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Escola do Planejamento:
preceitos, críticas e estudo de caso
Alexandre Castro
RESUMO
AdØcada de 1970 conheceu o apogeu da influŒncia, em âmbi-to mundial, das tØcnicas de gerenciamento empresarial de-nominadas Planejamento EstratØgico, desenvolvidas sobre-
tudo por autores acadŒmicos norte-americanos. A partir da dØcada
seguinte, tais tØcnicas passaram a sofrer contestaçıes e teriam
entrado, segundo seus críticos, em acentuado declínio. O presente
trabalho se propôs a analisar, com base em estudo de caso de pro-
jeto de longo prazo do Governo Federal brasileiro (2004), a perma-
nŒncia da busca de continuidade de utilizaçªo de tØcnicas clÆssi-
cas do Planejamento EstratØgico e sua possível eficÆcia no mundo
atual. A confrontaçªo de dados indicou que, a par de hipotØticos
acertos, a simples transposiçªo de preceitos idealizados hÆ quatro
dØcadas pode levar a dramÆticas incertezas e a acentuados desvi-
os e distorçıes administrativas.
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1 INTRODU˙ˆO
As tØcnicas do chamado Planejamento EstratØgico, desen-
volvidas sobretudo a partir de meados da dØcada de 1960, com
base em publicaçıes de extraordinÆria repercussªo em todo o
mundo ocidental, influenciaram poderosamente tanto o pensa-
mento acadŒmico – tornando-se referŒncia nos cursos de gradua-
çªo e pós-graduaçªo em Administraçªo – quanto as prÆticas ge-
renciais de incontÆvel nœmero de empresas pœblicas e privadas,
de todos os portes.
A influŒncia de tais tØcnicas, por exemplo, nos Estados Uni-
dos, chegou a atingir, durante largo período, um “controle quase
ditatorial” sobre as corporaçıes, conforme expressªo utilizada pela
revista Business Week, em sua ediçªo de 17 de setembro de 1984,
na qual vaticinava, todavia, que “o reinado do planejador estratØ-
gico pode estar no fim”. Entre os gigantes empresariais daquele
país que haviam mergulhado profundamente no Planejamento Es-
tratØgico, praticamente desde os seus primórdios, e o estava aban-
donando, incluía-se a General Electric.
No limiar do sØculo 21, na interpretaçªo de Mintzberg, Ahls-
trand & Lampel (1998; 44), a Escola do Planejamento – na qual os
autores inserem as tØcnicas de Planejamento EstratØgico – havia
sofrido tantos reveses desde seu auge, na dØcada de 1970, que
“hoje, embora nªo esteja ausente, (...) Ø uma pÆlida sombra da
sua influŒncia anterior”.
Mesmo admitindo-se tal assertiva – a de uma dramÆtica re-
versªo do poder de penetraçªo do Planejamento EstratØgico –, tais
conceitos gerenciais ainda se evidenciam significativamente en-
raizados e praticados em inœmeras instituiçıes, de todas as Æreas
e em diversos países. Exemplo, no Brasil, Ø o próprio Governo Fe-
deral, que vem de lançar (2004) o Projeto Brasil 3 Tempos, um
ambicioso estudo sistematizado pelo Nœcleo de Assuntos EstratØgi-
cos da PresidŒncia da Repœblica que, apoiado extensa e explicita-
mente em concepçıes e preceitos da Escola do Planejamento, es-
tabeleceu objetivos estratØgicos a serem alcançados pelo País em
sete “dimensıes” da realidade – Institucional, Econômica, Global,
Sociocultural, Territorial, Conhecimento e Ambiental – nos hori-
103
zontes dos anos de 2007, 2015 e 2022.
O presente trabalho tem por objetivo expor os princípios da
chamada Escola do Planejamento, conforme identificados na cita-
da obra de Mintzerberg et alii e com apoio em bibliografia comple-
mentar, e analisar, tendo por base o estudo de caso do tambØm
referido Projeto Brasil 3 Tempos, a utilizaçªo atual de tØcnicas de
Planejamento EstratØgico e a adequaçªo das críticas e limitaçıes
a elas atribuídas por aqueles autores acadŒmicos.
2 A IMPORT´NCIA DO PLANEJAMENTO
A importância de alguma forma de planejamento nas em-
presas e instituiçıes, sejam pœblicas ou privadas, de quaisquer Æreas,
Ø ampla e consensualmente exposta na literatura acadŒmica. O
planejamento “constitui procedimento consagrado e indissociÆvel
dos modernos mØtodos de gestªo” (MENEZES NETO, in Janne,
1981:7). Ao se planejar, “busca-se uma definiçªo dos grandes obje-
tivos da organizaçªo, ou seja, sua finalidade ou razªo de ser sob o
ponto de vista econômico-social” (MEYER JR, 1991:137).
O planejamento “Ø essencialmente uma vontade de racio-
nalizar e de sistematizar a formulaçªo de decisıes diante do futu-
ro, e este esforço pode ser facilitado por um certo nœmero de
mØtodos de exame das conseqüŒncias das diversas soluçıes” (UNES-
CO/CEPAL, 1966, in JANNE, 1981).
Entre as inœmeras razıes para a adoçªo de sistema de plane-
jamento formal, Dias (1994) aponta: ambientes de operaçıes de
complexidade crescente; rÆpida evoluçªo de mercados, tecnolo-
gia, condiçıes políticas e sociais; competiçªo crescente; aumento
no volume de transaçıes; aumento de grau de incerteza.
Exemplificando as vantagens do planejamento, o mesmo
autor destaca que: torna-se clara a razªo de ser da organizaçªo;
propicia-se um padrªo para aferir o avanço da organizaçªo em di-
reçªo a seus objetivos; amplia-se o horizonte de anÆlise dos diri-
gentes; aumenta-se a vitalidade da organizaçªo; aumenta-se o ní-
vel da interaçªo; permite-se à organizaçªo delinear seu próprio
futuro, dentro de um ambiente esperado.
Embora nas œltimas dØcadas tenha-se assistido à prolifera-
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çªo de mØtodos e tØcnicas de planejamento, seu conceito bÆsico e
o destaque de sua importância vŒm desde os primórdios da admi-
nistraçªo moderna.
JÆ em 1916, Henri Fayol, em definiçªo considerada pionei-
ra, afirmava: “O provØrbio de que administrar significa olhar para
o futuro dÆ uma idØia da importância do planejamento para o mundo
dos negócios, e, se prever o futuro nªo Ø exatamente sinônimo de
administrador, Ø, pelo menos, uma parte essencial da administra-
çªo. Prever o futuro, nesse contexto, significa ao mesmo tempo
prever atuaçıes futuras e preparar-se para elas. O plano deve con-
ter, por conseguinte, as estimativas do futuro, os resultados a se-
rem obtidos, a linha de açªo a ser seguida, os estÆgios a serem
alcançados e os mØtodos a serem usados.”
3 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
O desenvolvimento das tØcnicas gerenciais empresariais, nas
œltimas dØcadas, levou ao surgimento de uma sØrie de “escolas”.
APO (Administraçªo Por Objetivos), SDOP (Sistema de Planejamen-
to e Orçamento Programado), PERT (TØcnica de Revisªo e Avalia-
çªo de Programas), OBZ (Orçamento Base Zero) foram apenas al-
guns dos receituÆrios colocados à disposiçªo dos administradores.
Classificando essas e outras propostas como meros “modismos”,
com “siglas chamativas”, mas passageiras, Baldridge (1983) destaca
que a sistematizaçªo do processo de Planejamento EstratØgico repre-
sentou um avanço concreto e duradouro nas tØcnicas gerenciais.
3.1 CONCEITOS E CARACTER˝STICAS
Planejamento EstratØgico Ø definido como “um processo con-
tinuado e adaptativo atravØs do qual uma organizaçªo define (e
redefine) sua missªo, objetivos e metas, seleciona as estratØgias e
meios para atingi-los, num determinado período de tempo, atravØs
da constante interaçªo com o ambiente externo” (MEYER JR, 1988).
Baldrigde tambØm anfatiza: “O foco central do Planejamen-
to EstratØgico Ø desenvolver um bom ajustamento entre as ativi-
dades da organizaçªo e as exigŒncias do ambiente que os cerca. O
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Planejamento EstratØgico olha para uma imagem maior – o destino
da instituiçªo a longo prazo, a competiçªo entre essa organizaçªo
e outros no ambiente, o mercado para produtos e serviços organi-
zacionais, a combinaçªo de recursos internos com o objetivo de
atender os propósitos da organizaçªo” (1983:10).
Entre as principais características do Planejamento EstratØ-
gico, listadas por Meyer Jr, destacam-se que esse processo: orien-
ta-se pela interaçªo da organizaçªo com o ambiente externo; ado-
ta características de processo dinâmico; abrange a organizaçªo
como umtodo ou de uma unidade que a compıe examinada glo-
balmente; conduz a uma postura proativa dos administradores;
utiliza dados essencialmente qualitativos; enfatiza a participaçªo
dos membros da organizaçªo; enfatiza a mudança na organizaçªo;
busca a tomada de decisıes estratØgicas de forma a proporcionar
clareza e direçªo à organizaçªo.
3.2 ETAPAS
Basicamente, os estudiosos das tØcnicas de Planejamento
EstratØgico observam que esse Ø um mØtodo administrativo que se
desenvolve em cinco etapas: AnÆlise Ambiental, AnÆlise Interna,
Exame de Valores, Decisıes EstratØgicas e Plano EstratØgico.
Na AnÆlise Ambiental, busca-se identificar as oportunidades
e as ameaças que se apresentam à organizaçªo, no ambiente ex-
terno. O objetivo Ø detectar as situaçıes que poderªo beneficiar a
organizaçªo, se devidamente exploradas; e as que, por outro lado,
poderªo prejudicÆ-la, se nªo forem adotadas medidas para evitÆ-
las ou minimizÆ-las.
Na AnÆlise Interna, sªo examinados os pontos fortes e os pontos
fracos da organizaçªo, em todas as Æreas – recursos humanos, materi-
ais, tecnológicos, econômico-financeiros, organizacionais, físicos.
No Exame de Valores, tambØm de natureza interna da orga-
nizaçªo, sªo identificados os fatores que contribuem para os pa-
drıes de comportamento de grupos e indivíduos, como expectati-
vas, crenças, ideais, tradiçıes. Esses valores “sªo fatores intangí-
veis que exercem tremenda influŒncia em todo o processo de pla-
nejamento. Indivíduos e grupos tendem a se identificar com pro-
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cessos de planejamento cujos propósitos, objetivos, estratØgias e
açıes se coadunam com seus próprios valores (MEYER, 1988: 142).
As Decisıes EstratØgicas sªo tomadas por meio da anÆlise
desse conjunto de dados, combinando-se oportunidades externas
e pontos fortes internos da organizaçªo; e buscando-se compensar
ameaças externas e pontos fracos internos.
Por fim, os Planos EstratØgicos surgem como desdobramento
e detalhamento natural dos passos anteriores, onde se definem
metas – quantificadas e datadas – e os meios específicos para que
sejam alcançadas.
O Planejamento EstratØgico pode ser assim visualizado:
Planejamento EstratØgico
AnÆlise Ambiental Oportunidades
Ameaças
AnÆlise Interna Pontos fortes
Pontos fracos
Exame de Valores Padrıes de comportamento
Expectativas
Crenças
Ideais
Tradiçıes
Decisıes EstratØgicas Oportunidades/Pontos fortes
Ameaças/Pontos fracos
Planos EstratØgicos Metas – quantificadas, datadas
EstratØgias
4 ESCOLA DO PLANEJAMENTO
Em sua obra SafÆri de EstratØgia – um roteiro pela selva do
planejamento estratØgico, na qual propıem um recorte dividindo
o pensamento administrativo contemporâneo em dez “escolas”,
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Mintzberg, Ahlstrand & Lampel (1998) fazem pesadas críticas às
tØcnicas do Planejamento EstratØgico.
Encaixando tais tØcnicas no que denominam de Escola do
Planejamento, os autores observam que esses preceitos atingiram
o auge de influŒncia na dØcada de 1970, a ponto de se tornarem,
para seus seguidores, “uma virtual religiªo, a ser pregada com o
fervor de missionÆrios (p. 44). No entanto, ressaltam que, prejudi-
cada por “vÆrios reveses” – como o fato de seus adeptos pouco
pesquisarem “para descobrir como o planejamento funcionava, na
prÆtica” (idem) -, a escola, apesar de sua importância, entrou em
acentuado declínio.
4.1 PREMISSAS
Para Mintzberg et alii, “a escola do planejamento aceitou a
maior parte das premissas da escola de design” (p. 49), à qual
atribuem a origem do processo SWOT – a sigla, em inglŒs (Stren-
ghts, Weaknesses, Opportunities and Threats), que popularizou o
preceito de anÆlise de pontos fortes, pontos fracos, oportunidades
e ameaças do Planejamento EstratØgico.
As premissas da Escola do Planejamento, listadas pelos au-
tores, que teriam poucas variaçıes em relaçªo às da Escola do
Design, sªo:
“1. As estratØgias devem resultar de um processo controlado
e consciente de planejamento formal, decomposto em etapas dis-
tintas, cada uma delineada por checklists e apoiada por tØcnicas.
2. A responsabilidade por todo o processo estÆ, em princí-
pio, com o executivo principal; na prÆtica, a responsabilidade pela
execuçªo estÆ com os planejadores.
3. As estratØgias surgem prontas deste processo, devendo
ser explicitadas para que possam ser implementadas atravØs da
obtençªo detalhada a objetivos, orçamentos, programas e planos
operacionais de vÆrios tipos” (pp. 51-52).
Os autores consideram que desde seus primórdios, em 1965,
com o lançamento da obra Corporate Strategy, de H. Igor Ansoff, a
literatura do Planejamento EstratØgico cresceu de forma acentuada
em termos quantitativos, mas muito pouco em termos qualitativos.
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Apesar disso, entendem ter havido “alguns progressos recentes” (pp.
52-53). Um deles, a introduçªo do “Planejamento de CenÆrios”, tØc-
nica pela qual os planejadores procuram antecipar situaçıes futuras
– geralmente construindo trŒs panoramas: o panorama considerado
o mais provÆvel de ocorrer; o mais favorÆvel para a organizaçªo; e o
mais desfavorÆvel. Irônicos, os autores comentam que essa tØcnica
“baseia-se na suposiçªo de que, se nªo se pode prever o futuro,
especulando sobre uma variedade de futuros pode-se abrir a mente
e, com sorte, chegar ao futuro correto”.
Outro “avanço recente”, ainda de acordo com Mintzberg et
alii, sªo as tØcnicas de “Controle EstratØgico”, que buscam pro-
porcionar algum grau de autonomia às unidades de negócios, em-
bora mantendo-se as decisıes sempre sujeitas à aprovaçªo da di-
reçªo central.
4.2 CR˝TICAS
No amplo espaço do capítulo da obra destinado a críticas à
Escola do Planejamento, os autores apontam as “falÆcias do pla-
nejamento estratØgico” (pp. 57-65).
A primeira destacada Ø a “falÆcia da predeterminaçªo”, so-
bre a qual os autores comentam: “Para se engajar em planejamento
estratØgico, uma organizaçªo deve ser capaz de prever o curso de
seu ambiente, controlÆ-lo ou simplesmente assumir sua estabilida-
de. Caso contrÆrio, nªo faz sentido fixar o curso de açªo inflexível
que constitui um plano estratØgico. (...) O planejamento estratØgi-
co requer nªo só previsibilidade, depois de formada a estratØgia,
mas tambØm estabilidade, durante sua formaçªo. O mundo tem de
ficar parado durante o desenrolar do processo de planejamento”.
Outra “falÆcia” apontada Ø a do “desligamento”, que repre-
sentaria a crença num processo em que Ø dissociado o trabalho dos
planejadores e dos implementadores: “se o sistema faz o trabalho
de pensar, entªo o pensamento deve ser desligado da açªo; a estra-
tØgia, das operaçıes (ou tÆticas); a formulaçªo, da implementaçªo;
os pensadores, dos executores; e, tambØm, os estrategistas, dos
objetos de suas estratØgias. Em outras palavras, os executivos de-
vem administrar por controle remoto. (...) Gerentes desligados, jun-
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tamente com planejadores abstraídos, nªo só fazem mÆs estratØgi-
as, mas, na maioria dos casos, nªo fazem estratØgia nenhuma.”
“Os estrategistas eficazes, ao contrÆrio”, prosseguem os au-
tores, “nªo sªo pessoas que se abstraem dos detalhes do dia-a-dia,
mas que neles imergem, sendo, ao mesmo tempo, capazes de extra-
ir dele as mensagens estratØgicas. (...) A criaçªo eficaz de estratØ-
gia liga a açªo ao pensamento que, por sua vez, liga a implementa-
çªo à formulaçªo. É certo que pensamos para agir, mas tambØm
agimos para pensar. Tentamos coisas e aquelas que funcionam con-
vergem gradualmente para padrıes que se transformam em estratØ-
gias. Nªo se trata de comportamento evasivo de pessoas desorgani-
zadas, mas sim da própria essŒncia do aprendizado estratØgico.”
A terceira “falÆcia” do Planejamento EstratØgico apontada
por Mintzberg et alii Ø a da “formalizaçªo”, pela qual os autores,
apoiados em McConeell (1971:2) questionamse Ø possível “recriar”
os processos do “gŒnio empreendedor”, institucionalizando a inova-
çªo. “O planejamento estratØgico nªo foi apresentado como um
auxílio à formaçªo de estratØgias, como um tipo de suporte para
processos gerenciais naturais (inclusive a intuiçªo), mas como gera-
çªo de estratØgias e no lugar da intuiçªo. (...) A criaçªo de estratØ-
gias Ø um processo imensamente complexo, envolvendo os mais so-
fisticados, sutis e, às vezes, subconscientes processos sociais e cog-
nitivos. (...) O processo requer insight, criatividade e síntese, exa-
tamente aquilo que a formalizaçªo do planejamento desencoraja.”
Ainda para os autores, “o fracasso do planejamento estratØ-
gico Ø o fracasso da formalizaçªo – de sistemas para executar essas
tarefas melhor que seres humanos de carne e sangue. É o fracasso
da previsªo para prever (sic) descontinuidades, da institucionali-
zaçªo para prover inovaçıes, dos dados factuais como substitutos
dos intangíveis, de programaçıes apertadas para responder aos
fatores dinâmicos”.
Uma combinaçªo das trŒs falÆcias anteriores, concluem Mintz-
berg et alii, leva à “grande falÆcia” do próprio Planejamento EstratØ-
gico. “Assim como anÆlise nªo Ø síntese, o planejamento estratØgico
nunca foi geraçªo de estratØgias”, afirmam. “(...) Nenhuma elabora-
çªo farÆ com que procedimentos formais possam prever descontinui-
dades, informar gerentes distanciados, criar novas estratØgias.”
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5 ESTUDO DE CASO
Em julho de 2004, o Governo Federal brasileiro, por meio da
Secretaria de Comunicaçªo de Governo e Gestªo EstratØgica, lan-
çou o primeiro nœmero dos Cadernos NAE – Nœcleo de Assuntos Es-
tratØgicos da PresidŒncia da Repœblica. A publicaçªo representou a
divulgaçªo oficial do Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022, que
visa estabelecer “objetivos nacionais estratØgicos” a serem alcan-
çados em “trŒs marcos temporais: no ano de 2007 serÆ o início de
um novo governo: em 2015 o Brasil deverÆ ter cumprido as Metas do
MilŒnio estabelecidas pela ONU e outros desafios que a própria Na-
çªo estabelecer para si, eventualmente como resultado do presente
projeto; em 2022, finalmente, espera-se que a Naçªo brasileira pos-
sa comemorar 200 anos de independŒncia num contexto de mÆximo
bem-estar social e desenvolvimento econômico possíveis” (p. 6).
Coordenado pelos ministros da Casa Civil, do Planejamento,
Orçamento e Gestªo, do Desenvolvimento Econômico e Social, da
Secretaria Geral da PresidŒncia da Repœblica e da Secretaria de Co-
municaçªo de Governo e Gestªo EstratØgica, sob a conduçªo executi-
va do Nœcleo de Assuntos EstratØgicos da PresidŒncia da Repœblica, o
Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022 “estabelecerÆ as bases de
um trabalho conjunto do Estado e da sociedade, no sentido de se
lograr um processo de cooperaçªo – organizado como um ‘projeto
nacional’ – sob a forma de um conjunto de metas e objetivos consoli-
dados com o cenÆrio prospectivo pactuado nacionalmente” (p. 9).
Nesta seçªo do presente trabalho, pretendemos expor as li-
nhas bÆsicas da metodologia utilizada para a elaboraçªo do Projeto
Brasil 3 Tempos; 2007, 2015, 2022, bem como os objetivos que jÆ
fixou, de modo a propiciar, mais adiante, uma anÆlise comparativa e
crítica entre os preceitos utilizados pelos tØcnicos governamentais
e os preceitos da Escola do Planejamento anteriormente descritos.
5.1 ORIGENS E METODOLOGIA
JÆ no início das exposiçıes, os autores do Projeto Brasil 3
Tempos: 2007, 2015, 2022 deixam clara a origem do estudo: “o
esforço de elaboraçªo desse projeto e de institucionalizaçªo do
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pensamento estratØgico de longo prazo no Brasil Ø uma determina-
çªo direta do atual Presidente da Repœblica” (p. 10).
Depois de indicar que, para estabelecer o “conjunto de ob-
jetivos específicos e metas temporais” de 2007, 2015 e 2022 seria
utilizada a “tØcnica de construçªo de cenÆrios” (p. 10), os autores
observam que “numa primeira etapa, a visªo estratØgica de país,
os objetivos e as metas para os trŒs momentos indicados serªo
definidos por um nœmero limitado de atores, dado o curto tempo
disponível para a sua realizaçªo” (p. 13). Só numa segunda etapa,
prosseguem, “se implantarÆ um novo processo, para o aprofunda-
mento dessa visªo, agregando-se todos os segmentos representati-
vos da sociedade brasileira”.
Deixa-se explícito, tambØm, o entendimento de que “para
que o Brasil possa dispor de um projeto que permita a conquista
dos objetivos estratØgicos de longo prazo, hÆ necessidade de uma
proposta estruturada do seu funcionamento e da criaçªo de um
órgªo que conduza esse processo”.
Os autores do Projeto afirmam que a metodologia utilizada
pelo NAE “difere dos processos clÆssicos de planejamento estratØ-
gico”, argumentando que “sua principal e mais nova característica
Ø a de se ver como um ‘processo’ e nªo apenas como um ‘proje-
to’.” Eles admitem, todavia, que sua metodologia Ø “decorrente
da evoluçªo natural dessa Ærea do conhecimento” e adotam expli-
citamente, jÆ em seu próprio glossÆrio de “definiçıes relacionadas
à estratØgia”, termos e conceitos consagrados na literatura do Pla-
nejamento EstratØgico. Alguns exemplos:
“Ameaças – Sªo forças ambientais nªo controlÆveis pela
Naçªo, que podem dificultar a implementaçªo de uma soluçªo
estratØgica. Entretanto, ao serem identificadas, podem ser evi-
tadas ou minimizadas em suas açıes deletØrias sobre as açıes
previstas” (p. 68).
“Oportunidades – Sªo forças ambientais nªo controlÆveis pela
instituiçªo (sic), que podem favorecer uma soluçªo estratØgica,
desde que reconhecidas e aproveitadas oportunamente.
“Pontos fortes – Sªo vantagens estruturais, controladas
pela instituiçªo (sic), que a favorecem frente às oportunidades
e ameaças.
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“Pontos fracos – Sªo desvantagens estruturais, controladas
pela instituiçªo (sic), que desfavorecem a possibilidade de utiliza-
çªo das oportunidades e agravam as ameaças, que se apresentam
na conquista dos objetivos estratØgicos” (p. 71).
Os autores referem-se, ainda, a Princípios EstratØgicos, as-
sim definidos: “Comando œnico no mais alto nível institucional;
objetividade nas açıes estratØgicas; manutençªo da iniciativa nas
açıes estratØgicas; preservaçªo da segurança; simplicidade de con-
cepçªo e de implementaçªo das açıes estratØgicas (...)”; e a Solu-
çªo EstratØgica, descrita como “sistemas perfeitamente quantifi-
cados, que respondem às clÆssicas perguntas do planejamento
(Quem? O quŒ? Quando? Como? Onde? Com que meios?) e que se
encontram direcionados para a conquista dos objetivos estratØgi-
cos” (p. 71).
Na descriçªo da metodologia do NAE, os autores identificam
cinco “macrofunçıes” – Elaboraçªo Política; Diagnóstico Ambien-
tal e Temporal; Soluçªo EstratØgica; Validaçªo e Avaliaçªo; e Ges-
tªo do Futuro – e apontam seu desdobramento em sistemas com a
seguinte estruturaçªo: Conhecimento da conjuntura atual; AnÆlise
retrospectiva; AnÆlise prospectiva; Planejamento e soluçªo estra-
tØgica; Interaçªo corretiva; e Construçªo do futuro. Nªo conside-
ramos imprescindível, para os fins do presente trabalho, incluir as
definiçıes específicas dessas seçıes.
5.2 OBJETIVOS E METAS
Na publicaçªo de 2004, o Projeto Brasil 3 Tempos definiu
sete “dimensıes” da realidade – Institucional; Econômica; Glo-
bal; Sociocultural; Territorial; Conhecimento; e Ambiental –, es-
tabelecendo objetivos gerais a serem alcançados pelo País atØ
2022. JÆ em abril de 2005, em entrevista à imprensa (AgŒncia
Estado, publicada pelo jornal Gazeta do Povo em sua ediçªo de
24/04/2005), o secretÆrio-executivo do Nœcleo de Assuntos Es-
tratØgicos da PresidŒncia da Repœblica, coronel Oswaldo Oliva,
informou que acadŒmicos da Universidade de Sªo Paulo, da Uni-
versidade de Brasília, da Universidade Federal da Bahia, do Insti-tuto UniversitÆrio de Pesquisas do Rio de Janeiro e do Instituto
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de Pesquisa Econômica Aplicada, alØm de especialistas contrata-
dos, haviam selecionado 50 objetivos estratØgicos nacionais de
mØdio e longo prazos.
A partir do mŒs seguinte, disse o SecretÆrio-Executivo do NAE,
tais 50 objetivos estratØgicos selecionados passariam a ser submeti-
dos a 50 mil pessoas de todo o País, especialistas nas respectivas
Æreas. Essas pessoas receberiam um questionÆrio, via Internet, a ser
respondido tambØm por meio eletrônico. Ainda em sua entrevista à
imprensa, o coronel Oswaldo Oliva previu que, em agosto do corren-
te ano, uma proposta final do Projeto poderÆ ser submetida a audi-
Œncia pœblica, para posterior envio ao Ministro-Chefe da Secretaria
de Comunicaçªo de Governo e Gestªo EstratØgica.
Nos planos estratØgicos atØ 2022, antecipados na referida
entrevista à imprensa, alguns eram apresentados de forma genØri-
ca, mas a maioria com metas especificamente quantificadas e da-
tadas. Sªo as seguintes as sete “dimensıes” da realidade conside-
radas e seus respectivos objetivos, conforme o projeto do Nœcleo
de Administraçªo EstratØgica da PresidŒncia da Repœblica:
“Dimensªo Institucional
1. Reforma política que fortaleça os partidos e amplie a res-
ponsabilidade dos parlamentares;
2. Aperfeiçoamento do sistema judiciÆrio para que a Justiça
seja mais eficaz e os processos mais Ægeis;
3. Reforma tributÆria que desonere a produçªo, estimule os
investimentos e a participaçªo brasileira no comØrcio internacional;
4. Reforma trabalhista para enfatizar o carÆter negociado
das relaçıes entre empregadores e empregados.
Dimensªo Econômica
1. Reduçªo do gasto pœblico dos atuais 40% do Produto Inter-
no Bruto (PIB) para cerca de 25% do PIB em 2022;
2. Elevaçªo da poupança nacional para 23% do PIB;
3. Manutençªo da inflaçªo sob controle, em taxas conside-
radas satisfatórias para países emergentes atØ 2015 e com taxas
consideradas satisfatórias para países desenvolvidos em 2022;
4. Elevaçªo das exportaçıes brasileiras para que o País pas-
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114 CIÊNCIA & OPINIÃO Curitiba, v. 2, n. 1/2, jan./dez. 2005
se a responder por 2% do valor das exportaçıes mundiais em 2015
e a 3% em 2022;
5. Implantaçªo de uma política industrial, tecnológica e de
comØrcio exterior que contribua para aumentar em pelo menos
10%, atØ 2015, e em 15%, atØ 2022, a participaçªo relativa da soma
de produtos semimanufaturados e manufaturados na pauta das
exportaçıes brasileiras;
6. Expansªo da agricultura e pecuÆria para que o Brasil ve-
nha a ser o maior produtor mundial de alimentos.
Dimensªo Global
1. Completar a integraçªo do Mercosul;
2. Concretizar a Alca, num quadro de equilíbrio para os inte-
resses brasileiros;
3. Criar o bloco político-econômico da AmØrica do Sul.
Dimensªo Sociocultural
1. Reduçªo pela metade dos atuais índices de criminalidade
e violŒncia;
2. Crescimento do nível de emprego a uma taxa superior a
2% ao ano;
3. Equilibrar financeiramente o sistema previdenciÆrio bra-
sileiro, com regras equânimes para trabalhadores da iniciativa pri-
vada e para servidores pœblicos;
4. Reduçªo da desigualdade social de forma que o Brasil ve-
nha a se situar entre os 80 países do mundo, atØ 2015, e entre os
70, atØ 2022, segundo o ˝ndice Gini.
Dimensªo Territorial
1. Reordenamento do território brasileiro, de modo a contri-
buir para a construçªo de uma federaçªo mais equilibrada;
2. Alteraçªo da matriz brasileira de combustíveis, de modo a
que os biocombustíveis e o gÆs natural passem a representar, pelo
menos, 20% da matriz brasileira, em 2015, e 30%, em 2022;
3. Alteraçªo da matriz brasileira de transporte de carga, com
o modal rodoviÆrio cedendo lugar ao ferroviÆrio e ao marítimo/
hidroviÆrio, com investimentos majoritariamente privados.
115
Dimensªo Conhecimento
1. Universalizar a educaçªo bÆsica, de forma que cada cri-
ança permaneça na escola por, pelo menos, 11 anos;
2. Ampliar o acesso ao ensino superior, de forma que cerca
de 30% da populaçªo brasileira, na faixa etÆria entre 19 e 24 anos,
esteja incluída no sistema de ensino superior atØ 2015, e de 40%
atØ 2022;
3. Aumentar os investimentos pœblicos e privados em CiŒn-
cia, Tecnologia e Inovaçªo, alcançando cerca de 2% do PIB em 2015
e 3% do PIB em 2022.
Dimensªo Ambiental
1. O Brasil deve contar, em 2015, com cerca de 10% do mer-
cado mundial de crØditos carbono e, em 2022, com aproximada-
mente 20% desse mercado.”
6 AN`LISE COMPARATIVA
Sªo evidentes as coincidŒncias entre os preceitos clÆssicos
da Escola do Planejamento e do Planejamento EstratØgico e os
mØtodos utilizados pelo Nœcleo de Assuntos EstratØgicos da Presi-
dŒncia da Repœblica para a elaboraçªo do Projeto Brasil 3 Tempos:
2007, 2015, 2022. Mesmo admitindo-se algumas variantes, argu-
mentadas pelos planejadores do governo, hÆ um amplo e inequívo-
co elenco de conceitos, pressupostos e tØcnicas nitidamente e sem
transformaçıes importados do Planejamento EstratØgico clÆssico
pelo projeto governamental. Essa situaçªo tanto pode levar a acer-
tos quanto a graves desvios e deformaçıes, conforme apontados
na literatura acadŒmica.
Uma das evidŒncias absolutas das coincidŒncias de precei-
tos estÆ na crença do formalismo como mØtodo de elaboraçªo das
estratØgias. Ao descrever tal premissa, segundo eles herdada da
Escola do Design pela Escola do Planejamento, Mintzberg et alii
(1998:32) enfatizam: “A formaçªo da estratØgia deve ser um pro-
cesso deliberado de pensamento consciente. A açªo deve fluir da
razªo: estratØgias eficazes derivam de um processo de pensamen-
to humano rigidamente controlado. (...) Neste sentido, a formula-
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çªo da estratØgia Ø uma aptidªo adquirida e nªo natural ou intuiti-
va – ela deve ser aprendida formalmente.”
No Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022, os planejado-
res governamentais sªo explícitos quanto a este preceito: “Para
que o Brasil possa dispor de um processo que permita a conquista
dos objetivos estratØgicos de longo prazo, hÆ necessidade de uma
proposta estruturada do seu funcionamento e da criaçªo de um
órgªo que conduza esse processo” (p. 27).
Outra das premissas clÆssicas da Escola do Planejamento,
indicadas por Mintzberg et alii, Ø a de que a origem e a responsabi-
lidade por todo o processo estÆ, pelo menos em princípio (porque
a implementaçªo nªo precisa necessariamente ser dele), com o
executivo principal. No projeto governamental, os autores fazem
questªo de frisar, jÆ de início, que o trabalho “Ø uma determina-
çªo direta do atual Presidente da Repœblica” (p. 10), que deu ori-
gem ao processo e, depois de feitos os estudos, os receberÆ de
volta para a definiçªo das estratØgias (escolha entre vÆrias ou con-
firmaçªo das indicadas).
A utilizaçªo de tØcnicas clÆssicas do Planejamento EstratØ-
gico da dØcada de 1960 pelos planejadores governamentais evi-
dencia-se na própria terminologia – como o glossÆrio anteriormen-
te referido explicando os termos “ameaças” e “oportunidades” do
ambiente externo, “pontos fortes” e “pontos fracos” internos (que
os tØcnicos governamentais, talvez em ato falho, referiram como
“da instituiçªo” e nªo da “naçªo”).
Os autores do Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022 tam-
bØm especificam que, para suas prospecçıes, utilizariam as “tØcni-
cas de construçªo de cenÆrios” – tØcnicas essas que, conforme cita-
do anteriormente, sªo apontadas por Mintzberg et alii como um dos
“progressos recentes” introduzidos na Escola do Planejamento.
Os riscos da dissociaçªo das açıes de planejadores e imple-
mentadores, tanto destacados na obra de Mintzberg et alii, mos-
tram-se tambØm na anÆlise comparativa entre os preceitos clÆssi-
cos da Escola do Planejamento e os pressupostos do projeto gover-
namental. Sem eufemismos, os planejadores do governo assumem
que, como pontode partida do processo, “a visªo estratØgica de
país, os objetivos e as metas para os trŒs momentos indicados
117
serªo definidos por um nœmero limitado de atores, dado o curto
tempo disponível para a sua realizaçªo” (p. 13). Só numa segunda
etapa, de acordo com eles, haveria uma consulta mais ampla de
“todos os segmentos representativos da sociedade brasileira.” Tal
consulta, entretanto, ainda segundo o planejamento governamen-
tal, dar-se-Æ assepticamente, via questionÆrios enviados e recebi-
dos de volta via Internet, sem a necessidade de os planejadores
abandonarem seus gabinetes.
Escancaram-se ainda, na metodologia de elaboraçªo do Pro-
jeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022, os riscos da distorçªo no
estabelecimento de metas pela falta de estabilidade dos ambien-
tes – igualmente apontados à exaustªo na literatura acadŒmica.
Os planejadores governamentais afirmam, em vÆrios trechos do
Projeto, sua crença nas possibilidades quase científicas de cons-
truçªo de cenÆrios futuros. “Qualquer projeto prospectivo come-
ça com uma anÆlise temporal, que deve permitir uma adequada
visªo do passado, do presente e do futuro” (grifos nossos) (p.
33). Ou ainda: “A manipulaçªo dos cenÆrios futuros e o conheci-
mento da dinâmica que no passado construiu o presente permi-
tem, em boas condiçıes, a elaboraçªo das soluçıes estratØgicas
que podem viabilizar a conquista dos objetivos estratØgicos a longo
prazo” (p. 35).
Tais crenças levaram os planejadores governamentais a fi-
xar, sem pejo, metas detalhadas, quantificadas e datadas – como a
de que, daqui a 17 anos, os gastos pœblicos estarªo reduzidos dos
atuais 40% do PIB para 25%; como a de que, entre 2015 e 2022, a
participaçªo do Brasil no mercado mundial de crØditos carbono
duplicarÆ de 10% para 20%; a de que, no mesmo período (2015 a
2022), o acesso ao ensino superior da populaçªo entre 19 e 24 anos
de idade aumentarÆ de 30% para 40%; e tantas outras jÆ referidas.
“O planejamento estratØgico requer nªo só previsibilidade,
depois de formada a estratØgia, mas tambØm estabilidade, duran-
te sua formaçªo. O mundo tem de ficar parado durante o desenro-
lar do processo de planejamento”, proclamaram Mintzberg et alii.
Daí que talvez nªo seja despropositado supor que esses au-
tores – ao analisar os resultados da utilizaçªo dos mØtodos clÆssi-
cos do Planejamento EstratØgico pelo governo brasileiro para cons-
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truir cenÆrios mundiais tªo longínquos no tempo e fixar neles me-
tas tªo precisas – pudessem afirmar que tudo nªo passa de uma
“ilha da fantasia”...
7 CONCLUSˆO
O presente trabalho teve o objetivo de, à luz de obra refe-
rencial de Mintzberg et alii e bibliografia complementar, expor os
preceitos bÆsicos da chamada Escola do Planejamento – na qual se
incluem as tØcnicas do Planejamento EstratØgico –, bem como as
críticas e as limitaçıes atribuídas a essa Escola, e analisar compa-
rativamente, com base em estudo de caso de projeto de açıes de
longo prazo do Governo Federal brasileiro, o grau de utilizaçªo
atual das tØcnicas de Planejamento EstratØgico e sua eficÆcia.
Apesar de autores acadŒmicos como Mintzberg, Ahlstrand &
Lampel considerarem que, depois de um auge de influŒncia mundi-
al na dØcada de 1970, os preceitos do Planejamento EstratØgico
encontram-se hoje em franco declínio, pode-se constatar que tais
tØcnicas ainda sªo utilizadas, quase que sem adaptaçıes, em im-
portantes segmentos como o próprio Governo Federal brasileiro,
para a fixaçªo de abrangentes planos estratØgicos de longo prazo.
Estudo de caso do Projeto Brasil 3 Tempos; 2007, 2015, 2022
evidenciou esta situaçªo, indicando tambØm que, a par de possí-
veis acertos, a utilizaçªo de tais preceitos no mundo atual pode
levar a enormes desvios e distorçıes administrativas.
Alexandre Castro
Jornalista, professor, coordenador do curso de Jornalismo
do UnicenP, especialista em Pensamento Contemporâneo –
SØculo XX (PUCPR), mestrando em Administraçªo (UnicenP)
119
REFER˚NCIAS BIBLIOGR`FICAS
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NÚCLEO DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS. Cadernos NAE, PresidŒncia
da Repœblica, Brasília, 2004.
CASTRO - Escola do Planejamento: preceitos, críticas e estudo de caso. CIÊNCIA & OPINIÃO

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