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DIREITO PENAL III Magnum Eltz Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os crimes contra o sentimento religioso. Descrever os delitos contra o respeito aos mortos. Analisar a jurisprudência dos tribunais superiores acerca dos crimes contra sentimento religioso e respeito aos mortos. Introdução Os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos visam proteger o elemento espiritual do cidadão e o direito à expressão da sua crença, havendo preocupação do Direito na tutela desse bem jurídico desde a Antiguidade. Neste capítulo, você vai ler sobre os crimes contra o sentimento re- ligioso, perturbação de ritos fúnebres, incolumidade dos corpos dos mortos e de suas sepulturas, bem como do conflito do bem jurídico religião com a preservação do bem-estar animal. Crimes contra o sentimento religioso A religião é o culto ou a veneração a um ou mais deuses ou divindades. Ao redor do mundo, podemos identifi car uma riqueza incrível de cultos, dos mais antigos aos mais recentes, destacando-se na atualidade: hinduísmo; islamismo; budismo; taoísmo; xintoísmo; cristianismo. Mesmo antes da civilização, há indícios de veneração a objetos, elementos da natureza ou fenômenos naturais a partir da criação de locais ritualísticos, cerâmica e outros ídolos de natureza arqueológica. Podemos afirmar, portanto, que, mesmo que hoje haja uma forte secula- rização do Estado, há, sem dúvida, uma conexão importante entre a própria natureza humana e o desenvolvimento da religião como parte, inclusive da formação da civilização, das atuais leis e da própria noção de Estado, como conformaram-se impérios ligados a religiões específicas — como Suméria, Egito, Grécia helenística e Roma — muito antes da unificação ocidental a partir do cristianismo. Não é por acaso que cultos, manifestações e objetos religiosos, ao mesmo tempo, sempre foram protegidos pelo Direito. Conforme Prado (2017, p. 194), “[...] a religião dos tempos primitivos tinha estreita relação com o conceito de Estado”. O crime cometido contra a religião, portanto, conforme o autor, confundia-se com o crime praticado contra o Estado. Em Roma, as coisas sagradas possuíam status idêntico às coisas públicas, sendo o seu desrespeito punido a título de crimen laseser majestatis. O sistema imperial romano tinha um sistema de tolerância em relação à cultura dos povos conquistados e, da mesma forma, agia com sua religião, havendo tolerância aos cultos estrangeiros, uma vez que, segundo Prado (2017, p. 195), “[...] o politeísmo não excluía a existência de outras divindades”. No entanto, não deixou de reprimir, com especial força, os atos cometidos contra as coisas religiosas e sacerdotes ou crimes inerentes a algum rito público, uma vez que era a cultura imperial à época. A evolução da Roma politeísta para a Roma cristã e a propagação da fé católica pela Europa, influenciando um novo Direito Canônico medie- val, trouxeram laços ainda mais estreitos entre o Estado e a Igreja. Isso demonstrou a grande influência da religião na vida desse tempo, sendo motivador de diversas Guerras Santas em tempos de exclusividade da religião católica no continente europeu e da chegada do islamismo como a verdadeira religião no Oriente Médio, norte da África e Península Ibérica (região posteriormente cristianizada após a Reconquista). Esse cenário somente mudou com o advento do Iluminismo e da Revolução Francesa, Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos2 que consagrariam então a liberdade de crença e tolerância a todas as formas de religião ou mesmo ao ateísmo (ausência de religião) entre os cidadãos do Estado moderno. A partir dessa perspectiva, o legislador penal deixou de incriminar fatos atentatórios contra determinados objetos e ritos, mas passou a tutelar a pró- pria “[...] liberdade individual em matéria religiosa” (PRADO, 2017, p. 196). Entendeu-se, nesse período, que a lei penal apenas seria justificável quando aplicada para assegurar a liberdade religiosa, à exceção dos ritos que colidissem com a paz social ou a moralidade pública. No Brasil, as Ordenações Afonsinas, de 1446, fortemente influenciadas pelo Direito Canônico, traziam crimes como heresia, blasfêmia e renegação de Deus, dos santos e de Santa Maria. As penas previstas para esses crimes variavam de acordo com a condição social do réu e o ser divino ofendido, conforme Prado (2017, p. 197), “[...] sendo as mais austeras impostas para as classes menos favorecidas, como o açoite e a perfuração da língua com uma agulha”. A tendência iluminista influenciou a legislação de forma incipiente no Código Criminal do Império de 1830, que deixou de cuidar desses crimes de violação conta a religião, porém ainda não era a liberdade de religião o foco da tutela penal, mas o “[...] resguardo da religião oficial do Estado” (PRADO, 2017, p. 198). Foi o Código Penal Republicano de 1890 que abandonou essa fórmula para passar a proteger a liberdade de religião. Com a promulgação do Código Penal de 1940, várias mudanças ocorreram a partir da reunião do conteúdo do Código Penal anterior em um único tipo penal sob o título único compartilhado com os crimes de respeito aos mortos. O legislador de 1940 justificou a unificação dos crimes contra o sentimento religioso e os crimes contra o respeito aos mortos por serem classificados como espécies do mesmo gênero, sendo incontestável a finalidade entre uns e outros. Afirma o legislador (BITTENCOURT, 2009, p. 406) que “[...] o sentimento religioso e o respeito aos mortos são valores ético-sociais que se assemelham. O tributo que se rende aos mortos tem um fundo religioso”. 3Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos No atual ordenamento jurídico, os crimes contra o sentimento religioso foram con- centrados na forma do crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo. Em paralelo à legislação penal, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) passou a garantir a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, e garantiu, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias, consagrando a universalização da liberdade religiosa no País. O crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo é considerado pela doutrina (NUCCI, 2016) como crime comum, uma vez que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo os sujeitos passivos a pessoa afetada e a coletividade (que se sentir diretamente atingida por afinidade religiosa); os objetos jurídicos são o sentimento religioso e a liberdade de culto e crença. Os objetos materiais são a pessoa, a cerimônia, o culto, o ato ou o objeto afetado. São elementos objetivos do tipo: escarnecer (zombar ou fazer troça) de alguém publicamente, motivado por crença ou religião; impedir (interromper ou obstar) ou perturbar (estorvar ou atrapalhar) cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar (humilhar, menoscabar ou desonrar) publicamente ato ou objeto de culto religioso. O elemento subjetivo específico do tipo é a vontade de denegrir determinada religião, investindo contra quem a segue, contra ato ou culto que a consagra ou contra objeto que a simboliza, encontrados, de forma implícita, nas condutas típicas. São elementos subjetivos do tipo o dolo ou a vontade de agir. Além disso, classifica-se como crime: comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo; Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos4 unissubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente conforme o caso. A tentativa é admissível na forma plurissubsistente (NUCCI, 2009). Trata-se de crime cumulativo, pois a prática de todas as condutas nele descritas implica em punição por três delitos em concurso.Consuma-se quando há a prática da conduta, independentemente de resultado naturalístico. A pena pode ser aumentada em caso de emprego de violência, respondendo o agente pelo resultado desta, além do aumento de um terço da pena. Crimes contra o respeito aos mortos Muitas são as formas de respeitar os mortos utilizadas ao longo da história, como enterro in natura, piras funerárias, pedras honrando a mãe terra ou desenvolvimento de palácios e monumentos para preservar os restos mortais de reis, imperadores, sacerdotes ou celebridades. Independentemente da cultura, no entanto, há um elemento comum que reúne os ritos fúnebres, que é a passagem de um ente querido para outra etapa ou forma de existência de acordo com a crença de cada um. Dessa forma, a memória daquele que deixa esta existência é preservada a partir do respeito de seus próximos, estes sujeitos de direitos tutelados pelo sistema penal. Os romanos, conforme Bittencourt (2009), puniam aqueles que violassem sepulturas desde o tempo dos imperadores. Essa tradição foi recepcionada pelo Direito Canônico medieval, que considerava os violadores como réus de quase sacrilégio, punível com a excomunhão. A profanação ou a subtração de cadáver eram punidas pelas leis bárbaras com a privação da paz. Conforme Prado (2017), a ausência de sepultamento e de ritos fúnebres era motivo de grandes inquietações entre os homens, chegando a ponto de se temer mais a falta desses procedimentos do que a própria morte. Nas cidades antigas, umas das penas mais temidas entre os réus era justamente a privação de sepultura, pois se acreditava que suas almas ficariam condenadas ao eterno suplício. Dessa forma, além do sepultamento ser indispensável para que a alma encontrasse a felicidade perpétua, era preciso que os vivos obedecessem determinados ritos tradicionais durante as cerimônias fúnebres. 5Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos No Brasil, as Ordenações do Reino e o Código de 1830 não previram qualquer penalidade para a perturbação de ritos ou incolumidade dos mortos, estando essas atividades ligadas aos crimes contra a religião. O Código de 1890 foi o primeiro a se preocupar com o tema ao contemplar a profanação de cadáver, sepulturas ou mausoléus como contravenção. Com o advento do Código Penal de 1940, foi criado então um capítulo autô- nomo dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos, do qual sobressaíram-se os tipos penais autônomos aplicáveis a qualquer religião. O crime de impedimento ou perturbação de cerimônia funerária, con- forme Nucci (2016), é crime comum, pois o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo o sujeito passivo a coletividade e aqueles que estiverem acom- panhando o ato. O objeto jurídico é o sentimento de respeito à memória dos que se foram, sendo objetos materiais o enterro ou a cerimônia funerária em si. São elementos objetivos do tipo impedir (interromper ou obstar) ou per- turbar (estorvar ou atrapalhar) enterro ou cerimônia funerária. É elemento subjetivo do tipo a vontade de ultrajar a memória do morto, implícita no tipo. Já o elemento subjetivo do crime é o dolo (intenção). Classifica-se como crime: comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo; unissubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente conforme o caso. A tentativa é admitida na forma plurissubsistente; sendo tipo penal al- ternativo, isto é, a prática das duas condutas previstas no tipo leva à confi- guração de um só delito. Consuma-se quando houver a prática da conduta, independentemente do resultado naturalístico. É aumentado em um terço se for empregada violência, concorrendo com o resultado desta (NUCCI, 2016). O próximo crime contra o respeito aos mortos, previsto na lei criminal de 1940, é o crime de violação de sepultura. Esse ato preocupa o Direito desde a Antiguidade, eis que, conforme Prado (2017, p. 219), para os “[...] gregos, fenícios e etruscos, o destino da alma estava estreitamente ligado à forma de sepultamento e ao tratamento fornecidos nas sepulturas após o enterro, uma vez que acreditavam que a alma continuaria a viver debaixo da terra depois dos ritos e cerimônias fúnebres”, inclusive sendo degolados escravos para que servissem aos seus senhores após a morte. Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos6 A sacralidade do sepulcro manteve-se em Roma, conforme Bittencourt (2009, p. 418), pois acreditava-se que seus mortos eram divindades, “[...] denominando-os deuses manes, concebendo as sepulturas como templos desses deuses”. Dessa forma, como as coisas religiosas, em geral, eram tratados como coisas públicas e, portanto, o seu definhamento era objeto de ação pública, embora a sanção fosse, na época, essencialmente pecuniária. O Direito Canônico absorveu a sacralidade romana dos túmulos, punindo os profanadores com penalidades devidas aos quase sacrilégios, sujeitando- -os à excomunhão. Posteriormente o chamado braço secular lhes aplicaria outras sanções. No Brasil, a exemplo dos demais tipos ligados à religiosidade, não havia uma previsão expressa sobre o desrespeito ao sepulcro, senão aos objetos religiosos como um todo nas Ordenações do Reino, passando-se a regrar a matéria a partir do Código Penal de 1890, dentro das contravenções em espécie (PRADO, 2017). Foi o Código Penal de 1940, no entanto, que criminalizou, de forma expressa, a profanação da sepultura em seu art. 210, junto com as figuras das urnas funerárias (BRASIL, 1940). Conforme Nucci (2016), o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo os sujeitos passivos a coletividade, em um primeiro momento, e a família do morto, em um segundo momento. O objeto jurídico é o sentimento de respeito à memória dos mortos; sendo objeto material a sepultura ou urna funerária. São elementos objetivos do tipo violar (devassar ou invadir) ou profanar (tratar com irreverência ou macular) sepultura ou urna funerária. É elemento do tipo específico a vontade (dolo) de ultrajar a memória do morto (profanar). Classifica-se como crime: comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo; unissubjetivo; plurissubsistente. 7Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos Admite-se a tentativa, tendo como peculiaridade ser um tipo alternativo, ou seja, a prática de suas condutas leva à configuração de um só delito (NUCCI, 2016). Consuma-se quando houver a prática da conduta, independentemente de resultado naturalístico. Na esteira dos crimes anteriores, encontra-se a destruição, subtração ou ocultação de cadáver, na qual o sentimento de respeito aos mortos, mais uma vez, perfaz o objeto jurídico protegido, uma vez que o de cujus não é mais sujeito de direitos, mas sim sua família e seus conhecidos (sociedade) remanescentes (BITTENCOURT, 2009). Nucci (2016) ensina que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sendo os sujeitos passivos a coletividade, em primeiro plano, e a família do morto, em segundo plano. O objeto jurídico é o respeito à memória dos mortos, enquanto o objeto material é o cadáver ou parte dele. São elementos objetivos do tipo a destruição (ruina ou aniquilação) e a subtração (fazer desaparecer ou retirar) ou ocultação (esconder) de cadáver ou parte dele. O elemento subjetivo do crime é o dolo. Classifica-se como (NUCCI, 2016): crime comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo ou permanente; unissubjetivo; plurissubsistente. Da mesma forma que os crimes anteriores — mesmo havendo preocupação com os restos mortais desde as civilizações mais antigas, com previsão de punição aos que roubavam cadáveres em Roma —, no Direito pátrio, não havia menções à atividade de forma específica nas Ordenações do Reino ou nos primeiros Códigos Penais, cabendo ao Código Penal de 1940 regrar a conduta de destruir, subtrair ou ocultar cadáveres como crime no âmbito nacional (PRADO, 2017). Consuma-se com a práticada conduta, independentemente de resultado naturalístico. Ainda na categoria de crimes contra o respeito aos mortos, citamos o chamado vilipêndio a cadáver, que, assim como os demais crimes desse tipo, não possuía tipo semelhante nas Ordenações do Reino e no Código do Império, sendo “[...] o Código Penal Republicano de 1890 o primeiro diploma a prever a matéria a partir da contravenção insculpida no art. 365” (PRADO, 2017, p. 239). Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos8 Conforme Prado (2017, p. 241), a respeito do bem jurídico tutelado, “[...] observe-se que não visa proteger a paz dos mortos, mas o sentimento que os vivos têm por eles”, cuidando-se, portanto, do respeito aos mortos e não de direitos próprios do de cujus. Conforme Nucci (2016), o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo os sujeitos passivos a coletividade, em primeiro plano, e a família do morto, em segundo plano. Tem como objeto jurídico o sentimento de respeito à memória dos mortos. Os objetos materiais são o corpo e a imagem do de cujus. É elemento objetivo do tipo vilipendiar (tratar com desrespeito) o cadáver ou suas cinzas. O elemento subjetivo do tipo é a vontade de ultrajar a memória do morto. Possui como elemento subjetivo do crime o dolo (NUCCI, 2016). Classifica- -se como crime: comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo; unissubjetivo; plurissubsistente. Admite-se a tentativa; sendo tipo alternativo, ou seja, a prática de duas condutas previstas leva à configuração de um só delito. Consuma-se quando houver a prática da conduta, independentemente de resultado naturalístico. Jurisprudência superior sobre os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos Recentemente, foi discutido o confl ito de duas normas conexas ao crime contra o sentimento religioso e sua colisão com o direito de preservação do meio ambiente e bem-estar dos animais, que suscitou ampla discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2019). Trata-se do uso de animais em sacrifícios religiosos. De um lado, encontra- -se o direito à expressão religiosa previsto na Constituição Federal de 1988, preservado no art. 208; de outro, está o crime de praticar ato de abuso, maus- -tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, qualificado pela morte do animal (§ 2º), previsto no art. 33 da 9Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes contra o meio ambiente, bem jurídico também tutelado pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988; 1998). A decisão do STF era em relação ao Recurso Especial 494601, referente à lei do Rio Grande do Sul, que permitia a prática de sacrifício e tratamentos cruéis aos animais em ritual, cultos e liturgias das religiões de matriz africana (Lei Estadual nº. 12.131, de 22 de julho de 2004) (BRASIL, 2019). Em seção do STF, o Ministro Alexandre de Moraes leu seu voto-vista pelo provimento parcial do recurso, conferindo à lei do Rio Grande do Sul interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 para “[...] declarar a constitucionalidade de todos os ritos religiosos que realizem a sacralização com abates de animais, afastando maus-tratos e tortura” (BRASIL, 2019, documento on-line). Ele acompanhou o voto do relator; no mesmo sentido votou o Ministro Gilmar Mendes. O Ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do Ministro Ed- son Fachin. Barroso afirmou que as sustentações orais contribuíram para o fornecimento de informações e para a melhor compreensão da matéria. Ele ressaltou que, “[...] de acordo com a tradição e as normas das religiões de matriz africana, não se admite nenhum tipo de crueldade com o animal e são empregados procedimentos e técnicas para que sua morte seja rápida e indolor” (BRASIL, 2019, documento on-line). Além disso, o ministro destacou que, como regra, o abate não produz desperdício de alimento, pois a proteína animal é servida como alimento tanto para os deuses como para os devotos e, muitas vezes, para as famílias de baixo poder aquisitivo localizadas no entorno dos terreiros ou das casas de culto. “Não se trata de sacrifício para fins de entretenimento, mas para fins de exercício de um direito fundamental que é a liberdade religiosa” (BRASIL, 2019, documento on-line). Dessa forma, ao resolver o conflito constitucional, esvazia-se o conteúdo do crime de morte de animais no âmbito dos rituais religiosos e reforça-se o crime do art. 208 do Código Penal em relação ao impedimento do uso desses animais, por se tratar de impedimento de manifestação religiosa dentro desse contexto (BRASIL, 1940). Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos10 BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti- tuicao.htm. Acesso em: 15 jul. 2019. BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, 31 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- -lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 15 jul. 2019. BRASIL. Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998. Disponível em: https://www2. camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9605-12-fevereiro-1998-365397-norma-pl.html. Acesso em: 15 jul. 2019. BRASIL. STF declara constitucionalidade de lei gaúcha que permite sacrifício de animais em rituais religiosos. Notícias do Superior Tribunal Federal, 2019. Disponível em: http:// www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=407159. Acesso em: 15 jul. 2019. NUCCI, G. S. Curso de Direito Penal. São Paulo: Editora Forense, 2016. PRADO, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Leituras recomendadas CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2015. FABRINI, R. N.; MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 2015. GRECO, R. Curso de Direito Penal. São Paulo: Impetus, 2016. NUCCI, G. S. Código Penal comentado. São Paulo: Editora Forense, 2016. ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELLI, J. H. Manual de Direito Penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 11Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos