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DIREITO PROCESSUAL PENAL: PROCEDIMENTOS E RECURSOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar o prazo e as hipóteses de cabimento. > Explicar o procedimento relacionado ao recurso em sentido estrito (RESE). > Apontar seus efeitos. Introdução Neste capítulo, você vai estudar o recurso em sentido estrito (RESE), disciplinado nos arts. 581 a 592 do Código de Processo Penal (CPP). Inicialmente, vamos destacar os aspectos conceituais dessa espécie recursal e as hipóteses de cabimento, trazendo à tona as correntes e as principais interpretações sobre esse tema à luz da doutrina, da jurisprudência, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) e da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995). Você também vai estudar sobre a competência para julgamento, a forma, os prazos de interposição e apresentação das razões e a forma como se processa o RESE na primeira e na segunda instância. Por fim, você vai conhecer os efeitos aplicáveis ao RESE, especificamente os efeitos devolutivo, regressivo (diferido), extensivo e suspensivo. Recurso em sentido estrito (RESE) Anna Carolina Gomes dos Reis Conceito, noções gerais e hipóteses de cabimento O RESE é uma espécie de recurso que visa a impugnar as decisões interlocutó- rias cujas hipóteses estão, a princípio, previstas no art. 581 do CPP. Registra-se que, embora o caput do art. 581 mencione “decisão, despacho ou sentença”, nessa redação há uma impropriedade técnica, uma vez que despacho não tem natureza decisória e, contra ele, não cabe qualquer recurso. Já para impugnar sentenças, conforme o art. 593, caput, do CPP, caberá recurso de apelação. Outra questão que devemos esclarecer se refere à taxatividade das hi- póteses previstas no art. 581 para aviamento do RESE. Isso porque existem controvérsias na doutrina e na jurisprudência sobre se ao art. 581 do CPP deve ser dada interpretação extensiva ou restritiva. Nesse sentido, temos duas correntes. A corrente minoritária aponta que as hipóteses de cabimento do RESE, previstas no art. 581 do CPP, são taxativas e não podem abranger outros casos que não os previstos no referido diploma processual. Por outro lado, a corrente majoritária afirma que é possível o uso do RESE em outros casos além daqueles disciplinados na lei. Segundo Lima (2020, p. 1797): A estagnação das hipóteses de cabimento do RESE não é razoável pois sequer o projeto de lei que versa sobre a mudança do CPP ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. Além disso, é preciso garantir a paridade de armas no processo penal à acusação e defesa, uma vez que esta última sempre tem à disposição o habeas corpus para impugnar decisão do juiz de 1ª instância. Contudo, para essa corrente, apesar de ser possível estender as hipóteses para cabimento do RESE, não é possível suprir lacunas nos casos em que o legislador deixa claro a exclusão de determinada hipótese. O art. 581, I, do CPP dispõe que é cabível o RESE contra decisão que não receber a peça acusatória. Veja que o legislador já restringiu para não recebimento; dessa forma, não pode o intérprete ampliar o alcance dessa hipótese e aviar o RESE contra decisão que recebeu a peça acusatória. Recurso em sentido estrito (RESE)2 O RESE é usado tão somente para desafiar decisão de juiz singular (a quo), portanto, não se mostra adequado para impugnar decisões que são emanadas de órgãos colegiados, ou mesmo decisão monocrática proferida por relator no âmbito dos Tribunais. É importante salientar ainda que o RESE só poderá ser manejado se a decisão impugnada não estiver contida em uma sentença condenatória ou absolutória, ainda que o conteúdo dessa decisão se enquadre em algumas das hipóteses previstas no art. 581 do CPP. Essa interpretação decorre do art. 593, § 4º, do CPP, que dispõe: “Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o RESE, ainda que somente de parte da decisão se recorra” (BRASIL, 1941, documento on-line). O RESE de forma alguma deve ser igualado ao agravo de instrumento previsto no Código de Processo Civil, pois, enquanto este desafia qualquer decisão interlocutória, o RESE só pode ser usado nas hipóteses taxadas pelo legislador ou que não foram claramente excluídas por ele. Feitas essas considerações, apresentamos, a seguir, as hipóteses de ca- bimento do RESE, previstas no art. 581 do CPP. � Nos casos em que o juiz rejeita a queixa ou a denúncia nos ritos comum, ordinário e sumário e nos procedimentos especiais. ■ Observação: No rito comum sumaríssimo (Juizados), contra decisão de rejeição da peça acusatória, caberá recurso inominado. Assim como, na decisão que recebe a denúncia ou queixa, caberá habeas corpus (acusado) ou mandado de segurança (Ministério Público ou querelante), conforme o risco de liberdade do acusado (AVENA, 2017). � Incompetência do juízo — aqui podemos incluir os casos em que o juiz declina a competência para outro juízo, julga procedente a exceção de incompetência, rejeita arguição de declinação de competência apre- sentada pelo Ministério Público, ou ainda desclassifica uma infração penal para afastar a competência do Júri. ■ Observação: Nos casos de exceção de suspeição, não cabe RESE. O instrumento de impugnação, nesses casos, na maioria das vezes será o recurso especial ou extraordinário. Em todo caso, é importante que você leia o regimento do tribunal a que está vinculado o juiz que proferiu a decisão para confirmar qual é o órgão competente. Recurso em sentido estrito (RESE) 3 � Decisão que pronuncia o acusado. ■ Observação: Nos casos de impronúncia e absolvição sumária, caberá apelação. � Decisão que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante. � Decisão, proferida antes da sentença, que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade. � Decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus. � Decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte, ou desentranhamento de prova ilícita. � Decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral. ■ Observação: Convém salientar que o art. 581, XIV, do CPP estabelece que a impugnação da lista geral de jurados é feita mediante RESE e, nesse caso, a competência será do Presidente do Tribunal a que está imediatamente vinculado o juízo. Entretanto, o inciso XIV do art. 581, que prevê o RESE para impugnar decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral, foi revogado pela Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou o procedimento do Tribunal do Júri (CAPEZ, 2018). � Decisão que denegar a apelação ou a julgar deserta. � Decisão que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial. ■ Observação: Se a suspensão for denegada, não caberá nenhum recurso. � Decisão que reconheça, ou não, o incidente de falsidade. � Decisão que recusar homologação à proposta de acordo de não per- secução penal, previsto no art. 28-A do CPP. Por fim, devemos lembrar que algumas hipóteses previstas no art. 581 foram revogadas pela Lei de Execução Penal. Veja a seguir quais são os incisos do art. 581 cujas decisões não podem mais ser impugnadas por meio do RESE. � Decisão que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor. � Decisão que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade. � Decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena, pelo juízo de execução. � Decisão que conceder, negar ou revogar livramento condicional. � Decisão que decidir sobre a unificação de penas. Recurso em sentido estrito (RESE)4 � Decisão que decretar medida de segurança, depois de transitar a sen- tença em julgado. � Decisão que impuser medida de segurança por transgressão de outra. � Decisão que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774 do CPP. � Decisão que revogar a medida de segurança. � Decisãoque deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação. Dessa forma, uma vez que as hipóteses acima, previstas no art. 581, são proferidas pelo juízo de execução, para impugnar quaisquer delas, o interes- sado deverá aviar o agravo em execução e não mais RESE. Procedimento do recurso em sentido estrito Agora que você compreendeu as hipóteses de cabimento do RESE, poderá analisar a sequência de procedimentos e como é processado o RESE. Antes, porém, é preciso saber qual é o órgão competente para o julgamento do RESE. Assim, temos que a competência para julgar esse recurso é das Câmaras dos Tribunais de Justiça ou das Turmas dos Tribunais Regionais Federais, conforme o juízo e a matéria penal que está sendo discutida nesse recurso. O RESE poderá ser interposto por meio de uma petição ou por termos nos autos cujo processamento será feito por instrumento — ou seja, em autos apartados, mediante translado ou cópia das peças do processo principal per- tinentes. O recorrente fica responsável por indicar, na peça ou no termo, quais peças que pretende trasladar para compor o RESE. O traslado será extraído, conferido e concertado no prazo de cinco dias, e nele constarão sempre a decisão recorrida, a certidão de sua intimação, se, por outra forma, não for possível verificar-se a oportunidade do recurso, e o termo de interposição (CPP, art. 587, parágrafo único). É necessária também a juntada da procuração dos advogados que foram constituídos para interpor o RESE, uma vez que a súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispõe que é “[...] inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos” (BRASIL, 2020, documento on-line). A exceção da juntada da procuração será dada nos casos em que o acusado indicar o defensor no ato do interrogatório. Nesse caso, deverá ser juntada também a cópia do termo do interrogatório ou da declaração da vara em que tramita o processo, informando a nomeação do advogado. Quando for impos- Recurso em sentido estrito (RESE) 5 sível ao escrivão extrair o traslado no prazo de lei, poderá o juiz prorrogá-lo até o dobro, nos termos do art. 590 do CPP. Apesar de o RESE, como regra, ser processado por instrumento, o art. 583 do CPP prevê exceções em que o RESE deve ser encaminhado à instância superior, nos próprios autos do processo. São elas: � quando os recursos são interpostos de ofício; � quando se tratar de RESE contra a decisão: ■ que não receber a denúncia ou a queixa; ■ que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição; ■ que pronunciar o acusado; ■ que julgar extinta a punibilidade; ■ que conceder ou negar a ordem de habeas corpus. � quando a remessa do recurso nos próprios autos do processo não prejudicar o andamento do processo. O RESE que tem como fundamento a pronúncia de dois ou mais acu- sados, mas apenas um ou alguns tenham interesse em recorrer, será interposto em autos apartados (instrumento), e o processo na primeira instância terá seguimento apenas em relação aos acusados intimados da pronúncia que não manifestaram interesse em recorrer contra ela (LIMA, 2020). Segundo o art. 586, caput, do CPP, o RESE deve ser interposto no prazo de cinco dias. O RESE contra a lista geral dos jurados possui um prazo de 20 dias, contados da data da publicação definitiva da lista de jurados — para aqueles que consideram que o inciso XVI do art. 581 do CPP não foi revogado pela Lei nº. 11.689/2008. Quando interposto o RESE no prazo de cinco dias, os autos serão conclusos ao magistrado para o juízo de admissibilidade. Contra a decisão que denegar RESE, será cabível carta testemunhável (CPP, art. 639, I). Preenchidos seus pressupostos, a impugnação será recebida pelo juízo a quo, que deve notificar as partes para apresentar as razões e contrarrazões — primeiro o recorrente, depois o recorrido —, e cada um terá o prazo de dois dias. Segundo Lima (2020, p. 1813): Recurso em sentido estrito (RESE)6 Apesar de o art. 588, caput, do CPP, sugerir que o prazo de 02 (dois) dias para apre- sentação das razões recursais corra de maneira automática após a interposição do recurso (ou extração do traslado pelo escrivão), prevalece o entendimento no sentido de que sua fluência só terá início após a notificação do recorrente para essa finalidade. As razões e as contrarrazões do RESE devem ser apresentadas perante o juiz singular, uma vez que este poderá se retratar da decisão ou confirmá-la antes de remeter os autos à instância superior. � Se o juiz confirmar sua decisão, deve determinar a remessa do recurso ao juízo ad quem. � Se o juiz se retratar, a parte prejudicada poderá, por simples petição, recorrer contra a nova decisão, desde que também seja cabível RESE contra ela. O juiz, nesse caso, não poderá se retratar e deverá, de ime- diato, remeter o recurso ao tribunal competente, independentemente de novas razões recursais. Efeitos Ao RESE, serão sempre conferidos dois efeitos: devolutivo e regressivo. Em alguns casos, poderão ser recebidos os efeitos suspensivo e extensivo. Como todo e qualquer recurso, o RESE é dotado de efeito devolutivo, transfe- rindo o conhecimento da matéria impugnada à segunda instância, no intuito de haver modificação da decisão recorrida. O RESE possui também o efeito regressivo, que pode ser denominado efeito iterativo ou diferido, uma vez que possibilita ao órgão que prolatou a decisão reexaminar a matéria e se retratar, antes que o recurso seja remetido ao Tribunal ou à Turma. A possibilidade de retratação ou confirmação da própria decisão é prevista no art. 589 do CPP. Assim, ao receber o RESE, cabe ao juiz singular, no prazo de dois dias, reformar ou sustentar sua decisão. Em qualquer hipótese, pode o juiz também indicar peças que entende ser necessário o envio ao Tribunal, além daquelas indicadas pelo recorrente. O STJ entendeu que a decisão do juiz singular que encaminha RESE sem antes proceder ao juízo de retratação é mera irregularidade e não enseja nulidade absoluta (BRASIL, 2020). Recurso em sentido estrito (RESE) 7 O RESE também poderá ter efeito extensivo. Fundamentado no art. 580 do CPP, esse efeito acontece nos casos em que há concurso de agentes, ou seja, há mais de dois acusados, mas apenas um recorre da decisão. Se a fundamentação do recurso não tiver natureza pessoal, ainda que o RESE seja aviado apenas por um dos acusados, aproveitará aos demais. Tem-se também na esfera recursal o efeito suspensivo. A regra é que esse efeito não se aplica ao RESE, porém, temos as exceções descritas a seguir. � Decisão que decretar a perda da fiança ou conceder livramento condicional e unificação de penas — embora, pela leitura literal do art. 581, do CPP, os casos citados desafiem RESE com efeito suspensivo, sabe-se que essas decisões ocorrem após o trânsito em julgado da sentença criminal e, portanto, são proferidas pelo juízo da execução. Nesse caso, atualmente, não é mais possível usar o RESE para impugnar tal tipo de decisão, mas, sim, o agravo em execução, conforme dispõe o art. 197 da Lei de Execução Penal. � Decisão que denegar a apelação ou a julgar deserta. � Recurso contra decisão de pronúncia — nesse caso, suspende apenas o julgamento e não suspende eventuais medidas cautelares que já tenham sido decretadas pelo juiz singular. � Decisão que julgar quebrada a fiança — nesse caso, o RESE interposto contra essa decisão terá efeito suspensivo apenas quanto ao perdi- mento da metade do valor prestado em fiança. Referências AVENA, N. Manual de processo penal. 9. ed. São Paulo: Método, 2017. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília: Presidência da República, 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de outubro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas. Brasília: STJ, 2020. Disponível em: http:// www.stj.jus.br/sites/portalp/Jurisprudencia/Sumulas. Acesso em: 24 out. 2020. CAPEZ, F. Curso de processo penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 8. ed. Salvador: Juspodvim, 2020. Recurso em sentido estrito (RESE)8 Leitura recomendada LOPES JÚNIOR, A. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. 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