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57
III
Escravo e mestiço: do que estamos 
efetivamente falando?
Eduardo França Paiva
Departamento de História e PPGH – 
Universidade Federal de Minas Gerais
Indagações – conceitos e metodologia 
Quando emprego o termo “escravo” para identificar alguém ou um grupo 
de pessoas que viveram no passado ou quando o leio na documentação antiga 
sempre me pergunto: a quem efetivamente estou me referindo ou dirigindo 
meu olhar e minha curiosidade? Quem eram os homens e mulheres que outrora 
receberam e que ganham hoje este designativo generalizante e reducionista? 
Efetivamente, de quem se está falando? O que e o quanto de história uma 
palavra pode ocultar?
As palavras não são apenas palavras, assim como o uso delas não se res-
tringe a escolhas semânticas e a questões fonéticas. Para além de nomearem 
algo ou alguém, muitas palavras são também conceitos muito elaborados e 
complexos, que definem historicamente agentes, suas ações, seus pensamentos 
e seus conhecimentos.
Assim, “escravo” foi e é vocábulo que identifica, mas também conceito 
que explica e define. Em certa medida, ele esclarece, mas em paralelo ele turva 
realidades, obstando a emergência do ser humano e do grupo social em sua 
complexidade histórica. 
Um dos procedimentos desejáveis para diminuir o prejuízo de entendi-
mento e análise é a busca da melhor compreensão dos significados atribuídos 
no passado a essas palavras/conceitos, assim como das associações feitas a eles. 
Neste sentido e em uma perspectiva eminentemente histórico-antropológica, 
iniciemos por reconhecer que as definições e os significados sempre têm variações 
58 De que estamos fa lando?
que se dão no tempo e no espaço, ainda que haja enunciados pretensamente 
universais e atemporais. Isto deveria nos obrigar a indagar sobre as definições 
operadas no passado de termos/conceitos que ainda hoje empregamos e que 
frequentemente lemos na documentação antiga que exploramos. Também 
deveríamos nos sentir impelidos a evitar ao máximo a projeção de conceitos 
e significados atuais sobre este passado e sobre os discursos deixados por 
agentes históricos, que não os conheceram e, portanto, não os tomaram como 
referências, como o praticamos a posteriori. Isto é, este procedimento pode nos 
ajudar a sermos historiadores menos anacrônicos!
Em que medida a designação “escravo” teve no passado e, por conseguinte, 
nos registros que consultamos nos arquivos a mesma “carga” depreciativa e 
desumana que “naturalmente” impomos a ela hoje? Portanto, estaríamos de-
liberadamente voltando às fontes antigas e nos afastando dos contextos nelas 
registrados? Nossa leitura historiográfica contemporânea estaria nos forçando 
a “traduzir” o passado atualizando-o?
É certo que não devemos, na História, pretender absorver o passado do 
jeito que ele pretensamente teria sido. Sabemos que, por isto, toda História é 
filha de seu tempo, célebre instrução deixada por Lucien Febvre. Mas será que 
isto nos faz um campo intelectual especialmente fértil para anacronismos e 
reinvenções ao sabor dos incômodos e das conveniências do presente?
Agentes históricos do passado e seus discursos
Em 1780, o Coronel Joze Vieira de Almeida, resolveu fazer seu testamento, 
em sua fazenda “Favaxo”, na freguesia de Baependi, na Comarca do Rio das 
Mortes, Minas Gerais.149 Natural de Taubaté, Capitania de São Paulo, casado 
e sem herdeiros, Almeida se enriquecera e se fixara havia anos na região. 
Contrariamente ao que ocorria com frequência, não se ocupou em listar sua 
admirável fortuna material no testamento, dotando-lhe de caráter acentuada-
mente pio. No lugar de arrolar seus escravos – e eram muitos –, ele fez apenas 
duas menções a eles. Primeiramente, encomendou cem missas “por almas dos 
149 Arquivo Histórico de São João del Rei-IPHAN, antigo Museu Regional de São João del Rei/Inventários 
post-mortem (MR/INV) – cx. 7. Testamento de Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del 
Rei, 19 MAI 1780, f. 21-26v.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 59
meos escravos falecidos pella esmolla cada hua que naquelle pais se costuma 
tudo por sufrágio”.150 Depois, de maneira mais específica, declarou:
“Deixo foros e libertos livres de escravidão aos meus escravos Julião Molato 
e a Francisco Ferreiro [também mulato] com obrigação porem de servirem a 
minha mulher em quanto ela for viva e o negro Paulo o primeyro que comprei 
e mães antiguo o deixo coartado na quantia de quinze mil reis que dandoas 
a minha testamenteira lhe passará sua carta de liberdade judicial e quanto o 
ditto Julião e Francisco falescendo minha ditta molher ficarão enteiramente 
desobrigados de toda a sugeição e com esta verba tinda (?) por certidão lhes 
ficara servindo de tittolo como da mesma nota judicial de qualquer tabelião”.151
O historiador que se limitar à leitura deste documento pouco saberá sobre 
estes três homens, para além das parcas informações testamentais, que focam 
principalmente a “condição” de escravos, a “qualidade” de cada um, as alforrias 
condicionais e a coartação legadas.152 Entretanto, o acesso ao inventário post-
-mortem de Almeida, elaborado dois anos após sua morte, oferece um conjunto 
extraordinário de informações sobre a “escravatura” (termo empregado no 
documento) que ele possuía e sobre os três privilegiados, mostrando o quanto, 
para além de escravos, eram estes homens, assim como a complexidade social 
vivenciada pelos 89 indivíduos mantidos em cativeiro na fazenda Favaxo.153 
Esta complexidade fortemente esclarecedora das formas de viver em sociedades 
escravistas também desaparece sob a categoria “escravatura”, na qual foram 
arrolados estes indivíduos. Uma exploração quantitativa tout court, por exem-
plo, indicaria claramente um dos maiores plantéis de escravos encontrados na 
documentação para a região e período. Trata-se de informação importante, 
150 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 22v.
151 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 24v.
152 Tratam-se de “condição” jurídica – livre, liberto e escravo – e das “qualidades” – índio, branco, preto, 
negro, crioulo, mestiço, pardo, mulato, cabra, etc – que definiam indivíduos e grupos sociais. Estas eram 
as categorias operadas na época. Ver sobre o tema PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma 
história lexical da Ibero-América, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagens e o mundo 
do trabalho). Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 123-170.
153 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 1-20.
60 De que estamos fa lando?
indubitavelmente, mas desta forma apresentada, o que não é incomum na bi-
bliografia, ela se torna, ao mesmo tempo, simplificadora e reducionista e esconde 
aspectos fundamentais para a melhor compreensão daquela realidade. Focar 
privilegiada e ingenuamente a quantidade de escravos, talvez os dividindo em 
gênero, idade e origem, pode fazer com que outras informações desapareçam – 
desde nomes, formas de organização social e familiar até ocupações, circulação 
e reprodução de saberes, além de marcadores identitários.
Assim, indo além dos “escravos” que foram alforriados e coartados em 
testamento, encontram-se no inventário do Coronel Almeida informações 
complementares sobre sua “escravatura” e sobre o ferreiro Francisco. Ele tinha 
30 anos e mesmo ressaltando-se que o testador o deixara forro, acabou sendo 
avaliado pelo inventariante em 185$000 (cento e oitenta e cinco mil réis) – seu 
valor de mercado, para efeito de contabilidade. Além disto, Francisco era casa-
do do Jozefa, mulata, avaliada em 110$000. O casal tinha três filhos, em 1782: 
Mariana, mulata, com 10 anos, avaliada em 70$000, Antonio, mulato, com 6 
anos, avaliado em 50$000 e Joana, também mulata, com 4 anos, avaliada em 
40$000.154 Era família muito valorizadae talvez por isto tenha sido a primeira 
de várias outras avaliadas no arrolamento. Francisco, embora alforriado, foi o 
“escravo” mais caro de todos, sendo seguido pelo mulato Julião, o outro indicado 
pelo Coronel Almeida. Com 24 anos de idade, aparentemente solteiro e sem 
filhos, Julião foi avaliado em 170$000.155 Os valores atribuídos a eles foram 
muito maiores que os fixados para outros indivíduos de igual idade, o que pode 
apontar para alguma manobra financeira ou para atributos não explicitados 
nos documentos. Já o valor atribuído a Jozefa, mulher do ferreiro Francisco, 
também se destacou entre os fixados para as demais escravas. Foi o segundo 
maior entre elas. Por sua vez, o “negro” Paulo, que tinha 50 anos de idade, foi 
avaliado em 60$000, embora tivesse sido coartado em apenas 15$000 pelo 
Coronel. Ele viera de Angola e parece não ter se casado, nem ter tido filhos.156 
154 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 12.
155 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 12.
156 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 16 v.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 61
A análise de toda a “escravatura” da fazenda Favaxo, entretanto, é ainda 
mais esclarecedora. Fica evidente a prática de casamentos endógenos, que en-
volviam 45% dos adultos, incluindo a união de homens africanos com mulheres 
nascidas no Brasil (crioulas, mulatas e cabras). Mais ainda: proporcionalmente, 
muito mais homens nascidos no Brasil que africanos se encontravam casados, 
o que pode indicar certa predileção por escravos que não fossem “negros”. Estes 
casamentos internos fomentaram o nascimento de crianças escravas (de 0 a 12 
anos de idade, crioulas e mulatas), que representavam ¼ do plantel. A maioria 
dos cativos, entretanto, era composta de homens africanos – 48% do total; havia 
apenas uma mulher africana no grupo.
Outro aspecto chama a atenção: as idades mais avançadas de um grupo 
razoável dos arrolados. Diferentemente do que se costuma ler sobre a longe-
vidade dos escravos – sem discriminação de origem, de ocupação e de época 
– 8% do grupo tinham mais de 60 anos, 18% tinham mais de 50 anos e 22% do 
total ultrapassavam os 40 anos. Entre eles encontravam-se homens e mulheres, 
tanto os africanos quanto os nascidos no Brasil. Um dos que tinham 50 anos 
era Francisco Benguela, indicado no inventário como “feytor” e avaliado em 
60$000. Por algum motivo não revelado, o feitor não havia merecido, como 
os três já citados, a oportunidade de libertar-se.
Embora fosse um grupo de escravos de uma fazenda, isto é, um ambiente 
rural, o perfil dele, em vários aspectos, aproximava-se do encontrado nas áreas 
urbanizadas da Capitania. Nessas áreas, os grupos eram acentuadamente me-
nores, com uma média de cinco indivíduos por propriedade.157 A dinâmica 
familiar e o aumento da população escrava nascida internamente são dois 
desses aspectos. Talvez a Favaxo tenha sido um exemplo da conformação em 
áreas rurais ou semirrurais de padrões escravistas semelhantes aos encontrados 
nas vilas e arraiais das Minas Gerais. A proximidade entre os espaços urbano, 
suburbanos e rurais e a intensa circulação de escravos, forros e livres (incluindo 
os não brancos) entre essas áreas ajuda a explicar certa hibridez dos “modelos”, 
se é que se pode classificar assim aquela realidade complexa e multifacetada.
157 Estudei o perfil dos grupos de escravos nas áreas urbanas da Comarca do Rio das Mortes, durante o 
século XVIII, e os resultados podem ser conferidos em PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo 
cultural na Colônia; Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001, p. 115-166.
62 De que estamos fa lando?
As ocupações indicadas no arrolamento são informações igualmente 
importantes e ajudam a compreender a dinâmica econômica e social na fa-
zenda Favaxo. Entre os escravos adultos, 23,5% deles tiveram suas ocupações 
registradas, algumas, inclusive, tomadas como alcunhas. Este era o caso de 
Julho Mineiro Angola, de 45 anos de idade, avaliado em 40$000 e de João 
“Boy” (boi) Benguela, de 55 anos, avaliado em 44$000. Além deles, havia 
carpinteiro, “corta pao”, feitor, ferreiro, vaqueiro, dois carapinas, dois carreiros, 
duas tecedeiras e 5 trombeteiros. Entre estes últimos existiam duas gerações e 
possivelmente o mais velho ensinara aos mais novos como executar a tarefa. 
Assim, João Angola, de 60 anos de idade, avaliado em 40$000 deve ter sido 
o mentor de Miguel Congo, de 35 anos, “com principio de papo”, avaliado em 
80$000; de Estevão, cabra, “trombeteyro e carreyro”, de 34 anos, avaliado em 
100$000; de Xavier Benguela, de 25 anos, avaliado em 125$000 e de Joaquim 
Angola, de 25 anos, avaliado em 120$000.158 Esta ocupação parecia ser muito 
valorizada na Favaxo e provavelmente estava ligada à criação de animais, 
sobretudo equinos e bovinos, que parece ter sido o eixo econômico desenvol-
vido ali. Foram listados no inventário do Coronel Almeida 34 bois de “azogue 
gordo” (163$100);159 57 potros (a 8 8as de ouro cada = 547$200)160; 30 potros 
de 2 anos (a 6 8as cada = 216$000); 18 potros de ano (a 4 8as cada = 86$400); 
6 bestas (72$000); 14 bestas (192$000); 10 bestas “novas de anno até dous” 
(72$000); 7 “pastores cavalos” (60$000);161 outros cavalos; 258 éguas (a 3 8as 
cada = 928$800); 300 cabeças de gado vacum (2$000 cada = 600$000); 60 
cabeças de ovelhas (72$000); 106 cabeças de porcos (47$100);162 3 bezerros 
(75$000); 5 bezerros (100$000); 1 bezerra velha (10$000); 3 bezerros pequenos 
158 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 12 v. e 16v.
159 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 9v.
160 Neste contexto, 1 oitava de oura equivalia a 1$200. O valor da oitava de ouro convertida em réis variou 
ao longo do século XVIII. Ver tabela de valores e épocas em PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos 
nas Minas Gerais do século XVIII; estratégias de resistência através dos testamentos. 3 ed. São Paulo: 
Annablume, Belo Horizonte: PPGH-UFMG, 2009, p. 213.
161 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 10.
162 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 10v.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 63
“que são crias” (26$000) e 1 pega (2$400).163 O trabalho desenvolvido por 
esses homens, talvez repassado de geração para geração e de pais para filhos, 
não apenas manteve a pujança econômica da Favaxo e de seu proprietário, 
mas, possivelmente, esteve na base de desenvolvimento de raças equinas 
específicas, surgidas e apuradas nesta região, como a do Marchador e as do 
Mangalarga.164
O arrolamento ainda traz informações sobre a saúde dos escravos da Favaxo. 
Em um grupo razoavelmente grande como esse – pelo menos, em comparação 
ao padrão das Minas Gerais setecentistas – havia os com “defeito” de nascença 
e os que sofreram doenças e que adquiriram as marcas delas ao longo da vida. 
Paula, crioula, de 20 anos de idade, por exemplo, era “doente dos pes”, mas foi 
bem avaliada, em 65$000. Ela era mulher de Francisco Angola, de 28 anos, que 
foi avaliado em 90$000.165 Situação muito parecida era vivida por Micaela, 
crioula, de 18 anos, também “doente dos pes”, avaliada em 60$000, mulher de 
Joze Angola, de 35 anos, avaliado em 100$000.166 Nenhum destes casais tinha 
filhos. Outra mulher crioula, Anna, era “demente e doente dos pes”, tinha 
apenas 15 anos e fora avaliada em 30$000. Anna era mulher de João Angola, 
de 25 anos, avaliado em 95.000. Eles também não tinham filhos.167 Bárbara, 
crioula, de 20 anos,fora avaliada em 55$000 e caracterizada também “com 
defeito nos pes”. Ela era mulher de Benedicto, crioulo, de 50 anos, avaliado em 
50$000. Este casal tinha três filhos, a saber: Roza, crioula, de 6 anos, avaliada 
em 35.000; Manoel, crioulo, de 4 anos, avaliada em 35.000 e Adão, crioulo, “de 
peyto”, avaliado em 25.000.168 
163 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 11.
164 Décadas depois da morte do Coronel Joze Vieira de Almeida, a fazenda Favaxo (atualmente, Favacho) 
passou para as mãos de membros da família Junqueira. Aí e em outras fazendas próximas foi desenvolvida 
da raça de cavalos Mangalarga Marchador. Entretanto, a atividade criatória de equinos era forte desde 
a segunda metade do século XVIII, pelo menos.
165 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 14-14v.
166 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 14v.
167 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 14v.-15.
168 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 15.
64 De que estamos fa lando?
Já Maria, de 60 anos, encontrava-se “muito achacada” e foi avaliada em 
6$000. Ela era mulher de Ventura Angola, de 60 anos. Pela disposição das 
informações no arrolamento é possível que o casal tivesse um filho mulato, 
Marcos, de 15 anos, avaliado em 100$000, embora nada se tenha escrito sobre 
isto. Mas ele aparece logo abaixo dos nomes do casal, padrão adotado pelo in-
ventariante, que por descuido, incerteza ou outro motivo pode ter escolhido não 
o identificar como descendente deste par de cativos ou apenas de Maria. Aliás, 
entre os jovens escravos não foram arrolados aqueles cujas mães apenas eram 
conhecidas e os pais ignorados. Parece ter sido uma opção do inventariante, 
talvez subsidiado por informações filtradas ou pela ordenação moralista do 
grupo, supostamente desejada pela viúva do Coronel, que havia sido nomeada 
por ele, em testamento, como sua testamenteira na Vila de São João del Rei. 
Antoneo Angola, por sua vez, era “velho e doente” e tinha sido avaliado em 
15$000. Joze Angola, de 60 anos, era “quebrado” e foi avaliado em 20$000. Miguel 
Congo, um dos trombeteiros, tinha 35 anos, encontrava-se “com principio de 
papo” e foi avaliado em 80$000. Manoel Bexiga Benguela, de 65 anos, avaliado 
em 25.000, trazia no nome e provavelmente no corpo as marcas da doença que o 
acometera – a varíola, na época chamada de bexiga. Antoneo Cabina(?) Angola, 
de 65 anos, também era “quebrado” e sua avaliação foi fixada em 20$000. Mais 
um “doente dos pes”, desta vez um homem, Francisco Mogume, de 40 anos, 
avaliado em 40.000.169 Mais um: Matias, crioulo, de 20 anos, “defeytuoso dos 
pes”, avaliado em 60$000.170 Finalmente, Ignacio Angola, de 18 anos, foi descrito 
“com formigueiro no braço”, mas bem avaliado em 80$000.171
Como se vê, as parcas referências do Coronel Almeida a seus escravos no 
testamento e a categoria “escravatura” inserida no inventário post-mortem ocultavam 
um mundo complexo, dinâmico e mesclado biológica e culturalmente, retrato 
do frenesi social vivenciado na sociedade setecentista mineira. Para acessá-lo é 
fundamental que se desconfie das categorias supostamente autoexplicativas, de 
169 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 16v.
170 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 18.
171 MR/INV, cx. 7. Inventário post-mortem do Coronel Joze Vieira de Almeida – Vila de São João del Rei, 
02 NOV 1782, f. 17v.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 65
definições dadas como universais e inequívocas e, por isto mesmo, enganadoras, 
posto que seus significados variam no tempo e no espaço; categorias simplifi-
cadoras e reducionistas, uma vez que seu pretenso significado amplo, completo 
e explícito esconde frequentemente diversidade, particularidades, polissemias, 
distinções, semelhanças, relações de poder e formas de negociação, rupturas e 
continuidades, mesclas e superposições, diferentes práticas, discursos e repre-
sentações. A palavra, assim como o conceito, como já disse antes, pode ajudar a 
entender melhor as realidades históricas, mas pode, ao mesmo tempo, manter 
invisíveis porções importantíssimas dessas mesmas realidades históricas, junto 
com seus agentes e com os resultados de suas intervenções. 
No passado, o emprego das categorias também acabava ocultando realida-
des. Isto não é um problema exclusivo dos historiadores que a posteriori leem 
antigos documentos. Pensemos então em situações que surgem da associação 
entre definições antigas, “perdidas” ao longo do tempo, e conceitos “novos”, 
projetados sobre épocas e sociedades que não o conheceram.
“Escravo” e “negro”: empregos no passado e compreensões a posteriori
A categoria “escravo” teria sido a mais usual nas sociedades escravistas 
do Novo Mundo para designar seres humanos propriedades de outrem? O 
que significava o termo e a quem era dirigido? Tomando os conceitos que 
empregamos hoje e os significados que atribuímos a eles pode-se dizer que 
“escravo” era o termo/conceito/categoria evocado para identificar aqueles que 
eram legal e ilegalmente propriedade privada de outro. É aliás uma definição 
jurídica em vigor na época. 
Não obstante, houve mais de um termo/conceito/categoria empregado 
na documentação para designar o mancípio, para usar esta palavra de origem 
latina (mancipĭum) pouco empregada no passado e hoje. Durante o século 
XVIII, nas Minas Gerais, o emprego de diferentes categorias pode servir de 
referência para pensarmos como estamos lendo – equivocadamente, às vezes 
– os registros antigos que têm subsidiado nossos estudos.
Embora a afirmativa que segue necessite de muito mais estudos compa-
rativos e até mesmo de quantificação de uso lexical nos documentos antigos, 
o uso da categoria “escravo” parece não ter sido a mais empregada no que se 
66 De que estamos fa lando?
refere aos africanos.172 Os termos “negro”, principalmente, e, também, “preto” 
foram possivelmente mais usuais até o final do século XVIII, pelo menos. O 
costume diferenciava os africanos dos demais mancípios e transformava os dois 
vocábulos em sinônimos de escravo. Em relação aos demais tipos – crioulos, 
mestiços, mamelucos,173 pardos, mulatos, cabras, caboclos, etc… – isto não 
ocorria e essas “qualidades” não cumpriam a função de indicar a mais baixa das 
“condições” jurídicas que definiam e classificavam uma pessoa ou um grupo 
social. Aparentemente, o uso preferencial dos dois vocábulos servia para diu-
turnamente evocar uma hierarquia das “qualidades” entre os cativos.
Crioulos, mestiços, mamelucos, pardos, mulatos, cabras e caboclos podiam 
deixar de ser escravos, assim como os negros e os pretos, o que, na verdade, 
ocorreu intensamente. Mas, o emprego dos dois termos nos permite pensar que 
os africanos, diferentemente dos demais, mesmo já forros, não deixavam de ser 
“negros” naquela sociedade escravista. Isto é, entre os escravos, eles seriam o 
substrato inferior e os vocábulos preferenciais impunham sobre eles, durante 
o cativeiro e depois das alforrias, a mancha da “qualidade” e da “condição” mais 
baixas.
Outra possibilidade de análise é, portanto, pensar sobre os significados 
possivelmente existentes, ainda que ocultos, na forma com que senhores (de 
todas as “qualidades” e “condições”) designavam seus mancípios, assim como o 
faziam escrivães, curas e outras autoridades. Proporcionalmente à quantidade 
de africanos em cativeiro e a partir de uma observação preliminar, carente 
de estudos mais esclarecedores, nota-se que o termo “escravo” parece ter sido 
menos usadoque os termos “negro” e “preto” quando se tratava de identificar 
172 “Africanos” como termo genérico para identificar homens e mulheres escravizados provenientes da 
África passou a ser usado no final do século XVIII e se tornou comum a partir do século XIX. COELHO, 
Jose João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação 
João Pinheiro, 1994. [finalizado em 1780] Na p. 106: “(...) de sedição, rebelião e de todos os crimes de 
lesa majestade divina e humana e dos que são contra o Direito Natural e das gentes, como homicídios 
voluntários, rapinas de salteadores e resistências às justiças, sem distinção da qualidade dos réus porque, 
fossem europeus ou americanos, africanos ou livres ou escravos, seriam sentenciados da dita Junta (...)”.
173 Nem mesmo esta palavra de origem árabe, que significava “escravo”, era frequentemente empregada 
com a intenção de identificar um mancípio. Geralmente, ela designava a “qualidade” dos filhos de 
portugueses com índias. Ver PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo… op. cit., p. 188. Ver também 
FORBES, Jack D. Black Africans & Native Americans. Color, Race and Caste in the Evolution of Red-Black 
Peoples. Oxford: Basil Blackwell Ltd., 1988, p. 128-129.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 67
esses cativos africanos, isto comparado ao emprego do primeiro termo aos não 
africanos escravizados. Esta constatação inicial (e, por enquanto, sem amplo fun-
damento) lastreia-se nas menções deixadas por proprietários e não proprietários, 
muitos deles ex-escravos ou não brancos nascidos livres, em seus testamentos 
e, principalmente, nos arrolamentos materiais feitos pelos inventariantes. Nos 
inventários post mortem empregava-se, geralmente, linguagem mais “técnica”, 
padronizada e detalhada, uma vez que cada bem deveria ser descrito para ser 
facilmente identificado. Isto, possivelmente, fomentou o uso preferencial dos 
termos “negro” e “preto” para diferenciar os africanos dos demais mancípios. 
Entretanto, devem-se sublinhar, nos testamentos, com linguagem mais coloquial 
e pessoal, os usos foram equitativos e, muitas vezes, complementares. 
Os termos de identificação, portanto, variaram de acordo com o identi-
ficado e com quem o observava. Além disto, houve variações de significados, 
de usos e de associações que ocorreram em variadas regiões e ao longo dos 
séculos. Constata-se, então, isto com mais convicção, que não houve defini-
ções universais, embora disparates e arbitrariedades também fossem restritas. 
Dificilmente um mancípio pardo ou mulato seria designado “negro” ou “preto”, 
por exemplo. Houve, portanto, certo grau de variabilidade no uso dos termos/
conceitos/categorias, mas existiram balizas sociais, culturais e políticas que 
impediram completa falta de critérios de definição e de identificação de indi-
víduos e de grupos.
 A viúva Guiomar Florencia da Rocha, natural de Pernambuco e moradora 
na vila de Sabará, comarca do Rio das Velhas, capitania das Minas Gerais, em 
1756, quando ditou seu testamento, deixou registrada a forma como se referia 
aos seus cativos. Ela declarou, segundo o escrivão, que também pode ter in-
terferido na formulação do texto – não obstante a “voz” do testador sobressair 
quase sempre – que possuía 
“huma negra por nome Catharina de nação Angola a qual peloz bons ser-
vissos que me tem feito a corto neste meu testamento em meia libra de ouro 
para que dando a dita meia libra de ouro e no descurso de dous annos a dita 
minha testamenteira lha passará sua carta de alforria e no cazo que não dê o 
dito produto ficara servindo a minha testamenteira e della desporá como bem 
lhe parecer // Declaro que posuo mais hum crioulo por nome Verissimo o 
68 De que estamos fa lando?
qual deixo forro por minha vontade mas com obrigação porem de me servir 
emquanto Deos me fizer merse da vida.”174
Na sequência Guiomar declarava também que deixava para o dote de casa-
mento de Florentina Maria de São João, sua testamenteira, seu “negro por nome 
Joaquim mina”.175 Ora, nos casos de Catharina e de Joaquim os identificadores 
“negra” e “negro” serviam mais para indicar a “condição” jurídica, uma vez que 
a “qualidade” era explicitada pela indicação de procedência de cada um, isto é, 
Angola e Mina; os dois provinham da África. O marcador “escravo” foi substituído 
pelo verbo “possuir” e isto valeu também para o crioulo Veríssimo, que não 
teve seu local de procedência revelado, o que pode significar que tenha nascido 
na casa de Guiomar (crioulo também significou “escravo, que nasceo na casa de 
seu senhor”)176 e que talvez fosse filho de Catharina ou talvez de Catharina com 
Joaquim. As mesmas informações agregadas a Veríssimo (nome, “qualidade” e a 
condição de ser possuído) também o foram aos dois africanos, mas em relação a 
eles foi acrescida uma outra: “negra” e “negro”, respectivamente. E não se tratava 
de cor de pele, como facilmente seria compreendido hoje. Mas se tratava de um 
marcador social que definia ao mesmo tempo “condição” e “qualidade”, além de 
indicar procedência e localização na escala de hierarquia social.
Mathias Riberio de Souza, um filho natural de um abade com uma mulher 
solteira, nascido em freguesia do norte de Portugal e migrado para as Minas 
174 Arquivo Público Mineiro/Câmara Municipal de Sabará doravante APM/CMS – cód. 24. Testamento 
de Guiomar Florencia da Rocha – Vila de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, 11 MAI 1756, f. 29-30 
(29v.).
175 Arquivo Público Mineiro/Câmara Municipal de Sabará doravante APM/CMS – cód. 24. Testamento 
de Guiomar Florencia da Rocha – Vila de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, 11 MAI 1756, f. 29-30 
(29v.).
176 Ver BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino Aulico, Anatomico, Architectonico, Bellico, 
Botanico, Brasilico, Comico, Crítico, Chimico, Dogmatico, Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Etymologico, 
Economico, Florifero, Forense, Fructifero, Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymico, 
Hierologico, Ichtyologico, Indico, Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico, Meteorologico, 
Nautico, Numerico, Neoterico, Ortographico, Optico, Ornithologico, Poetico, Philologico, Pharmaceutico, 
Quidditativo, Qualitativo, Quantitutivo(sic), Rethorico, Rústico, Romano, Symbolico, Synonimico, 
Syllabico, Theologico, Terapteutico, Technologico, Uranologico, Xenophonico, Zoologico, AUTORIZADO 
COM EXEMPLOS DOS MELHORES ESCRITORES PORTUGUEZES, E LATINOS; E OFFERECIDO A 
EL REY DE PORTUGUAL, D. JOÃO V, PELO PADRE D. RAPHAEL BLUTEAU CLERIGO REGULAR, 
DOUTOR NA SAGRADA Theologia, Prêgador da Raynha de Inglaterra, Henriqueta Maria de França, & 
Calificador no sagrado Tribunal da Inquisição de Lisboa. Coimbra: No Collegio das Artes da Companhia 
de JESU Anno de 1712. Com todas as licenças necessárias, p. 613.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 69
Gerais, mencionou em seu testamento os seus “escravos” – assim os tratava 
quando se referia a eles no geral. O português, morador em Sabará, em 1757, 
declarou possuir
“huma negra chamada Quiteria a qual tem quatro filhos a saber Pedro Manoel 
Marianna Maria, e hu neto por nome Antonio filho de Marianna e pelo amor 
que a todos tenho os deixo quaretados nesta forma a negra Quiteria e seu neto 
Antonio cada hum em huma quarta de ouro e os quatro filhos Pedro Manoel 
Marianna Marianna digo Manoel Marianna e Maria cada hum em cincoenta 
oitavas de ouro // Declaro que para haverem de ser forros os ditos meus es-
cravos ajuntárem as quantias em que os corto lhes concedo o tempo de tres 
annos para que dentro delles fação cada hum o seu pagamento de huma das 
tres partes em que he minha vontade se divida o principal para que os posão 
pagar com mais suavidade excepto o neto Antonio por ser pequenino e lhe 
concedo o tempo de seis annos para que dentro delles posa sua mai ou avó 
adquirir seu valor, e se algum dos ditos escravos tendo saude não pagar no 
tempo declarado oufaltar algum dos pagamentos nesecario será avaliado por 
homem de saã consciência e vendido por meu testamenteiro revogando nesta 
parte o beneficio que lhe fazia // Declaro (...) que todos os trastes e roupas 
de caza e uso as deixo pelo amor de Deos a dita minha negra Quiteria.”177
Mathias não revela as “qualidades” dos descendentes de Quitéria e é pos-
sível que eles fossem, na verdade, seus filhos e neto, mesmo que os deixassem 
coartados e até mesmo previsse a perda do “benefício” se não pagassem alguma 
parcela da dívida. Mas o que interessa aqui é mesmo perceber que quando 
se tornou necessário uma identificação mais detalhada de seus “escravos” o 
testador português logo indicou sua “negra”, a matriarca, seus filhos e neto. 
“Negra”, aqui também, era indicativo de origem africana e da condição jurídica 
e, secundariamente, de cor de pele.
Em 1740, também na vila de Sabará, Antonia Nunes dos Anjos, uma 
mulher forra, natural da Cidade da Bahia, que não indicou sua “qualidade” no 
testamento, empregava a mesma fórmula que o português Mathias. Evocar a 
177 APM/CMS – cód. 24. Testamento de Mathias Ribeiro de Souza – Sabará, 28 JUN 1757, f. 28v.
70 De que estamos fa lando?
categoria “negro”/“negra” no lugar de “escravo”/“escrava” no caso dos africanos 
já era prática comum antes de Antonia, que foi mais uma proprietária a adotá-la. 
Ela, então, ditou seu testamento e declarou “que hê minha vontade que a minha 
negra Thereza se venda fiado por tempo conveniente para mayor aumento de 
minha fazenda”.178 Ursula de Lara Almeyda, natural de Baependi, Comarca do 
Rio das Mortes, Minas Gerais, corroborava a prática que antes já aparecia no 
testamento de Antonia Nunes dos Anjos, embora tornando-a mais complexa 
ainda. Em seu testamento, datado de 1758, ela declarou possuir
“hum escravo angola por nome Pedro de idade de trinta annos pouco mais 
ou menos solteiro, outro por nome Pedro da mesma idade e nasção, outro por 
nome Antonio da mesma nasção de idade de cincoenta annos pouco mais ou 
menos cazado e sua mulher tambem escrava (f. 11) por nome Joana da idade 
de trinta annos, outro por nome Antonio congo de idade de cessenta annos 
pouco mais. Declaro que a negra Joana he crioula, outro por nome Garcia 
angola de idade de vinte e cinco annos pouco mais ou menos.”179
Embora ela empregasse a categoria “escravo” para designar seus mancípios, 
todos eles africanos, Ursula nos legou um registro precioso do uso da categoria 
“negra” como sinônimo de escravo ao destacar a exceção de seu plantel. Para 
diferenciar Joana dos demais, indicou que esta “negra”, isto é, que esta escrava, 
era crioula, a “qualidade” que a identificava.
Mas poucos deixaram definições de origem, de condições jurídicas e de 
“qualidades” de escravos africanos tão radicalmente empregadas quanto o casal 
de “pretos forros” – o que indicava a proveniência africana deles próprios – 
Alexandre Correia e Maria Correia de Andrade. Embora possuíssem 12 man-
cípios, a categoria “escravo” não foi mencionada no testamento de Alexandre 
nem nos requerimentos feitos pela viúva e testamenteira. Isto talvez tenha 
se devido ao fato de o casal ser alforriado e possivelmente pretender afastar 
completamente a pecha de escravos de sua vida de proprietários, mineradores 
178 Instituto Brasileiro de Museus, Casa Borba Gato-Sabará, Cartório do Primeiro Ofício-Testamentos, 
doravante IBRAM CBG CPO-TEST, cód. 13, Testamento de Antonia Nunes dos Anjos, forra – Sabará, 
06 AGO 1740, f. 15 v.
179 MR/INV – cx. 9. Inventário post-mortem de Ursula de Lara Almeyda – Vila de São João del Rei, 14 
MAI 1758, f. 11v.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 71
e ascendidos econômica e socialmente na vila de São João del Rei, nas Minas 
Gerais, em 1761. Os Correia assumiram domesticamente uma classificação 
rigorosa e padronizada: eles se autodenominavam “pretos forros”, enquanto 
seus filhos, nascidos livres no Brasil, eram “crioulos”, seus genros eram “homem 
preto” e “preto crioulo forro” e seus mancípios, todos de origem africana, eram 
os “negros” e “negras”. Um dos genros tornou-se, na perspectiva do casal, “ho-
mem preto”, depois de ter sido comprado e libertado por eles, para se casar com 
uma das filhas de Maria Correia, nascida antes dela se casar com Alexandre. 
Declarava então o testador
“(…) que tambem a dita minha mulher teve no estado de solteyra com outro 
pay huma rapariga chamada Vitoria Crioulla, e para esta cazar como cazou 
com João Nunes homem preto foi percizo que eu e minha mulher compras-
semos como com efeito compramos o dito preto João Nunes a Juzefa de 
Mendonça e sá mulher preta forra pella quantia de duas libras de ouro fiados 
que correrão juros no tempo de dois annos em que vencerão de juros vinte e 
huma oitavas de ouro e que tudo, assim principal como juros se pagou deste 
cazal passando carta de alforria ao referido João Nunes, e como esta despeza 
não deve ser prejudicial aos meuz filhos, quero e sou contente que da minha 
terça se enteire nas legitimas dos ditos meus filhos pro rata mectade da dita 
emportancia fazendo a outra a mectade para ser saptizfeita pella terça de mi-
nha mulher quando esta falecer para que nesta forma haja igualdade (…)”180
Depois de alforriado e de passar a integrar a família dos Correia, João 
Nunes foi alçado à categoria de “preto”. E mais ainda: a antiga senhora deste 
genro forro, igualmente uma africana, foi tratada por Alexandre de “preta forra”, 
sem que sua origem específica fosse revelada, assim como ele procedera em 
relação a si e à sua mulher. 
No mundo dos Correia a hierarquia era clara, mas reversível. Um “ne-
gro”, isto é, um escravo africano, podia se transformar em um “preto” depois 
de ser liberto. Novamente, aqui, “negro” e “preto” não eram, prioritariamente, 
marcadores de “cor”. Aliás, já é momento de se afirmar com convicção neste 
180 MR/INV – cx. 14. Inventário post-mortem de Alexandre Correia – São João Del Rei, 31 MAR 1761, f. 9-9 v.
72 De que estamos fa lando?
texto que a categoria “cor”, embora existisse, fosse relevante e empregada com 
alguma frequência na documentação de variada origem produzida no mundo 
ibero-americano entre os séculos XVI e XVIII, não alcançou, nesse período, 
a mesma proeminência que outros dois marcadores sociais: a “qualidade” e a 
“condição”.181 Em outras palavras, é preciso dizer que a cor de pele adquire 
protagonismo nas leituras e nas representações sociais apenas a partir do século 
XIX, diferentemente do que imaginamos quase sempre. A super importância 
atribuída à “cor” é muito mais um traço cultural dos séculos XIX e XX, talvez, 
principal e inicialmente em sociedades americanas que conheceram muitas 
e profundas mudanças sociais, políticas e econômicas a partir das indepen-
dências. Em contextos nos quais a busca da “civilização” esteve pretensamente 
comprometida pelo passado escravista e mestiço é que foram atribuídos à “cor” 
da pele significados essenciais, que cultivamos até hoje. As marcas da “impu-
reza” individual e coletiva haviam se deslocado da origem e da religião para a 
composição biológica e “racial” e, assim, a cor de pele assumiu relevância muito 
maior do que detinha anteriormente.
Quando lemos nosso passado mais remoto impondo a ele nossos atuais 
valores e definições, que não existiam naquele tempo, criamos anacronismos 
que facilmente nos levam a realizar leituras equivocadas, muitas vezes gene-
ralizantes, reducionistas e simplificadoras da complexidade social de outrora. 
Tomar as antigas categorias negro/negra, preto/preta como sinônimos de cor 
de pele, como automaticamente fazemos hoje, é simplificar a hierarquia que 
regulou fortemente as relações sociais até o início do século XIX e que foi com-
partilhada – e, portanto, legitimada – por todos os grupos sociais, incluindo 
escravos de várias “qualidades”. Isto também cria possibilidades de se perder 
de vista as fórmulas empregadas no passado para se praticar aquela hierarquia 
constituída no contexto escravistae mestiço, marcadas “naturalmente” pela 
distinção e pela desigualdade, o que não era problema social a ser solucionado, 
como talvez hoje logo preconizássemos. 
Um termo/conceito/categoria pode – no passado e no presente – assumir 
mais de um significado e é necessário estarmos atentos a todos eles, sob pena 
181 Estudei mais detidamente esta temática em PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo… op. cit., 
sobretudo p. 150-161.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 73
de inventarmos ficcionalmente um mundo que não existiu, mas que corrobo-
ra, de alguma forma, nossas conveniências atuais. “Negro”, “preto” e “escravo” 
inscrevem-se neste quadro epistemológico tão caro a nós historiadores. O exem-
plo deixado por uma viúva inventariante da vila de São João del Rei, em 1785, 
embora muito confuso, nos ajuda a pensar sobre os distintos e concomitantes 
significados dos termos/conceitos/categorias, uns claramente identificados e 
outros que nos escapam. Dona Antonia Ribeiro da Silva fora casada durante 
trinta anos com o português Doutor Alexandre da Silva Barros, até que ele veio 
a falecer em 1784, deixando um testamento por escrito. Neste documento, ele 
nomeava os quatro filhos que tivera com a esposa: “Joze, Joaquim, Maria que 
esta cazada com Paulo Nunes dos Santos Francisca solteira”.182 Além disto, o 
Doutor Alexandre declarava que
“a minha filha Maria cazada (...) dei dote (...) huma escrava crioula por nome 
Marcianna a qual se acha hoje quartada pelo dito meu genro e o produto 
desta se abatera na sua legitima.”183
Já no inventário post-mortem dos bens deixados pelo marido, realizado 
um ano depois do falecimento, a inventariante e viúva Dona Antonia apre-
sentou outro “retrato” de sua família. Sem indicar qualquer eventual mudança 
doméstica drástica e quiçá trágica ocorrida neste curto período, entre a morte 
do patriarca e o inventário dos bens, ela declarou que os filhos havidos com o 
Doutor Alexandre eram “Dona Maria da Silva, escrava de Christo”, 29 anos de 
idade, João da Silva Barros, 25 anos, Joaquim da Silva Barros, 21 anos e Francisca 
Joaquina de Chagas, 18 anos. A explicação mais plausível para a alteração de 
mudança de status de Dona Maria da Silva – de casada a “escrava de Christo” 
– era o falecimento de seu marido e o seu ingresso em uma ordem religiosa 
ou um recolhimento, o que também não foi indicado pela mãe. De toda for-
ma, o que mais nos interessa aqui é o estatuto atribuído a Dona Maria: o de 
“escrava”, embora de Cristo e não de algum proprietário mortal. Não obstante 
182 MR/INV – cx. 29. Inventário post-mortem de Alexandre da Silva Barros – São João Del Rei, 10 MAR 
1784, f. 19.
183 MR/INV – cx. 29. Inventário post-mortem de Alexandre da Silva Barros – São João Del Rei, 10 MAR 
1784, f. 19 v.
74 De que estamos fa lando?
se tratar de situação estranha e rara, assim como de uso pouco comum deste 
termo para se indicar uma possível entrega religiosa – o mais comum seria 
serva ou cativa – a categoria empregada era exatamente a mesma usada pelo 
testador e pela inventariante para designar os mancípios que possuíam. Não 
parece ter sido o caso, entretanto, de transformar a filha, tão distinguida com 
o título de Dona, à condição de escrava, propriedade privada de outrem, cujos 
eventuais descendentes nasceriam igualmente escravos. Mas na concepção de 
Dona Antonia, parece que a submissão da filha ao pai, ao marido e, na ausência 
deles, a Cristo configurava-se em situação que na essência aproximava-se à do 
“negro, Caetano, benguela” e à da “escrava, Joanna, crioula” que a serviam.184 
Não obstante, a categoria era a mesma, mas as situações, os significados e os 
entendimentos eram bastante distintos.
“Escravidão” 
No Vocabulario Portuguez e Latino de Dom Raphael Bluteau, de 1712, 
“escravidam” é vocábulo definido curta e objetivamente como “Cativeiro. 
Servidão.”185 Não há nesta definição ou em outra qualquer indicação de siste-
ma de exploração de mão de obra, como entendemos atualmente. Não existia 
o substantivo “escravismo” nem o substantivo/adjetivo “escravista”, e o termo 
“escravaria” apareceu apenas uma vez, já mencionada anteriormente, para 
designar em um inventário o conjunto de mancípios de um senhor falecido. 
Nos testamentos e inventários post-mortem, documentação prodigiosa para o 
estudo da temática, uma vez que contém a “fala” de populares e de autoridades,186 
“escravidão” não era termo de uso comum, a não ser quando se empregava 
uma fórmula jurídica, esta sim, muito frequente, para indicar-se a libertação 
de um escravo: “deixo livre e isento de toda escravidão como se livre nascesse”; 
184 MR/INV – cx. 29. Inventário post-mortem de Alexandre da Silva Barros – São João Del Rei, 10 MAR 
1784, f. 4 v.
185 BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino… op. cit., p. 224.
186 Sobre este aspecto ver PAIVA, Eduardo França. Relatos de vida – Testemunhos de escravos e alforriados. 
Rio de Janeiro, Ciência Hoje – Imprensa Universitária UFMG, 2015, p. 1-2 [http://cienciahoje.uol.com.br/
revista-ch/sobrecultura/relatos-de-vida] e PAIVA, Eduardo França. “Usos e costumes da terra”: o viver 
e o sentir nos relatos testamentais e nos inventários post-mortem das Minas Gerais setecentistas. In: 
Roberto Guedes; Claudia Rodrigues; Marcelo da Rocha Wanderley. (Org.). Últimas vontades: testamento, 
sociedade e cultura na América ibérica (séculos XVII e XVIII). Rio de Janeiro: Mauad X, 2015, p. 75-106. 
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 75
livrava-se o ser humano do estado de escravidão no qual se encontrava. Para 
além desta situação específica, o termo não era frequentemente empregado.
Aparentemente, salvo exceções, via-se a escravidão como uma prática 
comum, legal e legítima, perspectiva compartilhada até entre os cativos e 
os forros, o que corroborava a compreensão de um mundo “naturalmente” 
desigual e hierarquizado, no qual ecoava ainda a perspectiva aristotélica de 
escravidão/servidão natural.187 Não se explicava aquelas realidades como “so-
ciedades escravistas”, como o fazemos hoje; aliás, nem como “colônia” (versus 
“metrópole”), marcador ainda mais comum entre nós. Tratavam-se de povos 
que habitavam os domínios do rei de Portugal. Nas cidades, vilas, capitanias, 
comarcas, freguesias, paróquias, bairros, arraiais e ocupações rurais a gente de 
muitas “qualidades” e “condições” se organizava em famílias, em irmandades 
e/ou em outros tipos de agrupamentos; nestas demarcações uma parte menor 
constituía-se como senhores de escravos e outra maior era formada justamente 
por estes homens e mulheres possuídos. Deve-se ressaltar, inclusive, que nos 
discursos, descrições e explicações que se encontram na documentação ra-
ramente se identifica a compreensão deste conjunto de desiguais como uma 
“sociedade”. Moradores de todas as “qualidades” e “condições” e autoridades de 
todos os níveis não tratavam desta forma aquela realidade espaço-temporal e 
política; a identificação primordial de cada um era mesmo com os agrupamentos 
aos quais se vinculava de alguma forma, como irmandades, milícias, famílias, 
bairros e paróquias, grupos de trabalho, de origem e de crença. 
No dia a dia dessas sociedades escravistas (assim como as denominamos 
hoje, sem muita contestação), ter escravos ou libertar-se e tornar-se senhor 
de escravos em seguida eram situações absolutamente banais e corriqueiras. 
Neste sentido, a nossa visão sistêmica do “escravismo” de outrora parece não 
se adequar corretamente quando confrontada com a dinâmica cotidiana vi-
venciada por aqueles povos, marcada muito mais pelas práticas “naturais” do 
ser escravizado, do nascer escravo e do alforriar-se, do que pela perspectiva 
atualizada de um sistema injusto e imoral que privava de liberdade centenas 
de milhares de pessoas. Sublinhe-se que nas áreas mais urbanizadas do mundo 
187 Ver sobre o tema TOSI, Giuseppe. Aristóteles e a escravidão natural. Boletim do CPA (UNICAMP), 
Campinas, v. VIII, n. 15,p. 71-99, 2003. [http://venus.ifch.unicamp.br/cpa/sbp/11-giuseppe.pdf]
76 De que estamos fa lando?
ibero-americano essas práticas foram largamente adotadas também por libertos 
(e até por escravos) africanos, crioulos e mistos de várias “qualidades” e que 
ao final do século XVIII, em várias regiões, a quantidade de proprietários não 
brancos forros e nascidos livres pode ter chegado a mais de 1/3 do total; ainda 
que pese a falta de estatísticas para subsidiar esta afirmação.188
A imoralidade, a ilegalidade e a ilegitimidade da escravidão são valores 
eminentemente oitocentistas, insuflados pelo combate ao tráfico atlântico 
bancado por ingleses e demais europeus, por juristas modernizadores, pelos 
movimentos abolicionistas e pela recém-nascida opinião pública, presente em 
cidades europeias, norte-americanas e brasileiras, geralmente fomentada por 
periódicos. Tudo isto se contrapôs aos entendimentos e às práticas escravistas 
mais corriqueiras que vigoraram até, pelo menos, o início do século XIX. Esta 
visão “abolicionista” do passado escravista obviamente o condenou e o des-
creveu convenientemente para ser combatido, acusado de promover o “atraso” 
brasileiro e execrado da memória nacional, desejosa de “civilização”. Já durante 
o século XX, a República evocou estas versões para reforçar sua modernidade 
em oposição ao pretenso barbarismo monárquico.
Os ecos e os valores destes tempos menos recentes chegaram vigorosos 
até nós e continuam marcando fortemente nosso olhar sobre o passado escra-
vista brasileiro, assim como continuam conduzindo boa parte do pensamento 
historiográfico. Diante disto, é necessário advertir: nossa atual condenação do 
escravismo como sistema de domínio e de exploração do trabalho não pode 
188 A historiografia mais recente sobre as dinâmicas escravistas modernas, desenvolvida no Brasil, nos países 
de língua espanhola e em alguns centros de estudos norte-americanos e europeus, vem nos últimos 
35 anos corroborando parcial ou integralmente esta visão. A lista de autores é extensa, mas aqui optei 
por indicar apenas alguns mais expressivos, entre mais antigos e mais recentes: ARES QUEIJA, Berta & 
STELLA, Alessandro. (coord.) Negros, mulatos, zambaigos – Derroteros africanos en los mundos ibéricos. 
Sevilla: Escuela de Estudios Hispano-Americanos/CSIC, 2000; BERNAND, Carmen. Negros esclavos y 
libres en las ciudades hispanoamericanas. Madrid: Fundación Histórica Tavera, 2001; FLORENTINO, 
Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas; famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 
1790-c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997; LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas; 
escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; MATTOSO, 
Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. (trad.) São Paulo: Brasiliense, 1988; OLIVEIRA, Maria Inês 
Cortes de. O liberto: o seu mundo e os outros; Salvador, 1790/1890. São Paulo: Corrupio/CNPq,1988; 
PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo… op. cit., 2001; PAIVA, Eduardo França. Escravos e 
libertos… op. cit., 2009; REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no 
Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
I I I Escravo e mest iço: do que estamos efet ivamente fa lando? 77
obstar o melhor conhecimento por nós de antigos valores relacionados ao tema, 
em muito distintos dos que hoje cultivamos e projetamos sobre o passado.
Mestiço
Iniciemos por uma definição antiga, empregada pelos castelhanos na 
América desde os primeiros anos posteriores à chegada deles: mestizo/a 
era o/a filho/a de conquistador e índia. Desde então e até, pelo menos, o 
início do século XIX, esta concepção continuou vigorando, não obstante já 
vir se desconfigurando durante o XVIII. Voltemos a evocar Dom Raphael 
Bluteau. No seu Vocabulário de 1712 já aparecia certa generalização do 
entendimento relativo ao termo: “Homem mestiço. Nascido de pays de 
differentes nações, v. g. Filho de Portuguez, & de India, ou de pay Indio, & 
de mãy Portugueza.”189
A partir do século XVIII é que pouco a pouco “mestiço” foi associado 
a novas definições, passando a incorporar outro “tipos”, além dos filhos de 
europeus e índias. Mesmo assim, há na documentação em geral distinções 
frequentemente empregadas, mas nem sempre claras, entre “mestiço” e, por 
exemplo, “mulato”, “pardo” ou “cabra”. Assim, em meados do século XVIII, 
em um relato sobre o Distrito Diamantino, registrou-se: “(...) por quanto os 
ladrões, que mais perseguem, e roubam as terras dos diamantes, são negros 
forros, mulatos, cabras, mestiços e outros desta qualidade (...)”.190 De maneira 
semelhante, a diferenciação também ocorria na América espanhola e desde 
muito cedo. Em cédula de 1586 o arcebispo do Peru escrevia:
“Yo soy informado que en esas provincias hay muchos negros, mulatos y mes-
tizos, y gente de otras mixturas, y que cada día va creciendo el número dellos, 
y los más son mal habidos y que así muchos no conocen padres y todos se 
crían en grandes vicios y libertad, sin trabajar, ni tener oficio, y comen y beben 
sin orden, e se crían con los indios e indias, y se hallan en sus borracheras 
189 BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino… op. cit., p. 455.
190 Lisboa, AHU, MG, cx. 35, proposta a S. Majestade a respeito do Contrato da Extração dos Diamantes, 
1753-1754, cap. 18, ms.; apud SCARANO, Julita. Devoção e escravidão; a Irmandade de Nossa Senhora 
do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora 
Nacional, 1978, p. 120.
78 De que estamos fa lando?
y hechicerías, y no oyen misa, ni sermón y así no saben las cosas tocantes a 
nuestra Santa Fe Católica, y que de criarse de este manera se podrían seguir 
muchos daños e inconvenientes.”191
Durante o século XIX o termo que existia na Europa desde o século XII, 
pelo menos, e que havia se “americanizado” a partir das conquistas ibéricas,192 
teve seu significado alargado, transformando-se pouco a pouco no que é para 
nós hoje: sinônimo de misturado biológica e/ou culturalmente. Em novecentos 
anos, os entendimentos e os usos foram se transformando e foram sendo as-
sociados novos elementos e novos valores ao termo/conceito/categoria, assim 
como ao longo do tempo importâncias lhe foram sendo atribuídas e destituídas.
Ler a documentação produzida no mundo ibero-americano entre os 
séculos XVI e XVIII ou início do XIX imbuído da definição atual de “mestiço” 
levou muitos, inclusive a mim, durante um determinado tempo, a imaginá-
-lo e a representá-lo automaticamente como um “mulato”, um “pardo” ou um 
“moreno” de hoje. Talvez estes retratos do mestiço do passado tivessem um 
perfil diferente para os historiadores das regiões centrais e mais ao norte do 
Brasil, assim como os naturais de regiões americanas onde os traços indígenas 
permanecem forte e facilmente identificáveis entre a maioria da população. 
Nestes casos, talvez a imaginação e as representação dos mestiços antigos se 
aproximem do que realmente o foram em termos fisionômicos. Ainda assim, a 
maior aproximação se daria muito mais por igualmente projetar sobre o passado 
as definições de nosso presente, do que por buscar nos registros antigos estas 
definições. Assim, em um caso e no outro, nos deparamos essencialmente com 
a mesma e anacrônica operação cognitiva: o passado se torna refém das visões 
elaboradas a posteriori e passa a “ser” aquilo que foi definido séculos mais tarde, 
ao sabor das conveniências deste futuro. 
Os entendimentos que existiram no passado vão se perdendo então. No 
caso do termo/conceito/categoria “mestiço”, esta perda e a leitura arrevesada 
produzem imediatos equívocos de compreensão e dificultam o melhor co-
nhecimento sobre a complexidade sociocultural de outrora. Como exemplo, 
191 Apud LUCENA SALMORAL, Manuel. La esclavitud en la América española. Warszawa (Varsovia): 
CESLA, 2002, p. 146.
192 PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo… op. cit., sobretudop.179-180.
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mantendo-se a imposição indevida, dificilmente se associaria “mestiço” a “ma-
meluco” ou “mamaluco” e a “bastardo”. Provavelmente, essas categorias seriam 
tomadas como muito distintas umas das outras. No entanto, pelo menos entre 
o século XVI e parte do XVIII elas foram sinônimas. Todas elas indicavam a 
forte presença de filhos de conquistadores portugueses e índias, mas este de-
talhe importantíssimo pode se perder com facilidade impressionante se não 
entendermos que nesse período o conceito de “mestiço” significou algo distinto 
do que pensamos hoje.
Uma derivação do antigo termo/conceito/categoria “mestiço” é o congênere 
“mestiçagem”, marcante na moderna historiografia e cada vez mais presente 
nos atuais discursos, os mais variados. Mas quem pretende encontrá-lo na 
documentação anterior à segunda metade do século XIX pode se decepcionar. 
“Mestiçagem” é criação relativamente recente, que se constitui a partir 
de fortes componentes biológico, racial e racialista, distintos dos conceitos de 
“mestiço”, entendido como “qualidade”, e de “mescla” e de “mistura”, entendidos 
como o cruzamento de “nações” e de “qualidades” distintas. É importante destacar 
que a definição de mestiçagem, ainda em sua origem, embora não se conheça 
até agora seu primeiro proponente ou sua aparição inaugural, se reaproxima de 
conceitos dos antigos gregos, como os de “hibrida” e de “semiferus” – Bluteau, 
citando o romano Plínio, o Velho (23-79 d. C.).
“Assim no lo ensina Plinio no cap. 53. do livro 8. logo no principio, donde 
explica a palavra Hibrida pelo adjectivo Semiferus, acrescentando que se tem 
dito dos homens, nascidos de pays de differentes naçoens. Eis aqui as palavras 
de Plinio. In nullo genere (fala dos porcos monteses) æ què facilis mixtura 
cum fero, qualiter natos antíqui Hybridas vocabaut., ceu semiferos: ad homi-
nes quoque, ut in C. Antonium, Ciceronisin Consulatu Collegam, apellatione 
transaltá. Homem mestiço. Nascido de pays de differentes nações, v. g. Filho 
de Portuguez, & de India (…)”193
Houve, portanto, uma certa animalização antiga, que não deixara de 
existir e de ser evocada como elemento definidor de identidades (inclusive 
193 BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino… op. cit., p. 455.
80 De que estamos fa lando?
associando-se à Fisionomia),194 que foi apropriada no século XIX sob o sig-
no da “raça”, do evolucionismo, do cientificismo e, mais tarde, da eugenia. A 
“mestiçagem”, fortemente tomada em sua dimensão biológica e racializada, em 
detrimento do antigo marcador cultural-espacial-religioso e de origem, tão ao 
gosto da perspectiva católica, tornara-se impedimento de “civilização”. Ela não 
apenas indicava a impureza de raças, de cultura e de nações, mas comprometia 
fortemente o futuro dos povos mesclados biologicamente, além de indicar sua 
inferioridade na hierarquia humana.
Ao empregar o conceito “mestiçagem” sobre o passado mais distante e 
ao toma-lo como lente de leitura dos registros históricos que nos ficaram é 
preciso fazê-lo com muito cuidado. Seus componentes racistas, racialistas, 
evolucionistas, genéticos e eugênicos não se adequam à visão de mundo mais 
antiga, estruturada sobre a desigualdade “natural” dos homens, classificados 
por suas “qualidades” e “condições”. 
Conclusões
Transformar a História em um campo fértil para anacronismos que res-
pondem as conveniências de nosso tempo é operação que beira o ficcional e que 
toma o passado como dimensão completamente inexistente ou sem qualquer 
importância, além de servir de irrigador do presente. Sabemos que o passado 
resulta de leituras e escolhas ocorridas no próprio passado e também a poste-
riori. Mas o presente também é isto. Portanto, as historicidades do ocorrido, do 
pensado, do representado, do lido e do interpretado assumem papel central na 
História que aqui preconizamos. São elas as balizas que nos impedem de perder 
o contato com o diverso no tempo e no espaço. São elas também que obstam 
versões pretensiosamente definitivas e acabadas, que não permitem a mutabi-
lidade dos conceitos. As historicidades nos ajudam a compreender melhor a 
variabilidade das versões historiográficas sem transformar a História em uma 
invenção recheada de fatos, de gente de carne e osso e de alguns documentos. 
Nós continuaremos a ler e a contar a História no presente, mas precisamos 
194 Ver, por exemplo, PORTA, Giambattista della. Della fisonomia dell´hvomo: della celeste fisonomia; 
fisonomia di Polemone de Gio. Battista Della Porta. s/l: s/d. 1573(?).
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limitar a nossa intervenção consciente e inconsciente no passado, impedindo-o 
de ter vivido e de viver ainda hoje. 
Entretanto, pensar, por outro lado, que se pode escrever uma história do 
passado apenas com os conceitos, definições e valores existentes outrora ou 
que pretensiosamente julgamos pertencerem a tempos e sociedades pretéritas 
é ceifar a vida do presente. Mesmo com todos os cuidados tomados contra os 
anacronismos, eles são componentes inevitáveis da História e das nossas refle-
xões sobre o passado, que quase sempre são lastreadas em comparações com o 
que vivemos, conhecemos, sentimos, pensamos, representamos e acreditamos. 
Os conceitos, essencialmente, são anacrônicos. Se não o são ou se pouco são 
quando nascem, tornam-se ao longo de sua existência.
Uma conclusão é óbvia, mas ainda assim deve ser sempre explicitada: é 
necessário impedir excessos anacrônicos, mas é um equívoco imaginar ser 
possível uma História isenta deles. Para tanto, como já disse antes, é impor-
tantíssimo considerarem-se as historicidades do ocorrido, dos registros sobre 
ele e das interpretações que se produzem a partir destes registros. Igualmente 
fundamental é, também, aplicar sempre as indagações básicas do historiador 
em relação às suas fontes: onde, quando, quem, como, porque, contra o quê… 
Outro procedimento necessário e que deve balizar nossos trabalhos de tempos 
em tempos é nos perguntar: “de que estou mesmo falando”?! No geral, é este 
um receituário, em parte velho, em parte atualíssimo, que costuma garantir 
eficácia, equilíbrio e alguma fidelidade em nosso trabalho.

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