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AULA 4 EVOLUÇÃO E COMPORTAMENTO HUMANO Prof. Leonardo Martins A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 2 INTRODUÇÃO Em A Origem das Espécies, Darwin (2003, p. 458) escreveu: “Vejo abrirem- se, em um futuro distante, campos para pesquisas mais importantes [...]. A psicologia ganhará uma nova fundação: a aquisição necessária e gradativa de cada um dos poderes e das capacidades mentais. Uma luz sobre o homem e sua história será lançada”. Embora com titubeios, o futuro almejado por Darwin vem sendo construído desde então. A psicologia evolucionista e áreas afins permitem que compreendamos diversas dimensões do comportamento e da experiência humana sob uma perspectiva fundada na genética e na seleção natural. Nesta aula, veremos mais algumas dessas dimensões: medos, ansiedade e impulsos sexuais. TEMA 1 – AS BASES DA SEXUALIDADE Nos mais diversos contextos culturais, temos a noção de que a sexualidade é algo animalesco, primitivo, “terreno” e, sob algumas perspectivas, condenável exatamente por isso. No outro polo, temos o amor, culturalmente valorizado como o mais sublime dos sentimentos, como algo mágico e sagrado. As perspectivas apresentadas aqui oferecem outra forma de compreensão, as quais não precisam anular as anteriores. Perspectivas evolucionistas sobre sexualidade e amor se diferem de outras “apenas” por se fundamentarem no aspecto biológico (em vez de fazê-lo em um enfoque filosófico, cultural, subjetivo ou místico-religioso, o que geraria perspectivas alternativas e até potencialmente complementares). Vamos a elas (ou seja, abordaremos nesta seção o amor romântico e sentimentos afins, e não o amor fraternal, paternal, maternal etc.). Tal qual ocorre com outras expressões de comportamento alicerçadas na evolução, a sexualidade, o amor e as demais emoções e sentimentos que veremos aqui são disparados por processos inconscientes, de modo que o indivíduo somente possui consciência de alguns dos efeitos e comportamentos (por isso você não escolhe a quem ama ou por quem sente desejo sexual). Em 1872, Darwin publicou outro livro, The descent of man, and selection in relation to sex (A descendência do homem e a seleção em relação ao sexo, em tradução livre), no qual defende o caráter central da seleção sexual no processo de evolução. A seleção sexual ocorre quando indivíduos competem entre si por A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 3 parceiros do sexo oposto (seleção intrassexual) ou quando escolhem parceiros do sexo oposto para acasalar (seleção intersexual). Na espécie humana (e também em outras), homens e mulheres desempenham papel ativo na seleção sexual de ambos os tipos (Hattori; Castro, 2017). Crédito: Lucky Business/Shutterstock. Ao falarmos de seleção sexual, temos de incluir o conceito de investimento parental, isto é, “qualquer esforço dos pais direcionado aos filhotes atuais de forma a aumentar suas chances de sobrevivência (e assim seu sucesso reprodutivo), em detrimento do investimento em novos filhotes” (Hattori; Castro, 2017). O ponto é que o nível de investimento parental de cada membro do casal afeta a intensidade da seleção sexual. “Indivíduos do sexo que investe menos em seus filhotes competem pelo acesso aos indivíduos que investem mais, enquanto os indivíduos que investem mais são mais seletivos” (Hattori; Castro, 2017). Na maioria das espécies, os machos desempenham esse papel de competir entre si, enquanto as fêmeas são seletivas. “Assim, quanto maior a diferença de investimento parental entre os sexos, mais intensa será a seleção sexual. Portanto, machos e fêmeas tendem a se comportar de forma a extrair do parceiro o maior investimento parental possível e de modo a diminuir seu nível de investimento, reduzindo, assim, os custos para si” (Hattori; Castro, 2017). Na espécie humana, em que o investimento é biparental (de ambos os sexos), o comportamento sexual acaba por apresentar grande variabilidade, o que também A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 4 acaba por ser enormemente mediado pela cultura e pela subjetividade individual, embora as mulheres tendam a ser mais seletivas nos parceiros exatamente por seu investimento parental ser maior (até por razões fisiológicas como os imperativos do parto e da amamentação). TEMA 2 – A SELEÇÃO DE PARCEIROS: ENTRE O BIOLÓGICO E O CULTURAL Diante dessa variabilidade de formas humanas de competição e seleção de parceiros, temos de buscar mais fundo. A antropóloga norte-americana Hellen Fisher (2006) estabelece que o amor não é uma emoção, mas um arranjo complexo e multifacetado de emoções. Haveria três dimensões cerebrais daquilo que experimentamos cotidianamente como amor romântico: (a) o desejo sexual, normalmente direcionado a muitos parceiros potenciais; (b) o amor romântico, entendido como uma série de comportamentos e motivações direcionados a um parceiro específico; e (c) o apego ao parceiro, que é a ligação emocional de longo prazo com esse parceiro (Hattori; Castro, 2017). Essas três instâncias envolvem habilidades de observação e avaliação dos parceiros em relação à confiabilidade, ao comprometimento, às habilidades que evoluíram como parte do “cérebro social” do ser humano. Além disso, o início do desejo sexual tende a ocorrer de modo parelho à maturação sexual dos indivíduos. “É nossa mente respondendo às mudanças hormonais” (Hattori; Castro, 2017, p. 230). Apesar das semelhanças, as evidências também apontam para algumas diferenças importantes entre homens e mulheres que entram na equação. As diferenças corporais são bastante conhecidas, como em relação à estatura mediana, à massa muscular, ao formato do corpo (de pera para as mulheres e de triângulo invertido para os homens) (Hattori; Castro, 2017). As diferenças psicológicas nos interessam mais aqui. Existem evidências a favor da noção já popularizada de que homens tendem a preferir mulheres com quadris mais largos que a cintura numa proporção estável (ao redor de 0,7 cintura-quadril), o que parece mesmo relacionado com tais mulheres tenderem a ter mais recursos biológicos para a maternidade (Hughes; Dispensa; Gallup Jr., 2004; Singh, 1993). Por sua vez, mulheres tendem a preferir homens com quadris muito levemente mais largos que a cintura, além de ombros e costas largas, o que indicaria parceiros mais fortes e capazes de proteger as crias (Rozmus-Wrzesinska; Pawlowski, 2005; Sugiyama, 2004). Embora estudos dessa natureza em A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 5 contextos culturais variados já existam — como com os aborígenes Jivaro, do Equador (Sugiyama, 2004) — os estudos precisam ainda diversificar as culturas investigadas para consolidar seus resultados. Precisamos contornar possíveis mal-entendidos em relação ao último ponto. Quando se observa tais tendências em relação a preferências sexuais, isso não pode ser tomado de modo determinista. A cultura e a subjetividade individual podem imprimir inúmeras variações nas preferências sexuais, de modo a haver quem prefira parceiros com cada perfil possível, desde proporções corporais diversas até tendências de vínculo e outras de ordem psicológica variadas. Os genes não determinam o comportamento de modo restrito, mas permitem amplo leque de possibilidades em cima de um alicerce comum. O que esses estudos sugerem é que, em média, existiriam tais tendências características dos sexos. O mesmo vale para outras características abordadas ao longo deste curso. Crédito: Goodstudio/Shutterstock. Outras especificidades entre os sexos incluem a maior tendência masculina para avaliação visual da atratividadesexual, enquanto mulheres tendem mais a se valer de avaliações que combinam diferentes elementos, como aspectos visuais e de olfato, especialmente quando estão em período fértil (Hattori; Castro, 2017; Herz; Inzlicht, 2002; Rikowski; Grammer, 1999). Em relação a semelhanças, homens e mulheres tendem a preferir parceiros com a pele limpa, olhos e cabelos brilhantes, simetria bilateral do corpo (ou seja, um lado do corpo bastante parecido com o outro), odor corporal e outras características sugestivas de boa saúde, o que, em termos evolutivos, tem relação óbvia com a função reprodutiva e de sobrevivência da prole (Hattori; Castro, A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 6 2017). O reconhecimento (normalmente inconsciente) de odores, inclusive, parece ter sido um dos mecanismos evolutivos para se evitar o incesto (Weisfeld et al., 2003), algo que, quando não é evitado, aumenta a probabilidade de anomalias não adaptativas na prole. A aversão ao incesto, embora também tenha componentes culturais, é outro elemento comum entre culturas humanas e entre os sexos (Hattori; Castro, 2017), sendo conhecido o associado Efeito Westermarck, que é a aversão sexual por pessoas com quem convivemos muito proximamente na infância (que acabam por ter probabilidade maior de serem parentes, o que era ainda mais verdadeiro no passado distante) (Rantala; Marcinkowska, 2011). As semelhanças entre os sexos também incluem preferências por indivíduos que apresentam comportamentos mais favoráveis ao convívio social; ou seja, indicadores da tendência a serem bons parceiros e bons cuidadores também em termos comportamentais. Assim, acabamos por desenvolver – novamente o “cérebro social” – tendência a buscar parceiros com características como afetividade, confiabilidade, maturidade, amabilidade, fidelidade e estabilidade emocional (Hattori; Castro, 2017). Embora essas tendências sejam parecidas em ambos os sexos, as razões evolutivas seriam diferentes. Para as mulheres, parceiros estáveis e confiáveis significam bom investimento de tempo e recursos, pois os relacionamentos e o cuidado com a prole tendem a ser mais duradouros; para os homens, a confiabilidade da parceira teria relação mais próxima com a “garantia” da paternidade (isto é, a probabilidade maior de que os filhos que sua parceira tem sejam mesmo dele), de modo a diminuir a chance de desperdício de recursos com uma prole que não transmitirá seus genes (Buss et al., 1999). TEMA 3 – O PROBLEMÁTICO CASO DO CIÚME O ciúme, inclusive, evidencia-se selecionado pela evolução como reação de proteção em situações de potencial ameaça ao relacionamento. Um achado de diversas pesquisas a respeito que se tornou popular relata uma maior sensibilidade masculina à infidelidade sexual, enquanto as mulheres reagem mais à infidelidade emocional (Buss; Haselton, 2005; Hattori; Castro, 2017). O ponto é que tanto homens quanto mulheres sentem ciúmes nos dois casos; as diferenças A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 7 ocorrem na forma de uma tendência um pouco maior para um lado ou para o outro. Crédito: Wavebreakmedia/Shutterstock. Como outro aspecto interessante, o ciúme parece ser um ótimo exemplo para nos ajudar a compreender a diferença entre uma dada característica ser uma adaptação e ser adaptativa. Como vimos, a combinação entre mutações genéticas e pressões ambientais conferem vantagens diferenciais aos indivíduos, o que afeta a probabilidade da transmissão de seus genes. Em outras palavras, certas características individuais são mais adaptativas que outras, o que acaba se refletindo, após tempo suficiente e causalidades favoráveis, em características da espécie. Tais traços se tornam, então, adaptações, isto é, resultados de processos adaptativos. Contudo, com as mudanças no ambiente ao longo do tempo, determinada característica (isto é, determinada adaptação) pode deixar de ser adaptativa, causando mais problemas que soluções. Um exemplo famoso é a preferência por alimentos doces e gordurosos entre humanos, algo fundamental nos tempos ancestrais em que a aquisição de energia era tanto fundamental quanto difícil (se comparado a hoje), mas que atualmente está associada a problemas como hipertensão arterial e obesidade. O ciúme pode constituir outro exemplo. Enquanto seu caráter adaptativo era claro nos primórdios do convívio humano, hoje incontáveis problemas estão associados a esse complexo de A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 8 emoções, de violência doméstica e feminicídio à progressiva rejeição social a demonstrações não parcimoniosas de ciúme. As relações entre comportamento afetivo-sexual e evolução são bastante vastas, de modo que sua apresentação completa se torna inviável. Os pontos aqui tratados permitem um vislumbre rápido do tema e o combate a algumas concepções usualmente equivocadas. Para maior aprofundamento e o conhecimento de outros aspectos e temas importantes, recomenda-se a leitura das referências ao final do texto. Enquanto isso, tratemos da relação entre evolução e outras dimensões emocionais humanas a partir daqui. TEMA 4 – EMOÇÕES BÁSICAS E UNIVERSAIS? Os seres humanos possuem incontáveis respostas emocionais às situações. Muitas dessas respostas estão relacionadas à dimensão da sexualidade e do envolvimento com parceiros reprodutivos ou sexuais. Mas outros tantos não possuem relação direta com esse ponto, ou às vezes participam dele indiretamente, como no caso da relação entre ansiedade, medo e ciúme, por exemplo. Nesta seção, trataremos de emoções básicas como medo e ansiedade enquanto respostas adaptativas. Emoções são um tema extremamente complexo, repleto de indefinições e de desafios em seu estudo. Elas envolvem aspectos culturais e individuais em sua expressão, como não poderia deixar de ser. Contudo, também nesse caso, alguns aspectos basais se sobressaem enquanto alicerces. Um dos exemplos mais famosos de estudos sobre aspectos universais (e evolutivos) da emoção humana vem do psicólogo norte-americano Paul Ekman, que realizou estudos diversos sobre as expressões humanas básicas para medo, raiva, alegria, surpresa etc. em diversas culturas, chegando à conclusão de que haveria emoções humanas básicas e reconhecíveis entre as culturas (Ekman; Friesen, 2003). O trabalho de Ekman se tornou bastante famoso, a ponto de ser a inspiração central para a famosa animação de cinema Divertidamente (2015). A base do trabalho de Ekman é de que haveria não somente emoções básicas, mas expressões faciais básicas que expressariam tais emoções e que seriam reconhecíveis de modo independente da cultura. Após estudar tais expressões nas mais distintas culturas, Ekman desenvolveu o Facial Action Coding System (Sistema de Codificação de Ação Facial, em tradução livre), uma extensa e A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 9 exaustiva classificação das expressões faciais humanas conforme as emoções básicas às quais estariam associadas. Tal classificação leva em consideração cada músculo facial e seu grau de ativação. Crédito: Sergii Iarmoliuk/Shutterstock. Um ponto importante, contudo, é que estudos mais recentes buscaram identificar o porquê de o reconhecimento das emoções universais apontadas por Ekman não ser efetivamente universal. Ou seja, se as emoções humanas e expressões faciais correspondentes são universais, por que um número não desprezível de voluntários dos estudos de Ekman e seus sucessores apontavam emoções diferentes? Enquanto a teoria de Ekman foca nos “acertos” transculturais na identificação das emoções, outros pesquisadores, como Lisa Berret (2017), estão mais interessados nos “erros”. A conclusãoque vem sendo consolidada a partir daí, embora ainda seja controversa, indica que a expressão concreta das emoções por expressões faciais e seu pronto reconhecimento não são exatamente universais, mas dependem da cultura. Entre os exemplos particularmente elucidativos, os indonésios tendem a ser bastante sorridentes, embora não sejam distintamente felizes ou alegres em relação a outros povos. Sua tendência a sorrir é culturalmente ditada e aprendida, podendo se manifestar sob uma variedade de emoções. O que seria universal e moldado pela evolução seria a capacidade humana (e de outros tantos animais) de sentir emoções (independentemente do modo como elas são expressadas), de se expressar emocionalmente (de variados modos) e de aprender a reconhecer expressões A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 10 emocionais (uma revisão em linguagem simples, embora cientificamente rigorosa, dessa controvérsia pode ser encontrada em Fujioka; Souza, 2019). Tais capacidades de sentir e expressar emoções parecem ter desempenhado diversos papeis evolutivamente relevantes, como ao mobilizar o organismo a condutas úteis à sua sobrevivência e reprodução. As emoções mobilizam os indivíduos a evitar perigos, a se reproduzir, a buscar proximidade com outros indivíduos e com o grupo etc. Entre os tantos exemplos, a influente obra Evolution and Healing (Nesse; Williams, 1995, p. 209) pontua que “assim como a capacidade de sentir fadiga evoluiu para nos proteger do esforço excessivo, a capacidade de tristeza pode ter evoluído para evitar perdas adicionais”. A ansiedade e o medo possuem características bastante úteis, como ao nos predispor mais vividamente a evitar perigos e a outras ações vitais em momentos importantes (por isso tendemos a ficar nervosos antes de exames). Mesmo reações emocionais bastante específicas podem ter persistido por terem desempenhado papel importante na sobrevivência, como a cessação de movimentos em situações de grande medo verificada em diversas espécies animais, que ajuda a não chamar mais a atenção de um predador e serve de dissimulação. Em outros tantos casos, as reações automáticas e emocionalmente fundamentadas de luta ou fuga fundamentam as melhores chances de sobrevivência. O medo do escuro se torna bastante compreensível quando consideramos seu caráter adaptativo na espécie humana, que enxerga muito mal nessas condições (em relação a outros animais) e que está, portanto, bastante vulnerável quando nelas se insere. Podemos compreender de modo semelhante medo de cobras e insetos (potencialmente nocivos), medo de altura, angústia em locais fechados e apertados etc. (Cartwright, 2002). Assim, a existência de emoções básicas e de modos amplos e variados para a sua expressão, comunicação e adaptação às demandas de cada contexto faz bastante sentido evolutivo. TEMA 5 –SAÚDE MENTAL Se sexualidade e emoções básicas são temas vastos e que envolvem muitas disciplinas, a saúde mental também se encaixa na categoria. Em termos bastante breves, quaisquer comportamentos, pensamentos e emoções humanas podem configurar tanto transtornos mentais quanto manifestações saudáveis da experiência humana. O que difere as possibilidades saudáveis e patológicas, ao A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 11 contrário das noções populares, não são exatamente o grau de estranheza ou de adequação cultural do que ocorre. A diferença fundamental entre aspectos saudáveis e não saudáveis está em o quanto as manifestações da pessoa geram problemas para ela e/ou para as demais pessoas, no quanto ela consegue lidar com tais manifestações, manter-se ajustada no dia a dia e exercer suas potencialidades, e no quanto o contexto cultural confere suporte a tais manifestações, tal como ouvir vozes dentro da cabeça faz sentido e é até reforçado em uma cultura espírita, por exemplo (para uma discussão nesse sentido, confira Menezes-Júnior; Moreira-Almeida, 2009). Manifestações emocionais (que são o tema que nos interessa neste texto) podem ser tanto saudáveis quanto patológicas. Vimos, por exemplo, que o ciúme pode tanto ser comedido e ter uma função adaptativa quanto ser exagerado, prejudicial e – agora podemos dizer – patológico. Emoções cotidianas como tristeza e ansiedade podem, por sua vez, caracterizar transtornos psicológicos como depressão, fobias e síndrome do pânico, entre outros tantos, quando então deixam de ser adaptativos (Cartwright, 2002). Daí a pertinência de discutirmos aspectos evolutivos da saúde mental. Uma mente capaz de ser saudável e de lidar apropriadamente com as emoções pode ser entendida, em termos evolutivos, como uma adaptação bastante óbvia (Cartwright, 2002). Da mesma forma que um “cérebro social” permitiu que lidássemos bem com os outros indivíduos e construíssemos o cultural, uma “mente saudável” nos permitiu organizar internamente essas possibilidades e tornar todo o resto possível. O cérebro bem adaptado para lidar razoavelmente com as emoções possui capacidades como regular a expressão emocional, reconhecer os diferentes estados emocionais próprios e de outros e expressar tais emoções (mesmo que em alta medida) de vez em quando sem grandes comprometimentos pessoais e sociais, o que inclui manifestações emocionais potencialmente exacerbadas em casos de necessidade, como em situações de luta e fuga. A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 12 Crédito: Esb Professional/Shutterstock. Como sugerido aqui, isso não significa uma definição universal do que seja saudável – como no exemplo, ouvir vozes pode ou não ser saudável, a depender de diversos fatores. O ponto é que um nível elementar de organização psicológica, flexível o suficiente para acomodar as variações individuais e culturais conhecidas, desenvolveu-se ao longo do tempo. O tema das emoções sob a perspectiva evolucionista é bastante vasto, o que guarda relação com a complexidade de ambos os domínios: emoções e evolução. Estudos novos têm surgido a lapidar conclusões antes aparentemente sólidas (como, por exemplo, as expressões universais emocionais de Ekman), enquanto confirmam crescentemente outras tantas. Apesar de serem desadaptativas em diversos momentos, as emoções fazem parte do repertório humano por tenderem, ao longo da existência da espécie, a favorecer nosso sucesso reprodutivo. A luno: S abrina de A lm eida K ufner C aetano E m ail: sabrinakufner96@ gm ail.com 13 REFERÊNCIAS BERRETT, L. F. How emotions are made: the secret life of the brain. Houghton Mifflin Harcourt, 2017. BUSS, D. M. et al. Jealousy and the nature of beliefs about infidelity: tests of competing hypotheses about sex differences in the United States, Korea, and Japan. Personal relationships, v. 6, n. 1, p. 125-150, 1999. BUSS, D. M.; HASELTON, M. The evolution of jealousy. 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