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AGROMETEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA Leandro Fellet Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a importância da agrometeorologia na agricultura brasileira. Identificar quais fatores têm influência na produtividade agrícola. Diferenciar os conceitos de clima e tempo. Introdução Neste capítulo, você verá o que é a agrometeorologia, bem como a diferença entre tempo e clima e a influência das variáveis meteorológicas na produtividade agrícola. A agrometeorologia é o ramo da ciência que estuda os fenômenos físicos da atmosfera. O estudo na área de agrometeorologia compreende a observação de fatores climáticos associados com o lugar onde deseja- mos produzir. São observados fatores como chuva, vento, temperatura e luminosidade. Com o estudo do clima e do tempo, podemos aumentar a produti- vidade sem a necessidade de aumento da área, explorando melhor as propriedades do solo e evitando o esgotamento dos recursos do planeta. A população mundial está em constante crescimento, e cada vez mais exigente. Conhecer a influência climática sobre o campo é mais um fator que possibilita proporcionar alimentos para mais pessoas. Agrometeorologia na agricultura brasileira A meteorologia, ciência que estuda os fenômenos que ocorrem na atmosfera, pode ser subdividida em diversos ramos, sendo a agrometeorologia a parte voltada para as condições atmosféricas e suas consequências no ambiente rural (WALLACE; HOBBS, 2006). A agrometeorologia não apenas permite verificar quais as condições cli- matológicas em um determinado local, como também pode indicar o tipo de atividade agrícola mais viável, e se as condições meteorológicas presentes nele viabilizam uma produtividade rentável para aquela atividade em um certo período, além de interferir na tomada de decisão com relação às diversas práticas agrícolas. Do ponto de vista termodinâmico, (meio) ambiente é tudo que se envolve e interage dentro de um sistema. No caso da agricultura, a atmosfera, o solo e a água fazem parte do ambiente, enquanto as plantas, os animais e os micror- ganismos são os sistemas. Do ponto de vista ecológico, costuma-se separá-los em meio biótico (plantas, animais e microrganismos) e abiótico (atmosfera, solo e água). A água faz parte tanto do meio biótico como do abiótico, sendo encontrada natural e simultaneamente nas três fases físicas (sólida, líquida, gasosa). A presença ou ausência da água afeta profundamente o balanço de energia do sistema. Havendo água em abundância, cerca de três quartos da energia solar disponível serão utilizados no processo de mudança de fase líquida para gasosa (calor latente de evaporação) com consequente amenização da temperatura (calor sensível) (VILLA NOVA; OMETTO; SALATI, 1972). A energia necessária para que haja produção vem diretamente do Sol. Sua energia promove os mais diversos elementos meteorológicos (precipitação, temperatura do ar, radiação, vento, etc.). Esses elementos são afetados direta- mente pelos fatores meteorológicos, tais como latitude, longitude, oceanidade e continentalidade, etc. Em outras palavras, elementos são variáveis que caracterizam o estado da atmosfera, ou seja: radiação solar, temperatura, umidade relativa, pressão, velocidade e direção do vento, precipitação. Esse conjunto de variáveis descreve as condições atmosféricas num dado local e instante. Já os fatores são agentes que condicionam os elementos climáticos. Fatores geográficos tais como latitude, altitude, continentalidade/oceanali- dade, etc. afetam os elementos. Por exemplo, quanto maior a altitude, menor a temperatura e a pressão. A radiação solar pode ser tomada ou como fator condicionador ou como elemento dependente da latitude, altitude e época do ano (PEREIRA; ANGELOCCI; SENTELHAS, 2007). Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola2 Condicionantes climáticos e meteorológicos Por meio da energia radiante do sol, as plantas podem realizar a fotossíntese, processo que resulta em crescimento do vegetal. Os animais se aproveitam desse crescimento e obtêm alimento diretamente dessas plantas. Na agricul- tura, o homem conduz esses processos de crescimento vegetal e animal para a produção de alimento, fi bra e energia em quantidade sufi ciente para garantir sua subsistência por certo período (TAIZ; ZEIGER, 2009). O ritmo da disponibilidade de energia solar e de água de uma região determina o seu potencial de produtividade agrícola. Principalmente a pre- cipitação, a temperatura e a radiação, seguidas das umidades do ar e do solo afetam o desenvolvimento e o crescimento dos vegetais, dos insetos e dos microrganismos. A produção está diretamente relacionada à disponibilidade energética no meio, que indica a produtividade potencial de cada cultura (CARNEVSKIS, 2016). A duração das fases e do ciclo de desenvolvimento dos vegetais e dos insetos é condicionada pela temperatura e pelo tempo que ela permanece dentro de limites específicos. O efeito térmico também é fundamental para a produção das frutíferas de clima temperado, que necessitam entrar em repouso durante o inverno, e para tal exigem certo número de horas de frio, a fim de quebrar a dormência das gemas e retomar o crescimento vegetativo e o desenvolvimento após o inverno (PEREIRA; ANGELOCCI; SENTELHAS, 2007; REICHARDT; TIMM, 2004). O fotoperíodo (período máximo possível de horas de brilho solar no dia) é outro condicionante ambiental que exerce influência no desenvolvimento das plantas, pois algumas espécies só iniciam a fase reprodutiva quando ocorre um valor crítico de fotoperíodo por elas exigido. O ritmo anual desses elementos permite a escolha de melhores épocas de semeadura, visando ajustar o ciclo das culturas anuais às melhores condições locais de clima, minimizando-se riscos de adversidades meteorológicas, para que expressem sua potencialidade produtiva. O vento e a chuva atuam como agentes de dispersão carregando esporos e favorecem a penetração de patógenos nos tecidos; além disso, o vento, por atrito e agitação, causa lesões nas plantas. Conhecendo os padrões de vento e de chuva de uma região é possível a construção de alertas fitossanitários, os quais possibilitam a previsão de quanto que as pragas e doenças, que usam a água ou o vento como elemento dispersor, podem impactar na produtividade da lavoura. 3Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola A disponibilidade de água depende do balanço entre chuva e evapotrans- piração, sendo essa última dependente das condições da superfície (tipo de cobertura, tipo de solo) e da demanda atmosférica (disponibilidade energética, umidade do ar e velocidade do vento). A disponibilidade hídrica no solo pode ser contabilizada pelo balanço hídrico climatológico, evidenciando as variações temporais de períodos com excesso ou déficit de água, permitindo planejamento das atividades agrícolas, visando minimizar perdas. O uso da irrigação é também determinado pela disponibilidade de água no solo (PEREIRA; SEDIYAMA; VILLA NOVA, 2013). Na parte econômica da agricultura, as condicionantes meteorológicas afetam desde o preparo do solo para a semeadura até colheita, transporte e armazenamento do produto. Além disso, ocorrências não previsíveis, como uma chuva extremamente prolongada e intensa ou secas de longo período, podem destruir uma safra e, às vezes, inviabilizar um novo plantio naquele local. Resumindo, a agrometeorologia tem sua principal aplicação no planeja- mento e na tomada de decisões em uma propriedade agrícola, seja na produção animal ou vegetal, sendo ferramenta indispensável àqueles envolvidos no processo produtivo rural. Clima e tempo A atmosfera é uma massa fl uida sobre um geoide de superfície não uniforme que está em contínuo movimento, e isso induz variações nas condições pre- dominantes em uma região. O estado daatmosfera pode ser descrito por variáveis que caracterizam sua condição energética. Para um determinado local, essa descrição pode ser tanto em termos instantâneos defi nindo sua condição atual, como em termos estatísticos, defi nindo uma condição média. Assim, você deve saber que existe sempre uma escala temporal na descrição das condições atmosféricas (WALLACE; HOBBS, 2006). Tempo constitui a descrição instantânea, enquanto a descrição média é denominada de clima. Logo, tempo implica o estado da atmosfera em um local e instante, e clima, a descrição média, valor mais provável, das con- dições atmosféricas desse mesmo local. Com a descrição climática, sabe-se antecipadamente que condições de tempo são predominantes na região e, consequentemente, quais atividades agrícolas têm maior possibilidade de êxito. O período mínimo de 30 anos foi escolhido pela Organização Meteoro- lógica Mundial com base em princípios estatísticos de tendência do valor médio. Desse modo, incluem-se anos com desvios para mais e para menos em Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola4 todos os elementos do clima. Ao valor médio de 30 anos chama-se Normal Climatológica (INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA, c2019a). Utilizando o site do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), é possível colher os dados de várias estações. Além disso, o site disponibiliza as médias climatológicas mensais dessas estações. Com isso, é possível comparar os dados de um ano específico, como 2013, de uma estação específica, como a estação localizada no município de Bagé no estado do Rio Grande do Sul, aqui citada como exemplo pela sua ampla produção de arroz. A comparação pode ser vista na Figura 1. Figura 1. Comparação entre a média climatológica mensal da temperatura máxima da cidade de Bagé (RS) com as médias mensais da temperatura média máximas para os meses de 2013. Fonte: Adaptada de INMET (c2019b). Te m pe ra tu ra d o ar (º C) Meses do ano Média 30 anos Ano 2013 29 27 25 23 21 19 17 15 0 2 4 6 8 10 12 A Figura 1 mostra a amplitude térmica média do ar próximo à superfície (≈ 1,5 m acima do solo) da região de Bagé (RS), sendo possível realizar uma comparação do elemento climático ao longo do ano com a média climatológica de 30 anos. Provavelmente, nunca ocorreu um ano igual à média, mas essa é a descrição do sequenciamento das condições mais prováveis na região. Portanto, em termos médios, a temperatura máxima da região varia entre o mínimo de 17°C, em julho, e o máximo de 29,5°C, em janeiro. Classificação climática de Köppen Dentre as mais conhecidas formas de classifi car o clima de uma região está a Classifi cação Climática de Köppen. Desenvolvida por Wladimir Köppen em 1884, ela procura dividir o globo terrestre em zonas de calor. Essas zonas são defi nidas em cinco grandes tipos ou grupos, identifi cadas pelas letras maiúsculas A, B, C, D, E. Clima tipo B identifi ca áreas secas ou de vegetação 5Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola xerófi ta, enquanto os tipos A, C e D identifi cam climas úmidos (ALVARES et al., 2013). Os climas úmidos são defi nidos em função da temperatura média mensal, isto é: A — megatérmico (tropical úmido) com temperatura média do mês mais frio acima de 18°C. C — mesotérmico (temperado quente) com temperatura do mês mais frio entre –3° e 18°C. D — microtérmico (temperado frio ou boreal) com temperatura do mês mais frio menor que –3°C e do mês mais quente maior que 10°C. E — polar, onde todos os meses têm temperaturas médias abaixo de 10°C. Quanto aos climas secos, tipo B, eles são definidos em função tanto do total anual de chuvas (P, em cm), como de sua distribuição nas estações do ano e de sua relação com a temperatura média anual (T). Os climas secos são de dois tipos básicos: BS — típico de estepes BW — característico de desertos Esses dois tipos são diferenciados por três situações possíveis: Onde as chuvas são predominantemente de inverno e ■ se Pe da cevada, que exigem temperaturas abaixo de 20°C para se desenvolverem, crescem melhor em locais com clima Cfb. O centeio, embora se desenvolva bem em temperaturas entre 20 e 30°C, apresenta uma alta adaptação climática, desenvolvendo-se bem também em regiões com incidência de baixas temperaturas, inclusive com geadas, e com baixa disponibilidade hídrica. 9Condicionantes climáticos e meteorológicos da produtividade agrícola No Brasil, sua produção concentra-se justamente em regiões mais frias, como os estados do Paraná e Rio Grande do Sul, principalmente em locais com clima Cfb. Unindo informações sobre o clima de um município, estado ou região e conhecendo as exigências climáticas das culturas com maior destaque no cenário econômico, é possível escolher o local onde a cultura se adapte melhor ou escolher a cultura que melhor se adapte ao local em que você está; assim é possível produzir mais, com mais qualidade, utilizando menos recursos. ALVARES, C. A. et al. Köppen's climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711–728, 2013. Disponível em: https://www.schweizerbart.de/ content/papers/download/82078. Acesso em: 02 abr. 2019. BERGAMASCHI, H.; MATZENAUER, R. O milho e o clima. Porto Alegre: Emater/RSAscar, 2014. Disponível em: http://www.emater.tche.br/site/arquivos/milho/O_Milho_e_o_Clima. pdf. Acesso em: 2 abr. 2019. CARNEVSKIS, E. L. Determinação de eventos de deficiência hídrica máxima com fins de implantação de sistemas de irrigação em pastagens tropicais. 2016. 183 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Sistemas Agrícolas) — Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, 2016. Disponível em: http:// www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11152/tde-30112016-164446/publico/Eliza- beth_Lima_Carnevskis_versao_revisada.pdf. Acesso em: 2 abr. 2019. FOREST GIS. Classificação climática de Köppen-Geiger em shapefile. 2015. Disponível em: http://forest-gis.com/2015/10/classificacao-climatica-de-koppen-geiger-em-shapefile. html/. Acesso em: 2 abr. 2019. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Produção agrícola muni- cipal: PAM 2017. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/documentos. Acesso em: 2 abr. 2019. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). [Informações sobre dados meteo- rológicos, alertas de temperaturas extremas e de geada]. c2019b. Disponível em: http:// www.inmet.gov.br/portal/. Acesso em: 2 abr. 2019. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). 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