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TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar o princípio de funcionamento e circuito equivalente de trans- formadores monofásicos. > Explicar o papel dos transformadores trifásicos e sua respectiva operação. > Determinar o carregamento admissível de transformadores. Introdução Os transformadores de potência são dispositivos elétricos estáticos — ou seja, não possuem partes móveis — que têm por objetivo converter os níveis de tensão por meio da ação de um campo magnético. Eles desempenham um papel fundamental nos sistemas de distribuição tanto no suprimento de média quanto no de baixa tensão. Para suprimentos de rede de média tensão, utilizam-se transformadores trifásicos; para os de baixa tensão, os monofásicos. Neste capítulo, você vai estudar as características de cada um dos trans- formadores de potência, identificando seu funcionamento e sua aplicação. Transformadores monofásicos Um transformador monofásico (Figura 1) basicamente tem dois enrolamentos — um primário e o outro secundário — em torno de um núcleo ferromagné- tico comum que aumentará a capacidade de transmissão do primário para o secundário, melhorando, assim, a condição de transformação de energia. Transformadores de potência Raquel Lívia Nascimento Rodrigues Figura 1. Esquema de um transformador monofásico. Fonte: Adaptada de Bissoli (c2013). Núcleo ferromagnético Tensão elétrica recebida Tensão elétrica fornecida Os transformadores são eletricamente isolados, pois não há conexão elé- trica entre os enrolamentos primários e secundários. O que induz a tensão do primário no secundário é um campo eletromagnético. Se o campo magnético fosse constante, não existiria a transmissão do primário para o secundário. O que faz essa transmissão — ou indução de tensão — acontecer é a variação do campo magnético, por isso o transformador nunca será conectado a uma corrente contínua, mas sempre a uma corrente alternada. A tensão será aplicada no enrolamento primário; no enrolamento secun- dário será conectada a carga. Assim, é necessário que o material tenha baixa relutância magnética para a redução das perdas por correntes de Foucault: Assume-se como, hipótese simplificativa, que a resistência ôhmica dos rolamentos é nula, que o núcleo de ferro é ideal, não apresentando perdas no ferro, histerese e Foucault, com fluxo de dispersão nulo, isto é, todo o fluxo produzido no enro- lamento primário concatena-se com o enrolamento secundário (KAGAN; BARIONI; ROBBA, 2010, p. 113) Em consequência da aplicação de uma tensão alternada no enrolamento primário e da formação de um fluxo magnético no núcleo, circulará uma corrente a vazio I0. Assim, através da Lei de Ampère, uma vez que a tensão é variável no tempo, a corrente também será variável: Hl = N1I0 Transformadores de potência2 onde: � H: intensidade do campo; � l: comprimento do circuito magnético; � N1I0: força magnetomotriz. (f.m.m.); � N1: número de espiras do primário. A força magnetomotriz é o que impulsionará o fluxo magnético (φ) pelo núcleo, que será limitado pela relutância (Re). Uma vez que a corrente é variável no tempo, o fluxo magnético também será. Assim, a lei de Ampère pode ser reescrita na seguinte equação: Re φ = N1I0 O fluxo magnético produzido nos enrolamentos gera força eletromotriz (f.e.m.), que deve ser igual à tensão aplicada. No enrolamento secundário, o fluxo magnético produz uma tensão que varia com o tempo, ou seja, os enrolamentos primários e secundários têm a mesma frequência, mas valo- res eficazes diferentes na relação do número de espiras que compõem os enrolamentos. Para tal análise, tem-se a chamada razão de transformação, onde N1 é o número de espiras do enrolamento primário e N2 o número de espiras do enrolamento secundário. 1 2 = 1 2 Se N1 for maior que N2, o transformador terá a função de abaixar a tensão; se N2 for maior que N1, ele será um elevador da tensão. Circuito equivalente Até aqui você aprendeu o funcionamento de um transformador, desconsi- derando as possíveis perdas entre o enrolamento primário e o secundário. Agora, você verá as perdas envolvidas, que dependem, dentre outros fatores, da densidade do fluxo magnético no núcleo. Um circuito elétrico equivalente de um transformador é a maneira de representar as perdas do material ferro- magnético que compõe o núcleo entre os enrolamentos. Essas perdas podem ser de duas formas, por histerese ou por correntes parasitas de Foucault. Transformadores de potência 3 Histerese: em função da própria histerese do material ferromagnético do núcleo, que se equaciona da seguinte forma: PH = ƞ f Vol Bn máx onde: � ƞ: coeficiente de Steinmetz, que depende do material do núcleo; � f: frequência de alimentação; � Vol: volume do núcleo do material ferromagnético; � Bmáx: densidade de indução máxima no núcleo do material ferromagnético. As perdas são proporcionais à frequência da tensão que será aplicada ao transformador, à metalurgia do material, ou mesmo ao seu coeficiente de Steinmetz (segundo a Lei de Steinmetz) e à densidade do fluxo magnético. Perdas de Foucault: também são chamadas de correntes de fuga. Para determi- nar essas perdas, aplica-se um ensaio de vazio ou um ensaio de curto-circuito. No ensaio de vazio, como o próprio nome diz, o transformador é submetido a um ensaio sem cargas, e o objetivo é analisar as perdas no núcleo, despre- zando as perdas e dispersões dos enrolamentos e fluxos, respectivamente. Nesse ensaio, aplica-se uma tensão no enrolamento primário que, nesse caso, será o lado de baixa tensão. No enrolamento secundário não haverá circulação de corrente. No enrolamento primário, a corrente terá um valor tão baixo que será possível apenas a magnetização do núcleo do transformador, assim são medidos os valores da tensão aplicada, das perdas do núcleo e da corrente a vazio. Já no ensaio de curto-circuito, a finalidade é determinar a queda da tensão interna do transformador, bem como as perdas por efeito Joule, desconside- rando as perdas no núcleo. Nesse caso, a tensão aplicada no enrolamento primário que está agora do lado da alta tensão faz com que circule corrente no enrolamento de baixa tensão. Esse procedimento permite o cálculo da impedância percentual (Zeq) do transformador, que se dá pela resistência equivalente (Req) e a reatância (Xeq) equivalente: eq = eq 2 − eq 2 Transformadores de potência4 Observe, na Figura 2, a seguir, as duas formas de representação de um transformador segundo a ABNT. Primário PrimárioSecundário Secundário Figura 2. Representação do transformador. Fonte: Adaptada de Núcleo ATS Transformadores (c2021). Transformadores trifásicos Desde o sistema de geração até a transmissão e a distribuição de energia, utilizam-se normalmente, os sistemas de transformadores trifásicos. Eles são de dois tipos: os compostos pela ligação de três transformadores monofásicos, também chamados de banco trifásico, ou um transformador com um núcleo de três colunas monofásicas (núcleo trifásico). Um transformador trifásico trabalha com três fases, e seu núcleo é cons- tituído por chapas de liga metálica que possuem três colunas unidas por uma armadura. Em cada coluna estão localizados dois enrolamentos, um primário e outro secundário. Essa coluna servirá como núcleo para uma fase. Assim, cada transformador tem, no mínimo, seis enrolamentos, três primários e três secundários. Conforme Guedes (2004, p. 1): [...] nos transformadores trifásicos existe uma diferença de fase entre os fasores representativos da tensão no enrolamento primário e da tensão do enrolamento secundário. Este ângulo de diferença de fases depende da ligação dos enrola- mentos de cada um dos lados do transformador e da forma como é construído o enrolamento. Existem três tipos de conexões possíveis em um transformador trifásico: triângulo (Δ), estrela (Y) e zigue-zague (Z). As conexões em Y e em Δ são executadas tanto no enrolamento primárioquanto no secundário. É possível realizar também as seguintes combinações: Transformadores de potência 5 � triângulo no primário e triângulo no secundário (Δ/Δ); � estrela no primário e estrela no secundário (Y/Y); � triângulo no primário e estrela no secundário (Δ/Y); � estrela no primário e triângulo no secundário (Y/Δ). Cada conexão tem características específicas que determinam o uso mais adequado de acordo com a aplicação. A ligação em estrela se dá quando cada um dos enrolamentos de fase tem, unidos em um ponto em comum, os terminais homólogos, ao mesmo tempo em que os outros terminais estão ligados em terminais de linha. Essa ligação é interessante porque possibilita o aterramento em um dos terminais. Outro aspecto importante é o fato de essa ligação se apresentar muito favorável em altas tensões e baixas correntes. A relação de transformação é definida entre as tensões das linhas do enrolamento primário e secundário. Para as conexões em Y, alguns termos são importantes para maior en- tendimento, como: � tensão de fase — tensão entre uma fase e um neutro; � tensão de linha — tensão entre duas fases. Estabelecidos os conceitos, pode-se equacionar da seguinte forma as tensões: = √3 = √3 � corrente de linha — percorre as linhas do sistema; � corrente de fase — percorre cada fase da carga, ou seja, os enrolamentos do transformador. Para as conexões em Y, ambas as correntes serão iguais. Il = If Transformadores de potência6 Ligações entre as conexões Ligação Y/Y Essa conexão é mais indicada para sistemas de alta tensão e tem como uma das vantagens o fato de o número de espiras necessário do enrolamento ser menor. No entanto, segundo Novais (2019), esse tipo de ligação tem como des- vantagem a incapacidade de fornecer uma alimentação trifásica caso ocorra uma falta em uma das fases do transformador. Em caso de ausência de uma fase de qualquer um dos lados, as duas restantes operam com 1 √3 da potência que operava de forma trifásica, agindo como transformador monofásico. A relação de transformação e corrente se dá, respectivamente, pelas equações a seguir: = , , = , , = 1 onde: � RT: a regulação da tensão; � a: relação de espira. Ligação Y/Δ Essa ligação é mais empregada como transformador abaixador em subes- tações, pois recebe altas tensões e as converte para tensões em nível de distribuição. Tem como vantagem a redução dos custos e como desvantagem a ausência do neutro no secundário para aterramento. Transformadores de potência 7 A seguir, a relação de transformação e corrente de um transformador ligado em Y/Δ: = l,Y l,Δ = √3 = 3 , , = √3 = 1 √3 Ligação Δ/Y Essa ligação é mais empregada como transformador elevador em subestações. O lado em triângulo é o de menor tensão; o lado em estrela, o de maior tensão, o que proporciona uma economia no isolamento. Como vantagem, quando ocorre um desequilíbrio em uma das fases, não há desequilíbrio nas demais. Como desvantagem há o fato de que o transformador se torna inoperante quando há ausência de uma das fases. As relações de transformação e corrente são equacionadas a seguir: = ,Δ , = √3 = √3 ,Δ , = √3 = √3 Lei de Faraday, ou lei da indução magnética: no século XIX, Michael Faraday, por meio de diversos experimentos, relacionou variações em campos magnéticos com indução de corrente elétrica, relacionando a variação de campo com força eletromotriz induzida: = − ∅ (A1) A partir dos experimentos, Faraday estabeleceu que um campo magnético variável induz um campo elétrico. A relação entre a diferença de potencial e a variação do campo magnético se dá por: Transformadores de potência8 = ∫ ∙ ∙ = − (A2) Sua forma diferencial: ∇ × = − (A3) Carregamento admissível de transformadores Veremos, a seguir, o carregamento limite de um transformador para que as temperaturas no seu interior não excedam os valores previamente estabele- cidos. Isso é necessário porque possibilita verificar com um grau de precisão a substituição das unidades e estimar a perda de vida útil. Para a temperatura máxima alcançada nos enrolamentos dentro do trans- formador existe um gradiente de temperatura, chamado de ponto quente, em que a temperatura é máxima — até o ponto de não danificar o isolamento. Para estimar a perda de vida útil diária em transformadores em função da temperatura do ponto quente, dá-se a seguinte equação: log10 [ ]% 100 × ℎ = − 6.972,15 273 + ℎ Esta é a equação estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, onde: � A: 14,133 para transformadores de 55°C e 13,391 para transformadores de 65°C; � PV%: perda de vida do transformador, em porcentagem; � h: tempo durante o qual o transformador operou com temperatura τh; � τh: temperatura do ponto quente, em °C, que é mantida constante durante o tempo h. Transformadores de potência 9 Os valores de 55 e 65°C são valores preestabelecidos pela NBR 5416/1981 para transformadores operando a plena carga. O gráfico da Figura 3 apresenta a curva que relaciona a perda de vida horária em função da temperatura em ponto quente. O traço contínuo representa PV segundo a ABNT. Figura 3. Perda horária em função da temperatura em ponto quente. Fonte: Adaptada de Kagan, Barioni e Robba (2010). 1.000 100 10 Temperatura ponto quente (C) Pe rd a de v id a ho rá ria (% ) 1,00E–08 1,00E–07 1,00E–06 1,00E–05 1,00E–04 1,00E–03 1,00E–02 1,00E–01 1,00E+00 Qual deverá ser a temperatura do ponto quente de um transformador de classe 55°C para que sua vida útil seja de 20 anos, de acordo com a ABNT? Considere carga e temperatura constantes. Transformadores de potência10 Resolução Dados: � PV%: 100 � 365 dias = 8.760 horas × 20 anos = 175.200 horas, logo: log10 [ [ ] ]1 ℎ = − 6.972,15 273 + ℎ log10 1 ℎ = 14,133 − 6.972,15 273 + ℎ = 106,39°C Transformadores de potência são, basicamente, máquinas elétricas que operam em CA e que convertem as tensões, elevando ou abaixando-as por meio da ação de um campo magnético. Vimos, neste breve estudo, que existem dois tipos de transformado- res: os monofásicos e os trifásicos. Os monofásicos são mais utilizados em equipamentos que dependem de tensões de pequenas escalas, como em eletrodomésticos que serão utilizados em lugares onde as tensões variam. Já os transformadores trifásicos são usados nas redes de transmissão e distribuição de energia e em máquinas de grande porte. A diferença entre eles é basicamente a capacidade de transformação, ou potência aparente. Ao longo da história, muito progresso se fez no desenvolvimento, na transmissão e na distribuição de energia elétrica. Conhecer os elementos que compõem esses sistemas é de suma importância para a real compreensão dos processos físicos envolvidos. Referências BISSOLI, A. Transformador monofásico. c2012. Disponível em: http://eletercidade. blogspot.com/2012/10/transformador-monofasico.html. Acesso em: 5 out. 2021. GUEDES, M. V. Transformadores: ligações e esfasamentos. 2004. Disponível em: https:// paginas.fe.up.pt/maquel/AD/TRtri_indicehora.pdf. Acesso em: 5 out. 2021. KAGAN, N.; BARIONI, C. C.; ROBBA, E. J. Introdução aos sistemas de distribuição de energia elétrica. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2010. NOVAIS, I. F. Modelagem de transformadores de potência para estudos no domínio da frequência. 2019. 117 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) — Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2019. NÚCLEO ATS TRANSFORMADORES. Transformador isolador de baixa tensão. c2021. Dis- ponível em: https://nucleoats.ind.br/transformador-isolador/. Acesso em: 5 out. 2021. Transformadores de potência 11 Leituras recomendadas BORELLI, R.; GEDRA, R. L.; BARROS B. F. Geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica. São Paulo: Érica, 2014. OLIVEIRA, J. C.; COGO, J. R.; ABREU, J. P. G. Transformadores, teoria e ensaios. São Paulo: Blucher,1984. PINTO, M. O. Energia elétrica: geração, transmissão e sistemas interligados. Rio de Janeiro: LTC, 2014. 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