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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE ...................................... 4 2.1 A Saúde no período colonial ................................................................ 5 2.2 A origem das Santas Casas de Misericórdia ........................................ 6 2.3 Institucionalização da medicina no Brasil Imperial ............................... 8 2.4 Novas diretrizes para saúde: O Governo Vargas (1930-1945) ........... 11 2.5 A criação do Instituto de Aposentados e Pensões - IAPS .................. 13 3 ARTE DE CURAR NO SÉCULO XIX ....................................................... 14 3.1 Conflitos entre a medicina e outras práticas de cura .......................... 15 3.2 Curandeirismos .................................................................................. 16 3.3 Barbearias (sangradores) ................................................................... 18 4 SAÚDE PÚBLICA ..................................................................................... 19 4.1 Oswaldo Cruz: A trajetória do médico dedicado à ciência .................. 21 4.2 Epidemias e Saúde Pública no século XIX ......................................... 24 4.3 Políticas Sanitárias e controle urbano ................................................ 27 5 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE PÚBLICA E COLETIVA .............. 29 5.1 Saúde pública e saúde coletiva: distinções e intersecções ................ 30 6 EVOLUÇÃO DAS POLITICAS E DO SISTEMA DE SAÚDE ................... 33 6.1 Implantação do Sistema Único de Saúde – SUS ............................... 35 7 CONCLUSÃO ........................................................................................... 40 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 42 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE A conceitualização de saúde está relacionada ao contexto social, econômico, político e cultural. Em outras palavras, o conceito de saúde não é o mesmo para todos, pois varia conforme a época, o local e a classe social. Além disso, será influenciado por valores pessoais e por diferentes visões científicas, religiosas e filosóficas. O mesmo se aplica à definição de doença. O que é considerado uma doença, pode ter muitas variações (SCLIAR, 2007). Em consonância com estudos paleontológicos, as enfermidades, especialmente as infecciosas, são companheiras antigas da humanidade. Inclusive, múmias egípcias demonstraram sinais de doenças, como a varíola encontrada no Faraó Ramsés V. Desde tempos remotos, os humanos buscaram formas de lidar com essa ameaça que se definiu como doença. Em relação à religião, o conceito surgiu a partir da ideia de que a doença é resultado da ação de forças que invadem o corpo, em decorrência de pecados ou maldições. Para os hebreus antigos, a doença não era, por definição, um resultado da ação de demônios ou espíritos malignos; no entanto, em qualquer situação, era vista como uma manifestação da ira divina em resposta ao pecado dos seres humanos. (SCLIAR, 2007). A medicina grega constitui uma forma significativa de tratamento para doenças. Na mitologia grega, há vários deuses associados à saúde. Além de venerar Asclépio ou Esculápio, a divindade da medicina, os gregos também reverenciavam duas deusas: Higieia, que representa a Saúde, e Panacea, que simboliza a Cura. Higieia era uma das manifestações de Atena, a deusa da razão. O seu culto refletia a valorização dos hábitos de higiene. Embora Panacea tenha surgido com a ideia de cura universal (uma crença mágica ou religiosa), é importante notar que, para os gregos, a cura era obtida através do uso de plantas e métodos naturais, e não apenas por rituais. (NOVAES, 2016). A palavra saúde, em português, deriva do latim salus (salutis), que significa salvação, conservação da vida, cura, bem-estar. Em francês, santé (saúde) provém de sanitas (sanitatis), designando no latim sanus, que significa “são”, o que possui saúde. Conforme já mencionado, na concepção grega, higiene está relacionada a deusa 5 Hygea, chamada de Salus pelos romanos, a Deusa da Preservação da Saúde, Limpeza, Higiene. Há um plural idiomático para o termo saúde, logo, ele representa a afirmação positiva da vida, o estado positivo do viver. Desse modo, pode-se dizer que, saúde é, em sua origem etimológica, um “estado positivo do viver”, cabível a todos os seres viventes, em especial aos humanos (PEREIRA, 2008). A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, não aborda diretamente o conceito de saúde, mas declara que "a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, assegurando medidas políticas, sociais e econômicas que buscam reduzir o risco de doenças e outros agravos, além de garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde" (BRASIL, 1990). Este é o princípio que orienta o SUS - Sistema Único de Saúde, e que também ajuda a promover a dignidade dos brasileiros. 2.1 A Saúde no período colonial Em consonância com Pôrto (2006), a escravidão e as matanças iniciadas com a apreensão ou desocupação de terras e seu impacto na história, foi menor que o de doenças estrangeiras, o que é chamado de desastre demográfico para a população indígena pela historiografia. Os índios foram vítimas de diversas doenças, trazidas pelos colonos europeus, doenças para as quais eles não tinham defesa genética, como, por exemplo: Sarampo, Varíola, Rubéola, Escarlatina, Tuberculose, Febre Tifoide, Malária, Disenteria e Gripe. A saúde da população negra era bastante precária. Apesar das várias situações e atividades que os escravos africanos enfrentavam, assim como os tratamentos recebidos de seus senhores, os cronistas da época colonial destacam que os negros que laboravam na agricultura quase não tinham períodos de descanso, além de sofrerem severas punições e, em sua maior parte, estarem mal nutridos. O modelo de trabalho nas minas era totalmente distinto do que acontecia nos engenhos de açúcar. (EDLER, 2018). Conforme o autor, não é possível fazer uma generalização sobre a saúde da população branca, já que ela se encontrava em situações diversas durante aquele período. Nobres ou plebeus, aqueles que habitavam os grandes centros ou estavam 6 refugiados em engenhos ou fazendas; mercadores, médicos, advogados, membros do clero regular vivendo em mosteiros ou em vilarejos do interior, ou ainda estabelecidos em regiões de mineração e liderando rebanhos, todos esses grupos tiveram seus estilos de vida influenciados, especialmente no que diz respeito aoso 2º PND teve o mérito de incluir na agenda do planejamento estatal prioridades sociais como educação, saúde e infraestrutura de serviços urbanos. No que diz respeito à qualidade de vida, o período evidenciou uma maior articulação dentro do Ministério da Saúde (MS), que aumentou o repasse de recursos para os estados e começou a implementar projetos verticais voltados ao controle de determinadas doenças, como a Hanseníase, a Tuberculose e o Câncer, 35 O regime, através da lei nº 6.229, estabeleceu o Sistema Nacional de Saúde. A literatura que analisa esse período aponta que a criação desse Sistema foi uma iniciativa que acabou por consolidar, tanto no Ministério da Saúde (MS) quanto no Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), há distinção entre os âmbitos de atuação da saúde pública e da assistência médica previdenciária. De acordo com o texto da lei, à pasta da Saúde competia a coordenação da vigilância epidemiológica em todo o território nacional, bem como a fiscalização e o controle sanitários, além de outras medidas e ações de caráter coletivo. Quanto ao MPAS, caberiam a ele as responsabilidades de coordenação dos serviços assistenciais, além de outras ações mais focadas na atenção à saúde individual (ESCOREL, 2008; ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005). A mesma lei estabeleceria uma base legal para uma questão central na gestão do SUS, que permanece até os dias de hoje: a separação entre sistemas responsáveis pela formação de recursos humanos e as necessidades do sistema de saúde. Isso ocorre porque, de acordo com a nova legislação, o Ministério da Educação e Cultura seria responsável pelas políticas de formação e habilitação de profissionais de nível superior, técnico e auxiliar para o sistema de saúde, pela manutenção dos hospitais universitários e de ensino, bem como pela elaboração de diretrizes para a formação de pessoal nessa área. A ausência de coordenação e alinhamento entre o sistema de formação de recursos humanos no país e as necessidades epidemiológicas e de atenção à população, percebida nos serviços de saúde, se tornará uma das questões mais urgentes a serem abordadas para o adequado funcionamento do sistema de saúde brasileiro atual. 6.1 Implantação do Sistema Único de Saúde – SUS A Constituição Federal de 1988 estabelece a criação do SUS regulamentado pelas leis 8.080/90 e 8.142/90, que tratam da participação da população nos serviços (BRASIL, 1990a, 1990b). A partir dessa criação o sistema de saúde pública do Brasil passa a ser denominado Sistema Único de Saúde (SUS). Como sua implementação, ocorreu uma transformação no conceito de saúde no Brasil: ela passou a não ser vista 36 apenas como a ausência de doenças, mas também como a prevenção de agravos, passando a integrar o planejamento das políticas públicas, visando promover a saúde, prevenir a ocorrência de doenças e auxiliar na recuperação dos indivíduos. Nesse cenário, a assistência oferecida em instituições de saúde gera uma quantidade significativa de resíduos, conhecidos como resíduos de serviços de saúde (RSS). As políticas de gerenciamento desses resíduos visam reduzir sua produção e garantir um encaminhamento seguro e eficiente, com o objetivo de proteger os trabalhadores e preservar a saúde pública, os recursos naturais e o meio ambiente. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a saúde é um direito de todos e uma obrigação do Estado (BRASIL, 1988). Com isso, foi instituído o SUS, um sistema público de saúde que vai desde o atendimento para medir a pressão arterial até a realização de transplantes de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito a toda a população brasileira. Nesse contexto, a rede que forma o SUS é extensa e inclui tanto ações quanto serviços de saúde. Ela abrange a atenção básica, serviços de média e alta complexidade, serviços de urgência e emergência, atenção hospitalar, além de ações e serviços relacionados às vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental, e assistência farmacêutica. A administração das ações e serviços de saúde se dá entre as três esferas da Federação: a União, os Estados e os municípios. Dessa forma, o SUS é financiado por recursos oriundos dos orçamentos da União, dos Estados e dos municípios. Portanto, é responsabilidade do Estado assegurar esse direito à saúde, o que implica em desenvolver, formular e implementar políticas econômicas e sociais para garantir esse direito. A estrutura do SUS é formada por centros e postos de saúde, hospitais, laboratórios, hemocentros, vigilância sanitária, vigilância epidemiológica e vigilância ambiental. Além disso, também estão incluídas as instituições e fundações dedicadas à pesquisa acadêmica e científica. Os princípios e diretrizes do SUS estão delineados na Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela Lei nº 8.080/1990, que é conhecida como a Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990a). Esses princípios são classificados em doutrinários e organizativos. 37 Os princípios doutrinários têm como objetivo assegurar que a saúde seja entendida como um estado de pleno bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a mera ausência de doenças. São classificados em três princípios: • A universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência – garante que todas as pessoas possam acessar os serviços de saúde, independentemente de sexo, raça, condição social ou ocupação, sem discriminação ou privilégios de qualquer tipo. Essa universalidade assegura o acesso a todos os cidadãos. • A integralidade de assistência – esse princípio entende as pessoas como um todo, buscando atender a todas as suas necessidades. Trata-se de um conjunto contínuo de ações e serviços, tanto preventivos quanto curativos, que são individuais e coletivos, e que são necessários para cada situação em todos os níveis de complexidade do sistema. A integralidade considera o indivíduo em sua totalidade. • Equidade – refere-se à igualdade no acesso à assistência à saúde, sem discriminações ou privilégios de qualquer tipo. Abrange ações e serviços que são priorizados com base em situações de risco e nas condições de vida e saúde de certos indivíduos e grupos populacionais. Assim, embora todas as pessoas tenham direito aos serviços, elas não são iguais, o que implica em necessidades diferentes. Em outras palavras, equidade significa tratar de maneira desigual aqueles que são desiguais, direcionando mais recursos para onde a necessidade é maior. Para isso, a rede de serviços deve estar atenta às verdadeiras necessidades da população que atende. A equidade busca promover a justiça social. Os três princípios organizativos do SUS, definidos pela Lei nº. 8.080/1990 (BRASIL, 1990a), são: • Regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde — isso implica que os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade. Regionalização refere-se à definição da área e da população 38 que serão atendidas; hierarquização indica que o acesso da população ao SUS começa pelos serviços de nível primário (atenção básica), que devem estar capacitados para atender e resolver a maior parte dos problemas de saúde. Os casos que não puderem ser solucionados devem ser encaminhados para os serviços de maior complexidade tecnológica. • Descentralização dos serviços e ações de saúde — trata-se de distribuir a responsabilidade entre os três níveis de governo, com o objetivo de aprimorar a qualidade e assegurar um controle e fiscalização mais efetivos. A responsabilidade pelos serviços deve ser transferida para os municípios, ou seja, é necessário oferecer a eles as condições gerenciais, técnicas, administrativas e financeiras para desempenhar essa função. Dessa forma, a União (ministro da saúde) atua como a autoridade sanitária do SUS; nos Estados, os secretários estaduaisde saúde; e, nos municípios, os secretários ou chefes de departamentos de saúde. Esses são os gestores do SUS. • Participação da comunidade — a sociedade deve estar envolvida no cotidiano do sistema. Para isso, foram instituídos os conselhos e as conferências de saúde pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990b), com o objetivo de formular estratégias, controlar e avaliar a implementação das políticas de saúde. Os conselhos de saúde são formados por membros que representam toda a sociedade. As conferências ligadas nessa área funcionam como fóruns que incluem representantes de diversos segmentos, responsáveis por elaborar diretrizes e avaliar a situação, contribuindo para a definição das políticas em torno do assunto. De acordo com a Constituição Federal, as ações e os serviços públicos de saúde formam um sistema único, estruturado com base nas seguintes diretrizes (BRASIL, 1988): • Descentralização, com uma única direção em cada nível de governo; • atendimento completo, priorizando as atividades preventivas, sem desconsiderar os serviços assistenciais; • envolvimento da comunidade; 39 • controlar e supervisionar procedimentos, produtos e substâncias relevantes para a saúde; • participar da fabricação de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; • realizar ações de vigilância sanitária e epidemiológica, além das voltadas para a saúde do trabalhador; • organizar a formação de profissionais na área da saúde; • contribuir na elaboração da política e na execução das ações de saneamento básico; • promover, em sua área de atuação, o avanço científico e tecnológico; • fiscalizar e inspecionar alimentos, incluindo o controle de seu valor nutricional, assim como bebidas e águas potáveis; • participar do controle e da fiscalização da produção, transporte, armazenamento e uso de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; • colaborar na proteção do meio ambiente, incluindo o ambiente de trabalho. A legislação que fundamenta o SUS é composta pela Constituição Federal (artigos 196 a 200), pela Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990), pelas Normas Operacionais Básicas (NOB) e pelo Decreto 7.508/2011, que regulamenta tanto a Lei 8.080/1990 quanto a Lei 8.142/1990 (BRASIL, 1990). No que se refere aos recursos financeiros, a Lei Complementar nº 141/2012 estabelece os valores mínimos que devem ser investidos anualmente pelas três esferas de governo. Ela define os critérios para a distribuição de recursos destinados às transferências e às normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas em Saúde (BRASIL, 2012). O Estado deve alocar, no mínimo, 12% da arrecadação líquida de impostos para ações e serviços públicos ligado a ela (saúde). Entretanto, não foi estabelecido o que deveria ser considerado como gastos com a saúde. Apesar da falta de uma definição no texto constitucional, a consolidação do SUS prosseguiu, e aqueles encarregados de sua implementação passaram a adotar como referência os princípios da Lei Orgânica da Saúde. 40 7 CONCLUSÃO O cenário da saúde no Brasil antes da implementação do SUS era bastante distinto do que observamos hoje. Naquela época, ela era entendida como a simples ausência de doenças, a assistência era predominantemente voltada para o atendimento médico-hospitalar, a promoção à saúde era uma responsabilidade exclusiva do Ministério da Saúde (MS), e todas as iniciativas da área eram centralizadas no governo federal, sem a participação das unidades federativas e dos municípios. Nesse contexto, o acesso dos brasileiros à assistência era limitado. De forma geral, pode-se afirmar que a população estava dividida em três grupos: aqueles que podiam arcar com os custos dos serviços de saúde; os trabalhadores que contribuíam para o Instituto Nacional de Previdência Médica da Previdência Social (INAMPS) e, portanto, tinham direito à assistência oferecida por esse instituto; e os que não tinham direito a nenhum tipo de assistência, conhecidos como "indigentes", que dependiam completamente de iniciativas filantrópicas e de caridade. No que se refere à promoção da saúde e à prevenção de doenças, as iniciativas eram realizadas pelo Ministério da Saúde (MS) e focavam principalmente em campanhas de vacinação e no controle de endemias. Essas eram as únicas ações implementadas com caráter universal, ou seja, sem qualquer tipo de discriminação em relação à população atendida. A realidade social desse período era caracterizada pela exclusão da maioria dos cidadãos do direito à saúde e pelo aumento de doenças como verminoses e aquelas associadas à falta de saneamento básico. Essa situação começou a ser contestada por grupos da sociedade civil e profissionais da área que, de maneira organizada, iniciaram um debate sobre o futuro da saúde no Brasil. Em uma perspectiva global, percebia-se uma tendência a mudanças, claramente expressa na Declaração de Alma-Ata, que foi elaborada ao final da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em 1978. Este documento ressalta a importância da participação ativa dos Estados na saúde de sua população, promovendo políticas que visem o bem-estar físico, mental e social como direitos fundamentais dos cidadãos, enfatizando que os cuidados primários são direitos essenciais e devem ser a principal prioridade social de todos os governos. 41 Esse contexto, que ocorreu juntamente com o processo de redemocratização e o amadurecimento das ideias da Reforma Sanitária, culminou no que é visto como um marco histórico no Brasil: a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. O Relatório Final dessa Conferência aponta o Estado como responsável por garantir o direito à saúde para toda a população e aprova a proposta de criação do SUS (CONFERÊNCIA..., 1986). A implementação do SUS constituiu o mais significativo movimento de inclusão social já registrado na história do Brasil e simbolizou uma declaração política do compromisso do Estado brasileiro em relação aos direitos de seus cidadãos, tendo como um dos mais importantes princípios a universalização do acesso às ações e serviços de saúde. 42 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. F. – Emigração e sanitarismo – Porto e Brasil no século XIX. 2005. BAPTISTA, T. W. F. História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde. In: MATTA, G. C.; MOURA, A. L. (Orgs.). Políticas de saúde: organização e operacionalização do sistema único de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007. BARATA, R. B. Cem anos de endemias e epidemias. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, SP, v. 5, ed. 2ª, p. 333-345, 20 ago. 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://abrir.link/fKJwq. 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É evidente que as condições de vida dos Barnabés, vendedores ambulantes, artesãos, mecânicos, capatazes, soldados de baixo escalão, mendigos e os mais pobres, de modo geral, não eram superiores a algumas classes de escravos, além de que todos esses grupos viviam afastados da elite branca. Segundo os ensinamentos de Edler, “A Igreja Católica era o suporte da vida cultural da colônia, e as ordens religiosas constituíam a ponta de lança da Igreja na propagação da fé e da cultura cristã” (EDLER, 2018). Para os cristãos, o cuidado com a saúde física era fundamental para a salvação espiritual. A enfermidade era considerada uma manifestação do pecado ou da graça divina. Os ensinamentos bíblicos, exemplificados por Jesus, indicam que o amor pelos doentes era uma bênção sagrada, abrangendo não apenas os profissionais treinados. A fé cristã enfatizava que o ato de cuidar e curar deveria ser uma vocação de todos, representando um gesto de humildade consciente e, assim, uma parte essencial da Caritas cristã. Durante as procissões promovidas pela Irmandade, tanto nas igrejas quanto nas residências, as orações pediam a ajuda dos santos, cada um simbolizando sua área de atuação. São Sebastião era invocado para evitar epidemias, Santa Lúcia para aliviar dores de dente, Santo Adrião contra a peste e fraturas, e Santo Alberto para as sezões. (EDLER, 2018). 2.2 A origem das Santas Casas de Misericórdia Com a implementação das Capitanias Hereditárias em 1534, que foram atribuídas a nobres com o objetivo de restringir os recursos da Coroa e permitir a exploração das terras recém-descobertas, os nobres necessitavam de trabalhadores em boas condições físicas. No entanto, preocupados com a propagação de doenças e sem uma estrutura adequada de saúde para a população, o governo introduziu em 1943 7 no Brasil as Irmandades das Santas Casas, com a finalidade de apoiar aqueles que adoeciam. Segundo Paim (2010), a primeira Santa Casa foi criada em 1543, quando Brás Cubas estabeleceu, em Santos, a Irmandade da Misericórdia e o Hospital de Todos os Santos. Em seguida, foram fundadas as Santas Casas de Olinda, Bahia, Rio de Janeiro, Belém e São Paulo. Dessa maneira, a ajuda aos pobres era responsabilidade da caridade cristã, que oferecia abrigo a indigentes, viajantes e doentes. Entretanto, a situação em relação à saúde era de negligência. No início da colonização, a mão de obra era proveniente da escravização dos indígenas. Assim, a assistência à saúde quase não sofreu alterações com a chegada da nova mão de obra escrava, vinda do continente africano. As pessoas adoeciam e faleciam em suas residências, em instituições filantrópicas ou simplesmente à mercê da sorte. A manutenção da ordem era realizada por importantes figuras de alto prestígio social, devido ao legado de seus integrantes e a recursos diretos da Coroa. Sob a orientação de São Francisco e do Carmo, foram fundados no século XVIII quatro hospitais voltados para o acolhimento dos confrades. Desde o século XVI, a maioria dos hospitais da Santa Casa da Misericórdia enfrentou condições de pobreza contínua e prestou atendimento a pessoas indigentes e em estado terminal em 15 cidades brasileiras. Conforme afirma Edler (2018), durante todo o período colonial, habitantes de cidades e vilas solicitavam aos governantes a presença de médicos. Foram enviadas cartas ao rei expressando a preocupação com a saúde dos súditos e lamentando a escassez de recursos médicos e farmácias necessárias para tratar suas doenças. No entanto, o grande desafio era encontrar médicos dispostos a se deslocar para a colônia. A falta de uma clientela com recursos que justificasse a ida à metrópole tornava a permanência no Brasil dependente da obtenção de alguma posição, geralmente ligada à política ou à Câmara. Contudo, com o crescimento das doenças e as condições inadequadas dos serviços de saneamento, tornou-se necessário implementar uma Política de Saúde. Outro elemento que influenciou essa necessidade foi a chegada da família Real portuguesa ao Brasil, em 1808, com o intuito de explorar ainda mais as riquezas, especialmente os produtos agrícolas. 8 2.3 Institucionalização da medicina no Brasil Imperial O exercício da medicina no Brasil, até a criação da Junta do Protomedicato no Reinado de D. Maria I, em 1782, era facultado apenas a físicos e cirurgiões portando de atestado de habilitação, e certificados pelos comissários das duas autoridades médicas dominantes, que eram o cirurgião-mor e o físico-mor. Os representantes diretos do poder real, residiam de início, somente nas povoações maiores, mas a partir do século XVIII os regimentos sanitários passaram a receber mais observações com a presença de comissários em um número maior de cidades e vilas (EDLER, 2018). Os físicos atuavam como médicos da Coroa, da Câmara e das tropas nas principais cidades e vilas, sendo numericamente pouco expressivos. Ainda no século XVIII em cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, apenas três ou quatro físicos realizavam suas atividades. Os exames, diagnósticos e o receituário dos pacientes eram de suas responsabilidades. Já os cirurgiões, eram responsáveis pelos ofícios manuais, e considerados socialmente inferiores os que exigiam o uso de ferros de lancetas, de tesouras, de escalpelos, de cautérios e de agulhas. O desempenho dos cirurgiões estava limitado às sangrias, à cura de feridas e fraturas, e à aplicação de ventosas, a administração de medicamentos internos era proibida por ser privilégio dos médicos formados em Coimbra (EDLER, 2018). Por volta de 1808, quando surgiram as escolas de medicina, houve um rompimento da prática de cerceamento feita pela metrópole, o que acabou possibilitando a formação de médicos no país. Inúmeros boticários prestaram exames no Brasil entre os anos de 1707 e 1749. No período de D. Maria I, foram registrados quatorze, e no período Joanino (1808 -1821) cento e quarenta e oito boticários foram examinados pela Fisicatura-mor. A criação da primeira organização nacional de saúde pública no Brasil, em 1808, criou o cargo de chefe da saúde da corte e do estado em 27 de fevereiro, que foi o embrião do Serviço de Saúde dos Portos com delegados nos estados. O Alvará sobre regimentos e jurisdição do Físico-Mor e Cirurgião-Mor e seus delegados foi autorizado em 23/11/1808 (BRASIL, 2017). 9 No ano de 1828, foi instituída a lei de Municipalização dos Serviços de Saúde em 30 de agosto. Desde então ficou conferida às Juntas Municipais e criadas as funções exercidas anteriormente pelo Físico-Mor, Cirurgião-Mor e seus Delegados. Foi nessa mesma época que ocorreu a criação da Inspeção de Saúde Pública do Porto do Rio de Janeiro, subordinada ao Senado da Câmara, sendo que em 1833, foi duplicado o número dos integrantes. Com o surgimento da Revolução Industrial, houve um impacto significativo na estrutura social e na saúde pública, pois a migração em massa da população de pequenas comunidades rurais para os centros urbanos gerou consequências graves. Essa movimentação criou condições favoráveis para o surgimento de epidemias severas, resultando em surtos que afetaram a saúde da população de maneira alarmante. Antes de 1850 o campo de atividades de saúde pública se limitava em: • Delegar funções de saúde ao conselho municipal; e • Controlar a saúde de navios, portos e autoridades de vacinação para prevenir a varíola. A Tuberculose, que possui uma longa trajetória histórica, encontrou novas condições que favoreceram seu aumento, resultando em uma maior incidência e mortalidade. Essa doença se tornou uma das principais causas de morte, afetando especialmente os jovens em suas idades mais produtivas. Já o ano de 1851, foi marcado por uma série de eventosque contribuíram para a saúde pública no país: • Ocorreu a regulamentação da lei que estabeleceu a Junta Central de Higiene Pública, submissa ao Ministro do Império; • Foi aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinário, destinado às despesas com providências sanitárias tendentes a impedir o progresso da Febre Amarela, prevenindo o seu reaparecimento, bem como socorrer os enfermos necessitados por meio do Decreto n. º 752, de 8/1/1851; 10 • Foi determinado a execução do regulamento do registro dos nascimentos e óbitos por meio do Decreto n. º 798, de 18/6/1851; • Foi aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinário destinando às despesas com a epidemia de bexigas na província do Pará e em outras através do Decreto n. º 826, de 26/9/1851; • Foi definido também o regimento da junta de Higiene Pública por meio do Decreto n. º 828, de 29/9/1851; • Aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinário destinando às despesas com a junta de Higiene Pública naquele exercício através do Decreto n. º 835, de 3/10/1851. De acordo com Ministério da Saúde, no ano de 1878 foi determinado através do Decreto n. º 7.027/78 (BRASIL, 1878) e à critério das autoridades de saúde (sanitárias), que, após as mortes por doenças infecciosas, fossem realizadas a desinfecção terminal das casas e estabelecimentos, sejam eles públicos ou particulares. Em 1897 os serviços de saúde pública estavam sob a jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores abrangidos na Administração Geral de Saúde Pública. De acordo com Machado et al. (1978, p.155), o século XIX marcou o início da infiltração da medicina na sociedade, reconhecendo o ambiente urbano como um espaço de reflexão e prática médica. Nesse período, a medicina passou a ser vista como um suporte científico para o poder estatal. A medicina social que surgiu nessa época se espalhou por diversas áreas, incluindo as instituições estatais, e propôs uma nova política científica. Sem discutir o contexto histórico do Brasil, caracterizado por um Estado escravocrata e aristocrático, o autor sugere que a criação de um novo tipo de indivíduo e de uma população adequada à sociedade capitalista estava intrinsecamente ligada a um modelo de medicina que interligava saúde e sociedade. Em relação ao processo de intervenção da medicina na sociedade, que se prolonga até os dias atuais, criticando a “medicalização”, apresentando uma perspectiva de denúncia sobre o trabalho nesse contexto. 11 2.4 Novas diretrizes para saúde: O Governo Vargas (1930-1945) A primeira fase do Governo Vargas foi formada pela administração provisória criada pela revolução de 1930, que introduziu importantes mudanças nos direitos civis em geral e nas políticas sociais brasileiras em particular. As mais importantes foram: a introdução do voto secreto e do sufrágio feminino em 1932 (Fausto, 2000); a criação do Departamento de Educação e Saúde Pública (MESP) em 1930 (Decreto n. º 19.402, de 14 de novembro de 1930) e a criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM) em 1933 (Fausto, 1995). A criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM) deu início à transformação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS) em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS), sob a supervisão do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), que mais tarde se tornou o Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS). Os IAPS foram estruturados de acordo com o modelo típico do sistema de seguridade social, organizando-se por categorias profissionais ou econômicas. Durante a década de 1930, surgiram diversos IAPS, como o IAPB para bancários, o IAPI para industriários, o IAPTEC para transportes e cargas, o IPASE para servidores do Estado, o IAPC para comerciários e o IAPFESP para ferroviários e empregados em serviços públicos. Esses institutos eram destinados exclusivamente aos trabalhadores do mercado formal nas cidades, deixando os trabalhadores rurais e informais sem acesso aos benefícios previdenciários e de saúde. Apesar de atenderem apenas uma parte da população, os IAPS tiveram um impacto social muito mais abrangente do que as CAPS, especialmente devido ao crescimento da urbanização e industrialização a partir dos anos 1930. Em 1945, o número de segurados nos IAPS alcançou 2,8 milhões, um aumento significativo em relação aos 140 mil segurados registrados em 1930. (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). Uma das características mais relevantes dos IAPS, que os diferenciava das CAPS, era a forte intervenção do Estado, que designava o presidente dos colegiados de gestão, os quais também contavam com representantes de empregadores e trabalhadores. Em relação à estrutura de receitas, as contribuições das empresas e dos trabalhadores passaram a ser coletadas pelo governo federal, que posteriormente as 12 repassava para os IAPS. A gestão financeira do sistema previdenciário era fundamentada no regime de capitalização, com a obrigação de formar reservas financeiras para assegurar as aposentadorias e pensões futuras. No entanto, a administração dessas reservas nem sempre foi feita de maneira criteriosa; no início, existiam diretrizes específicas para a aplicação dos recursos. Muitas vezes, os investimentos não tinham como objetivo maximizar os ganhos financeiros, mas sim financiar atividades com retorno econômico incerto. De acordo com esses mesmos autores, em 1955, os montantes aplicados em títulos e valores mobiliários, que obtinham rendimentos mais elevados, representaram apenas 30% do Patrimonio total. Esse montante foi reduzido para 13% em 1964, deteriorando as situações econômicas dos IAPS. Os recursos dos IAPS teriam sido gastos em outros investimentos de retorno duvidoso para o Estado, tais como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. Tais recursos nunca teriam retornado aos caixas dos institutos. O centro da atenção dos IAPS era o financiamento das aposentadorias e pensões. Nem todos os institutos ofereciam assistência médica aos seus segurados, apenas o IAPM e o IAPB ofereceram desde o início este tipo de assistência. Os segurados do IAPC, por exemplo, passaram a contar com essa proteção em 1940, e os do IAPI, em 1953. A unificação dos benefícios foi estabelecida em 1960, quando foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social (MATIJASCIC, 2002). Assim como as Caps, os IAPS ofereciam assistência médica principalmente por meio de serviços terceirizados. As primeiras unidades de saúde dos institutos só foram criadas no final da década de 1940 e já se limitavam a alguns grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo. A experiência do IAPS na área de assistência médica ampliou a tendência iniciada pelos Caps de fortalecer o mercado privado de serviços de saúde no país. Matijascic (2002), aponta que uma das principais causas da deterioração financeira do sistema previdenciário foi o forte aumento dos gastos com serviços médicos. As despesas médicas representavam, em 1940, 13,4% do total dos gastos dos IAPS, enquanto em 1967, atingiram 29,6%. A dicotomia de saúde pública centrada, de um lado, em áreas preventivas, imunização, saneamento e controle de vetores, e de 13 outro, na assistência médica de caráter curativo e especializado oferecida pelo sistema previdenciário continuou durante todo o período. Enquanto o sistema previdenciário financiava a assistência médica para uma parcela da população urbana, o MESP financiava as áreas de saúde pública de caráter coletivo, desenvolvidas, sobretudo, no interior do país (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005). Em 1937, o antigo Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) foi substituído pelo Departamento Nacional de Saúde (DNS). Em 1942, com oapoio dos Estados Unidos e em decorrência do esforço de guerra dos aliados, foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), uma autarquia pública vinculada ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), ao qual o DNS estava subordinado. O SESP tinha como objetivo inicial a organização de instalações sanitárias e a promoção da saúde integral da população nas áreas produtoras de borracha, na Amazônia, e de ferro, em Minas Gerais. 2.5 A criação do Instituto de Aposentados e Pensões - IAPS A política de proteção ao trabalhador iniciada pelo governo Vargas marcou a trajetória de expansão e consolidação dos direitos sociais. Algumas políticas são importantes: carteira profissional obrigatória para trabalhadores urbanos, definição da jornada de oito horas, direito a férias e leis de salário mínimo. Nessa fase, foi criado o Instituto de Aposentados e Pensões (IAPS), ampliando a atuação dos Caps e constituindo a primeira minuta do sistema previdenciário brasileiro. O IAPS passou a reunir no mesmo órgão categorias profissionais inteiras, não apenas empresas, Agências Marítimas (IAPM), Trabalhadores Comerciais (IAPC), Industriais (IAPI) e outras, e dependia do envolvimento do Estado em sua gestão, controle e financiamento. Com o IAPS, começa a montagem do sistema público de previdência social, mantendo os trabalhadores na forma de títulos formais de contribuição para garantir os benefícios. O trabalhador que não contribuísse para os institutos era excluído do regime de proteção. Eram eles: trabalhadores agrícolas, autônomos e qualquer trabalhador que exercia uma função não reconhecida pelo Estado. A seguridade social era privilégio de poucos presos, deixando grandes segmentos da população, especialmente os mais vulneráveis, vítimas da injustiça social. 14 Outra particularidade deste modelo foi a desagregação dos benefícios por grupo ocupacional. Cada IAP organizou e ofereceu a seus colaboradores uma lista de benefícios condizentes com a capacidade contributiva e organizacional de cada categoria, tornando algumas categorias profissionais mais privilegiadas que outras. As categorias economicamente mais poderosas, como industriais, banqueiros, tinham maior disponibilidade de recursos, e na saúde isso significou um melhor padrão de atendimento médico-hospitalar, diferenciado por categoria, e a manutenção da desigualdade social mesmo entre os trabalhadores pobres (BAPTISTA, 2007). 3 ARTE DE CURAR NO SÉCULO XIX A saúde pública é uma questão de relevância global. Ao longo da história, sua trajetória foi marcada por contradições e, frequentemente, condenada por preconceitos. No Brasil colonial, os problemas da medicina surgiram da quase ausência de profissionais na área, do baixo interesse dos médicos portugueses em se estabelecer no país e da proibição de se criar instituições de ensino superior na colônia. Esses fatores levaram muitos habitantes a preferirem a arte de curar praticada por curandeiros e pajés. Nesse contexto histórico complexo e diversificado, a distinção entre médicos eruditos, que se dedicavam aos estudos, e cirurgiões práticos era bastante evidente. (MIRANDA, 2017). A reorganização do espaço hospitalar no Brasil colonial se fez paulatinamente, principalmente nos hospitais militares no início do século XIX. A reputação era péssima devido às condições precárias de higiene, acomodações insuficientes (onde os pacientes eram acumulados em enfermarias) e o descaso da administração pública em proporcionar melhores instalações físicas. Fatores que contribuíram para que a organização do seu espaço interior fosse retardada. Somente na segunda metade do século XIX que houve a reorganização do espaço hospitalar, iniciando pelo Hospital Pedro II (MIRANDA, 2017). George Stahl considerava que a ação natural dos órgãos era resultado da ação reguladora de uma alma sensitiva, responsável pela distribuição igual e bem ordenada do espírito vital sediado no corpo, ou seja, o vitalismo. 15 Com uma abordagem mecanicista, Friedrich Hoffmann via o corpo humano como uma máquina, com o movimento resultante de seu funcionamento sendo a manifestação da vida. Segundo Hoffmann, o corpo segue as leis da hidráulica e é fundamentado no sistema de circulação dos humores. Esses movimentos são provocados pelos alimentos que, após serem assimilados pelo sangue, são enviados ao cérebro, onde um fluido nervoso é produzido para manter o movimento e, consequentemente, as contrações do coração. Ele também afirmava que as doenças surgiam devido a alterações nos humores, causadas por intervenções anormais que desequilibravam os espíritos sutis, resultando em desordens na circulação do sangue (MIRANDA, 2017). Conforme o mesmo autor, apesar dos erros em sua doutrina, Hoffmann merece crédito por ter desempenhado um papel significativo nas pesquisas sobre o sistema nervoso e suas funções vitais para o corpo. As artes de cura são praticadas no Brasil desde os tempos coloniais e transmitidas às gerações seguintes por quem as pratica. A cura era realizada por: • Curandeiros; • Boticários; • Barbeiros sangradores; • Parteiras; entre outros. Já no século XIX, demonstrou-se que as práticas sociais e culturais circunscritas foram preservadas, seja pela tradição popular, pelo desenvolvimento de novos procedimentos administrativos de atenção à saúde, ou mesmo como forma de prevenção alcançada pela chamada medicina acadêmica. (MIRANDA, 2017). 3.1 Conflitos entre a medicina e outras práticas de cura A década de 1880 no Brasil foi marcada por transformações profundas, como a abolição da escravidão e o início da Proclamação da República. Nesse cenário, a Paraíba emerge como um espaço de significativas mudanças sociais e culturais. A obra de Coriolano de Medeiros destaca a figura do curandeiro Antônio Mão Santa, que é 16 descrito pelo autor de maneira a refletir sua influência e importância na sociedade paraibana. Mão Santa é caracterizado como um indivíduo “afamado e rico” (MEDEIROS, 1994, p. 69): Nos últimos anos da década de 1880 com a abolição da escravidão e o início do processo de Proclamação da República, a Paraíba registrou uma interessante história na memorável obra de Coriolano de Medeiros. Segundo o memorial, trata-se do curandeiro Antônio Mão Santa: “afamado e rico” (MEDEIROS, 1994, p. 69). O caso "Mão Santa" como ficou conhecido o curandeiro, ajuda a compreender melhor a posição da prática da cura quando se trata da medicina acadêmica, ao mesmo tempo em que se percebe uma falta de confiança nos métodos de tratamento médico. Conforme expõe o autor ao discutir o feito mais notável do renomado curandeiro paraguaio: Poucos dias depois de sua instalação, foi Mão Santa solicitado para curar o filho do Capitão do Porto Queiroz, o qual não obtivera melhoras com as receitas médicas, tendo sido mesmo desenganado. As esperanças dos pais do enfermo se voltaram para o curandeiro e o êxito não se demorou. Num momento toda a cidade se inteirava do milagre, e o Capitão do Porto não somente deu ao curandeiro sua estima como o acreditou perante várias famílias respeitáveis. Desta sorte se firmou e se consolidou o prestígio de Mão Santa na então cidade da Paraíba. (MEDEIROS, 1994, p. 70). O autor menciona que, no caso de Mão Santa, houve uma alteração na hierarquia dos cuidados médicos da época, fazendo com que o curandeiro adquirisse mais prestígio do que o médico. Isso ocorreu devido ao tratamento que foi dado ao capitão do filho de Porto. Essa situação foi gerada pelo sucesso do curandeiro em curar uma doença que a medicina não conseguiu resolver. 3.2 Curandeirismos Ariosvaldo da Silva Diniz conduziu um estudo em 2011, mencionado por Silva e Mariano (2020), que tratou de aspectos da epidemia de Cólera que surgiu na província de Pernambuco em 1856. Esse estudo destaca os diversos agentes de cura que se dirigiramao ambiente insalubre do Recife para enfrentar a doença, cuja causa e tratamento eram desconhecidos na época. 17 Sem dúvida, a menção do "curandeirismo" no Império brasileiro faz refletir sobre o significado do termo, não apenas para entendê-lo como uma noção voltada para quem o pratica (especialmente o curandeiro), mas também para enfocar a sua gradual ressignificação na história brasileira. Silva e Mariano (2020), argumenta-se que o termo "cura" inclui uma variedade de saberes populares e agentes de cura vinculados a diversas tradições e culturas, que possuíam seu espaço e validade junto aos doentes. Assim, a partir dessa afirmação, o termo "curandeirismo" não é mais utilizado no singular, mas sim no plural "curandeirismos", para refletir os diferentes conhecimentos tradicionais sobre os variados métodos de práticas de cura que eram empregados. A década de 1880 se destaca como um período estratégico para tratar do assunto, sobretudo, se considerarmos não somente o crescimento da medicina acadêmica, mas também os chamados “práticos", que eram todas as pessoas que se envolveram na arte da reabilitação e cura, mas não receberam nenhuma formação acadêmica para tal. Numa sociedade marcada pela estrutura do poder médico-higienista em ascensão, a presença dos práticos certamente causaria desconforto, afinal, desprovidos de formação acadêmica e do aval das ciências – parte constitutiva do discurso médico –, pouco ou quase nada poderiam fazer em termos legais. Segundo Tânia Salgado Pimenta, dentro da legalidade, só poderiam exercer as artes e ofícios de curar os práticos que possuíssem licenças para tal atividade, cuja prova passaria pelo crivo, desde fins do século XVIII e início do XIX, da antiga Real Junta do Protomedicado, órgão criado por D. Maria I em 1782 e que é substituída em 1808 pela Fisicatura até o ano de 1828, quando, após isso, as práticas de cura passam a ser fiscalizadas pelas Câmaras Municipais locais (PIMENTA, 2003, p.307) Sabe-se pelos documentos oficiais das instituições médicas citadas que as artes de cura dependiam da legalidade imperial, a maioria das atividades relacionadas aos curandeirismos, continuaram sendo realizadas pelos curandeiros e seus colegas, em larga escala, ainda que não possuíssem carta oficial ou autorização. Esses agentes (curandeiros) mantinham uma considerável popularidade e prestígio entre a população, uma vez que, desde o período colonial, era comum buscar auxílio com curandeiros em situações de problemas de saúde. A demanda era intensa, e esses profissionais atendiam tanto os mais pobres quanto a elite. Essa situação provocou um verdadeiro confronto entre o conhecimento médico-científico e os 18 curandeirismos, cujas práticas estavam favorecendo mais os curandeiros do que os médicos alopáticos ou homeopáticos. 3.3 Barbearias (sangradores) Ao analisar a atuação dos barbeiros sangrentos durante os períodos imperiais, nota-se que a profissão estava essencialmente influenciada por condições legais e raciais, envolvendo principalmente indivíduos livres ou escravizados. Uma parte dessa responsabilidade também recaía sobre os curandeiros, como aconteceu com Pai Manoel, que era um escravizado e se destacou como a figura central durante a epidemia de Cólera que atingiu o Recife em 1856. Diante da hierarquia da cura os barbeiros costumavam estar em posição de baixa credibilidade em relação aos médicos ou outros agentes da cura. Sob a manipulação das lâminas o processo alternava: • Sangrias; • Aplicação de ventosas; • Aplicação de sanguessugas; • Atuavam como dentistas; ou • Se tornando mais convencional, no campo da estética. Em relação à má reputação, e, diante dos confrontos da medicina, os barbeiros sangradores eram os menos hostis em relação às disputas por clientes, como mostra o Jornal da época O Popular em 1883: [...] A repartição de instrução publica tinha a sua cabeceira um médico, este vendo-se cercado de um doudo e um idiota, chamou para ajudá-lo um dentista barbeiro; com pouco mais estará morta aquela Sr. ª, encomendada e amortalhada pelo bedel que é mestre de tesoura (SILVA; MARIANO, 2020, p.40). Apesar de não terem estudado por muitos anos e de carecerem de conhecimentos básicos na área da ciência, os barbeiros exerciam uma certa influência sobre a população, a qual os médicos levaram anos para conquistar. Assim, os médicos solicitaram às autoridades que fossem tomadas providências para que pudessem 19 exercer suas práticas de maneira hegemônica. Para isso, foi necessário estabelecer a categoria de charlatão, que englobava todas as pessoas que atuavam na medicina ou na cura de forma diferente da medicina científica. Esse termo era usado de maneira hostil, em contraste com a identidade do médico, que se considerava o único profissional de confiança e detentor do conhecimento científico para tratar questões de saúde. (SAMPAIO, 2001). As atividades de curas ilegais estavam preocupando cada vez mais os doutores, por sentirem sua subsistência ameaçada, visto que essas atividades eram procuradas por vários setores da população levando a uma grande concorrência no campo de atuação na sociedade. Entretanto, conforme descreve ainda o autor: Os médicos não pretendiam apenas ser mais uma opção de cura respeitável e merecedora da confiança das pessoas simplesmente em função de seu compromisso com a ciência. Seu objetivo era ser a única opção existente, para que conseguissem definitivamente conquistar o poder e prestígio que acreditavam merecer como representantes da doutrina científica. Para tanto, necessitavam do apoio do poder que legisla, pois só com suas armas não conseguiriam atingir a legitimidade desejada. Os interesses de ambos eram comuns: a saúde dos povos deveria ser uma meta perseguida tanto por médicos quanto por autoridades (PIMENTA, 2003, p.54-55). 4 SAÚDE PÚBLICA O início das ações de Saúde Pública relacionadas às questões sanitárias, ocorreram na época da vinda da Família Real para o Brasil (1808), sendo caracterizada pela importância em manter a manutenção da mão de obra saudável que fosse capaz de manter os negócios da realeza. A preocupação com a Saúde Pública residia nas práticas de higiene e na atenção médica básica, atendendo as demandas expostas pela Família Real, bem como aos demais membros opulentos da sociedade (FARIA, 1997). Naquela época, fazia-se necessário controlar efetivamente as doenças tropicais que acometiam a população do país, doenças essas que eram desconhecidas pelos europeus como, por exemplo: • Febre amarela; e • Malária. 20 Algumas doenças que assolavam a população nos tempos do Brasil colônia trazidas pelos próprios europeus, como: • Peste bubônica; • Cólera; e • Varíola. Essas doenças levaram à situação que demandava a construção de um sistema sanitário eficaz de controle baseado no conhecimento das formas de transmissão e também no tratamento das mesmas. Diante da situação e com o aumento da preocupação com as condições de vida nas cidades, mais médicos vieram, instalando-se e dando início ao projeto de institucionalização do setor saúde no Brasil e a regulação da prática médica profissional. A primeira faculdade de medicina foi inaugurada no mesmo ano da chegada da Família Real, a Escola Médico-cirúrgica, localizada em Salvador, Bahia, visando institucionalizar os programas de ensino e normalizar a prática médica conforme os modelos europeus. Com o tempo os médicos estrangeiros foram substituídos por médicos brasileiros ou formados no Brasil. Esse período foi caracterizado pelo interesse em regular o exercício das atividades profissionais e sanitárias, em consonância com os interesses políticos e econômicos do Estado, que buscava garantir a sustentabilidade da produção de riqueza por meio do controle da mão de obra e da qualidade dos produtos. Paraisso, foram implementadas medidas voltadas ao controle de doenças, à disciplina e à normatização da prática profissional. (LIMA; LEMOS, 2020). As primeiras Políticas de Saúde Pública que surgiram no mundo e que, logo seriam colocadas em prática no Brasil eram voltadas principalmente para: • Proteção e saneamento das cidades, principalmente as portuárias, responsáveis pela comercialização e circulação dos produtos exportados; • Controle e observação das doenças e enfermos, inclusive e principalmente dos ambientes; 21 • Teorização acerca das doenças e construção de conhecimentos para adoção de práticas mais eficazes no controle das moléstias. Com a proclamação da República, em 1889, iniciou-se um novo ciclo na política estadual que se caracterizou pela fortificação e consolidação econômica. Nesse contexto, a política de saúde ganhou mais destaque, desempenhando um papel significativo na formação da identidade do próprio estado e de sua autoridade sobre o território e na conformação de uma ideologia de nacionalidade, configurando um esforço civilizatório (LIMA; LEMOS, 2020). Ainda conforme os autores, os problemas de saúde e saneamento se destacaram ao longo da história da saúde no Brasil exatamente nessa ordem. A agricultura era a principal base econômica do país, com o café vinculando o trabalho assalariado, que necessitava cada vez mais de mão de obra. As epidemias que se espalhavam entre os trabalhadores, devido às precárias condições de saneamento, impactavam negativamente o crescimento econômico. 4.1 Oswaldo Cruz: A trajetória do médico dedicado à ciência Oswaldo Cruz nasceu na cidade de São Luís do Paraitinga, em agosto do ano de 1872, cujo os pais eram Bento Gonçalves Cruz e Amália Bulhões Cruz. No ano de 1877 Oswaldo e sua família se mudaram para o Rio de Janeiro, realizou seus estudos no Colégio Laure, no Colégio São Pedro de Alcântara e no Externato Dom Pedro II. No ano de 1892 concluiu sua graduação na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, onde apresentou sua tese " A veiculação microbiana pelas águas". Antes mesmo de ter concluído seu curso, ele já havia publicado dois artigos na Brasil Médico uma famosa revista. (FIOCRUZ, 2017). Oswaldo, que tinha um grande interesse por microbiologia, decidiu montar um pequeno laboratório no porão de sua casa para iniciar seus estudos. No entanto, seu pai faleceu no dia em que ele se formou na faculdade de medicina, o que o impediu de se dedicar mais aos estudos por um período. Dois anos depois, Oswaldo recebeu um convite de Egydio Salles Guerra e começou a trabalhar na Policlínica Geral do Rio de 22 Janeiro, onde ficou responsável pela montagem e liderança do laboratório de análises clínicas. No ano de 1897, Oswaldo Cruz viajou para Paris, e se manteve lá durante dois anos estudando microbiologia, soroterapia e imunologia, no Instituto Pasteur, e medicina legal no Instituto de Toxicologia. Após seu retorno da capital francesa, o médico reassumiu seu cargo na Policlínica Geral e se juntou à comissão de Eduardo Chapot-Prévost para investigar a elevada mortalidade de ratos que provocou um surto de peste bubônica em Santos. No Rio de Janeiro, ele ocupava o cargo de diretor técnico no Instituto Soroterápico Federal, que estava em construção na Fazenda Manguinhos e foi fundado em 1900. Dois anos depois, o jovem bacteriologista assumiu a direção do Instituto e se dedicou a expandir suas atividades além da produção de soro antipestoso, incluindo pesquisa básica aplicada e a capacitação de recursos humanos. Um ano depois, ele chegou à liderança da Diretoria-Geral de Saúde Pública. (DGSP) (FIOCRUZ, 2017). Naquela época, Oswaldo enfrentava a desafiadora tarefa de desenvolver uma campanha sanitária para combater as principais doenças da capital federal, que incluíam febre amarela, peste bubônica e varíola. Foi preciso implementar métodos como o isolamento dos doentes e a notificação obrigatória dos casos positivos, além de capturar os vetores, como mosquitos e ratos, e desinfetar as residências em áreas afetadas. Utilizando o Instituto Soroterápico Federal como suporte técnico-científico, ele iniciou campanhas de saneamento e, em poucos meses, a incidência de peste bubônica diminuiu com o extermínio dos ratos, cujas pulgas eram responsáveis pela transmissão da doença. Ao lidar com a febre amarela, naquela época, Oswaldo Cruz enfrentou diversos desafios. Muitos médicos e membros da população acreditavam que a doença se espalhava pelo contato com roupas, suor, sangue e secreções de pessoas doentes. No entanto, Oswaldo Cruz tinha uma nova perspectiva: ele defendia que o transmissor da febre amarela era um mosquito. Por isso, ele interrompeu as desinfecções e os métodos tradicionais de combate à doença, implementando medidas sanitárias com brigadas que percorriam casas, jardins, quintais e ruas para eliminar os focos de insetos. Sua atuação gerou uma forte reação da população. (FIOCRUZ, 2017). 23 Com o retorno dos surtos de varíola, Oswaldo Cruz se propôs a implementar uma vacinação em massa da população, mas os jornais começaram a veicular uma campanha contrária a essa medida. Em resposta, o Congresso se manifestou e uma liga antivacinação foi formada. Em novembro, ocorreu uma revolta popular, e no dia 14, a Escola Militar da Praia Vermelha se levantou. O Governo conseguiu controlar a rebelião, que durou uma semana, mas decidiu suspender a obrigatoriedade da vacina. Em 1907, a febre amarela foi erradicada do Rio de Janeiro. No entanto, em 1908, surgiu uma nova epidemia de varíola, e a própria população começou a se mobilizar para procurar os postos de vacinação. Apesar da crise que ocorreu entre 1905 e 1906, Oswaldo Cruz liderou uma expedição em 30 portos marítimos e fluviais de Norte a Sul do Brasil, com o objetivo de organizar um código sanitário com normas internacionais. Todo esse esforço no combate às doenças resultou em reconhecimento internacional em 1907, quando Oswaldo Cruz foi agraciado com a medalha de ouro no 14º Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Berlim, na Alemanha, em reconhecimento ao seu trabalho de saneamento no Rio de Janeiro. (FIOCRUZ, 2017). Em 1908, Oswaldo Cruz foi aclamado como um herói nacional, e no ano seguinte, o instituto passou a levar seu nome. Com o apoio da equipe do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), foi realizado um levantamento das condições sanitárias no interior do país. No ano de 1909, Oswaldo deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública e se dedicou exclusivamente ao Instituto de Manguinhos, que recebeu seu nome em reconhecimento a suas contribuições. A partir desse instituto, ele iniciou importantes expedições científicas que se expandiram por todo o interior do Brasil. Além disso, conseguiu erradicar a febre amarela no Pará e desenvolveu uma campanha de saneamento na Amazônia. Com sua autorização, foram finalizadas as obras da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que haviam sido interrompidas devido ao alto número de mortes entre os operários, causadas pela malária. Em 1913, ele foi escolhido para integrar a Academia Brasileira de Letras. Em 1915, devido a questões de saúde, deixou a direção do Instituto Oswaldo Cruz e se transferiu para Petrópolis. Com sucesso, assumiu o cargo de prefeito da cidade e traçou grandes planos de urbanização, que não teve a chance de ver implementados. 24 Sofrendo de uma crise de insuficiência renal, faleceu em 11 de fevereiro de 1917, aos 44 anos. (FIOCRUZ, 2017). 4.2 Epidemias e Saúde Pública no século XIX Tradicionalmente as doenças com variações espaciais (distribuição espacial particular, relacionada a processos sociais ou ambientais específicos) são classificadas como doenças endêmicas. Da mesma forma, doenças que mudam ao longo do tempo são classificadas como epidemias, ou seja, apresentam concentração de casos em um determinadoperíodo indicando que a estrutura epidemiológica possui mudanças mais ou menos abruptas (BARATA, 2000). Kodama et al. (2012) registra que: Até a primeira metade do século XIX, as instituições médicas consideravam o Brasil um país relativamente livre de epidemias que assolavam outros países. Com o advento da febre amarela em 1849, essa situação mudou, e desde então, à medida que as relações comerciais do país se tornaram cada vez mais próximas, novas epidemias ocorreram (KODAMA et al., 2012). Em 1855 a epidemia de cólera foi registrada e considerada oficialmente a primeira doença no Brasil que matou cerca de 200.000 pessoas (COOPER, 1987). A doença surgiu pela primeira vez na província do Pará em maio de 1855 e depois atingiu o Amazonas e a província do Maranhão. A doença se espalhou também da Bahia para Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Rio de Janeiro. Os relatórios médicos sugeriam nas primeiras avaliações da epidemia que a cólera, apesar de atingir todas as classes sociais, acometia principalmente os escravos e a população mais pobre devido às condições sanitárias em que viviam. Nesse sentido, era necessário proteger os escravos, pois estes eram legalmente definidos como propriedade privada e moldados de acordo com as ambições dos senhores. Portanto, eram essenciais à continuidade do sistema de plantação em expansão no século XIX (LIRA; GOMES; SILVA, 2020). Alguns, vindos de Portugal e instalados no Brasil ao se verem diante do sofrimento dos recém-chegados, procuraram alertar o Governo Português, em relação às medidas repressivas que deveriam ser tomadas para limitar as partidas, publicando então cartas aos jornais lusitanos. Como prática recorrente, muitas dessas cartas explicavam os prós e os contras da emigração, destacavam os problemas de 25 saneamento básico no Brasil e da mortalidade dos jovens emigrantes portugueses ao chegarem no novo país (ALVES, 2005). Como cita o autor: Um deles, publicado no Periódico dos Pobres do Porto em 30 de maio de 1853, apesar de repetidos avisos, lamentou a falta de medidas oficiais de controle das partes e argumentou com veemência: Não admira que o governo português pareça ver com indiferença abandonar os lares pátrios milhares de cidadãos que podiam ser úteis ao Estado, e a si próprios, para virem procurar em terra estranha uma fortuna inteiramente ilusória; o que na verdade custa compreender é que ele, tendo conhecimento de que uma epidemia se manifestava nos principais portos do Império, continuasse com a mesma indiferença a ver sair pelas barras do Reino a mocidade portuguesa em demanda de uma morte quase certa! [...] A febre amarela, como se deve saber em Portugal, tornou-se endémica no Brasil. Desde 1849 a 50 nunca ela deixou de aparecer na estação calmosa, com mais ou menos fúria, fazendo sempre vítimas de preferência sobre os estrangeiros recém-chegados, e sobretudo nos Portugueses, cujo número é sempre mais considerável. [...] O governo português, que estabelece quarentenas e lazaretos para aqueles que demandam a Pátria, não pode ignorar estes factos, e, contudo, não julga dignos de compaixão os infelizes que, deixando a pátria, parentes e amigos, vem encontrar a morte em terra estranha! É aqui [Baía] e no Rio de Janeiro que a febre amarela continua a levar ao túmulo um grande número de vítimas e, todavia (parece incrível) são estas as duas cidades que os emigrados buscam de preferência! É doloroso, mesmo para os corações menos sensíveis, ver jovens de 12 a 24 anos, lutar com uma enfermidade terrível, que rapidamente lhes apaga a luz da inteligência e lhes extingue a vida. (ALVES, 2005, p. 4-5). Nos discursos em torno da emigração, das demandas das patologias e principalmente das epidemias, Alves reitera que o argumento foi forte e relevante, de modo que mesmo aqueles que defendiam a liberdade da emigração tiveram que enfrentar o problema e buscar soluções arejadas para encontrar apoio no despertar e a preocupação social. Não só a febre amarela criou uma imagem negativa da vida cotidiana no Brasil, como outras epidemias eclodiram repetidas vezes em, às quais a correspondência jornalística atribuiu descrições sombrias e desamparo (ALVES, 2005). Ainda segundo o autor: "Veja a informação de um correspondente sergipano, datado de 24/03/1863, mas inserido em O Comércio do Porto em 20/05/1863:" O cólera aproxima-se da capital, ou antes, podemos dizer que já o temos dentro das portas! Por onde vai passando, vai devastando cruelmente. Correndo de norte para o sul, o flagelo mostrava-se benigno, mas ao chegar à cidade de Maroim tornou-se intensíssimo e vitimou grande número de pessoas. Calcula- se em 400 as que têm sucumbido nestes últimos dias somente naquele ponto, cuja população não excede as 4.000 almas. 26 A vila do Rosário, que conta 2.000 habitantes, está deserta! Quem não morreu, encontrou na fuga o único remédio que lhe restava para salvar a vida. O infeliz vigário, que se conservava no seu posto evangélico, foi, por fim, vítima da sua dedicação! [...] A cidade de Laranjeiras, uma das mais importantes da província, foi ultimamente invadida e eram grandes os estragos. A mortalidade começou por 12 casos diários e, marchando sempre numa escala ascendente, chegou ao número de 60, tanto foram os cadáveres que se enterraram ontem! O lugar, porém, onde a mortalidade é espantosa em relação ao número de habitantes, é na povoação do Socorro, lugar de lugar de pouco mais de 200 fogos, distante meia légua de Aracajú. A mortalidade nesse pequeno arrabalde chegou ontem ao número de 28 e, a julgar pelas notícias que chegam hoje, pode-se crer que a infeliz freguesia do Socorro ficará deserta! No Aracajú começou a desenvolver-se, não sendo, porém, ainda aterrador o estado sanitário. [...] A escravatura é quem mais tem sofrido. O cólera parece ter um gosto particular para filar os ‘paisinhos’ e a febre amarela é com os brancos que se diverte. Temos de tudo no Brasil, louvado seja Deus! [...] É tristíssima a situação atual de Sergipe. Eu estou de malas prontas e esperando o vapor do Sul para ir por esse Norte tranquilizar o espírito, que tem sofrido não pouco com esta consternação geral (ALVES, 2005, p. 6-7). Como resultado, o Brasil pós-independência não era um destino desejável para atrair europeus por causa de representações menos favoráveis, como o estado do sistema de saúde. As grandes cidades começaram a se transformar em lugares que ofereciam novas oportunidades de vida, atraindo principalmente imigrantes estrangeiros insatisfeitos com as condições de vida e emprego nas fazendas de café (BARATA, 2000). Ainda segundo o autor, alguns desses trabalhadores migravam para escapar das epidemias de febre amarela e varíola que atingiram avassaladoramente muitas cidades do interior. A última década do século XIX e a primeira década do século XX chamaram a atenção das autoridades sanitárias visando esclarecer o mecanismo de transmissão e os métodos de controle dessas duas doenças. A maneira como ocorriam as ocupações do espaço agrário e urbano também contribuíram para determinar condições extremamente favoráveis para a ocorrência de doenças de transmissão vetorial, hídrica e respiratória. Dentre as doenças transmitidas por vetores, destacam-se: • Febre amarela; • Peste; • Malária; • Leishmanioses cutaneomucosas; e 27 • Doença de Chagas. Ao utilizar dados estatísticos como ferramenta para mensurar fenômenos sociais surgiu o desenvolvimento da administração científica. A prevalência de doenças infecciosas, principalmente a febre amarela e a malária causaram um grande impacto de mortalidade nas cidades e principais canteiros de obras dos países periféricos, prejudicando o comércio e dificultando o desenvolvimento do capitalismo. A solução na época era fornecer incentivos públicos para a pesquisa biomédica, especialmente a biomedicina voltadapara as doenças tropicais e uma equipe de trabalho de estilo militar que pudesse realizar intervenções disciplinares e eficazes quando necessário. Dessa forma, surgiram as campanhas sanitárias, e o sucesso dessas fora enfatizado não somente pelos resultados alcançados no processo de controle das epidemias, mas também pela nítida conexão entre o conhecimento científico, a capacidade técnica e a organização dos processos de trabalho em saúde. Com a finalidade de fabricar soros e vacinas contra a peste, foi criado o Instituto Soroterápico Federal, em 25 de maio de 1900 (BRASIL, 2017). 4.3 Políticas Sanitárias e controle urbano O Rio de Janeiro superou o estigma da febre amarela no início do século XX graças ao trabalho do sanitarista Oswaldo Cruz, como diretor-geral de saúde pública, criou e preparou uma campanha exclusiva contra a febre amarela e reorganizou a autoridade sanitária definindo medidas rigorosas contra a insalubridade: • Ordenou à demolição e a reforma de edifícios; • Criou brigadas mata-mosquitos; • Saneou caixas de água e esgotos; • Expurgou casas, por meio da queima de soluções à base de enxofre, como forma de acabar com os mosquitos e suas larvas (imitando a campanha norte-americana desenvolvida em Havana com base na teoria de Carlos 28 Finlay de que o agente transmissor era um mosquito – Stegomyia fasciata, Culex aegypti ou Aedes aegypti). A Febre Amarela não foi a única campanha de Osvaldo Cruz. Outras também foram desenvolvidas, por exemplo, contra a peste bubônica, como o extermínio de ratos, e a campanha contra a varíola, que tornou a vacinação obrigatória (ALVES, 2005). O trabalhador de saúde tinha muitos inimigos. Mas a imagem da campanha pela transição sanitária foi decisiva para garantir melhores condições e contribuir para a reputação internacional: naquela época, o Brasil lutava pelo direito a um país saudável no conceito dos organismos internacionais de saúde e até ser como modelo exemplar. Seus portos eram considerados limpos, em grande parte devido às novas normas sanitárias internacionais que reduziram os critérios de classificação, e essas novas representações, ditadas pela nova cultura médica, foram categóricas ao advento da mitologia, predominante no início do século XX, colocando o Brasil como uma futura potência mundial. No entanto, a década de 1920 foi marcada pela crise do padrão exportador capitalista, uma vez que os países importadores se tornavam mais exigentes com a qualidade dos produtos, surgindo muitas represarias aos produtos brasileiros, onde os navios e portos ainda mantinham níveis de higiene insalubres, exportando doenças. Novas ações foram implementadas no controle das doenças na área da saúde pública (COSTA, 1985). Por outro lado, o Estado assume ativamente na década de 1930 o papel de regulador através da elaboração de projetos econômicos baseado na industrialização em prol da implantação de infraestrutura produtiva, o que propiciou o fortalecimento do projeto político-ideológico nacional, onde foi criado o MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública, e MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, se tornando medidas que fomentaram o crescimento e a mudança do sistema econômico e regem a “regulação da cidadania” pela previsão de um “direito à saúde”. 29 5 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE PÚBLICA E COLETIVA A Saúde Coletiva teve início no final da década de 1970 no período em que o Brasil passava pela ditadura militar, vinculada à luta pela democracia e ao movimento da Reforma Sanitária. A medicina social e o preventivismo também influenciaram para sua constituição (OSMO; SCHRAIBER, 2015). Os autores acrescentam que a Saúde Coletiva é caracterizada como um “campo de conhecimento e âmbito próprio de práticas” sendo de natureza interdisciplinar, cujas disciplinas básicas são a epidemiologia, o planejamento, a administração de saúde, e as ciências sociais em saúde. Em 1977 a Organização Mundial da Saúde propôs a seguinte meta: “Saúde para Todos no ano 2000”. Como decorrência, tanto o cenário brasileiro quanto o mundial levaram a um debate sobre o conceito de saúde e doença e a estruturação dos serviços de saúde"). Um dos aspectos centrais no encaminhamento dessa meta era o detalhamento e a operacionalização do conceito de equidade, reconhecendo-se como fundamental a superação das desigualdades sociais para a melhoria das condições de saúde das populações (RABELLO, 2010). A Saúde Coletiva é descrita a partir de uma perspectiva multidisciplinar a qual atua em conjunto com as seguintes disciplinas: • Biomedicina; • Estatística; • Biologia; e • Ciências Humanas. É caracterizada pela história de lutas para mudar efetivamente a estrutura da ciência e da política social da Saúde. Um exemplo foi a Reforma Sanitária e todo o legado construtivista. Esta área é dividida em três subdivisões: • Epidemiologia; • Planejamento / gestão e Serviços de saúde; e • Ciências Humanas. 30 Diante desta situação vale ressaltar que ambas as áreas são importantes para o planejamento de ações de saúde levando à contínua dependência em realizar pesquisas destinadas a melhorar os seus métodos. Devido às mudanças no perfil de morbidade da população, a diminuição da ocorrência de doenças transmissíveis e ao envelhecimento progressivo da população, a epidemiologia começou a focar suas pesquisas nas doenças não transmissíveis e nem infecciosas, além da preocupação com fatos não exclusivamente relacionados às doenças como é o caso dos estudos sobre violência, hábitos deletérios e peso ao nascer. Com isso, a concepção de unicausalidade das doenças mudou gradualmente, dando margem ao pensamento multicausal no qual a interação entre agente, hospedeiro e meio ambiente é responsável pelo surgimento das doenças (SILVA, 2020). De acordo com os autores, a Epidemiologia e a Medicina têm uma raiz em comum: Hipócrates associava o aparecimento de doenças à interação entre o indivíduo e o ambiente, mas com o passar do tempo suas teorias foram abandonadas. Foi quando surgiu a teoria dos Miasmas, onde se acreditavam que as epidemias eram causadas devido à má qualidade do ar proveniente da emanação de decomposições de animais, plantas e pacientes. 5.1 Saúde pública e saúde coletiva: distinções e intersecções Embora sejam muito parecidas e frequentemente confundidas, saúde pública e saúde coletiva não são equivalentes: possuem origens, projetos e compromissos distintos. Outra maneira de entender a diferença entre saúde pública e saúde coletiva é analisar os métodos de trabalho utilizados por cada uma. Segundo Souza (2014, p. 18), a saúde pública utiliza como principal ferramenta a epidemiologia tradicional, que se baseia na visão biologista da saúde, enquanto a saúde coletiva propõe utilizar como ferramentas de trabalho a epidemiologia social ou crítica, que, em conjunto com as ciências sociais, foca no estudo das determinações sociais e das desigualdades em saúde. Além disso, enfatiza o planejamento estratégico e comunicativo, bem como a gestão democrática. 31 A saúde coletiva, por englobar um conceito mais abrangente de saúde, atingindo diversos campos de atuação, ou seja, existem várias áreas onde a saúde coletiva se manifesta. De forma geral, ela se dedica à promoção, proteção e recuperação da saúde. A promoção da saúde envolve o diagnóstico, a identificação e o tratamento de doenças, assim como de fatores que impactam a qualidade de vida da população. Além disso, inclui o desenvolvimento e a criação de tecnologias voltadas para diversos aspectos da saúde, como cultura, educação e cuidados. Por outro lado, a proteção da saúde foca no diagnóstico, na identificação e no tratamento dos fatores que geram desigualdade e vulnerabilidade social, incluindo o controle de doenças, a vigilância epidemiológica,sanitária e ambiental, e a redução de riscos. Enfrentar a desigualdade e a vulnerabilidade social é uma tarefa complexa que deve contar com todos os apoios sociais e estatais, além da participação ativa do indivíduo, que deve ser um agente proativo em relação à sua própria saúde. A recuperação da saúde envolve a esfera institucional, a gestão e o planejamento de clínicas e hospitais, assim como os processos de acolhimento, os programas e sistemas de assistência, além do apoio psicológico e de toda a rede de saúde. A saúde coletiva atua em várias áreas para garantir a promoção da saúde em todos os seus aspectos. Nas investigações e pesquisas acadêmicas realizadas para entender as dimensões em que a saúde coletiva deve intervir, tem-se reconhecido que essa área requer uma abordagem transdisciplinar, ou seja, a integração de diversas disciplinas para alcançar um conhecimento mais abrangente. A respeito desse assunto, observe o que escrevem Sánchez e Bertolozzi (2007): A abordagem na perspectiva da determinação social da saúde-doença e que o modelo de vulnerabilidade apresentado incorpora aponta para a necessidade da transdisciplinaridade, o que é fundamental quando se trata de problemas ou de necessidades de saúde, na medida em que a complexidade do objeto da saúde requer diferentes aportes teórico-metodológicos, sob pena de reduzir as ações a “tarefas” pontuais, de caráter emergencial, que não modificam a estrutura da teia de causalidade (SÁNCHEZ e BERTOLOZZI 2007, p. 322). Uma outra maneira de compreender os focos de atuação da saúde coletiva é analisar como os profissionais dessa área podem desempenhar suas funções. 32 O agente da saúde coletiva tem um papel amplo e estratégico: a responsabilidade pela direção do processo coletivo de trabalho, seja na dimensão epidemiológica e social de apreensão e compreensão das necessidades de saúde, bem como na dimensão organizacional e gerencial de seleção e operação de tecnologias para o atendimento dessas necessidades. Onde o profissional da saúde coletiva é, portanto, um militante sociopolítico da emancipação humana. A saúde pública diz respeito às ações e serviços realizados para enfrentar doenças ou outras circunstâncias que possam colocar a saúde da população em perigo. O Estado é o principal responsável por concretizar a saúde pública, ou seja, por implementar políticas que busquem o desenvolvimento do bem-estar e da saúde da comunidade. A promoção da saúde pública vai além das ações que o Estado pode realizar; a sociedade civil, por meio de iniciativas voltadas para o fortalecimento da cidadania, também desempenha um papel importante na construção da saúde pública. Elementos significativos do capital social ajudam a formar uma cultura na sociedade que reconhece a saúde como um valor social. Souza (2014) define saúde pública como: [...] a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongar a vida, promover a saúde física e a eficiência através dos esforços da comunidade organizada para o saneamento do meio ambiente, o controle das infecções comunitárias, a educação dos indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a organização dos serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo da doença e o desenvolvimento da máquina social que assegurará a cada indivíduo na comunidade um padrão de vida adequado para a manutenção da saúde (SOUZA, 2014, p. 15). Com base nesse entendimento Winslow (1920) descreve as estratégias para atingir os objetivos da saúde pública. Essas estratégias incluem: • Sanitarização do ambiente; • Controle das infecções transmissíveis; • Educação individual da higiene pessoal; • Organização de serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de doenças; 33 • construção da maquinaria social para assegurar a todos um padrão de vida adequado para a manutenção da saúde. A saúde pública, portanto, representa uma ação conjunta entre o Estado e a sociedade para proteger e aprimorar a saúde dos indivíduos. Frequentemente, considera-se que a saúde pública é sinônimo das iniciativas de saúde promovidas pelo Estado, mas ela também inclui ações não estatais, e nem todas as iniciativas de saúde do Estado se restringem à saúde pública. Nesse contexto a saúde pública é uma forma de saúde coletiva, ou seja, a saúde coletiva abrange um conceito mais amplo. Atualmente, a saúde pública requer um planejamento em nível nacional e um maior investimento por parte do Estado. Por outro lado, a saúde coletiva deve ser planejada de maneira regional, levando em consideração a realidade local, e deve atuar de forma estratégica na prevenção. 6 EVOLUÇÃO DAS POLITICAS E DO SISTEMA DE SAÚDE Na década de 1970, o mundo testemunhou um declínio significativo do ciclo de prosperidade econômica e social que havia se iniciado após a Segunda Guerra Mundial. Esse ciclo havia promovido a expansão do estado de bem-estar social, estabelecendo padrões de solidariedade comum que nunca haviam sido alcançados anteriormente. No contexto do Ocidente capitalista, começou a se desmantelar um consenso relativo sobre os papéis do Estado, que era visto como um agente produtivo, promotor do desenvolvimento e da solidariedade, além de ser o provedor direto de serviços essenciais, como previdência social, saúde, educação e assistência social (FIORI, 1997). A circulação transnacional ultrapassou as fronteiras das ideologias. No que se refere especificamente à saúde, os diagnósticos realizados em nível continental, especialmente com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), revelavam um cenário sanitário alarmante, caracterizado por uma baixa cobertura assistencial e a propagação de doenças associadas à pobreza, como as verminoses e aquelas transmitidas pela água. As estratégias sugeridas para abordar a situação incluíam o planejamento e a avaliação de ações, o que demandava a criação 34 de unidades especializadas nos ministérios e a gestão eficaz de estatísticas vitais e sanitárias. Também era necessária a administração coordenada dos serviços de saúde, promovendo a articulação entre os níveis nacional e local, além da integração entre a prevenção e a assistência curativa. Por fim, havia uma ênfase na formação e capacitação dos profissionais de saúde. A concepção de planejamento, como uma maneira de mobilizar de forma programada os recursos disponíveis para alcançar objetivos e metas estabelecidos com base em diagnósticos específicos, ressaltava no campo da saúde a importância da pesquisa epidemiológica e da informação estatística como elementos essenciais para a definição de prioridades. Da mesma forma, enfatizava a necessidade de criar metodologias para um “planejamento integral do desenvolvimento econômico e do bem-estar” (OPAS, 1963). No contexto brasileiro, as discussões sobre saúde ocorreram em meio a um cenário de grandes transformações políticas e sociais. Administrativamente, os anos 1970 representam um período de intensa repressão, mas também marcam o surgimento de iniciativas de distensão, que foram os primeiros passos em direção à abertura democrática. As eleições para o Senado (1974, 1976 e 1978), a redução da censura (1975 e 1979), a Lei da anistia (1979), o retorno ao pluripartidarismo e o fim do AI-5 (1979) delinearam as mudanças no regime, que ficou conhecido como abertura lenta e gradual. Segundo Sarah Escorel (2008), os ideólogos do regime, nesse contexto, buscavam restaurar as já debilitadas bases de legitimidade social do Governo. Um marco significativo desse processo foi a implementação, pelo Governo Militar, do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (2º PND). Embora tenha impulsionado o crescimento do país no meio da década de 1970, seus efeitos foram limitados pela crise internacional que se intensificava nesse mesmo período. Apesar das dificuldades,