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QUÍMICA E SUAS TÉCNICAS aula 5 INTRODUÇÃO Entre em qualquer laboratório químico moderno e você encontrará um híbrido da modernidade com o passado. Um alquimista reconheceria alguns dos aparelhos; o resto seria totalmente estranho. Existem muitas formas de recipientes para fluidos, e a maioria delas tem um parente antepassado bem parecido. Mas a Química Analítica moderna, que decompõe substâncias para identificá-las, determinar suas quantidades e concentrações, faz uso de equipamentos eletrônicos sofisticados e, muitas vezes, automatizados. A análise, porém, não é o único objetivo perseguido em um laboratório, pois seu oposto, a síntese, que é a montagem e a criação de formas desejadas de matéria a partir de componentes mais simples, é igualmente uma parte essencial da Química. EQUIPAMENTO CLÁSSICO DE LABORATÓRIO Béqueres, tubos de ensaio, balões e erlenmeyers, por óbvio, servem para guardar e para misturar fluidos. Alguns recipientes, no entanto, são projetados para fornecer quantidades conhecidas de líquidos, seja de forma menos precisa, como indicações estimadas de uma receita culinária, ou como parte de um método de medição quantitativa mais preciso. Dois exemplos são a pipeta e a bureta, usados em um dos procedimentos clássicos da Química, a titulação de um ácido com uma base para determinar a concentração de um ou outro deles. A pipeta é usada para fornecer uma quantidade fixa da solução básica a um erlenmeyer; a bureta é usada para pingar ácido na base até que uma mudança de cor ou um sinal eletrônico de um detector sinalize que a base foi exatamente neutralizada, sem sobras ou faltas. Observando o volume de ácido adicionado da bureta graduada e conhecendo sua concentração, a concentração da base pode ser determinada. Uma outra classe de aparelhos está relacionada à separação de substâncias, talvez para purificar ou para isolar um produto. Uma técnica simples, usada quando o produto é um sólido que precipitou quando duas soluções foram misturadas, é a filtração, que consiste na passagem da solução resultante através de uma malha fina. Outra, frequentemente usada quando os líquidos precisam ser separados, é a destilação, que significa a fervura da mistura líquida e a posterior condensação do vapor; nesse processo, o componente mais volátil da mistura ferve primeiro e pode ser coletado ou descartado. Uma técnica de separação altamente sofisticada é a cromatografia. Essa técnica nasceu e recebeu esse nome quando consistia em pouco mais do que notar que uma gota de solução, às vezes obtida pela maceração de pétalas coloridas, se espalha sobre o papel absorvente e forma faixas de cores diferentes que podiam ser identificadas ou coletadas. O nome sobrevive, mas a técnica foi desenvolvida exponencialmente. Agora, em um procedimento típico, a amostra a ser analisada passa por muitos metros de tubos estreitos, cujo interior é revestido com um sólido absorvente. Os componentes da mistura aderem, ou, de forma mais técnica, são adsorvidos pela superfície interior dos tubos em diferentes graus. Embora todos os componentes da mistura cheguem ao final da corrida ao longo do tubo, suas saídas ocorrem em momentos diferentes, com os componentes que interagem mais com as paredes do tubo demorando mais a sair. Portanto, é assim que esses componentes são recolhidos separadamente, sendo identificados posteriormente por outros procedimentos. Essa técnica é usada para separar a miríade de compostos que contribuem para o sabor de uma fruta, ou para farejar explosivos em instalações de segurança. ESPECTROSCOPIA Muito mais interessante e, para o alquimista, muito desconcertante é o conjunto de equipamentos eletrônicos do laboratório moderno, mostrando apenas suas telas e botões, sem que haja elemento comum ao passado que ajude ao alquimista desvendar seu propósito. Muitos desses equipamentos são formas diversas de espectroscopia. O termo se associa à palavra “espectro”, que também significa “aparência”, embora o processo de olhar para a aparência seja mais sofisticado do que a mera inspeção visual. Comecemos pela espectroscopia atômica. Quando um elemento é aquecido e vaporizado, um ou mais elétrons de um de seus átomos podem ganhar energia, sendo ejetados de sua distribuição normal e ficando brevemente em nuvens eletrônicas de níveis mais altos, antes de entrarem em colapso novamente e retornarem à sua nuvem normal. Esse colapso libera a energia adicional do elétron, e esse impulso de recuo gera um pulso de luz, um fóton. A cor do fóton depende da energia liberada no colapso, com o colapso de alta energia dando um pulso de radiação ultravioleta e pulsos de energia mais baixos dando luz visível ou infravermelha. Os elétrons dos átomos podem existir em uma variedade limitada de estados de energia que são característicos do elemento e, à medida que os elétrons colapsam do estado em que foram promovidos, geram fótons dessas poucas cores correspondentes. São familiares para a maioria o amarelo da iluminação pública, que é devido aos átomos de sódio que geram fótons à medida que entram em colapso em seu estado normal, fótons de várias cores, mas predominando o amarelo; e as publicidades e sinalizações em néon vermelho, esta cor devida ao recuo dos elétrons nos átomos de neônio, predominando nos diversos fótons de luz visível o vermelho. Na espectroscopia atômica, portanto, ao observar o padrão de cores emitida pelo elemento vaporizado, ao registrar seu espectro emitido, o elemento presente na amostra pode ser identificado. Os elétrons das moléculas se comportam da mesma maneira, mas o monitoramento de suas possíveis energias é realizado de maneira um pouco diferente. Enquanto a espectroscopia atômica utiliza a emissão de luz, a espectroscopia molecular faz o contrário: utiliza a absorção de luz. A luz que passa através de uma amostra pode ser pensada como um fluxo de fótons. Um desses fótons será absorvido se colidir com uma molécula que possa ser excitada para um estado de energia mais alto com uma energia exatamente correspondente à daquele fóton. A remoção desses fótons do fluxo de entrada, ou seja, sua “absorção”, reduzirá a intensidade do feixe, em um fenômeno registrado por um detector. Para mapear a absorção em toda uma faixa de cores de fótons do espectro de luz, a cor da luz incidente vai sendo ajustada sistematicamente para varrer todo esse trecho do espectro, enquanto a intensidade do fluxo de fótons que consegue sobreviver à passagem pela amostra é monitorada. Como as moléculas têm níveis de energia característicos, seus espectros de absorção, ou seja, as cores detalhadas dos fótons que acabam absorvidos, são únicos e podem dar uma boa indicação da identidade da substância da amostra. Iniciamos descrevendo a absorção de fótons de luz visível pela excitação de elétrons de sua distribuição normal em uma molécula. Mas isso consome muita energia e, embora muitas moléculas absorvam a luz visível, e é por isso que o mundo é tão colorido, os espectros descritos são mais comumente observados usando incidência de radiação ultravioleta. Assim, a técnica é conhecida como espectroscopia UV-visível, ou UV-vis. Uma técnica intimamente relacionada a essa usa fótons de radiação infravermelha, que têm energia muito menor do que os fótons visíveis e ultravioleta. Esses fótons podem estimular as vibrações das moléculas, não suas distribuições de elétrons. Os “espectros infravermelhos” mostram, portanto, quais vibrações podem ser estimuladas ou, tecnicamente, quais são as frequências específicas em que há vibrações sendo estimuladas na amostra. Isso é muito útil para analisar os grupos de átomos presentes em uma molécula orgânica complexa porque um grupo –CH3, por exemplo, pode oscilar com uma energia, enquanto um grupo –C=O pode oscilar com uma energia diferente. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR Talvez a técnica espectroscópica analíticamais importante seja a ressonância magnética nuclear (RMN). A palavra “nuclear” assusta onde quer que apareça, e é por isso que, como técnica de diagnóstico médico, foi retirada. Mas a “ressonância magnética” da Medicina Diagnóstica é uma técnica derivada da própria RMN. Os químicos, como bons cientistas, mantêm no nome da técnica a palavra “nuclear”, até porque sabem que a RMN não tem qualquer relação com os perigos da radioatividade. O “nuclear” da ressonância magnética nuclear refere-se a qualquer núcleo de qualquer átomo. Porém, vamos nos concentrar em seu alvo mais comum: o núcleo de um átomo de hidrogênio, que é o próton desacompanhado de qualquer nêutron. Um próton gira em seu eixo, como a Terra, e essa carga elétrica giratória se comporta como uma pequena barra magnética, posto que qualquer carga em movimento gera campo magnético. O próton pode girar no sentido horário ou anti-horário, e o pequeno ímã de barra correspondente tem seu polo norte para cima ou para baixo de acordo com o sentido do giro. Quando o girante próton está sob um campo magnético muito intenso, gerado pela passagem de uma corrente elétrica através de uma bobina supercondutora, as duas orientações de giro têm energias diferentes. Nesse caso, um fóton de entrada em uma frequência apropriada é capaz de inverter um próton de um giro de baixa energia, um giro, digamos, “para cima”, em um próton de giro de alta energia, em giro “para baixo”. A correspondência da frequência do fóton com a dimensão da separação de energia verificada é a “ressonância” do nome, ou seja, a coincidência de frequências; quando sintonizamos um rádio na frequência de um transmissor distante, fazemos a mesma coisa. Quando isso ocorre, o fluxo de fótons de entrada é atenuado e a diminuição da intensidade é detectada. Essa separação de energia, embora detectável, não é muito grande. Na RMN, são usados fótons de radiação de radiofrequência, ou seja, ondas de rádio, no caso, próximas à faixa de frequência clássica dos canais das transmissões de TV: entre 60 MHz e 1000 MHz. Pelo que vimos até agora, pode parecer uma atividade bastante inútil inverter um próton de uma orientação para outra. O poder da técnica – e esse poder não pode ser subestimado – é que a frequência precisa na qual a ressonância ocorre depende de onde o próton, ou o átomo de hidrogênio do qual o próton é o núcleo, se encontra na molécula. Núcleos de átomos de hidrogênio com átomos de carbono como vizinhos ressoam em frequências diferentes daqueles com átomos de oxigênio ou nitrogênio como vizinhos. Assim, o espectro de absorções ressonantes, o “espectro de RMN”, retrata as vizinhanças de todos os átomos de hidrogênio na molécula. E isso não é tudo. Os pequenos ímãs que são os átomos de hidrogênio interagem uns com os outros na mesma molécula e, com isso, modificam as energias uns dos outros. Essa modificação afeta as frequências ressonantes e dá origem a padrões característicos do espectro de absorção, o que ajuda muito na hora de identificar uma molécula. Um núcleo de carbono-12, que é o isótopo mais frequente de carbono, não gira e, portanto, não se comporta como um ímã, sendo invisível na RMN. Isso é ótimo, porque, em caso contrário, mesmo uma molécula orgânica bastante simples daria um espectro de RMN terrivelmente complexo. No entanto, os átomos de carbono podem ser revelados com cautela substituindo átomos de carbono-12 pelos de carbono-13. O nêutron extra em seu núcleo faz com que ele seja magnético. Portanto, a substituição adequada do carbono-12 pelo carbono-13 pode ser usada para mapear as localizações dos átomos de carbono também, e a identidade e a estrutura da molécula podem ser definidas sem ambiguidade. ESPECTROMETRIA DE MASSA Há outro tipo totalmente diferente de espectrômetro que não usa absorção, nem emissão, e fornece uma visão totalmente diferente da identidade de uma molécula. Em um espectrômetro de massa, uma molécula é explodida e têm seus fragmentos pesados, sendo a composição da molécula, então, inferida a partir das massas dos fragmentos. A quebra molecular é realizada com um ataque de elétrons que atingem a molécula, distorcem as nuvens de elétrons que a mantêm unida e dão origem a vários fragmentos eletricamente carregados. Esses fragmentos carregados são acelerados por um campo elétrico e passam entre os polos de um poderoso ímã, que desvia suas trajetórias em uma proporção variável, que dependerá da massa e da carga de cada fragmento, assim como da força do campo aplicado. Fragmentos de uma massa específica cairão em um detector e darão um sinal. À medida que o campo magnético é alterado, fragmentos de diferentes massas serão vistos pelo detector, formando o que se chama “espectro de massa” a indicar as massas e proporções dos fragmentos. Esse espectro é interpretado em termos da estrutura da molécula original, e não como se representasse uma coleção de fragmentos de cerâmica que pudessem ser colados para tentar reconstruir o vaso original. DIFRAÇÃO DE RAIOS X Na Biologia, a estrutura é decisiva para determinar a função. A estrutura é quase tudo na Química, e isso é verdade especialmente onde a Química se mistura com a Biologia. Nessa área, os químicos contribuem para o estudo e para a elucidação da ação das grandes moléculas de proteína que conhecemos como enzimas. Embora as enzimas sejam extremamente importantes para regular as reações químicas que constituem todos os aspectos da vida, elas não são os únicos componentes cruciais dos organismos vivos. A herança biológica é tornada possível pelo DNA, a nossa forma rígida é baseada em proteínas e ossos minerais, e percepção e pensamento são viabilizados por moléculas que detectam e transmitem mensagens. O mecanismo de todo o corpo de um organismo é modulado pelas moléculas que estão nele. Uma das ferramentas mais poderosas para descobrir a estrutura de uma molécula complexa é a difração de raios X. Como ela é sempre aplicada a cristais da substância de interesse também é chamada de cristalografia de raios X. Essa técnica, por muito tempo, foi uma fonte importante de prêmios Nobel, começando pela própria descoberta dos raios X por Wilhelm Röntgen, resultando no primeiro Nobel de Física, concedido em 1901. Depois tivemos William e seu filho Laurence Bragg em 1915, Peter Debye em 1936 e Dorothy Hodgkin em 1964. Mas antes, em 1962, tivemos o auge, com a premiação de Maurice Wilkins, que forneceu a base da sugestão de James Watson e Francis Crick da estrutura de dupla hélice do DNA. Rosalind Franklin, parceira de Wilkins, já havia falecido, então, não ganhou o Nobel com os outros três. Mas, por que falamos de auge? É porque a descoberta da estrutura do DNA levou a todas as suas vastas implicações para a compreensão da bagagem hereditária, para o combate a doenças dessa origem, para a identificação de criminosos, para a determinação de paternidade, entre tantas outras áreas impactadas. Se existe uma técnica que é responsável por misturar a Biologia com a Química, é essa. Outra característica marcante dessa lista é que o prêmio foi concedido nas três categorias científicas: Química, Física e Fisiologia ou Medicina, tal o alcance da técnica e a vastidão de informação que trouxe. Para entender a base da técnica, é essencial saber que os raios X são feixes de radiação eletromagnética de comprimento de onda muito curto. Ou seja, são como a luz, mas com comprimentos de onda mil vezes menores, cerca de 100 picometros, aproximadamente o diâmetro de um átomo. É por isso que se usam raios X: porque os padrões da difração só são obtidos quando o comprimento de onda da radiação é comparável à escala das estruturas que a causam, no nosso caso os átomos, causando a difração. Como os comprimentos de onda dos raios X são comparáveis às dimensões das separações entre os átomos nas moléculas, essa é a radiação ideal para o propósito. Outrainformação essencial é que os raios X, como todas as ondas, interferem entre si: onde os picos coincidem, a interferência é construtiva, eles são mais brilhantes; onde os picos coincidem com os vales, a interferência é destrutiva, e eles são mais escuros. Quando um objeto é colocado no caminho de um feixe de raios X, o objeto espalha o feixe original, e a dispersão por diferentes partes de uma molécula resulta em feixes que viajam para um detector por diferentes caminhos e, portanto, podem interferir uns nos outros de várias maneiras. Essa interferência a uma onda causada por um objeto em seu caminho é a difração, então, é daí que vem o nome “difração de raios X”. Em uma análise por difração de raios X, uma pequena amostra de cristal é rotacionada no caminho de um feixe de raios X, enquanto um detector percorre toda uma esfera que circunda a amostra, detectando os reflexos da interferência construtiva à medida que se move. A partir desse grande número de observações, uma ferramenta matemática pode ser usada para estabelecer o arranjo dos átomos na amostra. A técnica agora é amplamente automatizada, com um computador integrado que controla a coleta e a interpretação dos dados, facilitando sobremaneira o trabalho e, com isso, acabando com os Nobel para a área. A parte mais desafiadora da técnica na atualidade é fazer o cristal essencial para a técnica, principalmente para as grandes moléculas que são um de seus principais alvos de estudo. Se, no entanto, é necessária apenas a identificação de uma substância, como um mineral, então é possível usar uma técnica mais simples, em que a amostra é um pó espalhado em uma placa. Quando um feixe de raios X é direcionado para o pó, o “padrão de difração do pó” resultante é característico da substância e pode ser identificado consultando uma biblioteca de padrões. IMAGEM DE SUPERFÍCIES O interior dos sólidos é um lugar fascinante, mas a ação, geralmente, ocorre na superfície. Por exemplo, na catálise, a aceleração das reações pela presença de uma substância não participante, muitas vezes, ocorre através de um mecanismo que envolve a ligação de reagentes a uma superfície sólida, onde eles são preparados para a reação com outros reagentes. Esse fenômeno de adesão a uma superfície se chama adsorção. A indústria química deve sua existência aos catalisadores. Por isso, o estudo de eventos em superfícies é de grande importância. As superfícies, apesar de serem justamente a parte visível de um sólido, eram difíceis de estudar até alguns anos atrás, quando uma nova técnica entrou em cena. Essa técnica é tão sensível que pode retratar os átomos individuais na superfície e também as moléculas presas a ela. Ela vem em duas variantes: microscopia de tunelamento por varredura (na sigla em inglês, STM) e microscopia de força atômica (na sigla em inglês, AFM). À primeira vista, a STM pode parecer bastante improvável. Uma agulha de ponta muito fina varre fileiras sucessivas da superfície que está sendo estudada. O fluxo de corrente elétrica entre a ponta da agulha e a superfície é monitorado e mapeado em uma tela: os átomos que se projetam da superfície ficam próximos à ponta da agulha que passa e dão origem a um surto de tensão, que é retratado na imagem como um pico. O sucesso do método depende de um efeito da Mecânica Quântica chamado “tunelamento”, no qual os elétrons são capazes de atravessar regiões proibidas, como o espaço entre a superfície e a agulha. O tunelamento é muito sensível à largura da lacuna, de modo que a varredura na superfície pode captar irregularidades na superfície que são do tamanho de átomos, além de conseguir identificar e retratar em detalhes as formas das moléculas presas à superfície. É comum que digam que os átomos são pequenos demais para serem vistos. No entanto, se mudamos a nossa forma de “ver”, saindo da luz visível e passando a usar elétrons, como é o caso do retrato gráfico da variação de corrente no tunelamento, então, podemos ver os átomos, já que a STM fornece as imagens mais extraordinariamente convincentes de átomos e moléculas isoladas. Mesmo as superfícies mais limpas e polidas são atraentes, com montanhas e penhascos semelhantes aos de Marte, onde os átomos se acumulam, e abismos onde eles se perderam. Já a microscopia de força atômica, AFM, não somente rastreia, mas age nas superfícies. Em vez de observar passivamente, a ponta da agulha é usada para mover os átomos pela superfície, empurrando-os de um lugar para outro. A técnica permite brincadeiras como o “nanofutebol”, ou seja, mover sobre a superfície um fulereno C60, que é uma estrutura de carbono semelhante a uma bola de futebol clássica, mas em nível molecular. A sério, porém, a microscopia de força atômica possibilita um controle finíssimo, extremamente preciso, do arranjo de átomos individuais. Se a ponta for revestida com as moléculas adequadas, passa a ser possível escrever sobre a superfície ou até construir estruturas em nanoescala. Voltaremos ao tema na aula 7. QUÍMICA COMPUTACIONAL Um instrumento que transformou a Química, assim como transformou a vida em geral, nas últimas décadas, é o computador. Praticamente todos os procedimentos de laboratório, exceto os mais primitivos, são controlados por computadores. Como acabamos de ver, os computadores são intrínsecos à cristalografia de raios X e são essenciais para a interpretação dos padrões de difração. Eles também são essenciais para a moderna RMN, que exige manipulação matemática extensiva para obtenção de um espectro interpretável. Porém, há uma aplicação nativa dos computadores na Química: a de computação e representação gráfica de estruturas moleculares. Este é o campo da Química Computacional. Juntamente com os meteorologistas e os mineradores de criptomoedas, os químicos estão entre os usuários mais exigentes de computadores poderosos, embora o progresso em hardware computacional tenha sido tão grande que muitas análises, agora, podem ser realizadas em um simples tablet ou smartphone. Uma área da Química Computacional leva a disciplina de volta à descrição quântica da distribuição das nuvens de elétrons nas moléculas, propondo-se a calcular essas distribuições. Tais cálculos envolvem muita manipulação numérica e uma variedade de aproximações. Embora o resultado disso seja, essencialmente, apenas uma lista de números relacionados à densidade da nuvem de elétrons em toda a molécula, esses números são tornados visualmente acessíveis por exibições gráficas da nuvem, o que permite aos químicos inferir o comportamento provável da molécula. Uma aplicação muito importante dessa capacidade de retratar onde as regiões de nuvens de elétrons são mais densas e onde são esparsas, é na avaliação da atividade farmacológica de uma molécula, com uma triagem inicial de prováveis compostos farmacologicamente ativos antes de serem testados in vivo em animais. A segunda área da Química Computacional, intimamente relacionada à primeira, tem a ver com como uma proteína se dobra em sua forma ativa. Uma molécula de proteína é apenas uma longa cadeia de pequenas moléculas, os aminoácidos, ligados quimicamente, mas ela se dobra em hélices e folhas que, por sua vez, se dobram em uma estrutura razoavelmente rígida que é essencial para sua função. Embora as forças que agem entre as diferentes partes da mesma molécula sejam bem compreendidas, ainda é um problema complexo ver como todas essas diversas forças conspiram em cada caso específico para retorcer a cadeia até sua forma final. A natureza faz isso, mas ainda não entendemos como. Como parte do ataque ao problema, computadores são usados para rastrear os elos da cadeia molecular enquanto eles se torcem e se contorcem rumo à sua forma final, na tentativa de entender como a natureza faz isso sem pensar. Computadores também são usados para estudar o comportamento de pequenas moléculas. Uma “moléculadigital” é lançada voando em direção a outra, e cálculos são usados para observar o que acontece nos momentos mais íntimos de uma reação química, quando moléculas colidem, velhas ligações enfraquecem, quebram, e novas ligações se formam. ABORDAGENS MODERNAS PARA SÍNTESES Desviemos a atenção da análise para a síntese. Mais especificamente, para uma versão particular da síntese que está atualmente em voga, onde os químicos nem sempre têm a menor ideia do que eles fizeram. Trata-se da Química Combinatória. O procedimento tradicional para fazer compostos é trabalhar um de cada vez, com um objetivo claro em mente. Na Química Combinatória, não é assim. Centenas, até milhares de compostos são sintetizados simultaneamente. Às vezes, eles são agrupados por semelhança, como se formassem uma quimioteca. São examinados de uma vez só quanto ao comportamento e, quando emergem candidatos promissores aos fins desejados, apenas eles são analisados, para terem suas identidades determinadas e, por fim, serem usados como base para trabalhos futuros. O benefício para a aceleração do desenvolvimento de fármacos parece evidente. O procedimento se originou com a síntese de polipeptídeos, que são sequências de aminoácidos mais curtas que as proteínas, mas se estendeu para uma variedade de outros tipos de compostos. Suponhamos que temos três aminoácidos, A, B e C. Em uma primeira rodada, preparamos um recipiente com A e procedemos a uma reação com todos os três outros ácidos, que resultará nos compostos AA, AB e AC. Em seguida, juntamos esses três compostos, misturamos e dividimos em três porções iguais, cada uma contendo os três compostos, terminando a primeira rodada. A segunda rodada repete triplamente o processo, em função de termos três porções. No primeiro frasco, que foi posto para reagir com A, teremos os três compostos AAA, ABA e ACA; no segundo recipiente, que reagiu com B, teremos obtido AAB, ABB e ACB; por fim, no contentor onde pusemos C para reagir, teremos AAC, ABC e ACC. Esses nove compostos são misturados e usados como ponto de partida para a próxima rodada, que também terá três frascos, onde adicionaremos, separada e respectivamente, A, B e C, obtendo 3 x 9 = 27 compostos. Na prática, todos os 20 aminoácidos de ocorrência natural podem ser usados em vez dos míseros três do nosso exemplo. Nesse caso, as mesmas três rodadas sucessivas resultariam 400, 8.000 e 160.000 compostos distintos. Portanto, esse processo, que costuma ser robotizado, pode gerar milhões de compostos distintos em quase um piscar de olhos. É assim que os químicos combinatórios fazem substâncias, nem sempre sabendo ou se importando com o que fizeram, e esperando que, entre a infinidade de produtos gerados, haja alguma pérola. Claramente, há uma tarefa considerável de controle necessária para não se perder sobre as possíveis substâncias em cada mistura, mas um computador pode acompanhar o que os robôs estão fazendo. Se, em algum teste subsequente, o conteúdo de um recipiente de mistura mostrar uma certa atividade biológica, como inibir uma enzima defeituosa responsável por uma doença, então, esse conteúdo pode ser candidato para separação e identificação, o restante sendo descartado como sem interesse para o objetivo estabelecido. Há pouquíssimo tempo, lá pela virada do milênio, os químicos se orgulhavam de ter sintetizado e identificado cerca de 10 milhões de compostos. Agora, eles fazem várias vezes esse número em um só mês de trabalho, e apenas ocasionalmente se preocupam em determinar o que fizeram. Assim é o progresso.