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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA GEOGRAFIA BACHARELADO LILIAN SHEILA DOS SANTOS GOMES GEOGRAFIA DAS BARRAGENS: UM ESTUDO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS OCASIONADOS PELO RESERVATÓRIO TABATINGA, MACAÍBA\RN NATAL RN 2022 LILIAN SHEILA DOS SANTOS GOMES GEOGRAFIA DAS BARRAGENS: UM ESTUDO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS OCASIONADOS PELO RESERVATÓRIO TABATINGA. Monografia apresentada para a obtenção do grau de bacharel em geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte na área de estudos socioambientais. Orientadora: Profa. Dra. Juliana Felipe Farias NATAL/RN 2022 LILIAN SHEILA DOS SANTOS GOMES GEOGRAFIA DAS BARRAGENS: UM ESTUDO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS OCASIONADOS PELO RESERVATÓRIO TABATINGA. Monografia apresentada para a obtenção do grau de bacharel em geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte na área de estudos socioambientais. Orientador: Profa. Dra. Juliana Felipe Farias Data de aprovação: / / . BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Juliana Felipe Farias Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Orgival Bezerra da Nóbrega Júnior Membro Interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte Msc. Gabriella Cristina Araújo de Lima Membro Externo A Camila, você é a minha motivação diária e minha força. AGRADECIMENTOS A todos os professores que contribuíram para minha formação desde a educação infantil até o ensino superior, esse trabalho também é resultado de vocês pois são a base para o conhecimento que desenvolvo hoje. Um agradecimento especial a professora Juliana por acreditar no meu trabalho e embarcar nele junto comigo, seu apoio foi crucial para essa pesquisa. Para os moradores das comunidades de Betúlia e Cajarana sem a sua contribuição esse trabalho não teria os dados necessários para sua finalização. A meu pai que sempre trabalhou incansavelmente para que não nos faltasse nada e inclusive foi companheiro em todos os campos e a minha mãe que sempre acreditou na educação e por sempre a tratar como máxima prioridade em nossas vidas. A Juliana minha irmã e cumplice de todos os momentos e a Isabel por todo o incentivo e exemplo de dedicação a educação e ao trabalho. A Marcia minha psicóloga, obrigada por me ajudar nos anos sombrios em que nos encontramos. A Luis, companheiro dos últimos 12 anos, pelo apoio e suporte em todas fases da minha vida. A minha tia Lucia por articular os formulários online com os moradores das comunidades de Cajarana e Betúlia. A Thiago, amigo de longa data, que foi essencial durante o processo de entrevista em Cajarana. A Eduardo, motorista que me levou em todas as jornadas de campo e por ajudar nas entrevistas em Betúlia. A Stephannie pela ajuda nas correções finais da pesquisa. A Camila, menina doce e carinhosa, essa etapa começou junto de seu desenvolvimento esse trabalho também é parte de você. “Água é fonte de riqueza e de conflitos”. (Wagner Costa Ribeiro) RESUMO Os barramentos de água são elementos transformadores da paisagem causando impactos na vida dos moradores que residem no seu entorno como é o caso das comunidades de Betúlia e Cajarana localizadas na cidade de Macaíba\RN. O objetivo desta pesquisa foi compreender a percepção dos moradores sobre as transformações socioambientais da paisagem gerados pelo Reservatório Tabatinga, para poder pensar em medidas que possam ser usadas para a minimizar os efeitos negativos. A metodologia utilizada foi a entrevista que permitiu conhecer os impactos causados pela relação entre o reservatório e os moradores. Os resultados obtidos mostram que o reservatório tem uma relevância fundamental para as duas comunidades, mas também é gerador de conflitos e que sua utilização para pesca e agricultura só deveria ser permitida após um estudo mais aprofundado sobre a qualidade da água. Palavras-chaves: Percepção; Impactos; conflitos; reservatório. ABSTRACT Water dams are transforming elements of the landscape causing impacts on the lives of residents who live in their surroundings, as is the case of the communities of Betúlia and Cajarana located in the city of Macaíba\RN. The objective of this research was to understand the residents' perception of the socio-environmental transformations of the landscape generated by the Tabatinga Reservoir, in order to think of measures that can be used to minimize the negative effects. The methodology used was the interview that allowed to know the impacts caused by the relationship between the reservoir and the residents. The results obtained show that the reservoir is of fundamental importance for the two communities, but it also generates conflicts and that its use for fishing and agriculture should only be allowed after a more in-depth study of water quality. Keywords: Perception; Impacts; conflicts, reservoir. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01- Localização do reservatório Tabatinga ................................................................... 15 Figura 02- Etapas da pesquisa .................................................................................................. 24 Figura 03- Localização das paradas no campo de reconhecimento .......................................... 25 Figura 04- Roteiro de entrevista ............................................................................................... 27 Figura 05- Vista da estrutura do reservatório ........................................................................... 30 Figura 06- Descarte e queima de lixo doméstico nas margens do reservatório ........................ 31 Figura 07- Localização das comunidades de Betúlia e Cajarana.............................................. 32 Figura 08- Criação de bovinos nas proximidades de Betúlia ................................................... 32 Figura 09- Plantação de feijão em Cajarana ............................................................................. 33 Figura 10- Comunidade de Betúlia ........................................................................................... 34 Figura 11- Mudança do acesso a Betúlia, em azul o antigo caminho e em vermelho o novo . 35 Figura 12- Foto do novo acesso a comunidade de Betúlia ....................................................... 35 Figura 13- Foto da igreja, centro social e posto de saúde da comunidade ............................... 36 Figura 14- Cajarana em junho de 2008 .................................................................................... 37 Figura 15- Cajarana em julho de 2021 ..................................................................................... 37 Figura 16- Comunidade de Cajarana ........................................................................................ 38 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01- Total de entrevistados por comunidade ................................................................. 39 Gráfico 02- Divisão dos entrevistados por gênero ................................................................... 39 Gráfico 03- Uso do reservatório ............................................................................................... 40 Gráfico04- Divisão da amostra por idade ................................................................................ 40 Gráfico 05- Divisão por gênero em Betúlia .............................................................................. 41 Gráfico 06- Se residiam em Betúlia durante a construção da barragem ................................... 42 Gráfico 07- Tipos de uso do reservatório ................................................................................. 42 Gráfico 08- Escolaridade dos residentes em Betúlia ................................................................ 43 Gráfico 09- Total de entrevistados por gênero em Cajarana .................................................... 43 Gráfico 10- Se residiam em Cajarana durante a construção do reservatório ............................ 44 Gráfico 11- Tipos de uso reservatório ...................................................................................... 45 Gráfico 12- Escolaridade dos moradores de Cajarana .............................................................. 45 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS a.C – Antes de Cristo Al-Alumínio Art- Artigo Cd- Cádmio FUNCERN- Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Rio Grande do Norte IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEMA- Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte Ni- Níquel Pb- Chumbo RN- Rio Grande do Norte SEMARH- Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14 2 DISCUSSÕES TEORICAS ................................................................................................ 16 2.1 Estudos Socioambientais em Geografia .......................................................................... 16 2.2 Paisagem Cultural e Percepção: breve ensaio teórico................................................... 19 2.3 Barragens sob a ótica da Geografia ................................................................................ 21 3 PERCURSO METODOLÓGICO...................................................................................... 23 4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ........................................................... 27 4.1 Município de Macaíba ...................................................................................................... 28 4.2 Reservatório Tabatinga .................................................................................................... 29 4.3 Comunidades ..................................................................................................................... 31 4.3.1 Betúlia ............................................................................................................................. 33 4.3.2 Cajarana ......................................................................................................................... 36 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................................... 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 48 REFERENCIAS...................................................................................................................... 49 14 1 INTRODUÇÃO A água é um dos recursos mais importantes para a humanidade, não é à toa que desde o surgimento das primeiras grandes cidades, lá na antiguidade, elas foram assentadas nas margens dos rios sendo fonte de subsistência para as populações em seu entorno. Em 1500, na colonização do Brasil, não foi diferente. Muitas cidades foram construídas as margens de rios, os quais garantiam as pessoas o acesso a água e a transporte de mercadorias; porém, elas não tinham nenhum conhecimento sobre a dinâmica do rio e sobre os períodos de enchentes desses canais o que recorrentemente ocasionava inundações ou alagamentos. Outra causa do avanço sobre as margens dos rios está relacionada a falta de acesso ao solo urbano para a população mais carente que, sem alternativas de moradias, acabam ocupando tais locais mesmo onde o poder público atualmente já não permite a construção de edificações. Já em outros casos a falta de legislação e ou da fiscalização das leis dos estados e municípios são fatores agravantes desse desequilíbrio socioambiental. Farias (2015, p.34) faz um breve apontamento em seu estudo da geoecologia das paisagens sobre a relação conflituosa entre as a sociedade e a natureza decorrentes do crescimento urbano sobre os corpos de água. “Porém, esses núcleos cresceram e se tornaram cidades cada vez maiores e com um elevado contingente populacional, e esse crescimento não veio acompanhado de planejamentos adequados que preservassem a qualidade do ambiente. Nesse quadro, a relação sociedade e natureza foi se tornando cada vez mais conflituosa, causando a degradação ambiental dos recursos naturais.” Esses problemas foram se agravando ao logo dos anos com o crescimento desordenado e acelerado, como é o caso da cidade de Macaíba, fundada em 1889, as margens do rio Jundiaí, essa pequena cidade começou a se desenvolver e seu crescimento sobre as margens do rio se deu sem um planejamento o que ocasionou enchentes recorrentes, principalmente no centro comercial da cidade causando muitos prejuízos a economia local. Muitos anos de reivindicação coletiva foram necessários para a construção do Reservatório de Tabatinga, com a finalidade principal de represar as águas do rio e assim conter as enchentes, porém a construção dele trouxe conflitos, pois em algumas áreas que foram alagadas existiam pequenos povoados que foram afetados pela construção. Por esse motivo, teremos o município de Macaíba e mais especificamente as comunidades de Betúlia e Cajarana como recorte para a pesquisa presente nesse trabalho, a figura 1 apresenta a localização do reservatório. 15 Figura 01- Localização do reservatório Tabatinga Fonte: IBGE; Google maps. Organizado por Gomes, 2022. O pequeno povoado de Sucavão e algumas propriedades rurais foram inundados pelas águas da barragem, os moradores que viviam nesses locais receberam indenização para reconstruir suas vidas em outro local o que, por si só, já causou uma alteração significativa sobre a paisagem; porém, vários outros problemas estão por traz desse empreendimento, 16 desde alteração do deslocamento das pessoas, indenizações que não foram pagas e até mesmo alterações na qualidade da água. O presente trabalho busca compreender a percepção dos moradores sobre as transformações socioambientais da paisagem gerados pelo Reservatório Tabatinga, bem como o impacto no cotidiano dessas pessoas para assim poder pensar, a partir dessa experiência, em medidas que possam serem usadas para a minimizar os impactos negativos. Para tanto será necessário identificar os impactos a população do entorno do reservatório; verificar, a partir da percepção dos moradores, quais as transformações na paisagem e buscar medidas para minimizar os efeitos negativos nos residentes do entorno. O trabalho está organizado em cinco capítulos, no primeiro será apresentado o arcabouço teórico, no segundo a metodologia e estratégias utilizadas para a construção da pesquisa, o terceiro terá uma caracterização do recorte estudado, no quarto será exposto os resultados alcançados e no quinto trará as considerações finais. 2 DISCUSSÕES TEÓRICAS Nesse capítulo, serão apresentados os conceitos que permearam o desenvolvimento da pesquisa como as bases para a compreensão da Geografia Socioambiental e da Percepção das Paisagens dentro do contexto do reservatório Tabatinga e suas influências na vida da população rural próxima. 2.1 Estudos Socioambientaisem Geografia O conhecimento geográfico surgiu junto ao desenvolvimento da espécie humana, sendo acumulado durante muitos séculos e foi justamente essa acumulação que levou a sua institucionalização no final do século XIX. Com uma visão eurocêntrica do mundo, uma vez que foi no continente europeu que se institui-o como ciência o que hoje conhecemos como a geografia tradicional. As bases para essa geografia foram propostas por Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter dois naturalistas, da região conhecida hoje como a Alemanha, que criaram uma continuidade no pensamento geográfico sendo importantes também para a formação das cátedras dessa disciplina como aponta Morais 2007. 17 Nos desdobramentos teremos a escola da Geografia Alemã tendo como seu principal expoente Friedrick Rstzel que traz à tona a legitimação do expansionismo com forte teor político e a determinação do meio sobre o desenvolvimento das sociedades. Em resposta a essas formulações Paul Vidal De La Blache, principal formulador da Geografia Francesa, faz uma série de crítica ao expansionismo e colocando que a natureza traz possibilidades para a ação humana, contudo não a determina. Nas primeiras décadas do século XX, a geografia tradicional já não responde as novas demandas da evolução da sociedade, levando assim ao movimento de renovação com o surgimento de duas principais vertentes: a crítica e a pragmática. A primeira busca estudar sobre as desigualdades sociais geradas pelo sistema capitalista e a segunda introduz o fator técnico nos estudos ao mesmo tempo que empobrece a sua análise da realidade. Com o surgimento da problemática ambiental no final da década de 1960 e a crescente evidência da interferência da ação humana no meio ambiente, a temática foi incorporada na geografia como aponta Mendonça (1993, p.62) de forma gradual nas décadas de 70 e 80 tendo como foco a relação entre a sociedades e a natureza. Já Canali (2014, p.166) coloca que “A geografia desde sua origem sempre esteve no centro das relações entre sociedade e meio ambiente, tanto no âmbito dos lugares como nas escalas planetárias.” A abordagem socioambiental surge a partir da relação entre as características físicas e sociais de um objeto. Com a complexidade das relações entre a sociedade e a natureza, não é possível falar do meio ambiente a partir do ponto de vista puramente natural, pois a intervenção do homem alcançou de forma significativa quase todo o planeta como expos Mendonça (2001, p.117). Por conseguinte, essa vertente tem como objeto justamente a relação dialética entre os dois componentes que não devem ser vistos como coloca Mendonça (2001, p.228) de forma estanque e independentes. No presente trabalho que é voltado para o estudo de um fenômeno que altera visivelmente o espaço físico, como uma barragem, poderíamos levar a pensar que o estudo geográfico desse tema é de natureza física, por outro lado o foco neste trabalho é mais sobre os aspectos sociais sem deixar de lado as alterações da paisagem. Esse estudo poderia ser duramente criticado se não levássemos em conta os estudos de Mendonça (2001) que nos apresenta a abordagem socioambiental, apontando que: 18 (...) a abordagem geográfica do ambiente transcende à desgastada discussão da dicotomia geografia física versus geografia humana, pois concebe a unidade do conhecimento geográfico como resultante da interação entre os diferentes elementos e fatores que compõem seu objeto de estudo (MENDONÇA, 2001, p.115). Casseti também aponta a abordagem socioambiental como uma alternativa a superação da dicotomia: Considerando portanto o conceito ontológico de natureza, no qual a matéria sintetiza os fenômenos naturais e sociais, busca-se a compreensão da “unidade local” como possível objeto de superação da relação dicotômica que legitima e reproduz o processo de alienação. (CASSETI, 2014, p.145) Sendo necessário ainda ressaltar a importância de não se trabalhar temas da natureza com métodos das ciências sociais e desta com métodos de análise da natureza, o que torna a proposta Socioambiental na geografia um local de encontro para trabalhos que mesclam esses dois pontos os quais podem ser vistos como separados, para a maioria dos estudiosos, mas aqui é visto como um conjunto indissociável. Morais e Melo (2013, p.28) afirmam que: “O arcabouço teórico metodológico da Geografia Socioambiental vislumbra a análise da interrelação da sociedade com a natureza e tem como proposta para equacionamento das questões resultante desta inter-relação, a convivência harmônica entre ambas.” Pinto em seu estudo sobre a abordagem ambiental na geografia coloca que: [...] os problemas socioambientais são aqueles que partem do social e que tem sua base constituída no ambiente, ou seja, partem do princípio que não existem problemas para a natureza/ambiente, pois este tem a capacidade de regeneração (variando em escala de tempo), todos os problemas de degradação dos ambientes são problemas para as sociedades que fazem uso destes, sendo assim, são problemas socioambientais. (PINTO, 2015, p.73) Para Mendonça (2001, p. 224) devemos partir de uma problemática onde existam conflitos entre a sociedade e a natureza, onde uma ou ambas sofrem degradação. No caso aqui estudado fica evidente que a degradação parte dos dois fatores tanto o social quanto o natural apresentam problemas advindos da construção do reservatório. Assim buscaremos fazer uma leitura socioambiental a partir do fenômeno que é a barragem e para prosseguir será necessária uma breve discussão sobre a percepção da paisagem pelos moradores do entorno. Para tanto, no próximo tópico, serão apresentados esses dois conceitos. Inicialmente apresentamos o conceito de paisagem, trazendo sua definição e em seguida fazer uma breve interrelação com a percepção. 19 2.2 Paisagem Cultural e Percepção: breve ensaio teórico As primeiras representações humanas da paisagem são as pinturas rupestres datadas de 45 mil anos, demostrando necessidade dos primeiros hominídeos de representar o meio em que viviam. Após esse período, a paisagem foi utilizada nas primeiras grandes civilizações como sinônimo de embelezamento das cidades e dos palácios trazendo elementos da natureza para dentro desses ambientes. Dentro da ciência geográfica, o conceito de paisagem tem diversas definições desde o seu surgimento no século XIX, com os primeiros pensadores da geografia tradicional, até a atualidade. Tendo um consenso entre os geógrafos, mesmo abordando de formas diferentes, que ela seria o resultado da relação entre os elementos físicos, biológicos e antrópicos. Mendonça 2001, nos lembra que o conceito de paisagem era de natureza fisionômica sendo interligado ao método de observações em viagens científicas influência dos grandes naturalistas como os estudos de Humboldt na sua obra Kosmos e da escola naturalista alemã durante o que ficou conhecido com geografia tradicional. A abordagem tradicional da geografia perdura até mais ou menos a década de 1940, sendo que após esse período a ênfase na paisagem foi colocado de lado para dar destaque a outros conceitos e só a partir da década de 1970 que ele seria retomado sobre novos olhares dentro dos estudos ambientais e da percepção. Como aponta Schier (2003, p. 80) “Hoje, a idéia da paisagem merece mais atenção pela avaliação ambiental e estética. Neste sentido, depende muito da cultura das pessoas que a percebem e a constroem. Ela é, assim, um produto cultural resultado do meio ambiente sob ação da atividade humana.” Maximiano ao definir paisagem traz em seu conceito um elemento muito relevante que é a relação espaço-tempo quando enuncia “[...] a paisagem pode ser entendida como o produto das interações entre elementos de origem natural e humana, em um determinado espaço. Estes elementos de paisagemorganizam-se de maneira dinâmica, ao longo do tempo e do espaço.” (MAXIMIANO, 2004, p.90). Já para Santos, em seu livro a Natureza do Espaço, é nos apresentado a necessidade de diferenciar o espaço da paisagem, colocando-a como algo estático. "A paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são as formas mais a vida que as anima." (SANTOS, 2002, p.103). 20 Demostrando assim, como afirma Risso (2008, p.72), que na geografia crítica o conceito de paisagem não foi utilizado para dar destaque aos conceitos de lugar e de espaço. Sendo resgatado nos estudos geográficos com o advento da geografia humanística com mais força na década de 1980. Dentro deste trabalho utilizaremos a definição de paisagem apontado por Sauer fazendo a interrelação entre ela e os estudos socioambientais. Para ele a paisagem é dividida em paisagem natural e cultural, onde a primeira seria a combinação dos elementos naturais como a vegetação, o clima, o relevo, os rios, os lagos e toda a combinação do quadro natural. Já a paisagem cultural incluiria todas as transformações feitas pelo homem sobre a natureza desde a construção de cidades e a transformação do campo. Sauer (1998) nos apresenta esses dois conceitos quando enuncia A área anterior à introdução de atividade humana é representada por um conjunto de fatos morfológicos. As formas que o homem introduziu são outro conjunto. Podemos chamar as primeiras, com referência ao homem, de paisagem natural, original. Em seu todo, ela não existe mais em muitas partes do mundo, mas sua reconstrução e compreensão são a primeira parte da morfologia formal. (1998, p. 199). Na área de estudo deste trabalho, podemos ver bem aplicação dos dois conceitos de uma paisagem. A natural convertida em paisagem cultural com a instalação dos pequenos povoados e, posteriormente, a modificação dessa paisagem com a construção do reservatório. o que nos mostra que a paisagem cultural não é acabada, ela pode se transformar ao longo dos anos, seja pelas forças da natureza ou pela intervenção do homem sobre o meio ambiente. Como destaca Sauer (1998, p. 199) "A paisagem cultural, então, é sujeita à mudança pelo desenvolvimento da cultura ou pela substituição de culturas; a linha de dados a partir da qual a mudança é medida, tornando-se a condição natural da paisagem." Outra característica da paisagem cultural é que não existe igualdade entre as diversas paisagens elas são individuais, podendo ter algumas formas em comum, mas no todo elas diferem. Sendo assim a paisagem que vemos na área de estudo é única mesmo que existam alguns pontos em comum com outras áreas de barragens. A paisagem cultural, aqui no trabalho, tem uma relação com os estudos socioambientais e a percepção, reafirmando a interação entre a natureza e a sociedade como um conjunto indissociável que se relacionam, não sendo vistos como separado, mas como um conjunto do todo. Mas para a geografia o que seria percepção? A percepção nos estudos da geografia é recente, sendo o seu mais forte defensor Tuan em seus livros Topofilia e Espaço e Lugar onde ele nos apresenta o conceito de percepção 21 com: “...percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual, certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados” (1980, p. 12). Assim a percepção tem um papel fundamental na visão de mundo das populações só que dentro da sua realidade e da sua cultura, pois como Tuan apresenta em Topofilia onde nos mostra várias populações e como é sua percepção do meio em que vive, ou seja, a visão socioambiental é inerente a todo indivíduo que se relaciona com o meio. Na construção de grandes empreendimentos, os moradores do entorno têm uma percepção com mais propriedade sobre as transformações da paisagem e suas perdas e ganhos associados, tonando eles um ponto de apoio fundamental para as pesquisas sobre o empreendimento e das ações que podem ser tomadas para mitigar os aspectos negativos sobre a vida da população que passa por situações parecidas. Então a percepção tem um papel forte como subsídio para políticas públicas. Segundo Maia e Guedes (2011, p.95): [...] para pensar políticas públicas verdadeiramente eficazes no abastecimento de água de famílias de comunidades rurais do semiárido, deve-se levar em conta a percepção das comunidades, de modo que a elaboração de projetos seja ajustada às perspectivas e às necessidades/especificidades locais. Os autores falam do abastecimento de água, todavia é facilmente transponível para os barramentos onde é necessário envolver as populações nas tomadas de decisões que tratam do impacto nas vidas dessas, conseguindo suas opiniões e sugestões que são imprescindíveis para que novas informações sejam obtidas, reflexões realizadas e posteriormente sejam tomadas decisões eficazes. Somado a percepção a seguir apresentaremos uma breve síntese sobre as barragens no contexto brasileiro para assim fechar o conjunto de conceitos que estruturam a pesquisa. 2.3 Barragens sob a ótica da Geografia As barragens são interferências humanos nos cursos de rios, que transformam a paisagem, a barragem mais antiga conhecida hoje é Sadd el-Kafara, localizada ao Sul do Cairo, no Egito, a qual foi construída a aproximadamente de 4800 a.C com a finalidade de represar as cheias do rio Nilo para impedir enchentes nos templos da região. 22 Para a legislação brasileira as barragens são definidas pelo Art. 2º da lei Nº 12.334, de 20 de setembro de 2010 barragem é: (...) qualquer estrutura construída dentro ou fora de um curso permanente ou temporário de água, em talvegue ou em cava exaurida com dique, para fins de contenção ou acumulação de substâncias líquidas ou de misturas de líquidos e sólidos, compreendendo o barramento e as estruturas associadas; (Redação dada pela Lei nº 14.066, de 2020) Essas barragens têm um reservatório que, segundo a mesma lei, é a acumulação artificial de água, substâncias líquidas ou de uma mistura de substâncias líquidas e sólidas e é geralmente esse acúmulo que impacta mais a paisagem e a vida das populações como no caso aqui estudado. No Brasil, as barragens construídas têm como finalidades o acúmulo de água para usos múltiplos, geração de energia elétrica, contenção de cheias, depósito final ou temporários de rejeitos de mineração e de resíduos industriais. Os lagos formados por essas estruturas trazem impactos ao seu entorno como expõe Tucci, Hespanhol e Netto (2001) Adicionalmente, as barragens sofrem uma pressão muito grande da área ambiental devido a problemas, tais como: inundação de áreas produtivas, deslocando um grande número de pessoas; modificação da flora e fauna a montante e a jusante do reservatório e deterioração da qualidade da água (2001, p. 67). Guedes (2015, p.13-14) também apresenta os impactos ocasionados pelas barragens quando pontuando que elas são causadoras de impactos positivos e negativos a jusante e a montante de sua construção, sendo que a montante são relacionados a formação da bacia hidráulica e a jusante no escoamento do canal fluvial. Para minimizar esses impactos são feitos estudos prévios antes da implantação com o objetivo de escolher locais propícios e são feitos planos com a finalidade de mitigar as consequências, fazendo também todo um processo de conscientização e esclarecimento da população, porém é fácil encontrar muitas queixas das populações sobre o processo. Com o crescimento populacional, cada vez mais barramentos são necessários para suprimir demanda por energia, por recursos e ou por planejamentos inadequados das cidades e comunidades que se instalam, ao longo dos anos, nas margens dos rios, queestão sujeitas a inundações periódicas pela invasão do leito do rio e/ou pela impermeabilização dos solos. Sendo assim, as soluções das constantes enchentes são cobradas ao poder público, só que a resolução para tais problemas são custosas as os cofres públicos como explicitam Tucci, Hespanhol e Netto (2001, p. 73) “Depois que o espaço urbano fica densamente ocupado, as http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2012.334-2010?OpenDocument http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2012.334-2010?OpenDocument 23 soluções disponíveis de controle de enchente são extremamente caras, tais como canalizações, diques com bombeamento, reversões, barragens, entre outros.” Outro problema grave das barragens no Brasil é a falta de um programa preventivo de alerta e defesa civil, o que pode ocasionar impactos ainda maiores a paisagem-populações quando condições extremas ocorrem, como foi o caso de Marina-MG em 2015 e em Brumadinho-MG em 2019, mostrando assim uma urgência na regulamentação e fiscalização dos órgãos competentes em muitas das barragens do país. Vale ressaltar que as barragens são geradoras de conflitos e impactos ambientais, porém são extremamente necessárias as demandas da sociedade respondendo bem a finalidade para a qual foram construídas e os apontamentos presentes nesse trabalho são feitos no sentido de trazer tais problemas a tona para que sejam discutidos e que futuras soluções possam surgir por parte dos órgãos competentes, das instituições e/ou da sociedade civil organizada respondendo parte desse impactos socioambientais gerados pelos reservatórios. No capítulo a seguir será apresentada a metodologia de pesquisa utilizada na identificação dos impactos no reservatório Tabatinga, detalhando todo o processo em fases de desenvolvimento. 3 PERCURSO METODOLÓGICO Nesse capítulo serão apresentados os métodos e procedimentos realizados no decorrer dessa pesquisa cientifica que iniciou com a sistematização de um projeto de pesquisa, o levantamento de dados e de referencial, em seguida por trabalhos de campo de reconhecimento e de aplicação de questionários até a sistematização dos resultados e discussões. O fluxograma a seguir traz um detalhamento de como se deu o processo de pesquisa dividindo o processo em quatro fases. 24 Figura 02- Etapas da pesquisa Fonte: Gomes, 2021. A pesquisa começou no que o fluxograma coloca como fase inicial onde foi definido o tema, objetivos do trabalho e um levantamento inicial de material bibliográfico para embasamento teórico metodológico, que no decorrer da pesquisa foi aprofundado. Os materiais foram buscados em sua maioria em revistas científicas, sites, e livros. Depois teve início a fase de dados onde foi feito um levantamento de dados secundários junto a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte (SEMARH), bem como, com a prefeitura municipal de Macaíba nas secretárias de educação, infraestrutura, meio ambiente e assistência social para assim construir o referencial do trabalho. Nesse levantamento junto as secretárias do município, foram encontrados alguns obstáculos, pois a prefeitura não dispunha de alguns dados sobre as populações das comunidades que eram importantes a essa pesquisa como número de habitantes, renda e atividades desenvolvidas fazendo com que fossem buscados junto à comunidade. O passo seguinte foi a fase de campo que começou com uma visita as comunidades. Realizada no dia 7 de agosto de 2021 com o intuito de fazer um primeiro reconhecimento da 25 área de estudo e registro fotográfico, durante esse campo foram feitas 7 paradas para uma melhor observação. As quatro primeiras paradas foram feitas na comunidade de Betúlia e o seu entorno já as quatro últimas foram feitas na comunidade de Cajarana como mostra a figura abaixo. Figura 03- Localização das paradas no campo de reconhecimento Fonte: Google Earth A primeira parada foi feita para um reconhecimento da comunidade de Betúlia onde foram observadas sua infraestrutura e serviços oferecidos a população. O que mostrou uma comunidade pequena com algumas casas fechadas e sem moradores e um pequeno aglomerado de casas de taipa nas margens onde reside uma população em condição de vida mais precária localizadas no local de cheia do lago. A segunda parada, foi no final da rua que agora permite acesso ao lago, mas onde antigamente era o acesso das pessoas a comunidade. Aqui foi percorrido também um trecho da margem direita para observar as características e condições do lago bem como atividade de pesca do local. Na terceira parada foi observado áreas de cultivo e de pastagem e na quarta e última em Betúlia as condições do acesso a comunidade. Já em Cajarana, a quinta parada foi feita no final da área da comunidade, ponto onde terminava o calçamento da comunidade e se inicia o acesso de barro ao reservatório. Nesse ponto ficou inacessível a chegada na água, pois o automóvel não conseguiu chegar devido más condições da estrada, todavia aqui foi possível ver alguns pescadores indo e vindo em suas motocicletas. A sexta parada teve início alguns metros mais acima da anterior e nesta foi 26 feito um trajeto andando até a sétima e última para da comunidade onde foi observado as características das moradias, a infraestrutura da comunidade e os serviços presentes. Com essas observações foi definida que o estudo abordaria uma análise qualitativa com a finalidade de conhecer a percepção de moradores de duas comunidades rurais do município de Macaíba-RN. E para chegar a esse fim foi escolhida a metodologia de entrevistas por oferecer vantagem no levantamento de dados de percepção dos moradores. Devido a pandemia da Covid-19 foram feitos formulários online ainda no mês de agosto de 2021, sua estrutura era bem simples com dez perguntas apenas e foram enviados para os residentes das comunidades por e-mail e aplicativos de mensagens. Porém não foram obtidas respostas satisfatórias e o alcance foi mínimo, outro problema desses formulários foi que a amostra era proveniente de um grupo familiar sendo assim foi considerada insuficiente e tendenciosa Depois dessa tentativa foi esperado um período para que as pessoas das comunidades e o entrevistador tivessem tempo de tomar as duas doses da vacina para então fazer um novo esquema que seria aplicado nas comunidades presencialmente, o novo roteiro foi feito um questionário estruturado em três partes: divididas em identificação dos entrevistados; a percepção deles frente a barragem e a paisagem; seus usos do reservatório e demandas paras as comunidades, como mostra a figura 04. 27 Figura 04- Roteiro de entrevista Fonte: Gomes, 2021. Ainda dentro da fase de campo do fluxograma, no dia 29 de dezembro de 2021 foram feitas as entrevistas nas comunidades. Para participarem da pesquisa os entrevistados deveriam ser maiores de 18, terem residência fixa na comunidade e demostrarem interesse em participarem da pesquisa após serem informados desses critérios A aplicação das entrevistas teve uma duração total de 7 horas com início na comunidade de Betúlia as 8h tendo como resultado 12 entrevistas e na comunidade de Cajarana foram aplicados mais 23 terminando as 15h. Realizando assim 35 entrevistas, de residentes nas comunidades, escolhidas aleatoriamente e que se disponibilizassem a participar resultando em uma amostra significativa e suficiente para a análise. Na comunidade de Betúlia não foi possível entrevistar todos os moradores, área de moradias mais precárias não foram contempladas, pois na região e na comunidade o local é conhecido por não apresentava segurança para a realização do trabalho de pesquisa colocando assim o entrevistador em risco. Para finalizar a fase de campo,a metodologia foi incorporada ao trabalho e com seu término iniciou a fase final apresentada no fluxograma de trabalhar os dados obtidos nas entrevistas, fazendo o tratamento dos dados para depois organizar e computar em uma planilha para sistematizar os resultados. Por fim, foram redigidos os resultados e apresentados para a orientadora a fim de fazem correções pertinentes. 4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A área de estudo deste trabalho é um recorte do município de Macaíba, fazendo-se necessária uma breve elucidação das características desse município para uma melhor compreensão do contexto no qual estão inseridas as duas comunidades nas quais foram realizadas a pesquisa. 28 4.1 Município de Macaíba O município de Macaíba foi criado pela Lei n° 801 em 27 de novembro de 1977, sua trajetória de evolução foi marcada desde o ciclo da cana-de-açúcar e em seu auge apresentava um desenvolvimento mais significativo do que a própria capital do estado com destaque na produção pecuária e nos engenhos. A cidade está localizada a 14 km da capital do estado, limitando-se ao Norte com São Gonçalo do Amarante e Ielmo Marinho, ao Sul com Vera Cruz, Boa Saúde e São José de Mipibu, ao Leste com Natal e ao Oeste com São Pedro e Bom Jesus tendo um papel de influência sobre os municípios menos sendo local de busca de serviços. O núcleo urbano do município se desenvolveu as margens do Rio Jundiaí devido a sua importância para escoar mercadorias, porém sem planejamento e conhecimento sobre as áreas de inundações o que levaria nos anos futuros a muitos transtornos com inundações nos períodos chuvosos. Localizado numa área de transição entre o litoral e o interior do estado do Rio Grande do Norte, apresenta um clima tropical chuvoso, com verão seco e estação chuvosa, sendo que os períodos chuvosos abrangem os meses de março a agosto e as temperaturas variam entre a máxima de 32,0 °C e mínima de 21,0 °C, segundo dados apresentados pelo Instituído de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA) em 2013. Quanto a vegetação, foram identificadas Florestas Subperenifólia, Manguezal, Tabuleiros Litorâneos e campos de Várzea. Sendo que o bioma de Mata Atlântica se encontra bastante degradado, apresentado em grande parte vegetação secundária e campos de cultivo. Mas devido a sua posição geográfica voltada em parte para o interior, apresenta também machas de espécies do bioma da caatinga. Já o relevo do município apresenta uma altitude de menos de 100m sendo composto por: Planícies Fluviais (terrenos baixos e planos localizados nas margens dos rios); Tabuleiro Costeiros (relevos planos e de baixa altitude localizados nas proximidades ao litoral) e pela Depressão Sub-litorânea (terrenos rebaixados localizados entre os Tabuleiros Costeiros e o Planalto da Borborema) (IDEMA 2013). A geologia local é constituída por rochas do embasamento cristalino de Idade Pré- Cambriana Média (1.100 - 2.500 milhões de anos) formado por rochas resistentes como anfibolitos, granitos, quartzitos, gnaisses e micaxistos e rochas sedimentares do grupo Barreiras de Idade Terciária (7 milhões de anos) composta por areias, arenitos, conglomerados, siltitos (IDEMA, 2013). 29 Dos recursos hídricos do município temos os superficiais com três bacias hidrográficas: rios Pirangi, Potengi (onde está inserido o rio Jundiai) e Trairi (conta somente o divisor das águas e desnível) e os subterrâneos composto por três aquíferos Barreiras, Aluvião e Cristalino (FUNCERN, 2019). O município possui 69.467 habitantes, segundo a último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), sendo que mais de 36.000 residem na área urbana do município e 18.842 na área rural a estimativa para o ano de 2020 é de 81.821 habitantes. O município conta com uma área total de 490 km2 (0,92% da superfície estadual), o que determina uma densidade demográfica em 2020 de 136,00 hab/km². É dentro desse contexto ambiental e social que está inserido o reservatório Tabatinga, que será apresentado no tópico a seguir, para assim podermos entender melhor área de pesquisa e a transformação da paisagem. 4.2 Reservatório Tabatinga O reservatório tabatinga é uma barragem construída no rio Jundiaí (pertencente a Bacia do Rio Potengi), na cidade de Macaíba, com a finalidade de conter as cheias cíclicas que ocorriam no centro comercial da cidade, essas inundações causavam grandes prejuízos financeiros aos comerciantes e aos moradores que viviam nas margens do rio. A obra foi demandada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) do governo de Rio Grande do Norte (RN) com início no ano de 2006 e finalizada no ano de 2011. A técnica utilizada para construção foi a de terra homogênea quando é utilizado solo compactado como visto na figura 05. 30 Figura 05- Vista da estrutura do reservatório Fonte: site da Marquise Engenharia Sua bacia hidráulica tem uma área de 1.090,00 ha e capacidade máxima para 89.835.677,53 m³, nos últimos anos devido à seca seu volume encontra-se bem reduzido. Durante a sua construção a barragem inundou áreas de cultivo, fazendas e uma pequena comunidade chamada Sucavão, fazendo necessária a desapropriação das terras. A compensação pelas perdas, feita pelo governo do estado, foi a indenização dos moradores que precisaram recomeçar suas vidas em outras locais. Compensação essa, que muitos moradores dizem que não foram de acordo com o valor de mercado e algumas propriedades parcialmente inundadas em que os proprietários seguem receberam indenização como relatado por um dos residentes da área que teve 5 ha cobertos pela água. Um problema identificado no reservatório foi a presença de lixo doméstico e detritos de pescados, principalmente na margen direita onde estão as duas comunidades, como é visto na figura 06. 31 Figura 06- Descarte e queima de lixo doméstico nas margens do reservatório Fonte: Gomes, 2021. Outro problema é apontado por Guedes (2015, p.86) em sua pesquisa sobre a qualidade da água do reservatório apresenta a conclusão que: o reservatório encontrasse imprópria para o consumo humano, pois apresenta metais toxicológicos como Al, Cd, Ni e Pb que são cancerígenos ao homem e tem efeito cumulativo ao longo dos anos. Ou seja, não só abastecimento de água, mas também o consumo de pescados e a irrigação de plantas pode trazer ricos a saúde das pessoas a longo prazo. Além dessas questões, que modificou a paisagem e a qualidade da água, em duas comunidades na margem direita da barragem ainda são sentidos efeitos dessa obra sobre as pessoas e seu cotidiano a seguir trarei uma breve apresentação das comunidades e os efeitos sobre as mesmas. 4.3 Comunidades As comunidades Betúlia e Cajarana estão localizadas na margem direita do reservatório, a montante, e se caracterizam por serem pequenos povoados rurais compostas em grande parte por pessoas que lá vivem há muitos anos e que criaram uma identidade com a terra, pois nasceram e cresceram na localidade. Na figura 07 temos a comunidade Betúlia na parte superior esquerda e Cajarana no centro. 32 Figura 07- Localização das comunidades de Betúlia e Cajarana Fonte: Google Earth As principais atividade desenvolvidas nas comunidades são a pecuária, agricultura e pesca. A pecuária é desenvolvida principalmente em médias propriedades onde os animais são criados em regime extensivo, consumido pastagem natural e em alguns casos água da barragem e a finalidade do rebanho é o abate para o consumo de carne. A figura 08 apresenta um exemplo de criação de gado nas imediações de Betúlia. Figura 08- Criação de bovinos nas proximidades de Betúlia Fonte: Gomes, 2021. 33 Já a agricultura é feita principalmente de forma extensiva com pouca ou quase nenhuma aplicaçãode tecnologia e geralmente a plantação é feita no período chuvoso para aproveitar as chuvas, pois poucas são as propriedades que usam irrigação. Os cultivos são predominantemente de macaxeira, milho e feijão para venda no mercado local ou alimentação dos moradores, como é vista na foto tirada na comunidade de Cajarana (figura 09). Figura 09- Plantação de feijão em Cajarana Fonte: Gomes, 2021. Por fim, a pesca é feita pelos moradores para consumo e ou venda do pescado dentro das próprias comunidades, o que tem se intensificado com situação econômica do Brasil a partir do ano de 2019 e além dos moradores algumas pessoas têm vindo pescar no lago da barragem de outros municípios e até ou estados próximos como da Paraíba. Outra fonte de renda das comunidades vem das aposentadorias. A maioria dos residentes em Betúlia são idosos já Cajarana tem uma população relativamente mais jovem com mais adultos, porém a presença de aposentados ainda é bem significativa. A seguir serão descritas as duas comunidades. 4.3.1 Betúlia Betúlia é uma pequena comunidade rural as margens do Reservatório Tabatinga com aproximadamente 30 residências dispostas em uma rua sem calcamento, a maioria delas no lado esquerdo. Seu acesso é feito por uma estrada de barro aberta durante a construção do 34 barramento, pois o trajeto anterior foi coberto pelo lago. Como é vista nessa imagem de satélite (figura 10). Figura 10- Comunidade de Betúlia Fonte: Google Earth, 2021. O percurso anterior tinha 4,1 km da entrada até a comunidade, já novo percurso tem 11,8km o que significa um aumento de 7,7 km no percurso dos moradores, como apresentado na figura 11. 35 Figura 11- Mudança do acesso a Betúlia Fonte: Google Earth, 2021. E além do aumento de percurso, como a estrada é de barro, durante o período de chuvas a área fica com muitos atoleiros dificultando o trânsito dos residentes. Outro ponto é que a comunidade não tem iluminação na via de acesso, a foto abaixo mostra um trecho do acesso (figura 12). Figura 12- Foto do novo acesso a comunidade de Betúlia Fonte: Gomes, 2021. A comunidade conta com uma pequena capela, um centro social de reunião e um posto de saúde mostrado na figura 13. Além disso, conta com serviço de coleta de lixo e de 36 transporte escolar para levar as crianças e adolescentes para as escolas na comunidade de Canabrava, Lagoa Seca e Traíras. Figura 13- Foto da igreja, centro social e posto de saúde da comunidade Fonte: Gomes, 2021. 4.3.2 Cajarana A comunidade de Cajarana tem uma rua principal, com sete ruas secundárias interligadas sendo caracterizada por ser uma área de expansão. Seu crescimento foi significativo após a construção da barragem, pois muitos dos moradores que foram desapropriados, devido a inundação das propriedades, foram construir suas novas residências neste local. Como mostram as figuras 14 e 15. 37 Figura 14- Cajarana em junho de 2008 Fonte: Google Earth, 2021. Figura 15- Cajarana em julho de 2021 Fonte: Google Earth, 2021. A comunidade conta com iluminação pública, pequenos comércios, uma igreja católica, duas protestantes, ruas e o acesso com pavimentação o que, junto com a estrutura das casas, mostra que nela os moradores têm uma renda superior a outra comunidade e bem como acesso a mais serviços e infraestrutura, como mostra a figura 16 mostra. 38 Figura 16- Comunidade de Cajarana Fonte: Gomes, 2021. A comunidade não tem escola e prefeitura fornece o transporte para as crianças e adolescentes irem para as escolas em Canabrava e Traíras. O serviço de coleta de lixo ocorre três vezes por semana que, segundo alguns moradores, passa na rua principal, mas não nas ruas secundaria. 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES A percepção é uma ferramenta importante para se avaliar impactos sobre a vida das populações, pois quem melhor para relatar a interferência sofridas no meio ambiente que os residentes da região? E somado a isso também se mostra um dos melhores recursos para o reconhecimento e mitigação desses impactos. As entrevistas aplicadas nas comunidades de Betúlia e Cajarana, totalizaram um número de 35 residentes adultos entrevistados, sendo 12 desses na comunidade de Betúlia totalizando 34% da amostra total e Cajarana com 23 representado um percentual de 66% como mostra o gráfico 01. Essa diferença no percentual ocorre, pois, as comunidades apresentam uma diferença na quantidade de moradores sendo Betúlia com menor residentes e Cajarana em crescimento. 39 Gráfico 01- Total de entrevistados por comunidade Fonte: Fonte: Gomes, 2021. Já a característica por gênero mostrou uma maioria de pessoas que se denominam do sexo feminino sendo 21 das entrevistas ou um percentual de 60% e o de pessoas do gênero masculino foram 14 representando um percentual de 40% como demostrado a seguir no gráfico 2. Gráfico 02- Divisão dos entrevistados por gênero Fonte: Gomes, 2021. Quanto aos tipos de uso da barragem na representação total da amostra foi percebido um equilíbrio com 19 entrevistados, ou 54%, dizendo que não utiliza e inclusive muitos falaram que nunca foram até a barragem desde a sua construção. Já os outros 16 dos 40 moradores falaram que usam, como mostra o gráfico 3, para atividades com destaque para a pesca. Gráfico 03- Uso do reservatório Fonte: Gomes, 2021. Quanto a idade dos entrevistados na amostra total, temos um percentual grande de idoso sendo 15 dos entrevistados o que representa 43%, seguindo pelo percentual maior de adultos representando 51% dos entrevistados e poucos jovens entrevistado no total, só 2 ou percentual de 6%. Com mostra no gráfico 2. Porém vale ressaltar que as comunidades têm uma variação que será apresentada melhor separadamente. Gráfico 04- Divisão da amostra por idade Fonte: Gomes, 2021. 41 Outra característica observada foi a escolaridade, muitos dos entrevistados acima de 40 anos tinham somente o ensino fundamental incompleto e alguns nunca chegaram a ir para a escola o que evidencia a falta de permanecia de uma parte considerável da população rural nas escolas durantes as décadas passadas, sendo relatado por eles a necessidade de trabalhar para ajudar a sustentar a família bem como a distância das escolas de seu local de moradia. Uma análise importante que precisar ser feita é expor cada comunidade, pois dentre as informações apresentados na amostra total existem peculiaridades para cada uma das duas localidades que são relevantes para os resultados da pesquisa. No caso de Betúlia, 5 dos entrevistados se identificaram do gênero masculino e 7 do gênero feminino como mostra o gráfico 5. Já quanto a se residiam ou não no lugar durante a construção da barragem 8 dos mesmos disseram que moraram lá desde o seu nascimento, e 4 falaram que não, com mostra o gráfico 6, sendo necessário falar que três apresentaram a ressalva de que saíram da comunidade por um período e posteriormente retornaram. Gráfico 05- Divisão por gênero em Betúlia Fonte: Gomes, 2021. 42 Gráfico 06- Se residiam em Betúlia durante a construção da barragem Fonte: Gomes, 2021. Sobre os tipos de uso que os moradores faziam do reservatório, 8 dos moradores disseram que não fazem uso do reservatório e que tem pouco um nenhum contato no dia a dia. Outros 3, disseram que fazem pesca ocasional para consumo família e só um dos entrevistados disse que usa o reservatório para lazer, como apresenta o gráfico 7. Gráfico 07- Tipos de uso do reservatório Fonte: Gomes, 2021. Quanto a escolaridade, gráfico 8, os moradores de Betúlia tem uma escolaridade baixa com 6 dos entrevistados com ensino fundamental incompleto representado 50% da amostra feita na comunidade, 2com ensino fundamental completo e 2 com ensino médio completo cada um representado 17%, por fim 1 graduado e 1 pós-graduado com percentual de 8% cada. 43 Gráfico 08- Escolaridade dos residentes em Betúlia Fonte: Gomes, 2021. A comunidade de Cajarana apresenta uma dinâmica um pouco diferente da de Betúlia em alguns aspectos. Na divisão dos entrevistados por gênero, gráfico 9, a amostra tem, assim como em Betúlia, um percentual maior de pessoas que se denominam do sexo feminino sendo 61% ou 14 moradoras e do sexo masculino 39% num total de 9 moradores. Essa disparidade maior ocorreu, pois, em algumas das residências os moradores não se sentiram seguros em falar e chamavam suas esposas para responder a entrevista. Gráfico 09- Total de entrevistados por gênero em Cajarana Fonte: Gomes, 2021. 44 Quando indagados se residiam no local durante a construção do reservatório, gráfico 10, 9 entrevistados ou 39% responderam que sim e que viviam desde que nasceram ou foram muito pequenos, outros 39% disseram que não residiam e que se mudaram após a construção e 5 moradores ou 22% dos entrevistados falaram que foram residentes das áreas desapropriadas e com a indenização foram construir suas novas residências na Comunidade de Cajarana o que pode explicar em parte o crescimento da comunidade após a construção do reservatório. Gráfico 10- Se residiam em Cajarana durante a construção do reservatório Fonte: Gomes, 2021. Quanto aos tipos de uso, representado no gráfico 11, dos entrevistados 11 ou 48% dos residentes de Cajarana disseram que não usam o reservatório, 22% falaram que o utilizam para pesca, 17% falaram que consomem o peixe do reservatório por meio de compra, 9% usam para o lazer e 4% usam para a dessedentação do seu pequeno rebanho de gado. 45 Gráfico 11- Tipos de uso reservatório Fonte: Gomes, 2021. A escolaridade dos residentes da comunidade, gráfico 12, é baixa com 57% dos entrevistados que não concluíram o ensino fundamental, 22% tem o ensino médio completo, 13% nunca chegaram a ir para a escola, 4% tem o ensino fundamental completo e o mesmo percentual de 4% com ensino médio completo. Gráfico 12- Escolaridade dos moradores de Cajarana Fonte: Gomes, 2021. Quando perguntados sobre as transformações da paisagem muitos dos moradores de Cajarana não souberam responder ou disseram que não mudou nada o que pode ser justificado 46 pelo distanciamento da comunidade de reservatório e pelo percentual alto de residentes que dizem não usar. Mais alguns moradores explicitaram que a mudança da está ligada a presença de água na paisagem: “Ficou mais bonito e virou ponto de referência” (Cajarana, feminino, 30 anos); “Mudou e ficou mais bonita por causa da água” (Cajarana, feminino, 68 anos); “Ficou mais bonito pela água” (Cajarana, feminino, 23 anos); “Mudou pouco, pois era mais bonito no início” (Cajarana, feminino, 70 anos); Já em Betúlia mais moradores relataram que a paisagem mudou mais também ligada a presença da água do reservatório “Mudou muito, pois hoje tem bastante água” (Betúlia, feminino, 68 anos); “Mudou a presença de água na seca” (Betúlia, feminino, 62 anos); “Sim mudou, pois a paisagem ficou bonita” (Betúlia, masculino, 46 anos); Quando perguntados se as comunidades tiveram ganhos com a barragem foram apresentados muitos pontos de vista diversos. Uma parte relatou que o benefício foi para os pescadores e as pessoas de fora que vem pescar o que mostra que a maioria dos morados não se consideram como beneficiários do reservatório: “Não teve melhora para a comunidade, só para os ribeirinhos.” (Cajarana, masculino, 54 anos); “Boa para a alimentação das pessoas de fora” (Betúlia, masculino, 46 anos); “Teve benefício para as pessoas de fora que vendem o peixe.” “(Betúlia, feminino, 46 anos); “Para a pesca para a comunidade e de outros lugares” (Cajarana, masculino, 55 anos); Outra parte dos entrevistados disseram que é muito importante no sustento das famílias carentes que moram na região e que com a inflação dos últimos anos cada vez mais pessoas tem utilizado pesca no reservatório como forte de alimentação de venda para suprir as necessidades da família. Quando perguntados sobre os efeitos negativos a comunidade os entrevistados de Betúlia apontaram o novo acesso a comunidade como um problema, pois aumentou a distância e que durante os períodos de chuva, por ser uma estrada de barro cria muitos pontos de atoleiros dificultando o acesso dos mesmos. “Acesso a ficou muito ruim” (Betúlia, feminino, 60 anos); “Ficou muito longe para ir a cidade” (Betúlia, feminino, 66 anos); “A estrada ficou ruim e longe e a comunidade ficou sem transporte.” (Betúlia, masculino, 46 anos); 47 Outro ponto visto como negativo foi a saída de muitos moradores das regiões próximas a comunidade que, somado a novo acesso mais distante, inviabilizou uma linha de transportes que os levavam para o centro da cidade fazendo com que os moradores que não tenham veículos tenham dificuldade de conseguir um transporte e tendo que pagar muito caro para se locomover. Já em Cajarana alguns entrevistados, o que inclui os realocados, percebem a realocação dos moradores como algo positivo, pois segundo eles muitas das casas nas propriedades antigas eram ruins e com as indenizações eles puderam construir moradias com melhor estrutura dando mais segurança e conforto para esses moradores. Em Cajarana a maioria dos entrevistados disseram não ter impactos negativos para a comunidade, mas alguns relataram estranhamento pela presença de pessoas de fora principalmente na segurança das comunidades como um ponto negativo do reservatório demostrando preocupação com as pessoas que passam pela comunidade para pescar todos os dias. “Atrai muitas pessoas que os moradores não conhecem.” (Cajarana, feminino, 30 anos); “Vem muitas pessoas de fora que assusta os moradores.” (Cajarana, feminino, 23 anos); Em Cajarana alguns relatos de que os moradores tinham interesse em utilizar o reservatório para a agricultura e descendentação de animais, porém são impedidos por grandes proprietários da região com alguns relatando que os maiores beneficiados foram os grandes fazendeiros e não as suas comunidades. Quando perguntados nas duas comunidades se eles percebem alguma alteração no dia a dia a maioria disse que não perceberam efeitos somente um dos moradores de Betúlia que falou sobre a sua dificuldade em chegar no centro da cidade. Já a percepção nas duas comunidades sobre a qualidade da água, alguns disseram não saber informar, outros falaram que não serve para o consumo humano por ser salobra, salgada ou poluída, mas para a agricultura e para a criação de bovinos eles consideram adequada. “A água é suja, pois os pescadores jogão os restos de peixes e usam para suas necessidades.” (Betúlia, feminino, 83 anos); “A água é imprópria pois é usada como banheiro pelos pescadores.” (Betúlia, masculino, 57 anos) “Boa só para plantio e animais” (Cajarana, feminino, 49 anos) Nesse ponto, alguns dos moradores comentaram que a poluição da água seria decorrente das antigas fossas negras cobertas pelo lago e outros atribuíram a culpa da 48 poluição aos pescadores que utilizam o reservatório e não estariam descartando os resíduos de forma adequada, demostrando um certo estranhamento entre os moradores e os pescadores. Por fim os moradores foram indagados sobre o que precisaria ser melhorado nas comunidades, em Betúlia falaram da necessidade de melhorar a qualidade do acesso a comunidade seja fazer o calçamento ou que o maquinário compactasse o solo, outra reinvindicação seria a volta da atividade no posto de saúde que está sem médico segundo os moradores desde o início da pandemia o que faz eles se terem de se deslocar para acomunidade de Canabrava para ter atendimento. Na comunidade de Cajarana, as necessidades da comunidade foram um posto de saúde para que eles não precisem se deslocar para receber atendimento, escola para as crianças que são atendidas em outras comunidades, espaço de lazer para a recreação da população, melhora no abastecimento de água, centro social para as mulheres e os pescadores e policiamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com mais de uma década de construção do Reservatório Tabatinga, podemos afirmar que ele cumpre bem o objetivo pelo qual foi feito: represar as enchentes provocadas pelas cheias cíclicas do Rio Jundiai, porém o centro da cidade, em momentos de precipitação intenção, tem apresentados pontos de alagamento o que demandara outras soluções de drenagem. Na área do entorno do reservatório, os conflitos da população com este continuam a causar problemas para os moradores e a degradação do Rio Jundiaí é evidente não só no local estudado, mas em vários pontos onde a presença de aglomerações como no centro da cidade. A degradação ambiental é visível no recorte aqui estudado, com a presença do lixo, um fator bem marcante na paisagem, sendo necessário a conscientização dos moradores e usuários sobre a destinação correta dos resíduos, bem como, faz-se necessário uma limpeza da área para a retirada desses materiais que já se encontram no local. Outro ponto importante, seria o aprofundamento dos estudos iniciados por Guedes (2015) para fazer uma nova análise sobre a presença dos metais pesados e se eles têm algum impacto a saúde dos moradores que utilizam do reservatório para consumo, até mesmo para garantir que será possível a utilização do reservatório futuramente para irrigação e lazer como a prefeitura da cidade tem cogitado ao longo do último ano. 49 Já nas comunidades, é perceptível que a maioria dos moradores não utilizam o reservatório, embora poderiam se beneficiar da sua proximidade para a agricultura e a pesca como alguns já fazem. Esse tipo de uso poderia melhorar a renda das populações da região e para abastecimento do mercado local. Na comunidade de Betúlia, em decorrência da construção do reservatório os moradores têm sofrido com as condições do novo acesso e a falta de transporte para a realização de suas atividades fora da área em que vivem como saúde, comércio e educação. Fazendo necessário uma análise por parte da prefeitura do município para mitigar essa dificuldade. Em Cajarana, os moradores colocaram como o principal ponto negativo a presença de pessoas de outros locais que passam dentro da comunidade para pescar no reservatório. Causando estranhamento e sensação de insegurança que somado aos arrombamentos das residências fez com que a maioria deles colocassem grades em janelas e portas de suas casas o que mudou de forma marcante a paisagem do que seria a tranquilidade de uma área rural. Para os próprios moradores a solução para esse problema seria a presença de policiamento no local mesmo que em dias alternados. Na percepção dos residentes as comunidades têm muitas demandas a serem sanadas e muitos outros estudos podem ser feitos na área para entender melhor a relação entre a paisagem cultural, materializada a partir do reservatório, e a vida das populações no entorno do Barragem de Tabatinga. REFERENCIAS BRASIL. 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