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BIBLIOTECA DE ECONOMIA CLAUDIO NAPOLEONI Vol. n° 6 Coordenadora : Maria da Conceição Tavares CURSO DE ECONOMIA POLÍTICA Traduzido por ALBERTO DI SABBATO 1979 Traduzido do original italiano (2* Edição - 1974) Elementi di Economia Politica Copyright by La Nuova Italia Editrice, Firenze Direitos adquiridos para a língua portuguesa, exceto Portugal, por EDIÇÕES GRAAL Ltda. Rua Hermenegildo de Barros, 31-A - Glória - RJ. CEP: 20.241 - Atendemos pelo reembolso postal graal Fundador: Impresso no Brasil / Printed in Brazil MAX DA COSTA SANTOSCurso Economic Rio : Edicoo UNIDADE I os BENS E.A RIQUEZA A. A ciência econômica 1. A ciência econômica estuda, de um ponto de vista particular, as ati- vidades que os homens desenvolvem para satisfazer suas necessida- des. A expressão "de um ponto de vista particular" é essencial nesta top 1 II definição, já que as atividades que os homens para sa- tisfazer suas necessidades podem ser estudadas não só de um, mas de vários pontos de vista. Por exemplo; pode-se estudar de que modo, utilizando-se certas leis naturais (físicas, químicas ou biológicas), é possível transformar certos objetos, não imediatamente utilizáveis para satisfazer necessi- dades humanas, em outros objetos que são, ao contrário, imediata- mente utilizáveis com este objetivo. Assim, pode-se estudar através de que processos é possível utilizar um lote de terra, sementes, adu- bos etc., assim como, naturalmente, certa quantidade de trabalho hu- mano com alguma qualificação, para obter trigo, e através de que 19 10outros processos é possível, do trigo, chegar ao pão, que é um objeto econômica. Por ora, todavia, nosso objetivo consiste em procurar de- capaz de satisfazer imediatamente uma certa necessidade humana. finir em que consiste aquele modo particular de consideração da ati- Ou pode-se examinar de que modo do aço, do alumínio e de outras vidade humana que é próprio da ciência utilizando-se certa maquinaria, trabalho humano pode, final, obter um automóvel. Podem-se dar, é claro, nume- Para tanto é necessário considerar as duas seguintes circunstân- outros exemplos que o leitor certamente não se cansará de cias fundamentais: imaginar. Ora, estudos deste tipo têm a ver com a atividade que os 1) As necessidades humanas são múltiplas e suscetíveis de infinito homens para satisfazer suas necessidades, mas o ponto Que as necessidades são múltiplas é uma circunstân- de vista que representam não pertence à ciência econômica, nem é cia que resulta imediatamente evidente por uma consideração, ainda que a caracteriza. Este ponto de vista, como leitor terá provavel- que da realidade humana, tal como se apresenta em cada mente reconhecido, é o da tecnologia. momento dado. Os homens têm necessidade de se alimentar, de se Outros exemplos: os homens, desenvolvendo suas atividades di- vestir, morar em uma casa, de constituir família, de se rigidas à produção de objetos que servem à satisfação de suas neces- instruir, de descansar, de se divertir, etc. Ademais, no âmbi- sidades, entram em certas relações recíprocas que, em toda convivên- to de cada uma destas catégorias de necessidades é sempre possível cia civil, são reguladas por leis. Assim, quando uma pessoa aluga um individualizar necessidades mais particulares e específicas. Assim, apartamento para satisfazer sua própria necessidade de habitação, não basta aos homens se alimentarem de qualquer maneira, mas na sabe que deve assinar um contrato o contrato de locação que deve alimentação devem ser observados certos requisitos que dizem res- corresponder a certas normas que são indicadas na legislação do país peito, por exemplo, à disponibilidade determinadas no qual este contrato está estipulado. Analogamente, se várias pes- mínimas dos vários elementos nutritivos (calorias, vitaminas, etc.). soas, cada uma possuindo um certo capital, decidem constituir uma Mas deve também ficar claro que as necessidades não apenas se apre- sociedade, cujo objetivo é exercer uma certa atividade produtiva, sa- sentam como múltiplas em cada momento dado, como se desenvol- bem que ela deve ser constituída segundo certas regras e que sua ati- vem ao longo do tempo. As necessidades do homem de hoje não são vidade deve desenvolver-se segundo certas normas, Regras e normas certamente as mesmas do homem de dois mil anos atrás. E a disponi- que são também indicadas em uma determinada Existe, é bilidade de bens que nos-tempos antigos podia ser considerada digna claro, estudo de tal legislação, e portanto de todas as regras e nor- de um rico, ou talvez de um soberano, pode ser considerada intolerá- mas de que é constituída, e dos princípios nos quais se inspiram. Ora, vel até para o mais humilde trabalhador. Um grande economista in- também um tal estudo tem a ver com a atividade que os homens de- glês que escreveu por volta do fim do século XVIII, Adam Smith, para satisfazer suas necessidades. Mas este estudo repre- deu estes exemplos para mostrar a evolução sofrida pelas necessida- senta um ponto de vista que não é da ciência econômica: representa des ao longo da história: "O que uma vez foi um castelo da família ponto de vista de uma outra disciplina que, como leitor terá reco- Seymour é agora uma pousada na estrada de Bath. O leito nupcial de é direito. Jaime I, rei da Inglaterra, que a rainha, sua esposa, trouxe consigo da Um terceiro exemplo: os fins que os homens se para como presente digno de ser dado por um soberano a ou- satisfazer suas necessidades, e os meios que empregam para conse- tro, era, há poucos anos, o ornamento de uma cervejaria em Dun- gui-los, podem ser bons ou maus. Há uma consideração da atividade fermline". E mais: que país do mundo se contentaria hoje de dar ins- humana que tem o objetivo de avaliar se ela ou não. Tampouco trução aos seus cidadãos mediante livros escritos a mão, com todas esta consideração representa, é o ponto de vista da ciência eco- as limitações que isto comportaria? A imprensa tornou- nômica: trata-se, com efeito, de consideração própria da moral. se, portanto, uma necessidade e, mais que isso, uma necessidade es- Estes diversos pontos de vista, estes vários modos de considerar sencial. E, nas sociedades mais avançadas, quem hoje pensaria poder a atividade humana, não são portanto aqueles próprios da ciência viajar com meios cuja velocidade depende dos animais de tiro? lo- econômica, ainda que, como ficará claro no curso deste tratado, ne- comoção por meios mecânicos tornou-se também uma necessidade. nhum deles possa ser considerado irrelevante para a própria ciência Eis um outro sobre o qual leitor pode comprazer-se em des- 20 21cobrir todos os exemplos que quiser. Mas há um fato que se deve ter atividade que os homens podem desenvolver para conseguir a dispo- bem presente: este desenvolvimento das necessidades se apresenta nibilidade daqueles meios encontra um limite no fato de que pró- como ilimitado, já que é próprio fato de que certas necessidades te- prio homem é limitado: limitadas são suas forças, físicas e mentais, nham sido satisfeitas que faz nascer novas O homem, limitada é a sua vontade, limitado é o tempo de que dispõe, limitado em suma, não se detém nunca. Se conseguiu construir casas que, é espaço que pode servir de palco para suas operações, limitados, bem ou mal, defendem-no do frio e do calor, do vento e da chuva, enfim, são os recursos naturais que pode pôr sob seu próprio contro- não mais com esta proteção pura e simples, e deseja que le. A própria atividade humana, portanto, enquanto encontra todos suas casas tenham certas comodidades, que com passar do tempo esses limites (que, é bom repetir, não são mais que outras tantas ma- tornam-se cada vez mais importantes. Se, mais em geral, conseguiu nifestações de um único limite de fundo, que é a limitação, a finitude satisfazer de alguma.maneira as necessidades mais imediatas, mais própria da natureza humana) não pode nunca chegar a conseguir to- elementares, aquelas que dependem da sua vida animal, desejará de- dos os meios de que necessitaria uma completa satisfação de to- pois satisfazer necessidades mais propriamente humanas, como as da das as necessidades em dado momento e de todas as que se cultura e da vida espiritual. As necessidades a satisfazer são impostas podem desenvolver em conseqüência de terem sido satisfeitas as pri- ou sugeridas ao homem por sua vida física, por seus gostos, por sua meiras. necessidade de viver em uma comunidade, pelo seu intelecto, pela Ora, a compreensão das duas circunstâncias há pouco mencio- sua fantasia e, quem sabe, pelas suas extravagâncias e pelos seus ca- nadas - a saber, de um lado o caráter ilimitado das necessidades e, de prichos. E todas estas fontes por meio das quais as necessidades for- outro, caráter limitado dos meios que se podem tornar disponíveis mam-se e manifestam-se são estimuladas a produzir novas necessida- para a satisfação daquelas necessidades - faz com que as ações dos des cada vez que as antigas tenham sido, em alguma medida, satisfei- homens necessariamente em escolhas. Não sendo possi- tas. Não há limite para este processo, nem se pode imaginar a even- vel, dada a limitação dos meios, satisfazer completamente todas as tualidade de que, na história, se chegue a um período no qual todas necessidades, o homem deve continuamente escolher entre muitas as necessidades possíveis sejam completamente satisfeitas, e no qual, possíveis linhas de ação: escolher uma em vez da outra significa esco- por isso, O homem possa deter-se, ou seja, em essência, não viver a obtenção de certos fins em vez de outros, e obtê-los numa certa mais: medida em vez de numa outra, assim como usar certos meios em vez 2) Os meios com que homens satisfazem as próprias necessida- de outros, e usá-los numa certa proporção em vez de numa des podem se tornar gradativamente disponíveis somente em quantida- des limitadas, isto é, em quantidades menores do que necessitariam 2. Para simplificar, é oportuno ilustrar esta particular caracteristica para conseguir sua plena satisfação. da ação humana - isto é, a característica pela qual ela é necessaria- mente uma escolha - distinguindo dois casos: no primeiro caso, dada Pode haver meios em relação aos quais não se coloca o proble- uma certa disponibilidade de meios, trata-se de escolher quais fins se ma, de convertê-los em disponíveis, porque já o são imediatamente, e pretende conseguir com estes meios dados; no segundo caso, dado pode acontecer que, neste caso, o sejam em quantidade ilimitada em um fim a alcançar, trata-se de decidir com que meios deve ser alcan- relação à necessidade que deles têm os homens. ar atmosférico é um destes casos: é, certamente, um meio de satisfazer uma necessida- Imaginemos que um homem viva isolado, um Robinson de - precisamente a de respirar - que é, além do mais, uma necessida- por exemplo. Ele dispõe de uma certa quantidade de trabalho, obvia- de absolutamente essencial e, ao menos em condições normais, é time- mente limitada, com a qual deve satisfazer várias espécies de necessi- diatamente disponível em quantidade ilimitada em relação à própria dades: a de alimentar-se, de vestir-se, de ter um abrigo, de construir necessidade. ferramentas que tornem seu trabalho mais eficaz, e assim por diante. Mas, em geral, os meios que satisfazem as necessidades huma- Deverá por isso, decidir como subdividir sua limitada disponibilida- nas não são disponíveis imediatamente, e devem se disponíveis de de trabalho entre as diversas operações capazes de propiciar-lhe mediante uma atividade para isto especificamente dirigida. Ora, a in os meios para a das várias necessidades e, portanto, só 22 23pode agir na medida em que efetue uma escolha entre várias alterna- tivas possíveis de ação. prego dos meios - representado pelo dispêndio de trabalho ou pelo Em uma sociedade na qual, como explicaremos me- gasto de renda disponível seja menor possível. Costuma-se dizer lhor em seguida, existe divisão do trabalho, e na qual, portarito, cada então, que, em todas as situações do tipo examinado, os homens um obtém 'os meios de que necessita mediante a troca, podemos ima- agem do meio mínimo. ginar um indivíduo que, em retribuição ao seu próprio trabalho, te- Observe bem leitor como tanto princípio do resultado máxi- nha recebido um salário. Este salário lhe dá uma disponibilidade, mo quanto do meio mínimo constituem regras de comportamento, evidentemente limitada, sobre as mercadorias que se encontram à regras de ação, apenas e justamente porque os meios são limitados. venda no mercado, é ele deverá decidir quais mercadorias comprar e Com efeito: 1) não haveria sentido tornar máximo resultado da em que quantidade, isto é, deverá exercer um ato de escolha. própria ação, se os meios fossem ilimitados em relação às necessida- Quando redige o orçamento de uma nação, seu governo deve es- des e, portanto, permitissem satisfazê-las de modo pleno e total; 2) colher de que modo devem ser utilizados os meios obtidos através não haveria sentido tornar mínimo o emprego dos meios requeridos dos impostos. As alternativas são muitas: obras públicas, educação, para cumprimento de uma certa ação, se a limitação dos meios em defesa, administração da justiça, previdência social etc., e para cada relação às necessidades não colocasse problema de poupá-los uma destas alternativas trata-se de decidir se e em que medida deve- poder dedicá-los, na maior medida possível, a usos alternativos, se procurar consegui-la. isto é, a outras ações dirigidas a satisfazer outras necessidades. Em todos estes casos, e em outros análogos que se podem imagi- Portanto, os dois princípios mencionados, do resultado máxi- nar, encontramo-nos em presença de um sujeito, de um centro de de- mo e do meio mínimo, não são senão duas maneiras de exprimir a cisões, que pode ser uma simples pessoa ou um organismo coletivo, o mesma realidade, ou seja, que nas ações que os homens empreendem qual, a partir de uma certa disponibilidade de meios, e diante de cer- para satisfazer suas necessidades, devem escolher entre várias possi- tas necessidades por ele sentidas, deve escolher de que modo aqueles bilidades alternativas a fim de que a limitada disponibilidade dos meios serão utilizados para satisfazer aquelas necessidades da melhor meios seja utilizada para tornar a satisfação das necessidades a me- maneira possível. Costuma-se dizer que, em todas as situações do lhor possível. tipo até aqui ilustrado, os homens agem segundo princípio do re- Dito isto, podemos voltar ao problema que nos levou a desen- sultado máximo. volver todas estas considerações, isto é, problema da definição da Agora consideremos um sujeito que deseja alcançar um certo ciência econômica, ou seja, como já sabemos, problema da deter- fim, ou seja, satisfazer uma certa necessidade, e deseja satisfazê-la em minação do ponto de vista a partir do qual a ciência econômica con- uma certa medida. Suponhamos em seguida que ele pode usar vários sidera processo de satisfação das necessidades. Diremos agora que meios para conseguir aquela satisfação. Por exemplo, podemos pen- a ciência econômica estuda as ações que homens realizam para satis- sar em que, para se alimentar, pode tornar disponível fazer suas necessidades enquanto estas ações comportam escolhas em vários gêneros alimentícios, cada um dos quais pode ser obtido com conseqüência da limitação dos meios que podem tornar-se disponíveis um certo dispêndio de trabalho, ou então com o gasto de uma certa para a satisfação dessas necessidades. parte de sua renda. Ou podemos pensar em um indivíduo que deve Como ponto de vista próprio da ciência econômica é di- deslocar-se de uma a outra localidade e pode fazê-lo mediante meios ferente dos pontos de vista que mencionamos no início deste capitu- de transporte diversos (trem, automóvel; uso de cada um de- lo: é diferente do da tecnologia, do do direito, do da moral. Que entre les comportando uma certa despesa. Ou ainda, em um indivíduo que, estes vários pontos de vista devem existir relações, fica claro com a tendo decidido passar uma tarde de lazer, pode fazê-lo de várias ma- simples consideração de que, por diferentes que possam ser, referem- neiras (indo ao cinema, ao teatro, a uma partida de futebol, e assim se todavia mesma realidade, que é a ação humana. Quais são ou de- por diante), cada uma das quais implicando um certo custo. vem ser essas relações, é um problema bastante ao qual pode- Se, em todos esses casos, as várias alternativas a ne- mos fazer uma ou outra referência, e somente ao longo deste tratado. cessidade na mesma medida, a escolha será feita- de modo que em- Aqui somente queremos acrescentar que aspecto econômico 24 da ação humana vem geralmente examinado pela ciência econômica, 25tomando em consideração os homens enquantos membros de uma dado por um advogado, uma visita médica, a lição dada por um pro- sociedade: nome de economia política com qual muito fre- fessor, um espetáculo teatral são claramente bens não duráveis: uma qüentemente a ciência econômica é também designada. vez que deles se tenha feito uso, não existem mais (isto não significa, naturalmente, que seus efeitos sobre aqueles que deles fizeram uso, B. Os bens econômicos. não possam ser bastante duradouros, mas estes efeitos são outros bens que existem porque existiram os primeiros, mas que não se 3. Bem é qualquer coisa que seja capaz de satisfazer qual- tificam com eles). Ao contrário, uma casa, um móvel, um eletrodo- quer necessidade e que pode ser tornada disponível somente em um arado, uma máquina industrial são claramente bens du- quantidade limitada. ráveis, já que podem ser submetidos a usos repetidos antes de se tor- A capacidade de satisfazer qualquer necessidade é também indi- narem imprestáveis. Além disso há bens - e são muitíssimos que cada abreviadamente, na ciência econômica, com a palavra podem ser duráveis ou não duráveis, segundo modo pelo qual os E considera-se que, para uso da ciência econômica, ou seja, do sujeitos econômicos procedam à sua aquisição. Consideremos, por ponto de vista econômico, 3 qualificação de útil atribuída a uma coi- exemplo, carvão. É claro que uma certa quantidade de carvão, uma sa não implica um julgamento de aprovação e não tem, portanto, o vez que foi utilizada, não existe mais como carvão e, neste sentido, significado oposto ao de nocivo. Uma coisa pode bem ser nociva à trata-se de um bem não durável. Mas suponhamos que uma empresa saúde física, mental, psíquica ou espiritual do homem, mas quando que usa carvão como fonte de energia não adquira carvão com há alguém que sente necessidade e constata a possibilidade de satisfa- continuidade, isto de acordo com a necessidade que se apresenta zê-la mediante uso da coisa em questão, então esta coisa é útil. O no desenvolvimento do processo produtivo, mas, ao contrário, ad- contrário de útil, por isso, em sentido não é nocivo mas quira carvão numa grande quantidade inicial, constituindo aquilo que se chama que é destinado a alimentar a produção por A utilidade e a disponibilidade limitada são, portanto, as duas.ca- um período, digamos, de três ou seis meses. Sobre este estoque se efe- racterísticas que tornam uma coisa um bem Para facili- tuarão, pois, as retiradas à medida que se manifeste a necessidade, e dade de expressão, as duas características mencionadas podem ser in- cada uma dessas retiradas é um uso que se faz do estoque. Neste ca- dicadas (por sugestão de um economista francês da segunda metade o carvão, sob a forma de estoque, é um bem durável. Uma consi- do século passado, Léon Walras, que foi um dos maiores na história deração semelhante é relevante também para a maior parte dos bens do pensamento econômico) com uma única palavra: Dire- de uso doméstico normal, por exemplo, os bens destinados à alimen- mos, portanto, que os bens econômicos são todas as coisas escassas. tação da família: são duráveis ou não duráveis segundo constituam, agora a algumas classificações dos bens econômi- ou não, os estoques. Há, naturalmente, alguns bens, ditos perecíveis, cos. Como acontece com todas as também a exposição para os quais a constituição de estoques não é possível por razões das que vamos ilustrar será inevitavelmente enfadonha. Todavia, São, necessariamente bens não duráveis. considere leitor que estudo destas classificações é essencial para assimilar os termos que deveremos usar ao longo do Uma segunda distinção é aquela entre os bens presentes e os presente bens futuros. Com esta denominação faz-se referência evidentemente ao momento em que os bens estão disponíveis. Neste sentido, a deno- 1) Uma primeira classificação é a que consiste em distinguir os minação de "bens presentes" é óbvia e não há necessidade de eluci- bens econômicos em duas categorias: a dos bens não duráveis e a dos dação particular. Entretanto, no que diz respeito aos "bens futuros", bens duráveis. é necessário, para que se possa realmente defini-los como bens eco- Bens não duráveis são aqueles que deixam de existir em'conse- nômicos, que exista um razoável grau de certeza acerca da possibili- qüência do simples uso que deles se faça. São bens duráveis, ao con- dade de se vir a Por exemplo, suponhamos que um cam- trário, aqueles que podem ser submetidos a sucessivos usos antes de Fulano empreste a um camponês uma certa quanti- deixarem de existir, antes de se esgotarem. Por exemplo, parecer dade de sementes, e que Beltrano se comprometa a restituir a Fulano, 26 27dentro de um ano, uma outra quantidade de sementes. Esta segunda O que importa notar é que, em muitos casos, acontece que um quantidade de sementes é, para Fulano, um bem futuro, e portanto é bem pode ser direto ou indireto segundo modo como é usado. A um bem enquanto Fulano tem suficientes razões para acreditar que energia elétrica, por exemplo, é um bem direto se serve para a ilumi- manterá seu compromisso. Porém é certo que, normalmen- nação doméstica, e é um bem indireto para iluminação de uma te, a disponibilidade futura é menos certa que a disponibilidade presen- ca ou de um escritório. É um bem direto se'serve para fazer funcionar e isto tem econômicas de grande relevância, das o aparelho de rádio de uma família, e é um bem indireto se serve para quais nos ocupar detalhadamente em seguida. fazer funcionar a maquinaria de uma fábrica Um mesmo navio, que 3) Uma terceira classificação consiste em individualizar bens transporte simultaneamente passageiros e carregue mercadorias, é que são, entre si, complementares ou substitutos (estes últimos cha- um bem direto para os passageiros e um bem indireto para quem ex- mam-se também, às vezes, fungíveis ou sucedâneos). pediu as mercadorias. Um adubo químico é um bem direto para a Complementares são aqueles bens que devem, ou podem, ser dona-de-casa que cultiva suas próprias flores, e é um bem indireto usados juntos para alcançar um determinado objetivo. Por exemplo, para agricultor. para confeccionar um vestido, necessita-se, simultaneamente, de teci- Observe leitor que as classificações expostas se aplicam, cada do, linha, botões, tesoura, máquina de costura, etc. Todos estes bens uma, a toda a massa dos bens econômicos e que, portanto, cada bem são, pois, complementares entre si. Às vezes a complementaridade coloca-se simultaneamente em todas elas. Assim, por exemplo, uma deriva não de necessidades técnicas, mas de razões subjetivas, que máquina atualmente em funcionamento numa fábrica é um bem du- têm a ver com os gostos e preferências dos consumidores. Por exem- rável, presente, indireto e complementar em relação, digamos, à ma- plo, sal é um bem complementar em relação à maior parte dos gê- téria-prima com que trabalha. Uma reserva para teatro é um bem neros alimentícios. não durável, futuro, direto e substituto em relação, digamos, a um Substitutos são aqueles bens que podem ser destinados à conse- espetáculo cinematográfico. cução do mesmo fim. Por exemplo, os alimentos podem ser condi- mentados com azeite, óleo, manteiga ou margarina. A carroceria de um automóvel pode ser feita de aço ou de plástico e seus assentos po- C. A riqueza patrimônio e renda dem ser revestidos de pano ou de couro. Uma noite de descanso pode ser passada no cinema ou em casa vendo televisão. Um arado pode 4. Um conjunto de bens econômicos, disponíveis para um sujeito ser puxado por um trator, por uma parelha de bois ou talvez por um econômico ou para uma sociedade de sujeitos chama-se burro. O fornecimento de energia elétrica pode ser feito por uma hi- riqueza daquele sujeito ou daquela sociedade. drelétrica, uma usina termelêtrica ou uma usina nuclear. Eis alguns A riqueza como conjunto de bens econômicos pode ser conside- outros casos de bens substitutos. rada de duas maneiras. Em primeiro lugar, pode-se fazer referência a um determinado momento do tempo (por exemplo, meia-noite de 31 4) Uma quarta e última distinção, da máxima importância eco- de dezembro de 1966). O conjunto de bens econômicos disponíveis nômica, é aquela entre os bens diretos e os bens indiretos. naquele momento para os vários sujeitos econômicos, ou para a so- Bens diretos são aqueles que podem ser diretamente utilizados ciedade como um todo, isto é, a riqueza existente naquele momento, para satisfazer uma Os exemplos são por demais óbvios. toma nome de patrimônio dos sujeitos ou da sociedade. Em segun- Os gêneros alimentícios, os vestidos, as casas de moradia, os espetá- do lugar, pode-se fazer referência a um determinado período de tem- culos, etc., são todos bens diretos. po (por exemplo, um mês ou um ano) e, da mesma forma, considerar Bens indiretos são aqueles que servem não para satisfazer direta- fluxo de bens que, durante aquele período, tornam-se disponíveis mente necessidades, mas para obter outros bens (que podem ser bens para os sujeitos ou para a sociedade como um todo, em diretos ou mesmo indiretos). Aqui também os exemplos são fáceis: as das atividades que desenvolvern. A riqueza considerada como fluxo maquinarias industriais, as matérias-primas, os prédios agrícolas e de bens ao longo do tempo toma nome de renda (mensal ou anual, industriais são alguns bens indiretos. segundo período escolhido). 28 29Para precisar melhor conceito de riqueza, no seu duplo aspec- to de patrimônio e renda, é útil considerar a distinção feita anterior- mente entre bens duráveis e não duráveis. Consideremos um bem du- por exemplo, uma casa de Como dissemos, pode-se dela fazer um uso repetido, e é precisamente este motivo pelo qual ela é classificada entre os bens duráveis. Fazer uso da casa significa, como é óbvio, Usá-la por certo período de tempo significa habitá-la durante este período de tempo. Diz-se que o uso da casa por um certo período de tempo é serviço prestado por aquela casa naquele período. Analogamente, serviço (digamos anual) de uma máquina industrial é uso que desta máquina se faz na fábrica du- rante um ano. Em geral, todos os bens duráveis dão lugar a um fluxo II de durante uma sucessão de períodos. Os serviços de um bem durável são bens econômicos assim como o é O próprio bem durável. Para convencer-se, basta refletir sobre fato de que os serviços de um bem durável formam objeto de contratos específicos e distintos daqueles que têm por objeto o próprio bem durável: assim, no que diz respeito novamente à casa, uma coisa é contrato de locação que tem precisamente por o serviço mensal ou anual da casa, e CONSUMO, PRODUÇÃO, outra coisa é o contrato de compra-e-venda, que tem por objeto a POUPANÇA E INVESTIMENTO casa propriamente dita. Isto posto, é evidente que, enquanto no patrimônio não podem figurar os serviços de bens duráveis, na renda de um certo período fi- guram, além dos bens que durante período tornam-se disponíveis pela primeira vez, também os serviços dos bens duráveis que estão disponíveis no início do periodo considerado, assim como os serviços A. Consumo e produção dos bens duráveis que se tornam disponíveis pela primeira te o próprio período. 5. No que dissemos até agora já estão implícitos dois conceitos eco- nômicos fundamentais, de consumo e de produção. Devemos agora procurar precisar melhor estas. duas noções. O consumo é uso dos bens econômicos com o objetivo de satis- fazer diretamente certas necessidades. Os bens usados com este obje- tive, e enquanto são usados com este objetivo, chamam-se bens de leitor que considerar a definição de bem direto fornecida no § 3, perceberá que dizer "bem de consumo" e dizer "bem direto" significa dizer a mesma coisa. A produção é uso dos bens econômicos com o objetivo de ob- ter com eles outros bens, que são bens de consumo ou bens que, por sua vez, servem para obter outros, ao longo de uma cadeia que, cedo ou tarde, termina em bens de Os bens usados com este ob- 30 31jetivo, e enquanto são usados com este objetivo, chamam-se bens de veis em um tempo futuro. As atividades precisamen- produção, ou também meios de produção. O leitor que considerar a definição de bem indireto fornecida no § 3 perceberá que a denomi- te oferecem exemplos deste tipo de transformação. nação de "bem indireto" e a de "bem de produção" significam a Se, como freqüentemente acontece, uma coisa, fisicamente de- terminada, é considerada como um bem diferente segundo esteja dis- ponível de um ou outro modo, num ou noutro lugar, então pode-se Do ponto de vista econômico a palavra produção tem um signifi- dizer, em geral, que a atividade de transformação consiste na obten- cado mais geral do que na linguagem Na ciência econômica ção de certos bens a partir de outros bens. conceito de produção está, com efeito, estreitamente ligado ao de 9 Em que sentido, portanto, conceito de produção está ligado ao transformação dos bens, em todas as quatro acepções nas quais o fe- de transformação? No sentido de que é atividade produtiva toda ati- nômeno da transformação pode ser entendido, ou seja, como: 1) vidade de transformação que, de certos bens obtenha outros, transformação técnica (que é aquela à qual a linguagem comum ha- mente consumíveis ou tais que deles se pode, antes ou depois, obter bitualmente limita o significado da palavra produção), 2) transforma- bens diretamente consumíveis. É oportuno que, a esta altura, leitor ção no modo, 3) transformação no espaço, 4) transformação no tem- lembre-se do que se disse a propósito da distinção entre bens diretos po. (ou, como agora os chamamos, bens de consumo), e bens indiretos (ou, os chamamos, bens ou meios de e que 1) A transformação técnica é constituída por todos os processos esta distinção não depende da natureza dos bens enquanto tais, mas mediante os quais a partir de certos bens se obtêm outros bens. Todas depende do uso que deles se faz: por exemplo, em uma indústria de as atividades agrícolas e industriais fornecem exemplos deste tipo de conservas a fruta de que se obtém doce é, evidentemente, um meio transformação. Assim, pense-se na fabricação do aço. Esta consiste de produção e não um bem de consumo. em um conjunto de operações mediante as quais ferro e carvão O resultado de uma atividade produtiva, isto é, bem no qual transformam-se, precisamente, em aço. No caso do ferro e do car- outros bens são transformados (em qualquer um dos sentidos que, vão, isto é evidente, porque se encontram materialmente no aço. Mas como dissemos, pode-se dar à palavra chama-se também as máquinas utilizadas nessas operações transformam-se em E de tudo que dissemos até agora deriva que um produto ainda que não no sentido material da palavra, e ainda que, no pode ser um bem de consumo ou um meio de produção, pronto para caso das máquinas, a transformação seja gradual, tratando-se de ser usado, precisamente como meio de produção, em outros proces- bens duráveis. SOS produtivos. 2) A transformação no modo é constituída pelas operações me- vezes é costume considerar os meios de produção sob as- diante as um bem inicialmente disponível de certo modo, sob pecto da sua maior ou menor "distância" do consumo, uma certa forma, torna-se disponível num modo e numa forma di- bens de produção de primeiro grau aqueles que servem para produzir Por exemplo, um comerciante, que torna disponível no bens de consumo, bens de produção de segundo grau aqueles que ser- um bem que adquiriu no atacado, realiza uma transformação deste vem para produzir bens de primeiro grau, e assim por diante. Por tipo. exemplo, em relação ao bem de consumo pão, a farinha, fermento, forno, etc., são bens de produção de primeiro grau. trigo, os 3) A transformação no espaço consiste em todas as operações equipamentos da salina, etc., são bens de segundo grau. O adubo, as mediante as quais certos bens, estando inicialmente disponíveis. em sementes, arado, o metal ou a madeira com que são feitos os equi- certos locais, tornam-se disponíveis em locais diferentes. As ativida- pamentos da salina, etc., são bens de terceiro grau. O ácido sulfúrico, des de transporte são exemplos evidentes deste tipo de transforma- que serve para fabricar adubo, o aço, que serve para fabricar ara- ção. do, são bens de quarto grau, e assim por diante. 6. 4) A transformação no tempo consiste em todas as operações Do ponto de vista da produção, muitos economistas consideram mediante as quais certos bens, hoje disponíveis, tornam-se disponi- oportuno introduzir a seguinte classificação de todos os bens econô- micos: 32 331) A uma primeira categoria pertencem aqueles bens que são fruto de nenhum processo produtivo, isto é, não são produtos, de, dos tempos pré-históricos até hoje, é precisamente constituída embora sejam meios de produção, e são inclusive meios de produção pela crescente abundância e perfeição dos instrumentos com os quais tão gerais que é possível encontrá-los em todo processo produtivo. foi feita a produção. As diferenças que ainda hoje se encontram entre Trata-se em primeiro lugar do trabalho humano e, em segundo lugar, os níveis de desenvolvimento e de bem-estar dos vários países do dos recursos naturais. Estes últimos compreendem a terra (seja como mundo (e das quais deveremos nos ocupar detalhadamente depois) terra cultivável, seja como solo edificável e, em suma, mais em geral; dependem em boa medida das diferenças na quantidade e na qualida- como espaço ocupado pela atividade produtiva), as florestas (en- de dos instrumentos que são usados no processo produtivo. quanto existam independentemente da ação do homem), as jazidas minerais, e assim por diante. Isto posto, consideremos um homem isolado, Robinson Cru- que já mencionamos no § 2 e pode bastante 2) A uma segunda categoria pertencem aqueles bens que, de um amiúde ser utilmente examinado para começar a esclarecer questões lado; são fruto de determinados processos produtivos, isto é, são mais complexas. Suponhamos, um pouco superficialmente, que ele se produtos e, de outro lado, são meios de produção para outros pro- alimente só de peixes e que, dedicando à pesca todo trabalho dis- cessos produtivos. ponível (digamos, oito horas por dia), consiga, sem fazer uso algum 3) A uma terceira categoria pertencem aqueles bens que são pro- de instrumentos (como uma linha ou uma rede), cem peixes por mês. dutos mas que não entram em nenhum outro processo produtivo. Nesta situação temos produtiva que se desenvolve me- Isto é, trata-se dos bens de consumo. diante simples aplicação do trabalho aos recursos. naturais, sem in- tervenção dos meios de produção produzidos.. Mas Robinson sabe Temos portanto: 1) bens não produzidos que são de pro- que, se pudesse dispor de uma rede, seu trabalho muito dução; 2) bens produzidos que são meios de produção; 3) bens pro- mais produtivo. Portanto, supondo que a construção de uma rede duzidos que não são meios de produção, mas bens de consumo (ou demora um mês quando a ela se dedicam quatro horas por dia, ele finais). Nem todos os economistas aceitam, pelo menos em todos os decide passar um mês entregando-se quatro horas por dia à pesca seus pormenores, este tipo de classificação. Mas desta questão, que com as próprias mãos e quatro horas por dia à construção da rede. é de considerávél importância para a interpretação dos fenômenos Durante este.mês ele se sujeita, pois, a um considerável sacrifício, já econômicos, ocupar-nos-emos em seguida (ver também os §§ 33 e 61), que deve reduzir à:metade seu Mas ele aceita este sacrifício já que seu esclarecimento requer conhecimento de conceitos de porque sabé que, a partir do mês seguinte, com a rede enfim à dispo- que ainda não tratamos. De qualquer forma, até aviso em contrário, sição, e também levando em conta que poderá dedicar-se à pesca não também aceitaremos a referida classificação. mais oito horas por dia, mas, digamos, somente seis porque duas de- verão ser dedicadas conservar a ele obterá não mais cem mas; B. Poupança e duzentos peixes. E, supondo que realmente conserve a rede em perfeito estado, substituindo as partes que se com 7. fato de que o homem produz utilizando não apenas o próprio uso, esta situação poderá durar trabalho e os recursos naturais mas também meios de produção pro- duzidos (que, para abreviar, podemos chamar de bens instrumentais, Este exemplo, esquemático e simplista, aclara todavia uma pe- culiaridade fundamental da produção humana; renunciando a dedi- ou ainda mais simplesmente, instrumentos) tem como efeito tornar bastante mais produtivo o seu trabalho: o uso dos car todos os meios de produção hoje disponíveis à produção de bens consumo e aceitando, pois, destiná-los à produção de outros faz com que os bens produzidos sejam obtidos em quantidades muito maiores e com qualidades mais variadas do que sucederia se o ho- meios de em virtude dos quais aumente a produtividade mem se limitasse a aplicar o seu simples trabalho aos recursos natu- do trabalho, obtém-se como resultado o aumento sucessivo e (con- rais. Uma das bases decisivas do progresso alcançado pela humanida- tanto que não se deixe deteriorar os meios de produção) permanente do próprio consumo. 34 35ato pelo qual se renuncia a uma parte do possível consumo presente com de obter um aumento do consumo futuro durante ano considerado sairão de uso e, portanto, no início do chama-se ano seguinte a parte do patrimônio que é constituída por estes bens O ato pelo qual um determinado conjunto de meios de produção b) os estoques se esgotarão e, portanto, se se deseja conti- é destinado à produção de outros meios de produção, que substituem nuar a produzir, será necessário, no ano seguinte, produzir não ape- os que durante um certo período de tempo foram consumidos ou en- nas bens de consumo, mas também os bens que faziam parte do esto- tão se acrescentam àqueles já existentes, chama-se investimento que. Sobre os conceitos de poupança e investimento, devemos voltar 4 mais vezes ao longo deste tratado, para precisá-los posteriormente. A 2). Produzem-se bens de consumo e todos os bens instrumentais noção que acabamos de adquirir é todayia suficiente para continuar que servem para substituir os bens que faziam parte do patrimônió exposição. que durante ano foram consumidos ou de uso. Des- se modo patrimônio, inclusive estoque, se mantém intacto, e no 8. Para mostrar como o que se disse até agora pode ser estendido sem ano seguinte consumo pode manter-se a um nível não inferior ao do ano considerado. muita dificuldade a casos mais complexos, uma nação inteira, e imaginemos fazer um levantamento do seu patrimônio no 3) Produzem-se bens de consumo, os bens instrumentais que ser- início de certo ano. Neste patrimônio estão, em primeiro lugar, de- vem à substituição (como no caso 2). novos bens instrumentais des- terminados recursos naturais e, em segundo lugar, certas quantida- tinados a aumentar patrimônio. modo, no ano seguinte, des de bens instrumentais duráveis produzidos em períodos anterio- pode-se elevar consumo a um nível superior ao do ano considera- res ao considerado. Para simplificar, suponhamos que todos os bens do. instrumentais, que poderiam ser não duráveis, como as matérias- No primeiro caso não se tem poupança nem investimento. No primas por exemplo, sejam ao contrário disponíveis no momento da- segundo caso tem-se uma poupança que permite somente realizar os do, sob a forma de estoques capazes de durar um ano. Também estes investimentos que servem para manter intacto patrimônio. No ter- estoques fazem parte do patrimônio no momento considerado. Su- ceiro caso tem-se uma poupança suficiente para realizar os investi- ponhamos também, sempre para simplificar, que neste patrimônio mentos que não somente para manter o patrimônio mas tam- existam somente bens de produção. Para eliminar uma outra possível bém para complicação, podemos supor também que a população seja éstacio- Observe-se que, se a população não é estacionária mas aumenta, nária, isto é, que a sua composição seja, no fim do ano, a mesma do também consumo total deve aumentar se se deseja que consumo per capita permaneça constante. Mas, para manter este último cons- tante, é necessário que seja mantida constante a produtividade de um Com um patrimônio como o descrito, aplicando-lhe o trabalho trabalho que vai aumentando no tempo. Nesse caso os atos de inves- do qual população é capaz, a nação pode, ao longo do ano, criar timentos servem três objetivos: um conjunto de produtos que constitui a renda da São então possíveis os três seguintes casos: 1) Substituir todos os bens instrumentais que foram consumidos durante ano. 1) Todos os produtos são bens de Em outros termos, toda a capacidade produtiva incluída no patrimônio disponível no 2) Acrescentar a estes outros bens instrumentais do mesmo tipo, início do ano no trabalho que os homens podem realizar durante o com objetivo de manter constante a produtividade do trabalho de ano é utilizada para satisfazer diretamente as necessidades correntes uma população crescente. da população. Dessa maneira, em relação ao ano considerado, con- 3) Tornar bens instrumentais de novo tipo; mais sumo da população tem o máximo nível possível na situação patri- aperfeiçoados, com o objetivo de aumentar a produtividade do tra- balho: monial dada. Mas este consumo está certamente destinado a dimi- nuir no ano seguinte, pois: a) muitas máquinas, alguns edifícios, etc., É bom ter presente que estes três objetivos estão separados ape- nas por comodidade de exposição. Na realidade, os bens instrumen- 36 37Para precisar melhor o conceito de riqueza, no seu duplo aspec- to de patrimônio e renda, é útil considerar a distinção feita anterior- mente entre bens duráveis e não duráveis. Consideremos um bem du- rável, por exemplo, uma casa de moradia. Como dissemos, pode-se dela fazer um uso repetido, e é precisamente este motivo pelo qual ela é classificada entre os bens duráveis. Fazer uso da casa significa, como é óbvio, habitá-la. Usá-la por certo período de tempo significa habitá-la durante este de tempo. Diz-se que o uso da casa por um certo período de tempo é o serviço prestado por aquela casa naquele período. Analogamente, serviço (digamos anual) de uma máquina industrial é o uso que desta máquina se faz na fábrica du- II rante um ano. Em geral, todos os bens duráveis dão lugar a um fluxo de durante uma sucessão de períodos. Os serviços de um bem durável são bens econômicos assim como é próprio bem durável. Para convencer-se, basta refletir sobre fato de que os serviços de um bem durável formam objeto de contratos específicos e distintos daqueles que têm por objeto próprio bem durável: assim, no que diz respeito novamente à casa, uma coisa é contrato de locação que CONSUMO, PRODUÇÃO, tem precisamente por serviço mensal ou anual da casa, e POUPANÇA E INVESTIMENTO outra coisa é contrato de compra-e-venda, que tem por objeto a casa propriamente Isto posto, é evidente que, enquanto no patrimônio não podem figurar os serviços de bens duráveis, na renda de um certo período fi- além dos bens que durante o período tornam-se disponíveis pela primeira vez, também os serviços dos bens duráveis que estão A. Consumo e produção disponíveis no início do período considerado, assim como os serviços dos bens duráveis que se tornam disponíveis pela primeira vez duran- te o próprio período. 5. No que dissemos até agora já estão implícitos dois conceitos eco- nômicos fundamentais, o de consumo e de produção. Devemos agora procurar precisar melhor estas duas noções. O consumo é o uso dos bens econômicos com o objetivo de satis- fazer diretamente certas necessidades. Os bens usados com este obje- tive, e enquanto são usados com este objetivo, chamam-se bens de consumo. leitor que considerar a definição de bem direto fornecida no § 3, perceberá que dizer "bem de consumo" e dizer "bem direto" significa a mesma A produção é uso dos bens econômicos com o objetivo de ob- ter com eles outros bens, que são bens de consumo ou bens que, por sua vez, para obter outros, ao longo de uma cadeia que, cedo ou tarde, termina em bens de consumo. Os bens usados com este ob- 31jetivo, e enquanto são usados com este objetivo, chamam-se bens de veis em um tempo futuro. As atividades de precisamen- produção, ou também meios de produção. O leitor que considerar a definição de bem indireto fornecida no § 3 perceberá que a denomi- te oferecem exemplos deste tipo de como acontece, uma coisa, fisicamente nação de indireto" e a de "bern de produção" significam a terminada, é considerada como um bem diferente segundo esteja dis- ponível de um ou outro modo, num ou noutro lugar, então pode-se Do ponto de vista econômico a palavra produção tem um signifi- dizer, em geral, que a atívidade de transformação consiste na obten- cado do que na linguagem comum. Na ciência econômica ção de certos bens a partir de outros bens. o conceito de produção está, com efeito, estreitamente ligado ao de Em que sentido, portanto, o conceito de produção está ligado ao transformação dos bens, em todas as quatro acepções nas quais fe- de transformação? No sentido de que é atividade produtiva toda ati- nômeno da transformação pode ser ou seja, como: 1) vidade de transformação que, de certos bens obtenha outros, direta- transformação técnica (que é aquela à qual a linguagem comum ha- mente consumíveis ou tais que deles se pode, antes ou depois, obter bitualmente limita o significado da palavra produção), 2) transforma- bens diretamente É oportuno que, a esta altura, o leitor ção no modo, 3) transformação no espaço, 4) transformação no tem- lembre-se se disse a propósito da distinção entre bens diretos po. (ou, como agora os chamamos, bens de consumo), e bens indiretos (ou, como agora os chamamos, bens ou meios de e que A transformação técnica é constituída por todos os processos esta distinção não depende da natureza dos bens enquanto tais, mas mediante os quais a partir de certos bens se obtêm outros bens. Todas depende do uso que deles se faz: por exemplo, em uma indústria de as atividades agrícolas e industriais fornecem exemplos deste tipo de conservas a fruta de que se obtém doce é, evidentemente, um meio transformação. Assim, pense-se na fabricação do aço. Esta consiste de produção e não de consumo. em um conjunto de operações mediante as quais ferro e carvão resultado de uma atividade produtiva, isto é, bem no qual transformam-se, precisamente, em aço. No caso do ferro e do car- outros bens são transformados (em qualquer um dos sentidos que, vão, isto é evidente, porque se encontram materialmente no aço. Mas como dissemos, pode-se dar à palavra chama-se também as utilizadas nessas operações transformam-se em E de tudo que dissemos até agora deriva que um produto aço, ainda que não no sentido material da palavra, e ainda que, no pode ser um bem de consumo ou um meio de produção, pronto para caso das máquinas, a transformação seja gradual, tratando-se de ser usado, precisamente como meio de produção, em outros proces- bens duráveis. SOS produtivos. 2) A transformação no modo é constituída pelas operações me- vezes é costume considerar os meios de produção sob as- diante as quais um bem inicialmente disponível de certo modo, sob pecto da sua maior ou menor "distância" do consumo, e chamam-se uma certa forma, torna-se disponível num modo e numa forma di- bens de produção de primeiro grau aqueles que servem para produzir versos. Por exemplo, um comerciante, que torna disponível no varejo bens de consumo, bens de produção de segundo grau aqueles que ser- um bem que adquiriu no atacado, realiza uma transformação deste vem para produzir bens de primeiro grau, e assim por diante. Por tipo. exemplo, em relação ao bem de consumo pão, a farinha, fermento, forno, etc., são bens de produção de primeiro grau. trigo, os 3) A transformação no espaço consiste em todas as operações equipamentos da salina, etc., são bens de segundo grau. adubo, as mediante as quais certos bens, estando inicialmente disponíveis em sementes, arado, metal ou a madeira com que são feitos os equi- certos locais, tornam-se disponíveis em locais diferentes. As ativida- pamentos da salina, etc., são bens de terceiro grau. ácido sulfúrico, des de transporte são exemplos evidentes deste tipo de transforma- que serve para fabricar adubo, o aço, que serve para fabricar ara- ção. do, são bens de quarto grau, e assim por diante. 4) A transformação no tempo consiste em todas as operações 6. Do ponto de vista da muitos economistas consideram mediante as quais certos bens, hoje disponíveis, tornam-se oportuno introduzir a seguinte classificação de todos os bens micos: 32 331) A uma primeira categoria pertencem aqueles bens que são fruto de nenhum processo produtivo, isto é, não são produtos, de, dos tempos pré-históricos até hoje, é precisamente constituída embora sejam meios de produção, e são inclusive meios de produção pela crescente abundância e perfeição dos instrumentos com os quais tão gerais que é possível em todo processo produtivo. foi feita a produção. As diferenças que ainda hoje se encontram entre Trata-se em primeiro lugar do trabalho humano e, em segundo lugar, os níveis de desenvolvimento e de bem-estar dos vários países do dos recursos naturais. Estes últimos compreendem a terra como mundo (e das quais deveremos nos ocupar detalhadamente depois) terra cultivável, seja como solo edificável e, em suma, mais em dependem em boa medida das diferenças na quantidade e na qualida- de dos instrumentos que são usados no processo produtivo. como espaço ocupado pela atividade produtiva), as florestas (en- minerais, e assim por quanto existam independentemente da ação do homem), as jazidas Isto posto, consideremos um homem isolado, Robinson Cru- que já mencionamos no § 2 e cujo-comportamento pode bastante 2) uma segunda categoria pertencem aqueles bens que, de um amiúde ser utilmente examinado para começar a esclarecer questões lado; são fruto de determinados processos produtivos, isto é, são mais complexas. Suponhamos, um pouco superficialmente, que ele se produtos e, de outro lado, são meios de produção para outros pro- alimente só de peixes e que, dedicando à pesca todo trabalho dis- cessos produtivos. ponível (digamos, oito horas por dia), consiga, sem fazer uso algum 3) A uma terceira categoria pertencem aqueles bens que são pro- de instrumentos (como uma linha ou uma rede), cem peixes por mês. dutos mas que não entram nenhum outro processo produtivo. Nesta situação temos uma atividade produtiva que se desenvolve me- Isto é, trata-se dos bens de consumo. diante simples aplicação do trabalho aos recursos naturais, sem in- tervenção dos meios de produção produzidos. Mas Robinson sabe Temos portanto: bens não produzidos que são meios de pro- que, se pudesse dispor de uma rede, seu trabalho tornar-se-ia muito dução; 2) bens produzidos que são meios de 3) bens pro- mais produtivo. Portanto, supondo que a construção de uma rede duzidos que não são meios de produção, mas bens de consumo (ou demora um mês quando a ela se dedicam quatro horas por dia, ele finais). Nem todos os economistas aceitam, pelo menos em todos os decide passar um mês entregando-se quatro horas por dia à pesca seus pormenores, este tipo de classificação. Mas desta questão, que com as próprias mãos e quatro horas por dia à construção da rede. é de considerável importância para a interpretação dos fenômenos Durante este mês ele se sujeita, pois, a um considerável já econômicos, ocupar-nos-emos em seguida (ver também os §§ 33 e 61), que deve reduzir seu Mas ele aceita este sacrifício já que seu esclarecimento requer o conhecimento de conceitos de porque sabe que, a partir do seguinte, com a rede enfim à dispo- que ainda não tratamos. De qualquer forma, até aviso em contrário, sição, e também levando em conta que poderá dedicar-se à pesca não também aceitaremos a referida classificação. mais oito horas por dia, mas, digamos, somente seis porque duas de- verão ser dedicadas a conservar a ele obterá não mais cem mas; B. Poupança e digamos, duzentos peixes. E, supondo que realmente conserve a rede em perfeito estado, substituindo as partes que se consomem com 7. O fato de que homem produz utilizando não apenas próprio uso, esta situação poderá durar indefinidamente. trabalho e os recursos naturais mas meios de produção duzidos (que, para abreviar, podemos chamar de bens instrumentais, pro- Este exemplo, esquemático e simplista, aclara todavia uma pe- culiaridade fundamental da produção humana: renunciando a dedi- ou ainda mais simplesmente, instrumentos) tem como efeito tornar car todos os meios de produção hoje disponíveis à produção de bens bastante mais produtivo seu trabalho: uso dos bens instrumentais de consumo e aceitando, pois, destiná-los à produção de outros faz com que os bens produzidos sejam obtidos em quantidades muito meios de produção, em virtude dos quais aumente a produtividade maiores e com qualidades mais variadas do que sucederia se ho- do trabalho, obtém-se como resultado aumento sucessivo e (con- mem se limitasse a aplicar seu simples trabalho aos recursos natu- tanto que não se deixe deteriorar os meios de produção) permanente rais. Uma das bases decisivas do progresso alcançado pela humanida- do próprio consumo. 34 35 doO ato pelo qual se renuncia a uma parte do possível consumo presente com de obter um aumento do consumo futuro durante ano considerado sairão de uso e, portanto, no início do chama-se poupança) ano seguinte a parte do patrimônio que é constituída por estes bens O ato pelo qual um determinado conjunto de meios de produção b) os estoques se esgotarão e, portanto, se se deseja conti- é destinado à produção de outros meios de produção, que substituem nuar a produzir, será necessário, no ano seguinte, produzir não ape- os que durante um certo período de tempo foram consumidos ou en- nas bens de consumo, mas também os bens que faziam parte do esto- tão se acrescentam àqueles já existentes, chama-se investimento que. Sobre os conceitos de poupança e investimento, devemos voltar 2) Produzem-se bens de consumo e todos bens instrumentais mais vezes ao longo deste tratado, para precisá-los A noção que acabamos de adquirir é todavia suficiente para continuar que servem para substituir os bens que faziam parte do inicial e que durante ano foram consumidos ou sairam de uso. Des- nossa exposição. se modo patrimônio, inclusive estoque, se mantém intacto, e no 8. como o que se disse até agora pode ser estendido sem ano seguinte consumo pode manter-se a um nível não inferior ao do ano considerado muita dificuldade a casos mais complexos, consideremos uma nação inteira, e imaginemos fazer um levantamento do seu patrimônio no 3) Produzem-se bens de consumo, os bens instrumentais que ser- início de certo ano. Neste patrimônio estão, em primeiro lugar, de- vem à substituição (como no caso 2). novos bens instrumentais des- terminados recursos naturais e, em segundo lugar, certas quantida- tinados a aumentar o patrimônio. Desse modo, no ano seguinte, des de bens instrumentais duráveis produzidos em períodos anterio- pode-se elevar consumo a um nível superior ao do ano considera- res ao considerado. Para simplificar, suponhamos que todos os bens do. que poderiam ser não duráveis, como as matérias- No primeiro caso não se tem poupança nem investimento. No primas por exemplo, sejam ao contrário disponíveis no momento da- segundo caso tem-se uma poupança que permite somente realizar os do, sob a forma de estoques capazes de durar um ano. Também estes investimentos que servem para manter intacto patrimônio. No ter- estoques fazern parte do patrimônio no momento considerado. Su- ceiro caso tem-se uma poupança suficiente para realizar os investi- ponhamos também, sempre para simplificar, que neste patrimônio mentos que não somente para manter patrimônio mas tam- existam somente bens de produção. Para eliminar uma outra possível bém para aumentá-lo complicação, podemos supor também que a população seja Observe-se que, se a população não é estacionária mas aumenta, nária, isto é, que a sua composição seja, no fim do ano, a mesma do também o consumo total deve aumentar se se deseja que consumo início. per capita permaneça constante. Mas, para manter este último cons- tante, é necessário que seja mantida constante a produtividade de um Com um patrimônio como o descrito, aplicando-lhe o trabalho trabalho que vai aumentando no tempo. Nesse caso os atos de inves- do qual a população é capaz, a nação pode, 20 longo do ano, criar timentos servem a três objetivos: um conjunto de produtos que constitui a renda da nação. São então possíveis os três seguintes casos: 1) Substituir todos os bens instrumentais que foram consumidos durante 1) Todos os produtos são bens de Em outros termos, toda a capacidade produtiva incluída no patrimônio disponível no 2) Acrescentar a estes outros bens instrumentais do mesmo tipo, início do ano no trabalho que os homens podem realizar durante o com objetivo de manter constante a produtividade do trabalho de uma população crescente. utilizada para satisfazer diretamente as necessidades correntes da população. Dessa maneira, em relação ao ano considerado, con- 3) Tornar disponíveis bens instrumentais de novo tipo; mais sumo da população tem o máximo nível possível na situação patri- aperfeiçoados, com objetivo de aumentar a produtividade do tra- balho: monial dada. Mas este consumo está certamente destinado a dimi- nuir no ano seguinte, pois: a) muitas máquinas, alguns edifícios, etc., É bom ter presente que estes três objetivos estão separados ape- nas por comodidade de exposição. Na realidade, os bens instrumen- 36 37tais destinados à substituição e os que são acrescidos ao patrimônio para acompanhar o aumento da população não são necessariamente iguais aos bens já em uso. Podem ser diferentes, de modo a tornar o trabalho mais produtivo do que se as substituições e os acréscimos se realizassem com bens idênticos aos que foram consumidos ou saíram de uso. Desse modo, ainda que nos limitemos somente aos investi- mentos que servem para efetuar as substituições e a acompanhar o aumento da população, pode-se ter no ano seguinte ao considerado um aumento do consumo. (Esta questão será retomada no § 65). 9. É oportuno agora que o leitor considere o seguinte: supusemos, até agora, que do patrimônio disponível no início do ano fizessem parte os estoques com a duração de um ano, e vimos como, para manter III intacto o patrimônio, necessitava-se, no caso, de investimentos que, reconstituindo os estoques, permitiam chegar ao fim do ano com os estoques iguais aos do Mas é possível também formular uma hipótese diametralmente oposta a esta, isto é, que os meios de produ- ção fisicamente não duráveis não se tornem, de fato, duráveis me- diante a constituição de estoques, mas, ao contrário, sejam produzi- O SISTEMA dos e usados na produção, à medida que se realizam os processos produtivos que os usam. Nesse caso o problema de investir em esto- ques nem mesmo se coloca. E, por outro lado, os meios de produção não duráveis não devem ser considerados como parte da renda anual da nação, já que se encontram incorporados aos bens de consumo ou aos meios de produção duráveis que compõem a renda. Em outros A. Natureza e funções gerais de um sistema econômico termos, se considerássemos, neste caso, os meios de produção não duráveis como parte da renda ao lado dos bens de consumo ou dos meios de produção duráveis que se produzem com eles (se conside- rássemos, por exemplo, a farinha ao lado do pão, ou o aço, que se usa para os automóveis, ao lado dos faríamos uma du- 10. Anteriormente tivemos ocasião de empregar a expressão "sujeito pla contagem, que nos daria uma idéia completamente errada da econômico" e dissemos ainda que, com esta expressão, indicamos magnitude da renda anual. qualquer pessoa indivíduo ou organismo coletivo que constitui Podem se dar, naturalmente, casos intermediários que são, um centro de decisões em relação às escolhas que devem ser feitas além do mais, os mais na realidade nos quais os estoques para resolver os problemas colocados pela limitação dos meios em existem, mas duram menos de um ano (e, em geral, a duração do es- relação aos fins que se deseja obter. nosso Robinson Crusoé é um toque varia de bem para bem) sujeito Qualquer mãe de família sobre a qual recai a res- ponsabilidade de gastar uma certa renda familiar é um sujeito econô- Existe, então, como está um problema de investimento em estoques, mas é um mico. órgão dirigente de uma empresa industrial é um sujeito eco- problema de natureza diversa do que ocorreria se os estoques durassem um ano. Por exemplo, se o estoque de carvão durasse quatro meses, e se fosse mantido intacto, nômico. governo de um país, quando se ocupa na formulação de deveriamos considerar na renda anual não todo o carvão produzido (como aconte- um orçamento, é um sujeito econômico. escritório de planificação ceria se o estoque durasse um ano), mas só um de tal quantidade de de uma sociedade de economia planificada é um sujeito econômico. 38 E assim por diante. 39Chama-se sistema econômico a um conjunto de sujeitos econô- te como no futuro? De fato, uma vez que seja determinado com que micos que cooperam entre S1 para resolver os problemas economicos bens as necessidades devem ser satisfeitas, resta ainda determinar em da produção e do consumo que medida cada necessidade será satisfeita em relação a todas as ou- Note-se que, no limite, o sistema econômico pode também ser tras e, portanto, em que proporções relativas os bens que constituído por um único sujeito econômico, como aconteceria nos as próprias necessidades devem ser produzidos. Antes de mais nada é dois casos extremos de Robinson que resolve por sua conta necessário determinar em que medida pode-se dedicar à satisfação seus problemas de produção e de consumo, e do escritório de planifi- das necessidades presentes e em que medida deve-se, ao contrário, cação de uma economia completamente centralizada, que deve deci- dedicar a satisfação futuras. Em segundo lugar, é 20 dir sozinho o que devem produzir e consumir os membros da socie- decidir, apenas para dar um exemplo, qual é a importân- dade. Mas, como explicaremos melhor em seguida, como regra um cia do consumo de alimentos em relação ao consumo de habitações. sistema econômico é constituído por mais de um sujeito econômico. Ou qual é a importância do consumo de meios privados de transpor- Dissemos, na definição de sistema econômico, que todos esses sujei- te em relação ao consumo de bens necessários à educação ou à assis- tos cooperam entre si: é bom advertir desde já que esta cooperação tência sanitária. O leitor pode criar para si muitos outros exemplos. pode se dar de maneiras muito diferentes, cada uma das quais carac- É claro que as decisões que se tomam em torno da importância relati- terizando um tipo particular de sistema econômico. Mas também va das necessidades têm uma influência determinada sobre a quanti- sobre isso nos ocuparemos melhor em seguida. dade que se deve produzir de cada bem que serve à satisfação das próprias necessidades. 11. Por ora queremos precisar melhor significado de uma outra par- te d'a nossa definição: o que significa dizer que o sistema econômico Naturalmente, na determinação de que bens é necessário produ- resolve os problemas da produção e do consumo? zir, e em que quantidade é necessario influi também a Qualquer sistema econômico, desde que seja organizado (e vere- capacidade dos meios de produção que se encontra em certo momen- mos que pode ser organizado de maneiras bastante diferentes), deve to num sistema econômico. Assim, certos gêneros alimentícios po- sempre resolver, em relação à produção e ao consumo, problemas dem ser produzidos em certas regiões, mas não em outras. trans- que esquematicamente podem ser classificados nos seguintes três porte é fácil em certo lugares, mas muito difícil em ou- grupos: 1) que bens produzir e em que 2) como produzir tros. A produção de bens muito complexos (digamos, para citar um estes bens; 3) para quem caso limite, um computador eletrônico) é possível, no presente, so- mente se já se possui um certo tipo de equipamento industrial, etc. Como veremos, algumas das dificuldades que um dado sistema eco- 1) sujeitos econômicos que compõem o sistema têm, como nômico pode encontrar na produção de certos bens, por causa da fal- sabemos, certas necessidades. E trata-se não apenas de certas necessi- ta no presente dos meios de produção necessários, podem ser supera- dades presentes, mas também de certas necessidades futuras. Estas das, ou atenuadas, pelas relações de troca que os diversos sistemas últimas são as necessidades desses sujeitos presentes hoje no sistema econômicos mantêm entre si. De qualquer modo, considere-se que a que, em geral, preocupam-se em manter também para futuro seus capacidade de meios de produção em um certo sistema econômico, atuais níveis de consumo e talvez aumentá-los, ou as necessidades tanto nos seus aspectos quantitativos quanto nos qualitativos, coloca dos filhos e dos netos destes sujeitos. Esta última categoria de neces- um limite preciso à qualidade e à quantidade de bens que este sistema sidades poderá ser tanto mais relevante quanto mais rápido seja o pode obter com sua atividade produtiva. crescimento da população. Um primeiro problema que todo sistema 2) Num sistema econômico é necessário também determinar de econômico deve enfrentar é, portanto, determinar com que bens, pre- que modo os vários bens devem ser produzidos já que na grande sentes ou futuros, as necessidades serão satisfeitas. Mas este proble- maioria dos casos um bem qualquer pode ser produzido não apenas ma traz de imediato um outro, a ele extremamente ligado: em que de um mas de muitos isto é, com técnicas Para citar quantidades estes bens devem se tornar disponíveis, tanto no presen- casos extremos, um automóvel pode ser produzido com processos 40 41que são possíveis numa pequena empresa de caráter quase artesanal Se, por exemplo, não se produzem certos bens que serviriam para sa- ou com processos que são possíveis numa grande fábrica automatiza- tisfazer necessidades dependentes da moda ou do capricho, na.distri- da. È ainda: o aço pode ser produzido num cadinho, num conversor, buição resultam necessariamente prejudicados aqueles que têm estas necessidades. num forno Martin-Siemens, num forno elétrico. A energia elétrica pode ser produzida mediante usinas hidrelétricas ou mediante usinas Por isso, embora logicamente se possam distinguir as três ordens térmicas. Uma casa pode ser construída com madeira ou com alvena- de problemas, na vida concreta de todo sistema estes problemas se ria. Um escritório pode realizar suas operações contábeis com sim- resolvem, e de'fato são resolvidos, juntos, já que toda linha de ação ples máquinas calculadoras ou com sistemas mecanográficos. co- que se siga a propósito de qualquer um deles tem repercussões inevi- mércio a varejo pode ser feito mediante um conjunto de lojas ou me- táveis sobre os demais. diante um sistema de "supermercados", e assim por diante. Compreende-se bem, portanto, como a resolução simultânea Entre os vários processos produtivos disponíveis para produzir destes problemas por parte de um sistema econômico seja uma tarefa determinados bens é necessário, portanto, escolher, e essas escolhas muito complicada. Até porque podem ser resolvidos bem ou mal. fazem parte dos problemas que qualquer sistema econômico deve re- Detenhamo-nos um momento sobre esta última questão: Tratando solver. de um sujeito econômico individual, vimos que seu comportamento, do ponto- de vista econômico, pode apresentar-se como governado 3) Produzidos certos bens, utilizando para cada um deles certas pelo princípio do resultado máximo ou pelo principio do meio míni- técnicas de produção, trata-se ainda de decidir quem os deve usar, mo. Ora, quando se analisa o funcionamento de um sistema econô- isto é, de que modo devem ser distribuídos entre os vários membros mico, somos naturalmente levados a aplicar também ao sistema (pre- da sociedade. Surge assim um problema de distribuição, que qual- cisamente porque sistema econômico) os dois princípios. Assim co- quer sistema econômico deve resolver. mo, a respeito de um sujeito individual, diremos que se comportou economicamente (isto é, comportou-se bem do ponto de vista econô- 12. Considere o leitor (e esta é uma consideração de grande importân- mico) quando, com certos meios dados, obteve o resultado máximo, cia) que os três problemas acima citados foram separados apenas ou quando, para conseguir um certo fim, fez uso mínimo dos meios, para facilidade de explicação, mas que, no concreto, nunca podem também deveremos ser capazes de fazer julgamentos análogos sobre ser resolvidos separadamente. o funcionamento de um sistema econômico como um todo. Por exemplo, ainda que um bem, desejado pelos sujeitos Mas, enquanto que para um sujeito individual é sempre suficien- micos do sistema, seja produzido com base nos meios de produção de temente claro, em cada caso particular, que se deve entender por que o próprio sistema dispõe, pode acontecer que as técnicas que po- resultado máximo ou por meio minimo (lembre-se leitor os exem- dem ser usadas para produzi-lo sejam todas muito caras, no sentido plos que demos a este propósito), a coisa não é igualmente clara no de que todas absorvem uma tál quantidade de meios de produção que diz respeito ao sistema na sua totalidade, isto é, em geral, um que comprometem seriamente, dada a limitação de tais a ob- conjunto de mais sujeitos econômicos. que quer dizer, então, que tenção de outros fins, isto é, a produção de bens que servem para sa- sistema consegue um resultado máximo, com os meios dados, ou que tisfazer outras E isto pode ter uma influência determi- alcança um certo fim com o emprego mínimo de meios? nante na decisão de que bem seja ou não produzido. E ainda: visto Esta questão é das mais difíceis de toda a ciência econômica e que os membros de uma sociedade têm, em geral, necessidades diver- não pode ser enfrentada num elementar como esse. que po- sas e, portanto, desejam coisas diferentes e em proporções diferentes, demos fazer é ilustrar de que modos um sistema econômico pode-se toda decisão que se tome no campo da distribuição, no sentido de fa- organizar para resolver os três problemas indicados. vorecer certas pessoas mais que outras, exerce inevitavelmente seus efeitos sobre o que se produz e sobre as proporções em que os bens são produzidos. E, ao contrário, toda decisão que se tome no campo da produção não pode deixar de ter efeitos no campo da distribuição. 42 43B. Sistemas-tipo e economias reais terra, dos prédios agrícolas e de todos os outros bens instrumentais 13. Por outro lado, para proceder à ilustração das várias formas orga- de que necessitamos para trabalhar a terra. nizativas do sistema econômico, é oportuno proceder à exposição de 2) segundo sistema-tipo se articula sobre três categorias de su- alguns tipos fundamentais de organização econômica, os quais, pre- jeitos. A primeira categoria é constituida pelos trabalhadores puros, cisamente porque são tipos, não se encontram, na sua pureza, na rea- isto e, de sujeitos que têm a capacidade de desenvolver trabalho das lidade. São todavia essenciais, como veremos, para compreender mais diferentes espécies mas que não têm nenhuma propriedade quais são as características fundamentais da realidade econômica sobre meios de produção do sistema. A segunda categoria é consti- efetiva. Nossos tipos são, portanto, abstrações, mas reflita o leitor tuída pelos proprietários de todos os de que não sobre o fato de que proceder por abstrações é próprio de todas as recursos naturais. A terceira categoria é composta pelos proprietá- ciências, as quais, de outra maneira, seriam submersas num acúmulo rios dos recursos naturais. À diferença do que sucede no primeiro ti- de fatos particulares, que não se conseguiria de modo algum dominar po, neste segundo sistema-tipo tem-se entre trabalho e compreender. e propriedade dos meios de a observação de que os Assumiremos como critério de distinção entre os vários tipos de meios de produção são de propriedade de duas categorias particula- sistema econômico o da propriedade dos meios de produção. Por res de sujeitos "meios de produção" aqui entendemos os recursos naturais e os bens 3) No terceiro sistema-tipo tem lugar a mesma separação entre instrumentais, e não homem enquanto trabalhador, que não é ob- trabalho e propriedade dos meios de produção, com a diferença de jeto de propriedade a não ser numa sociedade escravista, que aqui que esta propriedade não é de uma categoria particular de sujeitos, não levaremos em como, na definição dos ti- mas é uma propriedade pública, coletiva. pos de sistema econômico, fazemos uso de um elemento jurídico, que No que se segue deveremos ver de que modo cada um destes sis- é a não deve causar surpresa, já que a atividade temas-tipo resolve os três problemas econômicos que enunciamos no econômica é apenas uma das maneiras como se manifesta a vida dos § 11. homens na história e é, portanto, natural que, quando se passa da de- finição dos conceitos econômicos gerais à análise de como a vida eco- nômica de fato se desenvolve, deva-se levar em conta, no próprio âm- bito da ciência econômica, outras realidades que não são econômicas mas que têm uma influência decisiva sobre o desenvolvimento da ati- vidade econômica Com base no critério apresentado, distinguiremos três tipos de sistemas econômicos: 1) O primeiro sistema-tipo (que é o mais simples entre os que consideraremos) é por um conjunto de sujeitos, cada um dos quais ao mesmo tempo, trabalhador isto é capaz de desen- volver um certo tipo de trabalho e proprietário de todos os meios de produção que utiliza no processo produtivo. Devemos imaginar este sistema-tipo como um conjunto de artesãos, que são proprietá- rios do solo sobre o qual está edificada sua oficina, da construção na qual sua atividade se desenvolve e de todas as ferramentas e matérias-primas. E de pequenos camponeses que são proprietários da- 44 45