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PSICANÁLISE 115 PSICANÁLISE* Elisa Zaneratto Rosa Alessandra Monachesi Ribeiro Mama Markunas Introdução C ABE AO PRESENTE TEXTO expor um panorama sobre a região e aépoca em que se apresentaram os fundamentos da Psicanálise, quais eram os pensamentos filosóficos e psicológicos que permearam a emergência desta corrente, assim como apresentar os principais pontos da obra de Freud. Deste modo, considerar as decorrências de um momento histórico, a emergência de uma revolução, o advento de uma ciência ou um ideal, com o fito de apresentar uma análise histórico-epistemológica, discutindo fundamentos e apresentando possíveis vias de interpretação da questão em evidência, requer muito mais do que elaborar uma acintosa descrição cronológica de fatos. É necessário que haja uma contextualização dos acontecimentos e postulações tomados para discussão, pois é exatamente o contexto histórico que valoriza os objetos a serem analisados e estudados. Tal encadeamento de idéias e episódios dá-se, a nosso ver, quando consideramos as formas de interação entre o Homem e a Natureza no momentoem que o fato dado é presente, ou seja, qua n- * Esta linha teórica foi debatida no grupo PET, também, pelas ex-bolsistas ( ' . i r in . i Gambale, Helena Saioni e Kátia Gomes ||A A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA do contextualizamos devemos abordar historicamente a época em ijue o assunto em discussão se deu, tomando desta forma desde a loc.ili/ação geográfica e temporal dos fatos, passando por conside- r.ições acerca da situação política, econômica e social desta região e/ou do mundo, até as idéias filosóficas que abarcam as concep- ções de Homem, de mundo e de verdade na devida época do de- senvolvimento da humanidade. A partir de tal referencial, o presente texto apresenta a situa- ção histórico-político-econômico-social e filosófica da Europa do final do século XIX, a fim de fundamentar histórica e epistemologi- camente os principais pontos teóricos da Psicanálise freudiana, os quais são expostos em seguida. 1. A Europa no fim do século XIX — o surgimento da Psicanálise Ao estudarmos o advento da Psicanálise, tomamos como referencial a época e o local em que este movimento teórico se ini- ciou, realizando um recorte no tempo e no espaço, atingindo assim um determinado momento da história. Tal momento não deve, no entanto, ser retirado arbitrariamente da cadeia processual em que está inserido, sem ressaltar que se trata de uma divisão meramente estratégica para a boa compreensão do assunto em questão. O grande período que antecede o século XIX foi marcado por importantíssimas modificações na constituição social e política mundial, fundamentalmente na Europa, que se revelam por gran- des movimentos como a passagem da Renascença, marcando o iní- cio da Idade Moderna e o fim do longo período que foi a Idade Média; o desenvolvimento deste novo período, culminando com o Iluminismo no século XVII, as Reformas Religiosas, o desenvolvi- mento da consciência individual e coletiva, levando às lutas e en- frentamentos como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, esta última de caráter fundamentalmente econômico, mas que afe- tou a constituição européia e mundial em todos os setores da vida ocidental, tendo seus efeitos apresentados ao longo de muitos anos, em diferentes áreas, chegando,até..o advento do Capitalismo e to- dos seus produtos sócio-político-culturais. r IMIANAlISI 1'odemos eiUir ilustrativamente .ilj ' ,mis pnululos ilenle\ iles movimentos sociais ocorridos na líurop.i, como .1 neiv. n l K|I da reestruturação e delimitação do poder e obviamente do mei. . do consumidor para cada país, em virtude da indust i i.ili/.n,." i, Rw relação ao desenvolvimento das idéias, temos como r e l l e \ < u l < i . acontecimentos a proposição de novos modos de conl ieei ineni» conforme veremos adiante, havendo também a viilori/.ic.io do « • < nhecimento científico e, portanto, tecnológico, em conlr.ipoMvio .n • conhecimento teológico, polarizando a divisão proposta i l ee .n l . i . antes por Francis Bacon. A partir de então, tem-se um deseiu ,nle,i mento de novas proposições, exacerbando cada vez mais esl.i d i v i são e culminando nos dias atuais em uma avalanche tecnolo)',n ,i que dirige a vida do homem contemporâneo, tendo pretensões m clusive de dar conta de explicações até então do campo da teolo^.i.t Como conseqüência da Revolução Industrial ainda temos, em ú 111 ma análise, a Revolução Francesa, que se caracteriza por u m n si st e matização política das novas relações econômicas estabelecida», abrindo espaço para o desenvolvimento das ciências humanas, ntt* mesmo da Psicanálise, que é nosso objeto de estudo. Portanto, o século XIX apresenta-se como um período basl.m te carregado pelos determinantes históricos que o antecederam K uno os ilustrados acima, e deste modo será ainda um imporl.iiile determinante para os acontecimentos e decisões posteriores, l im dos fatos que fazem parte deste século é o surgimento da Ps i r. i n. 111 se: em Freiberg, na antiga Checoslováquia, atualmente Pribor, ei n f > de maio de 1856, nascia o homem que quarenta anos depois d.iri.i < 1 impulso inicial a um sistema de pensamento chamado Psiaui.ilr.r Entretanto, a teoria nasceu em Viena, local onde a família dt« Sigmund Freud (1856-1939) estabelecera residência a partir de l H(>( ) e em que o próprio autor permaneceu por quase oitenta anos. O que caracteriza, então, o tempo e o local em que viveu Frei i« l e no qual construiu sua teoria? O século XIX foi um período m.uv.i do por diversas batalhas e lutas na Europa: ora tratava-se de ln l . r . entre regiões de domínios diferentes para que um determin.it In Império garantisse e/ou aumentasse sua hegemonia, ora de eiili-en tamentos de classes lutando pelo poder e domínio de forç.is ou mesmo lutando por condições humanas de sobrevivência, liste e o l I I I A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA f.iso d,i Revolução de Fevereiro de 1848, iniciada na França e atin- }',IIH|O diretamente quase toda a Europa, em que o proletariado mostra sua força de coesão e sua consciência. Nesta época, a Euro- pa vivia uma grave crise agrícola. As cidades sofriam com o cresci- mento demográfico — o êxodo rural crescera muito em virtude das fracas colheitas e infrutíferas tentativas de trabalho no campo — e o desemprego também era crescente, pela escassez de mercados e excesso de produção. _A burguesia francesa almejava a queda de seu rei, símbolo da exploração da nobreza na época. A França era o principal centro de revoltas e de emergência da consciência populacional, apresentando como exemplo a Revolução Francesa, que teve como principal resultado a eliminação total do poder aris- tocrático vigente na nação, fato que não refletiu imediatamente em toda a Europa, apesar da aparente mudança causada pela dissemi- nação dos ideais liberais e nacionalistas. Assim, nos outros países a nobreza permaneceu no poder, lutando contra as novas tendên- cias, atrasando o processo de libertação da antiga ordem aristocrá- tica, sem, no entanto, impedi-lo de consolidar-se mais tarde. Na^Alemanha especificamente, os propósitos e os produtos da Revolução Francesa foram efetivamente sentidos quase meio século depois, assim como as inovações propostas pela Revolução Indus- trial foram tardias nesse país, pois a própria constituição territo- rial e etnográfica germânica impedia a disseminação de tão avan- çadas idéias (lembre-se que a Unificação Alemã é tardia, inclusi- ve pela grande diversidade de povos pertencentes à Confederação Germânica). Ou seja, as questões sociais, econômicas, políticas, cul- turais e ideológicas apresentadas por estes dois movimentos em períodos muito anteriores foram enfrentados pela Alemanha como primordiais ao seu desenvolvimento somente no século XIX. Deste modo, também a sua produção de conhecimento reflete a disparidade entre o desenvolvimento deste país e osoutros países europeus. Devido a este atraso em relação aos outros lis l, u l os, a Alema- nha enfrenta um problema a ser resolvido com muito mais rapidez ioni que foi solucionado pela França e Inglaterra, o qual refere-se à i|ii.iliuYacãode mão-de-obra para o trabalho induslri.il, iniciado com espei-iali/.ic.io r que posteriormente rxij- .f um .ilto padrão PSICANÁLISE II» >, > de conhecimento deste indivíduo, vendedor de MM loi\.i d« h . i k i lho. Em decorrência disto, temos a produção de ronhet um m veredando-se por dois caminhos distintos mas paralelo:.. < | m »• i produção do conhecimento em si, como desenvolvimento d.i dén cias em geral, ou seja, a produção de conhecimentos no .nn lu lo < l > ciências naturais, a Física, a Biologia, a Química, e o desenvolvimen to do conhecimento como especialização e formação profissional < l< • povo para o trabalho nas indústrias, cada vez mais numerosas. Assim, proliferam-se as universidades, tendo como doceni. e estudiosos aquelas pessoas pertencentes às classes domin.mlf, c, portanto, mais favorecidas. Tais pessoas trabalham em l u l m i . i i n rios de pesquisa, visando à produção científica, na formação | > c > | > u lar propriamente dita, na busca dos melhores recursos de s.mdr para prevenir e solucionar os problemas enfrentados pelos trab.i lhadores, que no contexto vigente da Europa, e em especial da Ale manha, formam uma classe muito importante para o desenvolvi- mento do país. Contudo, mesmo com essas rápidas mudanças, a Alemã n l M ainda mantém por cerca de duas décadas o legado científico tni / i do do século XVIII, que se fez pela ruptura com as concepções empírico-racionalistas da França e Inglaterra, levando às espeoil.i ções filosóficas guiadas pelo idealismo e pelo romantismo, açaí n tando um atraso nas Ciências visto que não utilizava sistemalu.i mente métodos matemáticos e experimentais e sim, especulações nos estudos desenvolvidos nas universidades alemãs. Cerca de v i n l • • anos após o início do processo de industrialização alemão, a filoso fia romântica e idealista é abandonada, dando lugar aos conheri mentos desenvolvidos no campo das ciências naturais, como a fi- siologia, que mantinha estreita relação com o estudo da física, j Com o desenvolvimento da indústria, a consciência de classes emerge com grande força: o coletivismo prevalece sobre o indivi dualismo — predominante no século anterior — em função d i > ' . problemas emergentes deste novo modo de produção, como a fal i . i de alimentos e recursos de saúde para o proletariado e a péssim.i condição das moradias, e ainda por conta das próprias caracten:,! i cas deste modo de produção. Assim, a proximidade entre os triib.i lhadores em suas atividades possibilita encontro e conversas enliv 120 A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA eles — fato inviável no campo —, o que leva à consciência de que os problemas de cada um são problemas de todos, proporcionando assim as organizações e reivindicações coletivas. É também uma época de modernidade, em que se faz a transi- ção para o capitalismo. Os ideais liberais deixados pela Revolução Francesa formam boa parte das exigências sociais da época, haven- do então disputas entre aqueles que querem fazer valer os desejos da Revolução Francesa e os restauradores do Antigo Regime (con- fronto entre forças revolucionárias e reacionárias). Tem-se, assim, um cenário de conflitos e mudanças constantes, tanto no nível do proletariado, com o surgimento das cooperativas, quanto no nível da burguesia que travava disputas ideológicas.^,^ Viena no final do século XIX era o centro do Império Austro- Húngaro, em que reinava a monarquia Habsburgo pela pessoa do imperador Francisco José, o qual guiava tudo e todos ao seu domí- nio, de modo a manter o status quo de que os Habsburgo eram os instrumentos de Deus na Terra (Ik «Sc Toulmin, 1991). Assim, fun- cionavam como modelo de conduta para o resto da população, que aderia não só aos gostos estéticos da Corte como também à ordem política que a ela reservava privilégios honoríficos, econômicos e fiscais: o Antigo Regime.(Antigo Regime foi a denominação surgida na época da Revolução Francesa para indicar o sistema político- social vigente até 17890 Caracterizava-se pela monarquia absolutis- ta baseada no direito divino dos reis, pelos privilégios aristocráti- cos e pelo mercantilismo (Pazzinoto & Senise, 1994:88). Carregando o estereótipo de "cidade do lazer", onde a cultura florescia principalmente através da música e do teatro, Viena pos- suía um destacado desenvolvimento artístico, o qual era atribuído ao regime monárquico vigente. Contudo, a adesão a este regime nem sempre foi voluntária, mas a burguesia vienense ganhou força ríeti vãmente somente na segunda metade do século XIX, como con- •.(•([üência do processo de industrialização acima descrito. l'oi ncslc prríodo que viveu Sigmund Freud, um homem que 1'i insi i r i i i iv.i^ors .ulvrrsns ao criar a Psicanálise, encontrando mui- l . i fu l i l i a iUI .u I r s p.ir.i ( j i i c sun teoria fosse reconheci d a nomeiocien- ni vifiit-iisc. Uma dai causas destas dificuldades foi iUMiíase dada 121PSICANÁLISE O'O ' pela Psicanálise ao papel da sexualidade na vida humana, o que representavafuma ofensa à burguesia de Viena! Outra causa, cujos fundamentos estarão sendo apresentados adiante, era que a Psica- nálise trabalhava com conceitos e hipóteses, como o inconsciente, P <-l ÇV Vque^njão se enquadravam nos moldes de ciência daquela época) Além disso, Freud propunha'o homem como um ser em conflito entre forças antagônicas (as pulsões e a cultura repressora) e atribuía gran- de importância aos acontecimentos da infância e sua presença no mundo mental adulto, características que o aproximavam do movi- mento romântico^ o afastavam das ciências naturais. ,> \ Dentre as três opções de sua época —• MedicinaAFilosofia e Ciências Exatas —, Freud escolheu a primeira delas como profis- são. Desejava ingressar em um estudo científico, no âmbito acadê- mico, mas a sua situação econômica não permitiu. Enveredou para a área clínica e hospitalar, especializando-se em neuroanatomia e doenças orgânicas do sistema nervoso. Inicialmente Freud estuda- va o cérebro de indivíduos com patologias psiquiátricas após sua morte, na tentativa de vincular a observação clínica com lesões or- gânicas. Os seu^estudos^comparativos nada comprovaram e as con- dições financeiras de sua família não permitiam-lhe dedicar-se ex- clusivamente aos estudos, de tal modo que abandonou a anatomia e iniciou os trabalhos clínicos, sem os quais provavelmente não te- ria realizado muitas de suas descobertas, nem mesmo teriam-lhe sido suscitadas algumas suspeitas a respeito do funcionamento do aparelho psíquico humano. Assim, formou-se em 1881 e começou a prática em neurologia clínica. Neste período, associa-se a Josef Breuer. Discutem juntos casos de pacientes de Breuer, como a hidrófoba Anna O., [persona- gem fundamental para a constituição da Psicanálise.jAnna O. tinha sintomas de histeria: paralisia, ausência de memória, náuseas, dis- túrbios de fala e visão. Bj-euer tratava-a pela hipnose, através da qual lembrava-se das experiências vivenciadas que a impediam «.Ir beber água. Breuer conseguiu curá-la com este método, por rrdu cão ou eliminação de sintomas. Durante um tempo Freud adotou o método hipnótico p.ir.i l r.i tar seus pacientes; rio entanto, percebeu que nem todos poili.nn • .«• ! hipnotizados e que, além disso, em muitos casos os sinldin.i.-. UM A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA 1'SICANALISl l / l piircdam. Assim, abandonou o método hipnótico, ^ nantendo a catarse, que futuramente originaria aítécnica de livre associação.j l ÍHla técnica consistia na associação livre de idéias que traziam à lona conteúdos inconscientes, causadores de distúrbios. Um 1885 Freud embarcou para Paris, onde conheceu Jean M a r t i n Charcot. Pela observaçãodo tratamento oferecido por 1'harcot a seus pacientes histéricos, Freud hipotetizou a base se- xual dos distúrbios. Em 1895, associado a Breuer, Freud publicou i.attidos sobre histeria, oficializando o início da Psicanálise. Neste momento, Freud já acreditava que os fatores sexuais eram os ver- dadeiros causadores das neuroses, embora muitos contestassem o Ni'ii c-mbasamento para atribuir tamanha importância a estes fato- res. H m 1896 Freud apresentou um artigo à Sociedade de Psiquia- t r i a e Neurologia de Viena, relatando as experiências de sedução di- suas pacientes, as quais eram_realizadas^principalmente pela fi- gura paterna. Em seguida, descobriu que estas experiências não ocorriam de fato: tratava-se de fantasias, mas podiam causar trau- mas e por isso pareciam tão reais. V l;reud empregou um método de interpretação dos sonhos, a par t i r do qual realizou também sua auto-analise. Neste momento, eNcreve A interpretação dos sonhos (1900), obra em que desenvolve tom consistência a idéia daícapacidade de conteúdos inconscientes determinarem e modificarem ações e atitudes) Ao longo de seu trabalho, a já fundada Psicanálise freudiana vai ganhando uma série de discípulos, muitos dos quais rompem rum l ;reud por conta de divergências em relação a seu pensamento, 11 maioria delas no que diz respeito à grande ênfase atribuída por l'retid ò sexualidade na constituição e na dinâmica psíquica. No período da Primeira Grande Guerra (1914-1918) havia três grupos pNJcanalíticos, que divergiam quanto às conclusões provenientes d,t observação. , Na década de 1920, o sistema freudiano fora além do trata- mento de distúrbios, englobando estudos sobre a personalidade Immana. Durante muito tempo Freud procurou apresentar seus tra- balhou mi Academia; contudo, teve muita dificuldade de aceitação, |>elo lato de seus métodos — observação da fala e análise hipotética indutiva desta — e conclusões questionarem os valores dominan- tes.íEm 1933 os nazistas tomaram o poder e a teoria psicanalítica foi condenada pelo poder totalitário, por supervalorizar a vida sexual, e banida da Alemanha, assim como milhares de judeus, l 2. A Epistemologia O pensamento (filosófico) humano e suas decorrências se cons- tituem como reflexo do momento cultural-social-político e, portan- to, histórico, quer dizer, as concepções de homem, de mundo e os critérios de verdade são modificados gradativamente segundo as necessidades emergentes e, obviamente, conforme a reflexão e dis- cussão por parte de filósofos, estudiosos e cientistas a respeito da realidade em que vivem. A partir dos parâmetros sócio-histórico- político-culturais dos séculos XIX e XX, na Europa, é que surge a Psicanálise, não só como o resultado de uma evolução de conceitos^ e diretrizes filosóficas e científicas^ mas principalmente como uma £ "ruptura" em relação ao conhecimento até então existente e predo- minante. Quando nos referimos a uma "ruptura" realizada pela Psicanálise em relação ao conhecimento predominante na época de seu surgimento, estamos nos referindo principalmente às(relações entre o pensamento de Freud, p Positivismo e o próprio projeto de Psicologia, proposto por Wilhelm Wundt)(1832-1920).1 Iniciando pelo Positivismo, o mesmo traduz-se por uma cor- rente de pensamentos, cuja origem encontra-se no século XIX, na figura do francês Auguste Cpmte (1798-1857). Ele formula que o estado positivo é marcado pelo predomínio da observação em rela- ção à imaginação e à argumentação, que ficam subordinadas àque- la. A fim de apreender e explicar os fenômenos psicológicos, o espí- ,o_ rito positivo deve buscar suas relações imutáveis, da mesma ma- neira que faz quando trata de fenômenos físicos, tal qual o movi- mento ou a massa (Comte, in Os Pensadores, 1988). Apesar da 1. As discussões e contextualizações acerca do Positivismo encontram-so mi ( . i | > l l u Io l desta obra e a proposta de Psicologia Científica de Wilhelm Wundt c c l r . i n i i . l . Capítulo 2. l H A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA coerência interna apresentada por Freud em seus trabalhos, temos que seu início foi marcado pela situação em que o mundo se encon- trava naquela época: os primórdios do século XIX foram marcados por inúmeras conturbações, inclusive no campo da filosofia, em que o Positivismo reafirma as proposições kantianas quanto à causali- dade das coisas, em oposição à concepção mecanicista aristotélica vigente por tanto tempo. Assim, se existem na obra de Freud influências mecanicistas (tal como a formulação do Complexo de Édipo, a partir do qual toma a primeira infância como um conjunto de ocorrências que se repetem em todos os seres humanos desde o seu nascimento até aproximadamente os 5 ou 6 anos de idade), a influência do Positivis- mo é também uma marca em sua produção, de tal modo que en- contramos uma analogia direta entre ciências positivas, como, por exemplo, a Física e a Química, e alguns pontos da Psicanálise. Tal influência caracteriza-se fundamentalmente pela constante tentati- va de Freud equiparar o psiquismo a algo orgânico, a qual é em alguns momentos mais intensa, como no início de sua obra, e em outros menos. Além disso, nota-se que Freud, ao construir suas teo- rias acerca da constituição e da dinâmica do aparelho psíquico, apre- senta um modelo predominantemente auis.il, 1'ara Freud, sempre há uma causa para quaisquer eventos ocorridos na vida do ser huma- no, não pode haver eventos mentais sem uin. i r.iusü que os determi- ne e é em busca destas causas que Freud iiisl.iur.i o trabalho de aná- lise: trata-se de decompor os elementos mínimos que motivaram a formação dos sintomas, a fim de encontrar a origem dos mesmos,/ Neste sentido, o método utilizado em suas investigações, ou seja, a observação do objeto de estudo da Psicanálise realizada por Freud, traz a colocação desta teoria como teoria científica e não ex- clusivamente especulatória. Deste modo, podemos dizer que há nitidamente a possibilidade de comprovação da cientificidade dos 1 1 . i l>dlhos clínico-analíticos realizados por Freud, tomando-se como parâmetro/ principalmente, o método de análise criado: a interpre- i.ic.io e análise do discurso e de quaisquer conteúdos mentais evi- i.iiuio-se ao máximo quaisquer interferências externas à situação terapêutica. I'SI( ANÁLISE 125 Será a consistência interna do material lingüístico por ele obser- vado que possibilitará a formulação dos conceitos teóricos da Psi- canálise. Retomando e explicitando um pouco melhor os caminhos tomados por Freud em seus estudos, teremos que num primeiro momento há o confronto do discurso do indivíduo analisado com os fatos por ele vividos. A conclusão a que Freud chega a partir desta observação é de que não há comprovações acerca de uma re- lação verídica entre o que é dito pelo paciente e aquilo que efetiva- mente ocorre. A partir daí, num segundo momento ele irá investi- gar a simbologia/significação que a pessoa atribuiu à experiência relatada. Freud passa então a analisar o discurso internamente nas suas várias manifestações. É neste sentido que encontramos a "ruptura" da Psicanálise em relação aos modelos científicos vigentes. Para além da marca positivista, a teoria psicanalítica carrega um caráter hermenêutico, sendo necessário ainda considerar a especificidade da hermenêutica proposta por Freud. Assim, as regras de interpretação se tornam uma necessidade psicanalítica, uma vez que esta teoria atravessa a fron- teira do biológico e vai em busca da interpretação dos símbolos. Des- ta forma, em Psicanálise a hermenêutica se torna absolutamente ne- cessária, não na tentativa de(interp_retar o símbolo como uma repre- sentação do real, mas sim como uma distorção do real,] de tal modo que se trata de desvendar conteúdos distorcidos, procurando um sentido além da consciência e atingindo uma verdade inconsciente. A delimitação deste objeto de estudo pela Psicanálise— o in- consciente — vai representar mais uma ruptura em relação aos parâmetros científicos. Pela impossibilidade de retirá-lo de seu locus ou mesmo limitá-lo em suas relações, a fim de efetuar uma obser- vação segundo os critérios mais rígidos e seguros de uma metodo- logia científica, a obra defrreud opõe-se também ao empirismo2^ Cabe neste momento resgatar a relação das proposições de Franz Brentano (1838-1917) com o pensamento psicanalítico, apri- morando desta maneira as relações da obra freudiana com o 2. As relações entre o positivismo ora destacado e o empirismo podem ser compreen- didas a partir da leitura do Capitulo l desta obra. 126 A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA )v\ • X Positivismo ^ ^ntroduzindo aquelas que dizem respeito ao projeto de Psicologia apresentado por Wundt. Franz_Brentanp viveu na Alemanha e apresentou um pensamento que se caracterizou como uma das primeiras dissidências da nova ciência, a Psicologia, que tinha como seu mais célebre representante Wilhelm Wundt. Brentano apresentou como projeto de uma Psicologia científica a necessidade da observação, sem que fosse necessária a experimen- tação, como é o caso da Psicologia wundtiana. Deste modo, Brentano u £P apresenta umprojeto de Psicologia empírica, enquanto Wundt fun- , (^ damenta seu trabalho como uma ciência experimental. Há que se considerar, neste ponto, que o trabalho de Brentano não abandona por completo a experimentação, apenas não a enfatiza como pri- mordial. Ainda nesse sentido, ele apresenta um objeto de estudo p \ ^ para a Psicologia diferente do apresentado por Wundt. Ele postula a Psicologia do ato, que consiste em estudar a atividade mental como processo, ou seja, o importante não seria o conteúdo em si de qual- quer atividade mental, tal como ver ou falar por exemplo, mas o ato da experiência de ver ou falar e ouvir. Assim, Brentano afirmou que a Psicologia poderia ser empírica, estudando a atividade men- tal, em vez do conteúdo mental; ou seja, ele não rejeita a experi- mentação, mas acredita que o objeto da Psicologia deveria ser o ato mental—atojnental de ver, por exemplo, em vez do conteúdo mental daquilo que é visto. A partir daí, podemos fazer uma ligação entre o pensamento freudiano, sua prática e o projeto de psicologia de Wundt: Freud em sua prática psicanalítica tem como objeto de estudo o incons- ciente humano,_áo qual pretende atingir pela observação através do método de associações livres (o paciente fica deitado em um diva, durante a sessão terapêutica, e relata o mais fielmente possí- vel tudo o que lhe ocorre à mente naquele momento, mesmo e so- bretudo se tais ocorrências aparentemente forem desordenadas e desconexas). O inconsciente é observado por Freud não sob a for- ma direta, mas como instância real, investigado pelas suas mani- leslacões1, modo que pode ser utilizado para a observação e o co- l l V-.I.M .mioí, .ilrni « l i IIHNOI it(ors livres, os chiütGRi i i lo f i íftlhoi»' .'tonhos romo for- i n , i ' l . i I ) I I I | > H > V I I I , . I M i l . i r i r . l r i u 1,1 .Io i n > oir . i i i - n l c , 10 m. n , . . | I ' I I I | M > i j u c representam PSICANÁLISE i:/ nhecimento da estrutura psíquica humana. Seguindo as influên- cias positivistas, Freud busca compreender os processos mentais, tendo então como produto deste trabalho a formulação de uma teo- ria a respeito da estrutura do aparelho psíquico, que condensa sin- teticamente os processos mentais. Entretanto, ele não abandona ne- cessariamente os conteúdos mentais, pois esta mesma teoria do apa- relho psíquico é formulada segundo uma divisão que tem como parâmetro a constituição básica de conteúdos da vida mental das pessoas em geral. Ainda assim, F_reud parece seguir, de algum modo, muito mais o pensamento de Brentano do que seu próprio precursor, que foi Wundt, uma vez que baseia todo seu trabalho na observação, jiv clusive^ela impossibilidade de realizar experimentos com o incons- ciente. Igualmente, utiliza-se de experiências vivenciadas a partir deste inconsciente, experiências estas que são percebidas, mais uma vez, através da observação de fatos mentais como os sonhos ou as associações livres a respeito de determinada temática emergente no processo terapêutico. Temos, assim, que o trabalho do médico e psicanalista é em parte influenciado pelo positivismo, no que diz respeito à observa- ção, já que este é um dos primeiros elementos de seu trabalho, que é procedido pela interpretação e análise dos conteúdos psíquicos. Ainda quanto à observação, trata-se de um procedimento muito utilizado por Freud, apesar de muitos argumentarem que, sendo seu objeto de estudo o inconsciente, seria impossível realizar a obser- vação, assim como quaisquer experimentações. Ainda quanto à relação da Psicanálise com a Psicologia pro- posta por Wundt, podemos afirmar que se Wundt propõe investi- gações a respeito da experiência imediata do sujeito, ou seja, a ex- periência tomada como acontecimento independente de quaisquer interpretações ou sensações, Freud se diferencia dele por seu obje to de estudo, considerando-o como a experiência vivida. Ocupa-se do que é vivido pelo sujeito, como é percebido, assimilado, proccs- elementos fundamentais no conhecimento da organização e funcionamento do . i |> , i i r l l iu psíquico. 128 A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA sado, e quais são seus produtos, daí a formulação do inconsciente como objeto de estudo. Wundt realiza estudos baseando-se na coexistência de causa- lidade física e causalidade psíquica sem, no entanto, viabilizar um projeto de psicologia em que fosse possível a interação destas duas possibilidades. Daí decorrem os estudos de duas psicologias. Por um lado, a psicologia fisiológica experimental, que reconhece a exis- tência de uma causalidade psíquica, mas atem seus estudos às in- fluências e à causalidade física enquanto determinante na experiên- cia imediata; e, por outro lado, a psicologia social ou psicologia dos povos, que estuda os processos criativos exaltando a compreensão sobre a causalidade psíquica. Quando Wundt propõe uma unidade psicofísica, não conse- gue fazer comprovações substanciais, visto que parte de uma ten- tativa de unir produtos de trabalhos concebidos segundo metodo- logias completamente diferentes, ou seja, realiza estudos na área da psicofísica e na área social utilizando-se de modelos diferentes para análise, e por conseguinte pretende levantar apontamentos e conclusões acerca da unidade destes objetos, sendo, no entanto, que esta prática se faz inviável. Freud possivelmente viabilizou a tenta- tiva de Wundt sobre provar a unidade psicofísica, uma vez que trabalha com uma proposta de psicologia que segue a vertente da psicologia dos povos (proposta por Wundt), mas baseia seus traba- lhos nas ciências naturais, ou seja, preocupa-se em definir rigida- mente desde o nome de sua corrente de pensamento para não in- rorrer em incoerências ou falhas de interpretações de outrem a res- prito da confiabilidade de seu trabalho. 3. Um passeio pela teoria psicanalítica freudiana l Vira que possamos entender a Psicanálise, temos que acom- I Mi ih . i r o movimento de sua construção que partiu — desde Freud, • H M I l i M u l - n l o r de questões suscitadas pelo trabalho clínico. As Icoi i/.icõcs psicanalíticas procuraram lançar luz sobre alguma obs- i i i i n l . u l c do sofrimento humano que surgia ao longo do tratamen- to i lc prv.o.r. PSICANÁLISE l W l Temos, então, um sujeito que sofre, busca algum alívio de suas dores e que vai encontrar — na Psicanálise — um certo tipo de res- posta para isso. Quando Freud — formado em medicina — começou a traba- lhar, ainda não sabia que existiam certos tipos de sofrimento que poderiam ser tratados por meio da Psicanálise porque a mesma não existia, e só foi criada à medida que ele se defrontava com seus pacientes e percebia que, para algumas dores,ps métodos usuais de diagnóstico, tratamento e cura não funcionavam. Tomemos como exemplo a histeria: no final dos anos 1890 cha- mava a atenção dos médicos a existência de uma série de pessoas que, apesar de apresentarem sintomas no corpo — dores, parali- sias, convulsões —, não tinham para os mesmos um funcionamen- to que seguisse uma lógica anátomo-fisiológica. Ou seja, os sinto- mas não obedeciam às leis de funcionamento do corpo, o que tor- nava as pessoas que os apresentavam verdadeiras aberrações, in- cômodos ao conhecimento já estabelecido. Freud, dentre outros de sua época, intrigava-se com esses fe- nômenos denominados então como histeria. Seria simples entendê- los como fingimento, encenação, Mas o sofrimento parecia verda- deiro e o fato de Freud acreditar na veracidade do sofrimento da- quelas mulheres levou-o a pensar que, talvez, os sintomas de seus corpos quisessem dizer algo, possuíssem algum significado. Ao atri- buir aos sintomas no corpo um sentido que não lhes era aparente, Freud propôs a existência de uma lógica psíquica — para além da lógica anátomo-fisiológica — que seria representada por manifes- tações no corpo que, corretamente traduzidas, levariam o cientista a acessar o funcionamento do psiquismo. Esse seguiria leis e prin- cípios análogos aos do funcionamento somático. Seu objetivo, des- de então, passa a ser a busca por desvendar esse funcionamento psíquico, entender seus sentidos, suas leis e — dessa maneira - l x u ler intervir sobre ele. Nos inícios da Psicanálise, Freud investigará o psiquismo hu- mano por duas frentes: por meio do estudo aprofundado das p.ilo ln^i.ií. c il . i busca de um sentido para as mesmas — especialmente p.u.i .1 histeria —, e por meio do estudo dos sonhos, qiu- si- COM ver 130 A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA terão em paradigma do funcionamento psíquico inconsciente. Acompanhemos esses dois movimentos e suas descobertas. Oi movimentos do psiquismo Ao afirmarmos que o sintoma diz algo, representa algo, já te- mos uma assunção: há algo que quer ser dito e se faz dizer por alguma outra coisa, por um sintoma. Daí podemos pensar: o que se diz, ou o que aparece não é exatamente o que se quer dizer. Exata- mente no sentido de totalmente, precisamente, de maneira exata. Trata-se de um representante. O que será o representado então? A \ 'Voltemos no tempo, para Freud e suas Tiistéricas) Quando co- meçou a atender -£/e isso é um fato de extrema importância, digno de ser frisado muitas vezes: todas as teorizações de Freud ou de outros psicanalistas, por mais abstratas que pareçam, vieram de questões que a clínica impôs —, ele percebeu que o sintoma que as histéricas apresentavam, um sintoma estranho, sem correspondên- cia exata com o corpo anatômico, desaparecia quando as pacientes podiam se lembrar do fato que o provocou juntamente com o afeto que acompanhava tal fato. Então, no ser humano, podemos dizer que existem os fatos e os afetos ou, para sermos mais exatos, a lem- brança ou representação dos fatos e os afetos ligados aos mesmos. Mas, se pensamos que as histéricas tinham um sintoma, o que era ele? Algo no corpo somado a um afeto, o mesmo afeto que antes esteve ligado a um fato e, por algum motivo, se descolou e foi se ligar ao corpo. Aí reside um pontoimportante para entendermos esse homem da Psicanálise: temos um movimento do tal afeto entre o fato que o originou e o corpo, como se ele pudesse se desgrudar de sua ori- )•,(•!n e investir em qualquer outro conteúdo psíquico. Portanto, o .i lr lo tem uma mobilidade psíquica. Ele investe numa representa- -lo ou noutra, no corpo'e por aí vai. l cinos um movimento psíquico e, também, um investimento: n . i ie io investe, ocupa uma representação ou não. Quando pensa- mos rui invest imento, pensamos em importância, em atribuição de viilor. l ínl . io, podemos pensar que o afeto que se investe é o que diz PSICANÁLISE 1 ( 1 se um fato é ou não importante, revelando seu valor. O afeto, ao se movimentar, transpõe o valor daquilo que o originou para alguma outra representação. Dizemos que há uma força, denominada afeto, que se movimenta pelas representações, os fatos, as coisas, os nomes, o corpo. O ser huma- no, ejitão, é movido por alguma força, algo que o movimenta e in- veste psiquicamente. Novamente trazemos a idéia inicial: algo existe e faz o sintoma, algo movimenta. O que é esse algo? Voltemos às histéricas. Elas têm um sintoma que desaparece quando se lembram daquilo que o provocou e do afeto que o acom- panhava, mas... as coisas não são tão fáceis assim. Porque Freud percebe que, muitas vezes, suas pacientes não se lembram do que causou o sintoma, como se não quisessem se lembrar. Há uma resistência a que elas se recordem do que gerou o sintoma. Mas, por quê? Porque isso faz sofrer. O que gerou o sintoma, e que parece ter sido esquecido, foi esquecido justamente por trazer sofrimento. Sabemos, agora, algo mais sobre esse psiquismo: ele não quer so- frer, faz tudo para evitar sofrimento, até mesmo esquecer o que foi aquele fato tão doloroso que estava associado a um afeto, que por sua vez foi parar num sintoma, como se o sintoma fosse causa de sofrimento e não uma tentativa malsucedida de escapar dele. O homem busca, se levamos esse jeito de funcionar psíquico em séria consideração, ser feliz, ter coisas boas, satisfação, prazer. O psiquismo funciona segundo o princípio do prazer. Há as representações, os afe- tos que se ligam às primeiras e uma certa lei que regula todo esse movimento:) a lei do princípio do prazer. Quando algo vai contra essa lei, ele é... esquecido. Temos então a primeira esquematização possível: um lugar para cada um desses conteúdos do psiquismo: consciente, pré-cons- (icnlc c inconsciente. De onde Freud tira isso? Tira da assunção de t|iie, se as representações podem ser lembradas ou não de acordo < om o i|iie elas geram para o sujeito: prazer ou desprazer, e jcí que < - . L U no;, luncionandonum psiquismo no qual nada se perde-— nem fni-iy.i.i, nem representações —, há que se supor que h.ij . i I l M I . i ! . . . ! • , representações niilesej. iveis nVarein. Ou, se .1 i 132 A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA dos lugares não é boa, elas devem estar em alguma condição que as mantenha inócuas. Quando Freud escreve A interpretação dos sonhos (1900), ele busca entender como funciona esse psiquismo cheio de condições, contradições e paradoxos que ele viu na histérica e o faz por meio da análise dos sonhos. Os sonhos são semelhantes aos sintomas: ambos parecem não ter sentido algum e, no entanto, podem ser decifrados. Além disso, enquanto nem todo mundo — pensava Freud nos idos de 1900 — faz sintoma, todos sonham. Se ele pudesse entender o mecanismo de funcionamento do sonho, poderia compreender o funcionamento psíquico de uma maneira mais abrangente. Ou seja, poderia encon- trar algum princípio que valesse para todos os sujeitos e não ape- nas para as histéricas. Para analisar os sonhos, Freud toma como método anotar tudo o que lhe vier à cabeça a partir de cada imagem que o sonho conte- nha. Muitas coisas lhe vêm à cabeça. Primeiro ponto importante: o sonho traz um conteúdo manifesto, aquele do qual nos lembramos, e um conteúdo latente, aquele que aparece na medida em que deixa- mos a mente vagar pelas imagens do sonho, em associação com o manifesto. O manifesto remete ao latente,(permite que as associa- ções conduzam aos conteúdos que permaneciam ocultos.XAssim, ele seria uma ponte para esses conteúdos e, ao mesmo tempo, um disfarce dos mesmos. Parece haver uma semelhança desse modo de funcionamento do sonho com o sintoma. Dizíamos anteriormente que o sintoma poderia ser remetido a uma causa: o fato que o causou e que se desligou do afeto, o qual foi investir no corpo. Mas isso é simplista demais porque, quando Freud, ou qualquer um, começa a ouvir o tal sintoma — assim como o que referimos sobre o sonhohá pouco —, o que aparece é uma complexidade de fatos, cenas, representa- ções, todos ligados como pontos de uma rede que nos impede de encontrarmos uma causação única, mas um conjunto de fatores. E d i j i i e l ;rt%ud vni chamar de sobredeterminação, que quer dizer que i i . i < l . i .u onle< c devido .1 um único motivo.;Isso vale para o sintoma c (milhem |).n,i o sonho. Nenhuma imagem formada se liga a uma PSICANÁLISE Ml única representação: há uma rede de associações. Então, todos es- ses elementos da rede, todas as associações, todas as representa- ções servem a algum propósito. O que elas querem dizer? Freud apresenta uma proposta que parece paradoxal: o múlti- plo e complexo tem por trás uma única intenção: a realização de um desejo. O sonho é a realização de um desejo. Um pouco atrás men- cionamos a intenção do psiquismo: a busca de satisfação, e isso retorna aqui quando percebemos que todas as formações psíquicas atendem ao propósito de realizar um desejo. O que é desejo? Temos que entender o que seja para que pos- samos seguir em frente. Acompanhemos um exemplo que Freud dá para definir o que seja desejo em A interpretação dos sonhos (1900). Suponhamos um bebê recém-nascido. Ele sente um incômodo que não sabe o que é, se mexe, chora, grita. O ser humano não quer ter desprazer. Então o bebê sente um incômodo do qual não pode se livrar e algo de fora, talvez a mãe, vem e o conforta. O que estava incomodando era fome e a mãe vem e dá o alimento, que aplaca aquele desconforto, faz com que ele cesse por algum tempo. O bebê guarda na memória essa história, registra o desconforto, o aconte- cimento que o confortou, a sensação que teve de satisfação, de aplacamento. Da próxima vez que tem fome, já não é alguém que não sabe de nada. Ele tenta recriar, no seu psiquismo, de si e para si, a mesma sensação que teve com sua experiência de satisfação e, para isso, recria a mesma percepção, tenta fazer com que a mesma experiência se repita. A isso chamamos desejo, ao movimento que vai do incômodo até a experiência de satisfação recriada — que é a realização de desejo —, ao impulso de recriar a condição de satisfa- ção. O desejo é algo que vai de uma falta a um preenchimento, do desprazer ao prazer. O bebê busca reeditar aquela experiência primeira na sua psi- que para experimentar novamente a vivência de satisfação. É alj;o alucinado. Aquela experiência não está acontecendo de novo e mmc.i i n.n-, v.i i arontecer. Esta é a primeira forma como ele busca livr.n se . L i i j i n l o que o infomod.i: . i lm m.indo que aquilo ijue o .I |M/.I}>,IIOII l l l l i l . i l in rn lc ( - .1 ,1 .Honlc. n i . l . i ,1. novo Trata se de u n i r . u n i n l i n . ilnelo que. no eiil.inlo. ie-.iill.ii .1 IMII Ir.u .isso Mesmo i|iie <> A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA bebê mame muitas vezes, nenhuma será igual à outra. Há um "gap", uma lacuna entre o que é almejado e o que é encontrado na expe- riência com a realidade. Esse "gap", essa falta é o que faz com que o desejo exista. Nunca encontramos plenamente o que buscamos e é isso o que faz com que possamos sempre desejar. Portanto, é a falta que faz com que haja movimento, desejo e, conseqüentemente, vida. Assim, o que criamos, por exemplo, em termos de cultura e civili- zação, pode ser entendido como uma tentativa de alcançar essa cor- respondência absoluta do desejo com aquilo que é realizado. Em algum ponto aprendemos que, para encontrar a satisfa- ção, não adianta alucinar a percepção. Necessitamos da interven- ção externa, ou da intervenção no externo para aplacarmos o incô- modo. O que podemos dizer é que passamos a considerar a realida- de e a ação sobre a mesma para conseguirmos obter prazer, de uma maneira indireta e não-imediata. O bebê percebe que alucinar a percepção não resolve a fome e então chora, grita, se mexe até que a mãe lhe traga comida; somente quando ele sente fome e chora é que seu choro passa a ser uma comunicação ao mundo acerca dessa fome, através do qual ele interage com esse mundo para que a mesma seja saciada. O exemplo da fome e da alimentação serve para ilustrar esse caminho que o psiquismo faz do princípio do pra/er — satisfação imediata, descarga imediata de umjncôrnpdo — para o princípio de realidade, Ainda é a mesma lei: o psiquismo visa ao prazer. No en- tanto, elalgo que leva ejn consj.demcãc^ajrealidadej l'ara obter algu- ma satisfação, já que toda satisfação não é possívrl, há que se consi- derar a necessidade de adiar, de percorrer um caminho mais tor- ^ tuoso. Fazem-se necessárias intermediações, negociações, interven- ções na realidade. Um adiamento do prazer imediato cm troca de algum/ prazer possível é a proposta do princípio de realidade. O sonho é uma realização de desejo. EU' apresenta o desejo como realizado. No sonho, o desejo já se saciou, de uma forma alucinada. O sonho é uma realização alucinatória de desejo, da mesma forma que as primeiras experiências infantis com a fome, por exemplo, como citado anteriormente. Portanto, ele é o rema- nrsivnte dessa vida infantil, é o mesmo jeito malsucedido de fun- PSICANÀLISt l i ' , cionar do aqui/agora que ressurge ao sonharmos: sem tempo, sem adiamento, sem intermediações./Mas, ao contrário das intervenções inócuas na vida cotidiana que esse jeito alucinado de busca pelo prazer pode proporcionar, no caso dos sonhos ele funciona, posto que garante que o sono possa continuar. Ou seja, o desejo realizado que aparece nos sonhos garante que o sujeito continue dormindo e que as perturbações do mundo externo — até um certo nível — não afetem seu estado. O sonho, então, é o guardião do sono. / Se há essa forma de funcionar do sonho e uma outra que leva em consideração a realidade, o outro, o mundo externo, então há uma certa incompatibilidade entre os dois modos, uma propensão ao conflito. Retornamos aos lugares psíquicos. / Podemos pensar que o desejo que aparece realizado no sonho de forma disfarçada, assim o faz porque não pode ser percebido. Ele está esquecido/; Vejamos o seguinte esquema apresentado por Freud: Consciente (Cs.)/Pré-consciente (Pcs.) Inconsciente (Ics.) censura / resistência Q desejo que aparece realizado no sonho é um desejo incons- ciente. Ele não pode ser percebido. Há algo que opõe resistência a que ele apareça, assim como à representação "causadora" do sinto- ma. Eles vão contra o princípio do prazer, passam a causar algum incômodo. Saber do desejo, da representação causa sofrimento e, então, há que ser esquecido. Aqui há o que Freud chama de recalque. É uma força que tenta expulsar o que gera incômodo do acesso a i onsciência, tenta evitar que volte a causar desprazer. Mas, se é realização de desejo, como pode causar desprazer? l n-iid, numa primeira resposta, dirá que o que causa prazer p.tr.i M M I . I instância pode não causar para outra. Então, fia uma íoi\.i c | i i r impele o conteúdo, a representação associada ao desejo p.ir.i < >
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