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QUÍMICA: ORIGEM, ALCANCE E ORGANIZAÇÃO 
aula 1 
INTRODUÇÃO 
A intenção deste curso de Química é o de mostrar a você um mundo fascinante, intelectual e 
economicamente importante: o mundo da Química. É preciso admitir que a Química tem uma 
reputação infeliz. As pessoas se lembram dela como um assunto em grande parte 
incompreensível; rico em fatos, mas de difícil compreensão. A Química parece tão distante 
do mundo real que, na escola, para muitos, parecia não haver sentido em aceitar seus 
conceitos, suas receitas e suas regras. Para as pessoas mais velhas, já fora da escola, essa 
reputação infeliz costuma tornar-se ainda mais infeliz pela consciência do impacto ambiental, 
em imagens mentais de substâncias químicas nocivas espalhando-se pela natureza e trazendo 
desastre para verdes campos bucólicos, cheios de flores e borboletas, transformando-os em 
lama inerte; gerando lodo tóxico e nocivo onde corriam riachos límpidos; substituindo o ar 
perfumado por fumaça fétida; enfim, bagunçando as paisagens das melhores selfies. 
Este curso pretende mudar tudo isso. Pretende encorajar você a olhar para a Química de 
forma diferente, com um olhar moderno e sem preconceitos, com essas memórias e posturas 
varridas e substituídas por compreensão e apreciação. Este curso pretende mostrar o mundo 
através dos olhos da Química, para que você possa entender seus conceitos centrais e ver 
como químicos e químicas contribuem, não apenas para nosso conforto material, mas 
também para a cultura humana. Este curso pretende explicar como químicos e químicas 
pensam, e como o que a Química revela sobre a matéria acrescenta prazer à nossa percepção 
do mundo. Aqui se incluem todas as formas de matéria, de pedras a seres humanos. Este 
curso pretende mostrar como químicos e químicas pegam uma forma de matéria, talvez 
escavada do solo ou arrancada do ar, e a transformam em outra forma de matéria, talvez para 
nos vestir, ou para nos alimentar, ou nos confortar. 
Este curso pretende compartilhar o pensamento de que a Química fornece a infraestrutura 
do mundo moderno. Dificilmente existe um item da vida cotidiana que não seja baseado nela, 
ou baseado nos materiais que ela permitiu criar. Tire do mundo a Química e seu braço 
funcional, da indústria química: você tirará do mundo os metais e outros materiais de 
construção; os semicondutores e condutores da computação e da comunicação; os 
combustíveis para aquecimento, para geração de energia e para transporte; os tecidos para 
roupas e artigos do lar; os corantes artificiais do nosso mundo incrivelmente colorido. Retire 
do mundo as contribuições da Química para a agricultura e você deixará as pessoas 
morrerem, porque a indústria química fornece os fertilizantes e os pesticidas que permitem 
que cada vez menos terras agriculturáveis suportem populações cada vez maiores. Tire a 
vertente farmacêutica da Química e você vai ver correr solta a dor pela eliminação de 
anestésicos, negando às pessoas a perspectiva de recuperação da sua saúde pela eliminação 
dos medicamentos. Imagine um mundo onde não haja produtos da Química: você estará de 
volta a algum lugar antes da Idade do Bronze, ou seja, na Idade da Pedra, sem metais; sem 
combustíveis, exceto madeira; sem tecidos, exceto peles; sem remédios, exceto ervas; sem 
métodos de computação, exceto contar com os dedos; e muito pouca comida. 
Os avanços na tecnologia exigem a disponibilidade de materiais com propriedades novas e 
sofisticadas, sejam melhores propriedades elétricas, magnéticas, ópticas, mecânicas ou 
apenas maior pureza. Avanços na manutenção da saúde humana que podem reduzir a 
demanda sobre a infraestrutura física dos hospitais e seus equipamentos sofisticados e caros 
dependem da descoberta e da fabricação de medicamentos melhores e mais sofisticados. 
Não haverá avanços na geração, na implantação e na conservação de energia sem a Química 
para fornecer sua infraestrutura material. 
No entanto, é preciso apontar que a extraordinária diferença entre a natureza bruta e o que 
a Química faz ao transformá-la para melhorar e prolongar nossas vidas tem um preço, e é 
esse preço que nos desconcerta e é justamente a base de nosso assombro quanto ao terrível 
impacto ambiental da Química. A preocupação mais permanente e vocal dos químicos, 
químicas e cada um e uma de nós é o impacto ambiental do que é produzido e dos processos 
de produção. Em sua forma mais cruel, os produtos da Química aumentam nossa capacidade 
de matar e de mutilar, pois o armamento é aprimorado quando novos explosivos e outros 
agentes são aperfeiçoados. A Química coloca nas mãos das sociedades e dos governos a 
capacidade de fazer a guerra de forma mais eficaz, de as empresas produzirem artefatos de 
forma mais agressiva e suja, de cada pessoa desperdiçar bens e recursos da forma mais 
inconsequente, comprometendo nossa existência social e nosso insubstituível ambiente. 
Este curso quer enfrentar essa questão, que tem sido um corolário do progresso na fabricação 
de produtos químicos e na presença desses produtos e de seus resíduos de fabricação no 
ambiente. Porém, é importante ter em mente uma imagem ampla da Química, não somente 
uma única faceta, obscura. Sem Química, a vida seria desagradável, brutal e curta. Com a 
Química, pode ser confortável, divertida, saudável. O transporte pode ser eficiente. As roupas 
podem ser atraentes. A vida pode ser mais longa. Sem ignorar o lado sombrio e negativo da 
Química, este curso quer encorajar você a apreciar o lado brilhante e positivo da Química. 
Há outra dimensão em todas essas contribuições: a compreensão da natureza. A Química 
fornece informações sobre o coração da matéria, mostrando como as coisas são. Um químico 
pode olhar para uma rosa e entender por que ela é vermelha; uma química pode olhar para 
um vidro e entender por que ele é quebradiço; olhar para um tecido e entender por que é 
flexível. Claro que as bênçãos da natureza podem ser aproveitadas sem esse conhecimento 
interior, assim como a música pode ser apreciada sem análise; mas o entendimento que a 
Química traz sobre as propriedades da matéria, em todas as suas formas, pode ser aplicado 
em diversas situações da vida prática e social, levando a um prazer mais profundo, mas, 
também, a termos mais pequenos prazeres diários. 
Em termos gerais, essa é a jornada pela qual este curso quer levar você. O que se quer é tentar 
desligar você de suas memórias parciais, talvez desagradáveis, de seus maus encontros com 
a Química. Você não terá um diploma de químico ou de química ao fim deste curso, porque a 
Química é profunda, é ampla; é quantitativa e qualitativa; mas também é sutil e superficial. 
De qualquer forma, espera-se que você aprecie a estrutura da Química, seus conceitos 
centrais e suas contribuições para a cultura, para a sociedade, para a economia e o mundo. 
PARA COMEÇO DE CONVERSA 
Ambição. A ambição inspirou a humanidade a embarcar em uma jornada extraordinária que 
nos impacta a todos hoje. A variedade particular de ambição de que nós falamos é tanto a 
busca pela imortalidade quanto a obtenção de riquezas ilimitadas. A suposta rota para essas 
duas metas passava pela manipulação da matéria, fosse para fornecer elixires para superar 
os males do corpo e alcançar a imortalidade, fossem receitas para a conversão de mais ou 
menos qualquer coisa parecida com ouro – seja pela cor, como urina e areia, ou pelo peso, 
como chumbo – no próprio ouro. Nenhum dos objetivos jamais foi alcançado, mas a 
incessante manipulação da matéria pelos alquimistas lhes proporcionou uma considerável 
familiaridade com ela e, muitas vezes literalmente, forneceu o composto do qual uma 
verdadeira ciência, como a Química, deveria emergir. 
O principal instrumento da transição da alquimia para a Química foi a balança. A capacidade 
de pesar as coisas com precisão colocou nas mãos da humanidade o potencial de dar números 
à matéria. O significadodessa conquista não deve passar despercebido, porque é bastante 
extraordinário que números dotados de significado possam ser atribuídos ao ar, à água, ao 
ouro e a qualquer outro tipo de matéria. Assim, por meio da adoção dos números, o estudo 
da matéria e das transformações que ela pode sofrer – que é o escopo atual da Química: o 
estudo da matéria e das suas transformações – foi trazido para o domínio das ciências físicas, 
onde os conceitos qualitativos podem ser expressos quantitativamente e testados 
rigorosamente contra as teorias que os envolvem e os iluminam. 
Pesar a matéria antes e depois da transformação de uma substância em outra levou ao 
conceito principal que fundamenta todas as explicações em Química: o átomo. O conceito de 
“átomo” havia flutuado sem fundamento na consciência humana por mais de dois milênios, 
desde que os antigos gregos especularam, sem um pingo de evidência, por algum tipo de 
granulação particulada terminantemente indivisível. Essa mera especulação ganhou 
fundamentação científica pelas mãos de John Dalton (1766-1844), no início do século XIX. Por 
meio da análise dos pesos das substâncias antes e depois de reações, Dalton chegou à 
conclusão de que os elementos, blocos de construção fundamentais da matéria, são 
compostos de átomos imutáveis, e que esse rastro deles poderia ser mantido à medida que 
uma substância se transformava em outra. Tudo pelo simples expediente de pesagem. 
Os átomos se tornaram a moeda corrente da Química. Quase todas as explicações em 
Química se referem a eles, sejam isolados ou ligados nas combinações que chamamos de 
moléculas. Os átomos são os constituintes de toda a matéria: tudo o que você pode ver e 
tocar é feito de átomos. Por menores que sejam, é errado dizer que são invisíveis a olho nu. 
Olhe para uma árvore: você está vendo átomos. Olhe para uma cadeira: você está vendo 
átomos. Olhe para este papel, ou para esta tela, ou para mim: você está vendo átomos. Toque 
seu rosto: você está tocando átomos. Toque um tecido: você está tocando átomos. É claro 
que um átomo individual é pequeno demais para ser visto, mas a matéria é construída a partir 
de batalhões deles, e os batalhões fervilhantes são visíveis a olho nu como as substâncias que 
nos cercam. Mais tarde, porém, na aula 5, nós vamos falar de como os químicos, agora, 
podem até mesmo ver imagens de átomos isolados. 
Existem pouco mais de 100 tipos diferentes de átomos. Exatamente o que quer dizer “tipo” 
de átomo será explicado na aula 2, quando olharmos para dentro deles e identificarmos suas 
diferentes estruturas internas que os tornam distintos. Cada tipo diferente de átomo 
corresponde a um elemento diferente. Assim, da mesma forma que existem os elementos 
hidrogênio, carbono, ferro e assim por diante, existem átomos de hidrogênio, átomos de 
carbono, átomos de ferro e assim por diante, até o elemento mais recentemente descoberto, 
que neste início da década de 2020 é o 118º elemento, totalmente inútil e de vida 
extremamente curta, o oganessônio. A ideia chave da Química é que, quando uma substância 
se transforma em outra, os próprios átomos não mudam: eles simplesmente trocam de 
parceiros ou entram em novos arranjos. Tudo na Química é sobre divórcios e recasamentos. 
Embora “átomo” signifique não divisível, os átomos são divisíveis. Mesmo o raciocínio 
especulativo mais leigo levaria a essa conclusão, pois a existência de diferentes tipos de 
átomos implica a associação de cada um deles a diferentes estruturas. Portanto, com 
suficiente engenhosidade, é provável que um átomo possa ser destruído e as chamadas 
partículas subatômicas das quais ele é formado sejam identificadas. A experiência confirma 
essa especulação. Falaremos um pouco do interior dos átomos e, portanto, das origens de 
suas diferentes personalidades na aula 2. É aqui que a Química se baseia mais fortemente na 
Física, pois os físicos desvendaram as estruturas dos átomos e os químicos usam essa 
informação para explicar as moléculas que eles formam e as reações que eles sofrem. 
Essa última observação limita o escopo da Química. Isso implica que, para entender a Química 
é necessário importar conceitos da Física. Esse é realmente o caso: a Química se baseia 
fortemente em vários conceitos desenvolvidos por físicos. Se bem que, em troca, nós, 
químicos, fornecemos a matéria para eles estudarem e maquinarem. Entre todo esse 
intercâmbio, há duas trocas extremamente importantes, uma relativa ao comportamento de 
átomos isolados e seus componentes subatômicos, e outra relacionada ao volume, ou seja, 
versões tangivelmente grandes da matéria, como uma garrafa de água ou um bloco de ferro. 
Mais tecnicamente, falamos dos mundos microscópico e macroscópico, respectivamente. 
A importância crucial da Física para explicar as propriedades do mundo microscópico de 
átomos e moléculas isolados é a Mecânica Quântica. Embora grande parte da Química tenha 
sido desenvolvida durante o século XIX, havia pouca compreensão de por que certas coisas 
ocorriam e outras não. Naquela época, a hoje conhecida como Mecânica Clássica, a Mecânica 
de Isaac Newton, ou seja, o ferramental matemático que explica o movimento dos corpos, 
era a rainha. Claro, a Mecânica Clássica é muito boa até hoje para explicar as órbitas dos 
planetas e o voo de projéteis. Por isso, havia a expectativa de que, quando planetas e projéteis 
fossem reduzidos a átomos, explicações da Química seriam encontradas e o domínio de 
Newton passasse a abranger também a Química. O foco de Newton na manipulação 
alquímica, que se provou infrutífero, talvez fosse um sinal de que ele também pensava assim. 
No entanto, no final do século XIX e início do século XX, descobriu-se que essa redução de 
planetas e projéteis para átomos resultou no fracasso completo da Mecânica Clássica: mesmo 
os conceitos em que a mecânica de Newton se baseava desmoronaram quando aplicados aos 
átomos e seus constituintes. Eis os perigos da extrapolação desacautelada. 
Então, no início do século XX, nasceu uma nova Mecânica, que provou ser extremamente bem-
sucedida para explicar como os átomos e as partículas subatômicas funcionam. Até hoje essa 
teoria, a Mecânica Quântica, não foi superada em poder preditivo, nem em precisão numérica. 
Que ela permaneça em grande parte incompreensível é reconhecidamente uma deficiência 
perturbadora, mas, nas situações necessárias ao longo do curso, faremos o melhor para extrair 
dela o que é necessário para entender o comportamento dos átomos e, portanto, de toda a 
Química. Veremos que, quando os químicos agitam e fervem seus fluidos, estão persuadindo 
os átomos a se comportarem de acordo com as estranhas leis da Mecânica Quântica. 
A outra importação crucial da Física para a Química, neste caso, para explicar as propriedades 
do mundo macroscópico da matéria volumosa, é a Termodinâmica. A Termodinâmica é a 
ciência da energia e das transformações que ela pode sofrer. Surgiu em grande parte através 
da dependência da máquina a vapor na era vitoriana – ou seja, na segunda metade do século 
XIX, mais ou menos – para impulsionar as sociedades, tanto literal quanto economicamente. 
Porém, a Termodinâmica logo provou ser uma parte fundamental do tecido da Química. O 
tecido material de nossa disciplina são os átomos, mas as mudanças que eles sofrem estão 
sob o controle e sob o ímpeto da energia. Veremos que não apenas a energia é liberada 
quando um combustível queima – o que é um aspecto óbvio e útil, mas, também, primitivo 
do envolvimento da energia com a Química – mas também veremos que a Termodinâmica 
determina como os átomos se comportam em regra, quais estruturas podem formar, quais 
mudanças na organização eles podem sofrer, e a que taxa essas mudanças podem ocorrer. A 
energia, também, de uma maneira sutil, acaba sendo a força motriz da Química, no sentido 
de que as reações são impelidas por ela de uma maneira que veremos na aula 3. Nãodeve 
surpreender que a Termodinâmica desempenhe um papel tão central na Química, apesar de 
suas origens estarem na Engenharia. A energia, afinal, está intimamente enrolada na própria 
estrutura da Química. 
Enquanto a Química busca a Física para suas explicações e, através da Física, alcança a 
Matemática para sua formulação quantitativa, ela também busca a Biologia para muitas de 
suas aplicações mais extraordinárias. Isso não deveria surpreender, pois muito do que a 
Biologia estuda pode ser visto como uma forma elaborada de Química. Antes que os biólogos 
explodam de indignação com essa observação, que pode parecer tão válida quanto afirmar 
que a Sociologia é uma forma elaborada da Física de partículas, sejamos mais precisos. Os 
organismos são construídos a partir de átomos e moléculas, e essas estruturas são explicadas 
pela Química. Os organismos funcionam, isto é, estão vivos, em razão da complexa rede de 
reações que ocorrem dentro deles, e essas reações são explicadas pela Química. Os 
organismos se reproduzem fazendo uso de estruturas moleculares e de reações, que fazem 
parte da Química. Os organismos respondem ao seu ambiente, como por meio do olfato e da 
visão, por mudanças na estrutura molecular e, portanto, essas respostas – todos os nossos 
cinco ou mais sentidos – são elaborações da Química. Mesmo esse fenômeno 
hipermacroscópico, de evolução e origem das espécies, pode ser considerado como um 
elaborado desdobramento das consequências da Segunda Lei da Termodinâmica e, portanto, 
é um aspecto da Química. Alguns organismos, especialmente os seres humanos, fazem 
elucubrações sobre a natureza do mundo, e os processos mentais subjacentes e manifestados 
como tais elucubrações devem-se a elaboradas redes de reações químicas. Assim, a Biologia 
é, em muito, uma Química elaborada. Não é preciso que instalemos uma guerra com qualquer 
biólogo e nem vale a pena insistir nesse ponto de vista. Fiquemos apenas com a válida 
afirmação de que todas as estruturas, respostas e processos dos organismos são químicos. A 
Química, portanto, permeia a Biologia e contribuiu imensamente para nossa compreensão 
dos organismos. 
Nós elaboramos organismos socialmente, afinal, nós, humanos, construímos coisas, 
fabricamos artefatos. Nós extraímos as pedras da Terra, nós bombeamos os fluidos das 
profundezas, nós colhemos os gases dos céus e buscamos transformar toda essa matéria-
prima naquilo que nós desejarmos. A conversão dessas matérias-primas em substâncias que 
podem ser moldadas, marteladas, fiadas, coladas, comidas ou simplesmente queimadas faz 
parte da Química. Os químicos podem se afastar e permitir que moldadores moldem, 
martelos martelem, modeladores moldem e, em geral, fabricantes fabriquem, ou seja, que 
outros especialistas criem o artefato final, mas foram os químicos que forneceram a matéria-
prima, a infraestrutura de nossa sociedade tecnológica moderna e, com isso, contribuíram 
enormemente para as economias mundiais e para o comportamento de indivíduos e grupos. 
Como foi enfatizado lá na introdução desta aula, é claro que há máculas e cicatrizes em meio 
a toda essa perfeição de vitrine. A Química, certamente, contribuiu para a capacidade da 
humanidade de mutilar e de matar, e seria inapropriado neste levantamento do que é a 
Química varrer para baixo do tapete de suas páginas seu fornecimento de explosivos, de 
agentes nervosos e tóxicos, assim como suas imposições acidentais e intencionais sobre 
nossos frágeis ambientes na Terra. Vamos confrontar essas questões ao longo do curso, mas, 
neste estágio, para enfatizar a importância do julgamento pessoal, convido você a eliminar 
todas as contribuições da Química para o mundo moderno, o que o levará de volta à dolorosa, 
perigosa, desconfortável e aspiracionalmente restrita era da Idade da Pedra. Ali, você pode, 
finalmente, perguntar-se se a escuridão atual supera a luz. 
AS DIVISÕES DA QUÍMICA 
O alcance da Química, então, é tão grande que não só a disciplina, mas mesmo esta pequena 
introdução a ela, já seria um gigante incompreensível se não buscássemos algum tipo de 
padrão ou estrutura interna para a Química. Os químicos desenvolveram uma organização 
que os ajuda a realizar suas atividades, a reunir-se com colegas com ideias semelhantes em 
congressos e eventos acadêmicos, a desenvolver seus procedimentos e padrões tal como 
países desenvolvem suas políticas e suas economias. Porém, ao contrário da maioria dos 
estados, as fronteiras entre as áreas da Química são borradas, não muito bem definidas e, 
muitas vezes, avanços impressionantes são feitos onde duas culturas se sobrepõem, criando, 
ali, uma nova área, independente das vizinhas. Esse é especialmente o caso quando a 
disciplina é tão grande e amadurecida quanto é a Química atualmente. Nessas disciplinas, 
cada domínio de atividade é intensamente explorado e, assim como na arte, a inspiração 
costuma vir de forma mais frutífera em fronteiras férteis sobrepostas e nas fronteiras onde a 
Química se sobrepõe a outras disciplinas. 
Para nossos propósitos, e para entender a estrutura geral da Química exposta nesta 
introdução, é útil conhecer sua divisão em vários ramos e áreas e, com isso, poder ver em 
termos amplos suas principais preocupações. As divisões da Química se refletem nas formas 
de organização dos Institutos de Química das universidades, dos cursos e das revistas 
acadêmicas onde suas descobertas são relatadas; por isso, descrever essas áreas é um 
componente importante de qualquer guia para principiantes na disciplina. Porém, é preciso 
observar que essas fronteiras tanto intelectuais quanto departamentais estão derretendo. 
A divisão da Química mais ampla, mais importante e convencional, e ainda amplamente 
observada, é em seus ramos físico, orgânico e inorgânico. A Físico-Química está na interface 
da Física e da Química (daí seu nome). Ela lida com os princípios da Química que, como nós 
vimos, empregam um tanto da Mecânica Quântica para explicar as estruturas dos átomos e 
moléculas, e outro tanto da Termodinâmica para avaliar o papel e a atuação da energia. A 
Físico-Química também se preocupa com as velocidades com as quais as reações ocorrem, 
tanto no nível macroscópico quanto no microscópico. Neste último, procura seguir a vida de 
moléculas isoladas à medida que são desmembradas e depois reconstituídas como 
substâncias diferentes em reações. Uma atividade importante da Físico-Química é sua 
contribuição para a interpretação de técnicas investigativas, especialmente a espectroscopia. 
Como veremos na aula 5, a espectroscopia usa vários tipos de luz para trazer informações de 
dentro das moléculas para os olhos do observador, mas, cada vez mais, olhos artificiais, 
ligados a computadores. Tal é a sofisticação atual dessas técnicas que os físico-químicos 
devem trazer todo o seu arsenal, particularmente a Mecânica Quântica, para ajudar na 
interpretação dos dados. De fato, as atividades dos químicos e da Física neste domínio são 
tão confusas que o nome Físico-Química muitas vezes se opõe à Químico-Física para alguns 
que estudam o comportamento de moléculas isoladas; porém, a Químico-Física tem uma 
abordagem que se aproxima daquela de um físico. 
A Química Orgânica é a parte da Química que se preocupa com os compostos de carbono. É 
isso mesmo: enquanto o elemento oganessônio, de que falamos há pouco, é essencialmente 
inútil, o carbono, que é só outro desses elementos, pode justificar uma divisão inteira da 
Química. Ajuda nisso o fato de o carbono estar mais ao meio da sua linha na Tabela Periódica. 
A Tabela, aliás, é uma espécie de mapa químico das propriedades químicas dos elementos. 
Mas nos interessa o carbono. Trata-se de um elemento bastante indiferente às ligações de 
que participa. Em particular, ele se contenta em ligar-se a si mesmo. Como resultado de seu 
caráter mediano, não extremo, não agressivo, é capaz de formar cadeias e anéisde 
complexidade surpreendente. Mas complexidade surpreendente é exatamente o que os 
organismos precisam para serem considerados vivos. Não à toa, os compostos de carbono 
são a base estrutural e reativa da vida. Tão extensos são os compostos de carbono, 
atualmente na casa dos milhões, que não é de surpreender que todo um ramo da Química 
tenha evoluído para seu estudo e, para isso, desenvolvido técnicas especiais, sistemas de 
nomenclatura e ações bem específicas. 
Mas por que Química “Orgânica”? É que tal é a complexidade das moléculas para as quais o 
carbono contribui (salvo exceções como o simples dióxido de carbono), que originalmente se 
pensava que somente a natureza poderia formá-las. Ou seja, de acordo com essa visão 
“vitalista”, eles são produtos de organismos vivos. O início do fim do vitalismo foi em 1828, 
quando foi demonstrado que um mineral simples poderia ser convertido em um composto 
“orgânico” característico (no caso, obteve-se ureia). Embora a disputa tenha durado algum 
tempo, desde então, o “orgânico” da Química Orgânica tem sido um arcaísmo; mas arcaísmos 
convenientes são difíceis de se aposentar. Então, o termo sobrevive, mas, agora, na Química, 
“composto orgânico” significa somente “composto de carbono”, com poucas exceções. 
Isso deixa de fora todo o resto dos elementos, os cem ou mais elementos além do carbono. 
Seu estudo é o domínio da Química Inorgânica. Como pode se suspeitar sobre um ramo de 
um assunto que lida com mais de 100 elementos com personalidades muito diferentes, a 
Química Inorgânica é um campo de estudo vital para a Química, porém, bem amplo. Esse 
gigantismo é parcialmente controlado pela adoção de várias subdivisões da área. Uma 
subdivisão importante é a Química do Estado Sólido, cujo objeto de estudo são os sólidos 
inorgânicos, como os materiais que atuam como supercondutores e os semicondutores que 
tornaram a computação universal viável. É difícil resistir à analogia entre a Química Inorgânica 
e uma orquestra de cem músicos, com o químico maestro-compositor desenhando sinfonias 
de combinações ordenando os instrumentos de acordo. 
O carbono não é seguro aos olhos de um químico inorgânico a varrer a Tabela Periódica. 
Alguns dos compostos mais simples de carbono, como o dióxido de carbono que 
mencionamos, o assassino gás monóxido de carbono, assim como o giz e o calcário que 
formam nossas paisagens, são prontamente liberados pelos químicos orgânicos de seu 
domínio, como sendo de pouco interesse para eles. Por convenção, são considerados 
compostos inorgânicos. Porém, na fronteira entre essas divisões da Química, estão 
compostos que são conjuntos complexos de átomos de carbono, mas incluem, ainda, átomos 
de vários metais. Vários desses compostos são catalisadores essenciais na indústria química; 
alguns são cruciais para o funcionamento dos organismos. Aqui reside o campo interdivisional 
da Química Organometálica, que, na melhor das hipóteses, representa uma colaboração 
altamente frutífera entre químicos orgânicos e inorgânicos. 
INTEGRAÇÃO DA QUÍMICA COM OUTRAS DISCIPLINAS 
Essas são as três divisões principais da Química. Essa lista, de forma alguma, esgota todas as 
maneiras pelas quais os químicos dividem seu assunto para uma melhor abordagem, mas 
todos os outros jeitos de dividir o campo extraem técnica, conceito e inspiração dessas três 
áreas em proporções variadas, e temperam sua mistura com aspectos de outras disciplinas. 
Seria um grande empreendimento listar todas essas áreas adicionais, mas é apropriado estar 
ciente das mais importantes delas. 
A Química Analítica é a descendente moderna da antiga busca por descobrir o que está lá. O 
que está presente em um mineral? Pode haver ouro ou é háfnio? O que está presente no 
petróleo bruto? O que está presente nele além dos hidrocarbonetos brutos? Aliás, quais 
hidrocarbonetos estão lá? O que é esse composto que você fez? Você pode deduzir os 
arranjos de seus átomos? Todas essas são perguntas que os químicos analíticos podem tentar 
responder. Apesar de tubos de ensaio, béqueres e balões ainda figurarem em suas 
abordagens, muitas de suas investigações são agora realizadas em máquinas sofisticadas, 
algumas das quais usam espectroscopia e outras técnicas desenvolvidas por químicos 
inorgânicos e físico-químicos. Exploraremos essas técnicas na aula 4. Da Química Analítica 
deriva a Química Forense, na qual as técnicas analíticas são usadas para fins legais, para 
rastrear ou afastar suspeitos e analisar as cenas de crimes. 
A Bioquímica é a contradoação da Química Orgânica à Biologia, ainda que, às vezes, com uma 
pitada de Química Inorgânica. A Bioquímica está inteiramente preocupada com as estruturas 
e as reações que constituem os seres vivos, resolvendo os caminhos metabólicos que 
transformam o alimento em ação (incluindo aquela ação confinada ao cérebro, o 
pensamento). Os organismos ainda são um reservatório extremamente importante de 
moléculas orgânicas, pois a natureza teve bilhões de anos para explorar nichos estruturais. 
Os bioquímicos desempenham um papel central tanto na descoberta do que está lá quanto 
na descoberta de como as coisas são feitas pelas abelhas operárias dos organismos, proteínas 
que chamamos de enzimas. Uma preocupação antropocêntrica, mas importante, sobre a 
extinção de espécies é que ela elimina fontes de moléculas complexas que levaram milhões 
de anos para surgir. 
O nome da Química Industrial fala por si. Aqui, o químico encontra o engenheiro, e as reações 
estabelecidas em tubos de ensaio e seus parentes são dimensionadas para um tamanho 
enorme e tornam-se adequadas para contribuir para o comércio. Os químicos industriais 
contribuem enormemente para a economia e para o comércio entre as nações. Por exemplo, 
no Reino Unido, os produtos químicos contribuem com 20% para o produto interno bruto. 
Nos Estados Unidos, mais de 96% de todos os produtos manufaturados são diretamente 
afetados pela Química. Tais números relativos a produtos químicos manufaturados não 
devem ser desprezados. Aliás, não devem ser desprezados quase literalmente. Uma das 
principais preocupações da Química Industrial atual é a Química Verde, que tem a intenção 
de minimizar o desperdício, fazendo crescer a economia ao mesmo tempo em que minimiza 
o impacto no ambiente, o que aumenta a aceitabilidade e a sustentabilidade química. 
A CONTRIBUIÇÃO DA QUÍMICA PARA OUTRAS DISCIPLINAS 
A Química deve muito às disciplinas que a cercam no cenário intelectual, mas estas mesmas 
disciplinas também devem à Química. A Física tem dívidas, particularmente no campo da 
Eletrônica e, cada vez mais, da Fotônica, que trata do uso da luz em vez de elétrons para 
transmitir informações e para manipular dados. São químicos que criam os semicondutores 
sem os quais a computação ficaria confinada à escala industrial da qual ela emergiu. Também 
são químicos que elaboram os vidros usados nas fibras ópticas, sem os quais a transferência 
de informações seria prejudicada. 
A Biologia tem uma enorme dívida com a Química, especialmente desde o surgimento da 
Biologia Molecular, nascida em grande parte da identificação da estrutura do DNA e de sua 
interpretação como portadora da informação genética de geração em geração. Quase não é 
exagero dizer que a Biologia passou a fazer parte das ciências físicas depois que o componente 
químico de sua principal característica, a reprodução, foi identificado. A Biologia Molecular é 
realmente uma vertente da Química, e a atual maturidade da Química permitiu que a Biologia 
se tornasse tão viva como nunca antes. A colaboração da Biologia e da Química que 
chamamos de Química Medicinal é uma das grandes e indiscutivelmente acolhidas 
contribuições da Química para a sociedade. 
A sociedade também tem com a Química outra grande dívida, pois, como dissemos no início 
desta aula, a sociedade emprega as contribuições materiais da Química em todos os lugares:na Medicina, na agricultura, na comunicação, no transporte e em todas as formas de 
construção, fabricação e decoração. Nós, pessoalmente, também temos uma dívida com a 
Química, pois, como também falamos lá no início, a Química também nos dá um olho interior 
para aproveitar o mundo. Tudo isso decorre de uma compreensão da Química, essa ciência 
que vamos começar a desvendar ao longo das próximas aulas.

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