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Autores: Prof. Bergson de Almeida Peres Prof. Mauro Alexandre Benites Batista Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Fisiologia Aplicada à Atividade Motora Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Professores conteudistas: Bergson de Almeida Peres / Mauro Alexandre Benites Batista Bergson de Almeida Peres Licenciado em Educação Física pela Unimep (1989), possui especialização em Treinamento Esportivo pela EEFEUSP (1990) e em Fisiologia do Exercício pela Unifesp (1991). Em 1996, concluiu seu mestrado pela EEFEUSP em Biodinâmica do Movimento Humano. Atuou como preparador físico da Seleção Brasileira de Basquetebol masculina em 1999 e foi convidado pela equipe de futebol Manchester United (Inglaterra) como preparador físico de 2000 a 2003. É coordenador geral do curso de Educação Física da UNIP. Mauro Alexandre Benites Batista Doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2010). Possui mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2005) e graduação em Licenciatura em Educação Física pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1997). É professor Titular da Universidade Paulista (UNIP) desde 2004, onde leciona as disciplinas Fisiologia Aplicada à Atividade Motora, Metodologia do Treinamento Físico, e Treinamento Personalizado e Musculação. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P437f Peres, Bergson de Almeida. Fisiologia Aplicada à Atividade Motora. / Bergson de Almeida, Peres, Mauro Alexandre Benites Batista. – São Paulo: Editora Sol, 2017. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-084/17, ISSN 1517-9230. 1. Fisiologia. 2. Atividade motora. 3. Fontes de energia. I.Título. CDU 612 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Fernanda Pereira Rose Castilho Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Sumário Fisiologia Aplicada à Atividade Motora APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 FONTES ENERGÉTICAS ................................................................................................................................... 11 1.1 Fontes de ATP ......................................................................................................................................... 11 2 FONTES ANAERÓBIAS DE ATP: METABOLISMO ANAERÓBIO ......................................................... 12 2.1 Sistema ATP-CP (fosfogênio) ........................................................................................................... 12 2.2 Glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático)............................................................................ 14 3 FONTES AERÓBIAS DE ATP – METABOLISMO AERÓBIO ................................................................... 16 3.1 Glicólise aeróbia .................................................................................................................................... 16 3.2 Ciclo de Krebs ......................................................................................................................................... 17 3.3 Sistema de transporte de elétrons ................................................................................................ 17 3.4 Sistema aeróbio e metabolismo das gorduras ......................................................................... 18 3.5 Energia aeróbia total no músculo ................................................................................................. 18 4 SISTEMAS AERÓBIOS E ANAERÓBIOS DURANTE O REPOUSO E O EXERCÍCIO ....................... 19 4.1 Repouso .................................................................................................................................................... 20 4.2 Exercício ................................................................................................................................................... 20 4.2.1 Exercícios de curta duração ................................................................................................................ 20 4.2.2 Exercícios de longa duração ............................................................................................................... 22 4.3 Interação das fontes enérgicas aeróbias e anaeróbias durante o exercício ................. 23 4.4 Atividade física e perda de gordura corporal ............................................................................ 24 4.5 Hormônios e exercício físico ............................................................................................................ 26 4.5.1 Metabolismo lipídico ............................................................................................................................. 26 4.5.2 Diferenças no metabolismo lipídico entre homens e mulheres .......................................... 27 4.5.3 Metabolismo lipídico e VO2 ................................................................................................................. 28 4.6 Ordem da utilização dos nutrientes ............................................................................................. 29 4.6.1 Quociente respiratório e medição da perda de gordura ......................................................... 30 Unidade II 5 ESTRUTURA E FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO ................................................................................. 34 5.1 O sistema nervoso central ................................................................................................................ 35 5.1.1 Medula espinhal ...................................................................................................................................... 37 5.1.2 Tronco cerebral......................................................................................................................................... 38 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 5.1.3 O cerebelo .................................................................................................................................................. 39 5.1.4 O diencéfalo .............................................................................................................................................. 40 5.1.5 Os hemisférios cerebrais ......................................................................................................................de proteínas corporais quando a disponibilidade de glicose diminui, como no início do jejum. Com a progressão da falta de carboidratos, o organismo passa a produzir significativamente mais corpos cetônicos a partir da degradação dos ácidos graxos provindos da lipólise e estes são utilizados por diferentes tecidos, como o cérebro, que então passam a consumir menos glicose. Dessa forma, como há um relativo menor de glicose, o fígado passa a não produzir tanta glicose a partir de aminoácidos, ou seja, no jejum ou exercício prolongados, as proteínas são “poupadas” em detrimento das gorduras (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). 4.6.1 Quociente respiratório e medição da perda de gordura O Quociente Respiratório (QR) é a relação entre o CO2 produzido e o O2 consumido e varia em resposta aos substratos utilizados como fonte de energia. Como o catabolismo dos carboidratos e lipídios difere no consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono, a razão entre o volume de síntese de dióxido de carbono e o consumo de oxigênio é utilizada para indicar a predominância do carboidrato ou gordura como fonte de energia durante o exercício físico. A oxidação de glicose gera maior produção de CO2 em relação a de lipídios (MARANGON; WELKER, 2008, p. 372). A intensidade do exercício promoverá a oxidação de carboidratos, a qual será elevada nessa situação. Igualmente é possível deduzir que devido ao fato de os carboidratos fornecerem energia em curto espaço de tempo, a produção de CO2, em situação de prática intensa, será maior. Em contrapartida, em exercícios de intensidades moderadas, o organismo utiliza notadamente os lipídios como principal fonte de energia, dado que sua oxidação exige um consumo relativamente alto de O2, gerando pouco CO2. Assim sendo, “o QR apresenta valores próximos de 0,7 no exercício de intensidade moderada, ou mesmo no repouso, o que significa dizer que a produção de dióxido de carbono é menor que o consumo de oxigênio” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). O QR de 0,82 a 0,85 reflete fontes energéticas mistas, ou seja, tanto carboidratos como ácidos graxos são oxidados para obtenção de energia (WOLINSKY, 1996). Para a medição da contribuição das proteínas como substrato energético (catabolismo proteico), pode-se realizar um simples cálculo, onde amostras de urinas coletadas, e a partir da quantidade de nitrogênio excretada, estimam-se a perda de proteínas (MARANGON; WELKER, 2008, p. 372). 31 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Saiba mais Para mais dados sobre hábitos alimentares e atividade física, leia o seguinte artigo: JUZWIAK, C. R.; PASCHOAL, V. C. P.; LOPEZ, F. A. Nutrição e atividade física. Jornal de Pediatria, v. 76, supl. 3, 2000. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2017. Resumo A prática de exercícios físicos requer maior demanda energética do organismo visando à manutenção da atividade muscular. A energia derivada dos nutrientes ingeridos na alimentação tem fundamental importância para o fornecimento de energia química, contribuindo com a preservação do trabalho muscular a partir da geração de adenosina trifosfato (ATP). Dentre os vários sistemas envolvidos no fornecimento energético para a ressíntese de ATP, podemos destacar o papel das reservas de substratos energéticos que, por diferentes vias de fornecimento de energia, contribuem para a constante homeostase energética. A intensidade e/ou duração do exercício físico, bem como o estado inicial das reservas de substratos energéticos e o nível de treinamento do atleta, podem interferir sobre a predominância na ativação de uma ou de outra via metabólica, indicando maior utilização de um determinado substrato energético. Assim, os fosfatos de alta energia, os estoques de glicogênio muscular e hepático, e os lipídios estocados nos adipócitos podem contribuir em maior ou menor magnitude com a geração de energia durante o exercício físico. Atividades realizadas por um longo período de tempo podem apresentar um equilíbrio (steady state) entre a capacidade de geração de energia e a demanda decorrente da atividade muscular. Contudo, nos momentos iniciais do exercício físico em altas intensidades, a ativação das reservas de substratos energéticos torna-se fundamental para o atendimento da maior exigência metabólica. Desta forma, o funcionamento e/ou a ativação destas vias de fornecimento de energia tem como objetivo prover uma quantidade adequada de nutrientes para o desempenho da atividade muscular. 32 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Exercícios Questão 1. (UEL 2003) No gráfico a seguir observa-se a produção de CO2 e ácido lático no músculo de um atleta que está realizando atividade física. T0 T1 Tempo Ácido lático CO2 A B Produção Figura 7 Sobre a variação da produção de CO2 e ácido lático em A e B, analise as seguintes afirmativas: I – A partir de T1 o suprimento de O2 no músculo é insuficiente para as células musculares realizarem respiração aeróbica. II – O CO2 produzido em A é um dos produtos da respiração aeróbica, durante o processo de produção de ATP (trifosfato de adenosina) pelas células musculares. III – Em A as células musculares estão realizando respiração aeróbica e em B um tipo de fermentação. IV – A partir de T1 a produção de ATP pelas células musculares deverá aumentar. Das afirmativas, são corretas: A) Apenas I e II. B) Apenas III e IV. C) Apenas I, II e III. D) Apenas I, II e IV. E) Apenas II, III e IV Resposta correta: alternativa C. 33 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: em T1 está ocorrendo o que chamamos de processo anaeróbico, fermentação, com produção limitada de ATP. Para aumentar a produção de ATP, as mitocôndrias são fundamentais e serão elas que permitirão a maior produção de ATP por ser aeróbica. II – Afirmativa correta. Justificativa: a respiração aeróbica precisa de O2 para produzir energia em forma de ATP e calor e elimina o CO2. III – Afirmativa correta. Justificativa: em A temos como resultado o CO2, portanto, representa uma respiração aeróbica, e em B temos a produção de ácido lático, que ocorre no processo anaeróbico, de fermentação. IV – Afirmativa incorreta. Justificativa: a partir de T1 o processo continuará ocorrendo dentro das mitocôndrias e resultará em maiores ganhos de ATP. Questão 2. (Fatec 2007) Se as células musculares podem obter energia por meio da respiração aeróbica ou da fermentação, quando um atleta desmaia após uma corrida de 1.000 m por falta de oxigenação adequada de seu cérebro, o gás oxigênio que chega aos músculos também não é suficiente para suprir as necessidades respiratórias das fibras musculares, que passam a acumular: A) Glicose. B) Ácido acético. C) Ácido lático. D) Gás carbônico. E) Álcool etílico. Resolução desta questão na plataforma. 34 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Unidade II 5 ESTRUTURA E FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO De maneira simplificada, podemos dizer que a função do sistema nervoso é relacionar o animal com o ambiente em que está inserido. Essa função é cumprida pelo nosso sistema nervoso através da interação existente entre suas duas divisões anatômicas: o sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). Vamos relembrar como são compostos o SNC e o SNP. Como são muitas as estruturas que os compõem, sugerimos que essa descrição seja acompanhada da observação das figuras indicadas. Então, vamos iniciar pelo sistema nervoso central, que é constituído pelo encéfalo e pela medulaespinhal. O encéfalo é o conjunto de todos os elementos que ficam localizados dentro da caixa craniana, e a medula é uma estrutura prolongada que se projeta para fora dela, por dentro do forame vertebral (canal formado pela junção das vértebras espinhais sobrepostas). Em razão do encéfalo ficar localizado dentro do crânio, muita gente faz confusão, achando que apenas o encéfalo faz parte do SNC. Elas estão enganadas! Observação Em uma vértebra típica, o forame vertebral é a abertura formada pelo segmento anterior do corpo da vértebra e a parte posterior, o arco da vértebra. O forame vertebral começa na vértebra cervical 1 (C1) e continua até a porção inferior da vértebra lombar 5 (L5). 35 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Lobo parietal Prosencéfalo Mesencéfalo Rombencéfalo Lobo occipital Cervical Torácica Lombar Sacra Sulco central Giro pós-central Giro pré-cerebral Gânglios da base Lobo frontal 7. Hemisférios cerebrais Lobo temporal 6. Diencéfalo Tronco cerebral 5. Mesencéfalo 4. Cerebelo 3. Ponte 2. Bulbo 1. Medula espinhal Figura 8 – O sistema nervoso central Vamos detalhar mais um pouco as diferentes divisões do sistema nervoso. Isso nos ajudará a não fazer confusões com os vários termos que utilizaremos mais adiante e a entender como o sistema nervoso consegue gerenciar tantas funções ao mesmo tempo. Vamos continuar por esse sistema. 5.1 O sistema nervoso central Já sabemos que o sistema nervoso central é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. Porém, é necessário esclarecer que, ao todo, são pelo menos sete as estruturas que subdividem o SNC. São elas: • a medula espinhal; • o bulbo; 36 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II • a ponte; • o mesencéfalo; • o cerebelo; • o diencéfalo; e • os hemisférios cerebrais. Ou seja, o que, de maneira simplificada, nos referimos por encéfalo trata-se, na realidade, de uma composição de seis estruturas numeradas de dois a sete. Uma curiosidade sobre essas estruturas é que cada uma delas tem simetria bilateral. O que isso significa? Significa que, se dividirmos essas estruturas no plano sagital (cortando-as em metades direita e esquerda), ambos os lados resultantes dessa divisão serão iguais. No entanto, isso não quer dizer que cada uma das partes realiza exatamente as mesmas funções, como poderemos compreender mais adiante. Algumas das estruturas que compõem o encéfalo estão associadas anatômica e/ou funcionalmente, por isso os anatomistas algumas vezes se referem a elas por um termo que as agrupa. Por exemplo, os hemisférios cerebrais direito e esquerdo são denominados conjuntamente como telencéfalo, enquanto o tálamo e o hipotálamo formam o diencéfalo. Por sua vez, quando usamos a palavra cérebro, estamos nos referindo ao telencéfalo e ao diencéfalo unidos. Interessante, não é mesmo? Normalmente chamamos tudo que está dentro da caixa craniana de cérebro, mas agora você já sabe que não é exatamente isso. A junção do bulbo, da ponte e do mesencéfalo forma o tronco encefálico. Se quisermos simplificar, podemos dizer que o encéfalo é formado pelo cérebro, pelo tronco encefálico e pelo cerebelo. Ficou perdido na explicação? Procure reler o parágrafo anterior, enquanto vai identificando essas estruturas na esquematização a seguir. Você deve começar a observação da figura da esquerda para a direita, e de cima para baixo. Ao mesmo tempo, identifique as estruturas nela. Encéfalo Cérebro Tronco encefálico Ponte Diencéfalo Telencéfalo Hemisférios cerebrais Tálamo Hipotálamo Cerebelo Mesencéfalo Bulbo Figura 9 – Organização hierárquica do encéfalo 37 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Lobo parietal Giro cingulado Corpo caloso Cerebelo Medula espinhal Bulbo Ponte Mesencéfalo Biencéfalo Hipófise Hipotálamo Tálamo Fómix Medula óssea Tecido mole extracraniano Lobo occipital Lobo frontal Figura 10 – Os três componentes do encéfalo e suas subestruturas Agora que conhecemos as estruturas do SNC, nos próximos tópicos vamos falar sobre algumas características desses componentes e sobre suas principais funções. Começaremos de baixo para cima, ou seja, estudando a medula espinhal. 5.1.1 Medula espinhal A medula espinhal é a parte caudal (mais baixa, inferior e afastada da cabeça) do sistema nervoso central. É um prolongamento que se estende desde a base do crânio até a primeira vértebra lombar. A palavra “medula” significa miolo, e indica que está dentro de alguma estrutura. A medula situa-se no interior do canal medular. Mas ela não percorre toda a coluna vertebral: seu limite inferior termina próximo à vértebra L2 (a segunda vértebra lombar). Na parte cranial, a medula faz limite com o bulbo, próximo ao nível do forame magno do osso occipital. No homem em idade adulta a medula chega a ter aproximadamente 45 cm de comprimento, e é um pouco menor nas mulheres, já que normalmente a estatura média delas é menor que a deles. A medula espinhal recebe informações que vêm da pele, dos músculos, das articulações, bem como de órgãos internos, por meio de neurônios sensoriais (mais adiante vamos falar deles). É nela que está o corpo dos neurônios motores que são responsáveis pelos movimentos voluntários (intencionais) e 38 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II reflexos (não intencionais). Portanto, você pode concluir que a medula é um local muito importante para integração da informação sensorial, isto é, conhecimento do que está acontecendo dentro e fora do corpo, o que é essencial para a geração dos movimentos e interação com o ambiente. Em nós humanos, a medula espinhal é composta por 31 pares de nervos espinhais. As raízes dorsal (posterior) e ventral (anterior) se juntam e formam um nervo periférico. A informação que é captada nos músculos, nas vísceras e na pele (informação sensorial) chega até a medula pelo ramo posterior da raiz dorsal. Enquanto o comando para os músculos gerarem tensão (vindo da medula) chega através da raiz ventral. Lembrete A medula faz parte do SNC, mas seus 31 pares de nervos espinhais fazem parte do sistema nervoso periférico. Coluna dorsal Para o tronco encefálico Neurônio do gânglio da raiz dorsal 2 34 1 Figura 11 – Entradas sensoriais e motoras na medula espinhal 5.1.2 Tronco cerebral As três estruturas que falaremos a seguir: o bulbo, a ponte e o mesencéfalo, formam uma porção contínua que é chamada de tronco cerebral ou tronco encefálico. O tronco cerebral fica localizado de forma contínua com relação à extremidade rostral da medula espinhal. Observação O termo rostral significa na região mais anterior ou mais superior, mas ao nos referirmos às regiões do SNC, devemos usar o termo rostral e caudal, em vez de anterior e posterior, respectivamente. Ele recebe informações sensoriais provindas da pele e das articulações da cabeça, do pescoço e da face, bem como contém os neurônios motores que controlam as ações dos músculos da cabeça e do pescoço. O tronco também está relacionado com sentidos especializados como a audição, gustação e o equilíbrio. 39 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Toda as informações sensoriais, além dos comandos motores que chegam e partem do tronco, são transmitidos por meio dos 12 pares de nervos cranianos. Lembra-se deles? Eles fazem parte do sistema nervoso periférico, sobre o qual falaremos mais adiante. 5.1.2.1 O bulbo O bulbo, que também pode ser chamado de medula oblonga, fica localizado logo acima da medula espinhal. Essa estrutura contém vários centros responsáveis pelas funções autonômicas vitais. Sabe o que é isso? São aquelasfunções que precisam acontecer para nos manter vivos, tais como a respiração, digestão, pressão sanguínea e os batimentos cardíacos. Elas são chamadas de autonômicas porque acontecem independentemente do nosso controle consciente. 5.1.2.2 A ponte A ponte está disposta de modo rostral ao bulbo. Ela é uma protuberância que pode ser notada na parte anterior do tronco cerebral. A ponte contém uma grande quantidade de neurônios que retransmitem as informações dos hemisférios cerebrais ao cerebelo. Por isso recebe o nome de ponte, porque faz a comunicação entre duas importantes estruturas do sistema nervoso central: os hemisférios cerebrais e o cerebelo. 5.1.2.3 O mesencéfalo O mesencéfalo é o menor componente entre as estruturas que compõem o tronco cerebral e está situado de modo rostral à ponte. É responsável por controlar muitas funções sensoriais e motoras, entre elas os movimentos dos olhos e os reflexos visuais e auditivos. Não obstante, algumas regiões do mesencéfalo também participam do controle motor dos músculos esqueléticos. 5.1.3 O cerebelo Em latim, a palavra cerebelo significa “pequeno cérebro”. Ele tem localização caudal em relação à ponte e ao bulbo, e se projeta em direção à nuca. Anatomicamente, é a estrutura neural com maior densidade de neurônios; apesar de ter apenas 10% do volume do encéfalo, contém 50% do total de neurônios. Além de conter cerca da metade dos neurônios do encéfalo, o cerebelo tem um padrão de organização que se assemelha àquele do córtex cerebral. Funcionalmente, o cerebelo participa de funções motoras, sensoriais, atencionais e cognitivas. Para isso, tem conexões diretas e indiretas com praticamente todo o sistema nervoso central. O cerebelo recebe entradas de neurônios sensoriais vindas da medula espinhal, entradas de neurônios motores provindas do córtex cerebral, e entradas de neurônios derivadas dos órgãos vestibulares, que captam informações sobre o equilíbrio corporal. O cerebelo integra todas essas informações para coordenar a atividade de diferentes grupos musculares durante o movimento. Aliás, as funções cerebelares mais importantes são as motoras, por exemplo, no controle postural, no tônus muscular (contração basal dos músculos), na realização de movimentos com precisão e delicadeza, na realização de movimentos com alto grau de complexidade, na aprendizagem motora e na correção de erros de movimentos. 40 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II 5.1.4 O diencéfalo O diencéfalo está localizado de modo rostral ao mesencéfalo e é composto por duas estruturas: o hipotálamo e o tálamo. O hipotálamo fica sob o tálamo. É constituído por neurônios no sentido clássico, bem como por neurônios que exercem suas funções por intermédio de hormônios. Tem importante função no controle das funções autonômicas, endócrinas e viscerais. O tálamo, por usa vez, processa a maior parte das informações que chega ao córtex cerebral, oriunda das demais partes do sistema nervoso. Além dessas funções, é responsável pela regulação da consciência, do sono e do estado de alerta. 5.1.5 Os hemisférios cerebrais Os hemisférios cerebrais são formados pelo córtex cerebral e três estruturas situadas em sua profundidade: os gânglios da base, o hipocampo e o núcleo amigdaloide. Dentre eles, os gânglios da base são as estruturas que participam da regulação do desempenho motor, enquanto o hipocampo participa de diversos aspectos do armazenamento de memórias; já o núcleo amigdaloide coordena as respostas autonômicas e endócrinas, em conjunto com os estados emocionais. Os hemisférios cerebrais direito e esquerdo são unidos por feixes de fibras (tratos) denominados corpo caloso, que permite a comunicação entre eles. Sobre os dois hemisférios, posiciona-se a camada enrugada do córtex cerebral, que é dividida em quatro lobos: o frontal, o parietal, o temporal e o occipital. Os lobos realizam funções gerais distintas. O lobo frontal é responsável pelo intelecto e pelo controle motor; o lobo temporal pelo estímulo auditivo e sua interpretação; o lobo parietal pelo estímulo sensorial geral e sua interpretação; e o lobo occipital pelo estímulo visual e sua interpretação. Os lobos cerebrais são constituídos por circunvoluções, separadas por fissuras, cuja função é aumentar ao máximo a área de superfície do córtex cerebral sem exigir um aumento correspondente do volume cerebral. Lobo frontal Lobo parietal Lobo occipital Lobo temporal Figura 12 – Lobos e sulcos do córtex cerebral 41 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Muitas áreas do córtex cerebral são implicadas com o processamento de informações sensoriais e/ou de comandos motores. Estas áreas são referidas como áreas primárias, secundárias e terciárias (sensoriais ou motoras), dependendo do nível de processamento de informação realizado. Por exemplo, o córtex motor primário (localizado no lobo frontal) medeia movimentos voluntários dos membros e do tronco. Ele é referido como primário porque contém neurônios que se projetam diretamente para a medula espinhal para ativar os neurônios motores somáticos (aqueles responsáveis pela ativação das fibras musculares esqueléticas). 5.2 O sistema nervoso periférico Anatomicamente, o sistema nervoso periférico é constituído pelo grupo de neurônios chamados de gânglios, pelos nervos espinhais e pelas terminações nervosas, que ficam fora do encéfalo e da medula espinhal. Os nervos são compostos por 12 pares cranianos e 31 pares espinhais. O SNC e o SNP são separados anatomicamente, mas são interligados funcionalmente. Isso quer dizer que podemos diferenciar as estruturas que compõem cada um deles, mas que uma divisão (parte) depende e influencia a outra, quando desempenha suas funções. Divisão sensorial (aferente) Divisão motora (eferente) Sistema nervoso autônomo (involuntário) Divisão simpática Divisão parassimpática Sistema nervoso somático (voluntário) Sistema nervoso periférico • Nervos cranianos • Nervos espinhais Sistema nervoso central • Encéfalo • Medula espinhal Figura 13 – O sistema nervoso periférico 42 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II O SNP é subdividido em sistema nervoso somático (SNS) e sistema nervoso autonômico (SNA). O SNS abastece o SNC com informações sensitivas a respeito do que ocorre nos músculos e membros (por exemplo, grau de tensão e de alongamento, velocidade de encurtamento, angulação articular, posicionamento dos segmentos), bem como a respeito do que ocorre no ambiente fora do corpo (sensações térmicas, iluminação, som etc.). Essas informações são fornecidas ao SNC pelos neurônios sensoriais e gânglios cranianos, os quais inervam a pele, os músculos e as articulações. Uma curiosidade a respeito dos neurônios motores somáticos – que inervam os músculos esqueléticos – é que eles têm seus corpos localizados na medula, que faz parte do sistema nervoso central. Ficou confuso? Antes de prosseguirmos, observe o quadro seguinte para organizar todas essas nomenclaturas. Quadro 1 – Relação entre as divisões componentes do sistema nervoso Sistema nervoso Sistema nervoso central Sistema nervoso periférico Encéfalo Medula Gânglios, nervos, terminações nervosas Sistema nervoso autônomo (involuntário) Sistema nervoso somático (voluntário) Hemisférios cerebrais, diencéfalo, mesencéfalo, cerebelo, ponte e bulbo Substâncias cinzenta e branca Simpático Parassimpático Entérico Sensorial Motor O SNA é a parte do SNP que controla o funcionamento das vísceras, dos músculos lisos e das glândulas exócrinas (glândulas sudoríparas, sebáceas, salivares). O SNP é constituído de três subunidades: sistema nervoso simpático, sistema nervoso parassimpático e sistema nervoso entérico. Resumidamente, podemos dizer que o sistema nervoso simpático controla as respostasdo organismo ao estresse; o parassimpático é responsável por controlar os recursos do corpo e por restaurar o equilíbrio do estado de repouso (quadro 2). O entérico, por sua vez, é uma rede de neurônios que controla a musculatura lisa do intestino. Apesar de poder funcionar de maneira independente, suas funções podem ser controladas pelos sistemas simpático e parassimpático. Quadro 2 – Efeitos dos sistemas nervosos simpático e parassimpático sobre vários órgãos Órgão/sistema‑alvo Efeitos simpáticos Efeitos parassimpáticos Miocárdio Aumento da frequência cardíaca e da força de contratilidade do miocárdio Diminui a taxa de contração Coração: vasos coronarianos Vasodilatação Vasoconstrição Pulmões Broncodilatação Broncoconstrição Vasos sanguíneos Aumenta a pressão arterial; vasoconstrição visceral e na pele; vasodilatação nos músculos esqueléticos e cardíaco, durante o exercício. Pequeno ou nenhum efeito Fígado Estimula a liberação da glicose Nenhum efeito 43 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Metabolismo celular Aumento da taxa metabólica Nenhum efeito Tecido adiposo Estimula a lipólise Nenhum efeito Glândulas sudoríparas Aumenta a sudorese Nenhum efeito Glândulas adrenais Estimula secreção de adrenalina e noradrenalina Nenhum efeito Sistema digestivo Diminui a atividade das glândulas e dos músculos; contrai os esfíncteres Aumenta o peristaltismo e a secreção glandular; relaxa os esfíncteres Rins Provoca vasoconstrição; diminui a produção de urina. Nenhum efeito Adaptado de: Wilmore e Costill (2001, p. 70). Lembrete Cérebro não é sinônimo de encéfalo. Cérebro é o mesmo que hemisférios cerebrais, uma parte do encéfalo. O encéfalo é ainda composto pelo tálamo, hipotálamo, cerebelo, mesencéfalo, ponte e bulbo. 6 AS CÉLULAS NEURAIS Existem dois tipos de células no sistema nervoso: as células da glia e os neurônios. Ambas as células, por usa vez, apresentam-se em subtipos, que estão envolvidos em funções distintas. 6.1 As células da glia As células da glia ou gliócitos são células que, junto com os neurônios, constituem o sistema nervoso. Comparadas aos neurônios, elas são menores, tão numerosas quantos eles, mas possuem diferentes formas, e estão associadas a diferentes funções. São responsáveis pela sustentação, proteção e nutrição dos neurônios. Além disso, agem isolando os neurônios uns dos outros, evitando, assim, interferências na condução do impulso nervoso. Elas ainda regulam a composição química dos líquidos intercelulares, removem excretas e fagocitam restos celulares do sistema nervoso. Alguns tipos comuns de células da glia são os astrócitos, as micróglias, os oligodendrócitos, as células de Schwann e as células ependimárias. A figura seguinte ilustra os astrócitos e os oligodendrócitos. 44 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Axônio Núcleo Extremidade interna Axônio Axônio Axônio Oligodendrócito Oligodendrócito na substância branca A. Oligodendrócito 1 2 B. Célula de Schwann C. Astrócito Oligodendrócito perineural Neurônio Neurônio Célula de Schwann Camadas de mielina Nodos de Ranvier Capilar Pé terminal Pé terminal Astrócito fibroso Figura 14 – Células da glia: astrócitos e oligodendrócitos Os astrócitos são as células da glia de maior tamanho. Eles são equipados com um número bem elevado de prolongamentos, que são também muito longos se comparados às outras células da glia. Outra característica que se destaca nos astrócitos é que a disposição dos seus prolongamentos lhe confere um formato de estrela. Essas células realizam o transporte de nutrientes para os neurônios e agem como tecido cicatrizante em áreas danificadas do SNC. Os oligodendrócitos são células da glia bem pequenas quando comparadas aos demais tipos. São bastante semelhantes aos astrócitos, porém menores e com menos prolongamentos. São responsáveis pelo isolamento e proteção dos neurônios, função que realizam produzindo e mantendo a mielina de neurônios do SNC. As células de Schwann também são responsáveis pela produção da mielina, porém em neurônios do SNP. Ela envolve um segmento do axônio, enrolando-se em volta deste e em torno de si mesma, adquirindo aspecto de “fatia de cebola”. O corpo e as organelas celulares ficam restritos à periferia da célula. Essa bainha de mielina isola eletricamente os neurônios, evitando a interferência da atividade elétrica de um neurônio em outro neurônio vizinho. Além disso, esse isolamento restrito a algumas regiões do axônio faz com que a propagação de impulsos nervosos seja realizada em velocidade mais elevada em comparação à velocidade de propagação em axônios não mielinizados. As micróglias também são células da glia bastante pequenas, que apresentam corpo celular alongado e prolongamentos com espículas. Elas possuem alto poder fagocitário, representando uma variedade de macrófagos que atuam na defesa do sistema nervoso. Fagocitam corpos estranhos e restos celulares, atuando, portanto, na proteção e manutenção do sistema nervoso central. As células ependimárias têm forma de cubo ou coluna que constituem a neuroglia epitelial. Apresentam um arranjo epitelial, revestindo as cavidades do encéfalo e da medula espinhal e são responsáveis pela produção do liquor. 45 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 6.2 O neurônio O neurônio é a célula neural responsável pela geração e propagação de informação. Essa célula produz impulsos elétricos que são transmitidos de um neurônio para outro como se fossem fios elétricos interligados. Graças a essa propriedade dos neurônios, o sistema nervoso pode coletar informações do meio ambiente (sensações térmicas, iluminação, sons, gostos, cheiros etc.), bem como de órgãos e vísceras, as quais são utilizadas para interagir com o mundo exterior e se ajustar a ele. Os comandos enviados pelo sistema nervoso para os órgãos e sistemas, para ajustar o organismo às condições do ambiente, também são realizados por impulsos enviados pelos neurônios. Para entendermos como esses sinais acontecem e como são transmitidos de célula para célula, precisamos nos familiarizar com a estrutura do neurônio, conhecer seus diferentes tipos e algumas particularidades de suas estruturas. 6.2.1 Estrutura do neurônio Vamos começar enfatizando que o neurônio é uma célula, portanto, assim como qualquer outra de nosso organismo, contém membrana, organelas, citoplasma e núcleo. Cada célula do nosso organismo é especializada para desempenhar determinadas funções, conforme os órgãos e sistemas que compõem. Os neurônios são as células capazes de se comunicar com outras células e órgãos, e fazem isso por intermédio de sinais elétricos que chamamos informalmente de impulsos nervosos, ou, da maneira que seria mais adequada, de potenciais de ação (PA). O PA funciona como uma espécie de código, portanto, ele precisa ser decifrado por regiões específicas do sistema nervoso e pelos órgãos efetores que o recebem como ordem proveniente dos centros superiores (encéfalo). Por exemplo, quando estamos num ambiente quente, começamos a suar numa tentativa de resfriar o corpo. A secreção de suor pela glândula sudorípara acontece por ordem do sistema nervoso (o hipotálamo é a estrutura envolvida nessa função). Por sua vez, o SNC modula essa ordem tendo como base as informações que chegam a ele enviadas por receptores sensoriais que monitoram a superfície corporal (veja o esquema a seguir). Já sabemos que a informação “está calor”, bem como a ordem/comando “secrete suor”, são enviados na forma de potenciais de ação. Mas como o sistema nervoso diferencia a informação faz “muito calor” de faz “pouco calor”, e como as glândulas sudoríparas sabem quanto suor devem secretar? Essa parte da informação está relacionada à frequênciados impulsos elétricos emitidos pelos receptores sensoriais e pelo SNC. Os neurônios modulam a frequência dos impulsos emitidos para codificar a informação. Quanto maior a frequência de impulsos, maior a relevância/magnitude da informação. Ou seja, no caso do nosso exemplo, quanto maior a frequência dos PA que chegam ao sistema nervoso a partir da superfície da pele, maior é a temperatura que os receptores térmicos estão aferindo, e quanto maior a frequência de PA que chegam para as glândulas sudoríparas, maior é a quantidade de suor que devem secretar. 46 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Receptores sensoriais (1) → SNC (2) → Órgão efetor (3) • (1) coleta informação do ambiente/órgão internos; • (2) decodifica a informação/gera comando; e • (3) realiza a tarefa. Vários outros processos que ocorrem no nosso organismo, como a aprendizagem, memorização, visão, o movimento etc., dependem da capacidade que os neurônios têm de se comunicarem entre si, bem como de se comunicarem com as células que compõem os órgãos efetores. O conhecimento desse aspecto, além de muitas outras funções do sistema nervoso, teve início, e evoluiu imensamente, a partir dos estudos pioneiros do fisiologista inglês Edgar Douglas Adrian sobre as propriedades do sistema nervoso em nível celular. Um exemplo da evolução desse conhecimento é fornecido por um estudo recente, em que um grupo de pesquisadores brasileiros fez uma série de descobertas interessantes, entre elas de que nosso encéfalo é composto por cerca de 86 bilhões de neurônios, um número inferior aos 100 bilhões antes estimados. Nesse estudo também foi descoberto que os neurônios compõem cerca de 50% das células do encéfalo, e não apenas 10% como pensavam os neurocientistas e, ainda, que o número de neurônios que temos depende do tamanho do crânio. Quanto maior o crânio, mais neurônios ele possui! De acordo com isso, a comparação (também nesse estudo) do cérebro humano com o de um elefante mostrou que temos três vezes menos neurônios que o elefante. Intrigante, não? Porque se o número de neurônios é determinante da nossa capacidade intelectual, então deveríamos ser menos inteligentes que os elefantes, entretanto, nós sabemos que isso não é verdade, pelo menos para a maioria dos humanos e dos elefantes. A explicação para essa questão, que também foi verificada nesse estudo, é que a nossa inteligência não depende do número total de neurônios no encéfalo, mas do número total de neurônios existentes no córtex cerebral, que forma as estruturas superiores responsáveis pelas nossas capacidades de atenção e raciocínio. Nessa região, os elefantes têm menos neurônios que nós, humanos. Naturalmente, sendo tão grande o número de neurônios em nosso encéfalo e estes estando envolvidos em diferentes funções, é de se esperar que os neurônios não sejam todos iguais. Nas seções adiante vamos conhecer os diferentes tipos de neurônios e suas funções. Antes disso, vamos analisar o tipo de neurônio mais comum, pois conhecendo suas características ficará mais fácil conhecermos os demais tipos de neurônios, bem como facilitará nossa compreensão de como eles são capazes de gerar os sinais que usam para se comunicar. 6.2.2 Sinais neurais Em muitos trechos deste livro-texto dissemos que os neurônios são células capazes de produzir e propagar informação através dos impulsos elétricos que geram. Na verdade, os neurônios produzem dois tipos diferentes de sinais: os sinais locais e os propagados. Um sinal local tem a função de estimular ou de inibir o neurônio a disparar um potencial de ação, que é um sinal propagado. 47 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA O conhecimento da anatomia do neurônio e de detalhes de sua estrutura é fundamental para compreendermos como os neurônios geram esses sinais e as diferenças entre eles. Então, antes de nos aprofundarmos no estudo do sinal local e do PA, vamos aprender mais sobre a anatomia dos neurônios. 6.2.2.1 A anatomia do neurônio A figura a seguir é uma representação típica de um neurônio, que usaremos para esse propósito. Dendritos Terminais axônicos Bainha de mielina Axônio Soma Figura 15 – Anatomia de um neurônio típico Vamos começar pelo corpo do neurônio. O formato do corpo do neurônio, que também pode ser chamado de soma, varia conforme o tipo de neurônio, mas em todos os neurônios essa é a região celular que se destaca em razão do seu grande volume. O soma é a região metabólica da célula responsável pela síntese de todas as proteínas neuronais. Ela contém o núcleo e as organelas para a fabricação de ácido ribonucleico (ARN) e proteínas. Em todos os neurônios, essa região é a responsável pela geração dos potenciais de ação, que são gerados mais precisamente num local denominado cone axônico. O cone axônico é a região do corpo, em forma de cone, logo no início do prolongamento maior que parte do corpo (axônio). O cone também pode ser chamado de zona de gatilho, por ser o local onde são gerados os impulsos usados para produzir a comunicação entre células. Além dessas funções, o soma pode ser um espaço de recepção de estímulos oriundos de outras células, embora essa função seja realizada principalmente pelos dendritos. Apesar de desempenhar essas funções tão importantes, o volume do soma representa menos de 10% do volume total da célula. Os dendritos são os prolongamentos menores, mais numerosos e em formato de ramos, como os galhos de uma árvore, que se projetam a partir do corpo do neurônio. Essas ramificações funcionam como antenas receptoras de sinais provenientes de outras células neurais. É comum que os neurônios recebam informações vindas de centenas ou milhares de outras células, por intermédio dos dendritos. Os sinais recebidos neles se propagam pela membrana do neurônio com a finalidade de atingir o cone axônico. Esses sinais são os chamados de sinais locais. 48 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II No cone axônico, os sinais locais são integrados e podem estimular ou inibir a geração de um potencial de ação. Os sinais locais têm amplitude muito pequena que pode variar de apenas 0,1 a 10 mV – o que depende da magnitude do estímulo que o desencadeou. Além de sua amplitude ser baixa, ela decai em razão da distância que percorre na membrana, de maneira que o sinal não pode ser conduzido além de 1 ou 2 mm. Por essa razão, para serem transmitidos por distâncias maiores, os sinais locais precisam ser ampliados, caso contrário, são dissipados e podem não chegar ao cone axônico. A ampliação dos sinais locais acontece pelos mecanismos de somação (sobre o qual trataremos mais adiante). Para que um PA seja gerado, os sinais locais devem chegar no cone axônico com amplitude de 15 mV. Chamamos esse limite mínimo de limiar de excitação. No caso dessa integração ser suficiente para atingir ou ultrapassar o limiar de excitação, o PA gerado se propagará pelo axônio do neurônio até atingir sua extremidade mais distal, onde estão localizados os botões sinápticos. Observação Os sinais provenientes de outras células, recebidos na região dos dendritos, são denominados potenciais locais, em vez de potenciais de ação, pois são diferentes destes últimos. O axônio é o maior prolongamento que parte do corpo do neurônio. O comprimento de um axônio pode variar de alguns poucos milímetros até metros, dependendo da região do sistema nervoso onde a célula se encontra e também de sua função. Os axônios de alguns tipos de neurônios são embainhados por mielina ao longo de grande parte de seu comprimento. A bainha de mielina está enrolada em camadas concêntricas e em intervalos ao longo do axônio – semelhante ao modo que se enrola a fita isolante em um fio elétrico. Alguns trechos do axônio não são revestidos por mielina, formando os chamadosnódulos de Ranvier. A bainha de mielina presente nos neurônios do sistema nervosos central é produzida pelos oligodendrócitos, mas nos neurônios periféricos a mielina é formada pela célula de Schwann. Os potenciais de ação transitam ao longo do axônio, “saltando” de um nódulo de Ranvier para o próximo, o que faz com que a propagação do PA em neurônios mielinizados seja cinquenta vezes mais rápida que em neurônios não mielinizados. Lembrete Quanto mais longo o axônio, maior o corpo celular do neurônio. 49 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Saiba mais Outro fator que determina a velocidade de propagação dos potenciais de ação é o diâmetro do neurônio. A esse respeito, consulte o capítulo 9 da obra Fundamentos da neurociência e do comportamento: KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. Independentemente de seu tamanho, a porção final do axônio forma ramificações para originar centenas de terminações axônicas. Na extremidade de cada terminação há uma estrutura proeminente que é denominada botão axônico. Dentro do botão axônico é armazenada uma substância química que pode ser chamada de substância neurotransmissora ou neurotransmissor. O neurotransmissor funciona como uma espécie de mensageiro, pois é por seu intermédio que a mensagem (potencial de ação) de uma célula é transmitida para outra em comunicações conhecidas como sinapses. Nessas comunicações, um neurônio pode tanto estimular quanto inibir outro neurônio a gerar um potencial de ação. Para que não percamos o sentido, cabe realizar um pequeno resumo sobre o que tratamos nos últimos parágrafos. Um neurônio é uma célula que se comunica com outras células por intermédio de sinais elétricos, chamados de potenciais de ação. Os potencias de ação de uma célula são gerados no cone axônico, e se projetam pelo axônio até atingir os botões axônicos, onde está armazenado o neurotransmissor. O neurotransmissor, por sua vez, é um mensageiro químico que vai transmitir a mensagem enviada por esse neurônio para outro neurônio. Essa transmissão normalmente acontece nos dendritos da célula que recebe a mensagem. A mensagem enviada de um neurônio para outro pode ser que “gere potenciais de ação” ou “não gere potenciais de ação”. Se você conseguiu acompanhar, é possível que esteja se fazendo várias perguntas, tais como: • O que é um potencial de ação? • Como eles são gerados? • Como são propagados para outras células? • Como eles transmitem mensagens? • Como essas mensagens são diferenciadas? Para respondê-las, precisamos nos familiarizar com algumas características dos neurônios que ainda não comentamos. 50 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II 6.2.3 Condições celulares necessárias para a geração dos sinais neurais A primeira característica que precisamos conhecer é o potencial da membrana em repouso (PMR). Esse potencial se refere à diferença de carga elétrica existente entre o interior (citoplasma) e o exterior da membrana (líquido extracelular), a qual se dá quando o neurônio está em repouso. Nesse sentido, é possível concluir que quando o neurônio está em repouso, ele não está transmitindo PA. Nessa condição – em repouso –, o interior da célula tem carga elétrica menor que 70 milivolts (mV) em relação ao seu exterior. Por convenção, estipulou-se dizer que o interior da célula tem carga elétrica negativa se comparada ao exterior. Essa diferença de carga elétrica não é a mesma em todas as células, podendo ser ligeiramente maior em algumas (-80 a -90 mV), ou menor em outras (- 40 a – 60 mV). Outro ponto que merece nossa atenção é que essa diferença de carga é apenas observada nas regiões próximas à membrana, mas ela é anulada se notada nas regiões afastadas da membrana, como ilustra a figura a seguir. BOMBA de Na+/K+ Distribuição igual (meio externo) (citoplasma) Distribuição igual CANAL de K+ CANAL aberto de K+ CANAL de Na+ CANAL de Cl- Figura 16 – Concentração de cargas dentro e fora da membrana Repare que no interior do neurônio, na região bem próxima à membrana, há um acúmulo de carga elétrica negativa, mas do lado externo – também próximo à membrana – há uma concentração de carga elétrica positiva. Diferentemente, nas regiões afastadas da membrana, há uma distribuição equilibrada de cargas positivas e negativas, tanto do lado de dentro quanto de fora da célula. Por essa razão, se usarmos um voltímetro para aferir a carga elétrica dentro e fora da célula, vamos encontrar uma diferença de aproximadamente -70 mV no interior em relação ao exterior, apenas quando posicionamos os terminais nas regiões bem próximas à membrana da célula. No entanto, se afastarmos os terminais da membrana, essa diferença tenderá a desaparecer. 51 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Voltímetro Axônio Neurônio Potencial da membrana em repouso Microeletrodos Figura 17 – Aferição da carga a diferentes distâncias da membrana Quando o neurônio está em repouso (-70 mV) dizemos que a célula está polarizada. Quando o neurônio está ativo (transportando PA) o interior da célula fica aproximadamente 30 mV positivo em relação ao exterior. Nesse caso, dizemos que a célula sofreu uma despolarização. Um PA é uma inversão de polaridade (despolarização) que acontece em determinado trecho da membrana e que percorre toda sua extensão, desde o local de sua geração (normalmente no cone axônico) até o botão sináptico. Ou seja, enquanto o neurônio está em repouso, em toda a extensão da membrana, do seu lado interno, a carga elétrica é -70 mV. Porém, durante a geração de um potencial de ação, o interior fica positivo em um pequeno trecho (+30 mV), caracterizando uma inversão de polaridade. A representação disso pode ser observada no gráfico a seguir. 30 0 -55 -70 -90 1 Tempo (ms) Limiar de excitação Figura 18 – Variação da carga no citoplasma durante um potencial de ação 52 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Essa inversão dura apenas 1 milissegundo (para que se tenha noção de quão rápido é, basta dividir 1 segundo por mil, em seguida pense em algo que se consegue realizar nesse tempo). Após essa inversão, o trecho que sofre despolarização volta a ficar polarizado (negativo em 70 mV), e o trecho seguinte passa a ser despolarizado. Essa inversão momentânea de polaridade (PA) e a regeneração do potencial de repouso (repolarização) acontecem sucessivamente no sentido do corpo do neurônio em direção aos botões sinápticos. Neurônio em repouso Neurônio ativo Neurônio ativo Neurônio ativo PA PA PAEstímulo Estímulo Estímulo Figura 19 – Propagação do potencial de ação 53 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Essa é a forma que o PA se propaga ao longo do neurônio para fazer a informação chegar a outras células. É possível que agora o conceito de PA tenha sido compreendido e que possamos avançar. No entanto, antes de começarmos a tratar de outro assunto, vale ressaltar o fato de que o PA é uma inversão de polaridade, portanto, ele só pode acontecer porque, quando a célula está em repouso, encontra-se polarizada (a carga no seu interior é -70 mV). Ou seja, o PMR é a condição fundamental para a geração de PA. Lembre-se disso! Lembrete O potencial de ação sempre percorre a membrana do neurônio no mesmo sentido, partindo do cone axônico em direção ao botão sináptico, nunca no sentido contrário. Sendo o PMR tão importante, isso nos leva a questionar: “por que existe essa diferença de cargas dentro e fora da célula, e por que ela se modifica durante um PA?”.Respondendo de maneira direta a primeira parte da pergunta, o que produz PMR são dois fatores: • A diferença de concentração de íons do lado de dentro em relação ao lado de fora do neurônio. • A alta permeabilidade da membrana apenas ao potássio (K+). 6.2.3.1 Concentração de íons dentro e fora da célula Diferentes tipos de íons são encontrados tanto no interior como no exterior da célula. O sódio (Na+), o potássio (K+) e o cloreto (Cl-) são encontrados tanto no citoplasma (líquido que preenche o interior da célula) quanto na solução corporal que banha a célula externamente. No entanto, as concentrações desses íons são diferentes em cada lado. Quando o neurônio está em repouso, o citoplasma celular possui uma alta concentração de K+ e aníons orgânicos (A-), enquanto fora da célula há uma alta concentração de Na+ e Cl-. Além desses íons, o citoplasma está cheio de A-, que são aminoácidos e proteínas que não atravessam a membrana, portanto, são encontrados apenas no citoplasma. 54 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Canal de K+ Canal de Na+ Canal de Cl- Canal aberto de K+ BOMBA de Na+/K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ Na+ Na+ Na+ Na+ Na+ Na+ Na+ Na+ Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- A- (meio externo) (citoplasma) membrana A- A- A-A-A- K+ K+ K+ K+ Figura 20 – Concentração iônica dentro e fora da célula neural em repouso Na membrana celular existem canais pelos quais os íons podem atravessar para atingir o lado oposto. No entanto, isso não acontece a qualquer momento, porque esses canais permanecem fechados enquanto o neurônio não é estimulado (está em repouso). Cada íon tem um canal específico pelo qual pode atravessar a membrana. Ou seja, se os canais iônicos permanecem fechados, o íon fica do lado que está. Quando o neurônio está em repouso, os canais de K+, Na+ e Cl- permanecem fechados, assim a diferença na concentração de íons é mantida em cada lado. Portanto, esses canais são fundamentais para manutenção do PMR. Uma exceção a isso se dá em relação ao K+, que, além dos canais regulados, que precisam ser abertos para sua passagem, possui também canais na membrana que estão abertos constantemente, os chamados canais livres. Por isso, o K+ é o único íon que pode atravessar a membrana enquanto o neurônio está em repouso. É por essa razão que dizemos que a membrana tem permeabilidade seletiva ao K+. Saiba mais Um canal iônico é uma proteína que atravessa a membrana. Para saber mais sobre esse assunto, leia o capítulo 7, “Canais iônicos”, da obra Fundamentos da neurociência e do comportamento: KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 6.2.4 Força do gradiente de concentração Reflita e tente responder à seguinte questão: para qual lado da membrana o K+ se movimenta? São os íons K+ que estão fora da célula que entram pelos canais livres (abertos), ou são os íons K+ que estão dentro (no citoplasma) que saem por eles? Pois bem, são os íons K+ que estão no citoplasma que saem. Por quê? Porque uma força os impulsiona para fora. Essa força é conhecida como força do gradiente 55 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA de concentração (FGC). A FGC tem uma direção: ela empurra o íon para o lado oposto da membrana onde ele está mais concentrado. Então, se o íon está mais concentrado dentro, como é o caso do K+, a FGC vai empurrá-lo para fora. E nos casos dos íons que estão mais concentrados do lado de fora, como são os casos do Na+ e do Cl-, a FGC vai empurrá-los para dentro. Mas se o K+ pode atravessar a membrana livremente pelos canais abertos, por que os dois lados não ficam com a mesma concentração? Isso não acontece porque os íons K+ que saem da célula são enviados de volta para dentro por uma proteína que fica na membrana. Em razão da sua função, essa proteína é chamada de bomba de sódio e potássio. Isso mesmo, assim como você deve ter intuído, ela também bombeia os íons Na+ para fora, quando eles entram na célula. Quando isso acontece? Vamos estudar isso adiante, por enquanto, podemos adiantar que isso é possível apenas se algum estímulo promover a abertura dos canais de Na+. A princípio, analisaremos um pouco mais sobre a saída do K+ da célula. Essa saída tem consequências importantes para a criação do PMR e para a geração do PA. Para você entendê-las, vamos nos atentar para o fato de que o K+ tem carga elétrica positiva (percebeu o sinal “+” na frente do K?). Lembra-se que cargas elétricas iguais se repelem, mas que cargas diferentes se atraem? Ou seja, carga negativa repele carga negativa, da mesma forma acontece entre cargas positivas. No entanto, carga positiva atrai carga negativa. Pois então, quando o K+ (que tem carga positiva) sai da célula, ele arrasta atrás de si uma nuvem de íons com cargas elétricas negativas. Como esses íons (negativos) não conseguem atravessar a membrana, ficam depositados bem próximos a ela, do lado interno. Por sua vez, isso provoca a atração e o acúmulo de íons com cargas elétricas positivas no lado de fora da membrana, também bem próximo a ela. O resultado é o acúmulo de cargas diferentes em ambos os lados da membrana, que resulta no PMR. Perceba que a diferença na concentração de um tipo de íon dentro e fora da célula cria a FGC. A maior concentração de K+ dentro da célula gera a força que o impulsiona para fora da célula. O movimento livre deste elemento para fora produz as diferenças de cargas no interior e exterior da membrana, o que cria o PRM (carga de -70 mV no interior do neurônio em repouso). 6.2.5 Força da carga elétrica Além da força do gradiente de concentração, existe uma outra força que atua sobre os íons e determina a velocidade e o sentido (para dentro ou para fora) que eles se deslocam através da membrana celular. Estamos nos referindo à força da carga elétrica (FCE). Em alguns parágrafos precedentes relembramos que cargas iguais se repelem e que cargas diferentes se atraem. Pois bem, atente para o fato que o interior celular tem predominância de carga negativa e o exterior, de cargas positivas quando o neurônio está em repouso. Então, íons com carga elétrica negativa (Cl-) são impelidos para fora pela FCE, enquanto íons com carga elétrica positiva são atraídos para dentro (K+ e Na+) por ação da mesma força. Agora vamos refletir o que acontece particularmente no caso do íon K+, que tem carga elétrica positiva. A FCE empurra o K+ para dentro da célula, porque no interior dela predominam cargas negativas. Simultaneamente, a FGC o empurra para fora, porque esse íon está mais concentrado no citoplasma. 56 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Ou seja, no caso do K+, uma força atua contra a outra, como os membros de equipes oponentes em uma brincadeira de cabo de guerra. FORA K+ ← (FGC) | (FCE) → K+ DENTRO Lembremos que quando a célula está em repouso, o K+ sai da célula pelos canais abertos. Se essas forças agem uma contra a outra e ainda assim o K+ sai da célula, isso significa que a FGC (que o impele para fora) é maior que a FCE (que o atrai para o interior). Se pensamos na analogia do cabo de guerra, nessa brincadeira a corda corre para o lado de quem tem mais força, não é? As magnitudes da força elétrica e da força do gradiente de concentração variam conforme varia a concentração dos íons de cada lado da membrana. Continuando a usar o K+ como exemplo, isso significa que se a concentração desse íon em ambos os lados for modificada, isso terá um reflexo na velocidade de deslocamento do íon através da membrana, ou pode mudar o sentido de seu deslocamento. Para melhor compreensão, formulemos outro exemplo: imagine uma situação que provocasse a saída contínua de K+ da célula. Isso faria com que a FGC, que empurra o K+para fora, diminuísse progressivamente, porque sua concentração no interior iria diminuir. Então, à medida que o potássio saísse, a velocidade de sua saída reduziria. A diminuição continuada da concentração do K+, decorrente de sua saída, iria fazer com que, num determinado momento, a FGC ficasse igual a FCE, e com isso, a saída de potássio fosse interrompida. Nós usamos como exemplo o K+ para descrever as ações combinadas da FGC e da FCE sobre os íons. Obviamente (e você já deve ter imaginado) que o efeito dessas forças sobre o Na+ e sobre o Cl- tem consequências diferentes, porque o Cl- tem carga elétrica diferente do K+ e está mais concentrado fora da célula, o mesmo ocorre no caso do Na+, pois também está mais concentrado fora da célula. Portanto, a FGC e a FCE podem modificar a maneira como os íons se deslocam através da membrana. E isso tem grande importância quando a célula está em repouso (para manter o PMR), mas também tem grande relevância durante a geração de um PA. Até aqui falamos da movimentação do K+ através dos canais abertos (canais livres). No próximo tópico vamos tratar da movimentação dos íons pelos canais regulados. 6.2.5.1 Abertura dos canais regulados Além da passagem do K+ pelos canais livres, o próprio K+, bem como os demais íons, podem atravessar a membrana quando os chamados canais regulados (que estão constantemente fechados) são abertos. A abertura dos canais regulados se dá pela ação de um agente químico (um neurotransmissor) ou físico (pressão, alongamento, temperatura etc.). Quando isso acontece, a concentração de íons dentro e fora da célula se modifica, podendo deixar o interior da célula mais negativo, menos negativo, ou até positivo. Vamos analisar o que precisa acontecer para que essas modificações sejam realizadas. 57 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Já sabemos que o K+ tende a sair da célula através dos canais abertos enquanto a célula está em repouso. Portanto, se os canais regulados de K+ forem abertos, uma quantidade muito maior desse íon deixará a célula. Nesse caso, a bomba de Na+/K+ (leia-se: bomba de sódio e potássio) não conseguirá compensar a saída do K+. Como consequência, a saída em massa do K+ modificará a carga elétrica interna da membrana. Como o K+ tem carga elétrica positiva, sua saída tornará o citoplasma, que tem carga elétrica de -70 mV (quando está em repouso), ainda mais negativo. Por exemplo, a saída de uma determinada quantidade de K+ poderia tornar o citoplasma negativo em mais 10 mV, ou seja, tornando sua carga -80 mV. Quando isso acontece, dizemos que a célula sofreu uma hiperpolarização. Agora vamos analisar o caso do Cl-. Ao contrário do K+, esse íon tem carga elétrica negativa e está mais concentrado fora da célula (quando o neurônio está em repouso). Quando os canais de Cl- são abertos, ele entra na célula. Porém, sua velocidade de entrada não é muito grande, porque a força elétrica empurra esse íon para fora. Ou seja, assim como acontece com o K+, as FGC e FCE agem em sentidos opostos, evitando que o Cl- se desloque com grande velocidade para o lado oposto da membrana onde se encontra (para o citoplasma). Consequentemente, a entrada do Cl- na célula não provocará uma alteração muito grande na carga interna da membrana, mas, tal como acontece com a saída do K+, permitirá a entrada desse íon em quantidades suficientes para tornar o citoplasma mais negativo (já que o Cl- tem carga negativa). Ou seja, a abertura de canais de K+ ou de canais de Cl- provocam a hiperpolarização da membrana (tornam o interior da célula mais negativo). Faltou analisarmos o que acontece no caso da abertura de canais de Na+. A abertura dos canais de Na+ é muito interessante, porque tem algumas particularidades em relação à abertura do demais canais que analisamos. Observe: o Na+ tem carga elétrica positiva e está mais concentrado fora da célula. Portanto, a FGC do Na+ o impele para dentro e a FCE no interior da membrana o atrai. Ou seja, diferente do que acontece com o K+ e com o Cl-, a duas forças agem a favor do sódio, agindo no mesmo sentido, empurrando o Na+ para dentro da célula! Uma pequena entrada de Na+ na célula torna o citoplasma celular menos negativo. Quando isso ocorre, dizemos que a célula sofreu uma despolarização. Por exemplo, a entrada de uma pequena quantidade de Na+ pode despolarizar a célula em 10 mV, o que faria com que a carga no interior da célula passasse de -70 mV para -60 mV (repare que a consequência é oposta à da abertura dos canais de K+ e Cl-). Agora vamos refletir juntos: e se a abertura dos canais de Na+ for mantida por um grande período, o que ocorrerá? Pois bem, se isso acontecer, a entrada de Na+ na célula será tão grande que esta ficará inundada com carga positiva. Consequentemente, isso provocará uma inversão na carga interna da célula. Ou seja, é a entrada do Na+ na célula que causa o potencial de ação (PA). Um PA é uma despolarização suficiente para tornar a carga elétrica do citoplasma positiva. Ele acontece apenas quando são abertos canais de Na+. Mas perceba que nem sempre a abertura de canais desse elemento provoca um PA. A geração de um PA depende da quantidade de Na+ que entra na célula, o que, por sua vez, depende do tempo que esses canais ficam abertos. Uma abertura breve permite a entrada de uma 58 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II pequena quantidade de sódio, que pode ser insuficiente para tornar a carga do citoplasma positiva, porém a tornará menos negativa, por exemplo, modificando-a de -70 mV para -60 mV. Essa situação reflete uma despolarização de apenas 10 mV, que não induziu um PA. Para que ocorra tal potencial, a célula deve sofrer uma despolarização mínima de 15 mV. Essa despolarização mínima é chamada de limiar de excitação. Se uma despolarização dessa magnitude ocorre quando a célula está em repouso, a carga no citoplasma passa de -70 mV para -55 mV. Nesse caso, os canais de Na+ não são fechados até que a entrada de sódio torne o citoplasma positivo em 30 mV. Isso acontece porque essa despolarização de 15 mV promove um fluxo de corrente que induz a abertura de mais canais de Na+ sensíveis à voltagem. Para simplificar: a abertura de uma quantidade de canais de sódio, suficiente para levar o potencial elétrico no citoplasma de -70 mV para -55 mV, promove a abertura de mais canais de Na+. Essa abertura adicional permitirá a entrada de Na+ em grande velocidade, que somente será interrompida quando a concentração de Na+ na célula for tão grande que torne o citoplasma com carga elétrica de 30 mV. Um fato curioso é que a geração de um PA envolve a abertura de canais de Na+ e também de canais de K+. Durante a geração de um PA, quando o interior da célula atinge a carga de 30 mV, imediatamente são abertos os canais regulados de K+. Como o K+ está mais concentrado no interior da célula, a FGC o impulsiona para fora. Em razão de o K+ ter carga positiva, e o interior da célula agora estar com concentração elevada de Na+, a força elétrica também o impulsionará para fora (ao contrário do que ocorre quando a célula está em repouso), fazendo com que sua saída seja em grande velocidade. Essa saída provocará o restabelecimento progressivo do PMR, ou seja, tornará novamente o citoplasma negativo em relação ao exterior celular (figura a seguir). 30 0 -55 -70 -90 1 Tempo (ms) Limiar de excitação Ação da bomba de Na+/K+ Fechamento dos canais de Na+ PMR Saída de K + En tra da d e Na + Figura 21 – Eventos associados à despolarização e à repolarização do neurônio Portanto, a ocorrência de PA envolve a abertura de canais de Na+ seguida pela abertura de canais de K+. A entrada de Na+ torna o citoplasma temporariamente positivo em 30 mV, o que vai durar até 59 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA que grande quantidade de K+ saia da célula, tornando o citoplasma novamente negativo. Aqui é preciso fazermos duas observações: • A saída do K+ faz com que o citoplasma fique com carga de -90 mV (mais baixa que o PMR). • Ao término de um PA, a concentração de Na+ e K+ dentro e fora da célula fica invertida em relação à que existe quando a célula está em repouso (nesse momento o Na+ estará mais concentrado dentro e o K+ fora). Essas duas situações impedem temporariamente a geração de um novo PA. Por isso, a bomba de Na+/K+ entra em ação para “colocar ordem na casa”. Ela vai bombear o Na+ para fora e o K+ para dentro, até que suas concentrações voltem a ficar iguais às que produzem o PMR. Os eventos que acabamos de descrever explicam como a célula é excitada a fim de que gere um PA, ou seja, o que provoca a sua despolarização. No entanto, há situações em que as células precisam ser impedidas/inibidas de gerar o potencial de ação. Para isso acontecer, as células devem ser hiperpolarizadas. Lembre-se de que uma hiperpolarização ocorre quando um estímulo promove a abertura de canais de potássio ou cloreto. Estando a célula em repouso, a abertura de canais de K+ faz com que esse íon saia da célula, o que tornará o meio interno mais negativo (por exemplo: -80 mV). Da mesma maneira, a abertura de canais de Cl- fará que esse íon, que está mais concentrado fora da célula, entre no citoplasma e o torne ainda mais negativo (não se esqueça que ele é negativo!). Portanto, tanto a abertura de canais de K+ quanto a de canais de Cl- promovem a hiperpolarização, o que torna mais difícil a ocorrência do potencial de ação, pois a carga elétrica da célula fica mais longe do limiar de excitação. Por exemplo, quando a célula está hiperpolarizada em -80 mV, passa a ser necessária uma despolarização de 25 mV para que o limiar de excitação seja atingido e a célula gere um PA (-80 mV + 25 mV = -55mV). Portanto, uma hiperpolarização é um evento que dificulta a célula de gerar PA e, consequentemente, de propagar a informação. Por outro lado, uma despolarização que não seja suficiente para gerar um PA (aquelas menores que 15 mV), ao menos facilitará sua ocorrência. Por exemplo, uma despolarização de 10 mV diminui o limiar de excitação de 15 mV para 5 mV. Isso significa que um evento na sequência que seja capaz de mudar o potencial da célula em apenas 5 mV já será suficiente para fazer a célula gerar PAs. Como veremos mais adiante, é possível que um neurônio faça sinapse com apenas um outro neurônio, mas é bastante comum que essa comunicação aconteça simultaneamente com centenas de outras células. Da mesma forma, pode ser que um neurônio receba apenas entrada excitatória por parte de outros neurônios, mas é ainda possível que ele receba entradas excitatórias e inibitórias ao mesmo tempo. Ou seja, um neurônio pode ser excitado (ter sua membrana despolarizada) por algumas células e inibido (ter sua membrana hiperpolarizada) por outras ao mesmo tempo. Quando isso acontece, a integração desses sinais irá determinar se a célula gera ou não o PA. 60 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Lembrete Uma hiperpolarização ocorre com a abertura de canais de K+ ou de Cl-, o que torna o citoplasma celular mais negativo. Uma despolarização ocorre pela abertura de canais de Na+. 6.2.6 Classificação dos neurônios Existem diferentes tipos de neurônios. Assim como acontece com as células da glia, os neurônios também são diferenciados conforme sua função. No entanto, eles também apresentam características comuns. O neurônio é composto por duas estruturas básicas: o corpo celular e seus prolongamentos, que são os dendritos e o axônio. Na figura a seguir são ilustrados os diferentes tipos de neurônios. Uma observação importante a ser feita em relação à essa figura é que os neurônios são representados com o mesmo tamanho, mas na realidade há uma grande variação no tamanho dessas células. Como uma análise mais atenta dessa figura sugere, os neurônios possuem diferenças importantes em sua anatomia. Em relação ao seu corpo, os neurônios no sistema nervoso podem apresentar uma variação média de 10-25 mícrons de espessura. Da mesma forma, os axônios dos neurônios no sistema nervoso periférico podem ser muito pequenos e medir apenas alguns poucos mícrons, enquanto outros chegam a medir mais de um metro. Além do tamanho, existem outras diferenças anatômicas importantes entre os neurônios. Essas diferenças estão relacionadas à sua localização no sistema nervoso e às funções que desempenham. Essas distinções fizeram com que cientistas propusessem diversos sistemas de classificação dos neurônios. Esses sistemas os categorizam de acordo com suas características funcionais, sua estrutura e localização no sistema nervoso. 6.2.6.1 Classificação funcional Essa classificação é a mais simples e a que utilizaremos com mais frequência ao longo deste livro-texto. Assim, as demais categorizações devem ser vistas apenas como uma complementação da informação sobre esse assunto. De acordo com a função que desempenham, os neurônios são de três tipos: neurônios sensoriais, motores e interneurônios. 61 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Neurônio sensorial Interneurônio local Célula neuroendócrina Neurônio motor Interneurônio de projeção Modelo de neurônio Sinal excitatório de entrada Sinal do gatilho Sinal Sinal condutor (potencial de ação) Sinal secretor ou de saída Neurotransmissor CapilarMúsculo Saída Condutor Gatilho Entrada Componente Figura 22 – Anatomia dos diferentes tipos de neurônios Neurônios sensoriais Essas células também podem ser chamadas de fibras ou neurônios aferentes. São responsáveis por transmitir informações dos tecidos e órgãos para o sistema nervoso central. São as células que permitem o SNC saber o que está acontecendo com os meios externo (ambiente ao nosso redor) e interno (órgãos, vísceras etc.). Neurônios motores Também denominadas fibras ou neurônios eferentes, são as células que transmitem os comandos do sistema nervoso central para células ou órgãos efetores. Através das células motoras (que também são conhecidas como motoneurônios), o SNC interfere no funcionamento dos órgãos e sistemas, bem como se relaciona com o meio ambiente. Observação Os termos aferente e eferente igualmente são usados para se referir, de maneira generalizada, a neurônios que trazem ou levam informações da região do cérebro. Interneurônios São células que intermediam a comunicação de dois outros neurônios dentro de regiões específicas no sistema nervoso central. Um interneurônio pode ser de dos tipos: excitatório (+) ou inibitório (-). Um interneurônio excitatório libera neurotransmissores que normalmente promovem a abertura de canais de sódio. Portanto, promovem despolarização nas membranas das células que se comunicam. Um interneurônio inibitório libera um neurotransmissor que provoca a abertura de canais de cloreto ou potássio na membrana das células pós-sinápticas, logo, promovem hiperpolarização nesses neurônios. 62 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Os interneurônios podem ainda ser categorizados como: de projeção e locais. Os interneurônios de projeção são responsáveis por propagar o sinal a regiões distantes na medula, normalmente se projetam verticalmente dentro dela. Os interneurônios locais são fundamentais nos processos de coordenação dos movimentos. O interneurônio local tem alguns poucos mícrons de comprimento e se localiza na medula espinhal, intermediando a comunicação entre um neurônio sensorial e um motor, ou entre neurônios provenientes dos centros superiores encefálicos e neurônios motores inferiores. Algumas vezes essa intermediação é feita pordois ou três interneurônios dispostos em sequência, combinando interneurônios excitatórios e inibitórios. Neurônio sensorial Neurônio sensorial Neurônio sensorial Neurônio sensorial Neurônio motor Neurônio motor Neurônio motor Neurônio motor Neurônio motor Interneurônio inibitório Interneurônio inibitório Interneurônio inibitório Interneurônio inibitório Interneurônio excitatório Interneurônio excitatório Interneurônio excitatório Interneurônio excitatório Interneurônio excitatório Interneurônio excitatório Interneurônio inibitório Neurônio sensorial(+) (+) (+) (+) (+) (+) (-) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (-) (-) (-) (+) (+) Figura 23 – Configuração da disposição dos interneurônios 6.2.6.2 Classificação estrutural Essa classificação considera as diferenças anatômicas entre os neurônios, mais especificamente entre a forma como se apresentam seus prolongamentos (dendritos e axônio). Assim, os neurônios são diferenciados como: 63 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA • Células unipolares ou pseudounipolares: são aquelas em que os dendritos e o axônio surgem do mesmo processo. • Células bipolares: apresentam um axônio e um dendrito que se dissipam em direções opostas em relação ao soma. • Células anaxônicas: nesses neurônios o axônio não pode ser diferenciado dos dendritos. • Células multipolares: apresentam dois ou mais dendritos separados do axônio, e se manifestam de duas formas: — Golgi I: são os neurônios cujos axônios se projetam por longas extensões. — Golgi II: são os neurônios cujos axônios se projetam localmente. 6.2.6.3 Classificação em relação à localização no sistema nervoso Esses neurônios, além de se diferenciarem em relação à localização em que são encontrados, também têm diferentes formas. São exemplos desse caso: • Células em cesto: são interneurônios que formam um plexo denso de terminais ao redor do soma de uma célula-alvo (encontradas no córtex e no cerebelo). • Células piramidais de Betz: elas se destacam por terem axônios muito longos que podem atingir mais de um metro de comprimento, viajando desde o hemisfério cerebral para fazer sinapse nos neurônios multipolares da região lombo-sacra da medula espinal. • Células de Lugaro: são interneurônios localizados no cerebelo. • Neurônios espinhosos médios: compreendem a maioria dos neurônios encontrados no corpo estriado. • Células de Purkinje: grandes neurônios do cerebelo, um tipo de neurônio multipolar de Golgi. • Células piramidais: esses neurônios recebem esse nome porque têm o corpo celular com formato triangular. • Células de Renshaw: são neurônios em que ambas as terminações se comunicam com um neurônio motor alfa. • Células unipolares em escova: são interneurônios com um único dendrito, com terminação com formato de tufo, semelhante a uma escova. • Células granulares: uma célula de Golgi tipo II. 64 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II • Células do corno anterior: motoneurônios localizados na medula. • Células com formato de fuso: interneurônios que conectam áreas amplamente separadas do cérebro. Observação O corpo estriado é um dos núcleos de base, compondo o diencéfalo. É formado pelo núcleo caudado e pelo núcleo lentiforme, onde estão localizados o putâmen e o globo pálido. 6.2.7 As sinapses O neurônio é considerado a unidade básica do sistema nervoso, em razão de sua capacidade de gerar sinais pelos quais o sistema nervoso consegue se comunicar com outras células do corpo. No entanto, um neurônio não faz nada sozinho. É a comunicação entre neurônios, bem como entre estes e músculos, glândulas e órgãos, que faz nosso cérebro funcionar. A comunicação entre dois neurônios ou entre um neurônio e um músculo é conhecida como sinapse. No entanto, alguns autores preferem diferenciar essas comunicações denominando as que ocorrem entre dois ou mais neurônios de sinapse e as que ocorrem entre um neurônio e um músculo de junção neuromuscular ou junção mioneural. 6.2.7.1 Tipos de sinapses Nas sinapses propriamente ditas (entre neurônios), pelo menos duas células se comunicam. O neurônio que envia a mensagem é chamado de célula pré‑sináptica e o que recebe, de célula pós‑sináptica. As sinapses podem ser classificadas considerando-se três critérios: • a maneira como os sinais são propagados de uma célula para outra; • a região em que acontece a comunicação entre as duas células; e • o efeito provocado pelo sinal propagado da célula pré-sináptica para a pós-sináptica. 6.2.7.2 Classificação das sinapses de acordo a propagação Nessa forma de classificação, as sinapses podem ser chamadas de elétricas ou químicas. Essas sinapses se diferenciam por sua morfologia e pela maneira que o sinal é propagado de uma célula para outra. 65 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Neurônio pré-sináptico Neurônio pós-sináptico Sinapse elétrica Junção comunicante Neurotransmissor Receptor Neurônio pré-sináptico Neurônio pós-sináptico Sinapse química Sinal elétrico Sinal elétrico Sinal químico Sinal elétrico Figura 24 – Ilustração da sinapse elétrica e da sinapse química Veja que há uma diferença na estrutura desses dois tipos de sinapses. Essas distinções explicam o modo de funcionamento de cada uma delas. As estruturas presentes numa sinapse elétrica são: • A membrana da célula pré-sináptica. • As junções comunicantes. • A membrana da célula pós-sináptica. Por sua vez, compõem as sinapses químicas: • A membrana da célula pré-sináptica. • A fenda sináptica (espaço entre as duas células). • Os canais receptores na membrana da célula pós-sináptica. Repare que nas sinapses elétricas não há espaço entre as células. Nesse tipo de sinapse, as células estão praticamente coladas e existe uma abertura, como uma espécie de canal, que une as membranas das duas células. Esses canais são denominados junções comunicantes, pois funcionam como pontes entre os citoplasmas das duas células. Assim, o sinal elétrico é transmitido diretamente de uma membrana (da célula pré-sináptica) para a outra (na célula pós-sináptica), sem precisar do auxílio de mediadores. Essa é a sinapse utilizada pelo músculo cardíaco, por exemplo. As sinapses elétricas são mais rápidas que as químicas. No coração, graças à transmissão pelos canais comunicantes, as células cardíacas se contraem ao mesmo tempo, de modo ritmado. 66 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Outra característica das sinapses elétricas é que o fluxo de corrente é bidirecional. Isso significa que o sinal pode ser transmitido tanto da célula A para a célula B quanto no sentido contrário. No entanto, o segundo tipo (sinapses químicas) é o mais comum de comunicação em nosso organismo. Nesse tipo de sinapse, não existe contato entre as duas células que se comunicam. A sinalização entre as células acontece por intermédio de uma substância química que o neurônio pré-sináptico libera na fenda sináptica (espaço entre as duas células). Essa substância, denominada neurotransmissor, funciona como um mensageiro que leva a mensagem da célula pré-sináptica à pós-sináptica. Portanto, enquanto nas sinapses elétricas o sinal elétrico é propagado diretamente da célula pré-sináptica à pós-sináptica, na sinapse química o sinal elétrico enviado pela célula pré-sináptica deve produzir o sinal químico, que estimulará a geração de um sinal elétrico na célula pós-sináptica. Em razão da complexidade desse processo, as sinapses químicas são mais lentas que as elétricas. Observação Um neurônio pode receber de mil a 100 mil entradas sinápticas de outros neurônios. Em média, um neurônio faz mil sinapses. 6.2.7.3 Produção do sinal químico40 5.2 O sistema nervoso periférico ........................................................................................................... 41 6 AS CÉLULAS NEURAIS ................................................................................................................................... 43 6.1 As células da glia .................................................................................................................................. 43 6.2 O neurônio .............................................................................................................................................. 45 6.2.1 Estrutura do neurônio .......................................................................................................................... 45 6.2.2 Sinais neurais ............................................................................................................................................ 46 6.2.3 Condições celulares necessárias para a geração dos sinais neurais ................................... 50 6.2.4 Força do gradiente de concentração .............................................................................................. 54 6.2.5 Força da carga elétrica ......................................................................................................................... 55 6.2.6 Classificação dos neurônios ............................................................................................................... 60 6.2.7 As sinapses ................................................................................................................................................. 64 6.3 Junção neuromuscular ....................................................................................................................... 69 6.3.1 Substâncias neurotransmissoras ...................................................................................................... 71 6.3.2 Alguns neurotransmissores importantes e as funções que desempenham ................... 72 6.4 Somação espacial e somação temporal ...................................................................................... 73 6.5 Receptores sensoriais.......................................................................................................................... 74 6.5.1 Classificação em relação à função ................................................................................................... 74 6.5.2 Classificação de acordo com a localização anatômica ........................................................... 75 6.6 Sistema nervoso e habilidades motoras...................................................................................... 75 6.6.1 Unidades motoras ................................................................................................................................... 76 6.7 Mecanismos de graduação da força muscular ........................................................................ 77 6.7.1 Modificação da quantidade de unidades motoras ativadas ................................................. 78 6.7.2 Modificação da frequência de ativação das unidades motoras .......................................... 79 6.8 Tipos de movimentos .......................................................................................................................... 80 6.8.1 Movimentos reflexos ............................................................................................................................. 80 6.8.2 Tipos de reflexos ...................................................................................................................................... 80 6.8.3 Movimentos voluntários ...................................................................................................................... 86 6.8.4 Movimentos rítmicos ............................................................................................................................ 87 Unidade III 7 CONTROLE TÉRMICO DURANTE O EXERCÍCIO ..................................................................................... 94 7.1 Mecanismos de regulação da temperatura ............................................................................... 94 7.1.1 Radiação ..................................................................................................................................................... 95 7.1.2 Condução ................................................................................................................................................... 95 7.1.3 Convecção .................................................................................................................................................. 96 7.1.4 Evaporação ................................................................................................................................................ 96 7.2 Hipotálamo: nosso termostato corporal ..................................................................................... 98 7.2.1 Glândulas sudoríparas .......................................................................................................................... 99 7.2.2 Musculatura lisa das arteríolas ......................................................................................................... 99 7.2.3 Músculo esquelético .............................................................................................................................. 99 7.2.4 Glândulas endócrinas ..........................................................................................................................100 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 8 EXERCÍCIOS SOB ALTAS TEMPERATURAS E DISTÚRBIOS INDUZIDOS PELO CALOR ...........101 8.1 Riscos à saúde durante exercício realizado no calor ...........................................................102 8.2 Distúrbios relacionados ao calor ..................................................................................................104 8.2.1 Cãibras .......................................................................................................................................................104 8.2.2 Exaustão ...................................................................................................................................................104 8.2.3 Intermação ..............................................................................................................................................105 8.3 Prevenção dos distúrbios térmicos .............................................................................................106 8.3.1 Hidratação ...............................................................................................................................................106 8.3.2 Vestimenta ...............................................................................................................................................107 8.3.3 Aclimatação ............................................................................................................................................108 9 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo geral fornecer conhecimentos sobre as respostas fisiológicas no ser humano em virtude de um estresse, considerando este último a atividade física ou o exercício físico efetuado. Por conseguinte, os futuros profissionais de Educação Física e do esporte em geral receberão subsídios e ampliarão suas habilidades para a elaboração e prescrição da atividade física mais adequada ao praticante. Ao término desta matéria, o aluno terá uma ampla visão dos sistemas energéticos responsáveis pelo movimento durante a prática de uma atividade física. Todos esses assuntos são de extrema importância para a vida profissional do educador físico, nãoO evento que dá início ao sinal químico é a chegada do PA (sinal elétrico) nos terminais axônicos da célula pré-sináptica. O PA promove a abertura de canais de Ca2+ sensíveis à voltagem (também chamados de canais voltagem-dependentes) existentes na membrana da célula pré-sináptica, o que permite a entrada de Ca2+ nessa célula. Isso provoca a aproximação das vesículas, que armazenam a substância neurotransmissora para a região da dita zona ativa. Na zona ativa as vesículas são abertas e seu conteúdo – o neurotransmissor – é despejado na fenda sináptica. Em seguida, as moléculas do neurotransmissor se difundem pela fenda e se fixam a receptores existentes nos canais da membrana da célula pós-sináptica. Esses receptores funcionam como uma espécie de fechadura no canal. O neurotransmissor, por sua vez, funciona como a chave capaz de abrir essa “fechadura” e irá promover a abertura desses canais por onde diferentes espécies iônicas poderão atravessar. Normalmente, esses receptores estão localizados em canais de cálcio (Ca2+), cloreto (Cl-), ou potássio (K+). Dependendo de qual tipo de canal o neurotransmissor se fixar e abrir, isso irá produzir a excitação ou a inibição na célula que recebe a substância/sinal. 67 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Terminal axônico do neurônio pré-sináptico Canal receptor na célula pós- sinápticaNeurônio pós-sináptica Neurotransmissor Vesícula sináptica Fenda sináptica Figura 25 – Anatomia da sinapse química 6.2.7.4 Classificação das sinapses de acordo com o local Essa forma de classificação pode ser observada apenas em sinapses químicas. Portanto, considera o local, na célula pós-sináptica, onde a célula pré-sináptica irá liberar a substância neurotransmissora. De acordo com essa classificação, as sinapses podem ser de três tipos: • Sinapses axodendríticas: a célula pré-sináptica se comunica com os dendritos da célula pós-sináptica. • Sinapses axoaxônicas: a célula pré-sináptica se comunica com o axônio da célula pós-sináptica. • Sinapses axossomáticas: a célula pré-sináptica se comunica com o soma da célula pós-sináptica. 68 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Dendrito Axônio Sinapse sobre a espícula Sinapse sobre a haste Sinapses axossomáticas Sinapses axodendríticas Sinapses axoaxônica Figura 26 – Tipos locais de comunicação entre os neurônios 6.2.7.5 Classificação das sinapses de acordo com os efeitos de sinais locais Essa forma de classificação diferencia as sinapses em excitatórias ou inibitórias. Nas sinapses excitatórias o neurotransmissor liberado pela célula pré-sináptica promove a abertura de canais de sódio (Na+) existentes na membrana da célula pós-sináptica. A abertura desses canais provoca a entrada de sódio no citoplasma da célula pós-sináptica que irá produzir uma despolarização na membrana da célula pós-sináptica. Nesse caso, dizemos que a célula foi excitada ou que sofreu excitação. A abertura de canais de sódio na célula pós-sináptica provoca, inicialmente, um sinal na membrana dessa célula diferente do PA, denominado sinal local. Se essa excitação for de magnitude suficiente (entrar uma quantidade grande de sódio), poderá fazer com que a célula pós-sináptica produza um potencial de ação. No caso das sinapses excitatórias, o sinal local é chamado de Potencial Pós‑sináptico Excitatório (PPSE). Nas sinapses inibitórias o neurotransmissor liberado pela célula pré-sináptica promove a abertura de canais de Cl- ou K+ existentes na membrana da célula pós-sináptica. A entrada de cloreto no citoplasma da célula pós-sináptica ou a saída do potássio irá fazer com que o citoplasma da célula fique com carga elétrica ainda mais baixa em relação ao PRM, o que chamamos de hiperpolarização. A hiperpolarização faz com que a célula pós-sináptica tenha mais dificuldade de gerar um PA, portanto dizemos que isso provoca sua inibição. Nas sinapses inibitórias o sinal local gerado na membrana da célula pós-sináptica é conhecido como Potencial pós‑sináptico Inibitório (PPSI). Os receptores, nos quais a substância neurotransmissora se fixa, podem ser encontrados em diferentes regiões do neurônio. Nas sinapses inibitórias, eles ficam localizados no soma (sinapses axossomáticas), enquanto nas excitatórias eles ficam localizados nos dendritos ou nas espinhas dendríticas (sinapses axodendríticas). 69 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Outro ponto importante de mencionar é que, tanto na sinapse excitatória quanto na inibitória, a amplitude do sinal gerado (PPSE ou PPSI) dependerá da quantidade de neurotransmissor liberado na fenda sináptica pelo neurônio pré-sináptico. Isso significa que a amplitude desse sinal pode ser modulada, fazendo-o variar de 0,1 a 10 mV. Como você deve se lembrar, a geração de um PA exige uma despolarização mínima de 15 mV, o que nos leva a compreender por que um PPSE sozinho não pode gerar um PA. Para isso, será necessário que ocorra a reunião de vários PPSE. Sobre somação, trataremos com mais detalhes adiante. 6.3 Junção neuromuscular No início desta seção, foi mencionado que a comunicação entre a célula neural e a célula muscular é considerada um tipo especial de sinapse, de forma que alguns autores preferem se referir a essa comunicação como junção neuromuscular ou junção mioneural (JNM). Nesse tipo de comunicação, um neurônio motor do tipo alfa se comunica com uma célula muscular. Para sermos mais exatos, é importante explicar que o neurônio motor alfa não se comunica apenas com uma célula muscular, mas com várias delas formando um conjunto, que é denominado unidade motora (falaremos mais detidamente sobre as unidades motoras numa seção mais adiante). Não se deve fazer confusão entre o conceito de unidade motora, que é o conjunto, e a JNM, que é a região de comunicação entre uma ramificação do axônio da célula neural com uma célula muscular. Vamos tentar esclarecer essa diferença analisando a figura a seguir. Note que o axônio do neurônio motor se ramifica formando as terminações axônicas. A porção terminal da ramificação é a que faz comunicação com a fibra muscular. Essa comunicação é a junção neuromuscular, que faz parte do conjunto denominado unidade motora. O número de junções neuromusculares por fibra muscular pode variar de uma até três, dependendo da função do músculo onde ela está localizada. 70 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Neurônio motor Junção neuromuscular Fibra muscular Bainha da célula de Schwann Região da placa motora Botões da terminação pré-sináptica Mitocôndrias Vesícula sináptica (ACh) Zona ativa Membrana pré-sináptica Fenda sináptica Membrana pós-sináptica Canal de Ca2+ Membrana basal Prega juncional Receptores de ACh Mielina Axônio Figura 27 – Ilustração de uma junção neuromuscular Atente que, quando o neurônio motor se aproxima da fibra muscular ele perde sua bainha de mielina. O terminal não mielinizado se posiciona sobre invaginações existentes na membrana da célula muscular: as pregas juncionais. Esta região da membrana muscular é denominada placa motora e é constituída por uma membrana muscular diferenciada que responde a estímulos químicos. No topo das pregas juncionais existe uma grande concentração de receptores para a acetilcolina, que é o neurotransmissor usado nesse tipo de comunicação. Quando o potencial de ação chega ao terminal da célula neural, o cálcio, que está na fenda entre as duas células (também chamada de fenda sináptica), é atraído para o interior do neurônio. Essa entrada de cálcio no neurônio acontece pelos canais de cálcio voltagem-dependentes e promove a aproximação das vesículas, que contêm o neurotransmissor acetilcolina, da chamadazona ativa. Nela, as vesículas despejam a acetilcolina que irá extravasar para fora da célula neural, sobre as pregas juncionais. 71 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Em seguida, movida por atração química, a acetilcolina se fixa nos seus receptores existentes na célula muscular. Essa fixação promove a abertura de canais de sódio na célula muscular, promovendo sua despolarização. Essa despolarização gera um potencial na célula muscular, que é chamado de potencial da placa motora. A amplitude desse potencial é extraordinariamente grande: um único motoneurônio produz um potencial de cerca de 70 mV. Essa alteração do potencial é geralmente suficiente para gerar um PA na célula muscular. Em contraste, você deve se recordar que nas células neurais os PPSE normalmente têm menos de 1mV de amplitude, de maneira que é necessária a entrada de vários neurônios pré-sinápticos (somação) para atingir a despolarização mínima de 15 mV, necessária para gerar um PA na célula pós-sináptica. Portanto, a JNM é muito mais eficiente que a sinapse. Após a despolarização da placa motora, o PA gerado na célula muscular desencadeia uma sequência de eventos químicos que irão estimular a geração de tensão pelas fibras musculares. Saiba mais Para conhecer detalhes dos mecanismos químicos e mecânicos envolvidos no desenvolvimento de tensão pela fibra muscular, leia: WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001, p. 27-37. Note que existem importantes diferenças entre as sinapses e a junção neuromuscular. A primeira delas é que na JNM uma célula muscular recebe comunicação de um único neurônio, enquanto na sinapse um neurônio pode receber ao mesmo tempo comunicação de centenas de outros neurônios. Outra diferença é que as sinapses podem ser excitatórias ou inibitórias, enquanto na JNM o neurônio motor sempre excita a célula muscular. Como veremos mais adiante, a capacidade de induzir excitação (estimular a geração de um PA) ou inibição (dificultar a geração de um PA) está relacionada com o tipo de neurotransmissor liberado pela célula neural e com o canal receptor existente na célula com a qual esse neurônio se comunica. No caso das sinapses, as células pré-sinápticas podem liberar diferentes tipos de substâncias neurotransmissoras, mas na JNM o neurotransmissor liberado pelo neurônio motor alfa é sempre a acetilcolina (ACh), e o receptor existente na célula muscular é sempre do tipo nicotínico colinérgico. 6.3.1 Substâncias neurotransmissoras Ao longo das últimas seções, tratamos diversas vezes a respeito dos neurotransmissores, o que nos faz perceber que eles têm importância fundamental na comunicação neural. Assim, vamos analisar um pouco melhor o que são essas substâncias. 72 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II De uma maneira simples, podemos definir um neurotransmissor como uma substância química que é liberada numa sinapse por um neurônio e que afeta uma outra célula, podendo ser outro neurônio ou um órgão efetor (por exemplo, um músculo ou uma glândula). Diferentes tipos de células secretam distintos neurotransmissores. Cada substância química cerebral funciona em áreas bastante espalhadas, mas muito específicas do cérebro e podem ter efeitos diferentes dependendo do local de ativação. Eles podem ser categorizados como neurotransmissores de ação rápida (moléculas pequenas) ou neurotransmissores de ação lenta (neuropeptídios). Existem cerca de sessenta neurotransmissores, que podem ainda ser classificados em uma das quatro categorias seguintes: • Grupo das colinas: entre as quais a acetilcolina é a mais importante. • Grupo das aminas biogênicas: serotonina, histamina e catecolaminas – a dopamina e a norepinefrina. • Grupo dos aminoácidos: o glutamato e o aspartato são transmissores excitatórios muito conhecidos, enquanto que o ácido gama-aminobutírico (GABA), a glicina e a taurina são neurotransmissores inibidores. • Grupo dos neuropeptídeos: esses são formados por cadeias mais longas de aminoácidos (como uma pequena molécula de proteína). Sabe-se que mais de cinquenta deles ocorrem no cérebro e muitos deles têm sido implicados na modulação ou na transmissão de informação neural. 6.3.2 Alguns neurotransmissores importantes e as funções que desempenham Dopamina Controla níveis de estimulação e controle motor em muitas partes do cérebro. Quando os níveis estão extremamente baixos na doença de Parkinson, por exemplo, os pacientes são incapazes de se mover voluntariamente. Presume-se que o LSD e outras drogas alucinógenas ajam no sistema da dopamina. Serotonina Esse é o neurotransmissor que é incrementado por muitos antidepressivos, por isso é conhecido como o “neurotransmissor do bem-estar”. Tem um profundo efeito no humor, na ansiedade e na agressão. Acetilcolina (ACh) A acetilcolina controla a atividade de áreas cerebrais relacionadas à atenção, aprendizagem e memória. Pessoas que sofrem da doença de Alzheimer apresentam tipicamente baixos níveis de ACh no córtex cerebral, e as drogas que aumentam sua ação podem melhorar a memória em tais pacientes. Você deve se lembrar que a ACh é o neurotransmissor existente na junção neuromuscular. Nesse caso, promove apenas a excitação das fibras musculares, mas ela também pode atuar como neurotransmissor inibitório em algumas terminações nervosas parassimpáticas, assim como no coração. 73 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Uma doença conhecida como miastenia grave é caracterizada por fraqueza e fadiga muscular e ocorre quando o corpo produz anticorpos contra os receptores nicotínicos de acetilcolina, inibindo a transmissão do sinal pela ACh. Com o tempo, a placa motora é destruída, o que compromete ainda mais a ativação dos músculos. Noradrenalina É uma substância que induz a excitação física e mental, além de promover o bom humor. A produção é centrada na área do cérebro chamada de locus coreuleus, que é uma das muitas regiões denominadas “centro de prazer do cérebro”. A norepinefrina é capaz de induzir alterações dos batimentos cardíacos, da pressão arterial, e também tem efeitos metabólicos, afetando a taxa de conversão de glicogênio (glucose) para energia, assim como traz outros benefícios físicos. Glutamato É o principal neurotransmissor excitatório do cérebro, considerado de vital importância para estabelecer os vínculos entre os neurônios que são a base da aprendizagem e da memória a longo prazo. Encefalinas e endorfinas Essas substâncias são opiáceos que, assim como as drogas heroína e morfina, modulam a dor, reduzindo o estresse. Elas podem estar envolvidas nos mecanismos de dependência física. Especula-se que as endorfinas podem estar associadas às mudanças psicológicas positivas induzidas pelo exercício, como a diminuição da ansiedade, depressão, e o aumento do vigor e bem-estar. 6.4 Somação espacial e somação temporal Uma sinapse entre um neurônio sensorial e um motor, como a que ocorre no arco-reflexo, produz um PPSE no neurônio motor que normalmente tem amplitude menor que 1 mV, variando de 0,2 mV a 0,4 mV. Como você deve lembrar, a despolarização mínima capaz de produzir um PA deve ter amplitude em torno de 15 mV. Assim, um PPSE isolado não é suficiente para estimular o neurônio motor a gerar um PA nessa sinapse, a fim de propagar a informação enviada pelo neurônio sensorial. Para agravar a situação, o PPSE é um sinal local e já sabemos que sinais locais perdem força à medida que trafegam ao longo da membrana celular, não é mesmo? Portanto, para que o limiar de excitação seja atingido (15 mV necessários para gerar o PA), os PPSE (sinais locais) precisam ser somados. Dois mecanismos diferentes podem acontecer para produzir esse efeito: a somação espaciale a somação temporal. A somação espacial se refere à integração dos sinais gerados (PPSE) por diferentes neurônios pré-sinápticos. Lembre-se que um neurônio pode receber entradas (sinapses) de centenas a milhares de neurônios. Se um grupo de neurônios descarregar seus potenciais de ação em regiões bem próximas à membrana da célula pós-sináptica, esses sinais poderão se somar e atingir os 15 mV necessários para gerar um PA. 74 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II A somação temporal se refere à integração dos sinais (PPSE) gerados por uma única célula pré-sináptica. Nesse caso, para a somação acontecer, o intervalo entre os sinais gerados (PPSE) pela célula pré-sináptica deve ser o menor possível, o que terá maior probabilidade de acontecer, quanto maior for a frequência de PA disparado pelo neurônio pré-sináptico. Portanto, a magnitude de excitação produzida na célula pós-sináptica depende da frequência dos PAs disparados pelos neurônios pré-sinápticos individualmente, e do número total de neurônios pré-sinápticos que estão ativos na sinapse. Um detalhe que precisamos lembrar é que as sinapses podem ser excitatórias (geram PPSE) ou inibitórias (geram PPSI). Na medula, bem como nos centros superiores do SNC, cada neurônio pode receber numerosas entradas excitatórias e inibitórias simultaneamente. Isso significa que para o neurônio pós-sináptico decidir se dispara ou não um PA ele precisa integrar as informações competitivas (umas dizem para disparar um PA, outras dizem que não) oriundas de diferentes neurônios. Nos neurônios motores e nos interneurônios, essa integração acontece na chamada zona de gatilho. A zona de gatilho é o local da célula onde a membrana tem limiar de excitação mais baixo (aproximadamente 15 mV). Na membrana ao longo do corpo do axônio e nos dendritos, o limiar é de 30 mV, portanto, é muito mais difícil gerar um PA nessas regiões. Essa diferença de limiar está relacionada à maior concentração de canais de Ca2+ voltagem-dependentes existentes na região do cone, em comparação com a concentração existente em outras regiões da célula. Assim, apesar da somação acontecer em outras regiões, ela não atinge a despolarização que é exigida para gerar um PA nesses locais, mas pode ser suficiente para dispará-lo na região do cone. 6.5 Receptores sensoriais A divisão sensorial do sistema nervoso periférico abastece, continuamente, o sistema nervoso central com informações a respeito do mundo externo e também dos órgãos e vísceras. Essa informação é levada ao SNC pelos aferentes sensoriais que se originam nos vasos sanguíneos e linfáticos, nos órgãos internos, nos órgãos dos sentidos especiais (olfato, paladar, tato, audição e visão), na pele, nos músculos e nos tendões. Esses, por sua vez, recebem tais informações de receptores sensoriais. Um receptor sensorial é uma estrutura especializada capaz de perceber um estímulo no ambiente interno ou externo de um organismo e transformá-lo em um impulso nervoso. Existem diferentes tipos de receptores espalhados pelo nosso organismo. Eles podem ser classificados de acordo com sua função ou localização anatômica. 6.5.1 Classificação em relação à função De acordo com essa classificação, os receptores sensoriais são diferenciados em: • Termorreceptores: são receptores sensíveis a diminuições ou aumentos de temperatura. Estão localizados na pele, na medula espinhal, nas vísceras e no hipotálamo. 75 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA • Mecanorreceptores: são receptores responsáveis pelas sensações táteis e auditivas. • Fotorreceptores: são receptores sensíveis à radiação luminosa, como os cones e os bastonetes nos olhos. • Quimiorreceptores: são sensíveis à presença ou concentração de substâncias químicas, como as que percebem mudanças no pH sanguíneo e as responsáveis pelo paladar e pelo olfato. • Nociceptores: respondem a estímulos que podem ser danosos ao organismo, produzindo a sensação de dor. 6.5.2 Classificação de acordo com a localização anatômica Considerando o local onde os receptores sensoriais estão dispostos, pode-se diferenciá-los em: • Exteroceptores: respondem a estímulos que se produzem no exterior do corpo, em geral, próximos a superfície corporal, tais como pressão, temperatura, contato e dor. • Interoceptores: também chamados de viceroceptores, são receptores sensíveis a estímulos produzidos no interior do corpo. São ativados por variações na temperatura, na química corporal e no estiramento de tecidos. São eles que nos indicam sensações de dor, mal-estar, fome e sede. • Proprioceptores: informam ao sistema nervoso central sobre a posição do corpo e das articulações, sobre o grau de tensão desenvolvida nos músculos e tendões, e sobre o grau de alongamento dos músculos antes e durante a ocorrência de movimentos. Estão localizados nos tendões, músculos, ligamentos, nas articulações e nos tecidos conectivos que recobrem músculos e ossos. Em razão de sua importante função, relacionada ao controle dos movimentos, falaremos com mais detalhes desses receptores nas próximas seções. 6.6 Sistema nervoso e habilidades motoras Quando produzimos movimentos intencionais, por exemplo uma flexão do cotovelo, um comando (uma descarga de potenciais de ação) é enviado a partir da área motora, localizada no encéfalo, para o músculo (nesse caso, o bíceps braquial) “ordenando” que ele gere tensão e tracione o antebraço em direção ao braço. Na verdade, para que isso aconteça, a tensão produzida pelo músculo deverá ser suficiente para superar a carga que se pretende levantar. Um músculo é um órgão e, como tal, é composto por centenas a milhares de células. Devido ao seu formato, as células musculares são chamadas de fibras. Quanto maior o número de fibras musculares ativadas, maior a tensão produzida e, portanto, maior a chance de movimentarmos um objeto, quando temos a intenção de fazê-lo. Nesse ponto, é preciso esclarecer que nós não ativamos fibras musculares individuais, mas, em vez disso, unidades motoras. Vamos elucidar o que são as unidades motoras. 76 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II 6.6.1 Unidades motoras Uma unidade motora (UM) é o conjunto formado por um neurônio motor alfa (α) e o grupo de fibras musculares que ele inerva. A quantidade de fibras musculares existentes em um músculo varia dependendo do tamanho desse músculo. Músculos pequenos têm algumas centenas de fibras musculares, enquanto os grandes têm milhares. Também são variáveis o número e o tamanho das unidades motoras existentes nesse órgão. Ou seja, quanto maior o músculo, maior o número total de unidades motoras que ele possui; e maior é o tamanho médio das suas unidades motoras. Em músculos pequenos, que são responsáveis por movimentos finos, como os músculos das mãos ou os oculares, um neurônio motor inerva algumas poucas dezenas de fibras musculares. Por outro lado, em músculos grandes, envolvidos em tarefas que exigem muita força, como o quadríceps femoral ou os gastrocnêmicos, um motoneurônio pode inervar de centenas a milhares de fibras. Raiz dorsal posterior Medula espinhal Neurônios motores alfa Fibras musculares Figura 28 – Unidade motora Para nos referirmos à quantidade de fibras musculares que um neurônio inerva, usamos o termo: razão de inervação. Desse modo, dizer que uma unidade motora tem razão de inervação de 1:10, 1:200 ou 1:1.500 (lê-se um para dez, um para duzentas, um para mil e quinhentas) significa que um neurônio motor alfa inerva 10, 200 ou 1.500 fibras musculares, respectivamente. Logicamente, as unidades motoras com maior razão de inervação produzem maior nível de tensão. Observação Um motoneurônio inerva várias fibras musculares. Porém, cada fibra muscular é inervada por apenas um motoneurônio alfa. Independentementedo tamanho da unidade motora, os potenciais de ação disparados pelo motoneurônio se dissipam para todas as fibras musculares inervadas por ele, o que faz com que 77 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA todas elas sejam excitadas. Ou seja, as fibras pertencentes à mesma unidade motora atuam juntas no desenvolvimento de tensão. Por isso, o conjunto formado pelo neurônio motor e as fibras por ele inervadas recebem o nome de unidade motora. Essa comunicação (junção neuromuscular) entre a fibra neural e a muscular é muito eficiente: um PA enviado pelo motoneurônio sempre induz um PA nas fibras musculares componentes da UM. Quando precisamos aumentar ou diminuir a força produzida por um músculo, fazemos isso modificando a quantidade de unidades motoras ativadas, e não por fibras musculares individuais. Outro aspecto curioso é que as fibras musculares pertencentes à mesma unidade motora são do mesmo tipo. As fibras musculares podem ser classificadas em tipo I – as lentas –, e em tipo II – as rápidas. As fibras musculares rápidas são classificadas em subtipos IIA e IIB/X. Assim, uma unidade motora é composta exclusivamente por fibras tipo I, IIA ou IIB/X. No entanto, o nome que se dá às unidades motoras não é o mesmo designado às fibras, embora estejam relacionados. Uma unidade motora composta por fibras tipo I é chamada de unidade motora lenta e resistente à fadiga (LRF). Aquelas compostas por fibras rápidas IIA são chamadas de unidades motoras rápidas e resistentes à fadiga (RRF). Enquanto as formadas por fibras IIB/X são denominadas unidades motoras rápidas fadigáveis (RF). Os motoneurônios das unidades motores LRF possuem corpos celulares pequenos e inervam de dezenas a centenas de fibras. Por outro lado, são grandes os corpos celulares dos motoneurônios de uma unidade motora rápida, e eles inervam de centenas a milhares de fibras musculares. Portanto, normalmente, uma unidade motora LRF produzirá menos tensão que a produzida pelas unidades motoras RRF e RF. 6.7 Mecanismos de graduação da força muscular Como já mencionamos, um músculo é composto por centenas a milhares de UM. Assim, quando temos intenção de produzir a nossa força máxima num determinado movimento, precisamos ativar a maior quantidade possível de unidades motoras que compõem o músculo ou grupo de músculos envolvidos nesse movimento. Você deve estar me corrigindo agora, dizendo: “na verdade, precisamos ativar todas as unidades motoras desses músculos, se queremos produzir nossa força máxima”. Acontece que, em um esforço voluntário, é muito raro que sejamos capazes de ativar todas as unidades motoras de um músculo. Isso é possível em músculos pequenos, mas não em músculos grandes. Neles, sempre permanecem algumas unidades motoras que não são ativadas, apesar de nossa intenção de fazer um esforço máximo. As unidades motoras que não são ativadas voluntariamente são consideradas pertencentes à reserva de ativação. Indivíduos destreinados têm reserva de ativação maior que indivíduos treinados. Ou seja, o treinamento reduz nossa reserva de ativação, o que nos permite dizer que o treinamento nos habilita a ativar um número maior de unidades motoras num esforço voluntário. De maneira inversa, a inatividade e a imobilidade fazem aumentar nossa reserva de ativação, o que explica por que uma pessoa nessas condições tem diminuída sua capacidade de produzir força. 78 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II As unidades motoras que não conseguimos ativar voluntariamente (as da reserva de ativação) têm limiar de excitação mais alto, ou seja, é mais difícil despolarizar as membranas dos seus motoneurônios. Curiosamente, o calibre médio desses motoneurônios é menor que o dos motoneurônios que conseguimos ativar voluntariamente. Repare que isso explica nossa limitação para realizarmos esforços máximos, mas não responde como graduamos nossa força para praticarmos esforços submáximos de diferentes intensidades. Por exemplo, como fazemos para produzir força suficiente para levantar um halter de 1 kg ou para, em outro momento, levantarmos um halter com massa superior? A resposta é simples: modulamos a força muscular que produzimos através de dois mecanismos: modificando a quantidade de unidades motoras ativadas; e alterando a frequência de ativação das unidades motoras. 6.7.1 Modificação da quantidade de unidades motoras ativadas Estrategicamente, a ativação das unidades motoras não acontece de maneira aleatória, mas obedece uma ordenação, seguindo um padrão. Esse padrão é denominado princípio do tamanho. De acordo com esse princípio, as unidades motoras são ativadas seguindo uma ordem, que se inicia das menores para as maiores. De maneira geral, o tamanho médio das unidades motoras lentas é menor que o das rápidas. Sendo que, entre as rápidas, as resistentes à fadiga (compostas por fibras IIA) têm tamanho médio menor que as rápidas fadigáveis (compostas por fibras IIB/X). De acordo com isso, entre as unidades motoras de diferentes tipos, primeiro são ativadas as LRF, depois as RRF, e por último são incorporadas ao trabalho as RF. Atenção! Isso não quer dizer que ativamos todas as LRF para depois começarmos a ativar as RRF. Normalmente as lentas são menores que as rápidas, mas as unidades motoras do mesmo tipo não têm o mesmo tamanho. Assim, primeiro são ativadas as LRF menores e, havendo necessidade de aumentar a tensão, as LRF maiores são ativadas. Isso vai acontecendo por ordem de tamanho até que as próximas unidades a serem ativadas sejam as RRF. Vamos a um exemplo prático! Imaginemos a seguinte situação: alguém solicita que você faça uma flexão de cotovelo com três cargas diferentes. Primeiro, com um halter de 2 kg, depois com um de 5 kg e, por fim, com um de 7kg. Para você conseguir levantar esses pesos, precisará produzir diferentes níveis de tensão muscular. Claro que isso vai exigir que você ative diferentes quantidades de unidades motoras em cada situação. Para movimentar o halter de 2 kg, por exemplo, vai precisar ativar algumas poucas unidades motoras. De acordo com o princípio do tamanho, nesse caso, uma determinada quantidade de unidades motoras LRF será ativada. Para movimentar as cargas maiores, precisará ativar unidades motoras adicionais, obviamente, maiores que as previamente ativadas. No caso da tentativa de levantar o halter de 5 kg, muito possivelmente, além de novas unidades motoras LRF, também poderiam ser ativadas algumas RRF. Por fim, na tentativa de levantar o halter de 7 kg, você precisará ativar um número extra de unidades motoras RRF, além daquelas que já haviam sido ativadas ao levantar 5 kg. Além disso, possivelmente, você passaria a ativar algumas 79 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA unidades motoras RF. E se ousasse tentar levantar uma carga maior, mais unidades motoras RF seriam ativadas, além das previamente acionadas ao levantar os 7 kg. Você certamente já teve uma experiência como a descrita se alguma vez praticou um treinamento com pesos, a exemplo da musculação. Talvez você se lembre que quando o exercício era feito com cargas altas, era possível realizar poucos movimentos, não é verdade? No entanto, com cargas menores fazia um número grande de repetições. Já sabe qual é a razão? Fazer exercícios com cargas altas exige a ativação das unidades motoras RF e, devido à natureza delas, após realizar algumas poucas repetições elas se fadigam, e a tensão muscular produzida diminui. Por isso, não é possível realizar mais movimentos, já que a tensão total produzida será menor que a necessária para levantar a carga. Por outro lado, quando nos exercitamos com cargas baixas, a tensão muscular exigida é pequena, então apenas unidades motoras LRF serão ativadas. Como elas são resistentesà fadiga, continuarão trabalhando por muito tempo até que tenham diminuída sua capacidade de gerar tensão, o que permitirá efetuarmos um número elevado de repetições. 6.7.2 Modificação da frequência de ativação das unidades motoras Outra maneira de modular a força de um músculo é modificando a frequência de ativação das unidades motoras. Isso produz uma regulação na tensão produzida por cada uma delas. Vamos elucidar um pouco mais. Quando uma UM é ativada, ela desenvolve um grau de tensão. A magnitude da tensão desenvolvida não é sempre a mesma. Ela pode variar dependendo da frequência de PA que o motoneurônio descarrega nas fibras que inerva. Assim, quando a frequência é baixa, a tensão é menor. Porém, conforme a frequência aumenta, também aumenta a tensão produzida pela UM. É importante mencionar que existe um limite de frequência de PA que o motoneurônio pode descarregar, o que limita a tensão produzida pela UM. Em indivíduos destreinados a frequência máxima de disparos de PA de um motoneurônio é mais baixa que em indivíduos treinados. Ou seja, o treinamento induz aumento da tensão produzida por uma UM individual, aumentando a frequência de disparos dos motoneurônios alfa. Qual desses mecanismos é usado primeiro? Para aumentar a força produzida por um músculo, primeiro aumentamos a tensão produzida individualmente por uma UM. Apenas após as UMs ativas atingirem sua frequência máxima de disparos é que novas UMs serão ativadas. Essas, por sua vez, começam a disparar em frequências mais altas que as que foram ativadas previamente. Caso seja necessário aumentar novamente a força, as UMs recém-incorporadas ao trabalho terão suas frequências aumentadas, antes que novas UMs sejam recrutadas. Essa sequência acontecerá até que todas as UMs que podemos ativar voluntariamente estejam trabalhando. Nesse ponto, estaremos produzindo nossa força máxima no movimento. 80 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II 6.8 Tipos de movimentos Os movimentos que realizamos podem ser diferenciados em três tipos: movimentos reflexos, rítmicos e voluntários. Essas classes de movimentos são distinguidas pela sua complexidade e pelo grau de controle voluntário. 6.8.1 Movimentos reflexos Um movimento é caracterizado como reflexo quando a ação muscular que o desencadeou não é intencional. A ocorrência de movimentos reflexos não depende de experiência prévia, estes são inatos. São exemplos de ações reflexas: quando rapidamente retiramos a mão de um objeto quente; a extensão de nosso joelho em resposta ao toque que o médico dá com um martelinho no tendão patelar; ou ainda, o ato de engolirmos os alimentos – a deglutição. As ações reflexas são respostas musculares a estímulos físicos que acontecem de forma rápida e estereotipada. Dizemos que são estereotipadas porque sempre acontecem de maneira previsível. O que muda nessas ações é a sua intensidade, que é determinada pelo estímulo que a desencadeou. Por exemplo, a velocidade com que retiramos a mão de um objeto quente (resposta) depende da temperatura (estímulo) desse objeto. Da mesma maneira, o quão rápido seu joelho se estende (resposta) dependerá da velocidade e da força que o médico produz no tendão patelar do seu joelho ao usar o martelinho (estímulo). Diferentemente do que ocorre nos movimentos voluntários, os movimentos reflexos não acontecem por ordem do comando central proveniente da área motora. Nas ações reflexas, o sinal (PA) que faz os músculos se contraírem são gerados no sistema nervoso periférico, mais especificamente por receptores sensoriais que podem estar localizados na pele, nas articulações, nos tendões e nos músculos (falaremos mais sobre esses receptores sensoriais nos próximos tópicos). 6.8.2 Tipos de reflexos 6.8.2.1 Reflexo de estiramento O reflexo de estiramento, também chamado de reflexo miotático, é desencadeado pelo receptor sensorial fuso muscular. Na figura seguinte, é possível identificar um fuso muscular e verificar a sua disposição em relação às fibras musculares. Repare que esse receptor está disposto paralelamente às fibras musculares extrafusais (aquelas que o músculo usa para se contrair). Por essa disposição, os fusos podem perceber facilmente qualquer alteração que ocorre no comprimento de um músculo, já que quando o comprimento das fibras musculares regulares se modifica, também é alterado o comprimento do fuso. O fuso é capaz de perceber mudanças no comprimento da fibra muscular de apenas 1 mm. Ele sinaliza as alterações no comprimento da fibra muscular disparando PAs. Quanto maior a alteração, maior a frequência de disparos. O mesmo acontece em relação à velocidade com que o músculo é alongado. 81 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Neurônio motor alfa Fibra muscular extrafusal Fuso muscular Tendão Órgão Tendinoso de Golgi Aferente do OTG Figura 29 – Localização do fuso muscular Fica bastante fácil de entender o mecanismo do reflexo miotático através do chamado reflexo patelar. O reflexo patelar, que é desencadeado através do arco-reflexo simples, é um teste neurológico usado para avaliar a integridade das vias neurais. Nesse teste, o médico, geralmente um neurologista, pede para o paciente ficar sentado e deixar sua perna relaxada. Em seguida, dá um toque com um martelinho logo abaixo do joelho do paciente, sobre o tendão patelar. Em resposta a esse estímulo, normalmente, percebe-se uma leve extensão do joelho do paciente. Essa resposta é involuntária, ou seja, não foi intencionada pelo paciente. Portanto, é uma ação reflexa. Mais especificamente essa movimentação do joelho ocorre em resultado da ativação do reflexo miotático. Quer dizer, o reflexo patelar é um reflexo miotático, igualmente designado reflexo de estiramento. A ação muscular verificada no reflexo ocorre porque, quando o médico estimula o tendão patelar, isso provoca o tracionamento da patela e, por consequência, o alongamento em alta velocidade do quadríceps, já que ele está fixado à patela. Isso faz com que fusos musculares inseridos no quadríceps disparem PAs. Os PAs disparados pelo fuso trafegam por toda a extensão da fibra Ia (neurônio sensorial) até chegarem à medula, onde o aferente faz sinapse com neurônios motores alfa que inervam o próprio quadríceps. Se a frequência de PA for alta, isso poderá estimular (excitar) o motoneurônio a também disparar PA, que, nesse caso, irá ativar o grupo de fibras musculares que é por ele inervado. No nosso exemplo, isso resultará no encurtamento do quadríceps e na consequente extensão do joelho. Ou seja, quando um músculo é alongado, em resposta a esse movimento ocorre uma ativação involuntária desse mesmo músculo que, dependendo da magnitude, pode oferecer resistência ao alongamento, ou até provocar seu encurtamento, como ocorre no teste neurológico feito pelo médico que dá uma martelada no seu joelho. 82 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Corpo do neurônio sensorial Quadríceps Isquiotibiais Medula Fuso muscular Fibra sensorial (Ia) Motoneurônio alfa Interneurônio inibitório Substância cinzenta Substância branca Figura 30 – Reflexo patelar: exemplo do reflexo miotático Muitas vezes o reflexo miotático é entendido exclusivamente como um sistema de defesa do organismo para evitar que um músculo seja alongado em excesso e que venha a sofrer algum dano em razão disso. No entanto, há sugestões de que essa seja uma visão simplista e limitada desse mecanismo. Um motivo para essa crença está baseado no fato de que os fusos musculares disparam mesmo em situações em que o músculo está longe de ser alongado além de seu comprimento de repouso. O que sugere, alternativamente, que esse é um mecanismo que controla as variações no comprimento muscular. Esse controle é útil para manutenção dotônus muscular e para o controle da produção de força. Para entendermos melhor a função do reflexo miotático e, paralelamente, o papel do fuso muscular, é importante destacarmos que a informação sobre o grau de alongamento dos músculos é também enviada para a área sensitiva nos centros superiores, além de ir direto para os músculos. A partir do conhecimento do comprimento muscular fornecido pelos fusos, os centros superiores do encéfalo podem modular a atividade dos músculos ativos. O grau de alongamento dos músculos serve como parâmetro para que as estruturas corticais responsáveis pelo movimento voluntário identifiquem a posição das articulações, já que quanto mais alongado esse órgão, maior o grau de extensão de uma articulação e vice-versa. Além disso, com base na informação do grau de alongamento dos músculos, os centros superiores do encéfalo podem modular continuamente a descarga neural para modular o grau de ativação necessário para iniciar ou continuar um movimento em curso, em decorrência das modificações que ocorrem no torque externo durante as ações concêntricas e excêntricas. 83 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Não somente informantes essenciais para os centros superiores sobre o posicionamento das articulações e o grau de atividade dos músculos, considera-se também que o fuso e o reflexo de estiramento disparado por eles estejam na base dos processos de coordenação dos movimentos complexos, juntamente com os interneurônios localizados na medula, como sugere a análise do reflexo de inibição recíproca e dos reflexos de retirada por flexão e reflexo de extensão cruzada, sobre os quais trataremos na sequência. 6.8.2.2 Reflexo de inibição recíproca Além do reflexo miotático, que é a resposta desencadeada no agonista (quadríceps, em nosso exemplo), a ativação do fuso muscular desencadeia, ao mesmo tempo, um efeito nos antagonistas do músculo que é alongado (isquiotibiais, em nosso exemplo). Esse efeito é o chamado reflexo de inibição recíproca. A inibição recíproca também é ilustrada na figura precedente. Repare que os potenciais de ação desencadeados pelo fuso muscular (gerado quando o músculo agonista é alongado), além de se propagarem para as terminações da fibra Ia que fazem sinapse com motoneurônios que inervam o quadríceps, também se propagam por um ramo lateral da fibra Ia que faz sinapse com um interneurônio inibitório localizado na medula. Esse interneurônio inibitório intermedia a comunicação da fibra Ia com os motoneurônios que inervam os isquiotibiais (antagonistas). A ativação desse interneurônio pela fibra Ia faz com que ele iniba a atividade dos motoneurônios com os quais faz sinapse (que se direcionam para o músculo antagonista). Como consequência, esses motoneurônios terão sua atividade diminuída (se estavam disparando PA, diminuirão a frequência dos disparos) ou silenciada (interromperão os disparos), provocando a diminuição da tensão opositora oferecida pelo antagonista ou até induzindo seu relaxamento, conforme a intensidade do estímulo original (grau de alongamento e velocidade de alongamento do agonista). Esse efeito no antagonista é o reflexo de inibição recíproca. Resumindo: o resultado do alongamento que foi aplicado ao músculo agonista desencadeia duas respostas reflexas simultâneas: • Reflexo miotático: o desenvolvimento de tensão no agonista (quadríceps). • Reflexo de inibição recíproca: relaxamento dos antagonistas (isquiotibiais). Ou seja, esse mecanismo, e a circuitaria que o compõe, permitem uma resposta coordenada entre agonistas e antagonistas. Quando o agonista é ativado, simultaneamente seu antagonista é inibido e relaxa. É através desse circuito neural, e influenciado pela atividade dos fusos, que ocorrem os processos de coordenação da atividade entre músculos opositores dispostos ao redor de uma articulação nos movimentos voluntários. Porém, repare que essa coordenação independe de comandos dos centros superiores, que podem concentrar-se em tarefas mais importantes. 84 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II 6.8.2.3 Reflexo miotático inverso O reflexo miotático inverso, como o nome sugere, produz o efeito contrário do obtido no reflexo miotático. Esse reflexo é desencadeado pelos órgãos tendinosos de Golgi (OTG) que são receptores que controlam o grau de tensão gerado na estrutura músculo-tendínea. Quando um nível de tensão muito elevado é imposto na estrutura, os OTG provocam a inativação do músculo. Para realizar essa função, esses sensores estão localizados nos tendões, na região bem próxima do seu encontro com as fibras musculares. As terminações sensoriais Ib, que inervam os OTG, ramificam-se em sua extremidade distal e se inserem entre as fibras dos tendões. Quando um músculo é tracionado, como acontece durante uma ação muscular ou durante um alongamento vigoroso, a tensão imposta sobre as fibras musculares é também transferida para os tendões. Se a tensão é muito alta, isso provoca o rearranjo das fibras tendíneas, que comprimem as ramificações das terminações do OTG. Essa compressão faz com que o OTG dispare potenciais de ação, que trafegam pela extensão da fibra Ib em direção à medula. Nela, essas fibras fazem sinapse com interneurônios inibitórios que se interpõem entre as fibras Ib e os motoneurônios alfa que inervam o mesmo músculo. Como consequência, os motoneurônios alfa terão sua frequência de disparos diminuída ou serão silenciados. Ou seja, a ativação do OTG provoca a diminuição de tensão na unidade músculo-tendínea inibindo o próprio músculo responsável por gerar a tensão, caracterizando um mecanismo de retroalimentação negativa. Órgão Tendinoso de Golgi Aferente 1b Osso Sinapse excitatória Sinapse inibitória Interneurônio inibitório Neurônio motor alfa Músculo desenvolvendo alto grau de tensão Figura 31 – Circuitaria neural do reflexo miotático inverso 85 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 6.8.2.4 Reflexo de afastamento por flexão e reflexo de extensão cruzada O afastamento por flexão é um reflexo polissináptico. Ele é um reflexo protetor que ocorre em resposta a um estímulo nocivo, e envolve contrações musculares coordenadas em diversas articulações. O reflexo de flexão – da mesma maneira que o reflexo de estiramento – apresenta inervação recíproca: os músculos flexores do membro estimulado se contraem ao mesmo tempo em que os músculos extensores desse membro são inibidos. Esse é o reflexo de afastamento por flexão. Junto com a flexão do membro estimulado, o reflexo produz o efeito oposto no membro contralateral: os músculos extensores são excitados, enquanto os flexores são inibidos. Esse é o reflexo de extensão cruzada, que serve para aumentar o suporte postural durante o afastamento do estímulo doloroso. Para entender melhor esses dois reflexos que acontecem simultaneamente, vamos pensar numa situação real. Imagine-se caminhando pela rua e, de repente, você pisa num prego. A penetração do prego em seu pé ativa um receptor de dor localizado sob a pele. Esse receptor dispara PAs que seguirão até a medula através das terminações sensoriais que fazem sinapse com motoneurônios de músculos flexores localizados no membro que pisou no prego. A ativação desses motoneurônios provoca a flexão das articulações do joelho e quadril desse membro (reflexo de retirada por flexão). Para que você permaneça em pé, a perna oposta é estendida (reflexo de extensão cruzada). Embora o reflexo de flexão seja uma resposta relativamente estereotipada a diversos estímulos dolorosos, tanto a amplitude quanto a força da contração muscular refletem a intensidade do estímulo reflexo. Vamos a outro exemplo. Tocar um fogão morno pode provocar afastamento relativamente rápido do pulso e do cotovelo,enquanto tocar um fogão bem quente produz forte contração em todas as articulações e um rápido afastamento de todo o membro. Ainda mais, o reflexo de flexão dura mais que o estímulo, e sua duração, em geral, aumenta conforme a intensidade do estímulo. Assim como acontece com a maioria dos reflexos, os reflexos de flexão não são simples repetições do mesmo padrão estereotipado de movimentos, mas são modulados, de modos diversos, segundo às propriedades da incitação. Os circuitos espinhais responsáveis pelo reflexo de flexão e de extensão cruzada fazem mais do que mediar reflexos protetores – eles também servem para coordenar os movimentos dos membros durante os movimentos voluntários. Interneurônios nessas vias recebem entradas convergentes de diferentes tipos de fibras aferentes, não apenas de fibras da dor, mas de vias descendentes. 86 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II Fibra aferente cutânea de nociceptor (Aδ) Músculo extensor Músculos extensores Músculos flexores A perna estimulada é afastada Apoio pela perna oposta Figura 32 – Circuitaria neural do reflexo de afastamento por flexão e do reflexo de extensão cruzada Exemplo de aplicação Para compreender os reflexos é necessário conhecer as vias que os medeiam. Usando caneta colorida, desenhe a circuitaria dos reflexos miotático, inibição recíproca, miotático inverso, flexor e extensão cruzada. 6.8.3 Movimentos voluntários Os movimentos voluntários são também chamados de intencionais. São os movimentos que realizamos com o propósito de cumprir uma tarefa motora, por exemplo: pentear o cabelo, dirigir o carro, amarrar os sapatos etc. Essa é a classe de movimento mais complexa, dado que exige a combinação perfeita na ordem de ativação de vários músculos, com a velocidade e desenvolvimento de tensão adequados para que o movimento seja realizado de maneira suave e precisa. Esse tipo de movimento exige a participação das estruturas corticais mais superiores hierarquicamente. São gestos que precisam ser aprendidos para serem executados. A repetição desse tipo de movimento leva à melhora de sua qualidade e à sua automatização, de forma que, progressivamente, diminui-se o controle consciente sobre sua execução. 87 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Para que um movimento voluntário aconteça, uma ordem proveniente da área motora, que fica no córtex motor, no hemisfério cerebral, deve ser encaminhada para o grupo de músculos responsáveis pelo movimento intencionado. Essa ordem é transmitida pelo sistema piramidal. Esse sistema, igualmente denominado sistema corticoespinhal, compreende o grupo de neurônios que têm seus corpos localizados no córtex cerebral e cujos axônios se projetam diretamente para a medula espinhal. Esses neurônios são os neurônios motores superiores. Em um determinado ponto da medula, eles fazem sinapses com neurônios motores alfa, também conhecidos como neurônios motores inferiores. Esses, por sua vez, se projetam até os músculos responsáveis pelos movimentos. As vias piramidais consistem em um único trato, originado no encéfalo, que se divide em dois tratos separados na medula espinhal: o trato corticoespinhal lateral e o trato corticoespinhal anterior. Ambos os tratos piramidais descendentes realizam o processo de decussação (entrecruzamento) na altura do bulbo, de forma que os feixes originários do lado esquerdo do córtex motor irão controlar os músculos do lado direito do corpo e vice-versa. Por essa razão, as vítimas de traumas cranianos ou acidentes vasculares cerebrais (AVC) apresentam comprometimento motor nos seguimentos do lado oposto do corpo onde ocorreu o dano cerebral. Observação Um trato é um feixe de fibras nervosas. Os tratos que conduzem informação sensorial (aferente) são denominados tratos ascendentes e os que conduzem informação motora (eferente), tratos descendentes. 6.8.4 Movimentos rítmicos São exemplos de movimentos rítmicos a marcha, a corrida e a mastigação. Os movimentos nessa classe combinam características de ações motoras voluntárias e reflexas. Nos movimentos rítmicos, apenas o início e o término da ação são intencionais (voluntários). No entanto, durante sua execução são repetidas sequências de ações estereotipadas, que ocorrem de forma automática, como se fossem reflexas. É importante destacar que, apesar das diferenças no grau de complexidade que apresentam as três classes de movimentos, em todas elas há a exigência da coordenação da atividade de, no mínimo, dois grupos musculares: aqueles responsáveis pelo movimento na articulação – agonistas –; e aqueles que estão na outra face, opondo-se ou freando o movimento – antagonistas. Vamos pensar no movimento reflexo de estender o joelho no teste neurológico que mencionamos previamente. O estímulo do martelo produz a ativação reflexa do quadríceps, que é responsável pela extensão do joelho. Simultaneamente à ativação do quadríceps, deve ocorrer o relaxamento dos isquiotibiais que são antagonistas do quadríceps, para que não impeçam o movimento de extensão 88 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II dos joelhos. Isso reflete um nível de coordenação simples durante o reflexo, que é gerenciado por circuitos medulares, sem exigência da participação de estruturas corticais. Agora, imagine a complexidade de um movimento, em termos de coordenação, como o lançamento de uma bola, o ato de alcançar um objeto ou de caminhar (marcha). Nesses exemplos, são movimentadas duas ou mais articulações, o que exige a atividade coordenada de vários grupos de músculos, alguns para realizar, outros para estabilizar a postura e manter o equilíbrio durante a execução. Para gerar esses movimentos, os sistemas motores precisam ser abastecidos continuamente com informações sobre o ambiente, sobre a posição e a orientação do corpo e dos membros, e também sobre o comprimento e grau de tensão dos músculos. Essas informações são utilizadas para seleção da resposta motora mais adequada à situação (considerando a posição do corpo, dos segmentos, grau de tensão e alongamento dos músculos) e para fazer ajustes que podem ser necessários durante a realização do movimento. Outro fator que possibilita a ocorrência das diferentes classes de movimentos é a organização hierárquica existente em três níveis de controle: a medula espinhal, os sistemas descendentes do tronco encefálico e as áreas motoras do córtex cerebral. A medula espinhal compreende o nível mais inferior dessa hierarquia. Nela estão contidos os circuitos neuronais necessários para a realização de padrões de movimentos reflexos. Os movimentos rítmicos como a marcha dependem da mesma circuitaria neural usada pelos movimentos reflexos, mas são mediados por estruturas do troco encefálico, situados num nível hierárquico de controle intermediário. Esses movimentos, assim como os reflexos, são realizados sem a interferência dos centros de consciência. Por sua vez, ações motoras como tocar piano e escrever são mais complexas e comandadas por estruturas corticais, isto é, o nível mais alto na hierarquia. Resumo Nesta unidade foi possível analisar que o sistema nervoso central é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. O que chamamos de encéfalo, pode ser categorizado em pelo menos seis estruturas que, diferentemente da medula, estão todas localizadas dentro da caixa craniana. Compõem as referidas estruturas os hemisférios cerebrais, o diencéfalo, o cerebelo, o mesencéfalo, a ponte e o bulbo. Os hemisférios cerebrais direito e esquerdo são unidos pelo corpo caloso, que é a estrutura que permite a comunicação entre eles. Por sobre os hemisférios cerebrais está localizada a camada enrugada do córtex cerebral, que é dividida em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. O lobo frontalé responsável pelo intelecto e pelo controle motor. O lobo temporal, pela audição; o parietal pelo estímulo sensorial geral; e o occipital pela visão. 89 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA No lobo frontal está situado o córtex motor primário, que controla os movimentos voluntários. Seus neurônios se projetam diretamente para a medula, na qual fazem comunicação com os neurônios motores, que levam a informação para os músculos esqueléticos, responsáveis pelo movimento. O sistema nervoso central funciona interligado ao denominado sistema nervoso periférico. Este é composto pelos grupos de neurônios gânglios, pelos nervos espinhais e pelas terminações nervosas. O sistema nervoso periférico é subdividido em sistema nervoso somático e sistema nervoso autonômico. O primeiro abastece o SNC com informações fornecidas por neurônios sensoriais dispostos na pele, nos músculos e nas articulações, para que o SNS use essas informações para o controle das funções dos órgãos efetores. Já o sistema nervoso autonômico controla o funcionamento das vísceras, dos músculos lisos e das glândulas exócrinas. Ele é constituído de três subunidades: sistemas nervosos simpático, parassimpático e entérico. Todo o funcionamento do sistema nervoso acontece através das suas unidades básicas, que são as células. Existem dois tipos de células neurais: as células da glia e os neurônios. As células da glia são responsáveis pela sustentação, proteção e nutrição dos neurônios. Os neurônios são as células responsáveis pela geração e propagação da informação. Eles produzem sinais elétricos que são transmitidos entre neurônios e desses para os órgãos efetores ou para o sistema nervoso central. Graças a essa capacidade dos neurônios, o sistema nervoso é capaz de coletar sinais do meio exterior e de se ajustar a ele. Vimos ainda que o sinal neural usado pelos neurônios para comunicação é denominado potencial de ação. Um potencial de ação é uma inversão na polaridade que ocorre em determinados trechos da membrana neuronal. Essa inversão de polaridade apenas pode acontecer porque a distribuição desigual de íons dentro e fora do neurônio cria uma diferença de carga elétrica entre esses dois ambientes, trata-se do potencial de repouso da membrana. A sinalização entre neurônios pode acontecer através de duas formas de comunicações, que chamamos de sinapses. Um tipo de sinapse é a elétrica, a outra é a química. Na sinapse elétrica as células têm contato e o sinal elétrico de uma célula é transmitido diretamente para a outra por meio de canais comunicantes. Na sinapse química não há contato entre as células e a comunicação entre elas é feita por meio de um mensageiro químico denominado neurotransmissor. Nesse sentido, foi possível observar que as sinapses químicas podem ser excitatórias ou inibitórias. Numa sinapse excitatória ocorre a despolarização da membrana, e a célula fica com sua carga interna menos negativa, podendo 90 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II chegar a ficar positiva. Na sinapse inibitória ocorre a hiperpolarização da membrana da célula pós-sináptica e seu interior fica ainda mais negativo. A despolarização ocorre devido à abertura de canais de sódio existentes na membrana neural, enquanto a hiperpolarização ocorre devido à abertura de canais de cloreto ou potássio. A geração de um PA depende de uma despolarização mínima que deve ser da grandeza de 15 mV. Essa despolarização mínima é chamada de limiar de excitação. Quando a abertura de canais de sódio provoca uma despolarização que leva a carga elétrica da membrana de -70 mV para -55 mV, mais e mais canais de sódio são abertos. Essa abertura adicional permite a entrada de sódio em dada quantidade que o interior da célula fica positivo em torno de 30 mV. Os PAs são usados pelos neurônios para ativar as células musculares com o propósito de gerar os movimentos. A comunicação entre uma célula neural e uma fibra muscular é denominada junção neuromuscular. Entretanto, um neurônio não se comunica exclusivamente com uma célula muscular, mas com um grupo delas. O conjunto formado pelo neurônio motor e pelas células musculares que ele inerva é intitulado unidade motora. Um músculo pode conter milhares de fibras musculares, portanto também pode ser dessa ordem a quantidade de unidades motoras existentes nele. A tensão gerada por um músculo é modulada através da variação do número de unidades motoras ativadas ou da frequência de PAs enviados para elas. Já quanto aos movimentos gerados, eles podem ser de três tipos: reflexos, rítmicos e voluntários. Os movimentos reflexos são movimentos não intencionais. Os potenciais de ação que ativam as unidades motoras que incitam esses movimentos são gerados nos receptores sensoriais especiais denominados proprioceptores. Os dois principais proprioceptores são o fuso muscular e o Órgão Tendinoso de Golgi (OTG). O fuso muscular controla o grau e a velocidade de alongamento dos músculos, e produz os reflexos de estiramento e de inibição recíproca. O OTG, por sua vez, controla o grau de tensão produzido na unidade músculo-tendínea e gera o reflexo miotático inverso. Terminações sensórias de dor inseridas na pele medeiam os reflexos de retirada e de extensão cruzada. Todos os reflexos têm como função a proteção das estruturas onde estão inseridos, mas sua circuitaria possibilita também a função de coordenar a atividade de diversas articulações simultaneamente nos movimentos voluntários. 91 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Os movimentos rítmicos combinam características de ações voluntárias e reflexas. Nesse tipo de movimento o início e término da ação são voluntários, enquanto a duração da execução é mantida de forma reflexa. São exemplos desse tipo de movimento a marcha, a corrida e a mastigação. Os movimentos voluntários são aqueles intencionados pelo indivíduo. Eles são mais complexos, pois exigem a combinação perfeita da ordem de ativação, da velocidade e grau de tensão de múltiplos músculos. É um tipo de movimento que exige a participação das estruturas corticais superiores. Um movimento voluntário precisa ser aprendido para ser executado. Porém, a repetição desse tipo de movimento leva à melhora da sua qualidade de execução e à sua automatização, de forma que, progressivamente, diminui-se o controle consciente sobre sua execução. São exemplos de movimentos voluntários: pentear o cabelo; amarrar os sapatos; lançar uma bola; e manusear objetos. Exercícios Questão 1. (Enade 2010) Um profissional de Educação Física sabe que o cerebelo exerce uma influência reguladora sobre a atividade muscular, que ele recebe impulsos originados em receptores das articulações, tendões, músculos, pele e também de órgãos terminais do sistema visual, auditivo e vestibular e que esses impulsos não são conscientes, mas são estímulos essenciais para o controle do movimento. Como o profissional de Educação Física percebeu que um de seus clientes apresentava dificuldades de equilíbrio e de manutenção da postura durante as atividades, passou a indagar-se sobre que partes do cerebelo (vestibular, espinhal e cerebral) são responsáveis pelas funções de equilibrar e manter a postura dos indivíduos e que poderiam estar afetando o desempenho de seu cliente. Considerando as funções das partes do cerebelo, avalie as afirmações a seguir. I – A manutenção do equilíbrio e da postura se faz basicamente pelo cerebelo vestibular. II – O cerebelo vestibular promove a contração dos músculos axiais e proximais dos membros, mantendo o equilíbrio e a postura normal. III – A participação do cerebelo na manutenção do equilíbrio corporal e da postura corporal se faz por intermédio do trato espinocerebral. IV – A manutençãodo equilíbrio e da postura se faz basicamente pelo cerebelo espinhal, cerebelo cerebral e pela zona medial. V – A influência é transmitida aos neurônios motores pelos tratos vestibuloespinhal e reticuloespinhal. É correto apenas o que se afirma em: A) I, II e IV. 92 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade II B) I, II e V. C) I, III e V. D) II, III e IV. E) III, IV e V Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: a manutenção do equilíbrio e da postura se faz basicamente pelo cerebelo vestibular, com o auxílio do controle dos movimentos oculares realizando os ajustes necessários à manutenção da postura. II – Afirmativa correta. Justificativa: o cerebelo vestibular promove a contração dos músculos axiais e proximais dos membros, mantendo o equilíbrio e a postura normal, através do controle da manutenção do tônus muscular. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: o trato espinocerebral é o responsável por captar as informações provenientes do fuso muscular e dos órgãos tendinosos de Golgi, para transmitir um impulso motor visando ao ajuste corporal – propriocepção. IV – Afirmativa incorreta. Justificativa: o cerebelo espinhal avalia o movimento do corpo e dos membros; o cerebelo cerebral planeja o movimento e avalia as informações sensoriais; e a zona medial, em conjunto com o arquicerebelo, tem como função básica a manutenção da postura e do equilíbrio. V – Afirmativa correta. Justificativa: o trato vestibuloespinhal tem a origem de seus impulsos na região vestibular do ouvido interno e do cerebelo. Esses impulsos são transmitidos ao neurônio motor por fibras que descem pelo funículo ventral medial da medula e o reticuloespinhal é dividido em dois. A ação do trato reticuloespinhal pontino, que surge dos núcleos reticulares da ponte e desce para todos os níveis da medula pelo funículo ventral medial, é facilitar a extensão dos membros inferiores, auxiliando na manutenção da postura ereta. O trato reticuloespinhal bulbar surge a partir do núcleo gigantocelular, no bulbo, e desce bilateralmente na medula pelas colunas brancas laterais. Esse trato se opõe aos reflexos gravitacionais 93 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Questão 2. (UFU 2006) O esquema a seguir representa o reflexo patelar, que é uma resposta involuntária a um estímulo sensorial. Figura 33 Com relação a este reflexo, analise as afirmativas abaixo. I – Neste reflexo, participam apenas dois tipos de neurônios: o sensitivo, que leva o impulso até a medula espinhal; o motor, que traz o impulso medular até o músculo da coxa, fazendo-a contrair-se. II – Em exame de reflexo patelar, ao bater-se com um martelo no joelho, os axônios dos neurônios sensitivos são excitados e, imediatamente, os dendritos conduzem o impulso até à medula espinhal. III – Se a raiz ventral do nervo espinhal for seccionada (veja em A), a pessoa sente a batida no joelho, mas não move a perna. Assinale a alternativa que apresenta somente afirmativas corretas. A) II e III. B) I e II. C) I e III. D) I, II e III. E) Apenas II. Resolução desta questão na plataforma. 94 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III Unidade III 7 CONTROLE TÉRMICO DURANTE O EXERCÍCIO Agora vamos tratar dos processos relacionados ao controle da temperatura corporal. Anteriormente, estudamos que essa é uma função desempenhada pelo nosso sistema autônomo, dentre tantas outras que lhe cabem. Mas aqui compreenderemos as particularidades do controle térmico nas situações específicas de um exercício. Embora nosso organismo consiga controlar com bastante eficiência as variações na temperatura corporal em situações normais, os mecanismos de termorregulação encontram dificuldades em situações de esforços realizados em condições extremas de calor ou frio. Desse modo, analisaremos porque isso acontece, quais os riscos para nosso organismo ao não conseguir controlar as variações na temperatura e o que podemos fazer para evitá‑los. Primeiramente, precisamos entender como nosso corpo mantém a temperatura dentro dos limites ideias para seu funcionamento em condições normais. Observação Termorregulação é a capacidade de manutenção da temperatura corporal dentro de certos limites, mesmo quando a temperatura do ambiente é diferente. 7.1 Mecanismos de regulação da temperatura Você já sabe que o controle da temperatura corporal é uma função do sistema nervoso autônomo. Para sermos mais precisos, o hipotálamo é a estrutura neural responsável por essa tarefa. Cabe a ele manter nossa temperatura interna em torno de 36,1 ºC a 37,8 ºC. Para desempenhar essa função, o hipotálamo põe em funcionamento mecanismos de perda e de ganho de calor que se contrabalanceiam a fim de manter as variações de temperatura dentro de limites bem estreitos. Nosso organismo adquire calor por fontes internas e externas. As externas são a exposição direta ao sol, a radiação indireta dos raios solares e a temperatura do ambiente. As internas são o metabolismo celular e a atividade muscular. Dentre as fontes de calor, embora as condições do ambiente possam afetar nossa temperatura corporal, é o metabolismo celular o principal produtor de calor em nosso corpo. 95 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Por outro lado, perdemos calor por intermédio de quatro mecanismos: a radiação, a condução, a convecção e a evaporação. A eficiência desses mecanismos em controlar a elevação da nossa temperatura corporal difere em repouso e durante o esforço, como veremos mais adiante. Antes de continuarmos, note que iremos apresentar esses mecanismos separadamente, no entanto, esteja ciente que eles atuam em conjunto na manutenção da nossa temperatura. Perda de calor Radiação Condução Convecção Evaporação Equilíbrio Ganho de calor Calor do ambiente (radiação, condução) Produção corporal 41 40 39 3837 Variação normal Temperatura (ºC) Tem peraturaTe m pe ra tu ra 36 35 34 33 Figura 34 – Mecanismos para controle da temperatura corporal 7.1.1 Radiação É um mecanismo em que a transferência de calor acontece através da emissão de raios infravermelhos. Essa forma de transferência não exige contato entre os corpos que trocam calor. Um exemplo desse mecanismo ocorre quando entramos na cozinha e, ao passar perto do fogão, percebemos que o forno está ligado, sem precisar encostar nele. Nosso organismo usa esse mecanismo para transferir calor para o ambiente. Para isso, o calor que é produzido no interior dos tecidos precisa se aproximar da superfície corporal, o que pode acontecer de duas maneiras: se propagando pelos tecidos adjacentes ou através do sangue. A transferência por radiação é responsável por cerca de 60% da perda de calor de nosso organismo quando não estamos nos exercitando. 7.1.2 Condução Esse mecanismo exige que haja contato entre os corpos para que a transferência de calor aconteça. Por exemplo, quando encostamos em um objeto quente, o calor dele é transferido para região do corpo em contato com ele. Essa transferência de calor pode ser muito rápida e de grande magnitude, o que provocaria uma queimadura na região de contato, se o objeto estiver com uma temperatura muito alta em relação à do corpo. No entanto, em situações mais comuns, há ocorrência de transferência de calor por condução sem que isso seja danoso para o organismo. O que pode ser observado quando o corpo transfere calor para a roupa que vestimos, pois está em contato com nossa pele. Da mesma maneira, o 96 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III calor dos tecidos corporais se propaga entre tecidos adjacentes. Como a temperatura internaé maior que a temperatura na superfície da pele, a direção da transferência do calor se dá no sentido dos tecidos mais profundos para os mais superficiais. 7.1.3 Convecção No mecanismo de convecção a transferência de calor se dá por intermédio do movimento de um fluido, normalmente água ou ar, de forma que o calor de um corpo/objeto é transferido para as moléculas de ar ou de água (fluido). A taxa de transferência de calor (o quanto de calor é transferido num determinado tempo) por esse mecanismo depende da velocidade de movimentação do fluido e da sua temperatura. Ou seja, quanto mais frio estiver o ar ou a água, e quanto maior sua velocidade quando passam pelo corpo/objeto, maior será a transferência de calor, ou seja, maior será o resfriamento que o objeto vai sofrer. É por esse mecanismo que resfriamos nosso corpo quando tomamos banho ou nadamos. Também é por intermédio dele que nos resfriamos quando ligamos um ventilador num dia quente de verão. 7.1.4 Evaporação O mecanismo de evaporação é responsável por cerca de 20% a 25% do calor dissipado pelo nosso organismo quando estamos em repouso. No entanto, passa a ser a principal maneira pela qual nosso corpo perde calor durante o exercício, chegando a ser responsável por cerca de 80% do calor produzido nessa situação. 800 1 2 3 4 5 6 Produção de energia Produção de calor Perda total de calor Perda de calor por evaporação Perda de calor por convecção e radiação Perda de calor por evaporação pelos pulmões Taxa de trabalho do exercício kc al . hr 1 600 400 200 700 500 300 100 0 30 90 150 21060 120 180 240 Figura 35 – Contribuição dos diferentes mecanismos de controle térmico durante o exercício 97 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Em nosso organismo, a evaporação ocorre em duas situações distintas. A primeira delas, sem que tenhamos consciência. Esse evento é chamado de perda hídrica insensível, que se dá quando um líquido corporal entra em contato com o ambiente externo, como nos pulmões, na mucosa (revestimento da boca) e na pele. A perda hídrica insensível é um mecanismo de perda de calor constante, por isso quando o corpo precisa aumentar a perda de calor ele não é útil (vide figura anterior, linha 6). Nessa circunstância, a segunda forma de evaporação é mais eficiente, pois ela ocorre por meio do suor presente na superfície da pele, que tem suas moléculas de água transferidas para o ar. É interessante observar que o mecanismo de evaporação se mostra eficiente para controlar a elevação da temperatura corporal quando somos expostos a exercícios intensos – taxa de trabalho (vide figura anterior, linha 4). Também cabe salientar que a taxa de transpiração é igualmente elevada conforme aumenta a intensidade do esforço. Isso nos sugere que o volume de suor transpirado é muito relevante para o funcionamento do mecanismo de evaporação. Contudo, é importante destacar que suar não é suficiente para resfriar o corpo, é necessário que o suor na superfície da pele evapore para que a perda de calor seja significativa. Ou seja, se nosso organismo aumentar a taxa de transpiração, mas o suor não evaporar, o corpo não será suficientemente resfriado. Vamos a um exemplo de quando isso pode acontecer. Você deve conhecer ou ter visto alguém que se exercita usando um saco plástico sob a camisa alegando que faz isso com o intuito de “suar para emagrecer”. Caso sim, deve ter reparado que a pessoa que comete esse “desatino” transpira muito, chegando a ficar encharcada. No final do exercício, ela fica contente, porque está mais leve do que quando começou. Mas isso é puro engano! Primeiro, porque o fato dela estar mais leve não quer dizer que tenha emagrecido, mas sim que perdeu muito líquido pela transpiração! Para piorar o quadro, durante o exercício a temperatura corporal dela se elevou, mas o organismo não conseguiu baixá‑la, porque o plástico impedia a evaporação do suor. Por essa razão, o organismo continuava a aumentar a taxa de transpiração, o que explica a pessoa sair encharcada após essa situação. Ou seja, o que o indivíduo conseguiu – na melhor das hipóteses – foi se desidratar durante o exercício, isto é, nem emagreceu nem controlou a elevação da temperatura corporal, o que pode ser muito perigoso para o organismo. Mais adiante vamos tratar sobre outra situação que pode dificultar o resfriamento do corpo durante um exercício a partir do mecanismo de evaporação. Antes de prosseguirmos, gostaria de chamar a atenção para o fato de que estudamos os mecanismos de radiação, condução e convecção como mecanismos que nosso organismo utiliza para diminuir a temperatura corporal. No entanto, eles também podem ser responsáveis pelo aumento de calor em nosso corpo. Por exemplo, a exposição direta ou indireta ao sol eleva nossa temperatura por meio da radiação solar. O uso de um cobertor térmico a eleva devido ao mecanismo de condução, enquanto um banho quente ou o contato com o ar quente do ambiente num dia de calor podem contribuir para aumentá‑la pelo mecanismo de convecção. Se ficou um pouco confuso, poderá ser esclarecedor se pensarmos na radiação, convecção e condução como mecanismos de transferência de calor. Também é preciso relembrar que o calor é transferido entre 98 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III dois corpos/objetos ou entre um corpo/objeto e o ambiente, no sentido do corpo/objeto que tem maior quantidade de calor para aquele que tem menor quantidade. Nesse sentido, se encostamos em alguém, quem irá aquecer quem? Como observado, isso dependerá de qual organismo (corpo) está mais aquecido. Então, ao se tomar um banho, se a água estiver mais quente que o corpo, essa ação elevará a temperatura do corpo, que é o que fazemos no frio, por exemplo. Porém, se desejamos o efeito contrário, tomamos um banho com água em temperatura baixa e assim resfriamos o corpo em um dia de calor. Outro detalhe oportuno de se destacar antes de concluirmos esse tópico é que a transferência de calor entre os corpos é mais eficiente quanto maior for a diferença de temperatura existente entre eles. Isso afeta de maneira particular a perda de calor por condução e convecção. Dito de maneira mais clara, quanto mais próximas as temperaturas do nosso corpo e do ambiente, menores serão as perdas de temperatura por condução e convecção. Dito isso, já conhecemos um pouco a respeito dos mecanismos usados pelo nosso organismo para controlar a temperatura corporal, no próximo tópico iremos analisar como eles são ativados. 7.2 Hipotálamo: nosso termostato corporal O controle da temperatura corporal tem como área central o hipotálamo. Para tornar mais fácil a compreensão sobre como essa parte do cérebro atua no controle térmico, podemos dizer que ela funciona de maneira semelhante ao termostato de um aparelho de ar condicionado doméstico, que ativa o aparelho para produzir calor ou frio, com base na comparação entre a temperatura programada pelo dono do aparelho e aquela que o aparelho transfere ao ambiente. No caso do nosso organismo, a temperatura de referência usada pelo hipotálamo gira em torno de 37 ºC (podendo variar, como já dissemos, entre 36 ºC e 37,8 ºC, entre indivíduos). Nosso “termostato corporal” – o hipotálamo – é muito sensível a alterações na temperatura e é capaz de perceber variações de apenas 0,01 ºC. Mesmo frente a desvios tão pequenos quanto este em relação à temperatura ideal, o hipotálamo aciona os mecanismos para produção de calor ou resfriamento do corpo, os quais acabamos de conhecer na seção anterior. Os ajustes promovidos pelo hipotálamo usam como base as informações que chegam a ele aferidas por termorreceptores periféricos (instalados na pele, nas vísceras e na medula espinhal) e centrais (localizados no próprio hipotálamo). Essas informações são enviadas simultaneamente ao córtex cerebralapenas por auxiliar no desenvolvimento de melhores equipes e programas de atividades, mas também por permitir a prevenção e promoção da saúde da população e dos atletas. INTRODUÇÃO Se fosse proposto ao profissional de Educação Física escolher um termo que pudesse ser considerado um denominador comum em todas as fases desta ciência e do esporte, qual seria ele? Energia certamente é o termo mais apropriado. É por essa razão que a bioenergética é considerada um dos conceitos mais importantes a ser compreendido tanto por profissionais quanto por estudantes desta área. Vejamos por que essa afirmação pode ser verdadeira. É por meio da liberação de energia que um músculo é capaz de se contrair e gerar movimento. A maneira pela qual os depósitos de energia são consumidos depende essencialmente da aptidão física da pessoa e do tipo de atividade física que está sendo realizado. Um indivíduo pode aprimorar muito seu desempenho através de programas de treinamento, modificando ou aumentando os depósitos de energia. O tipo de programa elaborado exigirá conhecimento acerca da depleção e reposição desses depósitos de energia a depender da especificidade da atividade a ser realizada. O alimento constitui nossa fonte indireta de energia. Dentro do corpo ele sofre uma série de reações químicas, denominadas, coletivamente, de vias metabólicas. Esse processo resulta na formação de um composto (molécula) denominado adenosina trifosfato (ATP), que constitui a fonte direta de energia para o corpo, mais especificamente para o músculo. O estudo dessas vias permitirá ao estudante fazer aplicações válidas e seguras para a elaboração de seus programas de treinamento, em especial no que diz respeito à nutrição e ao desempenho do praticante, bem como identificar o início da fadiga muscular (a fim de evitar lesões), realizar o controle do peso corporal nos programas de treinamento e equilíbrio térmico. Essas são apenas algumas das importantes razões que tornam necessário compreender com exatidão os conteúdos relacionados à energia, os quais serão abordados no presente livro-texto. 11 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Unidade I 1 FONTES ENERGÉTICAS 1.1 Fontes de ATP O fato de a desintegração do ATP liberar a fonte imediata de energia para a contração muscular, leva-nos a formular a seguinte questão: de que maneira esse importante composto é fornecido a cada célula muscular? Ao respondê-la, convém enfatizar que a energia é necessária para a ressíntese de ATP. Isso não é nenhuma surpresa, uma vez que ocorre liberação de energia quando o ATP é desintegrado. Em outras palavras, o fornecimento desse composto às células musculares depende da ressíntese de ATP, a qual, por sua vez, também requer energia. Existem três sistemas através dos quais as células musculares passam a dispor dessa energia. Do ponto de vista químico, o menos complexo é denominado sistema ATP-CP ou sistema fosfogênio. Nele, a energia necessária para a ressíntese de ATP provém da desintegração de apenas um composto: a fosfocreatina (CP). Nos outros dois sistemas – glicólise anaeróbia ou ácido lático; e sistema aeróbio –, uma série de reações químicas complexas envolvendo a desintegração das substâncias alimentares constitui a principal fonte de energia para a formação da mesma molécula. Lembrete O sistema fosfogênio está localizado nos tecidos excitáveis e representa um composto armazenador de energia que contém um grupo fosfato de alto teor energético, usualmente em equilíbrio enzimático com o fosfato terminal do ATP. Todos os três fornecedores de energia para a ressíntese do ATP operam da mesma maneira. A energia liberada a partir da desintegração das substâncias alimentares e aquela liberada quando o CP é desfeito são usadas para refazer a molécula de ATP; isto é, a energia é utilizada para conduzir a reação demonstrada na figura a seguir – da direita (B) para a esquerda (A). Em outras palavras, a energia liberada pela desintegração dos alimentos e do CP está ligada funcionalmente ou acoplada às necessidades energéticas da ressíntese de ATP a partir de ADP e Pi. A acoplagem funcional de energia de uma série de reações denominadas (pela bioquímica) de acopladas constitui, ainda, o princípio fundamental implicado na produção metabólica de ATP. 12 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Adenosina Adenosina P ADP + PIATP A B P P PP P Figura 1 – Reações bioquímicas na produção de ATP 2 FONTES ANAERÓBIAS DE ATP: METABOLISMO ANAERÓBIO Dois dos três sistemas metabólicos implicados na ressíntese de ATP e previamente mencionados, o sistema ATP-CP (fosfogênio) e a glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático), são anaeróbios. Esse termo significa “sem oxigênio”, enquanto que metabolismo se refere às várias séries de reações químicas que ocorrem dentro do corpo (por exemplo, dentro das células musculares). Assim sendo, metabolismo anaeróbio, ou fontes anaeróbias de ATP, refere-se à ressíntese de ATP através de reações químicas que não exigem a presença do oxigênio que respiramos, ainda que este seja utilizado pela musculatura esquelética durante a prática de atividade física. 2.1 Sistema ATP‑CP (fosfogênio) Já que esse sistema é menos complexo (mas não menos importante), será abordado primeiro. A fosfocreatina (CP), à semelhança do ATP, é armazenada nas células musculares. Levando-se em conta que tanto o ATP quanto a CP contêm grupamentos fosfatos, estes são denominados coletivamente como fosfogênios – daí o nome sistema fosfogênio. A CP se assemelha ao ATP também pelo fato de que quando seu grupamento fosfato é removido, ocorre liberação de grande quantidade de energia intramuscular. Os produtos finais dessa quebra são a creatina (C) e o fosfato inorgânico (Pi). Como assinalamos previamente, a energia é imediatamente disponibilizada e está bioquimicamente acoplada à ressíntese de ATP. Por exemplo, com a mesma rapidez com que o ATP é desintegrado durante a contração muscular (movimento), ele é reproduzido de modo contínuo a partir de ADP e Pi, graças à energia liberada durante a decomposição de CP armazenada. Essas reações acopladas podem ser assim resumidas: CP Pi + C + ENERGIA ENERGIA + ADP + Pi ATP Exercícios anaeróbicos Aláticos Alta intensidade Curtíssima duração Figura 2 Neste momento cabe mencionar que as equações precedentes foram bastante simplificadas. Dentro do nosso corpo elas são mais complexas e exigem a presença de enzimas, que são compostos proteicos capazes de acelerar a velocidade de cada reação. Em verdade, todas as reações metabólicas que ocorrem no corpo exigem a presença de enzimas, incluindo a desintegração de ATP pela enzima ATPase. 13 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Observação A enzima ATPase hidrolisa o ATP, produzindo ADP e fosfato, usualmente acoplada a algum processo que requer energia. Por ironia, o único meio pelo qual a CP pode ser formada novamente a partir de Pi e C é através da energia liberada pela desintegração de ATP. Isso ocorre durante a recuperação após o exercício físico, a fonte primária de ATP origina-se daquela obtida por meio da desintegração das substâncias alimentares. Qual é a quantidade de ATP disponível a partir do sistema fosfogênio? Em primeiro lugar, deve-se observar que o armazenamento de CP no músculo ultrapassa o do ATP, pois a função daquela consiste em fornecer energia à ressíntese deste último. Em segundo lugar, a abreviatura mM se refere a milimol, que é uma unidade de mensuração utilizada para quantificar as porções dos compostos químicos. Um mol é uma determinada quantidade de um composto químico medida por peso, este depende do número e dos tipos de átomos que formam o composto para ser mensurado. Para nossos propósitos,e ao centro de controle da temperatura no hipotálamo. Conforme o destino dessa informação, o controle da temperatura será efetuado de diferentes maneiras. A informação que chega ao córtex nos possibilita ter consciência da diferença entre nossa temperatura atual e a programada no hipotálamo. É graças a essa comparação que deciframos a sensação de calor ou de frio. E é com base nessa informação que podemos, de maneira voluntária e consciente, tomar atitudes para amenizar essas sensações como, por exemplo, colocar uma blusa e fechar a janela, quando sentimos frio, ou ligar o ventilador e tomar um banho gelado, quando sentimos calor. 99 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Por outro lado, a informação enviada pelos termorreceptores periféricos e centrais ao hipotálamo é integrada e utilizada por ele para ativar os mecanismos reflexos que regulam o aquecimento ou o resfriamento do nosso corpo, concretizando assim o controle involuntário da temperatura. Esses ajustes na temperatura, efetuados pelo hipotálamo, acontecem pela ação de quatro efetores: as glândulas sudoríparas, a musculatura lisa que envolve as arteríolas, os músculos esqueléticos e as glândulas endócrinas. Vamos tratar de cada um desses agentes de maneira separada, mas é importante destacar que eles atuam de maneira conjunta para produzir aumentos ou diminuições na temperatura corporal. 7.2.1 Glândulas sudoríparas As glândulas sudoríparas são ativadas pelo hipotálamo quando há a necessidade de resfriar o corpo. Quanto maior a temperatura corporal, maior a taxa de produção de suor. O calor dos tecidos envolvendo as glândulas sudoríparas é transferido para o suor que está em seu interior. Quando o suor se movimenta pelo ducto da glândula sudorípara para atingir a superfície da pele, o calor é transferido por condução. Em seguida, o suor é evaporado da superfície corporal e o corpo é resfriado. 7.2.2 Musculatura lisa das arteríolas Quando nossa temperatura corporal se eleva, o hipotálamo promove o relaxamento da musculatura lisa que envolve as arteríolas que ficam na proximidade da pele. Como consequência, ocorre a vasodilatação que possibilita maior fluxo de sangue através desses vasos. Como eles estão próximos à pele, esse fluxo aumentado facilita a transferência do calor do sangue para a superfície da pele. Em seguida, o calor na pele é dissipado para o ambiente por radiação. Inversamente, quando nossa temperatura corporal está abaixo do normal, o hipotálamo promove o aumento do tônus da musculatura lisa das arteríolas, o que induz a vasoconstrição periférica. Esse efeito reduz o fluxo sanguíneo para a superfície corporal e assim há uma contenção da perda de calor para o ambiente. 7.2.3 Músculo esquelético O músculo esquelético é ativado quando precisamos produzir calor. Isso pode ser feito de maneira voluntária (intencional) ou involuntária (reflexa). Por exemplo, em um dia frio, muitas vezes procuramos realizar um exercício para elevar a temperatura corporal e aumentar nosso conforto térmico. No entanto, talvez seja mais comum nos darmos conta dos tremores quando sentimos frio. Eles são ciclos breves de contrações e relaxamento dos músculos, induzidos pelo hipotálamo com o intuito de produzir calor. Quando um músculo se contrai, parte da energia liberada na degradação da ATP é utilizada para satisfazer a exigência do mecanismo da contração muscular, mas outra parte (cerca de 30%) é dissipada na forma de energia térmica. É esse calor dissipado que eleva nossa temperatura corporal. Como você se lembra de ter estudado anteriormente, quanto maior a intensidade do esforço realizado em um exercício, maior a quantidade de energia necessária e, portanto, maior será a quantidade de ATP degradada para satisfazer essa demanda. Consequentemente, quando 100 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III mais intenso for um exercício, maior será a produção de calor, logo, mais se exigirá dos mecanismos de controle da temperatura. A figura seguinte ilustra com exatidão o processo que acabamos de mencionar. Repare que, independentemente de o exercício ser realizado com os braços ou as pernas, quanto maior o grau de esforço, maior é a elevação da temperatura interna. Um detalhe implícito nesse gráfico é que se atinge maiores elevações na temperatura corporal quando o exercício é realizado com as pernas. A razão disso é que nos membros inferiores se concentra mais massa muscular, então o grau de esforço máximo produzido por exercícios envolvendo as pernas será superior. 39.0 38.5 Te m pe ra tu ra re ta l ( ºC ) VO2 (litros/min) 37.5 1.50.5 1.0 2.0 3.0 4.00 2.5 3.5 38.0 Braços Pernas 37.0 Figura 36 – Efeito da intensidade do esforço e do volume da massa muscular na produção de calor 7.2.4 Glândulas endócrinas Nosso organismo exige um gasto energético mínimo para manter o funcionamento adequado das funções orgânicas. Esse gasto é chamado de metabolismo basal. Nele estão incluídas reações complexas de catabolismo e de anabolismo de proteínas. O catabolismo produz calor pela quebra das ligações peptídicas entre os aminoácidos e o anabolismo também o produz pela sua necessidade de produção de ATP para realizar a ligação peptídica. Nosso organismo não consegue converter toda a energia de uma molécula para outra, de forma que parte da energia liberada nesses processos é convertida em energia térmica. Ou seja, o metabolismo basal inclui reações complexas que produzem calor, portanto, quando o metabolismo basal é aumentado, também é elevada a produção de calor. A tiroxina (T4), produzida pela glândula tireoide, assim como as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), produzidas pela glândula suprarrenal, são hormônios que atuam aumentando o metabolismo celular. No caso da tiroxina, o aumento da atividade das células pode ser de 100%. As catecolaminas, por sua vez, mimetizam a atividade do sistema nervoso simpático e, desse modo, podem afetar a taxa metabólica em praticamente todas as células do organismo. 101 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA A figura a seguir sintetiza como o hipotálamo integra as informações provenientes dos termorreceptores espalhados pelo nosso corpo e as utiliza para induzir a produção de calor ou o resfriamento corporal, respectivamente. Termorreceptores centrais Centro regulador de temperatura Viscerais (profundos) EfetoresPele Efeitos do calor Vasos ‑ Vasodilatação Glândulas sudoríparas ‑ Transpiração Comportamento ‑ Despir‑se Efeitos do frio Vasos ‑ Vasoconstrição Músculos ‑ Calafrios Tireoide ‑ Metabolismo Adrenais ‑ Metabolismo Comportamento ‑ Agasalhar‑se Percepção térmica Hipotálamo Termorreceptores Córtex Figura 37 – Componentes do sistema de termorregulação Lembrete O hipotálamo é a estrutura neural responsável pela homeostase da temperatura corporal. 8 EXERCÍCIOS SOB ALTAS TEMPERATURAS E DISTÚRBIOS INDUZIDOS PELO CALOR Enquanto em condições normais de repouso ou de atividade leve, o controle da temperatura corporal é mantido com bastante eficiência pelo hipotálamo, durante a prática de exercício há um aumento da exigência sobre os mecanismos de termorregulação. Essa exigência pode representar um desafio muito grande se o exercício for realizado em ambiente quente, dado que ao calor metabólico, produzido pelas contrações musculares e pelo fígado, somam‑se as fontes de calor externo que têm como origem primária o sol. A figura a seguir ilustra um exemplo dessa situação. Note que além da produção de calor pelos músculos, o corpo ainda recebe uma carga extra de calor proveniente da temperatura do ar, da radiação térmica do solo e da radiação solar direta e indireta (refletida no solo). Obviamente que, 102 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ram aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III sob essas condições desfavoráveis de estresse térmico, o desempenho é negativamente afetado, mesmo em um sujeito bem treinado, visto que ocorre uma sobrecarga dos mecanismos de controle da temperatura corporal. Os efeitos negativos no desempenho observados nessas condições podem ser atribuídos ao aumento do uso do carboidrato como fonte de energia e a consequente instalação precoce de fadiga, bem como a perda elevada de líquido corporal pela transpiração, o que compromete a contratilidade muscular e leva à sobrecarga cardiovascular. Radiação Convecção∆T Convecção Movimento do ar (ondas de convecção) Umidade relativa do ar Sol Condução • Centro para o sangue • Sangue para a pele Evaporação Transpiração ∆Pv Radiação Radiação Solo Temperatura do ar Temperatura central Temperatura cultânea Figura 38 – Cargas de calor durante exercício em ambiente quente 8.1 Riscos à saúde durante exercício realizado no calor O calor ambiental produz uma diminuição do gradiente térmico entre o ambiente e a superfície do corpo, bem como entre este e os tecidos corporais mais profundos. Dessa forma, há uma diminuição na eficiência da perda de calor pelos mecanismos de condução, convecção e radiação, e a transferência de calor pela evaporação, que já é o mecanismo mais importante durante o exercício e passa a ser ainda mais exigido. 103 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 600 500 400 300 200 100 0 ‑100 0 5 15 25 3510 20 Temperatura ambiente ºC 30 40 4 2 3 1 Produção de energia Produção de calor Perda de calor por evaporação Perda de calor por convecção e radiação kc al . hr 1 Figura 39 – Efeito da temperatura ambiente na eficiência dos mecanismos de controle térmico Quando o exercício é realizado em temperaturas superiores a 30 ºC, a radiação, a convecção e a condução deixam de ser mecanismos de perda de calor e passam a adicionar calor ao organismo, além daquele produzido pelo exercício. Obviamente, exercitar‑se em ambientes ainda mais quentes será mais crítico. No entanto, isso não quer dizer que apenas a temperatura do ambiente seja um fator complicador do controle térmico. Por exemplo, se nos exercitamos em um dia cuja temperatura é de 24 ºC, mas sem vento, o estresse térmico produzido é maior do que se praticamos na mesma temperatura, mas com brisa. O que pode ser bastante preocupante é a combinação de condições ambientais e a prática de exercícios num ambiente quente com umidade do ar elevada. Nessas condições, a temperatura corporal se eleva em decorrência do exercício e da temperatura ambiente. Porém, o mecanismo de evaporação não funciona adequadamente, porque o suor não evapora, já que o ar é muito úmido. Nessa circunstância, o organismo apresenta uma elevada taxa de sudorese, mas o resfriamento corporal não acontece. Se o exercício for prolongado, essa situação pode colocar em risco não apenas o desempenho do atleta, mas também sua saúde e até sua vida! Saiba mais Para mais informações sobre saúde e desempenho durante a prática de exercícios, leia: PLOWMAN, S. A.; SMITH, D. L. Fisiologia do exercício para saúde, aptidão e desempenho. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. 104 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III 8.2 Distúrbios relacionados ao calor A prática de exercício em um ambiente quente pode afetar o desempenho como acabamos de observar. No entanto, esse é um dos menores problemas que a prática de exercícios nessa condição pode causar. Dependendo da interação entre exercício, temperatura ambiente, umidade e velocidade do ar e quantidade de radiação térmica, o indivíduo pode se colocar em uma situação de risco. A exposição ao ambiente quente combinada com a incapacidade de dissipar o calor metabólico produzido pelo exercício pode levar a três distúrbios relacionados ao calor: cãibras; exaustão; e intermação. 8.2.1 Cãibras As cãibras induzidas pelo calor são os distúrbios menos graves entre os três. Elas acometem os músculos mais solicitados durante o exercício. Sua causa exata ainda não é totalmente conhecida, mas está provavelmente relacionada com as elevadas perdas de minerais e com a desidratação, as quais acompanham a alta taxa de transpiração observada no exercício realizado no ambiente quente e úmido. 8.2.2 Exaustão A exaustão pelo calor acomete em maior medida as pessoas mal condicionadas e que não estão bem adaptadas às condições de temperatura e clima. A exaustão induzida pelo calor é tipicamente acompanhada por sintomas como a fadiga intensa, dificuldade respiratória, tontura, vômitos, desmaios, pele fria e úmida, ou quente e seca, hipotensão, pulso rápido e fraco. Ela é provocada pela incapacidade do sistema cardiovascular de suprir adequadamente as necessidades do organismo. Durante o exercício no calor, os músculos e a pele “competem” por uma parte do volume sanguíneo total. A exaustão pelo calor ocorre quando essas demandas simultâneas não são satisfeitas. Ela tem como causa a diminuição do volume sanguíneo que, por sua vez, decorre da perda excessiva de líquidos e de minerais pelo suor. Na exaustão induzida pelo calor os mecanismos de controle térmico estão funcionando, mas eles não conseguem dissipar o calor suficientemente rápido, pois não há um volume sanguíneo considerável que permita sua distribuição adequada para a pele. É comum que pessoas que desmaiam pelo estresse em virtude do calor apresentem sinais de exaustão, no entanto apresentam temperatura interna inferior a 39 ºC. O tratamento dessas vítimas envolve colocá‑las num ambiente mais frio, com os pés elevados para facilitar o retorno venoso. Caso a pessoa esteja acordada e consciente, deve‑se oferecê‑la água com sal, enquanto se providencia encaminhamento médico. A pessoa na condição de exaustão induzida pelo calor que não é socorrida pode ter sua condição agravada, evoluindo a uma intermação. 105 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 8.2.3 Intermação A intermação é o mais grave dos distúrbios induzidos pelo calor, podendo chegar a ser fatal. Portanto, ao sinal de evolução para essa condição, é fundamental que se procure cuidado médico imediatamente. Os sinais observados numa pessoa em intermação são os seguintes: • aumento da temperatura corporal interna acima de 40 ºC; • interrupção da transpiração; • pele quente e seca; • pulso e respiração acelerados; • pressão arterial elevada; • vômitos; • diarreia; • confusão mental; • convulsão; • inconsciência; e • coma. Se a intermação não for tratada rapidamente, a pessoa pode entrar em coma e vir a morrer em pouco tempo. Diante dos sinais de intermação, deve‑se providenciar socorro médico imediato. No entanto, é fundamental não deixar a pessoa desacompanhada! Deve‑se priorizar o socorro à pessoa, tomando medidas para baixar o mais rápido possível sua temperatura. Para isso, pode‑se submetê‑la a um banho bem frio ou até imergi‑la numa banheira com gelo. Se isso não for possível, será útil envolvê‑la num lençol úmido e apontar um ventilador na direção dela. A intermação pode acontecer mesmo que o exercício não seja realizado num ambiente de condições extremas. Por exemplo, elevações da temperatura interna (retal) acima de 40,5 ºC já foram observadas em maratonistas que competiam em ambiente de 21,1 ºCe umidade relativa de 30% (baixa). Da mesma forma, em eventos esportivos mais curtos, de apenas 15 minutos, como uma corrida de 5 km, já foram registrados casos de elevação da temperatura corporal acima de 41 ºC. O risco de desenvolver a intermação é elevado quando o indivíduo se exercita num ambiente quente e úmido por tempo prolongado, como é possível observar na figura seguinte. Esse risco aumentadoestá relacionado com a incapacidade de o organismo resfriar o corpo através da evaporação do suor, já 106 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III que no ambiente úmido o suor não evapora. Adicionalmente, no ambiente quente a carga de calor sobre o corpo se intensifica. Observação Febre, insolação e intermação são eventos em que a temperatura corporal é elevada acima dos níveis normais. Muitos dos sintomas desses eventos são semelhantes, contudo suas causas são distintas. 15 10 5 39 38 37 15 30 45 Repouso Tempo de exercício (min) Te m pe ra tu ra c en tr al (º C) Ta xa d e su do re se (m l . m in ‑1 ) Ambiente quente/úmido Ambiente frio Figura 40 – Efeito da temperatura ambiente e da umidade do ar na taxa de transpiração e na temperatura corporal durante o exercício prolongado 8.3 Prevenção dos distúrbios térmicos A ocorrência dos distúrbios relacionados ao calor pode ser evitada com medidas muito simples como o cuidado com a hidratação, a escolha de vestimenta adequada e a aclimatação. 8.3.1 Hidratação A preocupação com a hidratação é uma das medidas que podemos tomar para atenuar os riscos dos males produzidos pelo calor, a qual é bastante eficiente. No entanto, não basta que ofereçamos água para o indivíduo apenas quando ele reclamar de sede ou quando sentir vontade. Primeiro, porque 107 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA quando sentimos sede podemos já estar desidratados e, segundo, porque quando se deixa por conta do indivíduo o cuidado com a hidratação, há uma tendência que este ingira menos água do que quando lhe é oferecido. As estratégias de hidratação não devem se restringir à ingestão de água durante a prática do exercício ou competição, mas devem começar antes, permanecer ao longo e após a prática. Dessa forma, a atenção com a hidratação e com a alimentação balanceada deve ser iniciada já nas 24 horas precedentes à prova ou ao treino. Duas horas antes do exercício, o sujeito deve consumir cerca de 500 ml de água. O consumo de líquido durante a prova também deve ser programado. É importante que a ingestão não seja em grande volume para evitar o desconforto gástrico. É mais adequado que a cada 15 a 20 minutos sejam consumidos em torno de 100 a 200 ml de água, com concentração de carboidratos de, no máximo, 6%. Preferivelmente, o líquido dever ser oferecido em temperatura em torno de 15 ºC, para acelerar sua absorção. Ao término da prova ou treino, aconselha‑se realizar a reposição hídrica. Para isso, é apropriado o consumo de água em quantidade equivalente a 1,5 vezes o peso corporal perdido durante o exercício, em dose fracionada. De preferência, a solução consumida deverá ter uma composição de sódio de aproximadamente 0,5 a 0,7 g/L. 8.3.2 Vestimenta Em um primeiro momento, a escolha de vestimenta adequada talvez pareça – entre as três estratégias – a de menor importância à prevenção dos distúrbios de calor causados pelo exercício. Isso porque o mercado de materiais esportivos evoluiu muito nas últimas décadas e atualmente oferece muitas opções de roupas apropriadas para a prática de esportes em diferentes condições climáticas. Para nos exercitarmos em ambientes quentes, devemos usar roupas leves, que cubram pequenas extensões da nossa superfície corporal e que ao mesmo tempo não impeçam a dissipação do calor, facilitando a evaporação do suor. Apesar de isso ser amplamente conhecido nos dias atuais, mesmo por indivíduos leigos, ainda acontece de algumas vezes nos depararmos com algum desavisado que continua acreditando que suar é importante para emagrecer, e para isso se exercitam de agasalho mesmo em um dia quente de verão. Se você está entre as pessoas que pensam assim, ou se tem algum amigo que faz isso, explique a ele que isso não funciona para esses propósitos. Na verdade, isso pode atrapalhar seu emagrecimento, porque se uma pessoa se desidrata, o tempo e a intensidade que ela conseguirá manter ao longo do exercício serão menores, o que diminuirá o gasto energético e comprometerá seu emagrecimento. Se isso não for suficiente para convencer o praticante, explique sobre os distúrbios que esse costume pode causar ao organismo e o risco a que ele está se expondo. 108 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III 8.3.3 Aclimatação A aclimatação é uma estratégia relativamente simples, que pode ser muito útil para prevenir ou atenuar os distúrbios induzidos pelo calor. O termo aclimatação se refere a uma série de ajustes fisiológicos que acontecem para que organismo suporte melhor determinadas condições de temperatura e clima. Esses ajustes envolvem modificações na secreção de hormônios ligados ao controle do metabolismo, aumento no volume sanguíneo e na eficiência dos mecanismos de controle da temperatura. Tais alterações podem acontecer num prazo aproximado de dez dias, bastando para isso que o sujeito seja exposto às condições de temperatura e clima progressivamente mais estressantes. Um modo de promover a aclimatação ao calor é programando os treinos para horários mais quentes ao longo do dia. Inicialmente, esses treinos não precisam ser prolongados, já que os ajustes fisiológicos favoráveis à aclimatação começam a ser manifestados com exposições breves de apenas 10 a 15 minutos diários. Também deve‑se tomar cuidado para que essa exposição, a um ambiente termicamente mais estressante, seja feita de forma gradativa. Por exemplo, se o sujeito costuma treinar em horários cuja temperatura é mais amena, como pela manhã, progressivamente deve‑se programar a prática de exercícios mais tarde, em horários próximos ao meio‑dia. Se habitualmente o atleta treina no final da tarde, deve‑se seguir o procedimento contrário, realizando as sessões mais cedo, aproximando‑as gradativamente a horários antes das 12 horas. Os efeitos benéficos da aclimatação são principalmente evidenciados numa menor sobrecarga cardiovascular e tem maior impacto no desempenho quanto mais prolongado for o esforço. Note na figura seguinte que indivíduos aclimatados sofrem menor elevação da temperatura corporal para a mesma intensidade relativa de esforço e que isso implica em menor sobrecarga cardiovascular. Portanto, indivíduos aclimatados têm menor risco de desenvolver os males induzidos pelo calor, bem como melhor desempenho que praticantes igualmente treinados, porém não aclimatados. Lembrete A prática de exercícios físicos em ambiente quente e úmido representa um grande desafio para os mecanismos de controle térmico do organismo. 109 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 40 39 38 37 120 110 0 130 140 150 160 170 180 0 Te m pe ra tu ra re ta l ( ºC ) Tempo de exercício (min) Tempo de exercício (min) Não aclimatado Aclimatado ao calor Fr eq uê nc ia c ar di ac a (b pm ) 30 3060 6090 90 Figura 41 – Efeito da aclimatação na elevação da temperatura corporal e na sobrecarga cardiovascular Saiba mais A exposição crônica ao frio também pode causar aclimatação em curto prazo. Leia mais sobre isso em: PITHON‑CURI, T. C. Fisiologia do exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013, p. 214. Resumo O controle da nossa temperatura corporal é uma atribuição do sistema nervoso autônomo. O hipotálamo é uma espécie de termostato em nosso organismo, que tem como função manter nossa temperatura interna em torno de 36,1 ºC a 37,8 ºC. Esse controle é feito pelo hipotálamo através de um balanço entre mecanismos de ganho e de perda de calor. Nosso corpo adquire calor por meio do metabolismo celular e da exposição direta e indireta ao sol. Por outro lado, para perdermos calor, usamos quatro mecanismos: radiação, condução, convecção e evaporação. Em repouso,o principal mecanismo de perda de calor é a radiação; em exercício, a evaporação. 110 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III A quantidade de calor que perdemos numa determinada unidade de tempo depende do gradiente térmico, que é a diferença entre nossa temperatura e o ambiente. Quanto maior essa diferença, maior a taxa de transferência de calor corporal para o meio externo. No mecanismo de radiação a perda de calor se dá pela emissão de raios infravermelhos. Na condução, a mesma transferência depende do contato entre os corpos. Na convecção, o calor é transferido pelo contato com o ar ou com a água. Por fim, na evaporação, esse processo se dá pela evaporação do suor. Quando nossa temperatura abaixa além dos limites ideais, o hipotálamo promove o ganho de calor por meio de tremores involuntários, aumentando o metabolismo celular através dos hormônios tiroxina e das catecolaminas, e a diminuição da perda de calor através da vasoconstrição periférica. Por outro lado, quando a temperatura se eleva acima do ideal, o hipotálamo promove a perda de calor aumentando a sudorese e produzindo vasodilatação periférica. Todo controle realizado pelo hipotálamo depende do constante fluxo de informação enviada a ele pelos termorreceptores instalados na pele, na medula espinhal e no próprio hipotálamo. Essa informação é integrada para que sejam colocados em funcionamento mecanismos de ganho ou de perda de calor. O exercício físico é uma importante fonte de calor, já que a necessidade de aumento na produção de energia metabólica é acompanhada da elevação da energia térmica. Quanto maior a quantidade de energia exigida numa atividade, maior a quantidade de energia térmica produzida. Assim, quanto mais intenso o exercício, mais difícil é a manutenção da temperatura corporal. Uma vez que o mecanismo de evaporação é responsável por cerca de 80% da perda de calor durante o exercício, conforme nos exercitamos em intensidades progressivamente maiores, maior é a taxa de transpiração. O resfriamento efetivo do corpo, no entanto, acontece apenas quando o suor é evaporado. Assim, se algo atrapalhar essa dinâmica, o sujeito terá uma dificuldade muito grande em resfriar seu corpo. A prática de exercícios em ambiente quente e úmido pode representar um problema sério para o organismo, já que nessas condições dois fatores contribuem para uma acentuada elevação da temperatura corporal. A primeira é o exercício, quanto mais intenso, maior a ganho de calor. A segunda é o ambiente que, sendo quente, representa uma 111 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA fonte adicional de calor. E por ser úmido, dificulta a evaporação do suor, o que compromete a perda de calor. Por essa razão, a prática de exercícios físicos em ambiente com essas características exige muita atenção, pois pode induzir os chamados distúrbios induzidos pelo calor, como as câimbras, a exaustão e a intermação. Esses distúrbios estão associados e têm diferentes níveis de gravidade. Eles se manifestam sequencialmente. Por isso, para evitarmos a intermação, que é o mais grave deles, devemos ficar atentos ao surgimento de cãibras e da exaustão. A intermação é caracterizada por uma elevação abrupta na temperatura corporal acima dos 40 ºC, que é acompanhada de uma série de sinais como interrupção da transpiração, pulso acelerado, vômitos, inconsciência e coma. Se não tratado rapidamente, esse distúrbio pode levar o indivíduo a óbito. Diante de um quadro de intermação o ideal é tentar resfriar a pessoa o mais rápido possível, usando compressas de gelo, banhos gelados etc. Ao mesmo tempo, é necessário providenciar atendimento médico imediato. Essa condição pode ser evitada. Para isso é necessário que o sujeito se hidrate adequadamente antes, durante e depois da prova. Também pode amenizar a elevação da temperatura corporal, usando roupa adequada para a prática de exercício. Além disso, o sujeito pode ser aclimatado. A hidratação antes da atividade deve incluir a ingesta de 500 ml de líquido duas horas antes da prova/treino. Durante o esforço, o sujeito deve beber em torno de 100 ml de água a cada 15‑20 minutos. Após o término, deve beber o volume equivalente a 1,5 vezes o peso corporal perdido durante a prova. Este ainda deve se exercitar usando roupas leves, que cubram pequena área corporal, facilitando a evaporação do suor. Aclimatação é um termo que se refere aos ajustes fisiológicos produzidos pelo organismo para que haja maior tolerância à exposição ao calor e eficiência no controle da temperatura corporal. A aclimatação ao calor acontece muito rapidamente, bastando para isso que o sujeito se exponha progressivamente às condições climáticas as quais pretende que o organismo se adeque. Para isso, é necessário que o praticante se exercite em um ambiente quente no período de aproximadamente dez dias prévios à competição. Essa exposição deve ser gradativa, para dar tempo de as alterações fisiológicas acontecerem. Com o tempo, o sujeito sentirá menos desconforto térmico ao se exercitar em horários mais quentes do dia, amenizando o impacto sobre seu desempenho e diminuindo os riscos à sua saúde. 112 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III Exercícios Questão 1. (PUC–Rio 2008) A água, por ter um alto calor específico, é um elemento importante para a regulação da temperatura corporal em todos os chamados animais de sangue quente. A quantidade de água necessária para a manutenção da estabilidade da temperatura corporal varia, basicamente, em função de dois processos: a sudorese e a produção de urina. Assinale a opção que aponta corretamente como funciona esse controle: A) Quando há aumento da temperatura ambiente, o indivíduo produz menor quantidade de suor e menor quantidade de urina. B) Quando há aumento da temperatura ambiente, o indivíduo produz maior quantidade de suor e maior quantidade de urina. C) Quando há diminuição da temperatura ambiente, o indivíduo produz menor quantidade de suor e maior quantidade de urina. D) Quando há diminuição da temperatura ambiente, o indivíduo produz maior quantidade de suor e menor quantidade de urina. E) Quando há diminuição da temperatura ambiente, o indivíduo produz maior quantidade de suor e maior quantidade de urina. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: quando há aumento da temperatura ambiente o indivíduo irá produzir maior quantidade de suor, para equilibrar sua temperatura corporal (no sentido de resfriar o corpo) e, com isso irá produzir menor quantidade de urina. B) Alternativa incorreta. Justificativa: irá produzir maior quantidade de suor e menor quantidade de urina. C) Alternativa correta. Justificativa: com a queda da temperatura ambiente, o corpo precisará se aquecer, suando menos e aumentando a quantidade de urina. 113 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA D) Alternativa incorreta. Justificativa: quando há diminuição da temperatura ambiente, o indivíduo produz menor quantidade de suor e maior quantidade de urina. E) Alternativa incorreta. Justificativa: quando há diminuição da temperatura ambiente, o indivíduo produz menor quantidade de suor e maior quantidade de urina. Questão 2. (Enem 2009) Para que todos os órgãos do corpo humano funcionem em boas condições, é necessário que a temperatura do corpo fique sempre entre 36 ºC e 37 ºC. Para manter‑se dentro dessa faixa, em dias de muito calor ou durante intensos exercícios físicos, uma série de mecanismos fisiológicos é acionada. Pode‑se citar como o principal responsável pela manutenção da temperatura corporal humana o sistema: A) Digestório, pois produz enzimas que atuamna quebra de alimentos calóricos. B) Imunológico, pois suas células agem no sangue, diminuindo a condução do calor. C) Nervoso, pois promove a sudorese, que permite perda de calor por meio da evaporação da água. D) Reprodutor, pois secreta hormônios que alteram a temperatura, principalmente durante a menopausa. E) Endócrino, pois fabrica anticorpos que, por sua vez, atuam na variação do diâmetro dos vasos periféricos. Resolução desta questão na plataforma. 114 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 8 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 9. Figura 10 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 67. Figura 11 CURI, R.; ARAÚJO FILHO, J. P. Fisiologia básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011, p. 172. Figura 12 WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001, p. 65. Figura 13 WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001, p. 64. Figura 14 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 23. Figura 15 CURI, R.; ARAÚJO FILHO, J. P. de. Fisiologia básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. Figura 17 Grupo UNIP‑Objetivo. Figura 22 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 26. 115 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Figura 24 Grupo UNIP‑Objetivo. Figura 25 WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001, p. 60. Figura 26 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 183. Figura 27 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 162. Figura 28 PLOWMAN, S. A.; SMITH, D. L. Fisiologia do exercício para saúde, aptidão e desempenho. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, p. 538. Figura 29 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 408. Figura 30 Grupo UNIP‑Objetivo. Figura 31 Grupo UNIP‑Objetivo. Figura 32 KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 418. Figura 33 LINHARES, S.; GEWANDSZNAJDER, F. Biologia hoje. São Paulo: Ática, 2003. v. 1. Adaptado. 116 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Figura 34 PITHON‑CURI, T. C. Fisiologia do exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013, p. 250. Figura 35 POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 8.ed. São Paulo: Manole, 2014, p. 269. Figura 36 POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 8.ed. São Paulo: Manole, 2014, p. 268. Figura 37 PITHON‑CURI, T. C. Fisiologia do exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013, p. 253. Figura 38 PITHON‑CURI, T. C. Fisiologia do exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013, p. 250. Figura 39 POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 8.ed. São Paulo: Manole, 2014, p. 269. Figura 40 POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 6.ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 267. Figura 41 WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001, p. 330. REFERÊNCIAS Textuais CURI, R.; ARAÚJO FILHO, J. P. Fisiologia básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. FOSS, M. L.; KETEYIAN, S. J. Bases fisiológicas do exercício e do esporte. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 117 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 JUZWIAK, C. R.; PASCHOAL, V. C. P.; LOPEZ, F. A. Nutrição e atividade física. Jornal de Pediatria, v. 76, supl. 3, 2000. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2017. KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. MARANGON, A. F. C; WELKER, A. F. Otimizando a perda de gordura corporal durante os exercícios. Universitas Ciências da Saúde, Brasília, v. 1, n. 2, p. 363‑376, 2008. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2017. PITHON‑CURI, T. C. Fisiologia do exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. PLOWMAN, S. A.; SMITH, D. L. Fisiologia do exercício para saúde, aptidão e desempenho. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 6.ed. São Paulo: Manole, 2009. ___. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 8. ed. São Paulo: Manole, 2014. WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2. ed. São Paulo: Manole, 2001. Exercícios Unidade I – Questão 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (UEL) 2003. Processo Seletivo Vestibular 2003. Prova de Biologia e Física. Questão 17. Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2017. Unidade I – Questão 2: FACULDADE DE TECNOLOGIA (FATEC). Processo Seletivo Vestibular 1º semestre/2007. Questão 40. Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2017. Unidade II – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2010: Educação Física. Questão 16. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2017. Unidade II – Questão 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU). Vestibular 2006: 1ª fase – tipo 2. Questão 2. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2017. 118 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade III – Questão 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – RIO DE JANEIRO (PUC–RIO). Vestibular 2008: Biologia. Questão 1. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2017. Unidade III – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2008: 1º dia. Questão 11. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2017. 119 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 120 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Informações: www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000convém lembrar que 1.000 mM equivalem a 1 mol, e que quando 1 mol de ATP é desintegrado são liberadas de 7 a 12 Kcal de energia utilizável. Em terceiro lugar, deve-se observar que apenas 570 a 690 mM de fosfogênio são estocados na massa muscular total do corpo. Isso equivale a uma quantidade de energia ATP de 5,7 a 6,9 Kcal, o que não representa muita energia para ser usada durante um exercício físico. Por exemplo, os depósitos de fosfogênio dentro dos músculos que estão realizando um movimento provavelmente se esgotarão após cerca de 10 segundos de atividade apenas! O que significa que em um exercício de intensidade máxima, como uma breve corrida (um pique) de 100 metros, a quantidade total de energia ATP disponível a partir do sistema fosfogênio é muito limitada. A importância desse sistema para os preparadores físicos e atletas é exemplificada pelas poderosas e rápidas largadas dos velocistas, acelerações realizadas pelos jogadores de futebol, saltadores em altura e distância, e arremessadores, bem como por outras atividades semelhantes que são concluídas em poucos segundos. Sem o fosfogênio, os movimentos rápidos não poderiam ser executados, pois essas atividades exigem um fornecimento rápido e não uma grande quantidade de ATP. O sistema do fosfogênio representa a fonte de ATP disponibilizada mais rapidamente para ser utilizada pela musculatura esquelética. Eis algumas das razões para isso: não depende de uma longa série de reações químicas; não depende do transporte de oxigênio que respiramos durante a execução do movimento intenso para os músculos ativos; e tanto ATP quanto CP estão armazenados diretamente dentro dos mecanismos contráteis dos músculos. 14 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 2.2 Glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático) A glicólise anaeróbia é o outro sistema anaeróbio no qual o ATP é ressintetizado dentro da musculatura esquelética, consiste numa desintegração incompleta de um dos nutrientes, o carboidrato (açúcar), em ácido lático (daí o nome “sistema do ácido lático”). No corpo, todos os carboidratos são transformados no açúcar simples glicose, que tanto pode ser utilizado imediatamente nessa forma ou armazenado no fígado e nos músculos como glicogênio, para uso subsequente. Para nossas finalidades, carboidrato, açúcar, glicose e glicogênio têm significados equivalentes com relação ao metabolismo. O ácido lático é um coproduto da glicólise anaeróbia e quando se acumula em altos níveis nos músculos e no sangue produz fadiga muscular. Esse último ponto é fundamental para a compreensão da fadiga muscular. Do ponto de vista químico, a glicólise anaeróbia é mais complexa que o sistema fosfogênio, pois requer 12 reações químicas separadas, porém sequenciais, para sua concretização. Essa série de reações foi descoberta na década de 1930 por dois cientistas alemães: Gustav Embden e Otto Meyerhof. Por essa razão, às vezes a glicólise anaeróbia é denominada ciclo de Embden-Meyerhof, no entanto, a designação mais comum é simplesmente glicólise, que significa dissolução ou desintegração do açúcar (glicogênio). Assim sendo, a glicólise anaeróbia se refere à desintegração do glicogênio sem a utilização do oxigênio que respiramos durante o exercício físico. Lembrete Como acabamos de indicar, o glicogênio é desintegrado quimicamente, através de uma série de reações, em ácido lático. Durante essa desintegração ocorre liberação de energia que, através de reações acopladas, é usada para a ressíntese do ATP. Várias das etapas observadas no processo glicolítico são mostradas esquematicamente na figura seguinte. Convém enfatizar novamente que a série de reações mostrada é extremamente simplificada e inclui apenas algumas das 12 reações específicas que estão sabidamente implicadas na glicólise. Além disso, cada uma das reações requer a presença de uma enzima específica para poder ocorrer numa velocidade suficiente. GLICOGÊNIO GLICOSE ENERGIA ADP + Pi = ATP ÁCIDO PIRÚVICO ÁCIDO LÁTICO Figura 3 – Processo glicolítico 15 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Apenas alguns poucos moles de ATP podem ser ressintetizados a partir do glicogênio durante a glicólise anaeróbia, em comparação com a produção possível na presença de oxigênio. Por exemplo, durante a glicólise anaeróbia apenas 3 moles de ATP podem ser ressintetizados a partir da desintegração de 1 mol, ou 180 gramas, de glicogênio. Como veremos a seguir, na presença de oxigênio suficiente, a desintegração completa da mesma quantidade de glicogênio produz 39 moles de ATP. As equações resumidas das reações acopladas para a ressíntese de ATP pela glicólise anaeróbia são as seguintes: GLICOGÊNIO ÁCIDO PIRÚVICO 3 ATP/MOL DE GLICOGÊNIO CONTRAÇÃO MUSCULAR Ácido lático Exercícios anaeróbicos Láticos Alta intensidade Curta duração Figura 4 Durante o exercício, na realidade, a produção de ATP útil por glicólise anaeróbia é inferior aos 3 moles de ATP mostrados na equação precedente. A razão para isso é que, durante o exercício exaustivo, os músculos e o sangue só conseguem tolerar o acúmulo de aproximadamente 60 a 70 gramas de ácido lático antes de chegar à fadiga. Se todos os 180 gramas de glicogênio fossem desintegrados de modo anaeróbico durante o exercício, seriam formados 180 gramas de ácido lático. Portanto, na prática, só conseguimos ressintetizar totalmente entre 1,0 e 1,2 mol de ATP por glicólise anaeróbia durante o exercício intenso, antes de o ácido lático no sangue e nos músculos alcançar níveis exaustivos. A glicólise anaeróbia, à semelhança do sistema fosfogênio, é extremamente importante durante o exercício, principalmente porque permite também um fornecimento de ATP relativamente rápido. Por exemplo, os exercícios que podem ser realizados num ritmo máximo entre 1 e 3 minutos (como correr 400 e 800 metros) dependem essencialmente do sistema fosfogênio e da glicólise anaeróbia para a formação de ATP. Se os músculos podem tolerar de 2,0 a 2,3 gramas de ácido lático por quilograma de músculo, ou 60 a 70 gramas para a massa muscular total, então a quantidade máxima de ATP produzida pela glicólise ficaria entre 1,0 e 1,2 mol. Nessas condições, cabe observar que isso corresponde a aproximadamente o dobro de ATP que se pode obter a partir do sistema ATP-CP. 16 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Observação Nesta via glicolítica, o glicogênio muscular é “quebrado” quimicamente pela enzima fosfofrutocinase (PFK) transformando-se em ácido pirúvico. Os atletas envolvidos nas atividades anaeróbias têm níveis mais elevados desta enzima, aumentando sua capacidade de produzir ATP de modo anaeróbico. Ela é encontrada predominantemente nas fibras musculares glicolíticas de contração rápida. 3 FONTES AERÓBIAS DE ATP – METABOLISMO AERÓBIO Na presença de oxigênio, 1 mol de glicogênio é completamente desintegrado em dióxido de carbono (CO2) e água (H2O), liberando energia suficiente para ressintetizar 39 moles de ATP. Trata-se, indiscutivelmente, da maior produção de energia (ATP). Essa produção, como é fácil de imaginar, requer centenas de reações e de sistemas enzimáticos, todos eles muito mais complexos que nos dois sistemas anaeróbios que já discutimos. À semelhança dos sistemas anaeróbios, as reações do sistema com oxigênio (o que respiramos) ocorrem dentro da célula muscular, porém, diferentemente dos primeiros, ficam confinadas em compartimentos subcelulares especializados, denominados mitocôndrias. Esses compartimentos contêm um sistema elaborado de membranas formado por uma série de pregas invaginadas e convoluções denominadas cristas. Admite-se que essas cristas contenham alguns – ou mesmo todos – dos sistemas enzimáticos necessários para o metabolismo aeróbio. O músculo esqueléticocontém muitas mitocôndrias. As muitas reações do sistema aeróbio podem ser divididas em três séries principais: glicólise aeróbia; ciclo de Krebs; e sistema de transporte de elétrons. 3.1 Glicólise aeróbia A primeira série de reações implicadas na desintegração aeróbia do glicogênio em CO2 e H2O é a glicólise aeróbia. Isso pode parecer surpreendente, pois já foi dito que a glicólise é uma via anaeróbia. Em verdade, existe apenas uma diferença entre a glicólise anaeróbia já discutida e a aeróbia, a qual ocorre quando existe suprimento suficiente de oxigênio: o ácido lático não se acumula na presença de oxigênio. Em outras palavras, a presença de oxigênio inibe o acúmulo de ácido lático, porém não a ressíntese de ATP. O elemento faz isso desviando a maior parte do precursor do ácido lático, o ácido pirúvico, para dentro do sistema aeróbio, depois que o ATP é ressintetizado. Assim sendo, durante a glicólise aeróbia, 1 mol de glicogênio é transformado em 2 moles de ácido pirúvico, liberando energia suficiente para ressintetizar 3 moles de ATP. 17 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 3.2 Ciclo de Krebs Em seguida, o ácido pirúvico formado durante a glicólise aeróbia continua sendo desintegrado através de uma série de reações denominadas ciclo de Krebs, em homenagem ao seu descobridor, Sir Hans Krebs – Prêmio Nobel de Fisiologia em 1953. Esse ciclo também é conhecido como ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) e como ciclo do ácido cítrico, fazendo alusão a alguns compostos químicos encontrados neste ciclo. Durante o ciclo de Krebs ocorrem duas grandes alterações químicas: produção de CO2 e oxidação; isto é, remoção de elétrons. O CO2 produzido se difunde para dentro do sangue e é transportado para os pulmões, de onde é eliminado (expiração). Do ponto de vista químico, oxidação é definida como a remoção de elétrons de um composto químico. Nesse caso, os elétrons são removidos na forma de átomos de hidrogênio (H) a partir dos átomos de carbono (C) da substância que constituía previamente o ácido pirúvico e, antes desse ácido, o glicogênio. É importante relembrar que o átomo de hidrogênio contém uma partícula carregada positivamente designada próton (que aqui será denominada íon hidrogênio), e outra carregada negativamente denominada elétron. Dessa maneira, quando são removidos átomos de hidrogênio de um composto, diz-se que este foi oxidado. A produção de CO2 e a remoção de elétrons no ciclo de Krebs estão assim relacionadas: ácido pirúvico (em sua forma modificada) contém carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O); quando H é removido, somente permanecem C e O, ou seja, os componentes químicos do dióxido de carbono. Dessa forma, no ciclo de Krebs, o ácido pirúvico é oxidado, resultando na produção de CO2. O ciclo de Krebs é mostrado esquematicamente mais adiante. 3.3 Sistema de transporte de elétrons Seguimos com a análise da desintegração do glicogênio. O produto final – H2O – é formado a partir dos íons hidrogênio e dos elétrons que são removidos no ciclo de Krebs e do oxigênio que respiramos. A série específica de reações nas quais é formado H2O é denominada sistema de transporte de elétrons (STE) ou cadeia respiratória. O que ocorre no STE é que os íons hidrogênio e os elétrons são “transportados” até o oxigênio por carreadores eletrônicos numa cadeia de reações enzimáticas cujo produto final é a água. Portanto, durante o metabolismo aeróbio, a maior parte do total de 39 moles de ATP é ressintetizada no sistema de transporte de elétrons, ao mesmo tempo em que ocorre formação de água, como pudemos observar. Compete-nos observar que num total de 39 moles de ATP são ressintetizados três por glicólise aeróbia e 36 através do sistema de transporte de elétrons. Fazendo-se a relação em litros de oxigênio para a desintegração de 180 gramas de glicogênio, serão necessários 134,4 litros de O2 para ressintetizar 39 moles de ATP, ou 3,45 litros de O2 necessários por mol de ATP ressintetizado. Em outras palavras, sempre que o corpo (músculo) consome (absorve) 3,45 litros de O2, ocorre a síntese aeróbia de 1,0 mol de ATP. Em repouso, isso levaria entre 10 a 15 minutos. Entretanto, durante um exercício máximo, levaria cerca de 1 minuto, apenas! 18 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 3.4 Sistema aeróbio e metabolismo das gorduras Até agora, discutimos apenas a desintegração aeróbia do glicogênio (carboidrato). Os outros nutrientes, gorduras e proteínas, também podem ser desintegrados de modo aeróbico em CO2 e H2O, liberando energia para a ressíntese de ATP. Já que, normalmente, a proteína não é utilizada como combustível metabólico, discutiremos apenas o metabolismo aeróbio da gordura. A gordura é desintegrada inicialmente através de uma série de reações químicas denominadas de beta oxidação. Essas reações preparam a gordura (denominada ácido graxo) para penetrar no ciclo de Krebs e no sistema de transporte de elétrons. Todos os três nutrientes, quando utilizados como combustíveis metabólicos aeróbios, sofrem essas duas últimas séries de reações. Por essa razão, o ciclo de Krebs e o sistema de transporte de elétrons são denominados de via comum final para o metabolismo aeróbio. Para que 1 mol de ácido palmítico (cerca de meio quilograma) libere energia suficiente para ressintetizar 130 moles de ATP, quantidade substancialmente maior que aquela conseguida com 1 mol de glicogênio, são necessários 515,2 litros de oxigênio! Portanto, são necessários 3,96 litros de O2 por mol de ATP ressintetizado. Dito de outro modo, é necessário mais oxigênio para gerar 1 mol de ATP a partir da desintegração aeróbia da gordura que a partir do glicogênio. Durante o repouso e o exercício, tanto o glicogênio quanto a gordura, mas não a proteína, constituem fontes importantes de energia geradora de ATP. 3.5 Energia aeróbia total no músculo É difícil calcular a energia muscular total que pode ser produzida através do sistema com oxigênio, pois são utilizados todos os três nutrientes que mencionamos. No entanto, como base para comparação com os sistemas anaeróbios, a energia aeróbia total disponibilizada nos músculos apenas a partir do glicogênio é destacada na tabela a seguir: Tabela 1 – Cálculo da energia disponibilizada a partir do glicogênio através do sistema aeróbio GLICOGÊNIO Por kg de músculo M. MUSCULAR Massa muscular total Concentração muscular (grama) 13 – 15 400 – 450 Formação de ATP (moles) 2,8 – 3,2 87 – 98 Energia útil (Kcal) 28 – 32 870 – 980 É fácil constatar que o sistema do oxigênio é incontestavelmente o mais eficiente em relação à produção de ATP. Por exemplo, a quantidade de ATP que se pode obter pela desintegração aeróbia de todo o glicogênio existente nos músculos fica entre 87 e 98 moles. Isso representa quase cinquenta vezes mais que a quantidade que se pode conseguir pelos dois sistemas anaeróbios combinados. Além disso, outros 80 a 100 gramas de glicogênio estão armazenados no fígado, se todo ele fosse utilizado para o metabolismo aeróbio, outros 17 a 22 moles de ATP poderiam ser gerados. 19 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Vimos que o sistema aeróbio é capaz de utilizar tanto as gorduras quanto o glicogênio para a ressíntese de grandes quantidades de ATP, sem produção simultânea de fadiga induzida por coprodutos. Por essa razão, ele é o sistema preferido em condições de repouso. Com relação à prática da atividade física e do esporte, é igualmente fácil constatar que o sistema aeróbio é particularmente adequado à produção de ATP durante um movimento prolongado tipo resistência. Por exemplo, durante uma corrida de maratona (aprox. 42 km), pode-se calcular que será necessário um total (aproximado) de 150 moles de ATP (cerca de 1 mol de ATP por minuto). Essagrande e contínua produção de energia ATP somente é possível pelo fato de a fadiga precoce, devido ao acúmulo de ácido lático, poder ser evitada; e graças à disponibilidade imediata de grandes quantidades de glicogênio, gorduras e oxigênio para os músculos esqueléticos que estão realizando o movimento. Um resumo do sistema aeróbio é mostrado na figura seguinte: GLICOGÊNIO ÁCIDO PIRÚVICO ÁCIDOS GRAXOS LIVRES ACETIL Co-A ATP CONTRAÇÃO MUSCULAR Ácido lático Ciclo de Krebs Cadeia respiratória Sistema de transporte de oxigênio (36/MOL GLICOGÊNIO) H2O CO2 O2 Exercícios anaeróbicos Intensidade moderada Longa duração Figura 5 – Sistema aeróbio: ciclo de Krebs e cadeia respiratória 4 SISTEMAS AERÓBIOS E ANAERÓBIOS DURANTE O REPOUSO E O EXERCÍCIO Existem pelo menos três características importantes dos sistemas aeróbios e anaeróbios, em condições de repouso e exercício, as quais merecem uma análise adicional: os tipos de nutrientes a serem metabolizados; os papéis relativos desempenhados por cada sistema; e a presença e o acúmulo de ácido lático no sangue. 20 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 4.1 Repouso Em condições de repouso, cerca de dois terços do combustível alimentar são fornecidos pelas gorduras e o terço restante pelos carboidratos (glicogênio e glicose). A contribuição das proteínas como combustível metabólico, como dito anteriormente, é desconsiderada no presente caso. O funcionamento do sistema aeróbio na condição de repouso é predominante. Isso é verdadeiro porque nosso sistema de transporte de oxigênio (coração e pulmões) é capaz de fornecer a cada célula oxigênio suficiente e, portanto, ATP bastante para satisfazer todas as necessidades energéticas do estado de repouso. Embora o sistema aeróbio seja o predominante em operação, provavelmente observamos que existe uma quantidade pequena, porém constante, de ácido lático presente no sangue (cerca de 10 mg para cada 100 ml de sangue). A razão disso é bastante complexa, porém, a compreensão desta formação de ácido lático de forma constante e o não acúmulo deste nos indica que o sistema anaeróbio está em funcionamento na musculatura esquelética, mas de forma não predominante. Assim sendo, vemos que, em repouso, os nutrientes utilizados são gorduras e carboidratos, e o ATP necessário é fornecido predominantemente pelo sistema aeróbio. 4.2 Exercício Tanto o sistema anaeróbio quanto o aeróbio contribuem com o fornecimento de ATP durante o exercício, entretanto, seus papéis relativos dependem dos tipos de exercícios realizados. Para começar a nossa discussão, podemos dividir os muitos tipos de exercícios em duas categorias: 1) exercícios que só podem ser realizados por curtos períodos de tempo, mas que exigem esforço máximo; e 2) exercícios que podem ser realizados por períodos relativamente longos, mas que exigem esforço submáximo (moderado). A compreensão desse conceito é de extrema importância para os educadores físicos, em especial, no planejamento dos programas de treinamento. 4.2.1 Exercícios de curta duração Os exercícios desta categoria incluem eventos de velocidade, força, potência, resistência de velocidade, resistência anaeróbia, por exemplo, corridas rápidas (piques) de 100, 200 e 400 metros; a corrida de 800 metros e outros eventos nos quais o ritmo de trabalho exigido pode ser mantido somente por dois ou, possivelmente, três minutos! Assim, vemos que o principal combustível alimentar é representado pelos carboidratos, com as gorduras como participantes secundários e as proteínas como contribuintes dispensáveis. Observamos ainda que o sistema predominante é anaeróbio. No entanto, isso não significa que seja o único sistema operante. Isso indica, simplesmente, que a energia ou o ATP necessário para esses tipos de exercícios não pode ser fornecido unicamente por meio do sistema aeróbio. Consequentemente, a maior parte do ATP terá que ser fornecida de modo anaeróbico pelo sistema fosfogênio e pela glicólise anaeróbia. Existem duas razões para a limitação do sistema aeróbio no fornecimento de ATP suficiente durante a realização de qualquer exercício. A primeira é que cada um de nós possui um teto para potência aeróbia ou para o ritmo máximo no qual consegue consumir oxigênio. A segunda razão é que são 21 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA necessários pelo menos 2 ou 3 minutos para o consumo de oxigênio alcançar um nível novo (estado de equilíbrio no consumo de O2) e mais alto. Por exemplo, atletas possuem potências aeróbias máximas entre 3,0 a 5,0 litros de O2 por minuto, para mulheres e homens, respectivamente, enquanto que o máximo para a mulher destreinada oscila ao redor de 2,2 litros por minuto e, para o homem destreinado, 3,2 litros por minuto. Esses níveis de consumo de O2 não são suficientes, em ambos os casos, para suprir todo o ATP necessário para um esforço como um pique de 100 metros, que pode exigir mais de 45 litros por minuto (cerca de 8 litros de O2 por 100 metros ou por 10 segundos). Mesmo que fosse possível consumir oxigênio num ritmo que atendesse, sozinho, à demanda energética ou de ATP, o praticante teria que transcorrer os dois ou três primeiros minutos de exercício para acelerar o consumo de oxigênio até o nível exigido. A razão para esse aumento retardado no consumo de oxigênio corresponde ao tempo que terá de transcorrer para se manifestarem adaptações bioquímicas e fisiológicas apropriadas. Isso é verdadeiro durante a transição do repouso para um exercício de qualquer intensidade e de um exercício de menor intensidade para outro de intensidade mais alta. O período durante o qual o nível de consumo de oxigênio está abaixo daquele necessário para suprir todo o ATP exigido por qualquer exercício é denominado déficit de oxigênio. É durante esse período com déficit de oxigênio que o sistema fosfogênio e a glicólise anaeróbia são requisitados para fornecerem a maior parte do ATP necessário ao exercício. Isso significa que durante exercícios de curta duração, porém de alta intensidade, como aqueles mencionados antes, haverá sempre um déficit de oxigênio durante toda a duração do exercício, e a principal fonte de ATP é representada pelos dois sistemas anaeróbios. Nos exercícios de curta duração e alta intensidade vemos que a aceleração rápida na glicólise anaeróbia é acompanhada por um acúmulo de ácido lático igualmente rápido. À medida que os depósitos de glicogênio muscular, que representam o único combustível para a glicólise anaeróbia, esgotam-se, o acúmulo de ácido lático alcança níveis máximos nos músculos e no sangue. Com altos níveis de ácido lático, a contração muscular é inibida, pois o acúmulo deste ácido na musculatura esquelética impede o funcionamento da enzima (fosfofrutoquinase – PFK) que quebra o glicogênio para gerar energia, ou seja, prejudica a ressíntese do ATP. Sem a possibilidade de ressintetizar o ATP muscular, não haverá a continuidade de contração muscular e, consequentemente, surgirá a fadiga muscular. Com essas alterações que geram a fadiga muscular, o exercício deve ser interrompido ou sua intensidade terá que ser reduzida de modo significativo. Essa é a razão pela qual a capacidade de tolerar altos níveis de ácido lático e de suportar os desconfortos da fadiga em geral constitui pré-requisito para o sucesso na maioria dos esportes. Foram registrados níveis sanguíneos de ácido lático de até 200 mg/% durante provas competitivas de velocidade tanto em pista quanto em piscina. Esses altos níveis são cerca de vinte vezes maiores que aqueles encontrados normalmente em condições de repouso (10 mg/%). Desse modo, o nível de ácido lático no sangue é um excelente indicador do sistema energético que está sendo utilizado predominantemente durante o exercício. Se o nível é alto, o sistema primário utilizadocertamente foi a glicólise anaeróbia; já se o nível é baixo, o sistema aeróbio foi o predominante. 22 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 4.2.2 Exercícios de longa duração Qualquer exercício que pode ser mantido por períodos de tempo relativamente longos deve ser incluído nesta categoria. Por períodos de tempo relativamente longos entendemos 5 minutos ou mais. Nesses casos, os principais nutrientes são novamente os carboidratos e as gorduras. Entretanto, no início de um exercício, o principal nutriente utilizado é o glicogênio. A mudança no combustível durante o exercício ocorre gradualmente, à medida que o transporte de oxigênio até a musculatura esquelética ativa aumente significativamente, ou seja, por volta de 60% a 70% do volume máximo de oxigênio (VO2 máx.). Nesses tipos de exercícios a principal fonte de ATP é representada pelo sistema aeróbio. Os sistemas do ácido lático e do ATP-CP também contribuem, porém apenas no início do exercício, antes do consumo de oxigênio alcançar um novo nível de estado estável (steady state); durante esse período incorre-se num déficit de oxigênio. Depois que o consumo de oxigênio alcança um novo nível de estado estável (cerca de 2 ou 3 minutos), torna-se suficiente para suprir toda a energia ATP exigida pelo exercício. Por essa razão, o ácido lático sanguíneo não se acumula em níveis muito altos. A glicólise anaeróbia diminui o seu ritmo uma vez alcançado um consumo de oxigênio de estado estável, e a pequena quantidade de ácido lático acumulada previamente se mantém relativamente constante até o término do exercício. Um bom exemplo disso é observado durante uma prova de maratona. Esses atletas percorrem 42,2 km em cerca de 2h05min., entretanto, ao final da prova, seus níveis sanguíneos de ácido lático são aproximadamente duas a três vezes maiores que aqueles encontrados durante o repouso. A fadiga experimentada por esses competidores ao término de uma prova é, portanto, geralmente devido a fatores diferentes dos altos níveis sanguíneos de ácido lático, a depender, é claro, do ritmo de prova nos períodos finais até a chegada. Alguns dos fatores mais importantes que podem conduzir a esse tipo de fadiga são: baixos níveis sanguíneos de glicose, em virtude da depleção dos depósitos hepáticos de glicogênio; fadiga muscular local devido à depleção dos depósitos musculares de glicogênio; perda de água (desidratação) e eletrólitos, que resulta em alta temperatura corporal; e abatimento físico e psicológico em geral sofrido pelo atleta. Nas atividades prolongadas de intensidade muito baixas, como caminhar, jogar golfe e certas tarefas do trabalho cotidiano, o ácido lático não se acumula acima do nível normal de repouso. Isso ocorre porque o sistema fosfogênio isoladamente é suficiente para suprir a energia ATP adicional necessária antes de se alcançar um consumo de oxigênio de estado estável. Nesses casos, a fadiga pode ser retardada por até 6 horas ou mais. A informação precedente pode ser especialmente útil para muitos preparadores físicos. Por exemplo, um dos aspectos mais importantes das corridas competitivas de média e longa distância é o ritmo das passadas. Se um atleta começa uma prova de resistência com rapidez excessiva ou se inicia seu pique final cedo demais, o ácido lático se acumulará em níveis muito altos e os depósitos musculares de glicogênio se esgotarão precocemente no transcorrer da competição. 23 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Nesse sentido, cabe relembrar que isso é verdadeiro porque, à medida que aumenta a intensidade do exercício, aumenta também a quantidade de energia a ser fornecida pelos sistemas anaeróbios. Consequentemente, a competição pode ser perdida por causa desse início precoce da fadiga. Preparadores físicos bem informados, ou atletas dessas provas, nunca devem permitir que isso aconteça. Pelo contrário, do ponto de vista fisiológico, eles devem ser aconselhados a manter um ritmo relativamente constante, porém suficiente durante o desenrolar da maior parte da prova, e então encerrá-la com um esforço máximo. Em outras palavras, o início da fadiga em razão do acúmulo de ácido lático e do esgotamento do glicogênio muscular dever ser evitado até o final da competição. Assim como uma capacidade anaeróbia é importante para a realização de exercícios de curta duração, a potência aeróbia máxima é um fator significativo no desempenho das atividades prolongadas. Isso se baseia no fato de o sistema aeróbio fornecer a maior parte de energia exigida por esses tipos de exercícios. Potência aeróbia máxima (VO2 máx.) é definida como a velocidade máxima com que o oxigênio pode ser consumido e absorvido pela musculatura esquelética ativa. Quanto maior a potência aeróbia máxima de um atleta, maior será seu sucesso na realização de eventos de resistência, desde que todos os outros fatores que contribuem para um bom desempenho esportivo estejam presentes. 4.3 Interação das fontes enérgicas aeróbias e anaeróbias durante o exercício Até aqui discutimos os sistemas energéticos durante exercícios constituídos por esforços de curta duração e alta intensidade (anaeróbios), ou por esforços de longa duração e intensidade moderada (aeróbios). O que dizer das atividades físicas que se enquadram entre essas categorias? São elas atividades anaeróbias ou aeróbias? Não é possível classificar essas atividades como estritamente anaeróbias ou aeróbias, pelo contrário, elas exigem uma combinação (mistura) de metabolismos tanto anaeróbio quanto aeróbio. Tomemos como exemplo as corridas de 1.500 metros e de uma milha (1.600 metros). Nessas atividades os sistemas anaeróbios fornecem a maior parte do ATP durante a aceleração, tanto no início quanto no final da prova; o sistema aeróbio é predominante durante o meio de prova, ou o estado estável ao longo da corrida. Em síntese, esses corredores retiram cerca da metade do ATP necessário de fontes anaeróbias e a outra metade de fontes aeróbias. A ilustração seguinte representa o que podemos chamar de um contínuo energético para as provas de pista. Melhor dizendo, as provas da esquerda, como a corrida de 100 metros, são claramente anaeróbias, enquanto as da extrema direita, como a maratona, são claramente aeróbias. Entre esses dois extremos situam-se as denominadas zonas cinzentas, nas quais várias misturas de metabolismo anaeróbio e aeróbio são necessárias durante sua realização. Essas últimas atividades costumam ser as mais difíceis para o atleta, pois todos os sistemas energéticos participam ativamente. Além disso, com frequência é extremamente difícil preparar um atleta para essas atividades, pois ele terá que dedicar algum tempo, durante o treinamento, ao desenvolvimento dos sistemas tanto anaeróbios quanto aeróbios. O conceito de contínuo energético, evidentemente, aplica-se a todas as atividades e não apenas aos eventos de pista. Ele será útil para os preparadores físicos nas discussões e planejamentos de programas de treinamento. 24 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I PRINCIPAIS FONTES ENERGÉTICAS Sistemas ATP-CP + Sistema ácido lático Sistema ATP-CP Sistema do oxigênio Ácido lático Do Oxigênio % Aeróbio 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 % Anaeróbio 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Eventos (Metros) 100 200 400 800 1.500 3.200 5.000 10.000 42.195 Tempo (Min.: Seg.) 0:10 0:20 0:45 1:45 3:45 9:00 14:00 29:00 130:00 Figura 6 4.4 Atividade física e perda de gordura corporal Um dos principais objetivos da realização de exercícios físicos é a perda de gordura corporal. A prática da atividade física tem crescido nos últimos anos, o que é percebido pelo aumento do número de academias e da venda de suplementos alimentares divulgados na mídia. É sabido que tanto os exercícios físicos quanto a alimentaçãootimizam o aumento do desempenho físico, bem como promovem a mudança na composição corporal, sendo que para sua efetividade, é essencial que eles sejam realizados com base em informações científicas (MARANGON; WELKER, 2008). Vários são os objetivos que levam as pessoas a exercitarem-se como, por exemplo, aumento do desempenho, controle do estresse, melhora da qualidade de vida e das condições cardiorrespiratórias, mudança da composição corporal (estética) ou mesmo como forma de relaxamento. A redução ponderal ou de gordura corporal são os objetivos muito comuns, pois além da mudança estética, elas proporcionam vários benefícios, como redução da pressão arterial e aumento da captação de glicose pela maior sensibilidade à insulina [...], fazendo com que a prática de exercícios físicos auxilie o controle glicêmico (MARANGON; WELKER, 2008, p. 364). A promoção da perda de gordura pode ser melhorada durante exercícios praticados em determinadas intensidades. Quanto maior é a intensidade de um exercício, maior é o gasto de energia obtido da oxidação de nutrientes e, consequentemente, maior é o consumo de oxigênio. Desta forma, a intensidade de um exercício é medida através do consumo de oxigênio [...]. A determinação do consumo de oxigênio é realizada através de calorimetria indireta, onde o ar inspirado pelo indivíduo 25 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA entre em contato com um analisador de gases que mede a quantidade de oxigênio que está efetivamente sendo consumida (SIMONSON; DEFRONZO, 1990). Já foi demonstrado haver relação entre consumo de oxigênio durante exercícios e a frequência cardíaca (MARANGON; WELKER, 2008, p. 364) Observação Exercícios cuja intensidade é baixa, a exemplo da marcha e/ou caminhada, promovem menor consumo de oxigênio se comparados a práticas mais intensas e de alta intensidade/velocidade, como as maratonas. Assim, medir a frequência cardíaca poderia ser um método mais barato para controlar a execução de exercícios em intensidades que otimizem a queima de gordura, apesar de que ainda há dúvidas sobre qual seria a frequência cardíaca que estaria relacionada com uma maior perda de gordura subcutânea como fonte de energia. Ainda que exista essa possibilidade, “há um número significativo de indivíduos que realizam atividade física com objetivo de redução ponderal sem o controle de sua respectiva frequência cardíaca” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). Quando o principal intuito do praticante de atividade física é estético, geralmente este objetivo está atrelado à redução do percentual de gordura, ou seja, à redução da quantidade de gordura corporal. Para isso, várias modalidades podem ser indicadas pelo preparador físico (professor ou personal trainer), entre elas podemos indicar: • ciclismo; • natação; • marcha/caminhada; • corridas. A musculação igualmente poder ser uma opção para a redução do percentual de gordura, além de melhorar o condicionamento físico, promovendo saúde e bem-estar ao praticante. Vários estudos têm demonstrado a redução no percentual de gordura de acordo com o tipo de exercício utilizado. Porém, a utilização da gordura como fonte de energia irá depender diretamente da intensidade e duração do exercício físico (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). Desse modo, a literatura científica – e seus diferentes autores – indicam diferentes modalidades e intensidades, bem como durações para o treinamento visando à maior queima de gordura. Ao não existir um consenso quanto à frequência cardíaca (FC) ideal para a oxidação de gordura durante o exercício físico, “a maioria dos autores sugere uma faixa de treinamento baseada no consumo máximo de oxigênio (VO2max)” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). 26 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Saiba mais Para mais informações a respeito da otimização da perda de gordura por meio da prática de exercícios, leia: MARANGON, A. F. C; WELKER, A. F. Otimizando a perda de gordura corporal durante os exercícios. Universitas Ciências da Saúde, Brasília, v. 1, n. 2, p. 363-376, 2008. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2017. 4.5 Hormônios e exercício físico Conforme nossos estudos, podemos admitir que “assim que o exercício físico é iniciado, sinais são enviados através das vias eferentes pelo sistema nervoso até os músculos em movimento, provocando adaptação metabólica ao exercício” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 366). Como pudemos analisar, para a obtenção de energia, através da quebra de ATP, ocorre a degradação de carboidratos, lipídios e proteínas, sobretudo dos dois primeiros. Isto é intensificado por alguns hormônios durante o exercício, como as catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), glucagon, hormônio do crescimento e cortisol (PASTOR et al., 1999). A epinefrina, assim como o glucagon, liga-se a receptores beta-adrenérgicos que promovem a ativação da enzima lipase hormônio-sensível, que promove a degradação lipídica (lipólise) no tecido adiposo (NELSON; COX, 2002). A quebra das moléculas de triacilgliceróis (gordura) encontradas no tecido adiposo libera ácidos graxos e glicerol na circulação, de forma que como a lipólise é aumentada durante o exercício, os níveis de ácidos graxos e glicerol no sangue ficam aumentados (MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). A somatotrofina, também denominada hormônio do crescimento, reduz a capacitação de glicose pelo tecido adiposo, permitindo sua disponibilização no tecido muscular. Já a insulina exerce o papel fundamental de captação de glicose pelas células em situações normais. Durante a prática de exercícios, no entanto, essa captação é relativamente independente de insulina, “o que é percebido pela redução da glicemia [...]. Esse efeito é explicado por uma translocação dos transportadores de glicose (GLUT 4) causada pelo exercício” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). 4.5.1 Metabolismo lipídico A principal função dos lipídios é fornecer energia para o organismo. Em primeiro lugar eles devem ser degradados em seus componentes básicos, ácidos graxos e glicerol, através da lipólise. O glicerol não é significativamente utilizado pela maioria dos tecidos, pois seu aproveitamento necessita da 27 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA enzima glicerol quinase. O fígado apresenta tal enzima, onde o glicerol pode ser oxidado para a obtenção de energia ou ser convertido em glicose. Os ácidos graxos são captados por diversos tecidos, especialmente os músculos durante o exercício, onde ele é convertido em acetil-CoA graxo (MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). Tais moléculas necessitam atravessar a membrana mitocondrial interna e chegar à matriz da mitocôndria, onde são oxidadas numa via denominada b-oxidação ou ciclo de Lynen. Porém, como elas são geralmente impermeáveis à membrana, o transporte é realizado pela enzima carnitina-acil transferase I (CAT- I) que torna sua entrada na matriz mitocondrial possível e consequente oxidação para a produção de ATP. Através de uma série de reações b-oxidação, cada ácido graxo é degradado em moléculas de acetil-CoA, que podem ser oxidadas no ciclo de Krebs para gerar energia ou ser convertidas em corpos cetônicos. A degradação de carboidratos também gera acetil-CoA, que em excesso promove a formação de malonil-CoA, um precursor da síntese lipídica. Este inibe a carnitina acil transferase I, isto é, a entrada de ácidos graxos para a matriz mitocondrial e consequente oxidação. Por isso, a ingestão de carboidratos pode inibir a queima de gordura. Assim, o excesso de acetil-CoA devido a uma ingesta aumentada de nutrientes não somente promove uma inibição da oxidação lipídica como um aumento dos depósitos de triglicerídeos (MARANGON;WELKER, 2008, p. 368). A hidrólise do triglicerídeo irá fornecer moléculas de ácidos graxos, que serão convertidos em energia, e glicerol, que por sua vez poderá ser captado pelo fígado e servir como precursor de glicose através da gliconeogênese. Porém, a velocidade com que o fígado capta glicerol para a gliconeogênese é reduzida, fazendo com que sua concentração sérica esteja aumentada durante o processo de lipólise. Portanto, a concentração plasmática de glicerol torna-se uma forma viável de avaliar a intensidade da lipólise durante o exercício físico, pois sua presença está diretamente relacionada com a quebra da gordura. A concentração de ácidos graxos circulantes no plasma durante a atividade física é primeiramente dependente da lipólise, mas também da sua reesterificação em triacilgliceróis no tecido adiposo, sendo uma boa medida da taxa líquida de lipólise, isto é, da quantidade de lipídios que está sendo queimada. Em contraste, o glicerol vindo dos capilares do tecido adiposo depende principalmente da lipólise, sendo, por conseguinte, um indicador preciso da taxa de lipólise quando comparado à concentração de ácidos graxos. 4.5.2 Diferenças no metabolismo lipídico entre homens e mulheres Existem evidências de que a utilização de lipídios como fonte de energia durante o exercício de resistência pelas mulheres seja superior do que a utilização pelos homens (ROMIJN, 2000), pois alguns estudos demonstraram que elas possuem maior facilidade de utilizar os ácidos graxos como fonte de energia durante o exercício devido sua maior quantidade no organismo 28 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I [...]. Comparadas com os homens, as mulheres têm demonstrado preferência no metabolismo lipídico durante exercícios de intensidade moderada (MARANGON; WELKER, 2008, p. 368). Porém, é sabido que isso não é válido em todas as situações ou práticas, dado que atletas com bom nível de treinamento possuem elevada metabolização de ácidos graxos durante o exercício físico. “Além disso, a utilização de lipídios como substratos energéticos aumenta à medida que se tem mais tempo de treinamento, atuando também como fonte energética durante a recuperação” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 369). 4.5.3 Metabolismo lipídico e VO2 Os lipídios são considerados o principal substrato em exercícios físicos de intensidade moderada e longa duração. Vários pesquisadores concordam que a utilização relativa dos ácidos graxos como fonte de energia para a prática esportiva reduz com o aumento da intensidade do exercício, ao passo que sua utilização aumenta com a duração da mesma (MARANGON; WELKER, 2008, p. 369). Vários fatores irão interagir para produzir o substrato energético que será utilizado durante a prática de uma atividade física. Alguns deles são: a intensidade do exercício, sexo, nível de treinamento, concentração de ácidos graxos livres plasmáticos, quantidade de carboidrato disponível e fatores hormonais. O lipídio nem sempre será a principal fonte energética. Evidentemente ao se tratar a respeito de atividade física, a dieta exerce função essencial, pois grande parte da energia que necessitamos e utilizamos provém dos alimentos. Nesse sentido, dependendo do tipo de atividade escolhida pelo praticante, bem como sua intensidade, o suprimento se dará pelo carboidrato ou pelo lipídio. Atividades ou exercícios com intensidade moderadas requerem este último, enquanto as práticas de alta intensidade, que necessitam de suprimento rápido de energia, requerem o consumo do primeiro. À medida que a intensidade da atividade aumenta, o metabolismo lipídico deixa de ser a principal fonte de energia, ao passo que os carboidratos passam a representar maior contribuição. Isso ocorre devido ao fato de a glicose ser mais rapidamente degradada que os ácidos graxos e sua degradação ser independente da presença do oxigênio, isto é, quando o músculo está em hipóxia. Em geral, a oxidação de lipídios é muito maior que a de carboidratos em exercícios de intensidades mais baixas, por exemplo, a 25% do VO2max (ROMIJIN et al., 1993). Porém, como o gasto de energia é pequeno nessa intensidade, a oxidação líquida de gordura é também pequena, sendo que a efetiva oxidação lipídica alcança valores máximos em exercícios executados entre 55% e 72% do VO2max (ACHTEN et al., 2002), apesar de que a oxidação de glicose também esteja elevada (MARANGON; WELKER, 2008, p. 370). 29 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA É possível observar que pessoas mais condicionadas (treinadas) conservam mais enzimas lipolíticas ativas nas células musculares quando comparadas com pessoas sedentárias. Com isso podemos concluir que a atividade física (sobretudo a aeróbia) “induz o aumento da densidade de capilares no tecido adiposo, assim como sua capacidade de oxidação dos ácidos graxos” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Dessa forma, aqueles que têm o hábito de praticar uma atividade física “iniciam o processo de oxidação lipídica previamente do que indivíduos sedentários, que devem permanecer mais tempo em atividade para metabolizar os lipídios” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Por último, quanto maior for o condicionamento físico do praticante, o uso dos lipídios como principal fonte de energia também será superior. Isso ocorre devido à aquisição celular de novas mitocôndrias e enzimas críticas do ciclo de Krebs. Um aumento na quantidade de mitocôndrias e o incremento de seu volume proporcionam uma área de superfície maior para o recebimento dos ácidos graxos e maior capacidade de utilizá-los no lugar da glicose (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). 4.6 Ordem da utilização dos nutrientes Durante a atividade física todos os nutrientes são metabolizados, embora em proporções distintas, de acordo com a intensidade do exercício físico. Qualquer macronutriente, seja carboidrato, proteína ou lipídio, é capaz de gerar intermediários para serem oxidados no ciclo de Krebs e gerar energia. Durante atividades prolongadas, quando os estoques de glicogênio muscular e glicose sanguínea estão baixos, as proteínas são degradadas mais intensamente, disponibilizando aminoácidos para o organismo. Os aminoácidos são degradados (desaminação), fornecendo cetoácidos que são convertidos em glicose ou oxidados no ciclo de Krebs. Quando os estoques de glicogênio hepáticos se tornam baixos e a glicemia tende a diminuir, o fígado passa a promover maior taxa de gliconeogênese, ou seja, a produção de glicose a partir de outras fontes que não o glicogênio, principalmente dos aminoácidos. Estes podem até aumentar a glicemia quando em abundância. A gliconeogênese ocorre especialmente em exercícios de longa duração, evitando quedas exageradas na glicemia e a sobrevivência mesmo após dias em jejum, sendo raros os animais que não são capazes de realizar tais processos. Dessa forma, não é possível afirmar que carboidratos são metabolizados antes das gorduras e proteínas. Estes elementos são utilizados como fonte de energia de maneira simultânea, o que irá variar é a sua respectiva contribuição individual. “Em geral, parece que a utilização de combustível durante o exercício segue uma sequência, na qual a oxidação acontece na seguinte ordem: glicogênio muscular, glicose sanguínea e ácidos graxos” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Quando os estoques de carboidratos reduzem, a glicemia tende a reduzir também, “pois os diferentes tecidos utilizam glicose constantemente para a geração de energia, sendo que alguns tecidos, como o cérebro, utilizam somente a glicose em situações normais” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Para manter a glicemia relativamente estável, o organismo utiliza os aminoácidos 30 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I provindos da proteólise, isto é, há um aumento da degradação