tumor das células precursoras da retina, derivadas da placa neuroectodérmica na glândula pineal. São tumores raros e apresentam comportamento agressivo e de mau prognóstico. Os objetivos do tratamento do RB são a preservação: da vida, do olho e da visão. A escolha do melhor esquema terapêutico depende do estágio tumoral, número de focos tumorais (unifocal, multifocal, bilateral), localização e tamanho do tumor, presença de implantes vítreos e idade da criança. As opções terapêuticas incluem enucleação, crioterapia, fotocoagulação, termoterapia transpupilar com laser, ra- dioterapia com feixe externo e braquiterapia. Protocolos de quimioterapia sistêmi- ca ou tópica (subtenoniana, intra-arterial) também constituem opções terapêuticas. O gene RB1 possui 27 éxons e codifi ca a proteína nuclear envolvida na regu- lação da transição G1 → S do ciclo celular. O retinoblastoma ocorre em células retinianas nas quais ambos os alelos do gene supressor tumoral RB1 sofreram mu- tações. Portadores de mutações germinativas no gene RB1 apresentam alto risco para retinoblastoma uni ou bilateral, além de risco na adolescência e vida adulta para neoplasias extraoculares como os osteossarcomas, sarcomas de partes moles A escolha do melhor esquema terapêutico depende do estágio tumoral, número de focos tumorais (unifocal, multifocal, bilateral), localização e tamanho do tumor, presença de implantes vítreos e idade da criança Retinoblastoma Hereditário 219 ■ Médica formada pela Faculdade de Medicina da Fundação do ABC ■ Especialização em Genética Médica pela UNIFESP ■ Mestre em Oncolo- gia pela Fundação Antônio Prudente ■ Diretora do departamento de Oncogenética do Hospital A.C. Camargo ■ Coordenadora do departamento de Oncogenética da Sociedade Bra- sileira de Genética Clínica ■ Cientista assistente no CIPE no laborató- rio de Oncogenética Molecular ■ Orientadora da pós-graduação da Fundação Antônio Prudente Maria Isabel Achatz ou melanomas. O rastreamento de mutações germinativas é realizado através de amplifi cação por PCR, se- guida de sequenciamento das regiões codifi cantes do gene RB1, que detectam até 70% de todas as mutações. Outros métodos complementares são: MLPA (Multiple Ligation-dependent Probe Amplifi cation) e PCR multiplex quantitativo podem detectar grandes e pequenas deleções e duplicações, responsáveis por 15% das mutações oncogênicas em RB1, análise cromossômica em linfócitos do sangue periférico que detecta deleções ou rearranjos, presentes em até 1% dos casos, Hibridização in situ por fl uorescência (FISH), genotipagem de marcadores polimórfi cos. Mosaicismo somático pode estar presente em até 4,5% dos probandos. A detecção de segundo tumor ocular em indivíduos com Retinoblastoma ou indivíduos em alto risco de desenvolver Retinoblastoma deve incluir exame fundoscópico (se necessário sob anestesia), que deve ser realizado logo após o nascimento e a cada três a quatro semanas no primeiro ano de vida. A partir daí, realizar exame fundoscópico a cada dois a três meses até os três anos, seguido de exame ocular semestral até os 12 anos. Na forma hereditária, o Retinoblastoma é uma doença de transmissão autossômica dominante e penetrância em torno de 90%. Em cerca de dois terços dos portadores de mutação germina- tiva patogênica no gene RB1, a mutação é nova, resultando em baixo risco de recorrência para os pais do probando. O risco de transmissão para a prole do probando é de 50%. Contudo, em função da possibilidade de mosaicismo somático, descrito repetidas vezes em Retinoblastoma, o risco pode ser mais alto (Sippel et al, 1998). Para saber mais www.cancer.gov/espanol/pdq/tratamiento/retinoblastoma/patient/page1 http://www.vidasraras.org.br/site/ R Doença Doença 220 A SRT é causada por mutações nos genes CREBBP (CREB-binding pro- tein) localizado em 16p13.3 em 50 a 70% dos pacientes; ou no gene EP300 (E1A-associated protein p300) localizado em 22q13.2, em 5 a 8% dos casos. Até o momento foram descritos mais de 230 mutações patogênicas no gene CREBBP e 28 mutações no gene EP300. Quadro clínico: Os pacientes apresentam dismorfi smos craniofaciais característi- cos: microcefalia, fendas palpebrais para baixo, sobrancelhas espessas e arquea- das, nariz protuso com columela proeminente, micrognatia e sorriso “em careta” (grimacing smile). Os pacientes apresentam atraso do DNPM, défi cit de linguagem expressiva e defi ciência mental. Ocorrem também malformações em múltiplos ór- gãos: - anomalias dentárias: hiperdontia, dente neonatal, ápices do dente “em formato de garra” (talon cusps). - sistema ocular: coloboma, catarata e glaucoma. -sistema cardiovascular: PCA, CIA, CIV, coartação de aorta, estenose pulmonar e defeitos de condução. - sistema digestivo: refl uxo gastro-esofágico, obstipação e megacólon/ doença de Hirschsprung. - sistema urogenital:duplicação ureteral, refl uxo vésicoureteral, risn em ferradura. Nos meninos, a anomalia mais frequente é a criptorquidia. - sistema músculo-esquelético: polegares e/ou háluces curtos e alargados, anoma- lias pévicas vertebrais. Além disso, foram descritas alterações endocrinológicas (hipotiroidismo, hipopla- sia hipofi sária, defi ciência de hormônio de crescimento) e dematológicas (quelói- des, pilomatrixoma e paroniquía). Os aspectos comportamentais na infância incluem personalidade amigável, hipe- ratividade, labilidade emocional, défi cit de atenção, incoordenação motora e com- A síndrome de Síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT) (OMIM #180849) é uma doença genética rara de herança autossômica. A incidência estimada é de 1: 100.000 a 1: 125.000 nativivos, sem predomínio de sexo ou cor. Na maioria das famílias, a ocorrência é esporádica, ou seja, os pais não são acometidos. Rubinstein Taybi 221 portamentos estereotipados. Na adolescência podem apresentar ansiedade, instabilidade do hu- mor, falta de persistência, agressividade e espectro do transtorno obsessivo-compulsivo. Diagnóstico: osdismorfi smos faciais não são facilmente reconhecidos no período neonatal e na lactância, tornando-se evidentes na infância. Os polegares e/ou háluces curtos e alargados foram considerados como critérios diagnósticos da SRT, estando presentes na maioria dos pacientes. Recentemente, devido a heterogeneidade genética está indicado para a confi rmação diagnóstica o sequenciamento de nova geração (exoma), no qual os dois genes relacionados à SRT podem ser analisados. Tratamento: reabilitação com equipe multidisciplinar. Há risco de arritmias cardíacas com dro- gas cardioativas (atropina, neostigmina e succinilcolina) durante procedimentos anestésicos. Prognóstico: A maioria dos pacientes sobrevivem até a idade adulta, porém há várias compli- cações médicas incluindo infecções recorrentes respiratórias devido alterações imunológicas; e predisposição aumentada a tumores benignos e malignos.. Para saber mais www.fi ocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/sindrome-rubinsrein-taybi.htm http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Coordenador do Centro de Genética Médica do Instituto Nacional Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro Juan C. Llerena Jr ■ Licenciada em Ciências Biológicas - UERJ/FFP ■ Professora Docente I do Estado do Rio de Janeiro ■ Aluna de Mestrado - Departamento de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueiras/ FIOCRUZ ■ Programa de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Biolo- gia da UFRJ/CCS Evelyn Quintanilha Vianna R Síndrome Síndrome 222 A s seguintes síndromes compõem as RASopatias: síndrome de Noonan (SN), síndrome de Noonan com múltiplas lentigines, síndrome car- diofaciocutânea, síndrome de Costello (SC), neurofi bromatose tipo I/ síndrome de Legius, síndromes Noonan-like decorrentes de mutações nos genes SHOC2, CBL e PPP1CB, além da síndrome da malformação capilar e artério-venosa. Dentre elas, destaca-se a SN por ser a mais prevalente (1 :1.000 e 1:2.500 nascimentos). Caracteriza-se pela presença de baixa estatura pós-natal; dismorfi smos faciais (hipertelorismo ocular, ptose palpebral, proptose, inclinação ínfero-lateral das fendas palpebrais, palato alto e má-oclusão dentária e orelhas rodadas posteriormente, com dobradura exagerada da porção superior da hélice); pescoço alado; deformidade esternal; cardiopatia congênita, sobretudo a estenose pulmonar valvar e a miocardiopatia hipertrófi ca; criptorquidia; anomalias hema- tológicas e defi ciência intelectual, em geral de grau leve. Há grande variabilidade clínica inter e intrafamilial. A maioria dos casos da SN é isolada nas famílias, decorrente de uma mutação nova. Nos indivíduos afetados, como o padrão de herança é autossômico domi- nante, há um risco de 50% de transmissão da doença para os descendentes. Atual- mente, mais de dez diferentes genes já foram associados à SN: o gene PTPN11, este responsável por 50% dos casos, SOS1, RAF1, KRAS, NRAS, RRAS, BRAF, MEK1, RIT1, SOS2, LZTR1, estes dois últimos identifi cados pelo nosso grupo. O estudo conjunto destes genes permite a confi rmação diagnóstica da síndrome em aproximadamente 70-80% dos afetados. As mutações observadas, em geral, são mutações em heterozigose do tipo missense, causando um ganho de função. Devido à grande heterogeneidade genética presente na síndrome e o fato de não haver uma correlação genótipo-fenótipo precisa, o estudo molecular torna-se complexo. Atualmente, pode-se empregar o sequenciamento de nova geração, o qual permite o estudo conjunto de diversos genes sob a forma de um painel. O tratamento da síndrome dependerá das anomalias apresentadas pelo paciente. A alteração que requer maior atenção é a anomalia cardíaca. A avaliação da he- As RASopatias constituem um grupo de doenças monogênicas com caracte- rísticas clínicas semelhantes, decorrentes de mutações germinativas em genes que compõem a via de sinalização RAS/MAPK. Esta via atua na proliferação, diferenciação e sobrevivência celular. RASopatias 223 RASopatias mostasia deve ser realizada no momento do diagnóstico e previamente a procedimentos cirúr- gicos. Para o tratamento do défi cit de crescimento, o uso do hormônio de crescimento pode ser utilizado, embora ainda não haja um consenso no seu emprego. Uma preocupação recente entre as RASopatias é a possibilidade de um risco aumentado para câncer, particularmente observado na SC. Diretrizes de rastreamento para esta síndrome incluem a realização de uma ultrassonografi a abdominal e pélvica a cada 3 a 6 meses, até a idade de 8 a 10 anos e urina tipo I anualmente, a partir de 10 anos. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Mestre e Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Geneticista Médica na Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo Débora Bértola R Doença Doença 224 Devido ao grave comprometimento das fi bras sensitivas, o sintoma mais proeminente e marcante é a ausência de sensibilidade à dor. Isto faz com que os pacientes apresentem grande risco de lesões corporais, com potencial de complicações e, não raro, são a causa de óbito nestes pacientes. Outros sintomas decorrentes do comprometimento autonômico incluem falha na produção lacrimal, crises de vômitos, distúrbios de deglutição, disfunção gastrintestinal e cardiovascular, sobretudo crises de hipertensão arterial e taqui- cardia (crises adrenérgicas). Alguns casos de rabdomiólise já foram reportados. Sinais e sintomas estão presentes desde o nascimento como hipotonia e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Ao exame pode ser observada abolição dos refl exos osteotendíneos e os testes cutâneos de sensibilidade poderão indicar a di- minuição da sensibilidade cutânea para dor e temperatura. Muitos recém-nascidos podem apresentar difi culdade para sugar e ganhar peso. As crianças podem apre- sentar um fenótipo facial sugestivo, com formato triangular e assimetria. Com o passar do tempo um achado ortopédico comum é a escoliose, além de maior risco de fraturas. O pulmão é outro órgão frequentemente acometido, devido à disfagia e microaspirações, resultando em pneumonias de repetição. O tratamento é puramente sintomático, mas tem uma importância fundamental no prolongamento da expectativa de vida dos pacientes, bem como na sua qualidade de vida, reduzindo o risco de lesões e complicações da síndrome. A proteção ao paciente é fundamental, com um trabalho de educação familiar. Lágrimas artifi - ciais e medicações antieméticas são mandatórias para se evitar lesões oftalmoló- gicas e os vômitos recorrentes, reduzindo, assim, o risco de pneumonia aspirativa. As alterações autonômicas, como hipotensão ortostática, podem ser evitadascom A síndrome de Riley-Day ou neuropatia hereditária sensitiva e autonômi- ca tipo III (ou ainda disautonomia familiar) é uma enfermidade autos- sômica recessiva determinada pela mutação de ponto do gene IKBKAP/ ELP1 do cromossomo 9, resultando na diminuição da produção da proteína IKAP ou ELP1 no sistema nervoso central e periférico. Embora amplamente distribuída em vários tecidos, a proteína codi� cada tem um papel importante no desenvolvimento e manutenção dos neurônios sensitivos e autonômicos. A incidência na população geral é de 1 a 9 indivíduos para cada milhão de nascimentos, enquanto que em judeus Asquenazis essa proporção cai para 1 :3.700. Riley-Day 225 ■ Graduado em Medicina pela Uni- versidade Estadual de Pernambuco (UPE) ■ Especialização em neurologia infantil e neuro� siologia pela Universidade de São Paulo (USP) ■ Neurologista infantil no Instituto de Neurologia de Goiânia e no Centro de Reabilitação Dr. Henrique Santillo (Crer) Hélio van der Linden Júnio uma boa ingestão hídrica e as crises adrenérgicas podem ser controladas efi cazmente com me- dicações sintomáticas, como a clonidina. O prognóstico da síndrome de Riley-Day é geralmente ruim, pois as complicações da doença podem levar ao óbito de forma precoce. No entanto, com o diagnóstico cada vez mais precoce e o tratamento de suporte, os sintomas podem ser atenuados e as complicações prevenidas, resul- tando numa melhor qualidade de vida dos pacientes e familiares. Para saber mais https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1180/ http://www.vidasraras.org.br/site/ R Síndrome Síndrome sss 228 Estudos apontam para quatro genes envolvidos, porem 95% dos casos apresentam mutação em apenas dois: O gene AGPAT2 (BSCL tipo1) e o gene BSCL2 (Seipin Gene). A mutação BCSL tipo 1 se localiza no cromossomo 9q34.3 e sua patogênese está associada à defi ciência de 1 acilglicerol 3 fosfato aciltransferase 2 , fundamental para biossíntese de glicerol fosfolipídios e triacilglicerol. Quando estes produtos não são estocados dentro dos adipócitos, ocorre um acúmulo de gordura em outros órgãos tais como fígado, baço, coração, pele e músculos, com ausência total de tecido adiposo subcutâneo intra-abdominal, intratorácico e medula óssea, mas preservando a gordura mecâ- nica localizadas nas palmas, plantas, periarticular e retro orbitaria. Esta forma se caracteriza por ser menos agressiva, com menor taxa de retardo mental e miocar- diopatia hipertrófi ca quando comparada a forma BSCL tipo 2. A extensão da perda de gordura determina a severidade metabólica. O défi cit de tecido adiposo e consequentemente da leptina, que é um hormônio produzido nos adipócitos, parece exercer um papel fundamental na resistência à insulina, no dia- betes mellitus, na esteatose hepática e na dislipidemia presentes na BSCL. O diagnóstico de BSCL torna-se muito possível na presença de 3 critérios maiores ou pela constatação de 2 critérios maiores juntos a 2 ou mais critérios menores. Critérios maiores: lipoatrofi a afetando tronco, membros e face, aparência agrome- galica, hepatomegalia, hipertrigliceridemia, resistência à insulina. Critérios me- nores: miocardiopatia hipertrófi ca, retardo mental leve a moderado, hirsutismo, puberdade precoce em meninas e cistos ósseos. Na história natural da BSCL ocorre um quadro progressivo de dislipidemia com hipertrigliceridemia acentuada e resistência à insulina culminando com um quadro de diabetes não cetótico de difícil controle, que se inicia na puberdade. A abordagem terapêutica resume-se ao controle das complicações crônicas. Re- A lipodistro� a congênita generalizada ou Síndrome de Seip Berardinelli (BSCL) é uma doença rara, autossômica recessiva, com uma prevalência heterogênea, variando desde 1 :200.000 no Líbano até 1:10 milhões nos Estados Unidos. O primeiro caso foi descrito no Brasil, em 1954, por Berardinelli e quatro anos depois, Seip, na Noruega, descreveu outros três pacientes. Atualmente, 500 casos estão reportados na literatura. Seip Berardinelli 229 centemente tem sido feitos estudos com a leptina para o tratamento das complicações metabóli- cas associadas à lipodistrofi a, tendo em vista a melhora signifi cativa observada nas glicemias, na hemoglobina glicada, na redução dos triglicerídeos e no volume hepático e menor necessidades de altas doses de insulina, já que as medicações (sensibilizadoras de insulina e antilipemiantes) são insufi cientes para o controle das severas anormalidades metabólicas. Muitos pacientes são diagnosticados tardiamente no curso da doença, o que reforça a necessidade de identifi car pa- cientes com esta condição clínica. Para saber mais http://ghr.nlm.nih.gov/condition/smith-magenis-syndrome http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico endocrino- logista da Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba. ■ Membro titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. ■ Coordenador do ambulatório de disli- pidemia, lipodistro� a e obesidade do Consórcio Intermu- nicipal de Saúde do Estado da Paraíba. ANTONIO FERNANDES DE OLIVEIRA FILHO S Síndrome Síndrome 230 É uma doença auto-imune de herança recessiva ligada ao cromossomo X de início no primeiro ano de vida, muito rara com aproximadamente 150 indivíduos acometidos descritos na literatura. Etiologia: A IPEX é causada por mutações no gene FOXP3 (mapeado em Xp11.23) que codifi ca o fator ativador de transcrição FOXP3, o qual desempenha papel importante no desenvolvimento tímico e na diferenciação de células T regu- ladoras (TREGS). Quadro clínico: A tríade clínica sugere ampla auto-imunidade: 1-Enteropatia: diarréia crônica grave, aquosa ou muco-sanguinolenta com início nos primeiros meses de vida. 2-Endocrinopatia: diabetes mellitus tipo 1 que manifesta-se no primeiro mês de vida; doença tireoideana auto-imune (hipo ou hipertireoidismo). 3-Dermatite: mais comumente eczematosa; eritrodermia, dermatite esfoliativa, le- sões semelhantes a psoríase e pênfi go nodular. Outras manifestações incluem glomerulonefrite ou nefrite intersticial (50%). Os pacientes apresentam suscetibilidade alta para infecções graves (septicemia, meningite, pneumonia, infecções cutâneas, osteomielite), sendo os agentes mais frequentes enterococos, estafi lococos, citomegalovírus e cândida. Diagnóstico: As alterações laboratoriais incluem vários auto-anticorpos (anti-ilho- tas de Langerhans, anti-insulina; anti-microssomais, anti-tireoglobulina; anti-mús- culo liso, anti-enterócito; anti-eritrócitos, anti-neutrófi los, anti-plaquetas); IgE elevada; anemia, neutropenia, trombocitopenia, eosinofi lia; redução de redução de células TREGS (CD4+CD25+ e FOXP3). As dosagens de IgG e IgM, e comple- mentos séricos estão normais. A suspeita diagnóstica pode ser confi rmada pelo teste genético. A taxa de detec- ção de variantes patogênicas pelo método de sequenciamento de todos os exons, das junções exon-intron e os defeitos no primeiro sítio de poliadenilação do gene FOXP3 é superior a 95%. Aproximadamente 25% dos meninos com achados clíni- cos sugestivos apresentam variantes patogênicas no gene FOXP3. O termo IPEX é um acrônimo para Imunodesregulação, Poliendocrino- patia e Enteropatia Ligada ao X (Immunodysregulation, Polyendocrino- pathy, Enteropathy, X-linked - OMIM≠304790). Síndrome IPEX 231 Aconselhamento genético: O risco para a irmandade do indivíduo acometido depende do estado de portador da mãe. Se a mãe do propósito for portadora de variante patogênica no gene FOXP3, o risco de transmissão é de 50%. Os meninos que herdarem a mesma variante serão acometidos; e as meninas serão portadoras como a mãe e não serão acometidas. Tratamento e prognóstico:a maioria dos pacientes evolui ao óbito no primeiro ano de vida, mui- tas vezes sem diagnóstico. A nutrição parenteral está indicada. As endocrinopatias devem ser tratadas por medidas convencionais. As infecções devem ser tratadas precocemente com antibio- ticoterapia de amplo espectro.o rastreio 5 a 10 anos antes da idade do caso mais jovem da família. Acredita-se que os pólipos hamartomatosos gastrointestinais (observados em cerca de 45% dos afetados) não aumentam o risco de câncer colorretal, porém podem estar associados a sangramento retal e intussucepção. Quanto ao risco de recorrência, considerando que se trata de uma desordem de Bannayan-Riley-Ruvalcaba O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, porém, através de técnicas de biologia molecular, têm sido encontradas mutações no gene PTEN, em cerca de 65% dos casos 23 Bannayan-Riley-Ruvalcaba etiologia genética, com padrão de herança autossômico dominante, há um risco de 50% para a prole dos afetados. Ressalta-se que uma grande proporção dos casos representa mutação nova na família, sendo que para esses casos, o casal tem risco de recorrência semelhante à da população geral. Quando se identifi ca a mutação no probando, é possível testar os parentes de primeiro grau, ainda que assintomáticos, visando orientar a monitoração quanto à predisposi- ção hereditária do câncer. Conhecer a mutação da família permite também realizar diagnóstico pré-natal e pré-implantação. Para saber mais www.orpha.net http://www.vidasraras.org.br/site/ B ■ Residência em Genética Médica pelo Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo (2005-2008) ■ Mestrado em Saúde Materno-Infantil na Universidade Federal do Maranhão (2009-2012) ■ Presidente da Regional Norte-Nordeste da Sociedade Brasileira de Genética Médica (biênio 2011-2013) Maria Juliana Rodovalho Doriqui Síndrome 24 A Deficiência de Biotinidase (DB) é um erro inato do metabolismo de herança autossômica recessiva. Na DB, a capacidade de obtenção da vitamina biotina a partir dos alimentos está prejudicada. Consequen- temente, o funcionamento das carboxilases que dependem da biotina como coenzima é afetado. Além disso, a biotina não pode ser reutilizada a partir das carboxilases quando elas são degradadas (Baumgartner e Suormala, 2000). Existem duas formas da doença de acordo com a atividade residual da bioti- nidase: a deficiência total – menos de 10% da média da atividade sérica normal da biotinidase e a deficiência parcial – 10 a 30% da média da atividade normal. No mundo, estima-se que a incidência da DB seja de 1 para 60 089 recém- -nascidos e que as incidências de DB total e parcial sejam semelhantes entre si (Wolf, 1991). O Brasil parece apresentar uma alta frequência da doença embora existam poucos estudos sobre esta frequência e os que existem apresentam re- sultados ainda discrepantes. Neto et al. (2004) descreve uma incidência no país de 1 para 9000 recém-nascidos enquanto que, no Estado do Paraná, Pinto et al. (1998) relata 1 por cada 62 500 recém-nascidos e, especificamente, no municí- pio paranaense de Maringá de 1 para 6843, segundo Luz et al. (2008). Manifestações neurológicas (hipotonia muscular, letargia, convulsões mioclô- nicas, ataxia) são os sinais clínicos iniciais mais frequentes. Além disso, sinto- mas respiratórios (estridor, hiperventilação e apneias) ocorrem com frequência (Baumgartner et al., 1989). Rash cutâneo e alopécia são achados característicos da doença, no entanto, eles podem ocorrer mais tardiamente ou até mesmo não ocorrer em alguns pacientes (Wastell et al., 1988; Wolf et al., 1985; Wolf, 2001). De modo geral, há uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na idade de apresentação dos sintomas (do período neonatal até à adolescência) (Baumgartner et al., 1985; Wolf et al., 1998), o que gera um grande risco de atraso no diagnóstico (Grunewald et al., 2004). Pacientes com diagnóstico tar- dio podem apresentar retardo psicomotor, leucoencefalopatia, perda auditiva e atrofia óptica, que podem ser irreversíveis e, até mesmo, fatais (Ramaekers et al., 1992; Weber et al., 2004; Wolf et al., 2002). Biotinidase Com uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na idade de apresentação dos sintomas esta patologia é frequentemente diagnosticada tardiamente 25 Biotinidase ■ Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular, UFRGS Ida Vanessa D. Schwartz ■ Médico geneticista Osvaldo Artigalás ■ Biomédica Taciane Borsatto O diagnóstico de DB pode ser realizado a partir da suspeita clínica e confirmado pela medi- da da atividade da biotinidase no soro (Wolf et al., 1983; Wastell et al., 1984). A detecção de pacientes ainda assintomáticos pode ser feita por triagem neonatal (teste do pezinho). Nesse caso, a avaliação da atividade enzimática é realizada em cartão de papel filtro impregnado com sangue. Quando o resultado for indicativo de DB, a confirmação é dada pela medida no soro (Heard et al., 1984). É recomendado que o teste seja realizado, ao mesmo tempo, nos pais do paciente e num indivíduo não relacionado, para auxiliar na interpretação e distinguir a verdadeira deficiência, de uma diminuição da atividade devido ao transporte ou manipula- ção da amostra (Cowan et al., 2010). Após a confirmação do diagnóstico, o tratamento deve ser instituído sem demora, inclusive para os assintomáticos, pois os pacientes tornam-se deficientes em biotina poucos dias após o nascimento (Baumgartner et al., 1985). O tratamento consiste em suplementação oral de biotina livre (disponível em cápsula, comprimido e preparação líquida) ao longo de toda vida. Todos os indivíduos devem ser tratados, independente do grau da deficiência (total ou parcial) (Wolf, 2010). Invariavelmente, os pacientes tratados com biotina apresentam melhoras, embora os pro- blemas de atrofia óptica, perda auditiva e retardo no desenvolvimento não sejam revertidos completamente. Além disso, as crianças identificadas por triagem neonatal têm os sintomas prevenidos com a terapia (Wolf, 2010). Para saber mais www.defi cienciadabiotinidase.com http://www.vidasraras.org.br/site/ Defi ciência B 26 Estas aparecem por volta dos dois anos de idade, principalmente sobre o nariz e bochechas. Pode ocorrer ainda perda de cílios em pálpebras inferiores e bolhas ou fissuras no lábio inferior, que habitualmente são bastante incomodas e de difícil tratamento, imunodeficiência, dificul- dades alimentares, refluxo gastroesofágico, infecções de trato respiratório su- perior e inferior, infecções de ouvido, obstrução do trato urinário inferior em homens, doença obstrutiva pulmonar crônica, diabetes mellitus, mielodisplasia e risco aumentado de aparecimento precoce de neoplasias (estas são as principais complicações e causa de morte na SdB). O desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo geralmente não é afetado. Mulheres podem ser férteis, mas usualmente apresentam falência ovariana precoce e os homens são inférteis. O diagnóstico é estabelecido com identificação de variantes patogênicas bialé- licas do gene BLM (15q26 .1) ou, em caso da investigação molecular ser incon- clusiva, com a identificação do aumento da frequência de trocas de cromátides irmãs em estudos citogenéticos específicos. Em Judeus Ashkenazi (JA) há uma variante patogênica comum designada blmAsh (c.2207_2212delinsTAGATTC), identificada em 97% dos indivíduos com esta ancestralidade. A avaliação de um paciente recentemente diagnosticado com SdB inclui, além da história médica pregressa, história familiar e exame físico rotineiro, avaliação quanto a presença de refluxo gastroesofágico e microaspirações, determinação da glicemia sanguínea e TSH ao diagnóstico e anualmente, determinação das concentrações de imunoglobulinas plasmáticas e avaliação do trato urinário. Em caso de diagnóstico na idade adulta, solicitar colonoscopia ao diagnóstico a cada um ou dois anos, e sangue oculto nas fezes (teste do Guáiaco) a cada três ou seis meses, além da indicação de aconselhamento genético em serviço especializado. É contraindicada a administração de hormônio de crescimento em portadores da SdB, pois não há aumento significativo na taxa de crescimento, além do aumento do risco de desenvolvimentoPodem ser necessárias transfusões de hemácias e plaquetas, fator estimulante de granulócitos e imunossupressores. O transplante de medula óssea está indicado com possibilidade de cura dependendo da idade do transplante. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Professor Assistente Doutor do Departa- mento de Puericultura e Pediatria da FMRP- -USP. ■ Graduação pela FMRP-USP. ■ Professor Assistente Doutor do Departa- mento de Puericultura e Pediatria da FMRP- -USP. ■ Residência médica em Pediatria pelo HCFMRP-USP. ■ Mestre e doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP-USP. ■ Fellow na Divisão de Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da Louisiana State University Health Sciences Center, New Orleans (USA) e na Unidade de Imunologia Pediátrica e Doenças Infecciosas e Unidade Regional de Transplante de Medula Óssea para SCID e Doenças Correlatas da University of Newcas- tle upon Tyne (UK). ■ Presidente do Departamento de Aler- gia e Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Dr. Pérsio Roxo Júnior S Doença Doença 232 A síndrome Hemolítico Urêmica (SHU) é uma microangiopatia trombótica, caracterizada por anemia hemolítica não imune, plaquetopenia e injúria renal aguda. A SHU não-STEC ou atípica (SHUa) ocorre em 5 a 10% dos casos, sem infecção por shiga-toxina, causada pela ativação contínua da via alternativa do sistema complemento. Pode ocorrer em qualquer idade e, por apresentar uma causa genética, surtos de agudização são esperados. Pode ser esporádica ou familiar. O prognóstico é reservado, com mortalidade de 6,7% em crianças e 0,8% em adultos. Em adultos, a evolução para doença renal crônica terminal ocorre em 46% dos casos e é preciso ter alto índice de suspeição para evitar que a doença seja sub-diagnosticada. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de microangiopatia trom- bótica: Púrpura Trombocitopência Trombótica (PTT), infecções virais (HIV, BK vírus), infecção por pneumococo produtor de neuraminidase, doenças do tecidos conectivo, neoplasias malignas (quimio e radioterapia), drogas (ticlopidina, bleomicina, gencita- bina, clopidogrel, tacrolimo, ciclosporina), hipertensão maligna e síndrome HELLP. A SHU atípica é uma doença rara, causada pela ativação contínua do sistema com- plemento. Recentemente, mutações nos genes que codifi cam proteínas inibidoras da via alternativa do complemento foram descobertas. Embora a doença seja genética, não é incomum que a primeira manifestação leve anos para acontecer. O surto inicial geralmente é abrupto com palidez, oligúria ou alteração de coloração da urina e mal estar. Exames iniciais mostram anemia, plaquetopenia (não necessariamente signifi cativa), elevação de escórias nitrogenadas e creatinina e sedi- mento urinário com hematúria, proteinúria e, às vezes, leucocitúria. A injúria renal agu- da é frequentemente dialítica. Cerca de 60% dos pacientes apresentam envolvimento de outros sistemas: gastrointestinal (diarreia, pancreatite, necrose hepática), neurológico (estado confusional, convulsões), cardiovascular (insufi ciência cardíaca, HAS severa), hemorragia pulmonar e necrose de extremidades. Apesar do tratamento de suporte, existe uma alta mortalidade (especialmente em crianças) e evolução para doença renal crônica terminal, pois, embora a primeira ma- nifestação seja aguda, a doença é crônica e contínua. Devido à gravidade e prognóstico reservado, o tratamento deve ser iniciado imedia- Embora a doença seja genética, não é incomum que a primeira manifestação leve anos para acontecer. A presença de fenômenos epigenéticos, como infeções virais ou gestação, de� agram a ativação descontrolada da via alternativa do complemento Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica 233 ■ Médica nefrologista pediátrica pelo Instituto da Criança do HCFMUSP ■ Doutorado em Nefrologia pela Universidade de São Paulo ■ Médica Assistente da Clínica do Rim e Hipertensão, Campinas (SP) Lilian Monteiro Pereira tamente (primeiras 24 horas) mediante suspeita clínica, pois o diagnóstico defi nitivo é um processo demorado, muitas vezes feito por exclusão. Em adultos, a primeira linha de tratamento é plasmaférese. Se a mesma não for disponível, deve iniciar-se infusão de plasma. Preconiza-se manter o tratamento por dois dias após a remissão comple- ta. Na prática, observa-se que a resposta hematológica ocorre nas primeiras semanas de tratamento, porém a recuperação renal é menos notável (podendo ocorrer progressão para doença renal crônica terminal em quase 50% dos pacientes). Alguns pacientes são resistentes ou tornam-se dependentes de tratamento com plasma. Devido à presença de alterações genéticas, o aparecimento de novos surtos pode ocorrer defl agra- dos por infecções, vacinação, gestação entre outros. Nestes casos, preconiza-se reiniciar o tratamento com plasma. Os pacientes com mutação MCP (CD46) geralmente não respondem a plasma (fator ligado à membrana), porém podem apresentar remissão espontânea. Entretanto, surgiu uma nova droga denominada eculizumab, um anticorpo monoclonal humanizado que se liga com alta afi nidade ao componente C5 da via alternativa. Desta forma, impede a formação de C5b-9, que é o complexo de ataque à membrana. Estudos multicêntricos internacionais prospecti- vos (adolescentes e adultos) e retrospectivo (crianças) mostraram recuperação hematológica rápida, após a primeira infusão. Esta medicação tem indicação precisa, tanto para tratar a doença quanto para prevenir a recidiva em rins transplantados. Apresenta bom perfi l de segurança. A única contra- -indicação formal é infecção meningocócica e os pacientes devem ser vacinados para meningococo, de acordo com políticas locais, antes de recebê-la. Além disso, em algumas situações, preoconiza-se o uso de antibiótico profi lático, por seis meses, após início do uso. O prognóstico do transplante renal nos pacientes com SHUa é ruim, uma vez que a recorrência da doença no enxerto chega a 80-90% nos casos de mutação em CFH. Para saber mais www.revistanefrologia.com/modules.php?name=articulos&idarticulo=10907&idlangart=ES http://www.vidasraras.org.br/site/ S Síndrome Síndrome 234 A incidência na faixa etária pediátrica é de 2: 100.000. Etiologia: Foram identifi cadas mutações nos genes NPHS1(nefrina), NPHS2 (podocina) e WT-1. Essas mutações representam 92% das mu- tações na Síndrome Nefrótica Congênita (SNC), e 79% das mutações na Síndrome Nefrótica Corticorresistente (SNCR) que seguem herança autossô- mica recessiva. Menos frequentemente a SN ocorre com padrão de herança au- tossômica dominante decorrentes de mutações nos genes ACTN4 e TRPC6. A SN pode ser secundária a infecções (lues congênita, hepatites B e C, HIV), vasculites e doenças autoimunes (lúpus eritematosos sistêmico); obesidade, redução crítica da massa renal (nefrectomia subtotal para tumor de Wilms) ou utilização de medicamentos (pamidronato). A SN também pode ocorrer em várias síndromes genéticas como na síndrome unha-patela, síndrome de Pierson e displasia imuno- -óssea de Schimke. Quadro clínico: Pode ser classifi cada em: (1) congênita: manifesta-se até 3 meses de idade; (2) Infantil: manifesta-se de 4 a 12 meses; (3) primária ou idiopática (SNI): acometimento renal isolado de etiologia desconhecida. A SNI pode ser classifi cada de acordo com sensibilidade a corticoterapia em corticossensivel e corticorresistente. As crianças com SN ativa apresentam risco elevado para in- fecções virais e bacterianas, fenômenos tromboembólicos e lesão renal aguda. A biópsia renal está indicada em pacientes corticorresistentes, revelando padrão de lesões mínimas, proliferação mesangial ou glomeruloesclerose focal e segmentar. Tratamento: O objetivo é a normalização da proteinúria e a preservação da função renal. Há relação direta entre o grau de redução da proteinúria e aumento da so- brevida renal. Os corticosteróidesde tumores. A exposição solar deve ser evitada. O tratamento para tumores deve ser personalizado, incluindo redução de dosagem e duração, dada a hipersensibilidade desses pacientes a danos ao DNA induzidos quimicamente ou por radiação ionizante. Bloom A Síndrome de Bloom (SdB), descrita por David Bloom em 1954, caracteriza-se por grave de� ciência de crescimento pré e pós-natal, diminuição do tecido subcutâneo e lesões eritemato- sas fotossensíveis, “em formato de borboleta” 27 Bloom Filhos de mulheres portadores da SdB usualmente são heterozigotos. Entretanto, como aproxi- madamente 1% dos descendentes de JA são portadores na variante patogênica do gene BLM, o risco de recorrência de SdB em uma criança fruto da união de uma mulher com SdB e um homem JA cuja a condição de portador não foi determinada é de 1/200. Crianças filhas de mulheres com SdB e pai sabidamente portador da variante patogênica do gene BLM possuem 50% de chance ter a SdB e 50% de chance de ser portador da variante. A SdB é uma condição geneticamente determinada, rara em todos os grupos étnicos, porém é menos rara em JA. Seu padrão de herança é autossômico recessivo, portanto, o risco de recorrência na irmandade, sendo os pais portadores não afetados, é de 25%. Salienta-se que a determinação quanto aos riscos, identificação de portadores e discussão quanto às possibilida- des de diagnóstico pré-natal devem ser discutidos anteriormente à gravidez. Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1398/ ■ Especialista em Genética, Médica pela Universidade Estadual de Campinas (FCM/ UNICAMP-2012/2015) e pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM- 2015), Mestra em Genética Médica (FCM/ UNICAMP-2016), Especialista em Revisão Sistemática e Metanáli- se pela Universidade de São Paulo (USP-2016). ■ Formado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Genética, especialista em Pediatria pela UFPR e Fellow em Genética Médica pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos. ■ Doutor em Genética pela UFPR e Professor Titular das Faculdades de Medicina da PUC-PR, Positivo e Faculdade Evangélica do Paraná. ■ Médico Geneticista dos Hospitais Evangélico, Nossa Senhora das Graças e Pequeno Príncipe, em Curitiba. Diretor do Centro de Aconselhamento e Labora- tório Genetika, em Curitiba. Elaine Lustosa Mendes Salmo Raskin B Síndrome ccc 30 As manifestações e gravidade da síndrome são variáveis e o retardo do de- senvolvimento dos afetados depende, em grande parte, dos défi cits sen- soriais, sobretudo o visual e auditivo, mas também, da existência ou não de lesões cardíacas e cerebrais. O coloboma de íris, retina, coroide, disco ou microftalmia está presente em 75 a 90%. O coloboma corioretiniano é típico e predispõe ao descolamento de retina. A acuidade visual é extremamente variável, cujo espectro vai de grave a leve, e até próxima do normal. A atresia/estenose de coanas pode ser uni ou bilateral, óssea ou membranosa em 65% dos pacientes. A laringomalácia foi relatada em 40% dos afetados, a traqueomalácia, em 20%; e a estenose subglótica, em 10%. Contraindica-se a supragloticoplastia pelo risco de aspiração e de défi cits neurológicos. Uma das principais características da síndrome de Charge é o acometimento múlti- plo e simultâneo dos órgãos dos sentidos (visão, audição, equilíbrio e olfato) e difi - culdades respiratórias e alimentares, que difi cultam o aprendizado e a avaliação de capacidades cognitivas (comunicação, linguagem, autonomia e locomoção). Cerca de 65% dos casos exibem distúrbios do sono e apneia obstrutiva. A surdez pode ser neurosensorial e condutiva, sendo frequente as otites e a ausência dos canais semicirculares laterais (presente em mais de 90%). Displasia vestibular/ coclear e a hipoatividade vestibular pode levar a um atraso da marcha, só percebido a partir dos quatro anos de idade. Recentemente, detectou-se defi ciência imunológica nestes pacientes, que podem ter participação nas otites de repetição. O diagnóstico é clínico e a confi rmação se faz, na maioria dos casos, pela detecção de mutações heterozigotas no gene CHD7, localizado no cromossomo 8q12. A au- sência/hipoplasia dos canais semicirculares está presente na maioria dos pacientes Charge A síndrome de Charge é uma doença genética caracterizada pela associação de malformações e dé� cits neurológicos e sensoriais (visão, audição, olfato e equilí- brio). O acrônimo compreende as principais manifestações da doença: Coloma of the eyes, Heart defects, Atresiae choanae, Retardation of growth and develop- ment, Genitourinary problems, Ear anomalies and/or dafness. 31 Critérios diagnósticos: Para saber mais http://omim.org/ http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médica pediatra, médica geneticista, especialista em Genética Médica ■ Mestrado, Doutorado e Livre Docência pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Chefe da Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Chong Ae Kim ■ Especialista em Genética Médica. ■ Doutora pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ■ Pesquisadora da Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lilian Maria José Albano Maiores (3C’s) Típico: 3 >; ou 2 > e 2 e 1 mas nenhum e 2de san- gue em lâmina, observando-se grânulos gigantes em polimorfonucleares, hemácias e plaquetas. A microscopia óptica dos fi os de cabelo mostra pigmentos agrupados e salpicados ao longo do comprimento do fi o, em oposição ao padrão normal de pigmentação fi na e difusa. Chédiak-Higashi O quadro clínico inicial consiste de infecções de repetição, em geral piogênicas, associadas à hipopigmentação. Em geral, os pacientes apresentam albinismo parcial, com albinismo oculocutâneo 33 ■ Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina-Universidade São Paulo-Brasil ■ Chefe da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina-Universidade São Paulo-Brasil ■ Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Cristina Miuki Abe Jacob A Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do HCFMUSP, em São Paulo, no Brasil, nos seus 30 anos de atividade recebeu 18 pacientes com sCH, sendo que a principal queixa era infecções de repetição, em especial respiratórias. Alguns familiares relatavam a mudança de coloração da pele e cabelos dos pacientes, porém não considerando este achado como patológico. A idade de admissão preponderante era a de pré-escolares, mas muitos só eram encaminhados na idade escolar, por ocasião da fase acelerada, evoluindo com elevada mortalidade. Apenas um caso foi avaliado durante o período neonatal, sendo a paciente irmã de um paciente em seguimento. Mais recentemente, após divulgação de sinais de alerta para Imunodefi ciências Primárias, ob- servamos um encaminhamento mais precoce dos casos, permitindo indicação de Transplante de Células Hematopoéticas (TCH), logo após o diagnóstico. O tratamento consiste na prescrição de antibióticos para evitar as infecções de repetição, mas estes não evitam as complicações da sCH, tais como: sangramentos, fase acelerada e degenera- ção neurológica. A indicação do TCH a pacientes com sCH tem mostrado sucesso no controle das complicações hematológicas e imunológicas, devendo ser indicado precocemente, antes do desenvolvimento da fase acelerada, pois aqueles que já a desenvolveram apresentam maior mor- talidade. Para controle da fase acelerada, podem ser utilizados quimioterápicos como o etoposide, corticosteróides e, se necessário, antimicrobianos e imunoglobulina endovenosa. Aconselhamento familiar é de fundamental importância, alertando os pais para a probabilidade de novos casos da doença em familiares. Para saber mais www.portaleducacao.com.br/farmacia/artigos/2873/sindrome-de-chediak- higashi-relato-de-caso-e-revisao-de-literatura http://www.vidasraras.org.br/site/ C Síndrome 3434 Há três formas de cistinose, a cistinose nefropática, de acometimento pre- coce, a forma juvenil, de acometimento mais tardio, e a forma ocular, na qual o comprometimento ocular não se acompanha de alterações sis- têmicas de doença. As manifestações da forma nefropática iniciam-se por volta de 6 a 18 meses de ida- de, com defi ciência de ganho pondero- estatural, episódios de febre e desidratação, poliúria e polidipsia consequentes aos distúrbios hidroeletrolíticos secundários à disfunção do túbulo proximal, que caracterizam a síndrome de Fanconi. A cistino- se é a causa mais frequente de síndrome de Fanconi na infância. Evolutivamente ocorre comprometimento glomerular, sendo que por volta de 10 anos de idade as crianças sem acesso à medicação específi ca já necessitam, em geral, de terapêutica de substituição renal. O envolvimento ocular ocorre já ao fi nal do 1º ano de vida, manifestando-se inicial- mente por fotofobia, podendo-se identifi car cristais de cistina na córnea ou conjun- tiva dos pacientes acometidos. Por volta de 5 a 10 anos de idade desenvolve-se hipotireoidismo por depósito dos cristais de cistina na glândula tireoide, com necessidade de reposição hormonal defi nitiva. O depósito de cristais nas glândulas sudoríparas determina, desde os primeiros anos, uma má-adaptação ao calor. A anemia é uma ocorrência frequente e se deve à alteração na síntese de eritropoietina, impregnação da medula óssea pelos cristais e mais tardiamente, hemólise por hiperesplenismo, decorrente do aco- metimento hepático da doença. As queixas digestivas são frequentes e precoces, caracterizadas por anorexia, vômitos e náuseas e, mais tardiamente, difi culdade de deglutição e engasgamento. Manifestações tardias da doença, a partir da se- gunda década da vida, decorrem da deposição disseminada de cristais de cistina e insufi ciência hepática e pancitopenia; disfunção pancreática exócrina e endócrina e comprometimento do sistema nervoso central, com alterações na marcha e no sensório que tem como substrato, atrofi a cerebral. As manifestações laboratoriais mais comuns são glicosúria sem hiperglicemia, hiperaminoacidúria, diminuição na reabsorção tubular de fosfato, acidose metabólica proximal; proteinúria de baixo peso molecular, microalbuminúria, hiperexcreção de ácido úrico e hipercalciúria, Cistinose Cistinose é uma doença sistêmica de origem genética, com herança autossômica recessi- va na qual, por comprometimento da hidrólise ácida intra-lisossomal, há acúmulo intra- -lisossomal de cistina em diversas células do organismo na forma de cristais birrefrin- gentes, retangulares e hexagonais. Ocorre em cerca de 1 :100.000 a 1:200.000 nascidos vivos. O gene causador da doença foi mapeado no cromossomo 17p13 e denominado de CTNS, sendo constituído por 12 exons e apresenta mais de 80 mutações identifi cadas. acompanhados de graus variáveis de comprometimento do ritmo de fi ltração glomerular. O exame oftalmológico com lâmpada de fenda possibilita a visualização dos cristais de cistina na córnea e conjuntiva e, em casos mais avançados, também na íris. O mielograma permite a visua- lização dos cristais de cistina em aspirado de medula óssea através da luz polarizada. Este exame é mais invasivo e só está indicado naqueles casos com forte suspeita, exame oftalmológico nega- tivo, na ausência de acesso à medida do conteúdo intracelular de cistina ou a exame genético.A medida do conteúdo intracelular de cistina é um método diagnóstico e de controle terapêutico específi co da doença, direto e útil e pode ser feito em leucócitos e fi broblastos. A concentração de cistina em indivíduos normais não portadores da doença é inferior a 0,2 ng ½ cistina/mg de pro- teína. Nos portadores sãos é de cerca de 1 ng ½ cistina/mg de proteína e nos doentes apresenta-se acima de 2 ng ½ cistina/mg de proteína. Os pacientes adequadamente tratados com medicação específi ca (bitartarato de cisteamina) devem manter níveis de até 1 ng ½ cistina /mg de proteína. A cistina pode também ser dosada em vilo coriônico para viabilizar o diagnóstico pré-natal a partir de 8 a 10 semanas de vida intrauterina. O tratamento da cistinose consiste na reposição dos elementos perdidos na urina, proporcionando correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, ácidos básicos e do metabolismo ósseo, assim como na reposição hormonal no caso de acometimento de glândulas endócrinas. Indica-se a terapêutica de substituição renal em caso de evolução para doença renal crônica avançada. O tratamento específi co da cistinose utiliza o bitartarato de Cisteamina, por via oral, uma droga órfã que age rompendo a ponte de enxofre que une as duas cisteínas, que formam a molécula de cistina, deixando-as na forma livre. Uma das cisteínas forma um complexo com a cisteamina que consegue deixar o lisossomo pelo carreador da lisina. Os benefícios da utilização de cisteami- na em longo prazo ocorrem principalmente em sua introdução precoce. Verifi ca-se melhora da síndrome de Fanconi e do crescimento pondero-estatural, retardo na evolução para doença renal crônica terminal e minimização do acometimento extra-renal da doença. O colírio de cisteamina constitui-se na terapêutica de suporte para minimização do acometimentoocular da doença, cujo controle exige aplicação tópica de medicação. 35 Para saber mais http://www.vidasraras.org.br/site/ http://www.cystinosiscentral.org/ Doença ■ Chefe da Unidade de Ne- frologia Pediátrica do Instituto da Criança- HCFMUSP ■ Supervisora do Programa de Residência Médica do Departamento de Pediatria- FMUSP ■ Coordenadora da COREME-FMUSP e Prrogra- ma de Doenças Raras do Departamento de Pediatria- FMUSP ■ Secretaria Geral da Asso- ciação Latino-americana de Nefrologia Pediátrica Vera H. Koch C Doença 3636363636 Ocomplexo Esclerose Tuberosa (CET) é uma síndrome neurocutânea, caracterizada pela formação de hamartomas em múltiplos órgãos. A incidência é 1 para 6000 nascidos vivos e a prevalência, 4-5 por 100 000 indivíduos. A transmissão é autossômica dominante, mas 70% dos casos é mutação de novo. O CET deve-se a mutação no gene TSC1 ou no TSC2. As mutações ocorrem em 80% dos indivíduos afetados sendo que nos restantes ocorre mosaicismo somático. TSC1 e TSC2 são supressores tumorais. O TSC1 produz a proteína hamartina e o TSC2 a tuberina. O complexo hamartina-tuberina inibe o alvo da rapamicina, em mamíferos (mTor), que sem esta inibição ativa a S6 quinase e consequentemente a proliferação e crescimento celular. O fenótipo do CET é bastante variável tanto em gravidade, como no tipo de sinal ou sintoma. Os sintomas mais comuns dizem respeito à pele, com manchas hipocrômicas, manchas café com leite entre outras, ao sistema nervoso com epilepsia, distúrbio cognitivo e do comportamento decorrentes de lesões como tuber, nódulo subependimário e astrocitoma de células gigantes (SEGA), ao rim com angiolipoma benigno ou maligno, cistos, carcinoma de células renais e linfangioleiomiomatose, ao coração, rabdomioma cardíaco cujo diagnóstico por vezes é pré-natal. Lesões podem ocorrer ainda no pulmão, globo ocular, fígado, sistema digestivo, dentes e unhas. Vários são os exames indicados no CET e, como as lesões são progressivas, muitos devem ser repetidos. Recomenda-se teste do desenvolvimento neuropsico- motor no diagnóstico e na entrada na escola, sendo repetido se necessário. Recomenda-se ainda a avaliação oftalmológica, no diagnóstico e repetida se indicada, eletroencefalograma, se ocorrerem crises epilépticas, repetido quando necessário, eletrocardiograma, no diagnóstico e repetido se necessário, ultrassono- grafi a de vias urinárias no diagnóstico e a cada 1-3 anos, tomografi a e Ressonância Magnética do crânio, no diagnóstico e a cada 1-3 anos e tomografi a de tórax, em mulheres na idade adulta, repetida se necessário. O diagnóstico do CET pode ser: Defi nitivo: se estiverem presentes dois ou mais critérios maiores ou, um critério Complexo Esclerose Tuberosa O fenótipo do CET é bastante variável tanto em gravidade, como no tipo de sinal ou sintoma 3737 Complexo Esclerose Tuberosa O fenótipo do CET é bastante variável tanto em gravidade, como no tipo de sinal ou sintoma maior e dois menores; – Provável: um critério maior e um menor; – Possível: um critério maior ou dois menores. São critérios maiores tuber cortical, fi broangioma facial, máculas hipomelanóticas (≥3), angiolipoma renal, placa de Shagreen, nódulo subependimário, SEGA, fi broma peri ungueal ou ungueal não traumático, LAM, hamartomas nodulares retinianos múltiplos. São fatores menores múltiplas pintas, distribuídas aleatoriamente no esmalte dentário, pólipos renais hamartomatosos, linha de migração radial na substância branca cerebral, fi broma na gengiva, hamartoma não renal, mancha acrômica na retina, lesão de pele em confete e cistos renais múltiplos. O tratamento do CET depende dos sinais e sintomas presentes. Nas lesões faciais pode-se utilizar ácido retinóico, por via oral, e tratamentos locais. Nas lesões tumorais, o tratamento geralmente é cirúrgico O LAM não tem tratamento sendo, em casos extremos, indi- cado o transplante pulmonar. O rabdomioma cardíaco por razões desconhecidas, é o único tumor que costuma regredir espontaneamente. Mais recentemente, tem-se utilizado medicações inibidoras da cadeia mTOR, especialmente para o SEGA. Em resumo, o CTE é uma doença multissistêmica, devastante, progressiva, de difícil tratamento que exige equipe multidisciplinar e seguimento por toda a vida. 37 Para saber mais www.cdlsbrasil.org http://www.cystinosiscentral.org/ ■ Doutora em Neurologia ■ Médica Supervisora do serviço de Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ■ Pesquisadora Clínica em Epilepsia. Maria Luiza Ótima C Complexo 38 E sta síndrome genética é caracterizada por deficiência intelectual, face característica, baixa estatura e anomalias de membros com mutação identificada nos genes NIPBL. SMC1A ou SMC3. As características craniofaciais são presença de sinofre, cílios longos, filtro proeminen- te e longo, ponte nasal alargada e deprimida, queixo quadrado ou pequeno, palato alto, dentes esparsados ou oligodontia e canto da boca virado para baixo. Os portadores de Cornélia de Lange apresentam déficit ponderoestatural, mi- crocefalia, déficit intelectual, atraso neurológico e dificuldade de aprendizado. Quanto ao comportamento, estes doentes apresentam déficit de atenção/hi- peratividade, distúrbio obsessivo-compulsivo, ansiedade, agressividade, auto- -mutilação e comportamento autista. A estrutura musculoesquelético desses doentes revela-se através do defeito de redução com ausência de antebraços ou oligodactilia, mãos e pés pequenos, clinodactilia do 5.º dedo, prega palmar anormal, cabeça do radio anormal ou com luxação, 1.º metacarpo curto ou proximal, joanete, sindactilia parcial 2,3 de dedos dos pés, escoliose, pectus excavatum e luxação de quadril. Habitualmente, estes doentes manifestam ptose, blefarite/malformação de ducto lacrimal, miopia superior a seis dióptrias, malformação ocular ou pigmen- tação peripapilar, surdez, convulsão, cutis marmorata, hisurtismo e hipoplasia de mamilos. A doença poderá ainda afectar outros sistemas traduzindo-se em malformação do trato gastrointestinal, hérnia diafragmática, refluxo gastroeso- fágico, fissura palatal, cardiopatia congênita, micropênis, hipospádia, criptor- quidia e malformação do trato urinário. Recomenda-se o aconselhamento genético para os casais que tenham fi lhos com 38383838 Cornélia de Lange Desordem multissistêmica com expressão variável, marcada por um dismor� smo facial característico e graus variáveis de dé� cit intelectual 3939 ■ Médica geneticista da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará ■ Coordenadora da Genética Médica na Estácio-FMJ ■ Médica voluntária da Associação Cearense de Doenças Genéticas ■ Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria e de Genética Médica, mestre pela FMUSP Erlane Marques Cornélia de Lange. Aos doentes, recomendam-se medidas antropométricas a cada 6-12 meses, investigação do refl uxo gastroesofágico, estimulação precoce, avaliação odontológica anual, que pode requerer sedação, limpeza dental a cada 3 meses, avaliação de malformações internas, através de exames de imagem, cirurgia para criptorquidia e hipospádia entre os 6-18 meses, densitometria óssea, em caso de osteopenia ou osteoporose e fi sioterapia motora para prevenção de contraturas. Para saber mais www.cdlsbrasil.org http://www.vidasraras.org.br/site/ C Síndrome 4040 A síndrome carateriza-se pela presença, no período gestacional, de poli- drâmnio e as crianças afetadas nascem hidrópicas, com um peso acima do normal. Evoluem com um défi cit de crescimento e difi culdade im- portante para ganhar peso. Apresentam hipotonia, macrocefalia absolu- ta ou relativa e dismorfi smos faciais, com fronte ampla, inclinação para baixo das fendas palpebrais, hipertelorismo ocular, boca grande, com lábios grossos e proemi- nentes, orelhas baixo-implantadas e posteriorizadas, com dobramento exacerbado da porção superior da hélice, muitas das características semelhantes às encontradas na síndromede Noonan. O envolvimento ectodérmico abrange cabelos crespos e esparsos, excesso de pele no dorso das mãos e pés, pregas palmares e plantares pro- fundas, hiperpigmentação e papilomas periorifi ciais. A maioria dos afetados apre- senta alterações cardíacas, como a miocardipatia hipertrófi ca e arritmias. Alterações musculoesqueléticas, como hiperextensibilidade articular com desvio ulnar das mãos e anomalias do sistema nervoso central, especialmente na região da fossa pos- terior, com crescimento cerebelar exacerbado, assim como defi ciência intelectual. A base genética da síndrome de Costello foi delineada recentemente. Mutações missense em heterozigose no gene HRAS, o qual faz parte da via RAS/MAPK, a mesma via envolvida na síndrome de Noonan, são responsáveis pela quase totalida- de dos casos. Uma mutação específi ca, a p.G12S é a mais encontrada nos afetados (90%). Mutações somáticas nos genes da família RAS são uma causa frequente de dife- rentes neoplasias. Mutações germinativas no gene HRAS encontradas na síndrome de Costello sobrepõem com as encontradas em neoplasias, o que confere um risco aumentado para o desenvolvimento de tumores na síndrome, na ordem de 17%. Os principais tumores observados são os neuroblastomas, rabdomiossarcomas e carci- nomas de bexiga. A síndrome de Costello apresenta um padrão de herança mendeliano, autossômi- co dominante. A grande maioria dos casos são esporádicos, mas a recorrência da síndrome em pais não afetados já foi descrita, indicativo de mosaicismo gonadal, o que confere um risco maior de recorrência para pais não afetados em relação ao Costello A síndrome de Costello é uma doença monogênica rara, do grupo das síndromes neurcardioofaciocutâneas ou RASopatias 41 risco populacional. No período neonatal, os pacientes devem ser monitorados para hipoglicemia. Na lactância, a difi culdade alimentar muitas vezes requer o uso de sonda nasogástrica e, algumas vezes, gastros- tomia. Os problemas cardíacos devem ser acompanhados e, algumas vezes, as arritmias podem ser de difícil controle. Atenção especial deve ser dada ao risco aumentado para neoplasias e, por esta razão, um protocolo de triagem foi elaborado, consistindo na realização de ultrassonografi a abdominal a cada 3 a 6 meses, até a idade de 8 a 10 anos e urina tipo I anual para pesquisa de hematúria, com início aos 10 anos. O benefício do uso de hormônio de crescimento na síndrome ainda é controverso. Para saber mais www.centrodegenomas.com.br/m504/testes_geneticos/sindrome_de_costello http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Mestre e Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ■ Geneticista Médica na Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo Débora Bértola C Síndrome 4242 Também conhecida como síndrome da deleção 5p- (5p menos), é uma doen- ça cromossômica resultante da perda de material genético localizado na região do braço curto (p) do cromossomo 5. Crianças com esta condição apresentam atraso no desenvolvimento global, geralmente de moderado a grave; tamanho pequeno da cabeça (microcefalia) e um baixo peso ao nascer. As alterações fenotípicas se alteram ao longo da vida. No bebe é frequente a presença de um rosto com aspecto arredondado e um marcante epicanto ocular (pregas epi- cânticas); queixo retraído (micrognatia); e, orelhas de baixa implantação. No indiví- duo mais velho, o rosto fi ca mais alongado, a boca fi ca maior (macrostomia) sendo frequente a presença de escoliose nos adultos. O comprometimento na aquisição da linguagem é marcante (OMIM, 2017). Esta síndrome ocorre em 1 em 20.000 a 50.000 recém-nascidos sendo encontrada em pessoas de todas as origens étnicas. O tamanho da perda cromossômica pode variar entre os indivíduos afetados (FIGU- RA 1a). Os estudos correlacionando o fenótipo (clínica) ao cariótipo sugerem que deleções (perdas) genéticas maiores (DI I-III; FIGURA 2) tendem a resultar em uma incapacidade intelectual mais acentuada; juntamente ao atraso no desenvolvimento psicomotor quando comparadas a deleções menores. Atualmente, com os exames citogenéticos moleculares de alta resolução, denominado CGH-array, o fenótipo na síndrome de Cri-du-chat tem sido dissecado com grande precisão correlacionando este fenótipo aos diferentes segmentos do braço curto do cromossomo 5. Os sinais e sintomas da síndrome de cri-du-chat estão relacionados com a perda de múltiplos genes localizados no braço curto do cromossomo 5 (Espirito Santo e cols, 2016). Os estudos genéticos pioneiros realizados por Zhang e cols (2005) utilizando a téc- nica CGH-array em 94 pacientes com a síndrome de Cri-du-chat cuidadosamente avaliados quanto a presença do choro característico, atraso na fala, face dismórfi ca e graus diferentes de défi cit intelectual (DI) permitiram delinear quatro áreas no braço curto do cromossomo 5 de acordo com a menor região de sobreposição cromossô- mica entre os pacientes (FIGURA 1b). Levando em consideração somente os indi- víduos com deleções simples de 5p (67 perdas terminais e 12 perdas intercalares) localizaram uma região de 1,5 Mb em 5p15.31 relacionado ao choro característico, Cri-Du-Chat A síndrome de Cri-du-Chat, descrita na década de 60, é conhecida como a sín- drome do "miado do gato" pela característica clínica principal do choro lembrar o miado do gato em recém nascidos e bebês 4343 o défi cit de linguagem a uma região de 3,2 Mb em 5p15,32-15,33, as alterações faciais à região de 2,4 Mb em 5p15.2-15.31; e, no caso do DI,três regiões foram delimitadas (DI I-III). DI I a região de 1.2 Mb em 5p15.31; DI II em 5p15.2-15.1, e, DI III à região 5p14.3-13.3. É de se notar que a ausência de uma pequena região em 5p é sufi ciente para o DI tornando-se maior quanto maior o envolvimento das três regiões DI. A maioria dos casos de síndrome de cri-du-chat não é herdada. A deleção ocorre mais frequente- mente como um evento aleatório (ao acaso) durante a formação das células germinativas (óvulo ou esperma). As pessoas afetadas geralmente não têm história da doença em sua família. Contudo, o estudo genético dos pais deverá ser sempre recomendado, pois cerca de 12% das pessoas com síndrome de Cri-du-chat a anormalidade cromossômica é herdada de um dos progenitores. Nesses casos, o progenitor possui um rearranjo cromossômico dito balanceado decorrente de uma trans- locação envolvendo a região crítica da síndrome de Cri du chat (OMIM, 2017). Do ponto de vista do manejo clínico, geralmente os bebes e crianças com 5p- não apresentam defeitos congênitos. Uma excelente revisão clínica, genética e prognóstica de indivíduos com a síndrome de cri-du-chat pode ser encontrada em Espirito Santo e cols (2016). Para saber mais https://www.portalcriduchat.com.br http://www.vidasraras.org.br/site/ ■ Médico Geneticista ■ Centro de Genética Médica & Centro de Referência para Doenças Raras do Instituto Nacional Fernandes Figueira – Fiocruz – Rio de Janeiro Juan C. Llerena Jr C Síndrome dddddd 46 A DMS é causada por mutações no gene SUMF1 (Sulfatase Modifying Fac- tor 1) que codifi ca uma enzima responsável pela modifi cação pós-trans- lacional e atividade catalítica da família das sulfatases. Essas incluem 17 sulfatases e oito delas estão associadas a doenças metabólicas que levam a danos celulares devido ao acúmulo de diversos compostos sulfatados. As sulfatases possuem um resíduo de cisteína em seu sítio ativo que é convertido em C-alfa-for- milglicina (FGly) no processo de pós-tradução. Essa conversão é catalisada pela en- zima geradora de formilglicina (FGE), que é crucial para a atividade metabólica das sulfatases, pois a FGly participa diretamente da clivagem dos compostos sulfatados. Quadro clínico: Os pacientes apresentam achados multissistêmicos de oito doenças metabólicas,