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1
SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser
A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística
Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo-
mias gaúcha, nacional e internacional.
EDITOR
Maria Heloisa Lenz
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Lilia Pereira Sá
Trimestral
CONSELHO DE REDAÇÃO
Maria Heloisa Lenz
Maria Conceição Sá e Souza Schettert
Maria Lucrécia Calandro
Martinho Roberto Lazzari
Miriam De Toni
Teresinha da Silva Bello
CONSELHO EDITORIAL
Maria Heloisa Lenz
Álvaro Antônio Louzada Garcia
Maria Aparecida Grendene de Souza
Pedro Cezar Dutra Fonseca
Otília Beatriz K. Carrion
Dercio Garcia Munhoz
Leda Paulani
Maurício Coutinho
Luiz G. Belluzzo
Indicadores
Econômicos
 Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 33 n. 1 p. 1-340 2005
2
 INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried
 Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988) - . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . -
 v.-
 Trimestral
 Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988.
 Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1;
 1973-1990 em v. 19, n. 1;
 1973-1992 em v. 21, n. 4;
 1992-1994 em v. 23, n. 3.
 ISSN 0103-3905
 1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e
 Estatística Siegfried Emanuel Heuser.
 CDU 33(05)
 CDU 31(05)
Indicadores Econômicos FEE está indexada em:
Ulrich's International Periodicals Directory
Índice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE)
International Bibliography of The Social Sciences (IBSS)
Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE)
Cambridge Science Abstracts (CSA)
Hispanic American Periodicals Index (HAPI)
Tiragem: 530 exemplares.
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.
Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)
Revista Indicadores Econômicos FEE - Secretaria
Rua Duque de Caxias, 1691 - Porto Alegre, RS — CEP 90010-283
Fone: (51) 3216-9049 — Fax: (51) 3225-0006
E-mail: revistas@fee.tche.br
www.fee.rs.gov.br
3
Sumário
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas exter-
nas — André Moreira Cunha e Daniela Magalhães Prates ............
O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica —
Aod Cunha de Moraes Jr. .............................................................
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula — Clarisse
Chiappini Castilhos ........................................................................
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e
quarenta e sete empregos e políticas públicas: buscando avançar além
da conjuntura — Duilio de Avila Bêrni e Eduardo Grijó .................
A política macroeconômica do crescimento insustentável — Fabrício
Augusto de Oliveira e Paulo Nakatani ...........................................
A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da
esperança perdida a partir de uma proposição de política econômica
alternativa — Fernando Ferrari Filho ...............................................
Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento —
Flávio Benevett Fligenspan ..........................................................
A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de
mudança — José Luís Oreiro e Marcelo Passos ............................
Os lumes da razão e os milagres da Providência: a necessidade de
impor limites ao capital rentista — Luiz Paulo Ferreira Nogueról ....
Política econômica e crescimento sustentado: os resultados da pri-
meira metade do Governo Lula — Marcelo S. Portugal e Paulo
Chananeco F. de Barcellos Neto ......................................................
 5
41
55
 75
 99
 125
 135
 157
 169
 185
4
Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na
economia brasileira — Maurício Nunes e Sergio da Silva ..................
A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade da
retomada do crescimento — Paulo Gonzaga M. de Carvalho e
Carmem Aparecida Feijó .............................................................
Dois anos de Governo Lula: resultados e alternativas às políticas
econômicas adotadas — Ricardo Dathein .........................................
Por que o Brasil não volta a crescer como antes? Uma questão de
política econômica? — Roberto Camps Moraes .................................
Crescimento, desenvolvimento e cidadania — Rosa Maria Marques e
Áquilas Mendes ..............................................................................
A atual condução das negociações internacionais brasileiras —
Teresinha da Silva Bello ..................................................................
 215
 231
 253
 269
 293
 317
5
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
A política econômica do Governo Lula
 e o ajuste nas contas externas*
André Moreira Cunha** Professor do Departamento de Economia
 da Universidade Federal do Rio Grande
 do Sul e Pesquisador do CNPQ.
Daniela Magalhães Prates* ** Professora do Instituto de Economia
 da Universidade Estadual de Campinas.
Resumo
Desde 1999, com a desvalorização do real e a subseqüente implementação de
um regime de câmbio flexível associado ao arcabouço de metas de inflação e a
uma política fiscal bastante restritiva, a economia brasileira tem experimentado
um ajuste importante em suas contas externas. Este trabalho analisa tal processo
de ajustamento e seus limites. Sugere-se que a estratégia macroeconômica
baseada naquele tripé não é uma condição suficiente para promover o
crescimento sustentável com estabilidade no contexto de volatilidade da recente
onda de globalização financeira.
Palavras-chave
Economia brasileira; ajuste do balanço de pagamentos; globalização fi-
nanceira.
 * Versão atualizada em abril de 2005. Os autores agradecem os bolsistas de iniciação cientí-
 fica Guilherme Alexandre de Thomaz do CNPq-PIBIC, João Henrique Melo da Unicamp e
 Henrique Renck da UFRGS.
 **E-mail: amcunha@hotmail.com
***E-mail: daniprates@eco.unicamp.br
6 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
Abstract
Since 1999, with the Real devaluation, and the subsequent implementation of a
flexible exchange rate regime associated with an inflation targeting framework
and a very restrict fiscal policy, the brazilian economy has been experience an
important adjustment in his external accounts. This paper analyses that
adjustment process and its possible limits. We suggest that the macroeconomic
strategy based on that triad is not a sufficient condition to promote sustained
growth with stability, in a volatile context of the recent wave of financial
globalization.
Artigo recebido em 15 mar. 2005.
Introdução
Há mais de uma década, o debate sobre os rumos da economia brasileiraas intervenções foram poucas e limitadas. No final de 2004
e início de 2005, o Banco retornou à política de aquisições periódicas, tanto nos mercados
à vista quanto nos futuros. Assim, em janeiro de 2005, as reservas totais eram de US$ 54
bilhões, dos quais US$ 24 bilhões correspondiam a recursos do FMI. A política de recom-
posição de reservas elevou tais níveis para um pouco mais de US$ 30 bilhões no primeiro
trimestre de 2005. Ainda assim, tais níveis são bem menores que os de outras economias
emergentes, notadamente as asiáticas, cujas reservas conjuntas ultrapassam US$ 1,5
trilhão.
30 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
evitar a excessiva apreciação do real, por meio da redução dos diferenciais
entre as taxas doméstica e internacional de juros. Isto porque o desempenho
das economias periféricas é mais afetado pelo comportamento da taxa de câmbio.
Nesse sentido, as autoridades monetárias deveriam preocupar-se com a trajetória
dessa taxa e, assim, intervir no mercado cambial. Essa é a tendência observada
em vários países emergentes que também optaram por adotar o regime de câmbio
flexível, como a Tailândia, a República Checa e a Polônia (Corine; McCauley,
2003). Ademais, o aumento do estoque de divisas é fundamental para atenuar a
vulnerabilidade externa dessas economias, que não emitem moeda conversível
internacionalmente.
Evitando a apreciação do real, potencializar-se-ia o ajuste nos fluxos das
contas externas. Menos dependente da entrada de capitais de curto prazo, o
Governo poderia reduzir de forma mais intensa a taxa básica de juros, o que
permitiria sustentar, por um prazo mais largo, o crescimento da renda em
patamares mais elevados. Adicionalmente, seria reduzido o custo de
carregamento da dívida pública. Maior crescimento da renda e menor taxa de
carregamento implicariam redução da relação dívida/PIB. Reduzida a pressão
externa, ampliado o ritmo de crescimento do PIB e com um maior grau de
flexibilidade no plano fiscal, o Governo poderia atuar de forma mais ativa no
enfrentamento das carências sociais e de infra-estrutura que dificultam a retomada
de uma trajetória sustentável de desenvolvimento. É importante frisar que tal
opção não elimina o risco das crises financeiras. Todavia a experiência
internacional recente sugere que os países que lograram avançar na redução da
vulnerabilidade externa têm conseguido crescer mais e de forma mais estável.
31
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
Tabela 1 
Indicadores macroeconômicos básicos do Brasil — 1995-2004 
DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997 1998 
PIB (!% anual) .................................................... 4,2 2,7 3,3 0,1 
PIB per capita (!% anual) ................................... 2,8 1,2 1,9 -1,2 
Inflação (IPCA anual em %) ................................ 22,4 9,6 5,2 1,7 
Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA 
(% a.a. — média do período) .............................. 25,3 16,4 18,9 26,9 
Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo 
INPC-exportação (%) .......................................... (3)-8,7 (3)-3,7 0,0 1,9 
Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 9,0 9,9 10,2 11,7 
Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... 4,1 1,5 2,2 -1,8 
Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-0,3 0,1 1,0 0,0 
Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 7,5 5,8 5,2 7,5 
Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-
nal do período) .................................................... 29,3 32,0 33,2 37,8 
Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ -2,6 -3,0 -3,8 -4,2 
 
DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001 
PIB (!% anual) .................................................... 0,8 4,4 1,4 
PIB per capita (!% anual) ................................... -0,5 3,0 0,1 
Inflação (IPCA anual em %) ................................ 8,9 6,0 7,7 
Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA 
(% a.a. — média do período) .............................. 15,5 11,0 9,0 
Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo 
INPC-exportação (%) .......................................... 46,8 (3)-5,7 18,6 
Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 12,1 11,0 11,2 
Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... -3,9 -6,8 -7,1 
Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-3,2 (4)-3,5 (4)-3,6 
Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 9,0 7,1 7,2 
Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-
nal do período) .................................................... 49,1 49,3 51,6 
Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ -4,7 -4,0 -4,6 
(continua) 
Anexo
32 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
Tabela 1 
Indicadores macroeconômicos básicos do Brasil — 1995-2004 
DISCRIMINAÇÃO 2003
2004
(1) 
ERA FHC
(2) 
PIB (!% anual) .................................................... 0,5 4,9 2,3 
PIB per capita (!% anual) ................................... -0,9 3,4 0,9 
Inflação (IPCA anual em %) ................................ 9,3 7,6 9,3 
Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA 
(% a.a. — média do período) ............................... 13,2 8,1 16,2 
Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo 
INPC-exportação (%) .......................................... (3)-0,3 -2,5 6,8 
Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 12,7 11,8 10,9 
Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... -5,1 1,7 -2,4 
Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-4,3 (4)-4,6 (4) -2,2 
Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 9,3 7,3 7,2 
Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-
nal do período) .................................................... 58,7 51,8 (5)27,6 
Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ 0,8 1,9 -2,6 
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central (www.bcb.gov.br).
 IPEADATA (www.ipeadata.gov.br).
(1) Estimativas. (2) Período 1995-02. (3) Significa apreciação. (4) Significa superávit. 
(5) variação de ponta a ponta em pontos percentuais do PIB. 
33
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
Tabela 2 
Balanço de pagamentos do Brasil — 1999-04 
(US$ milhões) 
DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001 2002 2003 2004 
TRANSAÇÕES CORRENTES ..... -25 335 -24 225 -23 215 -7 637 4 177 11 669 
Balança comercial (FOB) ........... -1 199 -698 2 650 13 121 24 794 33 693 
Exportações .................................. 48 011 55 086 58 223 60 362 73 084 96 475 
Importações .................................. -49 210 -55 783 -55 572 -47 240 -48 283 -62 782 
Serviços e rendas ....................... -25 825 -25 048 -27 503 -23 148 -23 483 -25 293 
Transferências unilaterais cor-
rentes ........................................... 1 689 1 521 1 638 2 390 2 867 3 268 
CONTAS CAPITAL E FINANCEI-
RA ................................................ 17 319 19 326 27 052 8 004 5 111 -7 310 
Conta capital ............................... 338 273 -36 433 498 703 
Conta financeira ......................... 16 981 19 053 27 088 7 571 4 613 -8 013 
Capitais voluntários ....................... 27 636 47 579 17 564 -2 847 10 282 7 630
 Investimento direto ................... 26 888 30 498 24 715 14 108 9 894 8 695 
 Investimentos em carteira ....... 3 802 6 955 77 -5 119 5 308 -4 750 
 Derivativos ............................... -88 -197 -471 -356 -151 -677 
 Outros investimentos (voluntá-
 rios) (1) .................................... -2 966 10 323 -6 757 -11 480 -4 769 4 363
Operações de regularização ........ 2 966 -10 323 6 757 11 480 4 769 -4 363
ERROS E OMISSÕES .................. 194 2 637 -531 -66 -793 -2 115 
RESULTADO GLOBAL DO BA-
LANÇO ......................................... -7 822-2 262 3 307 302 8 496 2 244 
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de dados do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br). 
(1) Outros investimentos exclusive operações de regularização com o FMI. 
34 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
O crescimento em 2004 e os limites
da política macroeconômica
Aod Cunha de Moraes Jr.* Economista da FEE e Professor da PUCRS.
Resumo
Neste artigo, são avaliados os limites para que a política macroeconômica pos-
sa expandir a capacidade de crescimento do produto. Utilizando-se o exemplo
da "performance" da economia brasileira de 2002 a 2004, argumenta-se que a
atual política macroeconômica de curto prazo, baseada num programa de me-
tas de inflação, metas de superávit primário e câmbio livre, permite que a econo-
mia se aproxime do seu produto potencial sem instabilidade de preços e com
menor vulnerabilidade a choques externos. Todavia tal arranjo de políticas não
pode pretender expandir o produto potencial, algo que só pode ser feito com um
conjunto de políticas de promoção do crescimento de longo prazo que estão
fora da órbita das políticas monetária, fiscal e cambial.
Palavras-chave
Política macroeconômica; Governo Lula; crescimento econômico.
Abstract
This article discusses the limits of the macroeconomic policies that try to increase
the economic growth. Observing the example of the Brazilian economy from
2002 to 2004 is possible to argue that the combination of the inflation target
program, fiscal targets and free float of the exchange rate is allowing the economy
to come close to his potential production without price instability and with less
* O autor agradece aos colegas Álvaro Garcia e Octávio Augusto Camargo Conceição pela
leitura e pelos comentários sobre o texto, bem como ao estagiário Herédio Macedo Fraga,
pela revisão de dados e tabelas contidos no artigo. Os erros que eventualmente tenham
permanecido são de inteira responsabilidade do autor.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 41-54, jun. 2005
 Aod Cunha de Moraes Jr.
vulnerability to external shock. However, those policies can’t intend to increase
the potential production, something that can only be done by a combination of
policies that is out of the limits of the monetary, fiscal and exchange policies.
Artigo recebido em 21 mar. 2005.
A relação entre crescimento econômico e política macroeconômica sem-
pre foi terreno fértil para o debate teórico na macroeconomia. De forma sintética,
talvez seja possível agrupar o debate em dois tipos de divergências: aquelas
que dizem respeito às direções de causalidade entre instrumentos e objetivos e
aquelas que dizem respeito à duração de efeitos nos preços e no produto real
decorrentes da política macroeconômica. O forte crescimento da economia
brasileira em 2004, ao menos se comparado com o fraco desempenho de 2003,
provoca análises que expõem divergências daquele tipo. Todavia é justamente o
entendimento sobre as direções de causalidade entre as variáveis
macroeconômicas e a duração de seus impactos que ditam os limites que a
política macroeconômica tem sobre o crescimento econômico.
Inicialmente, é importante definir que a política macroeconômica do Go-
verno Lula, a que se referirá este texto, diz respeito ao gerenciamento das
políticas fiscal, monetária e cambial. É sob esse leque de instrumentos que
serão avaliadas as possibilidades e os limites de uma “política de crescimento”.
Essa definição é importante, porque se quer excluir propositalmente outras
políticas, que poderiam ser chamadas de “macro” pela dimensão de seus im-
pactos, como os marcos regulatórios e as diretrizes de política industrial, mas
que não correspondem à visão clássica da gestão de curto prazo da
macroeconomia.
O que se pretende argumentar aqui é que o tripé da política macroeconômica
em curso, baseada num programa de metas de inflação, metas de superávit
primário e câmbio livre, permite que a economia se aproxime do seu produto
potencial sem instabilidade de preços e com menor vulnerabilidade a choques
externos. Porém, tal arranjo de políticas não pode almejar expandir o produto
potencial, algo que só pode ser feito com um conjunto de políticas depromoção
do crescimento de longo prazo e que estão fora da órbita das políticas monetá-
ria, fiscal e cambial. Este é o foco deste artigo: o que a atual política
macroeconômica pode e aquilo que não pode fazer em relação ao crescimento
econômico.
43
 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 41-54, jun. 2005
O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
A próxima seção revê resumidamente o debate teórico em torno da (não)
neutralidade dos instrumentos de curto prazo da política macroeconômica, con-
frontado com a experiência histórica recente em diversos países. A seção pos-
terior procura sintetizar o mecanismo de interdependência entre as políticas
monetária, fiscal e cambial adotadas, hoje, no País e seus impactos sobre as
oscilações de curto prazo do produto e dos preços. Por último, procura-se
avaliar o crescimento do produto obtido em 2004 e os limites para que a política
macroeconômica dê sustentação a uma expansão contínua deste.
1 - O produto e os preços na macroeconomia
 de curto prazo
Desde a Teoria Geral de Keynes e a Síntese Neoclássica promovida por
Hicks, o debate sobre a política macroeconômica no âmbito do mainstream
dificilmente escapa de controvérsias sobre os efeitos nominais e reais de
expansões e contrações monetárias e fiscais. Mais precisamente, tais contro-
vérsias se concentram muito na extensão temporal daqueles efeitos e sobre
quando expansões reais do produto acabam por se transformar apenas em
elevação de preços e inflação.
De tempos em tempos, a “razão” pareceu predominar em uma ou em outra
corrente do mainstream, como no período da “revolução keynesiana” (anos 50 e
início dos 60 do século passado), no do monetarismo fridmaniano (final da déca-
da de 60 e início da de 70) e no do monetarismo das expectativas racionais
(final dos anos 70 e início dos 80). Para keynesianos, nas suas diferentes ver-
sões, o sistema de preços não reage de forma suficientemente rápida para
neutralizar expansões reais do produto que decorrem de impulsos fiscais e
monetários. Para monetaristas, incluindo entre esses os economistas novo-clás-
sicos, a rigidez do sistema de preços não é uma explicação convincente para
desvios do produto real em torno do produto potencial ou do produto natural.
Ainda hoje, a aparente predominância da literatura novo-keynesiana na
macroeconomia do mainstream não é suficiente para eliminar divergências
sobre a natureza dos desvios da trajetória do produto real corrente em relação à
trajetória do produto potencial. Todavia há muito pouca controvérsia, para não
dizer nenhuma, sobre o fato de que expansões monetárias e fiscais siste-
máticas têm efeitos desprezíveis sobre o produto potencial e a trajetória
de crescimento de longo prazo da economia. Esta última é explicada por
fatores que deslocam a acumulação de capital físico e humano, o progresso
tecnológico e a qualidade dos arranjos institucionais que vigoram em cada
economia.
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 Aod Cunha de Moraes Jr.
A evidência empírica tem mostrado que as expansões monetárias e fis-
cais sistemáticas não só são incapazes de expandir consistentemente o produ-
to real, como acabam por reduzir a sua expansão, ou mesmo por contraí-lo.
O abrangente trabalho de Madison (1995) é um, dentre outros1, que mostra a
estreita relação entre inflação alta, elevados déficits fiscais e baixo crescimento
para um conjunto muito amplo de países. Por outro lado, as evidências empíricas
também mostram que inflação baixa e déficits controlados são condições
necessárias, mas não suficientes, para o aumento na taxa de crescimento de
longo prazo dos países. Ao sintetizar um conjunto de trabalhos sobre o tema,
Agenor (2000) aponta que as correlações mais fortes mostram uma significativa
dependência do crescimento com variáveis que captam os quatro blocos de
fatores citados no parágrafo anterior: poupança, capital humano, progresso
tecnológico e qualidade institucional.
O que grande parte da literatura sobre política macroeconômica vem mos-
trando nas últimas duas décadas é que o melhor que as políticas fiscal, mone-
tária e cambial podem obter é a estabilização das flutuações do produto em
torno da sua trajetória de longo prazo. O que não se pode esperar é que essas
políticas tenham o poder de expandir sistematicamente a capacidade de cresci-
mento de uma economia, o que é tarefa de um conjunto distinto de políticas.
Essa parece ser uma boa moldura para se inserirem a análise sobre os impac-
tos da atual política macroeconômica do Governo Lula e a trajetória de cresci-
mento da economia brasileira.
2 - A política macroeconômica
 do Governo Lula
No âmbito das discussões sobre a correção, ou não, do conjunto de instru-
mentos que estruturam a política macroeconômica do Governo Lula, não parece
haver divergência quanto a duas constatações: há continuidade em relação ao
governo anterior, pelo menos em termos estruturais, e existe um “tripé” articula-
do entre as políticas monetária, cambial e fiscal.
A preservação dos sistemas de metas de inflação, de metas para o supe-
rávit primário do setor público consolidado e do regime de câmbio livre são
evidências inequívocas da opção de manutenção do core da política econômica
1 Agenor (2000) e Barro e Sala-i-Martin (1999) analisam diversos trabalhos que testam as
relações de causalidade entre essas variáveis e o crescimento econômico.
45
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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
“herdada” do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.2 A própria esco-
lha da equipe econômica que assumiu os principais postos do Ministério da
Fazenda e do Banco Central reforçou aquela opção. Se houve alguma mudança,
esta diz respeito à intensidade no uso dos instrumentos das políticas fiscal e
monetária. Ao longo de 2003 e 2004, a meta de superávit primário foi aumentada
de 3,75% a.a. para 4,5% a.a., e a insistência do Bacen em atingir o núcleo da
meta de inflação levou a sucessivas rodadas de aumento na taxa básica de
juros da economia. Cabe acrescentar que, por trás da maior austeridade fiscal
pretendida, há um ambicioso plano do Ministério da Fazenda de redução da
relação dívida pública/PIB, expresso no documento Política Econômica e
Reformas Estruturais (Brasil, 2003)3.
Em Moraes (2003), procurou-se analisar as interdependências entre as
políticas monetária, fiscal e cambial sobre o atual regime de política
macroeconômica. A execução do conjunto da política macroeconômica ao lon-
go de 2004 parece ter dado razão às relações de prioridade e de causalidade
estabelecidas naquele artigo para os objetivos da política econômica. A partir
dessas relações, se o Bacen está realmente comprometido com o regime de
metas de inflação, então desvios na trajetória do índice de preços de referência,
o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), devem ser neutralizados atra-
vés de controle da demanda agregada, independentemente de se o que causou
a expansão de preços foi um fenômeno ligado à demanda ou à oferta — como
no caso de uma elevação na taxa de câmbio. Como a principal função do regime
de metas de inflação é oferecer uma âncora de estabilização com base na
convergência de expectativas de inflação, é importante não só que o nível de
preços corrente convirja para a meta, mas que também a expectativa dos agen-
tes quanto à inflação futura o faça. Assim, como vigora um regime de câmbio
livre, alterações bruscas no câmbio tendem a exigir correções na taxa básica de
juros, seja pelo impacto direto nos preços, seja pelo impacto sobre as expecta-
tivas de inflação.
2 Quanto a isso, parece não haver divergência mesmo entre os críticos de tal política.
Ver Ferrari Filho e Corazza (2003).
3 Nesse documento, o Ministério da Fazenda apresenta simulações, onde, a partir de uma
meta para o superávit primário de 4,25% a.a., seria possível retornar ao nível de endividamento
anterior ao Plano Real em 2011. Dessa forma,a dívida passaria de 56,53% em 2002 para
34,96% do PIB em 2011, retrocedendo, em nove anos, aos níveis anteriores à introdução do
Plano Real.
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 Aod Cunha de Moraes Jr.
A dominância da política monetária4 dá-se também sobre a política fis-
cal, à medida que o Ministério da Fazenda pretende obter uma trajetória de
redução contínua para a relação dívida/PIB. Assim, toda vez que a taxa de juros
sobe, a queda daquela relação só pode ocorrer com a redução da taxa de câm-
bio — e uma conseqüente redução do valor da parcela da dívida pública atrelada
ao dólar — e/ou com a elevação do superávit primário, permitindo a realização
de maiores resgates, por parte do Tesouro Nacional, da dívida em poder do
mercado. Como o câmbio é regido por um sistema de livre flutuação, à medida
que o Tesouro Nacional opta por um objetivo de redução da relação dívida/PIB,
a meta de superávit primário tem que ser ajustada em função do comportamen-
to da taxa de juros fixada pelo Bacen. O que se quer dizer é que a interdependência
das atuais políticas monetária, cambial e fiscal ocorre sob um regime de
dominância da política monetária sobre a política fiscal, uma vez que esta
última fixa uma meta para a relação dívida/PIB concomitantemente à vigência
de um regime de metas de inflação.
O funcionamento da atual política macroeconômica não deixa dúvidas de
que a gestão dos instrumentos das políticas monetária, cambial e fiscal elege a
estabilidade de preços como o objetivo a ser perseguido diretamente. No caso
do regime de câmbio livre, ainda se poderia argumentar que o objetivo principal
é proteger as reservas do Banco Central de choques internacional e de ataques
especulativos à moeda nacional. Todavia a experiência recente mostrou que a
permanência de câmbio fixo associado à diminuição de reservas acaba por
atingir fortemente os preços domésticos, através da expectativa de desvalori-
zações futuras do câmbio ou de overshooting — quando efetivamente o regime
cambial precisa ser mudado. Conforme enfatiza o documento publicado pelo
Ministério da Fazenda (Brasil, 2003), a política macroeconômica de curto prazo
pode “mirar” apenas indiretamente no objetivo de expandir o crescimento
econômico, mesmo que este seja um objetivo maior que mova a busca pela
estabilidade de preços. É através da estabilidade duradoura dos preços e da
redução consistente da dívida pública que as políticas monetária e fiscal podem
abrir espaço para reduções maiores na taxa de juros real de longo prazo, aquela
que é relevante para a determinação dos investimentos de longo prazo e
também para a dinâmica do produto de longo prazo.5
4 Esse termo, não empregado em Moraes (2003), significa que o Bacen fixa a taxa de juros de
forma independente, dado o seu objetivo de atingir a meta de inflação, e o Ministério da
Fazenda é obrigado a ajustar a sua meta de superávit primário, dado o seu objetivo de atingir
uma meta para o endividamento público.
5 Contudo não se deve esquecer que há um limite para que a queda do juro real de longo prazo
estimule o investimento agregado, já que, no cálculo das decisões empresariais, a taxa de
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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
3 - Política macroeconômica e crescimento
 econômico em 2004
Por mais trivial que possa parecer, é sempre bom qualificar a taxa de cres-
cimento do produto no Brasil observada em 2004 (5,2%)6 com base na taxa
obtida em 2003 (0,54%). Ambas são taxas que se constituem em desvios acen-
tuados da média em subperíodos recentes (Tabela 1) e podem ser consideradas
como uma resposta da trajetória de crescimento de curto prazo a alterações
significativas nos instrumentos de política macroeconômica, principalmente no
âmbito da política monetária.
Tabela 1 
 Taxa de crescimento média do PIB no Brasil — 1984-04 
PERÍODOS MÉDIAS 
1984-04 2,80 
1984-93 2,86 
1994-04 2,75 
1994-98 3,23 
1999-04 2,36 
 FONTE: IBGE. 
Para entender a economia em 2004, é preciso retroceder a 2002. Como
decorrência das expectativas associadas ao cenário eleitoral, a forte elevação
no câmbio a partir do final do primeiro semestre de 2002 começou a afetar
significativamente os preços no atacado, já no final do segundo semestre da-
quele ano. Como conseqüência, o IPCA acumulado em 12 meses, que estava
estabilizado próximo a 7,5% no início de 2002, saltou para mais de 15% na
virada de 2002 para 2003. Frente a esse cenário, o Bacen, que havia iniciado
 juros deve ser comparada com os retornos futuros dos investimentos realizados
 (numa linguagem keynesiana, a eficiência marginal do capital).
 6 Este é o último número revisto pelo IBGE em março de 2005.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 41-54, jun. 2005
 Aod Cunha de Moraes Jr.
uma redução da Selic no primeiro semestre de 2002, viu-se obrigado a dar uma
forte guinada na política monetária, elevando os juros de 18% a.a. em setembro
de 2002 para até 26,5% a.a. em fevereiro de 2003. A taxa só cairia abaixo de
20% a.a. em outubro de 2003. O sucesso dessa política ao reverter o surto
inflacionário teve evidentes repercussões sobre o nível de atividade econômica,
com o PIB crescendo à modesta taxa de 0,54% a.a. Todavia, já a partir de
outubro, consolidada a reversão das expectativas de alta da inflação, o Bacen
retomou uma trajetória de redução da Selic, que chegaria a um piso de 16%
entre abril e agosto de 2004. Essa redução dos juros, associada a um cenário de
boa performance fiscal do Tesouro e de expressiva elevação dos saldos da
balança comercial, ajudou a configurar um quadro de expectativas favoráveis
para o crescimento da atividade econômica. A nova reversão na trajetória da
Selic, iniciada em setembro de 2004, não veio a tempo para comprometer a
expansão observada no PIB do ano passado.
O crescimento do PIB de 5,2% em 2004 é, sem dúvida, atestado de
eficiência na gestão da política macroeconômica, no sentido de que a reversão
das expectativas de inflação e a boa performance da política fiscal e do setor
externo permitiram a retomada do crescimento. No entanto, a magnitude do cres-
cimento deve ser compreendida à luz da base de comparação deprimida do PIB
em 2004. A política monetária, que havia levado a atividade econômica para
baixo de sua trajetória de crescimento observado de longo prazo, permitiu que
esse gap negativo de 2003 fosse adicionado à taxa de crescimento do PIB em
2004. O que se observou em 2003 e 2004 foi um clássico movimento keynesiano7
de fine tune da política monetária, com o objetivo direto de estabilização dos
preços. Nesse sentido, a política macroeconômica, em especial a política
monetária, não reduziu a capacidade de crescimento de longo prazo da
economia em 2003, nem tampouco a expandiu em 2004.
O argumento de que a política monetária não tem impacto direto sobre a
trajetória de longo prazo do produto não desconsidera os ganhos de credibilidade
para a política macroeconômica que uma experiência de reversão de expectati-
vas — como a que ocorreu entre 2003 e 2004 — pode gerar. O aumento de
credibilidade do Bacen e a construção de uma reputação para a política monetá-
ria podem reduzir custos futuros em momentos onde a desaceleração da
demanda seja necessária. Como se observa no Gráfico 1, desde que o regime
de metas de inflação entrou em vigor, os movimentos de reversão altista da
7 Para que isso não provoque a ira de keynesianos mais heterodoxos, aqui se faz referência
ao keynesianismo neoclássio ou ao novo-keynesianisno das expectativas racionais.
49
 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 41-54, jun. 2005
O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
Selic têm atingido picos menores8, o que pode indicar um relativo sucesso do
Bacen em convencer os agentes econômicos de que a autoridade monetária
está dedicada a atingir a meta de inflação estipulada. Quanto mais rápidoos
agentes se convencem desse comportamento, menor e mais curta é a alta
necessária no juro básico.9
Gráfico 1
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
Ja
n.
/9
8
M
ai
o/
98
S
et
./9
8
Ja
n.
/9
9
M
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o/
99
S
et
./9
9
Ja
n.
/0
0
M
ai
o/
00
S
et
./0
0
Ja
n.
/0
1
M
ai
o/
01
S
et
./0
1
Ja
n.
/0
2
M
ai
o/
02
S
et
./0
2
Ja
n.
/0
3
M
ai
o/
03
S
et
./0
3
Ja
n.
/0
4
M
ai
o/
04
S
et
./0
4
Ja
n.
/0
5
!121,05 
!47,22
!17,19
Taxa Selic no Brasil — jan./98-jan./05
FONTE: Bacen.
 As políticas fiscal e cambial também podem ser analisadas sob uma pers-
pectiva semelhante à da política monetária. Mesmo que elas não sejam instru-
mentos de impulso consistente do produto de longo prazo, podem ajudar a
8 No primeiro movimento de elevação e queda, a amplitude da variação da Selic foi de mais de
2,5 vezes o movimento do segundo ciclo de elevação e queda, que, por sua vez, tudo indica,
terá sido também mais de 2,5 vezes maior que o ciclo recente — já que há fortes evidências
de que a Selic não deverá ultrapassar 19% a.a. nas próximas reuniões do Conselho de
Política Monetária (Copom).
9 O movimento de reversão para uma tendência de alta da Selic no segundo semestre de 2003
e início de 2004 já foi de menor intensidade do que aquele verificado em 1999/00 e em 2002/
/03. Além disso, neste último período de elevação da Selic, após as decisões de alta nos
juros promovidas pelo Copom, o mercado futuro de juros seguidamente ajustava para baixo
a curva de juros.
(%)
∆121,05
∆47,22
∆17,19
50
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 41-54, jun. 2005
 Aod Cunha de Moraes Jr.
reduzir as volatilidades de curto prazo e abrir espaço para a política monetária
reduzir mais acentuadamente os juros de longo prazo, à medida que estimulem
trajetórias declinantes para a razão dívida/PIB e para o Risco-País. No caso da
política fiscal em curso, deve-se destacar o excelente resultado primário obtido
em 2003 (4,32%), acima da meta já ajustada (4,25%), mesmo em meio à retração
da atividade econômica e aos impactos decorrentes sobre as receitas do
Governo. Quanto à política cambial, após o período pré-eleitoral de 2002, o sis-
tema vem apresentando uma redução considerável da volatilidade na taxa de
câmbio, quando já descontados os efeitos decorrentes dos movimentos de ex-
pansão e redução das taxas de juros reais.10 Além disso, no que diz respeito aos
saldos comerciais, vitais para a redução da vulnerabilidade das contas exter-
nas, o saldo acumulado em 2004 foi 35,90% superior ao de 2003 e 88,90%
superior ao de 2002, embora tenha se verificado, em 2004, um câmbio nominal
médio praticamente igual ao de 2002 ( 2,925 em 2004 e 2,920 em 2002) e um
câmbio real aproximadamente 20% inferior. O desempenho da balança comer-
cial já nos primeiros dois meses de 2005 parece confirmar que vem sendo pos-
sível administrar a alta recente dos juros no sistema de câmbio flutuante, com a
recomposição das reservas e o recuo nos preços no atacado.11
4 - Conclusão: sobre o que a política
 macroeconômica não poderá fazer
Sobre as variáveis que já foram apontadas como relevantes para a deter-
minação da taxa de crescimento potencial de longo prazo de uma economia
(a acumulação de capital físico e humano, o progresso tecnológico e a qualida-
de dos arranjos institucionais), não há que se esperarem impactos diretos oriun-
10 Há que se considerar também que, após o ingresso num sistema de câmbio livre, como
ocorreu a partir de 1999, era normal que se esperasse uma volatilidade inicial maior na
taxa de câmbio real. Agenor (2000) comenta esse fenômeno com base nas experiências
que ocorreram a partir da década de 70, com o abandono do sistema de conversibilidade
dólar-ouro.
11 É evidente que uma elevação mais acentuada da taxa de juros num sistema de câmbio e
livre entrada de capital tende a acentuar a valorização da moeda local. Por outro lado, esse
movimento ajuda a frear a elevação interna dos preços e a antecipar um novo movimento
de recuo nas taxas de juros. Até que este último movimento possa acontecer, é possível
que o Bacen mantenha a opção de realizar leilões no mercado de câmbio. Com isso, ao
mesmo tempo, ameniza a valorização da moeda local e seu impacto sobre o setor expor-
tador e recompõe suas reservas. De fato, este já foi o comportamento do Bacen nos dois
primeiros meses de 2005.
51
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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
dos da gestão cotidiana das políticas monetária, fiscal e cambial. Como já se
disse, esse conjunto de políticas pode apenas favorecer indiretamente a expan-
são do crescimento econômico, à medida que se construa um cenário duradou-
ro de estabilidade para as tomadas de decisões dos agentes econômicos. No
entanto, as principais ações indutoras da expansão daqueles fatores de cresci-
mento de longo prazo estão fora da órbita da política macroeconômica analisa-
da neste texto.
Não parece haver contestação de que o aumento da taxa de poupança
doméstica, a expansão de investimentos em infra-estrutura, a melhora nos indi-
cadores de educação do trabalhador, o aumento no investimento em pesquisa
aplicada e o aperfeiçoamento de marcos regulatórios, leis e instituições fazem
parte da tão sonhada agenda de crescimento e desenvolvimento. A literatura
recente sobre crescimento econômico, revista no item 1 deste artigo, é pródiga
em destacar os impactos positivos daquelas ações sobre a capacidade de cres-
cimento de longo prazo das economias. Dentre outros exemplos para o caso
brasileiro, Menezes Filho (2001) estima que, com um ano a mais de escolarida-
de média, seria possível expandir a renda do trabalhador em 12% a.a. e em 8%
o produto de longo prazo na economia brasileira. Com base na estimativa dos
componentes de risco de diversos países, o Ministério da Fazenda (Brasil, 2003)
estima que a independência do Bacen poderia reduzir em até 200 pontos o
spread embutido nas taxas de juros básicas, necessário para equalizar o
diferencial de juros com o exterior. Estes são apenas alguns exemplos dos
impactos mencionados anteriormente.
Ao se superestimar o poder de ação das políticas monetária, fiscal e cam-
bial na expansão do crescimento econômico, a pior conseqüência é desviar a
atenção sobre o que é relevante no espectro de ações possíveis para as
políticas públicas. O que se faz na infra-estrutura, na educação, na ciência e
tecnologia e em leis e instituições pode ser muito mais determinante para a
trajetória de crescimento de longo prazo de um país do que aquilo que é decidi-
do nas reuniões do Copom.12 Todavia isso ainda contraria o senso comum e
economistas que julgam ser o Banco Central uma fonte permanente de
impulsos ao crescimento econômico.
12 Contrariamente à importância que grande parte da literatura sobre crescimento econômico
atribui a outras variáveis que não a política de juros de curto prazo, é raro ver instituições
como a FIESP reclamarem sobre a baixa qualidade da educação, o baixo nível de inves-
timentos em pesquisa aplicada, a falta de adequada regulamentação no setor de infra-
-estrutura, ou mesmo a inexistência de independência do Bacen, da mesma forma que
criticam acentuadamente as decisões de elevação dos juros promovidas pelo Conselho
de Política Monetária.
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 Aod Cunha de Moraes Jr.
O ano de 2004 é um exemplo de como retornar rapidamente à trajetória de
crescimento econômico potencial, quando a política macroeconômica obtém
sucesso na redução da incerteza e na conseqüente reversão de expectativas
pessimistas. Por outro lado, o que se procurou destacar neste texto é que não
se pode esperar que a expansão da taxa de crescimento médio obtida nos
últimos anos ocorra com base apenas na manutenção dos atuais funda-
mentos da política macroeconômica. A manutenção desses fundamentos é
uma condição necessária, mas não suficiente, paraque o País cresça mais nos
próximos anos.
Referências
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Academic Press, 2000.
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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica
Referências na Internet
www.bcb.gov.br
www.ibge.gov.br
www.ipeadata.gov.br
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Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
Contradições e limites da política
industrial do Governo Lula
Clarisse Chiappini Castilhos* Economista, Pesquisadora da FEE.
Resumo
Este artigo analisa o documento Política Industrial, Tecnológica e de Co-
mércio Exterior (PITCE), lançado oficialmente, em fevereiro de 2005, pelo Mi-
nistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em sua primeira
parte, este texto efetua um breve resumo da PITCE, que está dividida em três
grandes planos: linhas de ação horizontal; opções estratégicas e atividades
portadoras de futuro. Na segunda parte, procura examinar mais detalhadamente
os acertos e as contradições internas da política industrial proposta. A terceira
parte contém uma discussão sobre os principais conceitos utilizados, como é o
caso de competitividade, inovação tecnológica, investimentos diretos estran-
geiros (IDEs) e desenvolvimento sustentado. O artigo conclui que o documento
possui diversos elementos conflitantes internamente e com a política
macroeconômica em vigor, baseando-se em alguns conceitos que contêm uma
forte carga de ambigüidade.
Palavras-chave
Política industrial; indústria brasileira; indústria.
Abstract
In February 2005, the Brazilian Ministry of Development, Industry and Foreign
Commerce officially launched the document Industrial, Technological Politics
* A autora agradece aos colegas do NEI-FEE, André Scherer, Áurea C. M. Breitbach e Maria
Lucrécia Calandro, pelos inúmeros comentários e sugestões. Agradece igualmente à colega
Socióloga Maria Isabel Jornada e a Mariana Pessah, foto-jornalista, pelas oportunas e
valiosas sugestões de bibliografia, artigos e informações, bem como ao estagiário de Eco-
nomia Cristiano Ponzoni Ghinis, pela elaboração da tabela e pelas sugestões quanto às
variáveis a serem utilizadas.
56 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
and of Foreign Commerce—PITCE already announced since November of
2003. The document is organized in three great levels: Lines of Horizontal Action;
Strategical Options; and Activities Carried of Future. In general way, the PITCE
intends to promote the “economic growth and the self-sustainable development”
as well as extend the “efficiency and competitiveness of the domestic company
(...) creating jobs and raising the income”. To reach this purpose, the actions
are oriented to exports promotion and to Direct Foreign Investments attraction.
However, the document itself contains conflicting elements, internally and with
the macroeconomic policy, being based on concepts containing a strong burden
of ambiguity such as competitiveness, innovation, Direct Foreign Investments
and sustainable development.
Artigo recebido em 31 mar. 2005
O documento lançado oficialmente no dia 1º de fevereiro de 2005 pelo
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, denominado
Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) (Brasil,
2005b), de uma forma geral, mantém as bases do documento Diretrizes de
Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, anunciado em no-
vembro de 2003 (Brasil, 2003), e avança em alguns pontos importantes, como
na melhor articulação entre as políticas industrial, tecnológica e exportadora.
Porém seu conteúdo reforça uma tendência mais ortodoxa,1 na medida em que
1 A esse respeito, a classificação das políticas públicas exposta por Campanario e Silva
(2004) é bastante elucidativa: (a) política industrial ortodoxa, ou neoliberal, definida com
base no Consenso de Washington, em que “(...) o livre funcionamento do mercado assegu-
raria a mais perfeita alocação dos recursos produtivos escassos, por meio da lei de oferta
e procura”; nesse caso, a política industrial “(...) se restringiria a certas ações horizontais
(...) tais como articulação de políticas governamentais (comercial e tecnológica), desoneração
tributária, atração de capital e liberdade ao investimento privado”; (b) argumentação crítica
de Stiglitz (que formulou importantes críticas ao Consenso de Washington) e Krugman, que
supõe maior presença do Estado, através de instituições públicas, para “(...) corrigir falhas
alocativas” decorrentes do livre funcionamento dos mercados — presença de bens públi-
cos, existência de externalidades, falhas de concorrência, mercados incompletos,
falhasde informação relacionadas com transações, correção dos desequilíbrios
macroeconômicos —; nesse caso, enquadram-se as diversas agências brasileiras criadas
após a privatização (ANAEL, ANATEL, dentre outras) e o CADE; (c) Michael Porter, dentro
da mesma perspectiva do grupo anterior, identifica outras ações, como programa de longo
prazo, regulamentação eficiente que promova a inovação, garantia da produtividade dos
57
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
imprime maior importância ao mercado sobre as decisões relativas à produção
e às exportações industriais.
O presente artigo discute a eficácia dessa orientação seja em relação à
promoção do crescimento das exportações e da entrada de investimento direto
estrangeiro (IDE), seja em relação ao objetivo explicitado na apresentação da
PITCE de “crescimento econômico e desenvolvimento auto-sustentado” e am-
pliação da “(...) eficiência e da competitividade da empresa nacional (...),
criando empregos e elevando a renda (grifo nosso)” (Brasil, 2005b, p. 1).
Para desenvolver esses questionamentos e observações, na primeira seção
deste artigo, efetuar-se-á um breve resumo das propostas de política industrial do
Governo Lula, e, na segunda, serão discutidos alguns pontos dessa política com
ênfase nas relações existentes entre os diversos planos do documento, nas
contradições internas encontradas, bem como nos limites e nas possibilidades
de sua execução. Na última seção, serão discutidos alguns mitos da política
industrial, tais como competitividade, inovação, investimentos diretos estrangei-
ros e desenvolvimento sustentável, que constituem a base conceitual da PITCE.
A política industrial do Governo Lula
O documento oficial está organizado em três grandes planos:
a) linhas de ação horizontal;b) opções estratégicas;
c) atividades portadoras de futuro.
Sua análise revela claramente que todas as ações propostas se orientam
para a inserção externa da indústria brasileira e que o foco dessas ações está
nas empresas multinacionais, nas empresas nacionais internacionalizadas e
nas poucas estatais que restam, embora se refira à empresa nacional de
uma forma genérica. Para melhor fundamentar essa afirmação, é importante
expor um breve resumo do documento em si. Evidentemente, não há inten-
ção de descrever ponto por ponto tal documento,2 mas, sim, captar o sentido
geral dos três planos apontados.
 insumos e oferta de infra-estrutura, regras microeconômicas de garantia de direito dos
consumidores, facilitação do desenvolvimento e aprimoramento dos complexos e clusters
industriais e incentivo à ação coletiva pelo setor privado; e (d) consistência das políticas
industriais com políticas mais gerais (macro, regional, tecnológica, etc.), estímulo à introdu-
ção de inovação e aprimoramento das capacitações locais.
2 Para maiores esclarecimentos, ver Acompanhamento da Política Industrial, Tecnológica
e de Comércio Exterior (Brasil, 2005).
58 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Plano das linhas de ação horizontal
O plano chamado linhas de ação horizontal está composto de ações orga-
nizadas em quatro grandes grupos:
- inovação e desenvolvimento tecnológico;
- inserção externa;
- modernização industrial;
- ambiente institucional e aumento da capacidade produtiva.
Antes de descrevê-los, cabe ressaltar que, embora o grupo de ações
dedicadas à inserção externa seja uma ação em si, esse objetivo é o centro da
política e perpassa todas as demais, sendo possível identificar a centralidade
que assumem a ampliação das exportações e a atração de investimento direto
estrangeiro em quase todas as outras propostas.
O grupo inovação e desenvolvimento tecnológico tem como objetivo
principal desenvolver a competitividade das empresas, de forma a melhor inseri-
-las no mercado internacional, e centra-se sobretudo nas Parcerias Público-
-Privadas. Segundo a recentemente aprovada Lei da Inovação (Brasil, 2004a),
“Será possível fomentar parcerias entre o meio acadêmico e a iniciativa
privada. (...) as instituições públicas de pesquisa poderão (...) celebrar
contratos de transferência de tecnologia mediante contrato; os
pesquisadores são incentivados a constituírem empresas de base
tecnológica para a exploração de seus desenvolvimentos(...)”
(Brasil, 2004a, p. 3).
Essas ações relacionam-se de forma direta com os planos de opções es-
tratégicas e atividades portadoras de futuro, como será discutido posteriormente.
No caso específico da inserção externa, as ações estão voltadas para a
melhor inclusão da indústria brasileira nos padrões internacionais de concor-
rência. Observe-se que, desde alguns anos, as exportações já vêm sendo
apoiadas por diversas medidas fiscais e creditícias, sendo que, de 2003 até a
metade de 2004, foram suplementarmente favorecidas pela relação cambial. A
melhoria das exportações pode ser observada na Tabela 1, cujos índices reve-
lam que as vendas externas brasileiras cresceram mais de 106% entre 1994 e
2004, alcançando seus índices mais elevados a partir do ano 2000. Esse com-
portamento repercutiu sobre a produção física em 2004, embora outros fatores
venham inibindo o crescimento da produção industrial (Castilhos, 2005), confor-
me será comentado mais adiante.
59
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Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
O documento reforça essa orientação, introduzindo outras ações em diver-
sas áreas, como promoção, distribuição e inserção dos produtos brasileiros em
cadeias internacionais de suprimentos; apoio direto às exportações (financia-
mento, simplificação de procedimentos e desoneração tributária); estímulos à
criação de centros de distribuição no exterior e internacionalização destes; apoio
à consolidação da imagem, etc. Além disso, propõe-se a apoiar as atividades
dos setores que vêm ganhando espaço, como o de agronegócios.
Cabe citar mais especificamente alguns programas referidos nessa linha
de ação, tais como o Programa Brasil Exportador, já existente, dentro do qual já
foram anunciadas duas novas medidas: a modernização do sistema de drawback
(suspensão ou isenção do imposto para as matérias-primas importadas, desde
que voltadas diretamente para a produção de bens destinados à exportação) e
Tabela 1 
Evolução anual dos índices da produção física e das exportações 
da indústria de transformação no Brasil — 1995-04 
ANOS PRODUÇÃO FÍSICA EXPORTAÇÕES 
1995 94,34 109,63 
1996 93,79 109,12 
1997 96,10 116,86 
1998 89,72 116,33 
1999 91,24 109,56 
2000 98,37 128,46 
2001 94,00 129,22 
2002 93,23 131,30 
2003 92,56 157,06 
2004 100,65 206,06 
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Produção física industrial: número índice.
Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em:
http://www.sidra.ibge.gov.br/ Acesso em: 11
mar. 2005. 
BRASIL: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior. Balança comercial brasileira:
exportações 1995/2004. Rio de Janeiro: secex,
2005. Disponível em: 
http://www.desenvolvimento.gov.br/ Acesso em:
11 mar. 2005. 
NOTA: Os dados têm como base 1994 = 100.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
o estado exportador (visa aumentar as exportações de estados que as tenham
em número inferior a US$ 100 milhões anuais); o Sistema Radar Comercial
(prospecção de negócios no exterior); a Nova Cofins (elimina a cumulatividade
da contribuição e estabelece cobrança para os importados, criando isonomia
com as mercadorias nacionais); e os Centros de Distribuição e Logística no
Exterior.
Na ação denominada modernização industrial, destaca-se a criação do
Programa de Modernização do Parque Industrial Nacional (Modermaq), destina-
do a financiar máquinas e equipamentos nacionais novos, com taxas de, no
máximo, 14,95%, especialmente voltado para a micro e a pequena empresa.
O Programa de Extensão Industrial Exportadora, única menção aos Arranjos
Produtivos Locais (APLs),3 visa fornecer assistência técnico-gerencial às em-
presas localizadas em APLs, de forma a ampliar o número de empresas com
padrão internacional de competitividade, somando-se, dessa forma, ao objetivo
de ampliação das exportações. Além desses, podem-se citar ações de aumen-
to dos bônus de certificação Inmetro/Sebrae (possibilitando uma redução de até
70% dos custos de certificação, particularmente das micro e pequenas empre-
sas) e o da Rede Brasil de Tecnologia. Este último, voltado para áreas de petró-
leo, gás natural, energia e agronegócio, visando à substituição de importações
nesses setores.
Finalmente, o chamado ambiente institucional destina-se à criação de
condições infra-estruturais, tributárias e fiscais, dentre outras, adequadas ao
tipo de crescimento industrial adotado (com base na ampliação das exporta-
ções) e à atração de IDE. Destacam-se, desse conjunto, a criação do Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Industrial e da Agência Brasileira de De-
senvolvimento Industrial (dentro da proposta de implementação e criação de
políticas públicas através de conselhos envolvendo o setor público e o privado).
No grupo de ações voltadas para a redução de “custo e atração de
novos investimentos”, podem-se citar aquelas direcionadas à divulgação de
oportunidades e de incentivos ao investimento, à desoneração do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) para bens de capital, mediante redução
do prazo para o aproveitamento de crédito do Programa de Integração Social
(PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), e
à redução do Imposto de Importação (II) para máquinas sem produção naci-
onal. Na área de infra-estrutura, aparecem a instituição do regime tributário para
incentivo à modernização e à ampliação da estrutura portuária (Reporto);a redução
3 As diretrizes (Brasil, 2003) contêm mais programas voltados aos APLs, ao contrário do que
61
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
de gargalos portuários; o novo regime aduaneiro especial — Regime Aduaneiro
de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (Recof) —, que permite im-
portar ou adquirir no mercado nacional, com suspensão de impostos, mercado-
rias que serão utilizadas no processo industrial de produtos para exportação; o
regime de despacho aduaneiro (“linha azul”), para reduzir o tempo das liberações
de mercadorias que operem no comércio exterior; e o fórum de competitividade
de franquias.
Também nesses programas, destacam-se nitidamente a busca de
envolvimento das empresas privadas na formulação e na implementação de
políticas, o apoio ao setor exportador, o incentivo aos investimentos e o
estímulo à utilização de novas máquinas e equipamentos (que se complementa
com o Modermaq, já citado), voltado para a compra de máquinas no mercado
interno. Além de as novas condições institucionais favorecerem nitidamente
as empresas exportadoras, ou potencialmente exportadoras, é interessante
observar que as medidas tentam amenizar os efeitos da política de juros
altos para os segmentos e as empresas a serem incentivados.
Plano das opções estratégicas
O plano denominado opções estratégicas objetiva estimular investimentos
e desenvolvimento em setores que apresentam, segundo o documento Diretrizes
de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Brasil, 2003),
“(...) dinamismo crescente e sustentável (...) responsáveis por parcelas expres-
sivas dos investimentos internacionais em P&D (...) que geram novas oportuni-
dades de negócios; permitem inovação de processos, produtos e formas de
uso; contribuem para o adensamento do tecido produtivo e possuem potencial
para o desenvolvimento de vantagens comparativas dinâmicas”. Nesse grupo,
são citados especificamente: semicondutores; softwares; bens de capital;
fármacos e medicamentos.
Os semicondutores também são incluídos no Regime Aduaneiro Espe-
cial, de forma a permitir às empresas importar, com suspensão do pagamen-
to de tributos, produtos destinados à exportação. Além disso, são também
beneficiados pela lei da informática (Brasil, 2004b), que inclui o telefone sem
fio como bem de informática, podendo, portanto, receber os benefícios dos
outros itens, a qual incita ainda a formação de recursos humanos e a atração
de investimentos nesse setor. No caso dos softwares, estimula-se o aumen-
to das exportações através da criação de incentivos fiscais e tributários (já
citados no grupo inserção externa) de investimentos públicos nessa área e pela
sua inclusão como área prioritária nos fundos setoriais.
62 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Confirma-se também, nesse plano, a prioridade dada à inserção externa,
na medida em que são propostos principalmente instrumentos voltados para
apoiar a ampliação das exportações e para atrair investimentos externos. Além
disso, reforçam-se os programas contidos no grupo modernização industrial,
voltados para o treinamento de recursos humanos para a utilização das inova-
ções importadas ou produzidas no País.
No incentivo à produção e à aquisição de bens de capital, uma ação asso-
ciada ao Programa inclui também o programa de financiamento do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), voltado para
compradores e fabricantes.
Em fármacos e medicamentos, cujas importações vêm aumentando sig-
nificativamente, aparece o Profarma, linha especial do BNDES para o fortaleci-
mento de empresas nacionais, para a produção nacional e para o desenvolvi-
mento de P&D nessa área. A criação da Hemobras, por sua vez, visa à implan-
tação de uma fábrica brasileira que permita a redução da importação de
hemoderivados.
A escolha dos segmentos considerados como estratégicos parece bastan-
te adequada às necessidades de modernização da atividade produtiva no
Brasil, sendo estes, ao mesmo tempo, potencialmente capazes de atrair
novos investimentos. Pode-se já observar, através de dados divulgados pelo
BNDES, a ampliação dos investimentos na indústria de bens de capital
(Aumento..., 2005).
Plano das atividades portadoras de futuro
Finalmente, as chamadas atividades portadoras de futuro destinam-se a
apoiar novas atividades, através de estímulo à pesquisa e à criação de fundos
setoriais, e seu acerto reside na escolha dos segmentos, mesmo que incomple-
ta. As atividades sinalizadas são as seguintes: biotecnologia; nanotecnologia e
biomassa/energias renováveis.
Cabe ressaltar, no entanto, que esse grupo ainda apresenta um conjunto
de ações muito tímidas, sendo que poucas deverão ser implementadas no
curto prazo.
63
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Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
Pontos críticos da PITCE
De maneira geral, pode-se analisar o documento a partir de alguns pontos
críticos, ou seja, a partir de sua coerência interna e/ou de sua exeqüibilidade.
Nos pontos relativos às linhas de ação horizontal, a questão da inovação está
baseada na formação de Parcerias Público-Privadas. Se é verdade que essas
parcerias poderão drenar recursos privados para a pesquisa, também é verdade
que o atrelamento quase total ao financiamento privado, com utilização da
infra-estrutura pública preexistente, limita a difusão da inovação aos parceiros
envolvidos, pois, diferentemente da pesquisa pública, a pesquisa privada impõe
o segredo à difusão dos resultados em função, obviamente, das leis da concor-
rência. Por outro lado, é mais ou menos evidente que a maior parte das parceri-
as está voltada para adaptações locais de tecnologia importada, visto que a
nova lei de patentes e o elevado custo da inovação colocam as multinacionais
na liderança absoluta da inovação.
De fato, a Lei da Inovação, por exemplo, serve para integrar algumas em-
presas nacionais mais performáticas às redes de fornecedores das multinacionais,
para apoiar as empresas na introdução e na utilização de inovações lançadas
pelas líderes (novos softwares de produção e fabricação, novos insumos, etc).
Em outras palavras, a Parceria Público-Privada na área de inovação adapta-
-se principalmente à difusão de inovações já existentes e à redução dos gastos
em P&D pelas empresas privadas. Esse processo, sem dúvida, favorece a ex-
portação (melhora a competitividade das empresas) e beneficia a entrada de
IDE. Entretanto, no conjunto de medidas voltadas para a inovação tecnológica,
não aparecem, em nenhum momento, incentivos ao desenvolvimento de
tecnologias novas e adaptadas às necessidades da grande maioria das empre-
sas brasileiras. Ao contrário, reduz-se a prática da pesquisa à mera criação de
condições para que as empresas absorvam novas tecnologias, provocando, no
longo prazo, o abandono da pesquisa fundamental.
No caso da inserção externa, cabe ressaltar que grande parte das expor-
tações, ainda que dentro do item manufaturados, é composta por produtos de
baixo valor agregado. São esses: commodities (agroindústria, produtos siderúr-
gicos e petroquímicos) controladas por capitais internacionais, alguns segmen-
tos tradicionais (como calçados) e comércio internacional entre empresas de
mesmo grupo (automobilística, produtos de eletroeletrônica, dentre outros).
Esses produtos, ainda que sirvam à ampliação do saldo comercial e à atração
de IDE, não provocam os propalados efeitos de disseminação de tecnologia,
de geração de emprego e de criação de novas atividades. Em outras pala-
64 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
vras, inserem-se na lógica de favorecimento de alguns capitais, de crescimento
da exportação e da criação de superávit comercial.
No caso da modernização industrial, a linha referida a bens de capital (prin-
cipalmente oPrograma Modermaq), que também aparece nos setores estratégi-
cos, ressente-se de uma orientação claramente direcionada. O documento apre-
senta genericamente programas para apoiar a aquisição e a produção de bens
de capital, embora muitas questões necessitem ser esclarecidas e definidas.
Por exemplo, o apoio ao financiamento e à produção de máquinas está orientado
para os fornecedores de segmentos industriais determinados? Há um tratamen-
to diferenciado entre equipamentos nacionais e importados? Qual a eficácia de
financiar micro e pequenas empresas não vinculadas a algum aglomerado ou
voltadas para algum projeto de alta intensidade tecnológica?4
Na verdade, o Modermaq e outros programas de estímulo ao setor de bens
de capital apresentam, de fato, um potencial transformador sobre o tecido
industrial brasileiro, uma vez que a produção nacional de equipamentos é um
fator central no reforço da dinâmica endógena de um país ou de uma região. O
principal fator para o sucesso desses investimentos é sua vinculação com
arranjos ou cadeias produtivas existentes, de forma que possa ocorrer uma
maior interação entre o produtor de máquinas e o seu usuário (learning by
interacting). É essa proximidade que induz à criação de processos e produtos
adequados às necessidades do comprador, que permite uma assistência
técnica mais constante e, finalmente, que garante uma base de comercialização
interna para essas máquinas capaz de apoiar a conquista de maiores fatias do
mercado externo. Não é à toa que a Itália é o principal exportador de máquinas
e equipamentos para calçados.
No que se refere aos segmentos estratégicos, surpreende a não-inclusão
de medidas específicas para o desenvolvimento do chamado software livre,
defendida pelo atual Governo e com muitas possibilidades de redução de
custos e de autonomia com relação ao monopólio da Microsoft. Entretanto as
medidas referentes ao software livre não estão à altura da prioridade com que
essa atividade vem sendo anunciada publicamente.
4 Quando da conclusão deste artigo, a imprensa já publicava a falta de estratégia do Modermaq,
ressaltando que, dos R$ 2,5 bilhões anunciados no início de 2004, só tinham sido aprovados
R$ 328 milhões até fevereiro de 2005. Além disso, da idéia inicial de favorecer alguns tipos
de equipamentos, o Governo decidiu optar por uma ampla renovação do parque industrial; e
a taxa de juros de 14,9% ao ano é considerada muito elevada, impedindo que as pequenas
empresas acessem o crédito — mais da metade dos recursos do Modermaq foi para
empresas de grande porte que já tinham acesso às linhas tradicionais de crédito (Venda...,
2005).
65
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
Nesse mesmo contexto dos segmentos estratégicos, caberia também ques-
tionar a ausência de discussão sobre a lei de patentes (implantada no primeiro
Governo FHC), a falta de mecanismos de proteção à biodiversidade e, mes-
mo, a ausência de políticas de pesquisa de base nessas áreas, que são com-
pletamente dominadas pelas empresas multinacionais.5 Particularmente em
fármacos e medicamentos, as medidas propostas são praticamente inócuas,
referindo-se à produção nacional (e por empresas nacionais) de medicamentos
em setor nitidamente internacionalizado. Nesse caso, a rediscussão da citada
legislação de patentes, a criação de medidas de proteção às matérias-primas
(que constituem o princípio ativo do medicamento), fartamente encontradas no
Brasil, e a inclusão da química fina entre os setores estratégicos são ações
essenciais para o desenvolvimento da indústria nacional e, principalmente, para
a garantia do suprimento, de forma sustentada, de matérias-primas essenciais.
Nesse sentido, é interessante citar os questionamentos efetuados pelos própri-
os pesquisadores da área farmacêutica, que vêm se movimentando no sentido
de pressionar a Secretaria de Ciência e Tecnologia a agilizar a execução de
medidas já introduzidas nessa área.
Segundo Coelho (2004), no âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia já
existem medidas consistentes dirigidas à produção, à programação e ao
planejamento dos medicamentos e já se discute um novo tratamento à questão
das patentes. No entanto, dificilmente essas iniciativas poderão avançar sem
criar incompatibilidades com a área econômica, uma vez que
“(...) as multinacionais dos medicamentos são donas absolutas do
mercado e as redes de farmácias privadas dominam a dispensação,
adquirindo quase 80% do total da produção industrial. Como superar
a dependência de matéria-prima e implementar projetos de pesquisa,
ciência e tecnologia sem revisar/revogar/enfrentar a Lei da Propriedade
Industrial?
“O grande enigma é: quando as iniciativas no campo da assistência
farmacêutica se chocarem com os privilégios do mercado, como se
portarão os Ministérios da Fazenda, Indústria, Comércio, Meio
Ambiente (vide questão dos transgênicos)?” (Coelho, 2004, p. 15).
5 Excetuam-se desse conjunto diversos segmentos da indústria de bens de capital e os softwares,
segmentos estes em que o Brasil desenvolveu um certo domínio durante o período da lei
de proteção de mercado da informática.
66 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Alguns mitos da política industrial adotados
pela PICTE
Para melhor se avaliar a eficiência da política industrial proposta, ou seja,
a promoção do crescimento do produto através da ampliação das exportações,
a modernização industrial através da difusão de inovação e, finalmente, o alcance
do crescimento auto-sustentado, é necessário discutir alguns conceitos-chave
da economia industrial.
O primeiro refere-se à competitividade, que, desde os anos 90, passou a
incorporar a idéia de reestruturação da economia mundial, sendo definida em
função da adequação das estratégias empresariais ao padrão de concorrência
vigente no mercado internacional. O padrão dominante, a partir de então, tem
como principais fatores a utilização de novas tecnologias (informática e
microeletrônica, novos materiais e biotecnologia) e de novas formas de gestão
(Kupfer, 2001).
A essa abordagem foi dada a qualificação de competitividade sistêmi-
ca (Ferraz; Kupfer; Haguenauer,1996), em que, além das dimensões
microeconômica e setorial, se inclui a dimensão sistêmica, que se refere aos
fatores que formam o cenário onde as estratégias são pensadas e sobre as
quais as empresas (leia-se empresas não ligadas a grandes grupos) não têm
poder de influenciar: variáveis macroeconômicas, contexto internacional, dentre
outros. Mas, mesmo se adotando esse ponto de vista mais abrangente e
completo, esse conceito esconde o fato de que o conhecimento dos limites
sistêmicos da competitividade não garante sua superação, pois não tra-
balha em profundidade com as barreiras tecnológicas, financeiras, comer-
ciais, dentre outras, controladas pelos oligopólios. Não reconhece, portanto,
o “poder de fogo” dos grandes grupos multinacionais, e, muitas vezes, a conclu-
são é que a superação desses obstáculos só pode ser conseguida através
de fusões e associações com grandes empresas e da criação de ca-
nais internacionais de comercialização, dentre outros (Castilhos; Scherer, 2004).
Essas práticas, bem evidentemente, levam, em casos extremos, à
desnacionalização dos setores mais estratégicos e, como conseqüência direta,
à redução do número de empresas no mercado. Entre as empresas que
permanecem no mercado, pode, de fato, ocorrer atualização tecnológica, como
forma de ampliar a produtividade, reduzir custos e permitir a integração pro-
dutiva entre as diversas unidades em questão. Na prática, o aumento da pro-
dutividade, resulta (e é resultado) da redução do emprego total na indús-
67
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
tria.6 “No período entre 1994 e 2000, o emprego direto no setor industrialem geral e sobre a política econômica em particular tem se concentrado na
dificuldade de o País retomar o crescimento de forma sustentável. Se, por um
lado, o Plano Real foi capaz de debelar um processo crônico de descontrole
inflacionário, por outro, a adoção da âncora cambial e a política de juros elevados
geraram o acúmulo de sensíveis desequilíbrios de estoques nos fronts externo
e fiscal. A gestão desses desequilíbrios em um contexto de reversão no quadro
de liquidez financeira internacional, que fora um dos pressupostos para a estra-
tégia de estabilização e “crescimento com poupança externa”, marcou a segunda
fase do Plano — após a desvalorização cambial do início de 1999. Da mesma
forma, a tutela do FMI e a implantação de um novo regime de políticas fiscal,
monetária e cambial foram definindo os marcos da política econômica perseguida
desde então.
Como pode ser visto na Tabela 1 do Anexo, os resultados da “Era Real”
estão longe de configurar um quadro animador. A euforia da estabilização com
algum crescimento nos primeiros anos, que garantiu a base para a reeleição do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi dando lugar à estagnação econômica,
à deterioração do mercado de trabalho e ao aprofundamento dos passivos fiscal
e externo. Foi nesse contexto socioeconômico que se deu a eleição do Presidente
7
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
Luiz Inácio Lula da Silva. Tendo de administrar uma profunda crise, potencializada
pelas incertezas da transição política, o novo Governo optou por manter as
diretrizes de política econômica herdadas do período anterior. O comando da
área econômica foi confiado a pessoas alinhadas ao pensamento dominante no
establishment financeiro. Buscou-se, com isso, o aval dos credores, numa linha
que claramente apontava a acomodação dos conflitos distributivos que sustentam
uma situação estrutural de má distribuição de renda, riqueza e oportunidades.
Assim, um governo que havia sido eleito com um discurso de “mudança” tornou-
-se, com o tempo, uma engrenagem cada vez mais ajustada à manutenção do
status quo na sociedade brasileira.
Até agora, tal opção conservadora tem se legitimado, devido à retomada
recente do crescimento econômico e à melhoria nas condições de financiamento
externo do País. É nesse ponto que se insere o presente trabalho. Procura-se
analisar a qualidade do ajuste externo que vem se realizando desde 1999. Em
especial, mostra-se que a conjuntura externa, tanto nos mercados financeiros
quanto no comércio, indica para uma situação excepcionalmente favorável. Tem-
-se, com isso, uma clara oportunidade de se romper com o ciclo de instabilidade
macroeconômica e de baixo crescimento derivado de um padrão de fragilidade
financeira externa. Além desta Introdução, os argumentos estão estruturados
em mais três itens. A seguir, retomam-se alguns pontos do debate recente sobre
as prioridades da política econômica. Depois, faz-se uma análise detalhada do
ajuste nas contas externas do Brasil, desde 1999. Conclui-se que, apesar das
melhorias de fluxos, a existência de importantes desequilíbrios de estoques
impõe um desafio crucial para os formuladores de política econômica. Se eles
não forem enfrentados com políticas ativas na área cambial e de gestão dos
fluxos privados de capitais, poderão comprometer o estabelecimento de um
ciclo virtuoso de crescimento com estabilidade.
1 - A política econômica e o desempenho
 recente da economia brasileira
Nas Tabelas 1 e 2 do Anexo, pode-se ver um pouco do desempenho da
economia brasileira no período do Plano Real. Este teve pelo menos duas fases.
Entre sua implementação e janeiro de 1999, a utilização da âncora cambial, em
um contexto inicialmente marcado por uma elevada liquidez externa, levou a
uma sensível apreciação do real. Em conjunto com a redução unilateral de tarifas
de importação, também como medida voltada para o combate à inflação, o real
8 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
forte gerou déficits comerciais crescentes, que, associados aos demais pagamen-
tos de serviços e remessas de rendas diversas, levaram a conta corrente a
posições negativas superiores a 4% do PIB. O Brasil perdeu espaço no comércio
mundial exatamente em uma década de forte expansão das exportações
mundiais.1 O financiamento externo passou a depender tanto da atração de
investimento externo direto, o que foi facilitado pelos processos de privatizações,
quanto da manutenção de um elevado diferencial entre os juros internos e
externos,2 de modo a atrair investimentos em portfólio. Câmbio apreciado e
juros elevados contribuíram para que a dívida líquida do setor público
duplicasse no período e para o aumento da carga tributária em 10 pontos
percentuais com respeito ao PIB — chegando a 40% da renda, um nível muito
superior ao de economias de porte semelhante ao do Brasil.
A estabilidade de preços e os ganhos reais nos salários até 1997 geraram
os dividendos eleitorais. Todavia a reeleição de FHC deu-se em meio a um ataque
especulativo. A fuga de capitais de US$ 40 bilhões levou, após a definição do
pleito eleitoral, à realização do primeiro dos três programas do FMI, da “Era
FHC”. A desconfiança dos detentores de ativos brasileiros quanto à
sustentabilidade do regime de câmbio administrado levou, no começo de 1999,
a uma desvalorização de mais de 70% do real. Sob o risco da volta da inflação
e aderindo às sugestões do FMI, adotou-se um novo regime macroeconômico,
que passou a vigorar, ao longo do segundo mandato de FHC, alicerçado em três
elementos: câmbio flutuante, metas de inflação e geração de superávits primários
(que excluem o pagamento de juros sobre a dívida pública) no setor público.
Ainda assim, o período de câmbio apreciado e os juros reais elevados fizeram
com que os estoques de dívida fiscal e de passivo externo duplicassem na “Era
FHC” (Garcia, 2002; Garcia; Didier, 2001). A estratégia de estabilização,
especialmente entre 1995 e 1998, implicou uma troca entre instabilidade de
preços e vulnerabilidade externa crescente. Não à-toa, às vésperas da eleição
1 Enquanto as exportações cresceram, em termos acumulados, somente 33% entre 1994 e
2001, as importações expandiram-se em mais de 68%. Entre 1995 e 2000, as exportações
mundiais aumentaram a uma taxa média composta de 5%. Porém as exportações brasilei-
ras cresceram somente 4,5%. Outros “emergentes” aproveitaram o drive exportador de
forma mais intensa, com taxas anuais de crescimento das exportações muito superiores,
tais como: México, com 14%; China, com 11%; Coréia, com 8%; Malásia e Indonésia, com
7%; e Tailândia, com 6% (estimativas dos autores com base nos dados do International
Monetary Fund (1995/2001)).
2 A taxa Selic média (remuneração dos títulos públicos, com prazos médios de cerca de três
anos), deflacionada pelo IPCA (índice oficial de inflação), da “Era FHC” foi de 16% ao ano
(Tabela 1 do Anexo). Com taxas equivalentes no mercado internacional, de 4% — estimada
por nós a partir de dados do International Monetary Fund (2004b) —, chega-se a um
diferencial de 12% em termos reais.
9
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
que levou Lula ao poder, no final de 2002, passou-se a questionar a capacidade
do País de sustentar suas dívidas (Goldstein, 2003; Williamson, 2002).
A partir da adoção do regime de câmbio flutuante, a conta corrente do
balanço de pagamentos (BP) passou a reagir positivamente aos estímulos de
uma moeda mais competitiva e, em 2003 e 2004, aos de um ambiente
internacional mais favorável (Tabelas 1 e 2 do Anexo). O saldo comercial passou
de um déficit de US$ 1,2 bilhão em 1999 para o superávit recorde de US$ 33,7
bilhões em 2004. O superávit em conta corrente atingiu US$ 4,1 bilhões (ou
0,8% do PIB) em 2003 e US$ 11,7 bilhões (1,9% do PIB) em 2004. Em paralelo,
nosreduziu-
-se 29,53%, enquanto a produção física elevou-se. Em decorrência, a produtivi-
dade aumentou 57,74%” (Campanário; Silva, 2004, p. 24).
Na realidade, o próprio conceito de competitividade é limitado, pois não
considera como essencial, nas condições internacionais de concorrência,
alguns dos principais elementos, quais sejam, a financeirização do capital pro-
dutivo e a nova dimensão da lógica financeira na estratégia de empresas que
são referência em nível mundial.
Desde as últimas décadas, a concorrência internacional passa pelo crivo
dos grandes grupos internacionais, tanto nas commodities como nos setores
mais intensivos em tecnologia; a idéia de nichos de mercado e de “janelas de
oportunidade” encontra-se quase inteiramente ultrapassada pelas atuais condi-
ções da concorrência e pela estratégia oligopólica dos grandes grupos.7
Naturalmente, o engajamento dos compradores e dos distribuidores inter-
nacionais favorece (e favoreceu) algumas empresas de grande porte, em geral
com filiais fora do País e, atualmente, na sua maioria, filiadas a grandes grupos.
Como exemplo, o chamado agribusiness significa basicamente a concentração
e a internacionalização do capital que articula a agroindústria ao campo.
Em outras palavras, o conceito de competitividade, um dos pilares da
política industrial do Governo Lula, esconde contradições básicas da própria
dinâmica da concorrência. Se a inovação contribui para a inserção nessa
dinâmica, a mesma não contribui para o desenvolvimento econômico do País
e, portanto, não respeita as condições sistêmicas internas de reprodução da
própria competitividade (aumento do poder aquisitivo, crescimento do emprego,
melhores salários, possibilidades de inserção de pequenos capitais, etc.).
Nesse sentido,
“No contexto do capitalismo neoliberal, onde ao aumento da
concorrência local se contrapõe a sua redução em escala mundial,
6 Teoricamente, como colocam os neo-schumpeterianos, a inovação tecnológica, em alguns se-
tores, pode levar à redução do emprego, mas esse emprego poderia ser substituído seja
pela criação de novas atividades, seja pelo aumento da renda dos trabalhadores e, assim,
pela expansão da demanda, desde que as instituições se reformem o suficiente para absor-
ver essas mudanças. Na prática, o aumento da produtividade, mesmo que decorrente da
inovação, tem mantido o desemprego em função, por exemplo, do deslocamento vertical
das diferentes etapas da produção (EUA transfere atividades para países de menores
salários, menores custos de insumos e maiores incentivos fiscais). Também a redução do
custo de produção, que torna as atividades mais competitivas internacionalmente, pode ser
conseqüência pura e simplesmente de baixos salários, condições de trabalho não regula-
mentadas e mão-de-obra abundante, como é o caso da China, atual fantasma do mercado
internacional.
7 A esse respeito, ver a idéia de oligopólio mundial em Chesnais (1994).
68 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
existem poucas e localizadas correspondências entre a com-
petitividade individual e as dimensões da competitividade sistêmica
em nível local e nacional, não no sentido de que não haja uma indução
positiva de parte daquilo que vai bem, mas, sim, que existem mais
condições para individualmente ir bem em um ambiente onde a maioria
está mal!” (Castilhos; Scherer, 2004).
Um outro conceito que merece uma reflexão se refere à inovação. De fato,
o enfoque neo-schumpeteriano que melhor trata desse tema considera que só
há inovação quando esta se torna mercadoria, ou seja, quando há comercialização,
o que a vincula à atividade empresarial. Os fatores que a entornam, como a
P&D, dos quais participa também o setor público, não são condições suficien-
tes para que um produto venha a ser lançado no mercado. Além disso, a introdu-
ção desse novo processo ou produto vai depender do acúmulo tecnológico de
cada firma. Porém diversos aspectos precisam ser levados em consideração,
principalmente em se tratando de um país de características como o Brasil,
onde a introdução da inovação se dá principalmente por empresas de fora, ou
pela importação de tecnologia, ou pela importação de equipamentos. Nesse
caso, a literatura internacional pouco trata de particularidades nacionais. Em
primeiro lugar, a empresa, para introduzir nova tecnologia, deve ter o conheci-
mento acumulado, e isto só ocorre no caso de algumas grandes empresas
nacionais (já internacionalizadas, ou seja, que têm filiais fora do País e que
contam com a participação de grandes empresas). Do contrário, a inovação só
se dará por intermédio do processo de fusão ou de venda, quando há uma
transferência patrimonial. Finalmente, é preciso considerar que a seleção das
inovações que se tornam dominantes no mercado mundial não depende apenas
de conhecimento, mas principalmente do controle do mercado e do acordo entre
as empresas inovadoras.
Do ponto de vista do estímulo ao investimento, também cabem alguns
reparos e diferenciações, em particular no que se refere ao mito de que o IDE é
uma das principais fontes de difusão de tecnologia e de geração de emprego
(com salários acima da média). Mais do que o volume dos investimentos
entrantes, é importante analisar sua orientação e seu conteúdo (Castilhos, 2005).
Atualmente, a tendência internacional indica que o IDE direcionado para o Brasil
se orienta basicamente para a produção de commodities com baixa intensidade
tecnológica e, sobretudo, com poucos efeitos multiplicadores sobre a atividade
econômica brasileira, isso quando foge à tendência predominante de se alocar
no setor serviços. Além disso, na maior parte dos casos, como já foi referido,
não são novos investimentos, trata-se de fusões e aquisições de empresas já
existentes, onde, inclusive, as áreas de P&D foram fechadas (Embratel por
exemplo), ou se resumem a atividades de adaptação de processos ou produtos.
69
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
As áreas que mais têm concentrado os novos investimentos diretos es-
trangeiros, além do setor serviços, são siderurgia, mineração, petroquímica e
agronegócios. A siderurgia atravessa um processo de fusão em escala mundial,
que poderá colocar as siderúrgicas brasileiras, especialistas em aços planos,
em situação bastante difícil (Ribeiro, 2004). Essa tendência deverá impelir as
empresas brasileiras a buscarem novas associações, onde a ampliação de fatias
do mercado mundial a partir de ganhos de escala certamente se imporá à
busca pelas “melhorias tecnológicas”. No caso do fluxo de investimentos volta-
dos para a mineração, trata-se, em geral, de capitais internacionais voltados
para a exploração pura e simples de recursos minerais e que tendem a exercer
efeitos predatórios sobre o local dos investimentos. Já a indústria petroquímica
apresenta um leque de investimentos mais diversificados, embora predomine a
produção de commodities de segunda geração. A par disso, a nova onda de
investimentos nessa área vem sendo alavancada pelos investimentos estatais
previstos para os próximos anos.
Ademais, como já foi comentado em outros artigos (Castilhos, 2005), a
internacionalização de diversos elos das cadeias produtivas, iniciada a partir do
Governo Collor, resulta em que a ampliação da produção de um bem não se
reflete diretamente sobre a produção de seus fornecedores locais (ou nacionais)
e, portanto, tem menores efeitos sobre o emprego. Pode-se também supor que
parte do aquecimento da atividade, verificado a partir da metade de 2003, se
utilizou do aumento de horas trabalhadas como forma de não acelerar o número
de novas contratações. Finalmente, é possível que o aumento da produtividade
já permita um aumento da produção sem o respectivo crescimento do emprego.
De fato, uma ampliação generalizada e consistente da produção e do em-
prego requer uma outra estrutura de distribuição de renda, capaz de expandir
tambéma demanda doméstica. Por essas razões, os fortes limites colocados
pela atual política econômica para a expansão do emprego e da renda dos traba-
lhadores, que poderiam resultar em ganhos de escala para a indústria brasileira
e, com isso, em ampliação de sua competitividade no exterior, podem não se
concretizar, sendo mais um fator a se contrapor à idéia de crescimento
sustentado.
A questão possui, portanto, uma relação estreita com outro tipo de contra-
dição que aparece na idéia de crescimento sustentado, que se pode conside-
rar como crescimento de longo prazo, com elevação do emprego e melhor
distribuição da renda. Para tanto, pressupõe-se o reforço de uma dinâmica
endógena, através da ampliação do consumo doméstico e da intensificação
das relações interindustriais, o que não se evidencia no documento recente-
mente lançado. Além disso, pode-se afirmar que taxas de crescimento elevadas
70 Clarisse Chiappini Castilhos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
não resultam necessariamente em crescimento do emprego. Mais ainda, o con-
junto de reformas propostas (algumas já aprovadas) nas áreas da política de
emprego e da previdência e a política macroeconômica em vigor são radical-
mente conflitantes com crescimento econômico sustentado.
Conclusão
Embora a política industrial proposta seja, aparentemente, heterodoxa, a
análise mais cuidadosa das diversas ações priorizadas leva à conclusão de
que, na realidade, é predominantemente ortodoxa. De fato, os programas que
formam a PITCE favorecem e reforçam os mecanismos de mercado e, com
isso, se orientam para as empresas com maiores chances de alcançar os
objetivos colocados, quais sejam, aumento da participação no mercado
externo e atração de investimento direto estrangeiro.
Sob o ponto de vista estrito da inserção internacional, a política proposta
acerta na inclusão das empresas multinacionais como principais atores, tendo
em vista que são essas empresas que detêm tanto a tecnologia quanto os
canais de comercialização. Já quanto à difusão de inovações, mesmo que as
multinacionais dominem as tecnologias de ponta, sua difusão no tecido indus-
trial passa por diversos filtros — derivados da dinâmica da concorrência e
facilitados pelas novas formas que assumem os investimentos diretos e o
próprio processo de organização da produção (disseminada interna-
cionalmente) —, que impedem o acesso de outras empresas a essas inova-
ções. Além disso, os instrumentos mobilizados não atuam no sentido de
condicionar e adequar as estratégias dessas empresas a um projeto nacional
de desenvolvimento, mas, ao contrário, atuam no sentido de adequar ainda
mais o País ao interesse dessas empresas. Caberia a proposição integrada
de uma política de atração de IDE que, em conjunto com a estratégia de
atração de capitais externos como um todo, permitisse uma escolha estraté-
gica do tipo de capital a ser atraído e de sua forma de inserção na economia
nacional. Para isso, até mesmo a articulação com mecanismos que são, na
aparência, exclusivamente financeiros, como os mecanismos de controle da
entrada de capitais, é indispensável.
Um outro elemento essencial se refere à necessidade de maior partici-
pação do Estado no desenvolvimento da pesquisa e da criação de instrumen-
tos voltados para a difusão de tecnologia nos arranjos produtivos locais. Isso
mostra a timidez e a insuficiência da política proposta, que, se tem algum
mérito maior, este está apenas na explicitação da preocupação do Governo em
71
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
Contradições e limites da política industrial do Governo Lula
estabelecer algum tipo de política industrial. Ou seja, o mérito da política pro-
posta esgota-se na sua própria existência.
Há que se considerar finalmente que, no atual momento histórico, uma
política desse tipo contém, pelo menos, três contradições intrínsecas. A primei-
ra refere-se à quase-impossibilidade de formulação de uma política de estímulo
à expansão industrial em um contexto onde quase todas as decisões (preço das
mercadorias, orientação dos investimentos externos) são tomadas internacio-
nalmente, num país onde a política macroeconômica se encontra integralmente
submissa às estratégias e aos condicionantes que orientam o movimento inter-
nacional do capital. A segunda contradição, específica ao documento brasileiro,
refere-se ao seu objetivo de “crescimento econômico e desenvolvimento
auto-sustentado”, que se contrapõe à política macroeconômica ortodoxa
implementada não apenas no âmbito do Ministério da Fazenda e do Banco Cen-
tral, mas também no da própria política industrial.
Finalmente, considerando-se que esse documento trabalha como dadas
as questões da pobreza, do emprego e das condições de vida do(a) trabalhador(a)
(salário, previdência, etc.), os chamados “problemas sociais” (vistos quase como
uma falha de mercado) são “resolvidos” com políticas mitigatórias, como o Pro-
grama Fome Zero, que não estão organicamente integradas à política industrial.
A pergunta que fica é: até que ponto os “capitais vencedores” (Campanario;
Silva, 2004, p. 29) estão dispostos e aptos a subsidiar políticas desse tipo? A
esse respeito, um dos criadores do Consenso de Washington, o Economista
John Williamson, manifestou-se sobre o Governo Lula de uma forma geral:
“(...) é uma decepção na realização dos projetos da área social. Na
política econômica, foi mais inteligente, segundo avaliação dos
analistas externos e na minha também. Na política social, vejo que o
quadro de ministros segue uma ideologia de um velho socialismo.
É tudo ideológico” (As idéias..., 2005, p. 14).
Na verdade, a opinião de Williamson expressa que, mesmo as pequenas
preocupações em perseguir avanços sociais paralelos e completamente sem
vínculos com outras políticas já são excessivas para o grande capital oriundo
dos países centrais, “(...) pois revelam vícios do velho socialismo” (As idéias...,
2005). De outro lado, as políticas de emprego e previdência, também
desvinculadas da política industrial, são totalmente coerentes com a proposta
do Consenso de Washington, como forma de garantir a competitividade indus-
trial e manter a “estabilidade social”.
Em resumo, considera-se, neste artigo, que a política industrial pro-
posta não detém o controle dos elementos necessários para manter o cresci-
mento industrial, pois esse objetivo se contradiz com a política
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 55-74, jun. 2005
macro-econômica e com a excessiva vulnerabilidade da economia brasileira
(amplificada pela própria política industrial) às oscilações e aos humores da
economia mundial. É ainda mais contraditória com a idéia de crescimento
sustentado, porque as reformas relativas ao trabalho (flexibilização do emprego
e reforma sindical) e à Previdência Social, bem como as políticas de
desenvolvimento de P&D (cuja responsabilidade recai sobre a formação de
Parcerias Público-Privadas), favorecem o grande capital e reduzem as oportuni-
dades de emprego estável e de qualidade.
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dezembro de 1991, e a Lei nº 10.176, de 11 de janeiro de 2001, dispondo sobre
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
Dezenove milhões, novecentos e noventa
e oito mil, novecentos e quarenta
e sete empregos e políticas
 públicas: buscando avançar
além da conjuntura*
Duilio de Avila Bêrni** Professor do Programa de Pós-Graduação em
 Economia da PUCRS e Doutor em Economia
 pela Oxford University.
Eduardo Grijó*** Economista da AGERGS e Mestre em Economia
 pelo PPGE-PUCRS.
Resumo
Este artigo discute as conseqüências econômicas de mudanças no padrão de
distribuição da renda, no Brasil, transferindo recursos das classes de renda
mais alta a 20 milhões de trabalhadores presentemente desempregados. Argu-
menta-se que é excessivo otimismo pensar que, dada a relação capital/trabalho
já alcançada pela economia brasileira, esse montante de excedente de mão-de-
-obra receba oportunidades de emprego no setor formal da economia. O meca-
nismo aqui proposto, destinado a garantir a absorção desse contingente
populacional, consiste na criação do chamado Serviço Municipal. Este define-
-se como um conjunto de instituições voltadas à criação de emprego e oferta de
serviços de baixo conteúdo de capital, por unidade de produção, principalmente
às famílias (segurança, saúde, cuidados com crianças e velhos), mas também
a auxiliar a manter os serviços urbanos organizados.
* Ensaio apresentado à mesa Mundo do Trabalho, do X Encontro Nacional de Economia
Política, realizado na Unicamp, entre 24 e 27 de maio de 2005, pela Sociedade Brasileira
de Economia Política. Os autores agradecem aos participantes da mesa pela acolhida e
aos Professores Adalmir Marquetti, Adelar Fochezatto e José Antonio Fialho Alonso pelos
comentários às idéias que presidiram a redação inicial, isentando-os das imprecisões
que, por desventura, permaneçam. Por fim, agradecem aos pareceristas anônimos da
revista Indicadores Econômicos FEE.
 ** E-mail: daberni@pucrs.br
 *** E-mail: grijo@agergs.tche.br
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
Palavras-chave
Mercado de trabalho; excedente de mão-de-obra; serviço municipal.
Abstract
The paper discusses the economic consequences of a change in the pattern of
income distribution in Brazil, shifting resourses from the upper classes to 20
million unemployed workers. It is argued that it is exagerated optimism to expect
that, given the capital/labour ratio already achieved by the Brazilian economy,
this amount of surplus labour will see employment opportunities in the formal
sector of the economy. The mechanism designed to absorb this enormous amount
of labour is the formation of the so-called County Service, defined as an ensemble
of institutions devoted to create employment and provide low capital contents
services mainly to households (security, health, care with children and elder) but
also to help to maintain the urban services tidy.
Artigo recebido em 8 mar. 2005.
 “ Human development has to occur prior to
 or simultaneous with improvements in economic growth,
 if a country is to reach a virtuous cycle.”
(Ramirez; Ranis; Stuart, 1998)
 “Um homem se humilha, se castram seus sonhos.
 Seu sonho é sua vida, e a vida é trabalho.
 E sem seu trabalho, um homem não tem honra.
 E sem sua honra, se morre, se mata.”
 (Gonzaguinha)
1 - Considerações iniciais
Em 1973, a crise do petróleo encerrou a Era Dourada dos países capitalis-
tas avançados, um período de quase 30 anos com crescimento acelerado de
seu PIB. Por essa época, o PIB brasileiro experimentava um crescimento vigo-
roso, o que oferecia perspectivas otimistas sobre o desenvolvimento
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
socioeconômico nacional. Ainda que os 0,55 do Índice de Gini da distribuição da
renda calculados com os dados do Censo Demográfico de 1970 postassem o
País entre os mais desiguais do mundo,1 considerava-se que a industrialização
pesada que se acelerou a partir dos anos 50 e o creative drive da brasilidade
tudo iriam compensar. Seriam geradas rendas per capita próximas às das
economias centrais, e, no devido tempo, a distribuição tornar-se-ia igualitária,
pois os mercados de fatores se encarregariam de sinalizar a precificação
adequada. O crescimento “milagroso” do PIB entre 1967 e 1973 estancou
alguns anos depois, quando se ampliou a drenagem da poupança nacional
para os países que contribuíram para o financiamento do crescimento no perío-
do assim findante. Todavia pensar que cataclismos dessa natureza obrigatoria-
mente deixarão seqüelas eternas é exagerar o sentimento de pleonexia nacio-nal, ou seja, o desejo sentido pelo indivíduo ou grupo de receber mais do que a
parte que lhe atribui a sociedade.
Mesmo que uma parcela do tamanho geográfico e econômico do Rio Gran-
de do Sul fosse deslocada do território nacional, o “resto do Brasil” perderia
cerca de 8% do PIB, mas restariam 92% intocados. Em poucos períodos de
crescimento errático ou em dois anos de crescimento de 4,3% a.a., o que é um
requisito inferior à média histórica do crescimento do PIB do Brasil, o índice de
100 voltaria a ser alcançado. Por analogia, a remessa de juros e royalties ao
exterior pode comprometer o nível do PIB em menos de 8%, em dado período,
mas não representa maldição permanente, pois o próprio crescimento econômico
pode superá-la. Nesse contexto, não pode passar sem ser dito que o pagamento
de frações da dívida externa assumidas em condições de corrupção é uma
prova de fraqueza institucional, pois o ponto aqui levantado é diverso da aceita-
ção pacífica do atual endividamento. O que se busca enfatizar é que, qualquer
que seja a fração do PIB deixada para ser alocada pela sociedade brasileira,
haverá opção de aplicação com contornos mais ou menos igualitaristas.
Todavia o traço característico dos últimos 30 anos foi que, mesmo com a
crescente concentração da renda e do consumo, o sistema foi incapaz de gerar
um estilo de crescimento-distribuição em que taxas de poupança mais robustas
se associariam à elevação substantiva da componente local do investimento
nos setores produtivos. Ainda que se tenha incorporado à questão do desenvol-
vimento socioeconômico a preocupação ambiental, o desempenho produtivo da
sociedade brasileira não incorporou o fator humano.
1 Em estudo recente, usando metodologias diversas das adotadas pelo Banco Mundial, Milanovic
(2002) referenda os dados já conhecidos, confrontando-os com índices de consumo
per capita.
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
Nas linhas abaixo, procura-se argumentar que, havendo 20 milhões de de-
sempregados no Brasil, o que não há são os recursos para absorvê-los com a
relação capital/produto vigente na economia brasileira contemporânea2. Argu-
menta-se que uma solução possível para a absorção desse contingente que
potencializa consumo e produção consiste na criação do Serviço Municipal3,
custando, ao País, 5% do PIB, financiando-se com o Imposto de Renda. Suge-
re-se que o emprego desses 20 milhões de trabalhadores no Serviço Municipal
aumenta a produtividade agregada do sistema, sem reduzir a disponibilidade
de serviços de baixa qualificação prestados às famílias ou às empresas. Asso-
ciando-se aos 5% do excesso de arrecadação pública sobre seus gastos (exceto
pagamento de juros), a equação pública permanecerá equilibrada, se o Imposto
de Renda progressivo tiver sua alíquota elevada, abarcando 10% das rendas de
10% dos indivíduos mais ricos. Conclui-se argumentando que distribuições de
renda de corte igualitário podem reduzir a pleonexia das classes alta e média,
servindo mesmo para elevar os incentivos ao trabalho e minimizar as atividades
improdutivas e de rent-seeking4.
2 - Distribuição
Em qualquer sociedade que não apresentasse a troca como ato voluntário,
e particularmente a troca de mercadorias, não haveria divisão do trabalho, espe-
cialização, crescimento da produtividade ou maior disponibilidade de bens e
serviços por habitante. Havendo troca intermediada pelo dinheiro, dizem os
2 Lidando com o conceito de “trabalho decente”, Pochmann et al. (2005, p. 101) apontam um
déficit de ocupações para 27,8% da População Economicamente Ativa, o que, segundo eles,
requer a criação de 22 milhões de empregos. Os 20 milhões de empregos aqui referidos
constituem o dobro daquele acenado ao País no manifesto eleitoral que levou à constituição
do Governo Lula. A PNAD de 2003 menciona 8.537.033 desempregados (IBGE, 2004), um
peculiar conceito de desemprego, pois, acrescentando os funcionários públicos aos traba-
lhadores portadores de working permit, não se alcançam 33% da População Economica-
mente Ativa.
3 Define-se aqui Serviço Municipal como um conjunto de instituições de base regional voltadas
a absorver a mão-de-obra excedente, direcionando-a ao atendimento das necessidades
sociais, desde a coleta e seleção do lixo urbano, passando pelo cuidado de crianças e
velhos e pela zeladoria das florestas e águas internas, até o auxílio à manutenção da
segurança pública. As “frentes de trabalho” periodicamente criadas no Nordeste do Brasil, a
“renda mínima” instituída na legislação e os programas Bolsa-Escola, Fome Zero, Bolsa
Alimentar, Vale-Gás e Cartão Alimentar constituem embriões (ao serem despidos da
currupção) do Serviço Municipal.
4 Detalhes sobre esse ponto podem ser encontrados em Baumol (1990).
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economistas neoclássicos extremados, no devido tempo e sem a intervenção
governamental, o melhor dos mundos será alcançado. Antes deles, os econo-
mistas clássicos diziam que a troca desencadeia (e responde a) um sistema de
preços que também organiza a distribuição dos resultados do esforço produtivo
humano voltado à produção de bens e serviços. Um inarredável fato econômico
da atualidade brasileira é que a troca intermediada pelo dinheiro não tem trazido
os melhores resultados para a vida societária. Assaltos, acidentes de trânsito,
tráfico de drogas e prostituição infantil são sintomas de ineficiências tanto no
sistema produtivo quanto nos arranjos distributivos a ele acoplados, todos en-
gendrados pelos tomadores de decisões político-econômicas. Tantas são as
variáveis envolvidas para esbater tais mazelas, que a vitória implicará a promo-
ção da elevação do padrão de vida das massas como o traço distintivo entre a
economia estagnada dos últimos 25 anos para a sociedade dinâmica cum
redistribuição. Em particular, dada a incapacidade do livre jogo das forças de
mercado de encaminhar soluções, muitos apontam a necessidade de criação
de políticas econômicas destinadas a fortalecer o dinamismo do sistema. No
presente ensaio, busca-se argumentar que, no Brasil, o crescimento não vai
gerar redistribuições substantivas,5 e que estas apenas ocorrerão em resposta
a políticas governamentais profundamente direcionadas à redução da
desigualdade.
No Brasil contemporâneo, muitos investigadores associam as mazelas
sociais à “hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo”, mas o
pensamento estruturalista dos anos 70 sempre deu maior destaque à relação
entre as diferentes dimensões do sistema econômico. Para ele, a estrutura pro-
dutiva determina o perfil de distribuição da renda. Esta, por seu turno, cria pa-
drões de consumo específicos, que vão influenciar a produção, num círculo
interminável de múltiplas determinações. Mais incomum é incorporar-se a essa
cadeia de causações o fator demográfico, que deve inserir-se nas três dimen-
sões do trabalho social utilizado pelo sistema.6 Trabalhadores e capitalistas exer-
cem seu esforço na esfera da produção, transformando insumos em produtos,
ao utilizarem terra e bens de capital. Os agentes cujas habilidades forem assim
5 A marca registrada sobre a relação entre crescimento e distribuição da renda encontra-se
em Kuznets (1955). Uma visão moderna encontra-se no artigo de Fajnzylber (1988), segui-
da de Ramirez, Ranis e Stewart (1998). Este último deu origem à primeira epígrafe do
presente trabalho.
6 Nomeadamente, a produção de valores de uso, seu dual como valores de troca e sua
síntese na forma do valor das mercadorias. Mais detalhes sobre esse ponto e seus circuitos
de mensuração (respectivamente, quantidades, preços e horas de trabalho) podem ser
encontrados em Bêrni (2003).
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
empregadas participarão do processo distributivo, credenciando-se a exercer
suaspreferências sobre diferentes cestas de consumo. Os desempregados são
peremptoriamente excluídos dessa relação de causação, devendo contar com
mecanismos distributivos familiares ou governamentais, a fim de continuarem a
buscar oportunidades de inserção/reinserção na matriz produtiva do sistema
econômico. Mas os próprios trabalhadores empregados, ao reterem uma fração
de apenas 40% do PIB, contrastam com os dos países capitalistas avançados.
Estes retêm 70% de uma renda per capita superior em entre seis e 10 vezes à
do PIB brasileiro. Na economia com surplus labour (Lewis, 1954; Ramirez; Ranis;
Stewart, 1998), é impossível mudar essas relações: tanto elevar os 40%, quan-
to catch up com a renda per capita mais elevada.
Hoje, os limites do dinamismo industrial já são claros, mesmo em um país
de renda média como o Brasil, cuja reestruturação nos anos 90 destruiu dois
milhões de postos de trabalho, como apontam as novas Contas Nacionais do
Brasil (IBGE, 2000; 2001). Mesmo em 2004, com o crescimento de 5,2% do
PIB e — que seja — a criação de menos de dois milhões de empregos, o
excedente de mão-de-obra manifestou-se com a indicação de que 10% dos
postos de trabalho pagaram taxas de salário iguais ou inferiores à mínima legal.
A exemplo da trajetória secular da agricultura, observa-se, nos anos recentes, a
perda relativa de importância do PIB industrial, ainda que mantendo a liderança
absoluta na produção de bens. Pode-se sugerir que a antítese do movimento
industrial reside precisamente no deslocamento do emprego para os serviços.
Suas tradicionais e limitadas perspectivas de aumento da produtividade fizeram
Baumol (1967) criar a encantadora imagem do quinteto de cordas. Por mais que
se eleve sua produtividade, haverá um limite para os ganhos do numerador, de
sorte que novas conquistas seriam realizadas apenas com mudanças no deno-
minador, o que implicaria transformá-lo num quarteto...
Notoriamente, o Brasil apresenta um sistema produtivo cujo desempenho
nos últimos 100 anos deu todas as mostras de vigor, na maior parte do tempo.
Mesmo em períodos recentes, com grande instabilidade na geração de renda,
as quedas conjunturais nunca excederam 5% do PIB. Todavia esse aparato
comporta uma proverbial incapacidade de absorver integralmente a População
Economicamente Ativa. O divórcio entre a dimensão demográfica do sistema
socioeconômico-ambiental e sua dimensão produtiva não se parece encami-
nhar para uma solução criativa, pois os tomadores de decisão dificilmente vão
renunciar à utilização de tecnologias modernas essencialmente poupadoras de
mão-de-obra. Para um país que vive em luta intestina — essa guerra branca que
devasta seu já deficiente desenvolvimento humano —, surpreende que o
economicismo assuma a liderança na discussão. Fala-se que as mazelas
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
sociais do País seriam pensadas, caso os sucessivos governos centrais des-
sem o corte adequado a suas políticas de indução do investimento. Seriam,
alega-se, acionadas a taxa de juros e a promoção de exportações, buscando a
modernização por meio de uma taxa de câmbio que incentivasse as importa-
ções de bens de capital. Tudo é explicado como se o emprego fosse uma variá-
vel de resposta dócil às variações nos níveis de produção estimulados por juros
e câmbio adequados: investe-se aqui e exporta-se para acolá. Aumenta a
demanda agregada, e, ipso facto, aumenta o emprego.
Em 2004, câmbio baixo e juro alto associaram-se ao crescimento de 5,2%
no PIB. Paradoxo à vista: o movimento das exportações alcançou récords
extraordinários, mesmo com o câmbio baixo. Mais ainda: a formação da poupan-
ça nacional não dá sinal de reagir ao juro alto. De fato, mesmo juros em nível das
maiores taxas planetárias não oferecem otimismo ao investigador isento, a jul-
gar pelos menos de 20% do PIB que representam a atual propensão média a
poupar.
Houve absorção de menos de dois milhões de trabalhadores no mercado
formal, o que é uma boa notícia, mas ela não pode ser comemorada sem que se
lembre que o contingente de desempregados foi abalroado apenas de leve com
essas cifras. Estima-se que mais da metade desses empregos já nasceu em
condições insatisfatórias, e sequer se está falando que três milhões de jovens
estariam a aportar no mercado de trabalho, em 2004. Obviamente, condições
insatisfatórias de emprego, particularmente o emprego informal, incluem as pro-
fissões de sicários, traficantes de drogas e proxenetas.
As ineficiências distributivas do sistema são significativas, mas têm o
ponto de destaque no setor bancário. Tal é visível quando se observa sua
lucratividade, comparando-a com os cânones da eficiência alocativa, situação
em que o preço é igual ao custo marginal. Se os lucros extraordinários assim
criados são indesejáveis sob o ponto de vista da sociedade, esta deve
desincentivar sua apropriação privada por meio de ação institucional, o que
deve ser sinalizado com a cobrança do Imposto de Renda progressivo sobre
este. Por outro lado, quando há prejuízo, obviamente tampouco há eficiência
alocativa, mas, nesse caso, o mercado encarrega-se de resolver o problema.
As firmas que geram prejuízos não acumulam capital: quebram, fundem-se ou
são incorporadas por outras mais eficientes. Mesmo nos casos de corrupção,
que a sociedade não se dispõe a gastar recursos para coibir, as distorções
podem ser resolvidas com o Imposto de Transmissão de Bens Inter-Vivos
e Heranças.
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
3 - Emprego
Com ou sem mercado de trabalho, a atividade produtiva sempre tomou
uma parte significativa do tempo de vida humana. Tal foi assim mesmo nas
hordas nômades e em sua transição para a Revolução Agrícola. Menos de 100
séculos após sua consolidação, esta deu lugar à Revolução Industrial, em pleno
vigor do capitalismo comercial, quando o mercado de trabalho passou a assumir
crescente importância na distribuição do excedente econômico. Além desse
fato, outro aspecto importante do capitalismo industrial foi sua intrínseca ten-
dência a aproveitar as vantagens da produção em larga escala e elevar extraor-
dinariamente a produtividade do trabalho. Da tecnologia do vapor associada a
seu início, o capitalismo industrial ingressou em nova fase, no princípio do
século XX, hoje chamada de fordismo, que se caracterizou pela crescente subs-
tituição do vapor na geração de energia, dividindo o trabalho e oferecendo-lhe
novos aumentos na produtividade. A crise do petróleo de 1973 trouxe um abalo
na forma de utilização da energia proveniente do motor à combustão interna.
Poucos anos após, começaram a acelerar-se os desenvolvimentos observa-
dos, desde os anos 40, nas tecnologias de processamento de informação. A
Revolução Microeletrônica, associando-se ao desenvolvimento do capitalismo
no Japão, criou o fenômeno da desindustrialização, diagnosticado inicialmente
na Inglaterra. Esta consiste tanto no aumento da produção da indústria de trans-
formação quanto das exportações de manufaturados e na queda simultânea do
emprego industrial.
Mas não é de hoje que essa constatação tomou conta dos países capita-
listas avançados. Durante a Era Dourada, pensou-se que a visão de Keynes,
expressa ainda antes da Grande Depressão de 1929, teria sido superada. Mes-
mo nesse período, a participação do Governo no mercado de trabalho e a redu-
ção da jornada foram essenciais para a pacificação da vida civil. Ou seja, pros-
segue tendo ampla validade o que disse Keynes (1984, p. 154):
“Estamos sendo atingidos por uma nova doença, a respeito da qual
alguns leitores ainda podem não ter ouvido falar, mas sobre a qual
ouvirão muito nos próximos anos — ou seja, o desemprego
tecnológico. Isto significa um desemprego causado pela nossa
descoberta de meios para economizar o emprego do trabalho a um
ritmo maior do que aquele pelo qual conseguimos encontrar novasutilizações para a força de trabalho.
“Trata-se, porém, de apenas uma fase temporária de desajustamento.
Afinal, tudo isto significa que a humanidade está resolvendo seu
problema econômico. Eu prediria que o padrão de vida nos países
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
progressistas será, daqui a 100 anos, entre quatro e oito vezes maior
do que o atual. E não seria absurdo considerar a possibilidade de um
progresso ainda maior”.
Entendendo que, nas sociedades capitalistas, a ligação mais estreita en-
tre produção de riqueza e sua distribuição emerge do funcionamento do merca-
do de fatores de produção, em fascinante e dolorosa frase de efeito, Joan Robinson
teria dito que, nesse contexto, é melhor ser explorado do que não sê-lo. Ser
explorado significa, dadas certas premissas, ter emprego, o que converte a
ocupação da mão-de-obra na variável central do igualitarismo. Com efeito, capi-
talismo significa dominância do mercado de trabalho para definir uma das ques-
tões fundamentais da economia: para quem produzir (ou como distribuir a produ-
ção). Obviamente, nas sociedades organizadas, a distribuição primária da ren-
da, engendrada pelo mercado de fatores de produção, não exclui outras formas
importantes para a distribuição secundária. Com efeito, no próprio embate da
distribuição funcional, o governo credencia-se a parte do produto, cobrando impos-
tos dos fatores efetivamente alocados e dos consumidores credenciados pelo
poder de compra.
Duas definições importantes da vida societária são estabelecidas especi-
ficamente no mercado de trabalho. A primeira diz respeito à distribuição funcio-
nal da renda. Nesta, os capitalistas brasileiros têm levado a melhor sobre a
classe trabalhadora, comparativamente às shares vigentes nos países capita-
listas avançados. Ainda que, como se referiu acima, a distribuição de lucros
seja desigual para as diferentes frações do capital produtivo, há sinalização
para a presença de ineficiências alocativas em vários setores. A segunda defi-
nição crescentemente trazida pelo desenvolvimento do capitalismo acompanha
a característica do mercado de trabalho de manifestar sua lei da eqüidade: os
salários tendem a se equalizar, apesar de a produtividade ser diferente entre os
diferentes setores.
Todavia, no Brasil, menos do que essa lei de eqüidade à la Adam Smith, o
que se vê nos índices de desigualdade dos salários extremamente elevados é a
manifestação da economia com excedente de mão-de-obra de Arthur Lewis.
Fatores como a distribuição do excedente entre salários e lucros, a contribuição
dos mercados de trabalho na agricultura e nos serviços, a crescente participa-
ção feminina e a ilusão monetária provocada pela inflação nos dados de perío-
dos dilatados apontam correlações negativas entre a produtividade do trabalho
e o salário médio. Esses resultados, em nível do detalhamento setorial, consti-
tuem o elogio da eficiência produtiva do sistema econômico brasileiro, cabendo
aos setores agrícola e industrial sua desqualificação distributiva.
Claramente, políticas localizadas no mercado de trabalho, como a cria-
ção e a manutenção do salário mínimo, podem ser úteis em países com conste-
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
lações de fatores produtivos diversas das vigentes na economia brasileira e nas
demais economias portadoras de excedentes populacionais relativamente à
capacidade de absorção pelos setores produtivos. Neste último caso, eleva-
ções incrementais e sucessivas no salário mínimo não são eficazes como ele-
mentos indutores do aumento da produtividade do sistema. Com efeito, a Figura
1 exibe uma alegoria da situação planejada de um mercado de trabalho antes e
depois da fixação do salário mínimo.
Figura 1
A quantidade de trabalhadores q
e
 equilibra o mercado de trabalho a uma
taxa de salário determinada. A fixação do salário no nível Smin tem a implicação
de reduzir a quantidade procurada por trabalho para q
min
, o que causará dois
tipos de choques alternativos ao igualitarismo. O primeiro diz respeito ao movi-
mento ocorrido na massa de salários da economia, ou seja, da participação dos
trabalhadores na renda. Dependendo da elasticidade da curva de
procura por trabalho no momento estudado, tal participação pode crescer,
aumentando a desigualdade entre os trabalhadores, mas também pode cair,
aumentando a desigualdade entre trabalhadores e capitalistas. O segundo é
 
Smin
S
D’
D
Se
qmin qsmqe
Salário 
Emprego 
85
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
claramente ilustrado na Figura 1: redução da quantidade q
e
-q
min
 no número de
trabalhadores empregados, por si só reduzindo as oportunidades de inserção no
mercado de trabalho. Por contraste, caso a curva de demanda por trabalho seja
deslocada de D para D’, a quantidade q
SM
é alcançada mesmo ao valor do novo
salário mínimo S
min
, no caso de a curva de procura por trabalho deslocar-se para
a direita.
Ou seja, no Brasil, tentar melhorar as condições de vida da classe traba-
lhadora com o instituto do salário mínimo, associado à desesperada busca por
parte dos trabalhadores aposentados de manterem seus ganhos reais frente à
explosiva inflação que vigorou durante o quarto de século posterior à crise do
petróleo, apenas serviu para complicar a questão. Pela confusão entre o papel
das transferências governamentais com regulamentação do mercado de traba-
lho, houve um preço a ser pago, dado pela desarticulação do binômio salário
mínimo-produtividade. Recapitulando, a quantidade q
SM
-q
e
 tem a propriedade de
elevar o salário de mercado acima do nível anterior, sem o indesejável efeito de
reduzir o nível de emprego.
4 - Investimento
Todavia existem dois outros argumentos mais realistas para que se inicie a
pensar numa transformação radical na forma de enfrentar a desigualdade no
Brasil. O primeiro deles fundamenta-se no exame da experiência histórica em
termos de absorção da mão-de-obra, conforme ilustra a Tabela 1.
Ela mostra os coeficientes de elasticidade média no arco da relação em-
prego/renda.7 Os 0,49 da agricultura no período 1949-59, por exemplo, informam
que, para aumentos de 1% no PIB, o emprego reagiu, elevando-se em menos
de meio ponto percentual. Como se vê em continuação, apenas nos anos 60
houve resposta vigorosa no próprio emprego agrícola. A partir de então, ocorreu
um movimento de retirada do homem do campo, prevendo-se que tal tendência
se mantenha na atual década.
7 A elasticidade média no arco é dada por ([Ef - Ei]/[Ef + Ei])/([Yf - Yi]/[Yf + Yi]), onde E é o
emprego, Y é o PIB, e os subíndices i e f apontam os anos inicial e final dos períodos
assinalados na Tabela 1.
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
Tabela 1
Elasticidade média no arco da relação emprego/renda, no Brasil — 1949-10
IBGE. Matriz de relações intersetoriais: Brasil —
1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.
IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Ja-
neiro: IBGE, 1986.
IBGE. Contas nacionais do Brasil: 1947-1970. Rio
de Janeiro: IBGE, 1987. (Mimeo).
IBGE: Brasil. Novo sistema de Contas nacionais:
Metodologia e resultados provisórios — ano-base
1980. Rio de Janeiro, IBGE, 1988. v. 1, n. 10. (Mimeo).
IBGE. Matriz de insumo-produto: Brasil — 1980.
Rio de Janeiro: IBGE, 1989.
IBGE. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br Aces-
so em: mar. 2001.
IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1990-98.
Rio de Janeiro: IBGE, 2000/2001. Dispinível em:
www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.
IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1995-1999.
Rio de Janeiro: IBGE, 2001. Disponível em:
www.ibge.gov.br Acessoem: mar. 2001.
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicí-
lios: síntese de indicadores, 2003. Rio de Janeiro:
IBGE, 2004.
RIJCKEGHEN, W. van. Relações interindustriais
no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1967. Ca-
dernos IPEA, 2).
SETORES 1949-59 1959-70 1970-80 1980-90 
Agricultura ........................ 0,49 1,76 -0,33 -0,29 
Indústria ........................... 0,60 0,54 1,37 1,41 
Serviços ........................... 0,68 0,57 1,16 3,91 
Total ................................ 0,43 0,35 0,61 2,00 
SETORES 1990-00 2000-10 1949-10 
Agricultura ........................ -0,14 -1,27 -0,04 
Indústria ............................ -0,51 0,90 0,89 
Serviços ............................ 0,94 0,36 1,02 
Total ................................. 0,33 0,27 0,73 
FONTE DOS DADOS BRUTOS:
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
Ainda na Tabela 1, vê-se que a dificuldade no equacionamento do problema
da eqüidade é ilustrada pela maciça presença de relações inelásticas para a
maioria dos períodos dos setores. De fato, do total de 28 coeficientes nela repro-
duzidos, apenas oito são maiores do que a unidade. Em outras palavras, o
emprego exibe relação elástica no que diz respeito à renda no Brasil apenas
como exceção, em termos tanto de períodos do desenvolvimento econômico
nacional quanto de distribuição setorial do trabalho social.
Avançando para o segundo argumento, deve ser registrado que esperar
que essas “fatalidades” tecnológicas sejam revertidas em plena era da Terceira
Revolução Industrial é exagerado otimismo, como sugerem outros indicadores.
Na Tabela 2, vê-se a essência do segundo argumento. Ele diz respeito ao reco-
nhecimento da impossibilidade radical de absorção pelo sistema produtivo de
vultosos excedentes de mão-de-obra durante todo o período referido, inclusive
as estimativas para 2010. Ou seja, na medida em que a relação capital/produto
se eleva, torna-se cada vez mais proibitivo pensar em absorver a mão-de-obra
ociosa e a ingressante no mercado de trabalho com a produtividade próxima à
média da economia. Se, em 1949, se fazia necessário investir 0,35% do PIB
para elevar o emprego em 1%, os saltos na acumulação de capital, no Brasil,
levaram a que essa cifra duplicasse durante os anos 60 e, durante a “Década
Perdida”, crescesse mais 40%.
Parece evidente que a preocupação dos atuais defensores do
nacional-desenvolvimentismo, desejosos do relançamento da atividade
econômica por meio da fixação, pelo Banco Central, de taxas de juros mais
reduzidas, não se pode justificar em termos de retomada do emprego. Para
colocar, por exemplo, 10 milhões de cidadãos em postos de trabalho efetivos,
juros baixos deveriam financiar investimentos que teriam abarcado 23,5% do
PIB do País no ano 2000. Ou seja, mais de 15% acima da atual taxa de inves-
timento nacional. Obviamente, as perspectivas para 2010, ainda que a razão
investimento adicional/PIB não seja excessivamente discrepante da dos anos
80 e 90, não são mais alentadoras.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
IBGE. Matriz de relações intersetoriais: Brasil —
1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.
IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Ja-
neiro: IBGE, 1986.
IBGE. Contas nacionais do Brasil: 1947-1970. Rio
de Janeiro: IBGE, 1987. (Mimeo).
IBGE: Brasil. Novo sistema de contas nacionais:
Metodologia e resultados provisórios — ano-base
1980. Rio de Janeiro, IBGE, 1988. v. 1, n. 10. (Mimeo).
IBGE. Matriz de insumo-produto: Brasil — 1980.
Rio de Janeiro: IBGE, 1989.
IBGE. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br Aces-
so em: mar. 2001.
IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1990-98.
Rio de Janeiro: IBGE, 2000/2001. Dispinível em:
www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.
IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1995-1999.
Rio de Janeiro: IBGE, 2001. Disponível em:
www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicí-
lios: síntese de indicadores, 2003. Rio de Janeiro:
IBGE, 2004.
MARQUETTI, Adalmir. Estimativa do estoque de
riqueza tangível no Brasil, 1950-1998. Nova Eco-
nomia, Belo Horizonte, UFMG, v. 10, n. 2, p. 11-37,
dez. 2000.
Tabela 2 
 
 Produto Interno Bruto, estoque de capital e emprego e fração do PIB gasta 
 em investimento para elevar o emprego em 1% no Brasil — 1949-2010 
ANOS PIB
(R$ milhões)
CAPITAL 
(R$ milhões) 
EMPREGO 
(1 000 
trabalhadores) 
INVESTIMENTO
NOVO COMO 
FRAÇÃO DO 
PIB (%) 
1949 84 781 29 674 15 846,6 0,35 
1959 168 739 104 176 21 059,7 0,62 
1970 335 935 242 266 26 640,0 0,72 
1980 768 474 816 027 43 378,5 1,06 
1990 898 407 1 340 265 59 361,5 1,49 
2000 1 167 117 1 769 859 64 617,3 1,52 
2010 1 663 988 2 579 181 71 079,0 1,55 
FONTE DOS DADOS BRUTOS:
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
Ou seja, não se pode pensar que os excedentes populacionais que gravitam
em torno do “setor atrasado”, caracterizadores dos mercados de trabalho
lewisianos8 (Lewis, 1954), serão absorvidos de acordo com o cânone retirado da
experiência desenvolvimentista dos países capitalistas avançados. Parece que
a incorporação de tecnologia moderna, a abertura da economia e os limites
termodinâmicos, associados à transformação de insumos em produtos, impe-
dem que os excedentes de mão-de-obra venham a ser absorvidos dentro dos
atuais contornos da vida societária.9 Como colocar pressão sobre o mercado de
trabalho no Brasil, na tentativa de colar os ganhos de produtividade aos aumen-
tos salariais e pressionar pela equalização salarial entre os diferentes setores
econômicos? Primeiramente, reduzindo a jornada de trabalho. Depois, reduzin-
do o tempo de contribuição para as aposentadorias, ou seja, permitindo o aces-
so à aposentadoria por parte de trabalhadores mais jovens. Terceiro, estabele-
cendo um preço sobre o acesso prematuro ao mercado de trabalho e ao segun-
do emprego. Quarto, aumentar os períodos de férias anuais. Por fim, comparati-
vamente a todas as medidas recém-citadas, a menos paliativa consiste na
criação do Serviço Municipal. Nesse caso, redirecionando 5% do PIB, ou seja,
não mais do que os atuais superávits primários governamentais, pode-se enca-
minhar mais de 20 milhões de pessoas para as atividades formais, devidamente
comprovadas com contra-cheques emitidos pelo Tesouro Nacional.
Para o problema da destruição do emprego no Primeiro Setor, uma vez
que, na sociedade capitalista, falta de emprego significa ausência de renda, a
solução quase tautológica consiste na criação de empregos no Segundo e no
Terceiro Setores. Com efeito, seus requisitos de capital por unidade de mão-de-
-obra são menores do que nos setores produtores de bens agrícolas e
industriais.
Todavia o excedente de mão-de-obra lewisiano de 20 milhões de trabalha-
dores não será absorvido nas formas tradicionais. Nem o crescimento extraordi-
nário da agricultura transgênica, nem novos ímpetos industrializantes resolve-
rão o problema da absorção do estoque e sua expansão vegetativa de desem-
pregados. Para resolvê-lo, torna-se necessária a criação de novos mecanismos
distributivos, cujos principais defensores devem ser precisamente os trabalha-
dores empregados e organizados. Dezenove milhões, novecentos e noventa
e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos adicionais no Brasil
8 Notadamente, os que caracterizam as economias com excedente de mão-de-obra, cuja
curva de oferta de trabalho é horizontal, em contraste às curvas verticais que se podem
inferir da visão smithiana.
9 A menor relação de insumo-produto setorial encontra-se na agricultura. Alojando 20 milhões
de trabalhadores adicionais, ela requeria um terço do valordo PIB para gastos com insumos.
90
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
contemporâneo constituem o dobro da meta estabelecida no manifesto eleitoral
que levou o Governo Lula ao poder. Também representam 30% do atual contin-
gente de trabalhadores empregados no País. Além das vagas já preenchidas no
mundo do emprego do setor privado, do Governo e das ONGs, esses 20 milhões
de pessoas iriam alojar-se no, assim inaugurado, Serviço Municipal, também
associado a baixo nível de investimento por emprego gerado. Talvez sobrassem
vagas, chegando-se a um razoável patamar de paz social com menos de 5% do
PIB, mesmo sem realocar diretamente os 5% atualmente gastos com a usura.
5 - Políticas públicas
Nessas circunstâncias, impõe-se a pergunta: o Brasil pode adotar esse
pacote de medidas em seu próprio benefício? Ou seja, ele poderia conferir à
extensão dos mercados de trabalho locais os foros privilegiados na geração de
emprego e renda? Os mercados locais, ainda que abrangendo segmentos
exportadores de serviços, como o comércio e os transportes, serão o locus do
Serviço Municipal, atividade elevadora da produtividade agregada do sistema,
pois passariam a disciplinar a vida societária com a produção maciça de servi-
ços de limpeza urbana, de controle das águas internas (inclusive alagamentos
de pistas de rolamento urbano), de controle da fluidez do trânsito nas cidades e
estradas, de reflorestamento das margens dos regimes de água, etc. A exitosa
experiência dos atuais agentes comunitários de saúde pode ser multiplicada, a
fim de atender a todas as demais demandas associadas à desigualdade brasi-
leira: da nutrição à educação, da moradia à justiça.
Considerando que o livre jogo das forças de mercado não exibe condições
de absorver os excedentes de mão-de-obra, a ação pública, com a utilização de
seus instrumentos de condução de política econômica, pode influenciar a distri-
buição da renda sob diversas formas. Por exemplo, no mercado de bens, ela
tradicionalmente atua com tributação ou com o gasto público. Sob o ponto de
vista macroeconômico, ainda que haja desdobramentos quanto à utilização de
instrumentos, a política do governo ocorre nos mercados de bens, monetário
(e de títulos), cambial e no de fatores, particularmente o de trabalho. Todavia a
dimensão distributiva do sistema, considerados todos os aspectos econômicos
e políticos envolvidos, não costuma ser realçada mesmo no tradicional fluxo
circular da renda. Este exibe tanto as relações de compra e venda de bens e
serviços quanto as transações de compra e venda dos serviços dos fatores
produtivos. Em outras palavras, delineiam-se claramente os fluxos verificados,
por um lado, entre produtores e consumidores e, por outro, entre produtores e
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
proprietários dos fatores produtivos. A omissão dos fluxos que ocorrem entre os
proprietários dos fatores e os consumidores dos bens e serviços de uso final
esconde a ação dos chamados mercados políticos, cujo funcionamento se ex-
pressa na definição das estruturas do gasto público e da tributação.10
No mercado de bens, a ação pública, potencializada por meio da política
fiscal (gasto), apresenta algumas peculiaridades na produção de bens públicos
e semipúblicos, cuja provisão (ainda que não necessariamente a produção) é
absolutamente indelegável (Monteiro, 1982, 2004). Com efeito, o papel do gover-
no na sociedade organizada consiste em criar mecanismos para a provisão de
informação para os demais agentes econômicos, bem como fiscalizar sua ação
deletéria aos interesses coletivos. Numa sociedade em que a informação
circula livremente, as possibilidades de alocação mais eficiente dos recursos
ficam expandidas. Mais informação expande as fronteiras comerciais e
tecnológicas da escolha empresarial, ao mesmo tempo em que oferece maior
mobilidade aos fatores de produção e, com isso, expande as possibilidades de
consumo. Ademais, a criação de salvaguardas ao cumprimento dos contratos
de garantia dos direitos de propriedade implica custos incididos por parte do
setor público, que, quando não assumidos, levam à ação dos agentes indepen-
dentes, constituindo-se em desvio de recursos que poderiam, alternativamente,
receber uso produtivo. A criação de departamentos de controle e segurança é o
mais eloqüente elemento para se avaliar o significado de custos de transação.
Numa sociedade desigualitária, com enormes diferenciais de renda entre os
indivíduos e uma cultura de incentivo ao consumo suntuário, as reduzidas
opções de empregos produtivos, além do mais, dada sua escassez, impelem
um número expressivo de indivíduos a desenvolverem atividades econômicas
improdutivas ou destrutivas (Baumol, 1990).
Se há algum lado bom nesse padrão de uso dos recursos destinados a
colocar grades nas janelas ou cadeados nos portões e produzir tenazes para
quebrá-los, este reside na forma com que a sociedade se organiza para se
precaver contra invasões de caroneiros (Bêrni, 2004). Nesse sentido, os assal-
tantes reais e potenciais desempenham a função social de alertarem a socieda-
de para a importância da oferta de mecanismos fiscalizadores dos contratos e
da criação de auditorias sociais. Ainda que seja exacerbado otimismo encami-
nhar a questão nesses termos, torna-se evidente o dilema de escolha social
aqui envolvido. As grades apenas deixarão de desviar recursos sociais quando
as famílias voltarem a ter assegurado seu direito constitucional à inviolabilidade
10 A modelagem macroeconômica que utiliza a matriz de contabilidade social gera um fluxo
circular da renda que destaca essas dimensões.
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Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
do lar. Um número expressivo de indivíduos dispor-se-ia a pagar pequena fração
de sua renda para livrar-se do assalto e do atropelamento no trânsito.
Hoje, a sociedade brasileira — cujo PIB originário do sistema industrial se
encontra entre um dos maiores do mundo — mostra acentuadas assimetrias em
outros sistemas cuja responsabilidade cabe ao setor público. Tal é o caso da
provisão de serviços de Justiça, do policiamento de ruas às oportunidades
educacionais nos presídios, passando, obviamente, por respostas expeditas no
andamento de querelas judiciais. Outro exemplo paradigmático — no caso de
um bem semipúblico — é o sistema educacional. Com efeito, a educação é
sabidamente um instrumento de redução dos custos de transação em uma
sociedade, permitindo a proteção aos direitos de propriedade. Hoje, se os atuais
direitos estão sendo contestados em diversos fronts, é preciso pensar em
reformá-los. A educação é o instrumento mais adequado para encaminhar a
discussão dos contornos das reformas propostas. A ação anti-social do indiví-
duo desviante será penalizada pelas forças da cidadania, o que é feito pela
consciência do estar-no-mundo dada pela educação humanizadora. Em resumo,
a educação ensina o indivíduo a descobrir seus objetivos na vida e a lutar
por eles.
Claramente, esses encaminhamentos estão sugerindo a expansão vigoro-
sa da ação pública no mercado de bens e serviços, com o lado do gasto da
política fiscal, ou seja, como a provisão (e eventual produção) de serviços.
Outro aspecto importante do desenvolvimento baseado na prestação de servi-
ços é que estes se direcionam a mercados locais. Apresentando limites para
serem exportados, por serem consumidos no preciso momento da produção, os
serviços oferecem perspectivas alentadoras num país endividado internacional-
mente, em que boa parte do discurso das classes dominantes se volta a con-
templar a captura de dólares no exterior, com a exportação de tudo o que for
possível.
Tampouco é exercício de futurologia cogitar dos destinos de uma socieda-
de em que mesmo a produção de serviços ocorra com baixíssimo grau de inter-
venção do trabalho vivohumano, cuja produtividade venha a ser potencializada
pela Revolução da Informática. Um exemplo elucidativo dessas possibilidades
reside na existência de programas de inteligência artificial destinados a fazer
análise de crédito bancário. Talvez seja nesse entorno que reside o maior desa-
fio a ser equacionado pelas sociedades modernas: sem emprego, de onde virá a
renda compatível com ocupação em atividades desenvolvidas em larga escala?
Que forças vivas da sociedade estão gerando, no presente, as leis da distribui-
ção do produto que deverão vigorar num futuro mediato?
Passando a examinar as possibilidades de criação de política econômica
no mercado monetário, cabe sugerir que ações redistributivas poderiam originar-
93
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
-se de determinados perfis de oferta de crédito, para não falar na problemática
forma de emitir dinheiro novo. O crédito subsidiado pode constituir-se em ele-
mento favorável a redistribuições, ainda que sinalizando para a condução de
empreendimentos econômicos de pequeno porte. Em boa medida dos casos,
isso seria um incentivo à criação de microempresas e, ipso facto, perda de
vantagens de escala. Emprego e auto-emprego em estabelecimentos de peque-
na escala, vale dizer, ineficientes, constituem a visão não virtuosa do
igualitarismo. Assim, perdem-se ganhos de produtividade, e criam-se outros pro-
blemas ao sistema, como é o caso presente da economia brasileira. Nesta, a
produtividade cresce a taxas muito reduzidas, em virtude do vigoroso cresci-
mento tanto do estoque de capital quanto dos bens de consumo intermediário.
Todavia associações entre segmentos do Serviço Municipal com a promoção
do empreendedorismo podem, num processo de transformação da quantidade
em qualidade, trazer resultados importantes. Nesse modelo de crédito subsidia-
do, na linha de argumentação de Lewis (1954), a criação de meios de pagamen-
to é absorvida pelo sistema em pouco tempo, em virtude do aumento da renda
por ela ocasionado.
Também no mercado de câmbio, o Governo poderia atuar com a intenção
de redistribuir a renda. Na verdade, pelo menos três aspectos merecem referên-
cia relativamente à ação no front externo, particularmente aceitando-se a pre-
missa de que seja mantido o sistema de taxa de câmbio flexível. Dois deles
dizem respeito à implementação da política propriamente dita, e o terceiro
concerne às conseqüências previsíveis de mudanças de preços relativos da
relação salário/câmbio.
O primeiro resulta da implementação da política de câmbio de caráter emi-
nentemente ativo. Trata-se da criação de uma política de favorecimento cambial
para as exportações de empresas que empregam mais do que a média da
economia e medidas simétricas para as importações que destroem o emprego
local. Além de ser inviável pensar na autarquização do Brasil, dados a herança
de dependência ao capital produtivo e às finanças dos países capitalistas avan-
çados e o poder de barganha reduzido em virtude da dívida externa e da OMC,
há possibilidades, bastante exercitadas no passado econômico do País, de
corrupção com a especulação relativa ao câmbio artificialmente criado. Por isso,
medidas que permitem a corrupção no Brasil deveriam ser concebidas com
fortes componentes de avaliação dos programas precipuamente voltados a
impedi-las. O segundo aspecto, alternativo ao primeiro, dados esses argumen-
tos sobre a corrupção, diz respeito à regulamentação do mercado externo por
meio da criação de barreiras não tarifárias a elencos de produtos particularmen-
te delicados em matéria de destruição de empregos, como já foi o caso da
lavoura e da industrialização do algodão.
94
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
O terceiro aspecto relacionado com o front externo diz respeito à elevação
da participação dos trabalhadores na renda nacional, suas conseqüências so-
bre os preços relativos domésticos, a inflação daí decorrente e, como tal, os
desdobramentos sobre a taxa de câmbio. Considere-se uma equação
macroeconômica de formação do preço por meio de um mark-up destinado a
garantir a manutenção da participação dos lucros na renda nacional. Em conse-
qüência, a elevação da participação dos trabalhadores leva a uma desvaloriza-
ção do câmbio, ergo, a um aumento das importações, com novas desvaloriza-
ções. Esse processo deve ocorrer até que o novo mark-up seja absorvido como
o padrão de formação de preços industriais, ou que ganhos de produtividade
venham a recompô-lo, com a manuteção do mesmo nível de salários reais.
Ou seja, diluir os custos salariais sobre o nível geral de preços e contaminar o
câmbio significa, num segundo momento, aumentar a absorção doméstica em
detrimento da externa, até que recomposições do mark-up ou ganhos de produ-
tividade retidos pelos capitalistas restabeleçam a relação salário/câmbio de
equilíbrio do mercado de divisas.
Por fim, pelo lado da oferta, as possibilidades de o Governo agir
redistributivamente no mercado de trabalho consistem em regular o salário
mínimo. Para iniciar a discussão, convém deixar claro que aquilo que a legisla-
ção batizou de salário mínimo, no Brasil, não condiz com o conceito econômico.
Parece que, durante certo tempo, a sociedade pensou em salário mínimo como
sendo uma medida invariável de valor, um sinalizador macroeconômico destina-
do a vacinar alguns agentes contra a inflação. Tais distorções provocaram no
sistema o fato de o salário mínimo não ter sido usado para regular o mercado de
trabalho. Com efeito, hoje em dia, parece que ele tem diversas conseqüências
sobre as variáveis relevantes do sistema, exceto a de induzir ao crescimento da
produtividade da empresa individual. Esse quadro pode ser vencido com as
implicações trazidas pelo exame da Figura 1.
6 - Considerações finais
Desde os anos 50, a ciência econômica identificou os contornos da inércia
da ação coletiva no trato das invasões de sistemas sociais saudáveis por parte
de caroneiros. Nesse contexto, ela reconheceu na política a possibilidade de
eliminá-los ou transformá-los, usando mais informação no sistema eleitoral, em
benefício da sociedade. Obviamente, alcançado o milagre da formação do
consenso político em termos de que o problema existe e tem cura, as ações
não se constituem em desafios simples a serem vencidos em pouco tempo.
Ainda que os trabalhadores detentores de empregos ativos sejam tão interessa-
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
dos na questão quanto os desempregados, as mudanças implicadas pela
criação de 20 milhões de empregos são de tal monta que a própria sugestão
aqui feita não poderia ser implementada instantaneamente. Mazelas econômicas,
como a inflação e mesmo a corrupção no uso dos recursos alocados para o
Serviço Municipal, far-se-iam presentes quase simultaneamente à implantação
do programa de emprego. Mas o que importa reter é que montantes de grande
vulto já foram realocados na distribuição funcional da renda, quando quase 5%
do PIB foram retirados de seus usos tradicionais e convertidos em excesso de
arrecadação pública sobre o gasto público (exceto o pagamento de juros), e
convertidos precisamente no pagamento aos credores da dívida pública
nacional. Essa disciplina fiscal do Governo Federal está impressionando o mun-
do. Depois de anos de descalabro, o fato de as autoridades monetárias do País
conseguirem um superávit de quase 5% do PIB com dinheiro público é algo
digno de elogios pela comunidade financeira internacional.
Por que a comunidade nacional deve entusiasmar-se com isso? Porquan-
to, ao estilo da topologia, o que ficou comprovado foi a possibilidade de realocações
de grande magnitude em tempos de paz. Não existe nenhuma razão para se
pensar que as realocações ocorrem apenas quando a economia está crescendo.Tempos de guerra, revoluções (Bronfenbrenner, 1964) e tragédias naturais mos-
tram que as sociedades aprendem a conviver com menor disponibilidade de
bens e serviços. Todavia a economia brasileira não pode ser pensada como
presa desse tipo de fenômeno. O PIB do País, ainda que apresentando decrés-
cimos em um ou outro dos últimos anos, jamais mergulhou aprofundadamente
na depressão. Essa prova de dinamismo e estabilidade do aparato produtivo
torna-se mais eloqüente ao se considerar que os vizinhos Argentina e Uruguai
viveram quedas muito expressivas em sua produção anual de bens e serviços.
A criação de um fundo nacional de emprego alcançando 1% do PIB anual-
mente, num período de cinco anos, requer mágica talvez mais potente do que
as ações que permitiram a criação do invejável (sob o ponto de vista do acerto
de contas com o FMI) superávit primário. Mas política e projetos nacionais
devem andar de mãos dadas, a fim de que as atividades produtivas sobrepujem
as destrutivas e as de rent seeking. Um dos fatores que impede a ação coorde-
nada na busca da criação do projeto nacional igualitarista é a falta de perspecti-
va de que o pior possível está longe de ser alcançado. Teria dito Umberto Eco:
“Não espereis demasiado do fim do mundo”, o que oferece boa dimensão do
prejuízo possível, em caso da omissão da classe política em ver alternativas
para o ambiente de divórcio entre a estagnação e mesmo o progresso econômico
e a solução das mazelas sociais, do desequilíbrio entre as capacidades produ-
tivas do sistema em aumentar a produção e suas capacidades distributivas. Tal
divórcio apresenta duas dimensões problemáticas.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 75-98, jun. 2005
Duilio de Avila Bêrni; Eduardo Grijó
A primeira consiste em oferecer emprego que possibilite existência digna a
montantes populacionais que — parece — exigiriam recursos produtivos não
disponíveis no País para serem incorporados ao mercado de trabalho em condi-
ções de produtividade igual à média já alcançada pela economia. Nesse contex-
to, existe uma pesada incompreensão por parte de diversos agentes sociais no
Brasil, que consideram intrinsecamente absurdo o fato estrutural de que a parti-
cipação dos impostos no PIB seja de cerca de 35%. Mesmo que essa participa-
ção chegasse a 1.000%, isso não significaria o fim do setor privado, pois este
atuaria na produção de bens a serem adquiridos pelo próprio setor público e
pelas famílias que iriam viver das transferências. Ocorre que, quando se fala em
redistribuição de renda, ninguém se apresenta como doador. Ao contrário, sem-
pre surgem argumentos contestando a oportunidade da medida. Parece que as
redistribuições bem-sucedidas ocorrem, com assustadora freqüência, associa-
das a guerras ou a revoluções, particularmente quando a classe política se
mostra incapaz de articular o diálogo entre os diversos grupos de interesse.
A segunda dimensão do divórcio entre a produção e a distribuição conside-
ra o argumento usado com freqüência contra programas distributivos. Este é a
possível queda na taxa de poupança da economia, pois, alegadamente, os po-
bres gastam mais proporcionalmente à sua renda do que os ricos. A verdade é
que, atendendo a preceitos de igualdade, a distribuição de renda pode ser modi-
ficada, em prejuízo dos ricos e a favor dos pobres, sem comprometer a taxa de
poupança da economia, desde que o Governo faça a intermediação entre a
poupança e o investimento por meio dos impostos, particularmente o Imposto
de Renda. Ademais, pode-se esperar que o crescimento econômico associado
às virtuosidades distributivas derivadas do aumento da produtividade agregada
do sistema tenha precisamente o efeito de, elevando a renda do primeiro quartil,
também elevar a taxa de poupança nacional.
Com efeito, a mais simples definição de renda proposta pelos economistas
contempla salários, juros, lucros e aluguéis. O Imposto de Renda, que obvia-
mente deve incidir sobre essas quatro categorias econômicas, existe com o
indisfarçado objetivo de, ao prover recursos destinados ao financiamento dos
gastos públicos, retirar renda de quem a tem. Ocorre que, em todas as socieda-
des modernas, um dos objetivos sociais, declaradamente, é diminuir a desigual-
dade na distribuição da renda entre as pessoas. Nas sociedades capitalistas,
nas quais é o mercado que define a distribuição primária, utiliza-se o Imposto de
Renda da pessoa física, para tornar mais igualitários os recursos disponíveis
pelos indivíduos para financiarem seu consumo ou aumentarem seu patrimônio.
Todavia alcançar igualitarismo pró-ativo em termos de desenvolvimento
humano exige deliberação e habilidade. Com efeito, as sociedades muito
pobres, como é o caso da Índia contemporânea, são igualitárias, mas o que se
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Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos...
deseja para o Brasil é igualitarismo que favoreça o desenvolvimento humano e,
com ele, o crescimento econômico. Apenas desse modo, o diâmetro do círculo
virtuoso que consta na primeira epígrafe deste ensaio poderá ser expandido.
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MILANOVIC, B. True worlddois primeiros anos do Governo Lula, a inflação retomou uma trajetória de
queda3, e o Risco-País, que havia chegado à casa de 2.400 pontos básicos em
2002, estava entre 400 e 500 no final de 2004. A Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa) registrou uma alta acumulada expressiva em 2003 e 2004, ao redor
de 160%, se medida em dólares.4 No plano fiscal, a relação dívida/PIB era de
52% em dezembro de 2004, o menor nível em três anos. Houve um alargamento
no seu prazo médio de vencimento e uma redução da parcela indexada à variação
cambial.5 Apesar desses resultados, a política monetária apertada fez com que
as despesas com juros atingissem 9,3% do PIB em 2003, um nível superior à
média do período 1995-02. Em 2004, tais gastos caíram para 7,3%. No lado real
da economia, depois da manutenção do quadro recessivo em 2003, o ano de
2004 foi caracterizado por uma recuperação do crescimento da produção, do
emprego e dos salários. O drive exportador, viabilizado por condições internacio-
nais excepcionalmente favoráveis, foi o motor do crescimento.
Representantes do Governo Lula e vários analistas consideram que os
indicadores supracitados são sinais de acerto na adoção da estratégia de
3 É importante lembrar que, em novembro de 2002, a inflação mensal oficial (IPCA) chegou a
3%, o maior nível desde a implementação do Real. Isso significava uma taxa anualizada de
mais de 40%. As expectativas de inflação apuradas pelo Banco Central do Brasil (2002) para
os 12 meses seguintes, que antes das eleições se situavam dentro da meta inflacionária (ou
seja, abaixo dos 5% para o IPCA), chegaram a 13% ao ano, em dezembro de 2002.
4 Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004, os ganhos acumulados no mercado acionário
atingiram a casa de 136% (Ibovespa, em reais), e a apreciação do câmbio nominal (R$/US$)
atingiu 21%. Note-se que essa elevação se deu a partir de uma base frágil, pois, entre 2000
e 2002, houve uma queda acumulada de mais de 80% no Ibovespa.
5 A apreciação do real contribuiu para reduzir a atratividade das aplicações indexadas à
variação do dólar norte-americano. Com isso, a dívida atrelada ao dólar passou de cerca de
40% do total dos papéis em poder do público no final de 2002 a 10% no final de 2004. A
parcela pré-fixada da dívida evoluiu, no mesmo período, de 2% para 18%. Ainda assim, é
importante lembrar que a dívida mobiliária seguiu crescendo em 2003 e 2004, tanto em
termos absolutos quanto relativos.
10 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
manutenção do tripé de gestão macroeconômica herdado do Governo FHC, qual
seja: o câmbio flexível associado a uma crescente abertura financeira; um regime
de metas de inflação; e a realização de expressivos superávits primários nas
contas públicas. Dentro do debate econômico recente no Brasil,6 tal opção é
racionalizada a partir da perspectiva de que o problema macroeconômico central
do País é de origem fiscal.7 Argumenta-se que, para estabilizar a relação dívida/
/PIB no curto prazo e reverter sua tendência de elevação no longo prazo, há que
se adotar medidas de contenção de gastos em uma gestão fiscal ortodoxa que
sinalize para os credores a capacidade de solvência da dívida pública. A opção
da elevação de receitas teria chegado ao seu limite. Somente a manutenção
dos fundamentos de política macroeconômica do período 1999-02 seria capaz
de garantir a “credibilidade” do Governo junto aos mercados financeiros. Soma-
-se a isso o esforço de se criarem condições estruturalmente estáveis de financia-
mento do setor público, especialmente pela via de reformas constitucionais
(previdenciária, tributária, independência do Banco Central, etc.) que comprimam
gastos e cristalizem o referido “tripé”.
Conquistada a credibilidade, segue o argumento, as taxas reais de juros
poderiam ser reduzidas de forma gradual, o que abriria espaço para um maior
crescimento da renda e, também, para uma redução nos custos de carregamento
da própria dívida. As reformas na microeconomia completariam um quadro virtuoso
de ajuste estrutural. Para ampliar a oferta de crédito e reduzir o spread bancário,
bastaria implementar uma nova legislação de falência que aprimorasse a
capacidade dos credores em reaver seus créditos em caso de inadimplemento.
Para enfrentar as desigualdades sociais, haveria de se focalizar o gasto público
das políticas sociais compensatórias. O setor privado realizaria os investimentos
em infra-estrutura, a partir da alteração dos marcos regulatórios e da estatização
dos riscos, agora na forma dos projetos de parceria público-privadas. Ficaria de
fora dessa “agenda” a ampliação substantiva de investimentos públicos em áreas
que atuam a favor da redução das desigualdades no longo prazo, como educação,
saúde, saneamento, tecnologia, etc.8
6 Recomenda-se a leitura dos trabalhos reunidos por Benecke e Nascimento (2003), Sicsu,
Oreiro e De Paula (2003), Albuquerque e Velloso (2003) e Giambiagi e Moreira (1999), além
de Giambiagi (2003) e Carneiro (2003).
7 Ver, dentre outros, Garcia e Didier (2001), Garcia (2002), Williamson (2002), Goldstein
(2003), Giambiagi (2003), Arida (2003a, 2003b), Bacha (2003) e Brasil (2003a, 2003b).
8 Exemplo particularmente ilustrativo da visão hegemônica do Governo Lula está no documen-
to Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002 (Brasil, 2003), disponível no site
www.fazenda.gov.br
11
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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
No plano externo, a gestão fiscal conservadora garantiria a confiança dos
investidores e, com ela, a poupança financeira em moeda forte, necessária para
o financiamento estável do BP e para a elevação da taxa de investimentos. São
pressupostos implícitos nessa estratégia, que pode ser sintetizada no termo
Confidence Building9, o aprofundamento da liberalização financeira — no limite,
tornando o real plenamente conversível (Arida, 2003a; 2003b; Bacha, 2003)10 , o
estreitamento da ação do Estado no estímulo aos investimentos domésticos
(em função da contenção dos gastos) e o enfraquecimento de políticas capazes
de redistribuir renda de forma estrutural. Em síntese, caberia ao Governo o papel
exclusivo de manter a estabilidade macroeconômica e a abertura irrestrita da
economia e, com isso, criar o ambiente de confiança capaz de incentivar os
investidores internacionais a apostarem no Brasil. Tal posição, sustentada pelo
Governo FHC e claramente identificada com os interesses de certos segmentos
da sociedade, especialmente o setor financeiro, tornou-se também hegemônica
no Governo Lula.
2 - O ajuste nas contas externas, no período
 1999-04
A evolução do BP brasileiro, de 1999 a 2004, foi condicionada: pela mudança
no regime de política econômica, cujo marco foi a adoção do câmbio flexível11;
pela ampliação do grau de abertura financeira da economia em 2000, com
eliminação praticamente total das restrições ainda existentes aos fluxos de
capitais entre o País e o exterior; pelo choque externo excepcionalmente favorável
de preços de commodities; e pela recuperação na demanda mundial, a partir de
2003. Contudo a adoção do regime de câmbio flutuante num ambiente de livre
mobilidade de capitais aliviou apenas de forma parcial a situação de
vulnerabilidade externa do País. Para demonstrar isso, divide-se esta análise
 9 Para uma crítica dessa estratégia, ver Belluzzo e Carneiro (2003).
10 Vale mencionar que as recentes medidas liberalizantes do Banco Central caminham nesse
sentido. As Resoluções nº 3.265 e nº 3.266, de março de 2005, unificaram o mercado
cambial, ampliaram os prazos de retenção de dólares no exterior pelos exportadores e
eliminaram os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais e dólares e os
remetam ao exterior.
11 O segundo pilar desse regime, a política de metas de inflação — que se tornou âncora da
política monetária —, foi implementado em junho de 1999.
12 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
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99
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
A política macroeconômica do crescimento insustentável
* E-mail: fabricioaugusto@hotmail.com
** E-mail: nakatani@npd.ufes.br ou pnakatani@uol.com.br
A política macroeconômica do
crescimento insustentável
Fabrício Augusto de Oliveira* Doutor em Economia, Professor do Curso
 de Mestrado da Fundação João Pinheiro.
Paulo Nakatani** Doutor em Economia, Professor da Universidade
 Federal do Espírito Santo.
Resumo
O presente texto analisa o desempenho da economia brasileira nos dois pri-
meiros anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele procura identificar
os elementos conjunturais que conduziram a um notável crescimento em
2004, depois do péssimo resultado observado em 2003. Apesar de ter apre-
sentado a maior taxa desde 1994, os dados do último trimestre de 2004
mostram uma forte tendência à desaceleração da economia para 2005. Mais
ainda, o artigo defende o ponto de vista de que a política macroeconômica
conduzida pela equipe econômica, baseada nos princípios neoliberais, tem
garantido a continuidade de um modelo cujos fundamentos impedem o cres-
cimento sustentável da economia brasileira.
Palavras-chave
Política macroeconômica; estagnação; crescimento sustentável.
Abstract
This paper reviews the performance of the Brazilian economy in the first two
years of the administration of Luíz Inácio Lula da Silva. It explains the reasons
for the achievement of remarkable output growth in 2004. In spite of the highest
growth rates since 1994, the last quarter of 2004 points to a rapid economic
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
1 Essa tendência é discutida teoricamente por Salama (2004) e por Huerta (2004).
2 Sobre essa estratégia, ver Carcanholo (2002).
3 Ver Saludjian (2004).
slowdown. This article also claims that the neoliberal principles guiding Brazilian
macroeconomic policy prevent the achievement of sustainable economic growth
rates.
Artigo recebido em 24 mar. 2005.
1 - Introdução
Navegando em águas e com ventos favoráveis do cenário internacional,
a economia brasileira registrou em 2004 o maior crescimento desde 1994,
primeiro ano do Plano Real, quando o PIB conheceu uma variação positiva de
5,9%. O resultado alcançado de 5,2% é expressivo, considerando-se a es-
tagnação1 ocorrida no triênio 2001-03, quando se registrou um crescimento
médio anual de 1,2% e maior do que o obtido em 2000, ano em que as
condições externas também eram bastante favoráveis. A confirmação e a
divulgação desses números pelo IBGE serviram para reforçar o otimismo
que vinha sendo exibido pelo Governo sobre o ingresso da economia brasilei-
ra em uma trajetória de crescimento sustentado, apontado como resultado da
consistência da política macroeconômica adotada, cujos frutos, de acordo
com esses argumentos, começam a ser colhidos agora.
Entretanto esse resultado foi obtido sem nenhuma mudança na política
macroeconômica que vem sendo empregada desde a crise cambial de 1998
e na estratégia neoliberal2 utilizada pelos sucessivos governos desde o início
dos anos 90. Essa estratégia, que consistiu principalmente na abertura co-
mercial e financeira e na privatização das empresas estatais, tem apre-
sentado como resultado um enorme aumento na volatilidade e na instabilida-
de da economia,3 assim como uma tendência à estagnação, principalmente
na última década. É nesse quadro que se coloca o expressivo crescimento
observado no ano de 2004, e é nesse contexto mais amplo da estratégia
neoliberal que ele deve ser avaliado.
101
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
Este trabalho analisa as condições de manutenção desse crescimento à
luz do modelo econômico vigente no Brasil desde 1999. Para tanto, além desta
Introdução, ele se encontra organizado em mais três seções. Na seção 2, dis-
cutem-se a intensidade, a composição e as fontes de dinamismo do crescimen-
to ocorrido em 2004, bem como analisam-se as condições macroeconômicas
requeridas para garantir sua sustentabilidade e a situação em que essas se
encontram no País. Na seção 3, apresentam-se, criticamente, os argumentos
utilizados e as variáveis em que se tem apoiado o Governo para justificar sua
convicção de que uma era de prosperidade se descortina para o País, procuran-
do apontar suas limitações e insuficiência para esse objetivo. Na seção 4, pro-
cura-se mostrar como o próprio modelo econômico vigente desde 1999 impede,
pela sua arquitetura, o crescimento de forma sustentada, o que só poderá ser
alcançado com mudanças em suas peças.
2 - O crescimento de 2004: início de uma
 nova era?
O vigor do crescimento de 2004 veio acompanhado da diversificação de
suas bases e de suas fontes de dinamismo, indicadores de melhoria na sua
qualidade e em sua capacidade de sustentação.
A Tabela 1 mostra que, depois do seu crescimento, registrado no triênio
2001-03, ter sido sustentado pelo setor agropecuário, a expansão do PIB em
2004 foi liderada pela indústria, que cresceu 6,2% contra apenas 0,1% em
2003. Para isso, a indústria de transformação, que permanecera praticamente
estagnada em 2003, com uma taxa de crescimento de 1,1%, conheceu uma
expansão de 7,7%, secundada pela indústria de construção, que reverteu
uma retração de 5,2% em 2003 para um crescimento de 5,7% no ano. A
agropecuária, que liderou o crescimento nos últimos anos, teve expansão de
5,3%, enquanto os serviços cresceram 3,7%, e o comércio, 7,9%.
Visto pela ótica da demanda, esse crescimento mostrou-se ainda mais
espetacular, porque indicou claramente ter ocorrido uma mudança no eixo do
dinamismo da economia, com o avanço do mercado interno e com o expres-
sivo aumento dos investimentos, sinalizando redução de gargalos estruturais
e de pressões inflacionárias, com a expansão da capacidade de oferta do
setor privado. De acordo com os dados contidos na Tabela 2, depois de três
anos consecutivos de o crescimento do PIB ser liderado pelo setor exporta-
dor, beneficiado pela desvalorização do real e pelo desempenho da economia
102
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
mundial em 2003 e 2004, esses efeitos finalmente se derramaram sobre o mer-
cado interno, com o consumo das famílias crescendo 4,3% no ano, e os inves-
timentos, 10,9%, embora as exportações ainda tenham mantido um elevado
índice de expansão de 18%. São, de fato, resultados apreciáveis, que parecem
dar razão às autoridades governamentais no concernente a que, após longos
anos de sacrifícios impostos à economia e à sociedade, se conseguiu, final-
mente, a construção dos fundamentos econômicos indispensáveis para o in-
gresso do País numa trajetória de crescimento sustentado.
Tabela 2 
Variação real do PIB sob a ótica do consumo, por categorias, 
 no Brasil — 2001-04 
(%)
CATEGORIAS 2001 2002 2003 2004 
Consumo das famílias.... 0,53 -0,37 -1,47 4,33 
Consumo do Governo ..... 0,96 1,36 1,31 0,67 
Investimentos .................. 1,06 -4,16 -5,13 10,89 
Exportação ...................... 11,24 7,90 8,95 17,98 
Importação ...................... 1,21 -12,30 -1,68 14,33 
PIB .................................. 1,30 1,90 0,50 5,20 
FONTE: IBGE. 
FONTE: Ipeadata. 
Tabela 1 
Variação real do PIB sob a ótica da produção, por 
setores econômicos, no Brasil — 2001-04 
 (%)
SETORES 2001 2002 2003 2004 
Agropecuária ........... 5,8 5,5 4,5 5,3 
Indústria ................... -0,5 2,6 0,1 6,2 
Transformação .......... 0,7 3,6 1,1 7,7 
Construção civil ......... -2,7 -1,9 -5,2 5,7 
Serviços ................... 1,8 1,6 0,6 3,7 
Comércio ................... 0,4 -0,2 -1,9 7,9 
PIB ............................ 1,3 1,9 0,5 5,2 
FONTE: IBGE. 
FONTE: Ipeadata. 
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
Essa mudança na composição do crescimento é importante porque, num
cenário em que os sinais do setor externo começam a enfraquecer, com a pos-
sibilidade anunciada de desaceleração da economia chinesa e com os
desequilíbrios da economia norte-americana4, a redução do ritmo de cresci-
mento do setor exportador pode ser compensada pela ampliação do mercado
interno. Para isso, basta ao Governo implementar políticas pró-ativas em seu
favor, como as que dizem respeito, por exemplo: (a) à expansão e ao bara-
teamento do crédito, com a redução das taxas de juros reais, o que teria
impacto positivo sobre os níveis de renda e emprego, estimulando consumo
e investimentos; e (b) ao aumento dos investimentos públicos, visando redu-
zir gargalos estruturais e os custos da produção nacional. Com fundamentos
sólidos, o fortalecimento das tendências apresentadas pelo mercado interno
aparece, assim, como uma boa oportunidade para reforçar as forças desse
crescimento e para garantir sua trajetória de forma sustentada. Mas serão,
de fato, sólidos esses fundamentos?
As condições fundamentais necessárias para a sustentação de uma
política macroeconômica consistente, capaz de garantir o crescimento auto-
-sustentado, dependem da combinação de um conjunto de variáveis-chave,
as quais, em situação favorável, não provoquem fricções e desvios em seu
curso. Uma taxa de inflação reduzida e controlada, combinada com uma polí-
tica favorável ao crescimento e com uma política fiscal confiável, sustentada
por um sistema tributário que não prejudique a produção e também por uma
taxa de câmbio correta, benéfica para a balança comercial e para evitar colo-
car em risco o surgimento de fortes desequilíbrios em conta corrente, figura
como indispensável para que se produza essa situação. Equilíbrio fiscal,
sustentabilidade das contas externas e políticas favoráveis ao crescimento
compõem o quadro de exigências macroeconômicas consideradas necessá-
rias para garantir uma economia estabilizada, sem percalços no seu curso5.
Mesmo com muita boa vontade, não é possível concordar com o fato de
que essas condições estejam dadas para a economia brasileira. A taxa de
inflação tem sido mantida em níveis moderados, por força de uma política
monetária altamente restritiva, para o que tem contribuído também, nos dois
4 A maior preocupação com o desequilíbrio da economia norte-americana aparece principalmente
na forma dos fabulosos déficits fiscal e em conta corrente, também conhecido como déficits
gêmeos. Para se ter uma idéia, somente "O déficit em conta corrente dos Estados Unidos
aumentou 25% no ano passado, bateu o recorde histórico e chegou a US$ 665,9 bilhões"
(Déficit..., 2005).
5 Para uma boa discussão dessas condições, ver o artigo de Delfim Netto (1997).
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
últimos anos, a apreciável valorização do câmbio. As altas taxas de juros reais,
que atingiram 12,8% ao ano, com o aumento da taxa Selic para 19,25% em
março de 2005, penalizam os investimentos e o consumo, atuando contra o
crescimento e contra a competitividade do câmbio, ao estimularem o ingresso
de capitais no País. Embora as exportações continuem apresentando excelente
desempenho, e a geração de superávits em conta corrente, em 2003 e 2004,
indique redução da vulnerabilidade externa, a manutenção de um câmbio
sobrevalorizado prenuncia problemas à frente, especialmente no caso de eclosão
de uma crise externa. Do ponto de vista fiscal, a redução do déficit nominal para
menos de 3% do PIB em 2004 tem como contrapartida a geração de um supe-
rávit primário próximo de 5% do PIB, obtido à custa da paralisia dos investimen-
tos públicos, da redução de políticas sociais importantes para o desenvolvi-
mento sustentável e de um sistema tributário de má qualidade, que ainda atua,
não somente pelo tamanho da carga tributária, mas também pela sua composi-
ção, como força anticrescimento. Apesar de todo esse esforço realizado pela
política econômica, não se têm conseguido reduções significativas na relação
dívida líquida do setor público (DLSP)/PIB.
Assim, embora tenham se registrado melhorias em algumas dessas variá-
veis — situação fiscal e contas externas, por exemplo —, que poderiam abrir
perspectivas mais favoráveis para a economia brasileira, o Governo continua
refém de um modelo que, pela sua arquitetura e pela forma de interação entre
suas peças, funciona como obstáculo para esse objetivo. Nessa intrincada ar-
madilha do modelo, os limites para o crescimento tornam-se evidentes, pelas
tensões e fricções que este provoca nessas variáveis, tendo de ser abortado
sempre que ultrapassa os níveis estabelecidos pelo mito do produto potencial.
Não foi por outra razão que, diante do aquecimento da atividade produtiva
em 2004, que se traduziu em pressões sobre o nível interno de preços, o Gover-
no recolocou as taxas de juros numa trajetória de elevação, com a taxa Selic
aumentando de 16% em setembro para 19,25% em março de 2005, contribuindo
não somente para travar o crescimento, mas também para acentuar a valoriza-
ção do câmbio e aumentar os custos da dívida pública, iniciativa que revela, ao
contrário do discurso oficial, o quão distante se encontra o País da desejada
trajetória de crescimento sustentado.
O comportamento registrado da atividade econômica no último trimes-
tre de 2004, em relação ao trimestre anterior, não deixa dúvidas sobre a
desaceleração ocorrida como resultado da política adotada pelo Governo
para propositadamente refrear seu ímpeto. Como se mostra na Tabela 3,
vistos pela ótica da produção, todos os setores perderam fôlego nesse pro-
cesso, o mesmo acontecendo com os seus determinantes pela ótica do con-
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
A política macroeconômica do crescimento insustentável
sumo, tendo se registrado retração para os investimentos e forte desaceleração
no consumo das famílias e, inclusive, no setor exportador, uma tendência que
começa a ser confirmada pelos indicadores econômicos apurados e divulgados
no início de 2005, que já levaram diversas instituições de pesquisa a reduzirem
para 3,5% o crescimento esperado e projetado para este ano.6
Tabela 3 
Variação real do PIB sob a ótica da produção e do consumo no Brasil — 2004 
(%)
4º TRIM ÓTICAS 2004 !"
3º TRIM 
(1) 
Produção 
Agropecuária ................................. 5,3 0,5 
Indústria ........................................ 6,2 2,0 
Serviços ........................................ 3,7 0,5 
Consumo
Consumo das famílias ................... 4,3 1,3 
Consumo do Governo ................... 0,7 0,5 
Investimentos ................................ 10,9 -3,9 
Exportação .................................... 18,0 3,2 
Importação .................................... 14,3 2,7 
FONTE: IBGE. 
(1) Com ajuste sazonal. 
6 Ver Boletim de Conjuntura (2005).Ao que tudo indica, apenas a crença das autoridades governamentais nas
teses teológicas defendidas pelo mercado sobre a capacidade desse modelo de
gerar equilíbrio macroeconômico capaz de abrir os caminhos para a economia
crescer de forma sustentada explica essa insistência em sua manutenção e a
resistência em se perceber seu forte viés anticrescimento, conduzindo-as a
esses equívocos. Na próxima seção, discutem-se criticamente essa visão do
mercado e, pela sua influência sobre a condução da política econômica, as
106
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
oportunidades que estão sendo perdidas de correção de alguns problemas gra-
ves da economia brasileira.
3 - A visão do mercado e as oportunidades
 perdidas
O ponto de vista explicitado pelos policymakers do Governo indica uma
grande fé no mercado como promotor do crescimento equilibrado e sustentá-
vel da economia, que é o mesmo ponto de vista do chamado Consenso de
Washington ou do que também ficou conhecido como pensamento único7.
Para eles, não há outra alternativa para o desenvolvimento da economia a
não ser a de buscar, a ferro e fogo, a estabilidade monetária, através de uma
política monetarista e da substituição da intervenção estatal pelo livre jogo
das forças de mercado. A saída da crise dos anos 80 encaminhou o País para
a adoção gradativa da estratégia neoliberal, com a abertura comercial e fi-
nanceira e o avanço no processo de privatização das estatais. Essa estraté-
gia teve como diagnóstico da crise brasileira o esgotamento do processo de
industrialização pela substituição de importações e o abandono da possibili-
dade de construção de uma economia industrialmente integrada e relativa-
mente independente face ao sistema mundial.
Após o início da abertura da economia brasileira, a estratégia de contro-
le da inflação, com o Plano Real, fundamentou-se em uma política de câmbio
semifixo e sobrevalorizado, associado a elevadas taxas internas de juros
como meio de atração de capitais externos. A indiscriminada abertura co-
mercial e o câmbio sobrevalorizado inundaram o País com mercadorias im-
portadas, como um dos meios de controle da inflação, aceleraram o ingresso
de capitais especulativos de curto prazo e geraram profundos déficits na
balança comercial e no saldo do balanço de pagamentos em conta corrente.8
Em um primeiro momento, o crescimento do PIB em 1994 e 1995 pare-
ceu demonstrar que o caminho seguido estava correto e que o País ingressa-
va em nova fase de expansão sustentada, com baixos índices de inflação,
redução do índice de Risco-País e reinserção no mercado financeiro interna-
cional. O ingresso de investimento direto estrangeiro (IDE) acelerou-se rapi-
7 Uma crítica aguda a essa concepção foi realizada por Paulani (2003; 2004).
8 Ver Nakatani (2000).
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
A política macroeconômica do crescimento insustentável
damente, passando de US$ 1,3 bilhão em 1993 para US$ 28,7 bilhões em 1998.
O volume de negócios (entradas mais saídas) na conta de portfólio chegou a
US$ 50,0 bilhões em 1998, depois do auge de quase US$ 70,0 bilhões em 1997.
Mesmo com a crise cambial e com a desvalorização do real, esses fluxos per-
maneceram em patamares elevadíssimos9, com o ingresso de IDE de US$ 36,0
bilhões em 1999 e de US$ 40,0 bilhões em 2000, além do movimento em portfólio
de US$ 74,0 bilhões em 1999 e de US$ 69,0 bilhões em 2000, refletindo o
excesso de liquidez dos mercados financeiros internacionais. A entrada de capi-
tais estrangeiros começou a diminuir efetivamente a partir de 2001, quando o
ingresso a título de IDE registrou US$ 30,0 bilhões, caindo para US$ 26,5 bi-
lhões em 2002 e para US$ 19,2 bilhões em 2003, recuperando-se um pouco em
2004, quando chegou a US$ 25,8 bilhões. Os negócios registrados na conta de
portfólio também diminuíram em 2001 e 2002, assinalando US$ 58,0 bilhões e
US$ 41,0 bilhões respectivamente. Voltaram a crescer, em 2003 e 2004, para
US$ 49,0 bilhões e US$ 65,2 bilhões respectivamente. Note-se que o movimen-
to em portfólio pode crescer com a saída de capitais do mercado financeiro,
decorrente de uma fuga de capitais, como ocorreu em 2002.
A crise cambial resultante dos ataques especulativos, em 1998, conduziu
o Governo a uma mudança no regime de câmbio (em 1999) e à adoção da
política de metas de inflação. Essa política converteu a taxa de juros na
principal variável de política monetária e sujeitou-se continuamente aos hu-
mores e às expectativas subjetivas do mercado financeiro. Assim, o Governo
Lula assumiu com a taxa básica (Selic) em elevação, que passou de 18%
antes da eleição para 25% ao ano em dezembro de 2002. Seguindo a mesma
trajetória, o novo Comitê de Política Monetária (Copom), nomeado por Lula,
elevou essa taxa para 25,5% e 26,5% em janeiro e fevereiro de 2003, man-
tendo-a nesse nível até maio e reduzindo-a progressivamente até 16,0% em
abril de 2004. Após cinco sessões sem alteração na taxa Selic, o Copom
voltou a aumentar sistematicamente a taxa básica, desde setembro de 2004,
até atingir 19,25% ao ano em março de 2005, colocando-a no primeiro posto
como a mais alta taxa real de juros do mundo.
A principal justificativa para essas decisões foi e continua sendo a pres-
são inflacionária decorrente do crescimento da demanda frente ao potencial
de crescimento do PIB, que, segundo as previsões para 2005, não passará
de 3,5% ao ano. A crítica dos economistas heterodoxos contra a política de
aumento da taxa de juros defende a idéia de que o aumento da taxa Selic,
9 Os dados a seguir são do Banco Central do Brasil (Boletim do Banco Central do Brasil, 2005).
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
apesar de estimular o ingresso de capitais estrangeiros, produz vários efeitos
deletérios para a economia, como a redução na demanda agregada e na taxa de
crescimento econômico e o aumento do desemprego, do endividamento interno
e da conta de juros sobre a dívida interna. Viu-se que a demanda agregada
diminuiu seu ritmo de crescimento no último trimestre de 2004, a taxa de de-
semprego, que vinha caindo desde abril de 2004, voltou a crescer em fevereiro
de 2005, e o rendimento dos trabalhadores também voltou a cair, realimentando
a redução na demanda agregada. O endividamento interno continua a crescer,
apesar da redução na relação dívida/PIB, e a conta de juros continua a aumen-
tar. Nos quatro meses entre outubro de 2004 e janeiro de 2005,10 o total da dívida
interna em títulos, no mercado, cresceu R$ 55,0 bilhões, e a conta de juros foi
de R$ 45,2 bilhões no mesmo período. Enfim, considerando todo o período de
1998 a 2004, a economia brasileira apresentou um desempenho razoável para o
crescimento do PIB somente nos anos 2000 e 2004, com taxas de 4,4% e 5,2%
respectivamente. Se não se considerarem esses dois anos, a média das taxas
de crescimento foi de apenas 0,92%.
Com a mudança no regime cambial e a desvalorização do real em 1999, a
balança comercial iniciou um processo de reversão de seus déficits: de um
saldo negativo de US$ 6,6 bilhões em 1998, caiu para US$ 1,2 bilhão em
1999 e para US$ 698,0 milhões em 2000. A partir de 2001, o saldo tornou-se
positivo e cresceu violentamente: de US$ 2,6 bilhões em 2001 para US$ 13,1
bilhões em 2002 e de US$ 24,8 bilhões em 2003 para US$ 33,7 bilhões em
2004. Essa trajetória da balança comercial afetou positivamente o saldo do
balanço de pagamentos em conta corrente, reduzindo fortemente as necessi-
dades de financiamento externo e a vulnerabilidade externa nos dois últimos
anos. O saldo em conta corrente, que chegou a US$ 25,3 bilhões negativos
em 1999, tornou-se positivo, atingindo US$ 4,2 bilhões em 2003 e US$ 11,7
bilhões em 2004. Isso não significou, entretanto, uma redução dos gigantes-
cos compromissos da economia brasileira em termos de pagamentos de
juros da dívida externa e deremessa de lucros e dividendos, que chegaram a
US$ 20,5 bilhões em 2004, sem contar os ganhos de capital das aplicações
financeiras registrados como despesas na conta de investimentos estran-
geiros em carteira. Entretanto o Governo não aproveitou esse período favo-
rável de ingresso de capitais e de excepcional crescimento no saldo da ba-
lança comercial para recompor as reservas internacionais líquidas. Assim,
10 Ver Banco Central do Brasil (2005).
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
A política macroeconômica do crescimento insustentável
desconsiderando os empréstimos11 tomados junto ao Fundo Monetário Interna-
cional (FMI), as reservas atingiram o montante de US$ 27,5 bilhões em dezem-
bro de 2004, pouco mais do que os US$ 23,8 bilhões de dezembro de 1999.
Entretanto com uma política mais agressiva de compra de dólares entre o final
de 2004 e o início de 2005, motivada principalmente pela forte valorização da
moeda nacional frente ao dólar, o volume de reservas no conceito de liquidez
internacional ultrapassou os US$ 60,0 bilhões no final de março de 2005, e as
reservas líquidas atingiram mais de US$ 35,0 bilhões.12
Seguindo o receituário da estratégia neoliberal, o Governo Lula propôs
ao FMI um aumento do superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB, sem
que houvesse nenhuma exigência do Fundo, e realizou, em seus dois primei-
ros anos, um superávit efetivo superior a essa taxa. Para tanto, cortou siste-
maticamente recursos de custeio e investimento, agravando ainda mais as
precárias condições da infra-estrutura do País. O argumento de que essa
elevação do superávit conduziria à redução da dívida se mostrou falacioso,
como se procura demonstrar em seguida. Mas o aspecto mais grave dessa
decisão unilateral do Governo foi uma nova submissão ao Fundo, quando,
após aumentar o superávit primário, pediu ao FMI que parte dos gastos em
custeio fosse considerada investimentos e não custeio, em um montante
muito inferior ao corte de gastos que fez unilateralmente e deliberadamente
para atender aos anseios do capital monetário nacional e do internacional.
4 - As algemas do crescimento sustentado
Em sua primeira fase (1994-98), o Plano Real foi vitorioso no combate à
inflação, mas um desastre para as contas externas e públicas. Apoiado
no tripé câmbio semifixo, elevadas taxas de juros e rápida — e indiscri-
minada — abertura comercial, assistiu passivamente à apreciação da moeda
nacional, ao temerário crescimento do déficit em conta corrente, que atingiu
cerca de 5% do PIB em 1998, e à aceleração da dívida líquida do setor
público, que saltou, também como proporção do PIB, de 29,5% em 1994 para
11 "Entre 1998 e 2004, o FMI emprestou US$ 58 bilhões ao Brasil: US$ 4 bilhões de juros já foram
pagos pelo Governo — o restante [US$ 2,1 bilhões] deve ser quitado até 2007" (Cruz,
2005).
12 O efeito monetário dessa compra de dólares foi uma expansão na base monetária de R$ 23,6
bilhões entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005, compensada pela colocação de títulos no
mercado e pelo superávit primário do Tesouro Nacional (Banco Central do Brasil, 2005, Quadro
III).
110
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
42,7% em 1998. Num período em que predominavam teses teológicas sobre os
benefícios dos déficits externos e em que a taxa de inflação, reduzida de 40%
ao mês para níveis moderados de 7% ao ano, era exibida como conquista e
acerto de seus resultados, não faltaram aplausos para sua engenhosidade e
nem apoio para a aventura em que os policymakers da época haviam lançado a
economia brasileira, apesar do evidente aumento de sua vulnerabilidade externa
e da fragilidade fiscal do Estado.
Foi somente com a eclosão de sucessivas crises externas ocorridas
naquela época (México em 1994, Sudeste Asiático em 1997 e Rússia em
1998) que se desfez o véu que recobria os “pés de barro” em que se assenta-
va o modelo, desmistificadas as teses que o sustentavam e exigidas mudan-
ças em sua arquitetura. Mas era tarde. Não somente o País havia literalmen-
te quebrado, sem dispor de reservas externas para honrar seus compromis-
sos, como se tornara prisioneiro da armadilha do modelo de estabilidade
monetária que adotara, obtida à custa de um brutal endividamento,13 o que
tornou a economia brasileira altamente sensível ao efeito-contágio das cri-
ses externas. Para continuar mantendo a confiança dos credores do Estado
na sua capacidade de solvência e sustentar a estabilidade de preços alcan-
çada, concordou-se com as exigências feitas pelo FMI — ao qual o País te-
ve de recorrer, à época, para a obtenção de um empréstimo de US$ 41,5
bilhões —, de combinar, no novo modelo, instrumentos capazes de garantir a
sustentabilidade da dívida e de reduzir a vulnerabilidade externa da econo-
mia. Com a política fiscal ocupando posição central nessa nova arquitetura, a
política econômica abriu mão de sua autonomia para implementar políticas
voltadas para o desenvolvimento e o crescimento do País como instrumento
de correção de seus desequilíbrios. O recurso à dívida, com o qual se garan-
tira a estabilidade de preços na primeira fase do Plano, passaria, assim, a
partir de 1999, a atuar como trava do crescimento econômico. Explica-se
a razão.
Na sua segunda fase, que se iniciou em 1999 e se prolonga até os dias
atuais, o Plano Real, após as turbulências que se seguiram à insuficiente
correção da banda cambial no início de janeiro daquele ano, passou a se
apoiar nos seguintes pilares: (a) câmbio flutuante, com plena mobilidade de
capitais; (b) regime de metas inflacionárias (inflation targeting), com autono-
mia operacional do Banco Central para garantir seu resultado; e (c) estabele-
cimento de metas para os superávits fiscais primários, com o objetivo de
evitar o crescimento da dívida pública.
13 Para uma análise mais detida dessa questão, ver Oliveira e Nakatani (2003).
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 99-124, jun. 2005
A política macroeconômica do crescimento insustentável
Nesse desenho, a taxa de câmbio de equilíbrio seria determinada pelo livre
movimento das forças de mercado, sem interferência do Banco Central. A este
caberia o papel de manejar a política monetária, para atingir as metas de infla-
ção estabelecidas — a nova âncora do Plano. Os superávits primários teriam a
responsabilidade de impedir o surgimento de desconfiança por parte dos inves-
tidores sobre a capacidade do Governo de saldar ou reduzir sua dívida. A subs-
tituição de um câmbio semifixo por um câmbio flutuante repontou como medida
capaz, aos olhos dos responsáveis pela política econômica, de remover as
causas anteriores de apreciação da moeda, mas a verdade é que, dada a nova
arquitetura do Plano, não somente estas foram mantidas, embora sob nova
forma, como outros problemas fizeram sua aparição.
O fato é que, nesse novo modelo, a capacidade do Governo de intervir
na economia através dos instrumentos de política econômica se estreitou
significativamente. A paridade cambial passou a ser determinada pelo fluxo
de divisas que ingressava no País. A política monetária, por sua vez, foi
confinada ao objetivo de garantir níveis reduzidos de inflação. A política fiscal
foi subordinada aos compromissos assumidos com o pagamento dos encar-
gos da dívida. Como essas variáveis se encontram fortemente entrelaçadas
e o Governo não dispõe de controle sobre seus movimentos (oscilações do
câmbio por exemplo), mas se compromete com a obtenção de metas rígidas
(fiscais, inflacionárias), mudanças desfavoráveis terminam exigindo ajustes
e correções para atingir as metas estabelecidas, as quais, por sua vez,
interagem, afetando as demais e repondo, em cadeia, a necessidade de no-
vos ajustes, que alimentam forças anticrescimento. Alguns exemplos ajudam
a entender melhor essa dinâmica.
Um choque cambial negativo, por exemplo, produz impactos inflacioná-
rios pela desvalorização da moeda nacional e eleva o valor da dívidapública
cotada em reais. Dados os compromissos assumidos com a meta de inflação
e com a contenção do nível de endividamento, isso termina conduzindo as
autoridades econômicas a elevarem as taxas de juros e a aumentarem o
esforço fiscal (aumento do superávit primário). A primeira pode contribuir
para conter a aceleração de preços e reverter o choque cambial, com o maior
ingresso de capitais externos, mas produzirá impactos negativos sobre a
dívida pública. Juntas, essas medidas, elevação dos juros e aumento do
superávit primário, minam as forças do crescimento econômico, à medida
que são contrárias aos investimentos — públicos e privados — e ao consu-
mo, afetando também negativamente a relação dívida/PIB. A apreciação do
câmbio, por outro lado, resultante da manutenção de elevadas taxas de juros,
garante o ingresso de capitais externos e propicia ganhos para o processo
inflacionário, mas, em contrapartida, prejudica a performance da balança co-
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
mercial, aumenta a vulnerabilidade externa da economia e, como se não
bastasse, dependendo do montante da dívida que se encontra atrelada às
taxas internas de juros, resulta em maior deterioração das contas públicas.
Isso parece indicar que, apenas em condições de normalidade da eco-
nomia internacional e da doméstica — ou seja, na ausência de choques ex-
ternos e internos —, a estabilidade monetária pode ser garantida e abrir
espaços para o crescimento econômico, como ocorreu no Brasil, nos anos
2000 e 2004. Mas, mesmo nessa situação, esse tende a esbarrar em limites
produzidos pelo arranjo realizado para garantir a geração de elevados e cres-
centes superávits primários, tendo, por essa razão, de ser abortado para
assegurar o cumprimento das metas estabelecidas.
4.1 - O arranjo fiscal
Para assegurar a geração dos superávits fiscais primários e, com isso,
manter em níveis confiáveis, para os credores do Estado, a relação dívida/
/PIB, a política econômica tem se apoiado predominantemente em dois ins-
trumentos:
a) na elevação da carga tributária — a Tabela 4 mostra que, entre 1998
(ano imediatamente anterior ao início da segunda fase do Plano Real)
e 2003, a carga tributária conheceu um crescimento de 5,0 pontos
percentuais do PIB, saltando de 29,7% naquele ano para 34,9% em
2003; um aumento superior ao nível dos superávits gerados, mas
insuficiente para garanti-los, porque parte desse aumento foi absor-
vido para cobrir a elevação das despesas obrigatórias do Governo
ocorrida no período (gastos com pessoal, benefícios da previdência,
educação, saúde, etc.), exigindo, para sua obtenção, o recurso ao
segundo instrumento —;
b) no corte de despesas discricionárias, sobre as quais o Governo
dispõe de poder de decisão para realizá-las, ou não, em função de
sua disponibilidade de recursos ou da necessidade de ajustar suas
contas para garantir a meta estabelecida para o superávit — a
Tabela 5 mostra que esses cortes têm atingido predominantemente
os investimentos públicos, cujos níveis se apresentam ínfimos em
relação às necessidades do País de assegurar, para o setor produti-
vo, a oferta de infra-estrutura e de contribuir para o aumento de sua
competitividade com a redução do “Custo-Brasil”.
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
Tabela 4 
Carga tributária bruta e superávits fiscais do setor público no Brasil — 1998-03 
(% do PIB)
CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA SUPERÁVITS FISCAIS 
PRIMÁRIOS ANUAIS 
ANOS
% do PIB !% em Relação 
a 1998 
 Com Empresas
 Estatais 
 Sem Empresas
 Estatais 
1998 29,7 - - - 
1999 31,7 2,0 -3,2 -2,5 
2000 32,5 2,8 -3,3 -2,2 
2001 33,9 4,2 -3,5 -2,6 
2002 35,5 5,8 -3,9 -3,2 
2003 34,9 5,2 -4,4 -3,5 
FONTE: Secretaria da Receita Federal-MF. 
FONTE: Banco Central do Brasil. 
Tabela 5 
Despesas orçamentárias com investimentos (orçamento fiscal 
 e seguridade social) no Brasil — 1998-03 
 (R$ bilhões)
ANOS
LEI MAIS 
CRÉDITOS
AUTORIZADO 
LIQUIDADO PAGO LIQUIDADO/ 
/AUTORIZADO
PAGO/ 
/AUTORIZADO
1998 13,29 8,28 - 62,3 - 
1999 9,08 6,96 3,74 76,7 41,2 
2000 14,72 10,10 5,20 68,6 35,3 
2001 19,50 14,58 5,83 74,8 29,9 
2002 18,18 10,13 4,58 55,7 24,7 
2003 14,26 0,86 0,77 6,0 5,4 
FONTE: STN/Siafi. 
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
Interagindo com as demais peças do modelo econômico, esse arranjo re-
vela-se letal para os objetivos do crescimento sustentado, por algumas razões
que devem ser explicitadas:
a) a elevada carga tributária e a sua composição, onde é significativo o
peso dos impostos e das contribuições de incidência cumulativa (em
cascata), aumentam o “Custo-Brasil”, reduzem a competitividade da
produção nacional, limitam a expansão do mercado interno e encare-
cem o investimento, inibindo a expansão da capacidade produtiva.
Como as taxas internas de juros reais têm sido mantidas em níveis
extremamente elevados, contribuindo também para penalizar o in-
vestimento produtivo, são consideráveis os desincentivos para sua
realização, razão por que estes têm sido mantidos em níveis reduzi-
dos e limitado a capacidade de oferta do setor privado;
b) a redução dos investimentos públicos em infra-estrutura, devido à
esterilização das receitas arrecadadas pelo Governo com o paga-
mento de parcela dos juros da dívida, apenas reforça essa situação.
Em primeiro lugar, porque mantém precárias as condições da
infra-estrutura e incerta a capacidade de sua oferta para o setor produ-
tivo, inibindo, pelos gargalos que representa, os investimentos produti-
vos, que correm o risco de se defrontarem com “apagões” em vários
setores — energia, portos, estradas, etc. Em segundo, porque esses
gargalos se transformam em elementos que elevam consideravel-
mente o “Custo-Brasil”, reduzindo a competitividade da produção na-
cional e provocando incertezas sobre o retorno do investimento pri-
vado.
Isso explica por que, mesmo contando com um quadro externo favorá-
vel, como em 2004, os limites/tetos do crescimento surgem rapidamente,
exigindo ações da política econômica para contê-lo e para garantir que as
metas estabelecidas sejam atingidas. A partir do momento em que os efeitos
do crescimento, comandado principalmente pelas exportações nos últimos
anos, passaram a ser derramados no mercado interno, estimulando o inves-
timento e o consumo, foram inevitáveis as fricções surgidas no sistema pro-
dutivo e as pressões de preços em alguns setores, ameaçando a meta
estabelecida para a inflação. Em reação, os policymakers rapidamente
recolocaram as taxas de juros numa trajetória de aumento, as quais atingi-
ram, em termos reais, níveis absurdamente elevados, visando estancar a
força desse processo refreando investimentos e consumo, para assegurar
que a meta de 5,1% (projetada para 2005) seja atingida. Não sem razão,
estatísticas divulgadas pelo IBGE sobre o último trimestre do ano passado já
identificaram desaceleração no ritmo do crescimento, revelando maiores difi-
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
culdades de sua continuidade e sustentabilidade no ano de 2005, nos mesmos
níveis de 2004. Como se isso não bastasse, a manutenção dos juros nesse
nível tem afetado as outras peças do modelo, que podem comprometer ganhos
importantes que vêm sendo obtidos em outras frentes, como a que diz respeito
à vulnerabilidade externa da economia brasileira, ao agravamento das condi-
ções fiscais e ao reforço das forças anticrescimento.
Além de conter o ímpeto do crescimento, a manutenção das elevadas
taxas de juros tem sido responsável pela forte apreciação da moeda nacio-
nal, dado o significativo ingresso de capitais externos, que têm acorrido ao
País em busca da maior rentabilidade oferecida. Embora o País continue
colhendo resultadosfavoráveis no front externo, até o momento, com o câm-
bio apreciado e as perspectivas nada promissoras para a economia
mundial — diante da possibilidade de desaceleração da economia chinesa e
dos desequilíbrios da economia norte-americana —, essa situação pode al-
terar-se e comprometer os ganhos que vêm sendo obtidos nessa frente,
recolocando a possibilidade de novos choques cambiais. Além disso, mesmo
sendo favorável para o controle inflacionário e para a contenção da dívida
atrelada ao câmbio, cotada em reais, a apreciação do real, que vem sendo
obtida com a manutenção dos juros nos níveis atuais, tem impactado forte-
mente sobre o tamanho da própria dívida, com a elevação considerável de
seus encargos, exigindo esforços fiscais adicionais, que o padrão atual de
ajuste já não comporta — pelo menos através de mais aumentos da carga
tributária e de redução dos investimentos públicos —, dados os estreitos
limites em que estes já se encontram.
O mais grave nesse modelo é que, além das dificuldades que tem im-
posto à economia e à sociedade em termos de limitações ao crescimento e
de sacrifício das políticas sociais, diante dos compromissos assumidos para
controlar a dívida pública, não se vislumbram avanços importantes para a
solução dessa questão, tudo indicando que o problema deverá permanecer
por um longo tempo, sem garantia de que se conseguirá remover esse nó que
obsta o ingresso do País numa trajetória de crescimento sustentado. Para
entender a razão disso, vale a pena examinar com cuidado os dados contidos
na Tabela 6, que mostra a evolução da dívida pública desde 1999, quando
passaram a ser gerados os elevados e crescentes superávits primários para
conter seu tamanho como proporção do PIB.
Os dados contidos na Tabela 6 mostram que, apesar do aumento persis-
tente e considerável dos superávits fiscais primários desde 1999, ano em
que se tornaram peça central do modelo econômico, a dívida líquida do setor
público como proporção do PIB continuou mantendo-se numa trajetória de
crescimento, tendo conhecido uma redução apenas em 2004.
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
Depois de um expressivo salto entre 1994 e 1998, quando a estabilidade
de preços foi garantida, na primeira fase do Plano Real, à custa de um brutal
endividamento, registrou-se um novo aumento significativo em 1999, apesar
da geração de um superávit primário de 3,23% do PIB, que não foi suficiente
para compensar os impactos negativos sobre a dívida, provocados pela des-
valorização cambial ocorrida no ano, com a mudança da política cambial e
com o abandono do câmbio semifixo. Em 2000, favorecida pelo crescimento
de 4,51% do PIB e pelo comportamento favorável do câmbio e dos juros, num
contexto de tranqüilidade do cenário internacional, a relação dívida/PIB man-
teve-se estável na casa de 49,0%.
A partir de 2001, com a economia internacional ingressando em um
novo período de turbulências — à medida que as incertezas se acentuaram,
mantendo pressionados os mercados financeiros globais —, os movimentos
altistas ocorridos de forma defensiva no câmbio e nos juros do Brasil, e
também nas demais economias emergentes, contaminaram a dívida pública,
o que explica, em boa parte, a elevação de sua relação com o PIB para
52,6% em 2001 e 55,5% em 2002. Em 2003, primeiro ano do Governo Lula,
apesar da elevação dos superávits fiscais e de ter se contado com um cená-
rio internacional mais favorável, com melhorias no câmbio e também nos
juros, a relação dívida/PIB não apresentou uma boa evolução, tendo atingido
57,2% do PIB. Apenas em 2004, com o crescimento de 5,2% registrado para
Tabela 6 
Necessidades de financiamento e dívida líquida 
 do setor público no Brasil — 1999-04 
(% do PIB)
ANOS NECESSIDADES 
PRIMÁRIAS (1) 
DÍVIDA 
1999 -3,3 49,1 
2000 -3,6 48,8 
2001 -3,8 52,6 
2002 -3,9 55,5 
 2003 (2) -4,1 57,2 
2004 -4,6 51,8 
FONTE: Banco Central do Brasil. 
(1) O sinal negativo refere-se a superávit. (2) Percentuais revistos em função do 
novo cálculo do PIB de 2003 efetuado pelo IBGE. 
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
o PIB, com a omissão do Governo em relação à continuidade do movimento
de valorização do real frente ao dólar e à geração de um superávit ainda mais
elevado, de 4,62% do PIB, conseguiu-se reduzi-la para 51,8%.
Esse comportamento da relação dívida/PIB revela claramente as princi-
pais variáveis que a influenciam e que ajudam a entender por que, apesar de
todo o esforço realizado, têm sido medíocres os ganhos obtidos nessa ques-
tão: as variações do PIB, do câmbio e dos juros, as quais, quando se apre-
sentam adversas, exigem maior esforço fiscal por meio da geração de
superávits primários mais elevados para impedir seu crescimento. Revela
também o trade off existente entre ajuste externo e equilíbrio fiscal, à medida
que, para garantir o primeiro através da desvalorização do câmbio e/ou de
elevação dos juros, aumentam os encargos da dívida, já que boa parcela de
seu montante se encontra indexada ao dólar e à taxa de juros interna (Selic),
contaminando-a e exigindo maior esforço fiscal para evitar seu aumento des-
controlado.
A esse respeito, a Tabela 7 fornece boa visão sobre a influência dessas
variáveis na evolução da relação dívida/PIB do período de 2000 a 2004. Na-
quele ano, quando os cenários doméstico e internacional desfrutaram de uma
relativa tranqüilidade, propiciando à economia brasileira um crescimento de
4,5% do PIB, a relação dívida/PIB manteve-se praticamente estabilizada em
relação a 1999. O câmbio, registrando pequenas oscilações, participou com
apenas 1,6 ponto percentual para o seu crescimento, enquanto os juros, man-
tidos em níveis mais reduzidos ao longo do ano (abaixo de 20%), com 6,8%,
fatores aos quais se somaram 0,8% do PIB referentes ao reconhecimento de
dívida (os chamados “esqueletos”). Ganhos com o processo de privatização
(1,0 ponto percentual), cujos recursos foram destinados para o seu paga-
mento, somados ao superávit primário de 3,3% e ao crescimento do PIB, que
contribuiu para reduzir a expansão da dívida em 3,9 pontos percentuais, per-
mitiram que sua variação ficasse contida em apenas 0,10% do PIB no ano.
Em 2001 e 2002, com a piora das condições macroeconômicas na eco-
nomia mundial e no Brasil, com impacto negativo sobre as variáveis que
mais influenciam seu comportamento, como o PIB, o câmbio e os juros, a
relação dívida/PIB voltou a crescer expressivamente, apesar dos maiores
esforços fiscais desenvolvidos, como o aumento dos superávits primários.
Em 2001, o montante de juros nominais (6,9% do PIB) e o ajuste do câmbio
(3% do PIB) responderam, em conjunto, por 87% da variação bruta da dívida
de 11,4%. O superávit primário de 3,5% do PIB, juntamente com a contribui-
ção de 3,9 pontos percentuais do PIB dada pela variação nominal do produto
para sua redução, permitiu conter seu crescimento em 3,8% do PIB. Em
2002, enquanto os juros nominais foram responsáveis pelo aumento bruto da
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dívida de 7,2% do PIB, o ajuste cambial, num ano de eleições presidenciais e
de deterioração das expectativas em relação ao comportamento da econo-
mia mundial, marcado por acentuada volatilidade dessa variável, respondeu
por um aumento de 9,3% do PIB. Ou seja, câmbio e juros, em conjunto, foram
responsáveis por cerca de 95% de seu aumento bruto total de 17,4% do PIB.
A geração de um superávit primário de 3,3% do PIB e a contribuição dada
pela variação nominal do PIB de 11,0% para a redução dessa relação permi-
tiram que sua expansão ficasse contida em 2,9 pontos percentuais do PIB,
tendo evoluído para um nível correspondente a 55,5% do PIB.
Tabela 7 
Fatores condicionantes da dívida líquida do setor público no Brasil — 2000-04 
(% do PIB)
DISCRIMINAÇÃO 2000 2001 20022003 (1) 2004 
DÍVIDA LÍQUIDA TOTAL ............. 48,8 52,6 55,5 57,2 51,8 
DÍVIDA LÍQUIDA (VARIAÇÃO 
ACUMULADA NO ANO) .............. 0,1 3,9 2,9 1,7 -5,4 
FATORES CONDICIONANTES 
(FLUXOS ACUMULADOS NO 
ANO) ............................................ 4,0 7,8 13,9 2,0 2,3 
Necessidades de financiamento 
do Setor Público (NFSP) ............ 3,4 3,4 3,9 4,9 2,6 
Primário ........................................ -3,3 -3,5 -3,3 -4,1 -4,4 
Juros nominais ............................. 6,8 6,9 7,2 9,1 6,9 
Ajuste cambial ............................ 1,6 3,0 9,3 -4,0 -0,9 
Dívida mobiliária indexada ao 
câmbio .......................................... 0,8 1,5 4,8 -1,4 -0,2 
Dívida externa .............................. 0,8 1,5 4,4 -2,6 -0,7 
Reconhecimento de dívidas ...... 0,8 1,5 0,9 0,0 0,4 
Privatizações e outros ajustes .. -1,0 -0,1 -0,2 1,0 0,4 
EFEITO CRESCIMENTO PIB/ 
/DÍVIDA ........................................ -3,9 -3,9 -11,0 -0,3 -7,7 
FONTE: BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL: relatório anual 2004. Brasília:
BCB, 2005. 
(1) Percentuais revistos em função do novo cálculo do PIB feito pelo IBGE para esse ano.
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
Em 2003, apesar de a valorização do câmbio ter contribuído para a redu-
ção da relação dívida/PIB com -4,0% — como decorrência da recuperação da
credibilidade do Governo Luiz Inácio Lula da Silva junto aos investidores inter-
nos e externos e com a redução do Risco-País — e o superávit primário ter sido
elevado para 4,1% do PIB, a dívida como proporção do PIB conheceu uma
variação positiva de 1,7 ponto percentual, saltando para 57,2%. O baixo cresci-
mento do PIB de 0,5% em termos reais ainda assim conseguiu contribuir para
sua redução em 0,3%, mas novamente foram os juros nominais, que alcança-
ram 9,1% do PIB, os principais responsáveis pelo crescimento da relação. Isso
significa que, apesar do maior aperto fiscal, além do fato de se ter contado com
uma situação externa favorável, a relação dívida/PIB continuou sua trajetória de
crescimento alimentada preponderantemente por seus encargos, com os
superávits primários conseguindo cobrir apenas 46% de seu total.
A redução registrada em 2004 é explicada principalmente pelo crescimen-
to de 5,2% do PIB em termos reais, que diminuiu em 5,4 pontos percentuais a
relação dívida/PIB, pelo maior superávit primário gerado e pela valorização do
real, enquanto os juros nominais responderam por 7,0 pontos percentuais do
PIB para sua expansão. Não há, entretanto, nenhuma garantia de que esses
fatores continuarão contribuindo, nessa dimensão, para garantir essa trajetória
de queda da relação dívida/PIB. Valorizado, o câmbio poderá sofrer correção,
quando começar a afetar os saldos da balança comercial e de conta corrente, e
colocar dificuldades para as contas externas, mudança que afetará negativa-
mente a dívida corrigida pelo dólar. O crescimento econômico dificilmente se
manterá, em 2005, nos níveis atingidos em 2004, se perdurar a política monetá-
ria de altas taxas de juros para conter as pressões inflacionárias e se não forem
retomados os investimentos públicos e privados para remover incertezas sobre
os rumos da economia. Os superávits primários dificilmente poderão ser ainda
mais elevados sem colocar em risco o funcionamento da máquina pública. Es-
tabilizadas nos níveis atuais, as taxas de juros deverão continuar mantendo
elevados os encargos da dívida e assegurando seu crescimento.
Nessa situação, em que o nó fiscal não foi resolvido e ocupa posição
central no modelo econômico, condicionando e sendo afetado pelas variáveis
concernentes à trajetória da dívida pública, o crescimento sustentado só
pode ser visto como “objeto de desejo” das autoridades governamentais. Para
criar as condições necessárias para que ele se torne uma realidade, é indis-
pensável desfazer a armadilha do atual modelo que limita a ação do Es-
tado e opera com fortes travas contra o crescimento, libertando-o das algemas
que aprisionam seus movimentos nessa direção. Sem isso, o crescimento sus-
tentado não passará de mera retórica.
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 Fabrício Augusto de Oliveira; Paulo Nakatani
Para desfazer esse nó seriam necessárias mudanças principalmente nas
políticas fiscal e monetária.14 Em termos da política fiscal, os aumentos da
carga tributária deveriam ser direcionados para o financiamento de investimen-
tos públicos, imprescindíveis para o crescimento de forma sustentada, e não
esterilizados com o pagamento dos juros da dívida pública, propiciado pela per-
manente elevação do superávit primário. Além disso, uma efetiva reforma tribu-
tária, diferentemente da que foi aprovada parcialmente15 em dezembro de 2003,
deveria simplificar o sistema e suprimir os impostos e as contribuições inciden-
tes em cascata, de forma a possibilitar a melhoria na competitividade internaci-
onal e avançar na construção de um sistema tributário menos regressivo, contri-
buindo para melhorar a distribuição de renda, ampliar o mercado interno e, com
isso, injetar forças no sistema para o crescimento sustentado. Do ponto de vista
dos gastos, deveria reduzir o superávit primário16, utilizando a diferença princi-
palmente nos investimentos públicos em infra-estrutura.
A política monetária deveria ser conduzida de forma a reduzir a taxa bási-
ca de juros, o que compensaria, pelo menos em parte, a redução no superávit
primário e amorteceria a pressão da conta de juros e da relação dívida/PIB.
Uma medida mais radical seria a supressão da política de metas de inflação e o
redirecionamento da política monetária para o crescimento da economia. O ar-
gumento da elevação da taxa de juros como meio de controle da inflação é
contestável, na medida em que os indicadores mostram, periodicamente, que
os principais fatores de pressão inflacionária são decorrentes dos reajustes de
preços e tarifas controlados pelo Governo. A redução na taxa de juros apresen-
taria como benefício adicional a redução no custo do aumento das reservas
internacionais, financiadas através da colocação de títulos de dívida
no mercado.
14 Destacam-se apenas alguns pontos considerados principais; naturalmente, não se pretende
aqui apresentar uma proposta completa de reforma da política macroeconômica.
15 Os dois principais pontos que foram aprovados tratam da continuidade da cobrança da CPMF
e da desvinculação dos recursos da União (DRU).
16 O Governo Lula adotou um ponto de vista contrário: ao assumir, elevou unilateralmente o
compromisso com o FMI de produção de superávit primário, realizou superávits acima do
previsto e acabou em uma situação esdrúxula, pedindo ao Fundo que parte dos gastos em
investimentos não fosse considerada como custeio. Teria sido suficiente não ter proposto a
elevação de 3,75% para 4,25% no superávit.
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A política macroeconômica do crescimento insustentável
5 - Considerações finais
Em janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da
República com o voto de mais de 50 milhões de brasileiros que esperavam
mudanças na condução da política e da economia brasileira. Eleito sob o
signo da mudança, tendo como principal programa o Fome Zero e o lema “(...)
se ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes por
dia, terei realizado a missão de minha vida”, Lula e o PT vêm decepcionando
uma parcela considerável de seus eleitores e uma parte dos militantes do
Partido.
Para conseguir ganhar a eleição para Presidente, Luiz Inácio Lula da
Silva mudou parcialmente o discurso, divulgou a Carta ao Povo Brasilei-
ro, fez alianças com partidos de centro-direita, buscou o apoio de represen-
tantes das elites tradicionais, como Antônio Carlos Magalhães e José Sarney,
enquanto alguns dirigentes do PT realizaram contatos com o FMI e com o
Departamento do Tesouro dos EstadosUnidos. Com isso, pôde obter
“credibilidade” face ao mercado financeiro e conseguir o apoio de frações
importantes das classes dominantes brasileiras.
No momento de sua posse, os mais otimistas acreditaram no seu dis-
curso da transição e na modificação posterior da política econômica inicial-
mente implementada, segundo os ensinamentos da estratégia neoliberal, cren-
ça que permaneceu até o momento em que Lula afirmou categoricamente
não existirem planos A, B ou C. O compromisso assumido com a
implementação da política neoliberal teve continuidade com a realização das
reformas da previdência dos servidores públicos e tributária e também com a
aprovação da Lei de Falências. Essa política ampliou-se, mais recentemente,
com a unificação e a maior liberalização do mercado de câmbio e com a
retomada do processo de privatização. Para completá-la, continuam penden-
tes, mas ainda em curso, a aprovação do projeto de independência do Banco
Central, bem como as reformas trabalhista e sindical. Nesse processo, o
Programa Fome Zero desapareceu, tendo sido incorporado e unificado aos
programas sociais que já existiam17, e a promessa de criação de 10 milhões
de empregos também foi esquecida.
As articulações políticas mais recentes do Governo e do PT, como a
tentativa de realização de uma reforma ministerial no início de 2005, reafir-
17 "(...) os programas de transferência de renda então em vigor, tal como o Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás, foram unificados em um único, o Bolsa
Família" (Marques; Mendes, 2004).
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mam a inexistência de um projeto de sociedade e, ao mesmo tempo, a existên-
cia de um projeto de manutenção no poder, já que estão voltadas prioritariamente
para garantir a reeleição de Lula em 2006. Tudo isso torna mais difícil mudanças
importantes nas bases do modelo econômico em curso, indicando, ao contrário,
ser maior a probabilidade de sua continuidade com a realização das tarefas
ainda pendentes, de acordo com a estratégia neoliberal e com os interesses da
grande burguesia nacional associada à burguesia internacional dominante, em
especial a fração financeira.
Essa articulação entre os interesses políticos e os econômicos apare-
ce, assim, como barreira para a adoção, pelo Governo, sem contrariar a sua
atual base de apoio, das medidas indicadas que poderiam permitir-lhe esca-
par da armadilha do atual modelo. Isto porque, se a manutenção da estratégia
neoliberal não conduz a um crescimento sustentado da economia e é prejudi-
cial aos interesses da maioria da população, não restam dúvidas de que ela
tem se revelado altamente funcional para o sistema na sua fase atual e extre-
mamente benéfica para os grandes capitais nacionais e internacionais. As-
sim, se o modelo se apresenta desfavorável para os trabalhadores e também
para o sistema produtivo, é inegável o seu sucesso principalmente para o
capital financeiro.
Por isso, reconhece-se não serem passíveis de implementação, sem
dificuldades, essas medidas. Se fossem adotadas no início do Governo, po-
deriam ter sofrido menor oposição, em vista de sua enorme popularidade
naquele momento. Como se optou por percorrer outro caminho, visando res-
gatar e manter a credibilidade da política econômica junto ao mercado, per-
deu-se aquela oportunidade e praticamente se renunciou à possibilidade de
construção de bases sólidas para o crescimento sustentado, dados os com-
promissos assumidos e as dificuldades de libertar-se da aliança selada, prin-
cipalmente com o capital financeiro. Para romper com essa situação, seria
necessário que o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores e do Gover-
no Lula fosse substituído por um efetivo projeto de sociedade, objetivo que,
apesar de se encontrar em seu discurso, não se encontra ao alcance da
vista.
Referências
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123
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 125-134, jun. 2005
A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...
A ortodoxia econômica do Governo
 Lula da Silva e a busca da esperança
 perdida a partir de uma proposição
de política econômica alternativa
Fernando Ferrari Filho* Professor Titular da UFRGS e
 Pesquisador do CNPq.
Resumo
O artigo, por um lado, mostra que a política econômica do Governo Lula da Silva
se tornou muito mais ortodoxa em relação à época do Governo Fernando Henrique
Cardoso. Por outro, ele apresenta uma política econômica alternativa, que visa
assegurar o crescimento econômico de forma sustentável, sem comprometer,
contudo, a estabilização de preços.
Palavras-chave
Política econômica do Governo Lula da Silva; políticas monetária e fiscal
contracíclicas; administração cambial e controle de capitais.
Abstract
On the one hand, the article shows that the Lula da Silva‘s economic policy has
the essential characteristics of the Fernando Henrique Cardoso‘s economic policy,
as well as it became more orthodox than the previous Government. On the other
hand, it presents an alternative economic policy to aim at keepinginflation under
control and assuring long-term economic growth and social development.
Artigo recebido em 15 fev. 2005.
* E-mail: ferrari@ufrgs.br
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Fernando Ferrari Filho
Nunca é demais relembrar que, em seu discurso de posse, o Presidente
Lula da Silva enfatizou que seu governo adotaria políticas que enfrentariam as
questões sociais do País, reimpulsionariam o crescimento sustentado e atacariam
os problemas de desemprego e de concentração de renda, que têm sido uma
constante na vida brasileira, há décadas. No entanto, passados os dois primei-
ros anos de seu mandato, o crescimento médio da economia é da ordem de
2,7%1 — o que faz com que “espetáculo do crescimento” não passe de retó-
rica —, a taxa média de desemprego continua elevada — 12,3% em 2003 e
11,5% em 2004 —, e os principais programas sociais, tais como Fome Zero e
Primeiro Emprego, não deslancharam.
Este artigo tem dois objetivos: por um lado, mostra que a política econômica
do Governo Lula da Silva não somente implementou medidas diferentes e
sinalizadas na campanha eleitoral de 2002, bem como se tornou muito mais
ortodoxa em relação à época do Governo Fernando Henrique Cardoso; por outro,
apresenta uma política econômica alternativa que visa assegurar o crescimento
econômico de forma sustentável, sem comprometer, contudo, a estabilização
de preços. Para tanto, o artigo está dividido em duas seções, além desta
introdução: a breve seção que segue analisa a lógica e os resultados da política
econômica ao longo do biênio 2003-04; na outra, são apresentadas medidas
alternativas de política econômica que visam ao crescimento econômico de
longo prazo e ao desenvolvimento social.
A política econômica de Lula da Silva
e os seus resultados
As políticas econômicas adotadas nos dois primeiros anos da Presidência
de Lula da Silva concentraram-se (a) na delegação ao Banco Central (Bacen) da
operacionalização da política monetária de maneira explicitamente recessiva,
conforme sua expectativa de inflação, e (b) no aumento (voluntário) da meta de
superávit primário acordado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Como é do conhecimento de todos, uma taxa de juros crescente pune as
firmas — que precisam de crédito para operar — e os trabalhadores — que
perdem seus empregos quando as firmas passam por dificuldades —, mas
compensa generosamente os rentiers. No Brasil de Lula da Silva, não é diferente:
1 Taxa calculada tendo como referência uma estimativa preliminar de crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) da ordem de 5,0% para o ano de 2004.
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o setor bancário tem auferido lucros apenas marginalmente inferiores àqueles
aos quais se acostumava sob o Governo Fernando Henrique Cardoso, ainda
assim notáveis para uma economia com um crescimento médio pífio, no biênio
2003-04, de 2,7% ao ano. Por outro lado, altas taxas de juros fazem crescer as
despesas governamentais, aprofundando qualquer desequilíbrio fiscal que exista
de partida.
A política fiscal, porém, é menos obviamente recessiva. Dominada pelo
objetivo de alcançar um superávit de 4,25% do PIB brasileiro2, a fim de garantir
o serviço da dívida pública em mãos do mercado, a política fiscal de Lula da
Silva não persegue, realmente, a austeridade fiscal. De fato, em todos esses
anos em que o Governo Federal vem fixando metas para superávits primários,
déficits orçamentários têm sido significativos. A expressão “superávits primários”
é, na verdade, um truque de retórica que procura ocultar políticas fiscais
regressivamente distributivas sob o manto de uma pretensa austeridade fiscal.
Quando a política é definida pela geração desses superávits, os gastos públicos
não são reduzidos para que o Governo Federal poupe; ao contrário, eles são
distribuídos em favor do pagamento de juros sobre a dívida pública. Em outras
palavras, o Governo Federal não está realmente poupando, mas apenas
desviando recursos de investimentos públicos para o pagamento da conta de
juros. Especificamente no Governo Lula da Silva, em 2003, o custo de rolagem
da dívida pública foi da ordem de R$ 148,8 bilhões, ao passo que, em 2004, o
referido valor, acumulado até o mês de novembro, foi da ordem de R$ 132,2
bilhões.
As conseqüências dessas políticas fiscais e monetárias ortodoxas
permitiram ao Governo Lula da Silva obter o apoio do FMI e de investidores
financeiros domésticos e internacionais. Ao longo dos últimos dois anos, houve
uma significativa melhora do prêmio de risco cobrado sobre bônus brasileiros
em mercados secundários internacionais — atualmente, ao redor de 410 pontos,
quando, no início do Governo Lula da Silva, o referido risco se encontrava próximo
a 2.400 pontos — e um aumento no valor de mercado dos C-Bonds brasileiros.
A taxa de inflação manteve-se sob controle — 9,3% em 2003 (apesar de ter sido
1,3% acima da meta proposta pelo Bacen) e 7,6% em 2004 (0,4% abaixo do
limite superior da meta estabelecida pelo Bacen) —, e o superávit comercial
acumulou, nos últimos dois anos, um resultado de US$ 58,5 bilhões, revertendo,
pelo menos no curto prazo, os desequilíbrios de transações correntes do País,
2 Na prática, os superávits fiscais, em 2003 e 2004, ficaram acima da meta preestabelecida:
em 2003, ele foi da ordem de 4,3% do PIB e, em 2004, atingiu 4,6% do PIB.
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Fernando Ferrari Filho
a despeito da política de negligência cambial do Banco Central,3 que alega não
ser o câmbio seu problema, como se não houvesse efeito transmissor da política
monetária sobre a taxa de câmbio. Por outro lado, as políticas adotadas
resultaram, conforme observado na seção introdutória deste artigo, em um pífio
crescimento médio do PIB4 e no aumento da taxa de desemprego, bem como na
deterioração do perfil de distribuição de renda — em 2003, o rendimento médio
dos trabalhadores caiu cerca de 15,0%, e, em 2004, a queda foi de 0,75%.
Em suma, a política econômica, nos dois primeiros anos do Governo Lula
da Silva, infelizmente parece sinalizar que o “medo venceu a esperança”.
Em busca do crescimento econômico de
longo prazo e do desenvolvimento social
Uma vez que o Governo Lula da Silva e seus aliados parecem acreditar
que não há realmente nenhuma outra política econômica factível, a não ser
aquelas que vão ao encontro da ortodoxia econômica5, surge a seguinte pergunta:
será que a atual política econômica alicerçada no tripé metas de inflação, superávit
fiscal expressivo e flexibilidade cambial resolveu, once and for all, os problemas
de vulnerabilidade e fragilidades externa e fiscal, condições imprescindíveis
para assegurar um processo de crescimento econômico sustentável com inclusão
social? Em outras palavras, estará a economia brasileira experimentando, a
partir dos resultados macroeconômicos auspiciosos de 2004, um círculo virtuoso
de crescimento e desenvolvimento econômicos?
3 Entre dezembro de 2002 e dezembro de 2004, a taxa média de câmbio apreciou-se cerca
de 25,1%.
4 É importante lembrar que o crescimento do PIB no ano passado, próximo a 5,0%, ocorreu à
revelia das “criativas” políticas econômicas do Governo Lula da Silva. De fato, o referido
crescimento pode ser explicado, por um lado, pelo crescimento da economia mundial,
impulsionando, assim, o setor externo brasileiro (o volume total das exportações cresceu
cerca de 56,5% entre os anos de 2002 e 2004), e, essencialmente, pelo longo período de
crise da economia brasileira (nos anos de 2001, 2002 e 2003, o PIB cresceu tão-somente
1,4%, 1,5% e 0,5% respectivamente).
5 Diga-se de passagem, restrições monetárias e fiscais convergem para os ideais do
Consenso de Washington, quais sejam, desregulamentação dos mercados, privatização
(ou parcerias público-privada na versão do Governo Lula da Silva), liberalizações comercial
e financeirae independência do Bacen (proposição reiteradamente defendida tanto por
Henrique Meirelles quanto por Antonio Palocci).
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A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...
Em nosso ponto de vista, a despeito da melhora substancial dos indicado-
res externos e fiscais em 2003 e, principalmente, em 2004, a economia brasilei-
ra está longe de superar seus problemas de vulnerabilidade e fragilidade externa
e fiscal. Por outro lado, entendemos que é muito pouco provável mudar a realida-
de econômico-social do País sem alterar a política econômica. Nesse sentido,
se o Governo Lula da Silva quisesse realmente promover o pleno emprego,
criando condições adequadas para a retomada de investimentos públicos e pri-
vados, e a inclusão social, a política econômica deveria contemplar um sistema
de metas de inflação mais flexível e realista, políticas fiscais e monetárias
expansionistas e controle de capitais com câmbio relativamente administrado, à
la crawling peg. Em essência, as condições favoráveis para ambos os objetivos
são despertar o animal spirits, como dizia Keynes, dos empresários, sinalizan-
do-lhes políticas de suporte de demanda agregada, ao invés de contrário.6 Isso
significa que não apenas políticas monetárias deveriam considerar explicita-
mente o objetivo de manutenção da estabilidade do emprego, juntamente com a
estabilidade dos preços7, mas também que tanto a política fiscal deveria ser
reorientada para privilegiar a expansão do investimento público, ao invés do
serviço da dívida,8 ou mesmo de despesas correntes, quanto a taxa de câmbio
deveria ser menos volátil, não introduzindo, assim, incertezas e inseguranças
na decisão de investimento.
Mais especificamente, a proposição de política econômica visando
concomitantemente ao crescimento sustentável e à estabilização dos preços
com inclusão social deveria ser centrada nas seguintes medidas:
6 Nesse particular, existe um consenso entre os economistas, pelo menos os não ufanistas,
de que, para que a dinâmica do crescimento da economia brasileira em 2004 seja perene, é
imprescindível a ampliação, em bases sólidas, do patamar do investimento dos atuais
20,0% do PIB para algo em torno de 25,0%.
7 É importante explicitar que taxas reais de juros elevadas — a Selic, em termos reais, foi da
ordem de 12,5% em 2003 e de 8,3% em 2004 — são desestimulantes para a ampliação do
investimento.
8 Em nosso ponto de vista, a política fiscal não deveria sacrificar todos os outros objetivos
simplesmente para garantir o serviço da dívida pública. Há outros meios de se reduzir o
peso da dívida, variando de instrumentos mais amigáveis ao mercado, como o uso de
opções para reduzir taxas correntes de juros, até iniciativas mais agressivas de mudança
do perfil da dívida, envolvendo a substituição, ao invés da rolagem, dos atuais títulos por
outros com cláusulas diferentes — por exemplo, notas indexadas à taxa de crescimento do
PIB teriam a vantagem de alinhar os interesses de aplicadores financeiros aos interesses da
sociedade como um todo; é necessário deixar claro que uma mudança desse tipo não
implica violação de contratos, já que ela pode ser feita quando do resgate dos títulos atual-
mente em poder do mercado.
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Fernando Ferrari Filho
- implementação de políticas tributária e financeira que estimulem as ex-
portações — por exemplo, desoneração, via reforma tributária, das
exportações e abertura de linhas de crédito;
- administração da taxa de câmbio, conforme o mecanismo operacional de
um sistema crawling peg, de tal forma que não somente as ações
especulativas possam ser coibidas, mas a taxa real de câmbio man-
tenha-se relativamente estável ao longo do tempo. Para tanto, controle de
capitais é um importante instrumento para reduzir a instabilidade da taxa
de câmbio;
- revisão da política comercial, tendo como referência os acordos da Orga-
nização Mundial do Comércio, que possibilitam tratamento especial para
os países em desenvolvimento9, no sentido de se adotarem tarifas
seletivas que privilegiem as importações de bens de capital e penalizem
as importações de bens de consumo;
- articulação, por parte do Governo e do setor privado, de uma política in-
dustrial, de maneira que a inserção da economia brasileira no cenário
internacional ocorra de forma a absorver as revoluções tecnológica e
estrutural em curso — imprescindíveis para tornar os produtos brasileiros
mais competitivos no mercado mundial — e a atrair a participação de
capital externo em investimentos produtivos, gerando, assim, valor
agregado que vise à exportação — isto é, tradables;
- operacionalização de políticas específicas para os diferentes grupos de
produtos que fazem parte da pauta das exportações brasileiras, tanto
tradicionais quanto manufaturados, e exploração de novos mercados;
- priorização do fortalecimento das relações comerciais e financeiras com
seus parceiros do Mercosul, visando, assim, aumentar o poder de barganha
do Brasil e dos demais países do Mercosul no processo de integração do
Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA).
No que diz respeito ao primeiro ponto, uma vez que ocorreu uma modificação
substancial na dinâmica da economia brasileira, nos anos 90, decorrente da
abertura comercial da integração regional com o Mercosul e da estabilização
econômica pós-Plano Real, a reestruturação do sistema tributário torna-se
necessária para que o setor produtivo do País possa ser competitivo no mercado
global. Em outras palavras, para que as exportações sejam competitivas no
mercado internacional, é necessária uma reforma tributária que, ao racionalizar
a tributação sobre bens e serviços, elimine e desonere os tributos, principalmente
os cumulativos, incidentes sobre os produtos exportados. Por outro lado,
9 Ver, para tanto, World Trade Organization (2003).
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A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...
aberturas de linhas de crédito para as exportações são imprescindíveis para
dinamizar o setor exportador, uma vez que, em um contexto de escassez de
liquidez internacional, é pouco provável que as linhas de crédito internacional
continuem abertas para os exportadores brasileiros. Nesse sentido,
indubitavelmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) tem um papel importante. Paralelamente, a flexibilização da política
monetária é fundamental para expandir os créditos e reduzir as taxas de juros.
A adoção de uma taxa de câmbio em conformidade com o sistema de
crawling peg tem como objetivo fazer com que as incertezas empresariais em
relação à volatilidade dos contratos futuros de câmbio sejam dirimidas e, por
conseguinte, a demanda efetiva, tanto interna quanto externa, seja expandida.
A idéia consiste em estabelecer uma margem de flutuação ex ante da taxa de
câmbio, de maneira que a autoridade monetária possa intervir no mercado sempre
que a taxa de câmbio se aproximar dos valores extremos, superior e inferior, da
margem de flutuação previamente estabelecida. Em suma, a determinação prévia
da flutuação da taxa de câmbio tem como finalidade influir nas expectativas dos
agentes econômicos. Ademais, é necessário ressaltar que, com o intuito de
evitar os erros passados do sistema cambial crawling peg, quando o referido
sistema foi introduzido em um contexto de câmbio real sobrevalorizado, a sugestão
de se implementar um regime cambial de crawling peg somente faz sentido em
um contexto de taxa real de câmbio subvalorizada.
Concomitantemente à operacionalização de um regime cambial de crawling
peg, é necessário implementar mecanismos de controle de capitais, de maneira
preventiva, da conta capital e financeira, utilizando, para tanto, um sistema
moderno e eficiente de regulação de fluxos de capitais (Paula, 2003; Carvalho;
Sicsú, 2004). Via de regra, os controlesEcon. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
em dois momentos. Inicialmente, mostra-se como a reversão dos déficits em
conta corrente decorreu de uma sensível recuperação no comércio, que, por sua
vez, deve ser explicada pelo choque externo positivo do biênio 2003-04. A seguir,
são apresentados: (a) a dinâmica das contas capital e financeira, fortemente
dependente dos ciclos feast-famine dos mercados financeiros globalizados e
desregulamentados; e (b) os indicadores de vulnerabilidade externa.
2.1 - O desempenho da conta corrente: os efeitos
 do “choque benigno”
Observando-se os dados das Tabelas 1 e 2 do Anexo, fica evidente que o
ajuste na conta corrente, depois de 1999 e especialmente em 2003 e 2004,
deveu-se ao excelente desempenho da balança comercial, na medida em que
os itens de serviços e rendas são estruturalmente deficitários. Assim, a análise
do desempenho das transações correntes requer um exame detalhado da balança
comercial no período, cujo superávit se ancorou na taxa excepcional de
crescimento das exportações — cerca de 32% entre 2003 e 2004 —, num
contexto de recuperação das importações — que se expandiram 30% em relação
a 2003. É interessante notar que, até agora, a tendência de apreciação da taxa
de câmbio real, mais intensa a partir do segundo semestre de 2004, não chegou
a comprometer o saldo comercial.12 O fato é que, em 2004, o superávit comercial
atingiu o resultado excepcional de US$ 33,7 bilhões, para o qual foi ainda mais
decisiva a performance das exportações. Isto porque, enquanto, em 2003, esse
superávit foi determinado pelo aumento das exportações num contexto de
importações estagnadas, em 2004 esse aumento foi acompanhado por uma
progressiva recuperação das importações, associada, em grande parte, à
recuperação do nível interno de atividade e ao próprio crescimento das
exportações, que implicou demanda por insumos importados. Assim, o ritmo de
crescimento das exportações passou de um patamar médio entre 4% e 5% no
período 1995-02 para 21% e 32% em 2003 e 200413.
12 Há uma certa defasagem temporal, estimada em nove meses pela Funcex (Boletim de
Comércio Exterior, 2003), entre os fechamentos dos contratos de câmbio e os embarques
efetivos e, assim, entre a evolução da taxa de câmbio real efetiva e o quantum exportado.
13 É importante notar que, nesse biênio, o quantum exportado (60%) cresceu em um ritmo
superior ao dos preços (34%).
13
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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
O denominador comum que explica o crescimento significativo das quanti-
dades exportadas em todas as classes de produtos é o crescimento sincroniza-
do da economia mundial, que deve ter atingido 5% em 2004, segundo estimati-
vas do FMI (International Monetary Fund, 2004b), taxa recorde desde 1976. No
âmbito dos países em desenvolvimento, o crescimento estimado é ainda
maior — cerca de 6,6%, taxa mais elevada em 30 anos —, associado ao
dinamismo da Ásia, liderado pela China, o qual foi acompanhado por maiores
taxas de crescimento na América Latina e na Europa do Leste. Essas taxas
excepcionais de crescimento têm como contrapartida a expansão — igualmente
um recorde recente — do comércio mundial, que deve atingir 8,5% em 2004,
segundo a OMC.14 Essa situação inédita em mais de duas décadas constitui
uma das dimensões do “choque externo benigno”, que contribuiu decisivamente
para o desempenho exportador do Brasil. Ressalta-se que os três principais
mercados do País, que representam cerca de 50% das exportações — Estados
Unidos, Argentina e China — destacaram-se em termos de taxas de crescimento
econômico.
Outra dimensão do choque externo benigno — a alta dos preços das
commodities15 — beneficiou especialmente os produtos básicos e os semimanu-
faturados da pauta brasileira. Todavia, enquanto, em 2003, essa alta foi
generalizada, atingindo as mais diversas modalidades de commodities — alimen-
tos, grãos, óleos, metais, etc. —, em 2004, essas diversas categorias apresenta-
ram desempenho distinto. A influência negativa da queda do preço da soja e
derivados16 sobre os preços dos produtos básicos e semimanufaturados exporta-
dos pelo Brasil foi compensada, parcialmente, pela alta dos preços de diversos
metais, que mantiveram sua trajetória altista. Parcialmente porque a participação
14 Ver World Trade Organization (2004).
15 Entre 2001 e 2003, o preço da soja e derivados cresceu mais de 50%; em 2004, verificou-
-se uma tendência de queda. Já as commodities metálicas, cujos preços se ampliaram em
cerca de 10% naquele período, atingiram um crescimento de 20% em 2004 (United Nations
Conference on Trade and Development, 2004; The Economist, 2001/2004). Tal alta esteve
associada a três principais determinantes, que se auto-reforçaram: a retomada da econo-
mia mundial; as características do crescimento chinês (altas taxas e investimentos em
novas plantas); e compras especulativas por parte de fundos de investimento, fomentadas
pela combinação particular dos preços-chave da economia mundial (taxas de juros baixas
e desvalorização do dólar).
16 A queda de quase 40% (em dólares) decorreu, principalmente, das melhores condições
previstas para as próximas safras nos três principais produtores mundiais: Estados Uni-
dos, Brasil e Argentina (United Nations Conference on Trade and Development, 2004; The
Economist, 2001/2004).
14 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
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das commodities agrícolas na pauta de exportação brasileira é superior à das
metálicas (19% versus 10% respectivamente).
Em relação às exportações de manufaturados, o dinamismo da demanda
externa — um dos pilares do choque externo benigno — contribuiu decisivamente
para a manutenção do seu excelente desempenho, num contexto de apreciação
da taxa de câmbio real, já que, no caso desses produtos, para os quais a
concorrência via preço é importante, variações nessa taxa afetam diretamente
sua competitividade em intensidade proporcional à elasticidade-preço da
demanda. Ademais, como têm ressaltado alguns analistas17, as exportações de
manufaturados no contexto atual parecem estar associadas a decisões
estratégicas das empresas residentes, nacionais e estrangeiras, de direcionar
para o exterior uma parcela relevante de sua produção. Essas decisões teriam
sido induzidas, num primeiro momento, pelas desvalorizações cambiais de 1999
e 2002 e, num segundo momento, pelo encolhimento do mercado doméstico,
pela menor incidência de carga tributária sobre essas vendas vis-à-vis às internas
e pelo acesso a crédito externo mais barato (este último mais relevante no caso
das nacionais)18.
Estudos recentes sugerem que o coeficiente de exportação da indústria
brasileira aumentou após a mudança do regime cambial, em 1999. De acordo
com Nassif e Puga (2004), considerando a indústria em geral, esse coeficiente
passou de 14,7% em 1998 para 22,3% em 2003, aumentando na maioria dos
setores. O estudo desses autores também ressalta as diferenças de competitivi-
dade internacional dos diversos setores da indústria brasileira, a partir do cálculo
dos índices setoriais de vantagens comparativas reveladas (VCRs) entre 1996
e 2004. Os resultados mostram que, no âmbito da indústria de transformação,
além da manutenção das vantagens comparativas nos setores onde a economia
brasileira tem competitividade estrutural — aqueles intensivos em trabalho (como
têxtil e calçados) e/ou em recursos naturais (como metalurgia) —, nesse período,
houve ganhos expressivos de competitividade nos setores de veículos
automotores e aviação/ferroviário/embarcações/motos (em função, sobretudo,
do de aviação). Tal resultado foi confirmado pelo exercício de Prates (2004), que
17 Ver, por exemplo, Barros (2004, p. B2) e Balbi (2004, p. B1).
18 Contudo a apreciação recente do real, que já comprometeu a rentabilidade das exporta-
ções de acordo com a Funcex (Boletim de Comércio Exterior, 2005), pode reverter algu-de capitais podem ocorrer de três
maneiras: (a) controles administrativos, ou seja, restrição quantitativa de fluxos
de capitais, conforme suas origens, maturidades e destinações; (b) depósitos
compulsórios incidentes sobre os fluxos de capitais ingressantes; e (c) regulação
financeira, isto é, imposição de limites sobre posições cambiais de residentes.
A adoção de controles de capitais para economias emergentes tem dois objetivos:
por um lado, restringir os fluxos de capitais implica reduzir a demanda por ativos
em moeda conversível internacionalmente, e, portanto, o potencial para a
especulação contra a taxa de câmbio é significativamente reduzido; por outro,
ao se evitar a excessiva flutuação da taxa de câmbio, obtém-se maior autonomia
de política monetária. Em síntese, controles de capitais devem ser
implementados para viabilizar políticas econômicas autônomas — fiscal e
principalmente monetária — e a estabilidade do mercado cambial.
Como é do conhecimento de todos, taxa de câmbio é condição necessária,
mas não suficiente, para gerar expressivos superávits comerciais. Nesse sentido,
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Fernando Ferrari Filho
é preciso uma política comercial que estimule as exportações e substitua as
importações. Para tanto, são imprescindíveis uma política industrial para dinamizar
o volume de comércio exterior, através sobretudo do aumento da competitividade
da estrutura produtiva (Kupfer, 2004), bem como uma política que vise à atração
de investimento direto estrangeiro, capaz de alterar as elasticidades-renda das
exportações e das importações. Desse modo, política comercial ativa, no sentido
de se terem tarifas e instrumentos não tarifários, tais como políticas de crédito
e financiamento, é fundamental para que a política industrial reestruture as
exportações e substitua as importações. Ademais, políticas comerciais
estratégicas e mecanismos eficientes de regulamentação e de estímulos para
setores industriais dinâmicos que operem à escala internacional, sob condições
de retornos crescentes que gerem externalidade tecnológica, são essenciais
para expandir as exportações.
As ações da política comercial, em consonância com a política industrial,
devem estar centradas na promoção das exportações e na substituição de
importações como processos concomitantes. A promoção das exportações deve
ocorrer no caso de produtos com competitividade já revelada, e a substituição
das importações, em setores com capacidade produtiva insuficiente. Por outro
lado, a identificação de núcleos de grande vigor e dinamismo, voltados para o
desenvolvimento de vantagens competitivas diferenciadas, deve ser parte da
estratégia da política industrial (Baumann, 2002).
Em resumo, o objetivo das políticas comercial e industrial deve ser a
ampliação do volume de comércio exterior, e, para tanto, os elementos centrais
são: (a) promoção das exportações; (b) esforços para aumentar o número de
empresas que exportam (pequenas e médias, além das grandes); (c) redu-
ção das restrições tarifárias e não tarifárias existentes aos produtos brasilei-
ros; (d) diversificação das exportações e dos mercados de destino destas;
(e) investimento em infra-estrutura e aperfeiçoamento do arcabouço institucional
e logístico; e (f) pesquisa e tecnologia.
A busca de novos mercados para as exportações brasileiras é de
fundamental importância para que o País não fique suscetível à assimetria de
choques exógenos. Em outras palavras, uma maior inserção do País no comércio
internacional protege as exportações brasileiras contra as oscilações de conjuntura
internacional. Assim sendo, além da opção preferencial pelo Mercosul, a busca
de novos mercados da América Latina e a exploração dos mercados da Ásia e
da África são condições para que o destino das exportações brasileiras não
continue predominantemente concentrado em poucos parceiros comerciais. Nesse
sentido, visando reverter tal quadro de dependência de mercados externos, devem
ser desenvolvidas políticas específicas para os diferentes grupos que compõem
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A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...
nossa pauta de exportações, de maneira que os exportadores brasileiros te-
nham condições de explorar oportunidades dentro das regras da World Trade
Organization.
Por fim, centrando a atenção na integração com o Mercosul, reativar e
reestruturar esse processo de integração regional é fundamental para que a
participação e a inserção do Mercosul no comércio internacional não somente
aumente, mas se manifeste em condições de soberania. Indo nessa direção,
Ferrari Filho (2001-2002) propõe, à luz da teoria pós-keynesiana, a criação de
um conselho supra-regional do Mercosul com poderes para (a) regular as reservas
internacionais e criar uma “blindagem financeira”; (b) manter relativamente estável
a taxa de câmbio; e (c) dirimir os desequilíbrios fiscais e externos dos países
integrantes do Mercosul.
Concluindo, ao contrário do que pensam as autoridades monetárias e o
Presidente Lula da Silva, a estabilidade macroeconômica não se restringe
somente ao controle inflacionário, mas, sim, à combinação de pleno emprego e
preços estáveis. Desse modo, em busca da esperança perdida, entendemos
que as proposições acima arrefecem os graus de vulnerabilidade externa e
fragilidade fiscal e asseguram a estabilidade macroeconômica que nós devemos
almejar, qual seja, crescimento econômico de longo prazo e desenvolvimento
social.
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
Dois anos de Governo Lula: da crise
às amarras do crescimento
Flávio Benevett Fligenspan Professor do Departamento de Ciências
 Econômicas da UFRGS e Doutorando do
 PPGE-UFRGS
Resumo
Este texto aborda as opções políticas e de política econômica do Governo Lula
durante seus dois primeiros anos de mandato. O momento inicial foi de forte
crise de confiança, principalmente dos financiadores externos, o que levou o
Governo a adotar políticas de arrocho. A partir de meados de 2003, o ambiente
começou a melhorar muito, para o que os excelentes resultados da balança
comercial foram fundamentais. Mesmo assim, o Governo optou por manter uma
política conservadora, que impõe altas taxas de juros, para controlar uma infla-
ção ainda parcialmente resultante de indexação, e significativo superávit primá-
rio. A conseqüência é umasituação em que o crescimento fica travado, e o
País, sujeito ao ciclo favorável da economia internacional, sobre o qual não se
tem controle nem garantia de que vá continuar nos sendo favorável.
Palavras-chave
Crescimento; inflação; indicadores externos.
Abstract
This article discusses the first two years of President Lula’s Government in
Brazil. In the beginning the Government faced a credit crisis, mainly from
external sources, which led it to adopt a strict economic policy. From the
second half of 2003 on, the environment became more stable, due in part to
the positive results of the Trade Balance. Yet, the economic policy remained
conservative, imposing high interest rates in order to control inflation. Also,
the economic policy maintained a high primary surplus. Consequently,
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 Flávio Benevett Fligenspan
economic growth is being restricted and the Brazilian economy continues to
depend upon the favorable cycle of international growth and stability.
Artigo recebido em 07 abr. 2005.
1 - O ambiente em 2001-02
O Governo Lula assumiu o País, em janeiro de 2003, em um ambiente
econômico desfavorável tanto externa quanto internamente. Do ponto de vis-
ta externo, deve-se lembrar que 2001 foi o ano da quebra do ritmo forte de
crescimento vivenciado pela economia norte-americana desde o início da
década de 90. Essa quebra, que já era esperada por todos os analistas da
economia internacional, felizmente se materializou sob a forma de soft landing1,
mas, mesmo assim, trouxe conseqüências em termos de desaceleração do
comércio internacional, repercutindo nas economias emergentes, como a bra-
sileira.
Se, desde o primeiro semestre de 2001, já estava em andamento a
desaceleração norte-americana, o ambiente piorou definitivamente a partir
do episódio dos ataques terroristas às Torres Gêmeas e ao Pentágono, em
setembro daquele ano. A justa comoção e a conseqüente insegurança gera-
das pelos atentados vieram somar-se ao ambiente de desaceleração,
potencializando seus efeitos e espalhando-os pelo mundo, que, a partir daí,
teve a certeza de estar vivendo uma nova era.
Como se não bastasse, também nos EUA, a virada do ano de 2001 para
o de 2002 foi marcada pelos episódios de crise da chamada governança
corporativa, quando ficaram claras as manipulações de balanços e de outros
documentos de grandes corporações norte-americanas com o objetivo de
majorar o valor de suas ações nas bolsas. O aparecimento dessas fraudes
de grandes proporções, efetuadas por executivos de alto escalão com a coni-
1 Pelo menos desde 2000, já se discutia abertamente sobre a inevitável desaceleração da econo-
mia norte-americana. A questão era saber quando ela ocorreria e de que forma, se de uma
maneira administrada e suave (soft landing) ou com perda de controle (hard landing), geran-
do efeitos negativos mais importantes para os EUA e para o comércio internacional.
137
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
vência de empresas consagradas de auditoria, incrementou o clima de descon-
fiança que já se vivia. Tanto mais porque isso abalou a rentabilidade de várias
aplicações financeiras, estabelecendo perdas em cadeia.
Se o ambiente internacional estava claramente ruim, o regional também
não ajudou, pois um dos parceiros do Mercosul, a Argentina, aprofundou sua
crise econômica ao longo de 2001, chegando à ruína do sistema de paridade
cambial instituído em 1991. Isso desencadeou uma enorme crise política,
com a queda do Presidente da República e a decretação do estado de sítio no
final do ano. A mudança abrupta da taxa de câmbio gerou uma grande crise
no sistema financeiro, com a suspensão das operações e a rediscussão dos
seus valores. Seguiu-se a inevitável moratória da dívida externa. Estava des-
feito o sonho da paridade com o dólar, desencadeando-se uma crise recessiva
e uma quebra no comércio internacional argentino com todas suas repercus-
sões no Brasil.
É nesse ambiente internacional que a candidatura Lula, na sua quarta
tentativa de chegar à Presidência, começou a ganhar força em meados de
2002.2 À medida que Lula avançava nas pesquisas eleitorais, dessa vez sem
opositores à altura, ressurgiam os tradicionais temores internos e externos
sobre a possibilidade de o Brasil ter um governo “considerado” de esquerda.
Relembraram-se imediatamente as posturas históricas do Partido dos Traba-
lhadores e de Lula em relação à necessidade de auditoria das dívidas interna
e externa, à ganância do sistema financeiro brasileiro, à revisão das
privatizações e outras questões que assustavam os agentes financeiros na-
cionais e estrangeiros.
Todos os aspectos listados dos planos externo e interno parecem mais
do que suficientes para construir um quadro de desconfiança com o que
poderia ocorrer num eventual e cada vez mais provável Governo Lula. Não
seria estranho projetar uma situação de fuga cambial, escassez de divisas,
dificuldade de fechar as contas externas em 2003, medo de calote na dívida
interna, etc. Enfim, fosse por temor verdadeiro, fosse para alimentar um am-
biente de especulação, o clima de desconfiança cresceu rapidamente junto
com o percentual de Lula nas pesquisas eleitorais. Isso se traduziu rapida-
mente em ausência de financiamento internacional, elevação da taxa de câmbio
e do indicador de Risco-País no sistema financeiro internacional. Apenas
para se ter uma idéia, em setembro de 2002, portanto às vésperas do primei-
2 Lembre-se que, do ponto de vista da atividade econômica, nesse momento, apenas estáva-
mos começando a sair da crise energética que havia iniciado em maio de 2001; portanto,
operávamos com um nível de atividade baixo.
138
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 135-156, jun. 2005
 Flávio Benevett Fligenspan
ro turno da eleição — havendo a possibilidade de Lula vencer já nessa
etapa —, o dólar chegou a valer praticamente R$ 4,00 e o Risco-País chegou
aos 2.400 pontos, grandezas que expressam, por si, a crise de desconfiança.
Não bastou Lula ter declarado formalmente, através da famosa Carta ao
Povo Brasileiro, seus compromissos com a estabilidade econômica, com o
controle da inflação e com o cumprimento dos contratos, o que incluía os das
privatizações. O “mercado” preferia enxergar o “velho Lula”. E isso a despeito
da própria composição da chapa, com o empresário-Senador José Alencar
ocupando a Vice-Presidência e carreando o apoio de uma série de partidos e
de políticos claramente identificados como conservadores.
2 - O período pós-eleitoral e a composição
 da equipe de governo
Passado o episódio eleitoral, com a vitória no segundo turno, Lula e sua
equipe trataram de seguir a caminhada da conquista de confiança que havia
se iniciado com os discursos e os documentos ainda do período de campa-
nha. Um dos primeiros passos foi o da formação da equipe de governo. Já
nesse ponto, ficou muito clara a tentativa de mostrar para o sistema financei-
ro — nacional e, principalmente, para o internacional — que rosto teria a
equipe econômica e, portanto, o que ela certamente não iria fazer.
Foi absolutamente surpreendente a escolha de Henrique Meirelles para
a Presidência do Banco Central, por tudo que ele representava na esfera
financeira. Meirelles fez carreira no sistema financeiro brasileiro e depois
chegou a ser presidente mundial do Banco de Boston. Mais que isso, tendo
encerrado sua trajetória no sistema financeiro, acabara de começar uma car-
reira política, elegendo-se, já numa primeira tentativa, deputado federal pelo
Estado de Goiás. Ainda mais surpreendente, Meirelles elegeu-se pelo PSDB,
partido de FHC e do recém-derrotado José Serra, opositor de Lula no segun-
do turno. E como uma demonstração de que a escolha de Meirelles não era
apenas uma mentira montada para acalmar o sistema financeiro e que logo a
seguir poderia ser substituído por um petista histórico, ele teve que cumprir a
legislaçãoe abrir mão de seu mandato na Câmara Federal para assumir o
Banco Central. Tratava-se, portanto, de uma escolha que tinha caráter defini-
tivo; um caráter de compromisso. E ainda, para selar a opção, ficou implícita
uma promessa de Lula de encaminhar para o Legislativo o regramento sobre
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
a autonomia do Banco Central, ainda que, até hoje, não se tenha certeza sobre
a amplitude de tal autonomia.3
Outros membros da nova equipe que ocuparam postos-chave também
passavam a mesma idéia de Meirelles, ou seja, de técnicos de perfil conser-
vador, que nunca tomariam atitudes consideradas agressivas aos interesses
do sistema financeiro. Dois nomes que ilustram essa postura são os de Mar-
cos Lisboa, na Secretaria do Ministério da Fazenda, e Joaquim Levy, no Te-
souro Nacional. Para completar o quadro, o petista Palocci assumiria o Minis-
tério da Fazenda, ele que foi assessor direto de Lula na campanha eleitoral e
era considerado publicamente como da ala light do Partido.
Além da composição da equipe econômica, também as alianças políti-
co-partidárias para a escolha de ministros e para a obtenção de maioria no
Congresso mostravam um governo que se preparava para um mandato não
identificado com o discurso e as bandeiras históricas do PT e que se dispu-
nha a negociar constantemente com forças de centro-direita, com tudo que
isso significa na tradição da política brasileira. Na visão dos principais
formuladores políticos do Governo, a imensa esperança popular no que viria
a ser um governo do PT e a confiança na pessoa do Presidente Lula dariam
sustentação para atropelar qualquer desconfiança em relação à equipe
econômica e às alianças. Não foi esse o entendimento de alguns membros do
PT e de aliados à esquerda do espectro político, que logo manifestaram seu
descontentamento e fizeram suas primeiras manifestações, já identificando
indícios de um sentimento de traição e desencanto. Mas, certamente, naque-
le momento, essas eram vozes representativas de uma minoria.
3 - O início do Governo Lula
Cumprindo o que os anúncios do período pós-eleitoral tinham afirmado
em busca da confiança, principalmente do sistema financeiro internacional,
as primeiras medidas do Governo, a partir de janeiro de 2003, foram no sen-
tido de preservar a política econômica do segundo mandato de FHC na sua
essência. Talvez, até mais do que isso. Por suposta necessidade de se mos-
3 O tema, ainda em discussão, continua sendo politicamente muito delicado e tecnicamente
indefinido. O que exatamente significa autonomia? Ainda que seja apenas autonomia
operacional — portanto, para cumprir metas estabelecidas por outros órgãos e não para defini-
-las —, quais os graus de liberdade dessa autonomia?
140
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 Flávio Benevett Fligenspan
trar diferente do que alguns esperavam ou por convicção de membros da equi-
pe, algumas medidas aprofundaram as de FHC. E isso apareceu até mesmo na
voz de alguns membros importantes do Governo.
Assim, por exemplo, a opção pela ampliação do superávit fiscal primário
como percentual do PIB foi um sinal eloqüente de o quanto o Governo queria
se mostrar confiável e responsável no trato da administração pública em
geral e das contas públicas em particular. O Ministro Palocci anunciou que o
Brasil faria o superávit “necessário”. Necessário para quê, caberia a pergun-
ta. Sem referir o que ele esperava do superávit primário e a que interesses
atendia, a expressão “necessário” é absolutamente vaga, podendo, até mes-
mo, significar um superávit baixo. Certamente, não era isso que o Ministro
queria dizer. Qualquer possível dúvida se dissipou, quando se soube que o
Governo prometia chegar a um superávit de 4,25% do PIB, mais do que o
próprio FMI exigiu no acordo com FHC, ainda em 2002. Lembre-se que a
meta original do acordo com o FMI era de 3,75% para 2002 e que, diante da
crise de confiança do segundo semestre do ano, ela foi revista para 3,88%,
como um sinal de seriedade do Governo. A direção do FMI e o sistema finan-
ceiro internacional devem ter se surpreendido com o anúncio brasileiro. Afi-
nal, estávamos prometendo fazer mais do que o nosso tradicional algoz, em
termos de política econômica, havia exigido.
Outro aspecto da política econômica que merece ser comentado é o da
taxa de juros. A elevação da taxa de câmbio no segundo semestre de 2002
rapidamente apareceu sob a forma de elevação dos preços domésticos, por
influência das importações mais caras e das expectativas de inflação cada
vez mais elevadas já para 2003. Tendo perdido a eleição presidencial e, por-
tanto, não tendo mais o que arriscar do ponto de vista eleitoral, a equipe de
FHC preferiu manter a coerência da sua política econômica e elevou os juros
no final de 2002. Mantendo a linha da conquista de confiança, o Governo Lula
seguiu a política e, assumindo o risco da impopularidade, elevou ainda mais
a taxa de juros nos primeiros meses de 2003. É claro que, para Lula, era
possível atribuir a FHC a desorganização da economia no seu final de man-
dato e dividir a responsabilidade do novo aumento dos juros com o Governo
que recém havia terminado. Nesse momento, começou a aparecer no debate
político a expressão “herança maldita”, ou seja, os aspectos negativos do
Governo FHC que foram passados a Lula e que exigiam medidas amargas e
impopulares.4
4 Deve-se considerar essa herança como natural em qualquer troca de governo. A questão é saber
até que ponto ela é exagerada nos seus efeitos e quanto tempo ela permanece como justifica-
tiva para as ações do novo Governo.
141
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
O item mais importante e que organiza tudo o mais em termos da política
econômica é o sistema de metas de inflação. Também — e especial-
mente — nesse ponto, o Governo Lula conservou a política de FHC, assu-
mindo o sistema e suas características, tal como foram implantadas no Bra-
sil, para o bem e para o mal. Assim, por exemplo, continuou-se a usar metas
centrais com intervalos ou bandas superiores e inferiores e o IPCA cheio —
e não seu núcleo — como índice de referência para as metas. O fato é que,
se toma como referência o sistema de metas, a política econômica gira em
torno dele e das oscilações que ele impõe à taxa de juros, passando ela a
assumir o papel de variável central e determinante das demais.
O Governo Lula entendeu — corretamente — que, a partir do Plano
Real, a população brasileira absorveu como necessidade básica para a orga-
nização do País o controle da inflação. Mais do que isso, compreendeu que a
sociedade tomou o controle dos preços como uma conquista sua, indepen-
dentemente das forças políticas que governavam o País. FHC soube capitali-
zar para si as glórias do Real nas suas duas eleições, em 1994 e 1998, mas
isso apenas não mais bastou, e Serra não se elegeu em 2002. O Governo
Lula entendeu, portanto, que não poderia correr o risco de pôr a perder essa
conquista. Do contrário, teria o sucesso de seu governo sacrificado logo no
primeiro ano. Por isso, num clima de incerteza internacional e sob a descon-
fiança de seus financiadores, não arriscou na condução da política econômica.
Priorizou o combate a uma inflação em alta que ameaçava seu projeto políti-
co, por mais que isso exigisse medidas impopulares e que poderiam ser
consideradas extravagantes para o histórico do PT. Preferiu queimar um pou-
co do enorme capital político que havia conquistado ao longo de 20 anos e
que se materializara na eleição de 2002.
Penso que, no geral, não havia melhor alternativa para o momento deli-
cado do início de 2003. Por outro lado, ficará para sempre uma pergunta sem
resposta exata: com os compromissos — exagerados — assumidos nesse
momento inicial e com os constrangimentos que eles geraram, haveria como
reorientara política econômica logo à frente, quando já se tivesse cumprido o
objetivo de conquistar a confiança e diminuir a tensão sobre o financiamento
das contas externas, sobre a taxa de câmbio e sobre a inflação? Ou, visto
por outro lado, haveria como reorientar a política econômica em meio ao
mandato sem alterar radicalmente a equipe? Se a resposta fosse não, uma
alteração de equipe e de política preservaria a confiança, partindo-se do
princípio de que os indicadores externos melhoraram muito em dois anos?
Ou ainda, será que cabe fazer tais perguntas, uma vez que, na verdade, o
Governo Lula nunca pensou em dirigir a economia diferentemente do que tem
feito desde seu início?
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 Flávio Benevett Fligenspan
4 - A melhora dos indicadores externos
Ao que tudo indica, a situação difícil da passagem de 2002 para 2003 foi
ficando cada vez mais distante, principalmente quando se examinam os indi-
cadores das contas externas brasileiras. É verdade que essa melhora dos
indicadores externos já vinha acontecendo durante o segundo mandato de
FHC, não por acaso a partir da desvalorização cambial de 1999 e da conse-
qüente recuperação da conta comercial. Porém também é verdade que ela se
aprofundou nos dois primeiros anos de Lula. É certo que, a partir de 2003, o
cenário internacional ajudou muito, com a recuperação do crescimento médio
mundial e o conseqüente aumento do comércio. Isso aumentou quantidades e
impulsionou preços, principalmente de commodities agropecuárias e metáli-
cas. A continuidade do exuberante crescimento chinês e a recuperação ar-
gentina também ajudaram muito o Brasil.
O fato é que as exportações e o saldo comercial do Brasil no biênio
2003-04 foram muito além de qualquer projeção, mesmo as mais otimistas. O
Ministro Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no início
do governo, portanto, numa situação de entusiasmo e necessitando mostrar
otimismo, projetou uma expansão das exportações de 10% para 2003. Na-
quele ano, as exportações cresceram 21%, gerando um superávit, anterior-
mente impensável, de US$ 24,8 bilhões. Claro que a baixa atividade domésti-
ca, com expansão do PIB de apenas 0,5%, influenciou as vendas externas e
segurou as importações, que cresceram somente 2%. Feitas as contas ao
final do ano de 2003, chegou-se a um superávit em transações correntes
(US$ 4,1 bilhões), o que não ocorria desde 1992. Com essa demonstração de
ajuste rápido e com essa capacidade de gerar dólares, não havia como sus-
tentar o clima de desconfiança em relação ao Governo Lula.
O ano de 2004 reforçou a melhora das contas externas, com novo salto
além das previsões para as exportações (32%) e novo superávit em transações
correntes, dessa vez de US$ 11,7 bilhões, o que corresponde a 1,9% do PIB.
A diferença em relação ao desempenho do ano anterior é que as importações
começaram a crescer com mais força (30%), como reflexo da expansão de
5,2% do PIB.5
5 A questão relevante e que passou a ser insistentemente discutida entre 2003 e 2004 é sobre a
sustentabilidade dos resultados comerciais diante da expansão do PIB. A esse respeito, ver
Fligenspan (2004). A situação ficaria mais delicada na hipótese de uma desaceleração do co-
mércio mundial com queda das exportações brasileiras.
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 Balança comercial brasileira — 1999-04
-10
10
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1999 2000 2001 2002 2003 2004
Balança comercial Exportação Importação
(US$ bilhões)
 Gráfico 1
Legenda:
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia 
 e Finanças: indicadores de conjuntura. 
 Brasília. Disponível em: 
 http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 
 2005.
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 Flávio Benevett Fligenspan
-12
-7
-2
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1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
-3
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0
1
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3
4
5
Déficit em transações correntes (US$ bilhões)
Déficit em transações correntes/PIB (%)
Legenda:
Gráfico 2 
(%)
Déficit em transações correntes brasileiras — 1992-04
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRA DO BRASIL. Economia 
 e Finanças: indicadores de conjuntura. 
 Brasília. Disponível em: 
 http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 
 2005.
(US$ bilhões)
Esses resultados externos geraram um avanço de indicadores tradicio-
nais, vistos com muita apreensão pelo sistema financeiro internacional. Re-
lações como serviço da dívida externa sobre exportações de bens e servi-
ços e dívida externa líquida sobre exportações de bens e serviços declina-
ram rapidamente nesse período de dois anos, mostrando a diminuição da
vulnerabilidade externa da economia brasileira.6 Também é verdade que, ape-
sar do avanço, ainda estamos com indicadores piores que os da média da
América Latina e ainda mais distantes da média dos países em desenvolvi-
mento. Mas a velocidade do ajuste merece ser destacada. Os Gráficos 3 e 4
ilustram melhoras de alguns indicadores selecionados.
6 Sobre a melhora dos indicadores externos, ver a excelente análise de conjuntura de Prates
(2004).
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
Indicadores das contas externas brasileiras — 1999-04
8
13
18
23
28
33
38
43
48
1999 2000 2001 2002 2003 2004
Relação dívida externa/PIB 
Relação juros/exportações 
Gráfico 3 
(%)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia 
 e Finanças: indicadores de conjuntura. Brasí-
 lia. Disponível em: http://www.bcb.gov.br 
 Acesso em: 4 mar. 2005.
Legenda:
 0
146
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 135-156, jun. 2005
 Flávio Benevett Fligenspan
Gráfico 4
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia 
 e Finanças: indicadores de conjuntura. Brasí-
 lia. Disponível em: http://www.bcb.gov.br 
 Acesso em: 4 mar. 2005.
Legenda:
Razão
 Indicadores da dívida externa brasileira — 1999-04
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1999 2000 2001 2002 2003 2004
Relação dívida externa/exportações 
Relação dívida externa/reservas 
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
5 - A relação dívida líquida do setor
 público/PIB e a opção pelo superávit
 primário elevado
Outro indicador acompanhado com muito cuidado pelos financiadores
e/ou especuladores internacionais é a relação dívida líquida do setor público/
/PIB, já que ela demonstra sinteticamente a capacidade do setor público de
honrar a dívida interna. Dado que há muito capital financeiro internacional
que vem ao Brasil aproveitar a remuneração elevada dos títulos públicos, é
natural que os titulares desses recursos se preocupem com os indicadores
de solvência do Governo, isto é, com a possibilidade de não receberem seu
capital no momento devido.
Por vários motivos, a dívida pública cresceu em 2003, mas a alta taxa
de juros média do ano foi o principal deles. Por outro lado, o PIB ficou pratica-
mente estagnado no ano (0,5%),o que elevou a relação dívida líquida do
setor público/PIB para 57,2%. Deve-se lembrar que essa relação era de 30%
em 1994 e que subiu continuamente durante o período do Plano Real por
conta dos juros elevados, principalmente, e do baixo crescimento da econo-
mia.7 Com a política econômica de arrocho que veio de FHC e que foi seguida
e ampliada por Lula, era previsível uma evolução ruim para a relação dívida/
/PIB, pelo menos num primeiro momento de contenção do PIB. Seguindo o
objetivo de conquistar confiança e demonstrar austeridade, o Governo optou por
uma elevação do superávit primário, até porque teria que arregimentar recursos
para pagar, pelo menos, parte da conta de juros em alta. A parte da conta
de juros não coberta pelo superávit primário engordaria o estoque da dívida,
colaborando para o incremento da relação dívida/PIB. Os números finais
de 2003 mostram que o superávit primário foi de R$ 66 bilhões e a conta de
juros foi de R$ 145 bilhões. Portanto, apesar de todo o esforço fiscal imposto
à sociedade sob a forma de encolhimento dos gastos sociais e com
infra-estrutura, ainda restou um grande incremento no estoque da dívida
pública.
Do ponto de vista de quem olha apenas para os indicadores, a situação
melhorou em 2004; certamente, não foi isso que ocorreu do ponto de vista
social. O Governo resolveu impor um superávit primário ainda maior, da or-
7 Outros itens podem ser somados nessa conta, como os chamados "esqueletos", mas certa-
mente tiveram um papel secundário na explicação da elevação da relação dívida/PIB.
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 Flávio Benevett Fligenspan
dem de 4,5%, novamente por vontade própria e além de qualquer expectativa do
FMI.8 Acabou chegando ao final do ano com 4,6% de superávit, o que corresponde
a R$ 81 bilhões. A taxa de juros média do ano diminuiu, quando comparada com
a de 2003, o que gerou uma conta de juros um pouco menor, de R$ 128 bilhões.
A diferença entre essas duas variáveis é um déficit nominal de R$ 47 bilhões.
Dado que o PIB cresceu 5,2% em 2004, a relação dívida líquida do setor públi-
co/PIB diminuiu bastante no ano, chegando a 51,8%. Apesar de ainda muito
alta, é importante destacar que se tratou da primeira redução dessa relação
desde o início do Plano Real, além de se constituir numa redução significativa,
quando comparada aos 57,2% de 2003.
Mais que isso, o discurso do Governo e a crença do próprio mercado
financeiro, expressa em pesquisas regulares que projetam o percentual da
relação para os próximos anos, são manter o caminho de queda, sempre
baseado num superávit primário elevado, na expectativa de redução da taxa
de juros média e na elevação do PIB. Evidentemente, das três variáveis
envolvidas nessa projeção, a única que o Governo domina é o superávit
primário, pois, no sistema de metas, a taxa de juros está amarrada à taxa de
inflação, que depende, dentre outras coisas, de preços internacionais, além
de apresentar ainda um componente de indexação elevado. Por seu lado, o
crescimento do PIB está ligado a muitas variáveis, dentre elas, a própria
expansão do mercado internacional, que, em 2003 e 2004, foi favorável, mas
que pode sofrer reversão.
8 No início de outubro de 2004, em um seminário, em Washington, sobre economia brasileira, em
que estiveram presentes o Secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e o Presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles, o Diretor-Adjunto do FMI responsável pelo acompanhamento do
acordo com o Brasil, Charles Collyns, perguntado sobre a necessidade e/ou possibilidade de
manter-se o superávit primário elevado de 4,5% em 2005, disse que: "Há muitas prioridades em
gastos, como os investimentos públicos em infra-estrutura. Eles são necessários para que não
se forme um gargalo nas exportações (...) Existem também outros objetivos sociais do Gover-
no" (FMI questiona..., 2004, p. B6). Tratou-se, portanto, de um caso insólito, em que o FMI,
fugindo à sua tradição, construiu uma posição entre a cautela e a reprovação sobre uma propos-
ta de mais arrocho fiscal. Curiosamente, um mês depois, em visita de rotina ao Brasil, para
revisar os números do acordo com o FMI, o mesmo Diretor Charles Collyns mudou sua posição
e declarou que: "O País está indo muito bem no gerenciamento das contas públicas e nos
objetivos fiscais (...) É muito bom que o País esteja conseguindo cumprir seus objetivos fiscais
e excedê-los, para reduzir a dívida pública" (FMI elogia..., 2004, p. B1). Tudo indica que as
declarações de outubro não foram bem recebidas pelos maiores dirigentes do FMI, nem pelos
brasileiros.
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
O que o Governo Lula fez em termos de administração das contas públi-
cas foi nitidamente uma opção política de sacrificar os gastos sociais e em
infra-estrutura para obter elevados superávits primários e tentar reduzir, ao lon-
go do tempo, a relação dívida/PIB. A pergunta que sempre se coloca nesses
casos é se haveria alternativa melhor de política econômica, tanto quando vista
de forma ampla como em relação ao tema específico da política fiscal? Os
defensores da política atual simplesmente evitam o debate, trabalhando com a
idéia de que não só não há alternativa melhor, como sequer há alternativa. As
 Dívida pública brasileira — 1994-04
 0
 100
 200
 300
 400
 500
 600
 700
 800
 900
1 000
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
0
10
20
30
40
50
60
70
Dívida líquida consolidada do setor público (R$ bilhões)
Relação dívida pública/PIB (%)
Gráfico 5 
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Econo-
 mia e Finanças: indicadores de conjun-
 tura. Brasília. Disponível em: 
 http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 
 mar. 2005.
Legenda:
(R$ bilhões) (%)
150
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 Flávio Benevett Fligenspan
10 Apenas para se ter uma idéia do impacto positivo de uma medida como essa, em 2004 o
total de investimentos programados no orçamento federal era de R$ 12 bilhões, o que
sequer foi executado, por conta do arrocho fiscal.
boas práticas de política econômica aplicadas no mundo seriam as mesmas
aplicadas no Brasil ou muito próximas delas, e esse entendimento já estaria
consagrado pelos melhores economistas e institutos de pesquisa. Quem pensa
diferente estaria simplesmente defasado em termos técnicos, constituindo opi-
niões não respeitáveis. Trata-se, portanto, nessa visão, de uma questão de tem-
po e sacrifício para se obterem os bons resultados esperados. É claro que
essa forma de ver as coisas sempre reserva duas justificativas para o caso de
se obter insucesso. Ou a economia mundial não colaborou — mas também nada
foi feito para se proteger de um possível revés que venha de fora —, e/ou não se
aplicou a dose devida do remédio internamente, isto é, faltou austeridade e
sacrifício da sociedade. Como sempre é possível lançar mão desses
dois argumentos9, os defensores de tal política pensam estar isentos de
qualquer responsabilidade pelo eventual insucesso e eximidos de ter que
explicá-lo.
Como já dito anteriormente, penso que, no momento inicial, realmente não
havia alternativa, dado o ambiente de forte desconfiança e especulação que se
materializara na redução do financiamento externo, na elevação da taxa de câmbio
e nas projeções de inflação. Contudo, passado esse momento e tendo sido
reconquistada a confiança dos financiadores internos e externos, seria possível
ousar pelo menos um pouco em termos de política econômica, favorecendo os
investimentos e um crescimento mais sustentado, ao concorrer para evitar gar-
galos de infra-estrutura, e atendendo um pouco mais às amplas necessidades
das camadas sociais mais baixas.
Assim, no que se refereà política fiscal, uma possibilidade seria abrir mão
de uma parte do superávit primário — meio ponto percentual por
exemplo —, diminuindo o superávit para pouco mais de 4% do PIB. Isso teria
gerado, em 2004, cerca de R$ 8 bilhões, que poderiam ser usados para investi-
mentos em infra-estrutura e programas sociais.10 Os investimentos em energia
e transportes, por exemplo, demonstrariam a firme intenção de crescer com
solidez no tempo. Veja-se que os gargalos nessas áreas já são flagrantes, inclu-
9 Veja-se o caso da Argentina, tão elogiada pelos economistas conservadores e por institui-
ções internacionais, como o próprio FMI, durante o período da paridade cambial. Quando
sobreveio a crise, qual a explicação? Faltou arrocho interno, e o mundo entrou em crise
em 2001, conforme já se examinou no início deste texto.
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
sive prejudicando a necessária ampliação das exportações.11 É claro que uma
opção dessa ordem implicaria aumentar a relação dívida/PIB por dois (talvez
três) anos. Alguns economistas consideram isso um grave retrocesso, porque
abalaria a confiança do sistema financeiro, aumentaria o Risco-País e, em con-
seqüência, a taxa de juros interna. Porém é possível ver de outra forma. É certo
que os credores internos e externos teriam que ser convencidos, formal ou
tacitamente, de que se trataria de um recuo temporário para dar fôlego a um
crescimento mais consistente logo a seguir. Se isso é possível, e parece que é,
pois o capital estrangeiro continua apostando no País — basta ver a entrada de
capital produtivo —, essa medida não causaria abalo de confiança, podendo
mesmo gerar o movimento contrário. Num segundo momento, a relação dívida/
/PIB cairia, por conta do crescimento mais acelerado. É claro que uma mudança
de política dessa ordem e que mexe com interesses tão fortes poderia gerar
uma turbulência inicial, exigindo um novo balanceamento do financiamento ex-
terno, com mais capital produtivo e menos especulativo. Por isso, ela não pode-
ria ser aplicada num momento de instabilidade, como no início do Governo Lula,
mas a melhora da confiança externa gerou espaço para uma opção como essa.
No entanto, dada a rigidez da política econômica, propostas desse tipo não
passam de exercícios. O Governo não quer se afastar minimamente de sua
opção e demonstra ter muito medo de crescer, dentre outros motivos, pelo te-
mor de retomada da inflação. Toda responsabilidade pela necessária expansão
da infra-estrutura é repassada às Parcerias Público-Privadas (PPP), o que se
constitui como uma aposta no escuro. Os exemplos de outros países mostram
que as PPP são, no máximo, complementares aos investimentos estatais, que
continuam não só necessários como indicadores de caminhos a serem segui-
dos pelo setor privado. Por outro lado, os resultados das PPP demoram a apare-
cer, seja porque dependem de um regramento bem estabelecido — o que ainda
não temos -—, seja porque os projetos são de longa maturação. Em contrapartida,
na hipótese de aumentar os investimentos estatais, é possível argumentar que
até mesmo os projetos baseados em PPP poderiam beneficiar-se — seja por
sinergias, seja pelo “estado de ânimo” — da atuação mais firme do Estado na
área de infra-estrutura.
11 A área dos transportes oferece exemplos fortes de gargalos tanto nas rodovias como nos
portos. As longas filas de caminhões para embarcar soja nos portos, na época da safra,
constituem situações vexatórias e de elevação de custos.
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 Flávio Benevett Fligenspan
6 - O sistema de metas e suas
 características no Brasil
O sistema de metas não é bom ou mal em si, constituindo-se como uma
das formas possíveis de tentar controlar a inflação. Tem sido usado em vári-
os países nos últimos anos, com as devidas variações. No caso brasileiro,
sua adoção deu-se em meados de 1999, após a crise da desvalorização
cambial, quando definitivamente perdemos o parâmetro do dólar artificial-
mente barato, que tantas distorções causou nos quatro anos e meio em que
vigorou. A experiência desses já seis anos do sistema de metas no Brasil
mostrou que é possível pôr em discussão pelo menos dois itens: a velocida-
de da esperada redução da taxa de inflação ao longo dos anos e o índice a
ser usado como parâmetro, incluindo sua forma de medida.
O objetivo do sistema de metas de inflação é manter o controle sobre a
taxa de elevação dos preços, fazendo uso da taxa de juros como regulador
do nível de atividade e, por conseguinte, dos preços. Está implícita a noção
de que a inflação é essencialmente de demanda, pois só assim terá sentido
tentar controlá-la via alta de juros e redução do nível de atividade. É claro que
uma inflação de custos também acabará respondendo, mais cedo ou mais
tarde, se for tratada por elevação de juros, mas certamente seus efeitos
negativos terão de ser muito mais fortes do que se o tratamento for outro, isto
é, a relação custo/benefício será elevada. O que se esperava do sistema de
metas desde sua implantação no Brasil, em 1999? Que substituísse a âncora
cambial como referência de controle dos preços, evitasse uma taxa de infla-
ção que prometia ser elevada naquele primeiro momento, em função da alta
da taxa de câmbio, e que reduzisse a inflação ao longo dos anos para níveis
próximos aos de economias estáveis.
O índice escolhido como parâmetro foi o IPCA (IBGE) cheio, isto é, não
se adotou uma medida de núcleo do índice. Além do IPCA cheio, admite-se
que a inflação pode variar, para mais ou para menos, de acordo com interva-
los pré-fixados. A utilização de núcleos seria útil para expurgar itens que têm,
por natureza, grandes variações de preços e para retirar variações exagera-
das de alguns preços em determinados momentos, para cima ou para baixo.
Isso suavizaria o índice adotado como parâmetro, causando menos pressão
sobre o sistema. O motivo de não se adotar qualquer filtro (núcleo) e acabar
por se trabalhar com o índice cheio, assumindo sua rigidez, foi o temor de
essa medida ser tomada como uma tentativa de manipulação. Dado que a
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
tradição brasileira é de pouca seriedade no trato da economia12 e considerando
que o momento da adoção do sistema de metas era muito delicado, a opção foi
a de trabalhar com o índice cheio. Isso poderia ter sido corrigido com o passar
do tempo, se houvesse confiança no sistema e se ele se mostrasse eficaz. No
entanto, nos anos que se seguiram, apenas em 1999 e 2000 as metas foram
atingidas, ainda que usando o intervalo superior. Nos dois últimos anos de FHC,
isso não ocorreu, o que pôs o sistema sob suspeita. Mexer na sua essência,
nessas circunstâncias, tornou-se difícil.
O Governo Lula, ao assumir em 2003 com um clima de desconfiança, não
poderia fazer alterações de fundo. O resultado de seu primeiro ano de mandato
também foi ruim, com a inflação ficando acima do teto. Assim, além de não
poder mexer no sistema, ainda ficou com a obrigação de conter a inflação em
2004. Do contrário, o sistema perderia definitivamente a credibilidade. No seu
primeiro ano, ainda foi possível colocar a responsabilidade no Governo anterior,
na chamada “herança maldita”, nos efeitos negativos da crise de confiança e na
elevação da taxa de câmbio do período eleitoral, que repercutiram nos preços,
em 2003. Mas 2004 parecia ser um ano decisivo para a credibilidade do Governo
e do sistema. Não foi por outra razão que o Governo jogou todas suas fichas no
controle da inflação, no segundo semestre do ano, elevando a taxa de juros e,
até mesmo, permitindo a valorização do real, o que segurou os preços dos
produtos importados. O resultado foi um IPCA de 7,6%, inferior ao limite de 8%
(5,5% era o centro da meta e os intervalos inferior e superior eram de 2,5 pontos
percentuais).De qualquer forma, permanece o IPCA cheio como o parâmetro do
sistema.
O outro tema relevante para discussão é a velocidade da queda da taxa
de inflação. O sistema brasileiro prevê que o Conselho Monetário Nacional
fixe as metas de inflação a serem perseguidas pelo Banco Central com dois
anos de antecedência. O que se tem discutido é se o Conselho não estaria
forçando uma redução muito rápida da taxa, o que impõe um sacrifício à
sociedade sob a forma de redução da taxa de crescimento. Partindo-se, por
exemplo, de um IPCA alto (12,5%) em 2002 como reflexo da crise do período
eleitoral, não seria demais exigir 4% em 2003? O Banco Central acabou
ajustando a meta daquele ano para 8,5%, mas o IPCA chegou a 9,3%. A meta
para 2004 era de 5,5%, e, para 2005, de 4,5%.13 Para 2006, o Conselho
12 Lembre-se do episódio de manipulação do índice oficial de preços (IGP) nos anos 70, em
pleno Governo Militar.
13 Veja-se que a meta original para 2005 era de 4,5%, mas o Banco Central resolveu, por sua
conta, acomodar mais 0,6 ponto percentual para o ano, em função da indexação de preços,
isto é, aumentos que passaram de 2004 para 2005 por força de contratos e, portanto, não são
passíveis de controle. A nova meta é, então, de 5,1%.
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manteve os mesmos 4,5% de 2005, mas reduziu os intervalos para 2,0 pontos
percentuais. Observe-se que a velocidade da queda da taxa de inflação não é
pequena.
Uma questão que representa uma especificidade do sistema brasileiro é
a dos preços administrados, isto é, preços principalmente de serviços de
infra-estrutura, como eletricidade e comunicações, que são regidos por con-
tratos desde a época das privatizações. Esses são serviços que têm peso
não desprezível no IPCA, mas que não respondem diretamente à elevação
dos juros. Eles representam a parte mais ativa do sobrevivente processo de
indexação — agora parcial — da economia brasileira. O fato é que esses
contratos, em geral, prevêem reajustes pelo IGP (FGV), carregando a infla-
ção do passado recente para o futuro imediato, quase independentemente do
que ocorre com o nível de atividade. Assim, por exemplo, se uma desvalori-
zação cambial acelerar os preços dos produtos importados e isso aparecer
no IGP — via preços por atacado —, certamente os preços dos serviços
privatizados absorverão esse aumento num período seguinte. Trata-se, por-
tanto, de um elemento de inflação de custos não passível de controle pela
alta dos juros. Esse é um defeito importante do sistema brasileiro de metas
de inflação e para o qual ainda não se encontrou solução. O máximo de ajuste
que já foi feito corresponde à situação anteriormente descrita para 2005,
quando o Banco Central admite um componente de indexação e incorpora
parte desse movimento no centro da meta do ano seguinte.
O fato é que, tendo o controle dos preços como objetivo central da
política econômica e usando a taxa de juros como instrumento básico, o
sistema de metas brasileiro torna o tema do crescimento excessiva e rigida-
mente amarrado ao controle da inflação. Mais que isso, dado o estoque eleva-
do da dívida pública, a manipulação da taxa de juros acaba por aumentar o
custo de rolagem da dívida e exigir superávits primários crescentes para
contrabalançar a conta de juros. Assim que, também pelo lado fiscal, se
sacrifica o crescimento.
7 - Conclusão
Por tudo que foi dito anteriormente, ficou clara a aposta do Governo no
sentido de manter um forte arrocho fiscal e monetário, mesmo que isso signi-
fique sacrificar um ritmo mais intenso de crescimento e de geração de em-
pregos. As manifestações do Ministro Palocci e de membros da equipe
econômica, incluindo o Presidente e os Diretores do Banco Central, não dei-
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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento
xam dúvidas. O objetivo é o de lentamente recuperar o tempo e a credibilidade
perdidos por atitudes irresponsáveis de vários governos passados. O discur-
so passa nitidamente a idéia de que devemos pagar pelos pecados cometi-
dos para atingir a “salvação”. E mais, devemos fazer isso com muito sofri-
mento, para demonstrar claramente o quanto estamos arrependidos e rege-
nerados.
Contudo não se deve esquecer que essa opção não prescinde de uma
dose de sorte, pois, quanto mais tempo ela necessitar para gerar resultados,
maior é a chance de o mercado internacional gerar uma nova crise e deixar-
-nos desamparados. Só recentemente, o Governo começou a construir al-
gum tipo de blindagem contra crises externas. No segundo semestre de 2004,
iniciou-se um processo de redução significativa da parcela da dívida pública
indexada ao dólar. Mas, por outro lado, nesse mesmo período, nem a taxa de
câmbio baixa foi suficiente para o Governo optar por engrossar as reservas
líquidas. Certamente, porque essa opção rebateria na inflação e na área fis-
cal, e novamente aí chegamos a um terreno proibido.14
Outro campo em que medidas mais elaboradas e mais difíceis não têm
sido encaminhadas é o fiscal. A necessária — e sempre postergada —
melhoria da qualidade do gasto continua esperando sua vez. Também pelo
lado da receita, são ainda tímidas as medidas para diminuir a informalidade.
Em substituição, o Governo Lula tem sido tão tradicional quanto o de FHC,
simplesmente usando a saída mais fácil, a do aumento da carga tributária.
Nesse ambiente de imposição de amarras ao crescimento, os movi-
mentos de alguns setores que dão mostras de começar a lançar apostas no
sentido do crescimento chamam atenção. Apenas para ilustrar, um exemplo é
o do rearranjo patrimonial na área de financiamento ao consumo e crédito
pessoal. Os grandes bancos vêm disputando uma corrida nos últimos anos,
que se acelerou durante 2004, no sentido de absorver pequenas e médias
empresas do setor de financiamento às famílias em todo País, algumas até
mesmo com mercados tipicamente regionais. Certamente, esses bancos es-
tão buscando construir posições para melhor disputar uma futura expansão
desses mercados. Estariam corretos com essa expectativa, ou trata-se ape-
nas de uma espécie de seguro — barato e muito lucrativo — contra um ciclo
(não mais que curto) de crescimento mais acelerado?
14 Nos primeiros três meses de 2005, houve um movimento mais forte do Banco Central no
mercado futuro de câmbio, o que aumentou a taxa de câmbio e as reservas. Veja-se que esse
movimento só se fez quando os números de 2004 já estavam fechados, logo, a repercussão
sobre os preços e sobre o estoque da dívida pública transfere-se para 2005.
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 Flávio Benevett Fligenspan
Esse é um sinal importante, que deve ser acompanhado com o devido
cuidado, até porque evidencia um movimento do sistema financeiro para fora do
ambiente de pura especulação. Claro, sempre resta a possibilidade de esse
movimento constituir apenas um equívoco, assim como o erro muito mais grave
das grandes empresas da área de duráveis que acreditaram na continuidade da
expansão do mercado vivida nos dois primeiros anos do Plano Real. O aumento
de capacidade instalada, que não encontrou demanda nos anos seguintes, ge-
rou enormes prejuízos e pelo menos uma resposta positiva: a necessidade —
quase desespero — de buscar mercados externos, o que vem ajudando a au-
mentar as exportações. O caso da indústria automobilística é o mais flagrante.
A partir de 1997, lançou-se em várias operações de ampliação e/ou moderniza-
ção e construção de novas unidades. Tendo gerado capacidade para produzir
3,2 milhões de unidades/ano, só em 2004 conseguiu bater o recorde de 1997
(2,2 milhões de unidades e 2,1 milhões de unidades respectivamente), o que
ainda representa uma grande ociosidade.
Referências
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Brasília: BCB, 1999/2004. Disponível em: http://www4.bcb.gov.br/ Acesso
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FLIGENSPAN,Flávio B. Houve um processo de substituição de importações
na indústria brasileira, no período pós-desvalorização cambial? COLÓQUIO
LATINO-AMERICANO DE ECONOMISTAS POLÍTICOS, 4, 2004. Anais... São
Paulo: EESP/FGV; Sociedade Brasileira de Economia Política, 2004.
FMI questiona aumento do superávit fiscal. Folha de São Paulo, p. B6, 5 out.
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PRATES, Daniela M. A assimetria das contas externas. Política Econômica
em Foco, Campinas, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4, seção 2,
p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/
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A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
A governança da política monetária
 brasileira: análise e proposta
de mudança*
José Luís Oreiro** Doutor em Economia pelo IE-UFRJ, Professor Adjunto
 do Departamento de Economia da UFPR
 e Pesquisador do CNPq.
Marcelo Passos Aluno do Programa de Doutorado em
 Desenvolvimento Econômico da UFPR.
Resumo
Este artigo faz uma avaliação crítica da estrutura de governança da política
monetária no Brasil, argumentando que a mesma é inadequada para a operação
do regime de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura: (a) não existe
uma clara separação entre a instituição responsável pela formulação das metas
da política monetária e a instituição responsável pela obtenção das mesmas;
(b) existe pouco espaço para a política monetária acomodar choques de oferta;
e (c) as expectativas inflacionárias utilizadas no processo de determinação da
taxa básica de juros não refletem as expectativas dos agentes que têm poder
efetivo de formação de preços na economia. Nesse contexto, são sugeridas
algumas mudanças na estrutura de governança da política monetária, com vis-
tas a torná-la mais adequada ao funcionamento do atual regime de metas
inflacionárias.
Palavras-chave
Política monetária; metas de inflação; autonomia do Banco Central.
 * Os autores agradecem, pelos comentários, a Luiz Carlos Bresser Pereira (EAESP-FGV-
 -SP), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (FCE-UERJ), Rodrigo Rocha Loures (Presidên-
 cia da FIEP), Marcelo Curado (UFPR) e Carlos Artur Kruger Passos (SENAI-PR). Even-
 tuais falhas são, no entanto, de inteira responsabilidade dos autores.
** E-mail: joreiro@ufpr.br
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 José Luís Oreiro; Marcelo Passos
Abstract
The objective of this article is to do a critical evaluation of the governance of
monetary policy in Brazil, arguing that the actual governance structure of monetary
policy is not adequate for the operation of the inflation targeting regime. This
occurs because: (a) there is not a clear separation between the institution
responsible for the definition of the targets of monetary policy and the one
responsible for the achievement of these targets; (b) there is little, if any, flexibility
of monetary policy to deal with supply shocks and (c) the inflationary expectations
used in the process of interest rate determination do not reflect the expectations
of those agents with real market power. In this setting, we suggest some changes
in the governance structure of monetary policy in Brazil in order to make it more
prone for the effective working of the inflation targeting regime.
Artigo recebido em 21 fev. 2005.
1 - Introdução
Neste artigo, discutimos a atual estrutura de governança da política
monetária brasileira, argumentando que a mesma é inadequada para o funcio-
namento do sistema de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura de
governança: (a) não há uma clara separação entre a autoridade responsável
pela fixação das metas da política monetária e a autoridade responsável pela
obtenção das mesmas; (b) as metas de inflação não refletem adequadamente
as “preferências sociais” no que se refere ao “grau de aversão à inflação” e o
“grau de aversão social” ao trade-off entre inflação e desemprego; e (c) a fixação
da taxa de juros pelo Conselho de Política Monetária (Copom) é feita com base
em expectativas inflacionárias de agentes que não têm poder efetivo de
fixação de preços. Nesse contexto, apresentamos uma proposta de mudança
da estrutura de governança da política monetária brasileira, a qual, sem compro-
meter a autonomia operacional do Banco Central, pode contribuir para
eliminar o “problema dos juros” no Brasil.
Dados esses objetivos, o presente artigo está estruturado em quatro seções,
incluindo a presente Introdução. Na seção 2, fazemos uma avaliação crítica da
atual estrutura de governança da política monetária no Brasil, indicando como
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A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
essa estrutura pode ser responsável pelo “problema dos juros”. Na seção 3,
apresentamos uma proposta de mudança na estrutura de governança da
política monetária e, na seção 4, as conclusões obtidas ao longo do artigo.
2 - Avaliação crítica da estrutura de
 governança da política monetária no Brasil
A mudança do regime cambial brasileiro em janeiro de 1999 e a adoção do
regime de metas de inflação em meados desse mesmo ano mudaram o modus
operandi da política monetária brasileira. Se, durante o sistema de bandas
cambiais, o controle da inflação era feito por intermédio da política cambial,
cabendo à política monetária a tarefa de manter a taxa de câmbio sob o controle
das autoridades monetárias, a adoção do regime de flutuação cambial elimi-
nou a possibilidade de se controlar a taxa de inflação por intermédio da adminis-
tração da taxa de câmbio. A necessidade de uma âncora nominal para as
expectativas de inflação por parte dos agentes econômicos levou à adoção do
sistema de metas de inflação, no qual a principal tarefa da política monetária é
controlar a taxa de inflação.
O controle da inflação nesse novo regime de política monetária dá-se fun-
damentalmente por intermédio da fixação do valor da taxa básica de juros — a
Selic — num patamar que seja compatível com a meta inflacionária definida
pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse regime de política monetária, o
crescimento dos agregados monetários — M1, M2 ou M3 — não é uma variável
sobre a qual o Banco Central tente exercer algum tipo de controle. Isto porque a
evolução da teoria e da prática da política monetária nos países desenvolvidos
mostrou que a instabilidade crescente da velocidade de circulação da
moeda, observada nesses países após a década de 70, tornava extremamente
fraca a relação entre a taxa de inflação e a taxa de crescimento do agregado
monetário de referência (Blanchard, 2004, p. 536).
Esse fenômeno levou os economistas a desenvolverem uma “nova”
concepção sobre a maneira pela qual a inflação pode ser mantida sob controle.
Ao invés de controlar o crescimento da quantidade de moeda, o Banco Central
deve focar sua atenção na relação entre a taxa de juros real efetiva e a taxa de
juros real de equilíbrio1 (Blinder, 1998, p. 29). Se a taxa de juros real efetiva,
1 A taxa de juros real de equilíbrio é definida como o nível da taxa de juros real que, se obtido,
faz com que a economia opere com plena utilização dos recursos produtivos disponíveis
(Blinder, 1998, p. 32).
160
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005
 José Luís Oreiro; Marcelo Passos
aproximadamente igual à diferença entre a taxa nominal de juros fixada pelo
Banco Central e a taxa esperada de inflação, for maior do que a taxa de juros
real de equilíbrio, então o nível de atividade econômica irá reduzir-se, fazendocom que a taxa de inflação também se reduza em função da existência do
trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego, expresso pela Curva de
Phillips. Por outro lado, se a taxa de juros real efetiva for menor do que a taxa
de juros de equilíbrio, então o nível de atividade econômica irá aumentar, o que
induzirá um aumento da taxa de inflação.
Nesse contexto, para manter a inflação constante ao longo do tempo, o
Banco Central deve manter o nível corrente da taxa de juros real em linha com
o valor de equilíbrio da referida taxa, e o instrumento usado para esse fim é o
controle da taxa nominal (básica) de juros. Isso significa que o Banco Central
deve aumentar a taxa nominal de juros toda vez que houver um aumento das
expectativas de inflação e deve reduzir a taxa nominal de juros sempre que
houver uma redução da inflação esperada.
O adequado funcionamento do sistema de metas de inflação exige,
portanto, que as autoridades monetárias respondam a três questões fundamen-
tais, a saber:
 a) qual a taxa de inflação que o Banco Central deve perseguir como meta
da política monetária? Será que o Banco Central deve perseguir uma
meta de inflação zero no longo prazo? Se não, qual é a taxa ótima de
inflação2? A responsabilidade pela fixação da meta de inflação deve
caber ao Banco Central ou a alguma outra instituição, como, no caso
brasileiro, o Conselho Monetário Nacional?
b) qual o grau de autonomia que o Banco Central deve ter na tarefa de
fixação da taxa de juros? As decisões tomadas pelo Banco Central
nesse quesito devem ser irreversíveis, ou reversíveis apenas em con-
dições excepcionais? Se assim for, como deve ser o arcabouço
institucional para que o Banco Central tenha esse nível de autonomia?
c) como as expectativas de inflação são obtidas? Essas expectativas
refletem, de fato, a percepção dos agentes com efetivo poder de for-
mação de preços a respeito da evolução futura da taxa de inflação, ou
2 O debate acadêmico sobre a taxa ótima de inflação mostrou que a mesma não é igual a zero,
mas, sim, um número positivo, situado no intervalo entre 2% e 4% ao ano para os países
desenvolvidos e em um intervalo mais alto — possivelmente entre 6% e 10% ao ano — para
os países em desenvolvimento. A otimalidade de uma taxa de inflação positiva advém do fato
de que a mesma, desde que mantida em níveis baixos, gera alguns benefícios para a
sociedade na forma de receita de senhoriagem e de uma maior capacidade de enfrentamento
de choques de demanda, em função da possibilidade de serem geradas taxas reais de juros
negativas nos momentos de recessão (Blanchard, 2004, p. 533-534).
161
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005
A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
elas refletem apenas as opiniões vigentes entre os operadores do mer-
cado financeiro?
A resposta a essas questões define a assim chamada estrutura de
governança da política monetária, ou seja, o arcabouço institucional no qual a
política monetária é realizada. Esse arcabouço engloba não só o conjunto de
instituições subjacente à operação da política monetária, como também os
tipos de agentes envolvidos na elaboração e na execução dessa política.3
Isso posto, acreditamos que a atual estrutura de governança da política
monetária brasileira não é a estrutura mais adequada para o funcionamen-
to do sistema de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura:
a) não há uma clara separação entre a instituição responsável pela fixa-
ção das metas inflacionárias e a instituição responsável pela sua
obtenção. Isso ocorre porque o Presidente do Banco Central do Brasil
tem voz e voto no Conselho Monetário Nacional, que é a instituição
responsável pela fixação das metas inflacionárias. Como, nas regras
atuais, o Conselho Monetário Nacional é composto por apenas três
membros — sendo os outros dois o Ministro da Fazenda e o Ministro do
Planejamento —, segue-se que a capacidade do Banco Central de
influenciar a fixação das metas inflacionárias é bastante elevada;
b) o processo de fixação das metas inflacionárias no âmbito do Conselho
Monetário Nacional não obedece ao requisito de representatividade
das preferências sociais por inflação e desemprego que se espera
da instituição responsável pela fixação das metas da política monetá-
ria. A teoria da política econômica, tal como elaborada pioneiramente
por Tinbergen (1952), prevê que os objetivos da política econômica
sejam fixados como resultado de uma ampla discussão entre os seg-
mentos representativos da sociedade. No caso específico da política
monetária, os objetivos desta devem refletir um equilíbrio obtido por
consenso entre o “grau de aversão social” à inflação e o “grau de aver-
são social” às perdas de produção e de emprego decorrentes de toda a
política de desinflação. Contudo, na estrutura atual, as metas inflacio-
nárias não refletem um consenso social a respeito da “taxa ótima de
3 Estamos tomando emprestada a definição de governança usada na teoria dos custos de
 transação, onde se define uma estrutura de governança como sendo “(...) o arcabouço
 institucional no qual a transação é realizada, isto é, o conjunto de instituições e tipos de
 agentes diretamente envolvidos na realização da transação e na garantia da sua exe-
 cução” (Fiani, 2002, p. 277).
162
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005
 José Luís Oreiro; Marcelo Passos
inflação” a ser obtida no longo prazo4 e, muito menos, a respeito da
velocidade com a qual essa meta de longo prazo deve ser obtida;5
c) existe pouco espaço para a autoridade monetária acomodar choques
de oferta. Tal como ressaltado por Bernanke et al. (1999, p. 291),
a condução da política monetária com base no sistema de metas de
inflação não implica que as autoridades monetárias devem ignorar o
objetivo tradicional da estabilização do nível de produção e de
emprego. De fato, o regime de metas de inflação proporciona um
“estabilizador automático” no caso de choques de demanda. Isto por-
que um aumento (redução) não previsto(a) da demanda agregada irá
traduzir-se em pressões inflacionárias (deflacionárias) — devido ao
trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego —, as quais leva-
rão o Banco Central a aumentar (reduzir) a taxa básica de juros. Esse
estabilizador automático está ausente, contudo, no caso da ocorrência
de choques de oferta (Blanchard, 2004, p. 540-541). Para acomodar a
ocorrência de choques de oferta, alguns Bancos Centrais de países
que adotaram o regime de metas de inflação optaram por “expurgar”, do
cálculo do índice de inflação de referência do sistema, a variação de
preços dos bens e serviços mais diretamente afetados por esses cho-
ques. Esse é o caso, por exemplo, do Banco Central da Nova Zelândia
(Blanchard, 2004, p. 290). No caso brasileiro, o Banco Central utiliza o
“índice cheio” do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
como referência para o sistema de metas de inflação. Dessa forma,
toda ocorrência de choques de oferta gera uma pressão imediata para a
elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, quando a política
recomendada, nesse caso, seria acomodar esses choques por intermé-
dio de um aumento temporário da taxa de inflação6; e
4 O Banco Central do Brasil explicitamente persegue uma meta de inflação de longo prazo de
4% ao ano. Entretanto a fixação dessa meta de inflação de longo prazo não foi objeto de
nenhum tipo de discussão fora do restrito âmbito do Copom ou do Conselho Monetário
Nacional.
5 A velocidade de convergência à meta de inflação de longo prazo é de fundamental importân-
cia para determinar a taxa de sacrifício (ou seja, a razão entre a taxa de inflação e a taxa
de desemprego) da estratégia de desinflação. Quanto maior for a velocidade de convergên-
cia, maior tende a ser o aumento da taxa de desemprego resultante de uma política de
desinflação. Sendo assim, a escolha da velocidade de convergência não pode ser uma
questão a ser resolvida com base em argumentospuramente técnicos; ela envolve conside-
rações de natureza política e, como tal, deve ser deliberada em círculos mais representati-
vos da sociedade.
6 Deve-se ressaltar que a rationale do intervalo de tolerância de variação da taxa de inflação
em torno da meta inflacionária não é a acomodação de choques de oferta, mas, sim, o
163
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005
A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
d) a decisão de fixação da taxa de juros é influenciada por expectativas de
inflação que não refletem a percepção dos agentes com efetivo poder
de formação de preços a respeito da evolução futura da inflação, mas,
sim, as opiniões vigentes entre os analistas do mercado financeiro
sobre esse tema. Com efeito, como se observa no Relatório de Infla-
ção (2004), do Banco Central do Brasil, as expectativas de mercado
desempenham um papel importante na decisão do Copom a respeito
do valor da taxa básica de juros. No entanto, essas expectativas de
mercado nada mais são do que as expectativas dos departamentos de
análise econômica dos bancos e dos agentes do sistema financeiro.
Dessa maneira, cria-se um mecanismo perverso, no qual o sistema
financeiro brasileiro pode influenciar a decisão do Banco Central a res-
peito da fixação da taxa de juros, pois, se os bancos entrarem em
acordo entre si, eles podem “forçar” um aumento da taxa de juros por
intermédio de uma “revisão para cima” de suas expectativas de infla-
ção. Em função das fortes evidências de comportamento oligopolista
por parte dos bancos brasileiros (Belaisch, 2003), a ocorrência de um
“conluio” para forçar um aumento da taxa de juros não pode ser encara-
da como uma simples “curiosidade teórica”.7
Essas características da atual estrutura de governança da política mone-
tária no Brasil geram os seguintes problemas:
a) o Banco Central do Brasil tem, na atual estrutura, autonomia para fixar
os objetivos da política monetária e não apenas autonomia no uso
dos instrumentos necessários à operacionalização dessa política.
Tal como afirma Blinder (1998, p.54), a decisão a respeito dos objetivos
da política monetária deve caber aos representantes democraticamen-
te eleitos pelo povo. Se o Banco Central tem poder para determinar ou
influenciar a determinação da taxa de inflação que ele deve obter por
intermédio do uso dos instrumentos da política monetária, então o prin-
cípio fundamental da democracia está sendo violado, qual seja: “Todo
poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”;
 reconhecimento de que o Banco Central tem um controle indireto e imperfeito sobre a taxa
de inflação no curto prazo (Blanchard, 2004, p. 540). Nesse contexto, a fixação de uma meta
pontual para a taxa de inflação — ao invés de um intervalo de variação, como é feito na
maioria dos países que adotam o sistema de metas inflacionárias — comprometeria desne-
cessariamente a credibilidade do sistema face à inevitável sub ou sobreestimação dos
índices efetivos de inflação.
7 A respeito da influência do sistema financeiro brasileiro nas decisões de política monetária do
Banco Central do Brasil, ver Weber e Lírio (2003).
164
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 José Luís Oreiro; Marcelo Passos
b) as metas de inflação tendem a ser fixadas em “patamares irrealistas”,
ou seja, em níveis que não refletem adequadamente o grau de aversão
social à inflação e o grau de aversão social ao trade-off de curto prazo
entre inflação e desemprego. Esse fenômeno se observa nas freqüentes
declarações dos representantes da indústria e dos sindicatos em favor
de uma “política mais realista de combate à inflação”; e
c) a taxa real de juros efetiva tende a permanecer num patamar “exces-
sivamente elevado” não só com respeito ao valor observado em outros
países — de fato, o Brasil é o país com a mais alta taxa de juros real do
mundo —, mas também com respeito a qualquer estimativa minima-
mente plausível do valor de equilíbrio da referida taxa. O “problema dos
juros”8 decorre da fixação de metas declinantes de inflação9 — em fun-
ção do objetivo de se obter uma taxa de inflação de 4,0% ao ano no
longo prazo — em conjunto com a ausência de qualquer tipo de meca-
nismo de “expurgo” dos efeitos sobre a inflação da ocorrência de cho-
ques de oferta. Além disso, o setor financeiro brasileiro, por intermédio
do “mecanismo das expectativas inflacionárias”, pode exercer uma for-
te pressão no sentido de impedir uma queda da taxa de juros real
abaixo de um patamar considerado “razoável” para os integrantes des-
se setor. Uma análise mais cuidadosa das declarações públicas dos
representantes do sistema financeiro brasileiro indica que o mesmo
não está disposto a aceitar uma taxa real de juros abaixo de 9% ao ano.
Nesse contexto, o “mecanismo das expectativas inflacionárias” pode
ser um importante instrumento pelo qual o sistema financeiro brasileiro
faz com que a política monetária seja conduzida com base nos seus
interesses específicos.
8 Por “problema dos juros”, estamos nos referindo à manutenção da taxa de juros real no
 Brasil em patamares elevadíssimos do ponto de vista internacional. Conforme salientado
 por Bresser e Nakano (2002), a economia brasileira apresenta taxas de juros reais muito
 mais altas do que a de países que possuem o mesmo rating de risco, tal como elaborado
 pelas agências internacionais de risco.
 9 Esse problema foi identificado por Oreiro (2004). O argumento é que, devido à inércia
 inflacionária, a obtenção de taxas declinantes de inflação ao longo de uma seqüência de
 períodos exige que a taxa de juros real seja mantida acima de seu valor de equilíbrio
 durante todo o intervalo de convergência com respeito à meta de inflação de longo prazo.
165
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005
A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
3 - Uma proposta de mudança da estrutura
 de governança da política monetária
 no Brasil
Tendo em vista o diagnóstico apresentado na seção anterior a respeito da
estrutura de governança da política monetária brasileira, propomos o seguinte
conjunto de mudanças nessa estrutura:
a) ampliação do número de membros do Conselho Monetário
Nacional, de forma a aumentar a representatividade do mesmo, princi-
palmente no que se refere à fixação das metas inflacionárias. Nesse
contexto, o setor produtivo indicaria dois representantes da assessoria
econômica das Federações das Indústrias, os sindicatos indicariam
dois representantes também oriundos de suas assessorias econômicas,
e o meio acadêmico de economia elegeria outros dois representantes,
com titulação mínima de Doutor em Economia em instituição reconhe-
cida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). Essa eleição seria realizada no âmbito do Conselho
Deliberativo da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação
em Economia (Anpec), o qual possui membros de quase todos os
estados do País. O Presidente do Banco Central do Brasil teria voz,
mas não teria direito a voto nas decisões tomadas pelo Conselho
Monetário Nacional;
b) implementação do core inflation, ou seja, a remoção da fórmula de
cálculo do IPCA dos componentes sujeitos a choques de oferta.
O sistema de metas de inflação deve ser orientado para sua função
original, ou seja, o controle da inflação de demanda10. Atualmente,
em função da ausência de qualquer forma de expurgo, aumentos tem-
porários de custos causam efeitos diretos na inflação e, por conse-
qüência, nas expectativas inflacionárias dos agentes, levando o Banco
Central a elevar a taxa de juros, elevando os custos financeiros do
setor produtivo, bem como o custo de rolagem da dívida mobiliária
federal;
 c) mudança da forma de apuração das expectativas inflacionárias.
Essas expectativas devem refletir a percepção dos agentes que
efetivamente dispõem de poder de formação de preços a respeito da
10 Para uma crítica ao uso da taxa de jurosmas dessas decisões (caso, por exemplo, do setor calçadista) — ver Jurgenfeld e Salga-
do (2005) — e mesmo induzir a transferência da produção para filiais de empresas brasi-
leiras no exterior (Watanabe; Salgado, 2005).
15
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
procurou avaliar o desempenho exportador dos setores que mais contribuíram
para o crescimento das exportações.
Assim, a performance excepcional desse saldo em 2004 decorreu, em
grande parte, de uma conjunção de fatores externos favoráveis, de caráter
conjuntural ou de sustentabilidade incerta, que beneficiaram as exportações
brasileiras, concentradas em commodities agrícolas e industriais: a expansão
econômica da China, o patamar inusitadamente alto dos preços das commodities
e a recuperação sincronizada da economia e do comércio mundial. Contudo, em
grande parte devido ao seu perfil tecnológico, a pauta exportadora continua
marcada pelo baixo dinamismo: de acordo com o Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (2005), os setores que mais contribuíram para o
crescimento das exportações em 2004 tiveram declínio em sua participação no
comércio mundial, entre 1996 e 2001.19
Finalmente, dois comentários sobre as importações. Por um lado,
destacam-se as contribuições significativas ao seu crescimento (e negativas
ao do saldo) por parte de alguns setores de alta intensidade tecnológica liderados
pelas empresas transnacionais (ETs) (elementos químicos, químicos diversos
e equipamentos eletrônicos), nos quais não houve substituição de importações
em resposta às variações de preços relativos após as desvalorizações cambiais
(Fligenspan, 2004). Aliás, nesses setores é improvável que ocorra essa substitui-
ção, devido às escalas de produção necessárias e ao controle da tecnologia por
essas empresas.20 Já nos setores produtores de insumos onde houve substituição
de importações (medida pela redução do coeficiente importado) após a adoção
do regime de câmbio flutuante — de acordo com o estudo de Fligenspan (2004),
12 dos 26 setores industriais pesquisados —, essa mudança não tem necessaria-
mente caráter estrutural, pois ocorreu simultaneamente à queda da demanda
doméstica dos setores que utilizam esses insumos. Assim, é provável que,
19 O estudo de Ferraz e Ribeiro (2004), realizado para o período 1996-02, corrobora essa
conclusão: no biênio 2001-02, 39% das exportações brasileiras referiam-se a produtos em
decadência no comércio mundial (variações negativas), e 18,9%, a produtos em regres-
são (variações abaixo do crescimento médio desse comércio). Como a pauta de exporta-
ção brasileira não se alterou entre 2001-02 e 2003-04, essa proporção deve ter se man-
tido.
20 Essa substituição depende da coordenação do Estado, mediante políticas industrial, de
ciência e tecnologia e de comércio exterior integradas, voltadas para a atração de inves-
timentos dessas empresas, a valorização da participação das filiais brasileiras nas redes
mundiais de fornecimento e a ampliação dos investimentos de empresas nacionais do
setor (Coutinho; Hiratuka; Sabbatini, 2003). Para um detalhamento dessas políticas, ver
Coutinho e Sarti (2003).
16 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
num contexto de retomada sustentável do crescimento, ocorra aumento das
importações desses setores e elevação do coeficiente importado.
Por outro lado, o aumento das importações em 2004 é reflexo da retomada
do nível de atividades doméstico, que implica demanda tanto por insumos
(principalmente daqueles mais intensivos em tecnologia), pelas empresas
nacionais e estrangeiras — dada a elevação do conteúdo importado da produção
interna após a reestruturação produtiva dos anos 90 —, quanto por bens de
consumo, sobretudo duráveis, dado o perfil da atual retomada. Inclusive, nessa
categoria de bens, o aumento do quantum explicou mais de 100% do crescimento
do valor das importações, em virtude da redução dos preços. Somente nas
importações de combustíveis, a alta dos preços foi relevante — devido à elevação
dos preços do petróleo no mercado internacional — e acabou contaminando o
índice de preços das importações totais (Prates, 2004).
2.2 - Dinâmica financeira e vulnerabilidade
 externa
Na atual etapa de desenvolvimento das economias capitalistas, onde há
uma crescente interpenetração dos mercados e o predomínio de um ambiente
de desregulamentação, especialmente no setor financeiro, o principal determinante
da evolução dos BP dos países, de forma geral, tem sido o desempenho da
conta financeira. No caso dos países periféricos, como o Brasil, com um elevado
passivo externo (seja de curto, seja de médio e longo prazos), essa relação de
causalidade é ainda mais acentuada. Isto porque esses países dependem do
ingresso de fluxos líquidos de capitais privados para fechar suas contas externas,
os quais são altamente voláteis.
A volatilidade dos fluxos de capitais direcionados para os países emergentes
não está associada somente ao fato de esses fluxos serem determinados, em
última instância, por uma dinâmica exógena e intrinsecamente instável — aquela
dos mercados financeiros internacionais globalizados, que depende, por sua
vez, da fase do ciclo econômico e do patamar das taxas de juros dos países
centrais —, mas também à sua forma particular de inserção nesses mercados.
Por um lado, apesar do crescimento do volume absoluto dos fluxos de capitais
direcionados para esses países nos anos 90, a sua participação nos fluxos
17
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
globais ainda é marginal,21 o que os torna mais vulneráveis às mudanças nas
expectativas dos investidores estrangeiros, uma vez que a venda das moedas
e dos ativos financeiros emitidos por esses países tem efeitos igualmente
marginais sobre a rentabilidade dos portfólios desses agentes. Por outro lado,
os títulos emitidos pelos países emergentes, principalmente por aqueles com
maior prêmio de risco, classificados como “sem grau de investimento” (ou seja,
sub-investment grade) pelas agências de rating, integram um mercado mais
amplo, o de papéis de alta rentabilidade (high yield bonds), cuja dinâmica é
inerentemente especulativa e, conseqüentemente, volátil.
Assim, para se compreender a evolução das contas externas brasileiras
após a adoção do regime de câmbio flutuante, é fundamental apresentar as
principais características da dinâmica do mercado de títulos de dívida, que se
consolidou como a principal modalidade de captação de recursos pelos países
emergentes, no mercado internacional de capitais, a partir dos anos 90. Já as
emissões brutas de ações, além de menos voláteis, foram pouco significativas
e concentradas num número reduzido de emissores dos países asiáticos. Os
empréstimos bancários, por sua vez, reduziram-se desde a crise asiática e
mantiveram-se num patamar baixo a partir de então.22
O mercado de títulos de dívida dos países emergentes tem sido marcado
por uma dinâmica de “feast or famine”23 — abundância ou escassez —, que se
reforçou nos últimos anos, devido à influência crescente das mudanças de
sentimento dos investidores e das condições de liquidez globais sobre a dinâmica
desse mercado. De acordo com cálculos realizados pelo FMI (International
Monetary Fund, 2003a), essa influência transparece na elevada correlação entre
a volatilidade e os prêmios de risco dos mercados emergentes (medidos por
índices como o EMBI+), no comportamento dos mercados acionários maduros
e, principalmente, no comportamento sincronizado entre os spreads dos cha-
mados junk bonds, os títulos de alta rentabilidade emitidos por corporações
norte-americanas (US high-yield bonds), e o rendimento dos títulos emitidos pe-
21 De acordo com dados do Bank for International Sehlements (BIS Quartely Review, 2004),
em dezembro de 2003, os países centrais absorviam cercacomo instrumento de combate à inflação, ver Sicsu
e Oliveira (2003).
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 José Luís Oreiro; Marcelo Passos
evolução futura da taxa de inflação. Dessa forma, o Banco Central deve
levar em conta as expectativas de inflação de um conjunto mais amplo
de agentes. Concretamente, deve apurar as expectativas de inflação
de vários segmentos da indústria e do comércio. Para aumentar a
confiabilidade das expectativas assim apuradas, o Banco Central pode
ainda consultar os departamentos de pesquisa econômica de renomadas
instituições de ensino superior a respeito de suas previsões sobre a
inflação futura. Essas informações serviriam de base para o Banco
Central montar as suas próprias expectativas inflacionárias, as quais
são fundamentais para informar a decisão de fixação da taxa de juros
pelos membros do Copom; e
d) concessão de plena autonomia operacional para o Banco Central
do Brasil. O funcionamento adequado do regime de metas de inflação
exige que as autoridades monetárias tenham total controle sobre os
instrumentos de política monetária. Isso ainda não ocorre no Brasil.
A autonomia operacional do Banco Central é mais o resultado do com-
prometimento pessoal do Presidente da República do que da existência
de um arcabouço institucional que formalize essa autonomia. Entende-
mos que a autonomia operacional — que não deve ser jamais con-
fundida com autonomia de formulação das metas da política mo-
netária — é essencial para a preservação da estabilidade da taxa de
inflação no Brasil, na medida em que sinaliza para os agentes
econômicos o compromisso do Governo brasileiro de não interferir no
dia-a-dia da condução da política monetária.11 A responsabilidade pela
fixação das metas de inflação e da velocidade de convergência com
relação à meta de inflação de longo prazo fica, no entanto, a cargo do
Conselho Monetário Nacional, ampliado pela participação de represen-
tantes do setor produtivo, dos sindicatos e do meio acadêmico de
economia.
4 - Conclusão
Ao longo do presente artigo, foram enumerados vários problemas da atual
estrutura de governança da política monetária no Brasil, os quais estão forte-
mente relacionados com o “problema dos juros”, ou seja, com a manutenção da
11 O que elimina o assim chamado “problema da inconsistência dinâmica” da política mone-
tária discricionária apontado por Kydland e Prescott (1977).
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A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança
taxa de juros real em patamares elevadíssimos. Apresentamos uma proposta
de mudança na governança da política monetária, cujos elementos principais
são: o fortalecimento e a ampliação do Conselho Monetário Nacional, a adoção
do core inflation e a mudança na forma de apuração das expectativas inflacioná-
rias, as quais passariam a expressar as opiniões dos agentes econômicos com
efetivo poder de fixação de preços. Feitas essas mudanças na estrutura de
governança da política monetária, deveria ser concedida a autonomia operacional
ao Banco Central, a qual passaria a ser encarada pelos agentes econômicos
como a garantia institucional da estabilidade da taxa de inflação no Brasil.
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169
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 169-184, jun. 2005
Os lumes da razão e os milagres da Providência:...
Os lumes da razão e os milagres
da Providência: a necessidade
de impor limites ao
capital rentista
Luiz Paulo Ferreira Nogueról Professor de História Econômica no
 Departamento de Economia da Faculdade
 de Ciências Econômicas da Universidade
 Federal do Rio Grande do Sul
Resumo
Este artigo analisa a atual conjuntura econômica brasileira, inserindo-a no
processo histórico em que se explicam as reformas propostas e implantadas
pelo Governo Lula no âmbito das que, desde 1990, vêm sendo implementadas
no País, com vistas a alterar várias das instituições vigentes entre 1930 e o
início do Governo Collor. Argumenta-se também que há uma tensão crescen-
te entre as necessidades do capital rentista e a disposição do restante da
sociedade em satisfazê-las.
Palavras-chave
Reformas econômicas; capital rentista; luta de classes.
Abstract
This article analysis the Brazilian economy nowadays regarding its historical
process, which explains the reforms proposed and implemented by this
government in the ones done since 1990 to change the 1930’s Brazilian
institutions. It arguments, also, that there is a growing conflict between the
necessities of rental capital and the society willing to satisfy them.
170
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 169-184, jun. 2005
 Luiz Paulo Ferreira Nogueról
Artigo recebido em 17 mar. 2005.
“Teremos também os nossos eldorados. Os das
minas, certamente, mais ainda o do açúcar, o do
tabaco, o de tantos outros gêneros agrícolas, que se
tiram da terra fértil, enquanto fértil, como o ouro se
extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuição
de benefícios. A procissão de milagres há de conti-
nuar assim através de todo o período colonial, e não
a interromperá a Independência, sequer, ou a Repú-
blica.” (Holanda, 2000).
1 - Introdução
Neste artigo, procuramos evidenciar que o norte das reformas ora em
andamento deveria ser, e em parte é, a limitação dos ganhos do capital rentista
e a transferência dos capitais aplicados em títulos públicos para fins mais
produtivos, o que é condição sine qua non para que a estrutura econômica
brasileira possa repetir, no futuro, os resultados de 2004, quando houve ex-
pressivo crescimento econômico, redução do desemprego e expansão das
exportações associados com baixa inflação.
Na parte seguinte a esta Introdução e na terceira, procuramos identifi-
car o programa econômico do Governo Lula e as raízes do pensamento
econômico em que se inspirou. Na quarta parte, analisamos criticamente as
motivações das reformas. Na quinta, chamamos a atenção do leitor para uma
interpretação distinta daquela normalmente apresentada para a relação entre
poupança e investimento.de 90% do estoque de em-
préstimos bancários internacionais. No mercado internacional de títulos de dívida, essa
concentração é ainda maior: em torno de 94% do estoque total de títulos, em março de
2004, haviam sido emitidos por residentes desses países (BIS, 2004).
22 Sobre os fluxos de empréstimos bancários para os países emergentes após a crise
asiática, ver Cintra e Farhi (2003).
23 O FMI tem utilizado em seus relatórios a expressão on-off nature (Adams; Mathieson;
Schinasi, 1999; Mathieson; Schinasi, 2001) e, mais recentemente, “feast or famine”
(International Monetary Fund, 2003a), para caracterizar a dinâmica volátil dos fluxos de
capitais direcionados para os “mercados emergentes”.
18 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
los mercados emergentes.24 Os períodos de fechamento — issuance famine —
dos mercados primários emergentes tornaram-se crescentemente associados
ao aumento do prêmio de risco dessa categoria de papéis. Nesses períodos, os
devedores de maior risco, geralmente os principais emissores de títulos, são os
primeiros a serem excluídos do mercado. De forma simétrica, as reaberturas
estiveram associadas à redução desse prêmio25 e caracterizam-se por um
excesso de emissões lideradas exatamente por esses emissores, que podem
rapidamente saturar os mercados primário e secundário.26
Mudanças na estrutura do mercado de títulos de dívida emergentes, no
período analisado, contribuíram para reforçar essa correlação, dentre as quais
se destacam: o aumento da presença de fundos de investimento globais,
referenciados a um benchmark mais amplo (core plus benchmark) — que inclui
títulos com e sem grau de investimento —, que intensificou os links entre os
mercados maduros e emergentes; e a adoção crescente de sistemas Value at
Risk , que induz os investidores a cancelarem suas posições nesses mercados
para reduzir a volatilidade geral do seu portfólio, acentuando a instabilidade do
acesso ao mercado (Mathienson; Shinasi, 2001).
Assim, o desempenho da conta financeira do balanço de pagamentos
brasileiro no período considerado foi, em grande medida, um “espelho” da dinâmica
de “feast or famine” que caracterizou a oferta de recursos para os países
periféricos nesse período, a qual foi sintetizada acima. Outro condicionante desse
desempenho foi a retração da demanda por recursos externos pelas empresas e
institutições financeiras residentes — associada à maior volatilidade cambial
24 Vale mencionar que o aumento dos spreads dos títulos emergentes no segundo trimestre
de 2004 não foi acompanhado por uma elevação pari passu dos spreads dos junk bonds.
De acordo com o BIS Quartely Review (2004), essa divergência está associada a dois
fatores. Em primeiro lugar, à maior liquidez do mercado de títulos de dívida emergente, que
faz com que a desmontagem das operações alavancadas se inicie nesse mercado; e, em
segundo lugar, às maiores incertezas em relação ao desempenho futuro de vários países
emergentes (dentre os quais o Brasil) num contexto de taxas de juros mais elevadas.
25 Dados das emissões semanais dos mercados emergentes no período 1994-02 sugerem
que ocorreram 21 períodos de fechamento do mercado — período de mais de duas
semanas onde as emissões soberanas dos mercados emergentes são, pelo menos, 20%
menores que a média —, dos quais 13 afetaram um amplo espectro de emissores emer-
gentes, e os demais, principalmente emissores sub-investment graded (International
Monetary Fund, 2003a).
26 De acordo com o FMI (International Monetary Fund, 2003a), um dos fatores que têm
contribuído para esse excesso de emissões é a dependência crescente dos bancos de
investimento em relação às comissões obtidas na montagem das operações de coloca-
ção de títulos no exterior. Nesse contexto, essas instituições estimulam os tomadores de
maior risco a acessarem o mercado o mais rapidamente possível nos momentos de
reabertura, contribuindo para a sua rápida saturação.
19
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
após a adoção do regime de câmbio flutuante —, cuja influência transpareceu,
sobretudo, no biênio 2003-04, quando as condições de liquidez internacional se
tornaram novamente favoráveis aos mercados emergentes.
No período 1999-02, a tendência de volatilidade foi acompanhada por uma
redução progressiva dos fluxos líquidos de capitais privados para o País, a qual
se acentuou a partir de meados de 2001, quando as condições econômicas e
financeiras nos países centrais se deterioram.27 No biênio 2001-02, foi o
crescimento, igualmente progressivo, das operações de regularização (que
correspondem, majoritariamente, aos empréstimos concedidos pelo FMI) que
garantiu o financiamento do balanço de pagamentos (Gráfico 1).
Simultaneamente à retração dos fluxos líquidos de capitais privados,
observou-se uma deterioração do perfil de algumas modalidades de capital externo.
Em relação aos fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE), sua redução, a
partir de janeiro de 2001, decorreu da retração da modalidade participação no
capital, associada a fatores tanto internos — o menor número de privatizações
e a baixa taxa de crescimento doméstica — quanto externos — a desaceleração
econômica nos países centrais e, especialmente, nos Estados Unidos, principal
país de origem dos investimentos diretos direcionados para o Brasil na segunda
metade dos anos 90. A partir de meados de 2002, as conversões de dívida em
investimento (debt-equity swaps) — que não representam novo financiamento,
mas uma reestruturação patrimonial — aumentaram progressivamente até o
início de 2003, diante da impossibilidade de rolagem de dívidas no mercado
internacional de capitais, nos segundo e terceiro trimestres do ano. Já os
empréstimos intercompanhias28 apresentaram um comportamento mais volátil,
com uma retração em 2002, o que sugere a dependência desse tipo de fluxo das
condições financeiras do mercado internacional de crédito, que afetam a
capacidade de financiamento das matrizes. No que diz respeito ao endividamento
externo, houve retração progressiva — de meados de 2001 ao início de 2003 —
de todas as suas modalidades — além dos títulos de renda fixa negociados no
exterior, dos empréstimos e financiamentos bancários, dos créditos a fornecedo-
27 Vale citar os principais eventos desestabilizadores: continuidade da deflação da bolha dos
preços dos ativos dos setores TMT (telecomunicações, mídia e tecnologia) nos mercados
globais; início de uma recessão nos Estados Unidos, simultaneamente a uma redução
sincronizada do crescimento global; número recorde de falências e revelação de diversas
fraudes contábeis; crise financeira na Turquia; ataque terrorista de 11 de setembro; e
default da Argentina após uma crise duradoura (International Monetary Fund, 2002; BIS
72nd Anual Report, 2002).
28 Esse tipo de fluxo passou a ser contabilizado como investimento externo direto, com a
adoção de uma nova metodologia de apresentação do balanço de pagamentos em 2000,
a qual segue os padrões definidos pelo FMI em 1993.
20 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
res e, inclusive, do crédito comercial (todos incluídos na modalidade outros
investimentos), o qual somente se recuperou a partir de meados de 2002, devido
à expansão das exportações.29
Em 2003, primeiro ano do Governo Lula, as condições externas de financia-
mento apresentaram tendência de melhora, associada ao ciclo de liquidez
internacional. Considerando os fluxos de capitais voluntários, predominaram as
modalidades potencialmente mais voláteis — como investimento de portfólio no
País,30 American Depositary Receipts (ADRs) e títulos de renda fixa emitidos no
exterior —, reflexo do contexto de elevado apetite por risco. Os fluxos líquidos
de IDE recuperaram-se somente no último trimestre do ano. Já em 2004, o IDE
foi a principal modalidade de capital direcionadapara a economia brasileira e a
única subconta que apresentou valores positivos no acumulado do ano. As demais
modalidades de fluxos voluntários — investimentos de portfólio e outros inves-
timentos — registraram fluxos negativos, associados à quitação e à não-renova-
ção de empréstimos, seja securitizados, seja junto a organizações multilaterais,
fornecedores e instituições financeiras.
Em relação ao endividamento externo, apesar do retorno do País ao merca-
do internacional de crédito voluntário, tanto as emissões líquidas de títulos quanto
as demais modalidades de empréstimos (incluídas em outros investimentos)
foram altamente voláteis e apresentaram valores negativos em vários meses do
ano.31 Contudo o perfil das emissões de títulos no exterior, modalidade de endivida-
mento externo predominante, melhorou ao longo do ano. No bimestre setembro-
-outubro, as taxas de rolagem positivas estiveram associadas às colocações
líquidas de papéis de médio e longo prazos, simultaneamente aos resgates
líquidos de títulos de curto prazo (que predominaram no primeiro semestre).
Essa mudança de composição reflete a própria queda do cupom cambial e a
realocação dos portfólios dos investidores estrangeiros em direção aos títulos
brasileiros após o upgrading da Rússia.32
29 A forte contração desses fluxos no período anterior esteve associada à moratória da dívida
externa argentina, que envolveu os créditos à exportação, quebrando uma convenção do
mercado financeiro internacional, já que os financiamentos ao comércio exterior nunca
haviam sido atingidos pelos processos de moratória e renegociações das dívidas.
30 Os investimentos de portfólio no País direcionaram-se essencialmente à aquisição de
ações na Bolsa de Valores de São Paulo, que, como as demais bolsas de valores emer-
gentes, apresentou alta rentabilidade em 2003.
31 Pelo critério das médias móveis trimestrais (Prates, 2004).
32 A partir de março de 2004, observaram-se uma redução do volume e uma piora de
qualidade das principais modalidades de fluxos de capitais (com exceção dos créditos
comerciais), devido à perspectiva de elevação da taxa de juros básica norte-americana
ainda no primeiro semestre de 2004. Essa elevação ocorreu efetivamente na reunião do
Federal Reserve de 30 de junho.
21
Indic. E
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E
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legre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
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Principais modalidades de fluxos de capitais no Brasil — 1999/05 
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5
(US$ milhões)
Investimento estrangeiro direto Investimento estrangeiro em carteira
Outros investimentos estrangeiros Operações de regularização (líquido)
Gráfico 1
Legenda:
FONTE: Banco Central do Brasil.
 PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica em Foco, Campinas, SP, Instituto
 de Economia, UNICAMP, n. 4, p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br
NOTA: Valores acumulados em 12 meses.
22 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
A queda da dívida externa privada foi acompanhada pela redução, em menor
intensidade, da dívida externa pública em 2004, o que resultou em diminuição
da dívida externa total,33 contribuindo para a melhora dos indicadores de vulnera-
bilidade externa. Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar a queda
da dívida externa privada em 2004. Como condicionante mais geral, pode-se
citar a menor demanda por endividamento externo num contexto de maior risco
cambial e custo de hedge potencialmente mais elevado, associados ao regime
de câmbio flutuante. Ademais, essa demanda também deve ter sido abalada
pelas duas crises cambiais que eclodiram num curto intervalo de tempo (1999 e
2002), pela percepção da dinâmica volátil do mercado financeiro internacional,
caracterizada por miniciclos de “feast or famine” e, mais recentemente, pela
queda do estoque de títulos públicos indexados ao câmbio, que significou menor
oferta da modalidade mais segura de hedge cambial. Como no período 1999-02
predominou uma situação de escassez de oferta de financiamento externo
voluntário, a influência dessa demanda não transpareceu.
Apesar de um importante ajuste de fluxos nas contas externas do Brasil,
com destaque para o desempenho da conta corrente, a herança de acúmulo de
um estoque de passivos externos e a ausência de uma política mais forte de
recomposição de reservas internacionais fizeram com que, no período analisado,
os indicadores de liquidez e solvência externas permanecessem em níveis
preocupantes. Para avaliar a situação de liquidez, que reflete a vulnerabilidade
externa no curto prazo, calcularam-se três indicadores, que têm como caracte-
rística comum a utilização das reservas internacionais líquidas ajustadas — as
reservas próprias do País, excluindo, assim, os recursos do FMI — no denomi-
nador.34 Eles se diferenciam somente na composição do numerador. Em ordem
crescente de abrangência, tem-se: (a) o indicador passivo externo de curto prazo/
/reservas, que inclui no numerador a dívida externa de curto prazo e o estoque
de investimento de portfólio; (b) o indicador Standard & Poors, que considera no
numerador as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE) — que
equivalem à soma do saldo em transações correntes, com o principal vencível
33 No final de 1999, a dívida externa total era de US$ 226 bilhões, a parcela privada era de US$
113 bilhões, e a pública, de US$ 112 bilhões. Entre janeiro e dezembro de 2004, a dívida
externa total caiu de US$ 215 bilhões para US$ 202 bilhões; a dívida privada caiu de US$
79 bilhões para US$ 72 bilhões; e a dívida pública, de US$ 136 bilhões para US$ 131
bilhões (Boletim de Finanças Públicas, 1999/2004).
34 Esse é o critério utilizado pelas agências de rating na avaliação da qualidade de crédito dos
países. A lógica é a seguinte: mesmo que os empréstimos stand by do FMI possam ser
utilizados em situações de iliquidez externa, esses recursos constituem reservas em-
prestadas, que deverão ser pagas pelo País no curto prazo.
23
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
da dívida externa de médio e longo prazos nos próximos 12 meses e o estoque
da dívida de curto prazo —; (c) e o indicador mais amplo, que estima a pressão
potencial sobre as reservas internacionais no País — que se denominou
“Standards & Poors + portfólio” —, que soma as NBFE com o estoque de investi-
mento de portfólio estrangeiro.
A redução (e, assim, melhora) dos indicadores de liquidez externa, a
partir de maio de 2003 (Gráfico 2), esteve associada a uma conjunção de fatores:
do lado do numerador, aos superávits em transações correntes obtidos a partir
de julho e à redução conjuntural da dívida de curto prazo e das amortizações de
médio e longo prazos nos segundo e terceiro trimestres de 2003; e, do lado do
denominador, ao aumento das reservas internacionais. Essa tendência reverteu-
-se temporariamente no último trimestre de 2003, devido à concentração dessas
amortizações, à redução do superávit em transações correntes e ao aumento
dos investimentos de portfólio nesse trimestre, num contexto de estabilização
das reservas internacionais líquidas.
FONTE: Banco Central do Brasil.
 PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica
 em Foco, Campinas, SP, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4,
 p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br
Indicadores de liquidez externa do Brasil — 2002-04
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Indicador CECON
Indicador Standard & Poors
Passivo externo de curto prazo/reservas líquidas ajustadas
Gráfico 2
Legenda:
24 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
Já em 2004, os indicadores de liquidez mantiveram-se praticamente no
mesmo patamar até meados do ano e, a partir de então, apresentaram um
desempenho divergente: enquanto o indicador Standard & Poors diminuiu
ligeiramente — em virtude, principalmente dos superávits em transações
correntes e da redução do estoque da dívida de curto prazo e das amortizações
de médio e longo prazos no segundo semestre do ano —, os demais indicadores
aumentaram, também de forma ligeira, em função do crescimento do estoque
de investimentos estrangeiros de portfólio, associado tanto à valorização das
ações brasileiras quanto ao aumento desses investimentos no final de 2004 —
que inclusive se intensificou nos primeiros meses de 2005 —, o qual não
transparece na série de fluxos acumulados em 12 meses do Gráfico 1.
Contudo os três tipos de indicadores foram influenciados negativamente
pelo comportamento do estoque de reservas próprias do País, que se elevou
em somente US$ 3,8 bilhões em 2004 (de US$ 21,5 bilhões em janeiro para US$
25,3 bilhões em dezembro), devido à predominância, ao longo do ano, de uma
política de não-intervenção no mercado de câmbio. Após adquirir US$ 2,62 bilhões
em janeiro, a autoridade monetária manteve-se ausente desse mercado até
dezembro, quando comprou uma quantia praticamente idêntica — US$ 2,64
bilhões —, num contexto de excesso de dólares que levou a cotação do real ao
patamar de US$ 2,7 bilhões. Ou seja, ao invés de ter aproveitado o período de
excesso de liquidez internacional vigente em 2004 para incrementar de forma
substancial seu estoque de divisas — e, assim, como a maioria dos países
emergentes, constituir um “colchão de segurança” contra as recorrentes mudanças
na direção dos fluxos de capitais —, essa autoridade optou por aproveitar o
excesso de liquidez no mercado de câmbio para apreciar o real e atenuar pressões
inflacionárias. Todavia vale ressaltar que, no primeiro trimestre de 2005, o Banco
Central decidiu, finalmente, intensificar a política de recomposição das reservas,
o que resultou no aumento das reservas líquidas ajustadas (calculadas segundo
critérios do FMI) de US$ 27 milhões em janeiro para cerca de US$ 35 milhões
em março (estimativa dos autores). Assim, a tendência de queda dos indicadores
de liquidez certamente se manteve nos primeiros meses de 2005.
Já os indicadores de solvência externa são estimativas da vulnerabilidade
externa do País no médio e no longo prazo, cuja redução depende da capacidade
de geração de divisas da economia via exportações. Nesse caso, foram
calculados dois indicadores — o indicador mais amplo, passivo externo líquido35/
35 O passivo externo bruto (PEB) do País inclui o estoque de dívida externa, de investimento
de portfólio e do investimento externo direto. O passivo externo líquido equivale ao PEB
menos os ativos externos (reservas internacionais, haveres dos bancos brasileiros no
exterior e créditos brasileiros no exterior).
25
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
/exportações, e o indicador dívida externa líquida total/exportações —, tendo
ambos apresentado tendência declinante no primeiro ano do Governo Lula —
associada, principalmente, ao crescimento expressivo das exportações —, a
qual persistiu em 2004, em função desse crescimento e também da queda da
dívida externa — de US$ 194 bilhões em dezembro de 2003 para US$ 183
bilhões em novembro de 2004 (Gráfico 3).36 A importância do crescimento das
exportações para a melhora da solvência externa fica mais evidente na evolução
do indicador serviço do passivo externo/exportação37 — igualmente um indicador
de solvência, mas que, ao contrário dos precedentes, traz no numerador um
fluxo —, uma vez que esse serviço se reduziu muito pouco no período
considerado.
A manutenção dessa tendência de melhora progressiva dos indicadores
de solvência depende, por sua vez, da continuidade da queda da dívida externa
e da manutenção de elevadas taxas de crescimento das exportações por um
período suficiente para gerar superávits expressivos nas transações correntes
(que permitam a amortização da dívida externa privada e/ou o acúmulo de
reservas). Para tanto, a taxa de crescimento das exportações teria de superar a
das importações, bem como a taxa de juros que incide sobre essa dívida (em
média, 10% a.a.). Contudo a manutenção da taxa de crescimento das vendas
externas no patamar vigente em 2003 e em 2004 (superior a 30% a.a.) é pouco
provável. Apesar do bom desempenho do setor comercial externo no começo de
2005, não se pode descartar a possibilidade de uma acomodação no ritmo de
expansão das exportações, seja em função de um menor crescimento da
economia mundial, seja devido à apreciação cambial, seja em decorrência do
próprio crescimento econômico doméstico (o qual, mesmo que se mantenha no
ritmo modesto de 2004, continuará pressionando as importações).
36 A redução dos indicadores de vulnerabilidade externa no período 1998-02 esteve asso-
ciada ao efeito contábil da queda dos estoques de investimento estrangeiro direto e de
portfólio no País, medidos em dólares, em decorrência da desvalorização do real no
período. No caso dos fluxos de portfólio, a maior instabilidade cambial após a adoção do
regime de câmbio e a retração dos fluxos de capitais também contribuíram para essa
 redução. Já o terceiro componente do passivo externo, a dívida externa, que não está
sujeita a esse efeito contábil, registrou queda no período, em função da escassez de
financiamento externo privado.
37 Tal indicador foi de 4,0% em 2001 e 2002, 3,2% em 2003 e 2,6% em 2004.
26 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
FONTE: Banco Central do Brasil.
 PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica em
 Foco, Campinas, SP, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4, p. 49-72,
 maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br
Finalmente, é importante salientar que, mesmo com a melhoria dos re-
sultados nas contas externas brasileiras e, assim, com o alcance de níveis
mais adequados em alguns dos indicadores de vulnerabilidade externa, a
comparação com a situação de outras economias emergentes segue sendo
desfavorável ao País. Tomando-se o indicador tradicional de pagamento de juros
sobre exportações, verifica-se uma melhora sensível na solvência brasileira,
posto que aquela relação estava em 31% em 1999 e passou a 14% em 2004.
Porém tal queda foi generalizada na América Latina, de modo que o indicador
brasileiro de 2004 é quase o dobro da média regional de 8%. O superávit em
conta corrente brasileiro ainda está bem abaixo da média asiática de 3,3% do
PIB e em linha com a média regional latina de 1,3%. As reservas internacionais
conjuntas da América Latina, de cerca de US$ 140 bilhões no final de 2004,
equivalem às reservas da Coréia do Sul no mesmo período. Somente o incremento
de reservas na região asiática, em 2004, foi de US$ 280 bilhões (Institute of
 Indicadores de solvência externa do Brasil — 2002-04
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Dez./02 Mar./03 Jun./03 Set./03 Dez./03 Mar./04 Jun./04 Set./04 Dez./04
Dívida externa líquida/exportações
Dív.ext.púb líq./export.
Dív.ext.priv. liquida/export.
Passivo ext. líq/export.
Gráfico 3
Dívida externa líquida/exportações
Dívida externa pública/exportações
Dívida externa privada/exportações
Passivo externo líquido/exportações
Legenda:
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005
A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
International Finance,2005). A projeção do FMI (International Monetary Fund,
2004b) era de que a relação dívida externa/exportações do conjunto dos países
em desenvolvimento fosse de 0,9 no final de 2004, menos da metade do indicador
brasileiro. No final de 2004, a relação dívida de curto prazo/reservas de Argentina,
Brasil e México era de, respectivamente, 0,8, 0,7 e 0,5. Em outros emergentes,
tal indicador era muito menor — 0,1 na Índia e na China, 0,3 na Rússia e 0,4 na
Coréia —, revelando uma maior capacidade de as reservas internacionais cobrirem
as dívidas de curto prazo.38
3 - Considerações finais: limites e desafios
 da estratégia brasileira
Evidências recentes sugerem que, em um contexto de finanças globaliza-
das e desregulamentadas, onde os ciclos financeiros externos tendem a capturar
os mercados emergentes em ondas de liquidez-crescimento-iliquidez-crises
financeiras, as estratégias passivas de busca da credibilidade não têm sido
capazes de, por si só, gerar crescimento no longo prazo.39 Pelo contrário, como
argumentam Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003; 2004), as estratégias
periféricas mais bem-sucedidas tendem a ser aquelas que reproduzem o modelo
asiático de ativismo cambial, controle de capitais, manutenção de elevadas
reservas oficiais e drive exportador.
Sem desconhecer a gravidade do problema fiscal e a importância da
construção de credibilidade na gestão macroeconômica, enfatizou-se aqui uma
outra dimensão do problema de desequilíbrios de estoques no caso brasileiro.
Considerou-se que a reversão das expectativas pessimistas dos mercados
financeiros na Administração Lula deveu-se muito mais às mudanças no estado
de liquidez do mercado financeiro internacional, associadas às políticas
monetárias laxistas nos países centrais40, do que à gestão econômica doméstica
38 Cálculos do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp (s. d.) com
base em projeções do JP Morgan.
39 Em Cunha (2004) e Prates (2004), há uma análise detalhada desses pontos, com as
referências bibliográficas originais.
40 Conforme a análise do FMI, as políticas monetárias e fiscais de EUA, Eurolândia e Japão
foram excepcionalmente expansionistas entre 2001 e 2003, o que contribuiu decisivamen-
te para o soft landing da economia norte-americana e para a retomada do crescimento da
renda e do comércio (International Monetary Fund, 2004b).
28 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005
conservadora, ancorada no aperto fiscal e monetário. E, apesar dessas mudan-
ças, que resultaram num novo ciclo de endividamento externo dos países emer-
gentes, a vulnerabilidade externa permanece sendo um entrave central à reto-
mada do crescimento doméstico em bases sustentáveis. Isto porque o País é
fortemente vulnerável aos ciclos curtos de expansão e retração das finanças
internacionais. Pode-se tomar o ano de 2004 como exemplo, com o primeiro
semestre caracterizado por um aumento da aversão ao risco nos mercados
financeiros internacionais, penalizando mais fortemente o Brasil, que vinha, desde
o segundo semestre de 2003, recuperando o acesso aos créditos externos
(International Monetary Fund, 2004a).41 Já no segundo semestre, as condições
de liquidez externa tornaram-se novamente favoráveis. Mostrou-se também, ao
longo deste artigo, que o choque externo benigno no comércio foi fundamental
para o bom desempenho no lado real da economia, especialmente em 2004.
Assim, se os ajustes de fluxo realizados a partir de 1999 contribuíram
para reduzir a pressão de curto prazo no BP, a permanência de significativos
desequilíbrios de estoques impõe um desafio crucial para os formuladores de
política econômica. Se eles não forem enfrentados com políticas ativas na área
cambial e de gestão dos fluxos privados de capitais, poderão acarretar a
continuidade do quadro de instabilidade e baixo crescimento vivido pela economia
brasileira nas últimas duas décadas. Entre meados de 2003 e início de 2005, o
enfraquecimento do dólar norte-americano, enquanto reflexo do problema dos
déficits gêmeos nos EUA, gerou uma pressão de apreciação do real, que tem
sido potencializada pela gestão macroeconômica doméstica. Isto porque a
liquidez financeira internacional tende a se direcionar para ativos com maior
remuneração ajustada pelo risco, o que alimenta o circuito de inflação nos preços
dos ativos domésticos, a elevação da cotação do real e o acúmulo de passivos
financeiros de curto prazo de maturação. Chama atenção o fato de que, no caso
brasileiro, a estratégia de busca da construção da credibilidade junto aos mercados
financeiros pela via fiscal gerou, no período 1995-04, um quadro de instabilidade
macroeconômica, volatilidade no crescimento (com um desempenho médio
desfavorável) e fragilização do tecido social.
41 Os títulos externos brasileiros caracterizam-se por: (a) alta liquidez; (b) concorrerem nos
segmentos de alto rendimento (porque são de alto risco); (c) serem muito utilizados para
aumentar a rentabilidade das carteiras em momentos de “euforia” e reduzir riscos nos
momentos de maior aversão. Por isso, a constatação do International Monetary Fund
(2004a, p. 10) de que, no primeiro semestre de 2004, “(...) o componente brasileiro do
EMBI+ tem tido o maior retorno negativo do ano. Em parte, isso reflete a alta liquidez dos
títulos brasileiros, o que os torna um veículo favorável para a desalavancagem”.
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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas
Para aprofundar a capacidade do País de reverter o quadro de vulnerabilidade
externa, considera-se aqui que a opção mais adequada seria calibrar o grau de
abertura financeira em função do ciclo “feast or famine”, que é exogenamente
determinado. Assim, estar-se-ia alinhando o País à estratégia potencialmente
“vencedora” sugerida por Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003). Isso
implicaria,42 além da adoção de mecanismos seletivos de controle sobre a entrada
de capitais, nos moldes do Chile (requerimentos de reserva não remunerados e
período mínimo de permanência no País, ambos variáveis de acordo com a
escassez ou abundância de recursos externos), a imposição de restrições à
saída de capitais43 — que se revela fundamental, dado o elevado passivo externo
do País — e o retorno dos controles prudenciais sobre o sistema bancário, como
os limites à exposição em moeda estrangeira e a proibição de repasses de
recursos externos a setores mais expostos às variações cambiais, os quais
foram adotados no primeiro Governo FHC. Como ressaltam Epstein, Grabel e
Jomo (2003), em seu minucioso estudo sobre controles de capitais pelos países
emergentes, as experiências bem-sucedidas — em termos de eficácia dos
controles no sentido de atingir os objetivos propostos, como a ampliação da
autonomia de política econômica e a redução da instabilidade macroeconômica
e da vulnerabilidade externa —, de forma geral, combinaram controles de capitais
estrito senso com regras prudenciais mais rígidas sobre as operações com
moeda estrangeira pelos bancos.
Além disso, haveria de se manter ou mesmo intensificar a política de
recomposição de reservas oficiais, reiniciada no final de 200444, e, principalmente,
42 Nossas sugestões não são originais, apenas reforçam o que já vem sendo apontado por
outros analistas. Ver, por exemplo, os trabalhos organizados por Benecke e Nascimento
(2003), Sicsú, Oreiro e De Paula (2003) e Albuquerque e Velloso (2003) e as contribuições
de Oreiro, Paula e Silva (2004), Belluzzo e Carneiro (2004) e Carvalho e Sicsú (2003).
43 As recentes medidas liberalizantes do Banco Central do Brasil (2005a; 2005b), que unifica-
ram o mercado cambial e extinguiram as antigas Contas CC-5, sinalizam no sentido
contrário ao proposto aqui.
44 Na gestão que se iniciou em 2003, o Banco Central optou por uma política de negligência
benigna na área cambial. No início de 2004, o Banco anunciou que voltaria a realizar leilões
de compra de dólares. Todavia

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