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A prevalência da CIA é de 5 a 10% de todas as cardiopatias, e sua frequência é de 8,67% entre os defeitos cardíacos congênitos2,6. Existe predomínio no sexo feminino de 2:1. A CIA apresenta-se isoladamente ou associada a outras anomalias congênitas. Morfologia São três os tipos anatômicos da CIA (Figura 3): CIA ostium secundum (OS): é o defeito mais comum e ocorre na região da fossa oval, sendo também conhecido como CIA tipo fossa oval, e corresponde a 50 a 70% das CIAS. CIA ostium primum (OP): é conhecida como defeito do septo AV parcial e está localizada junto às valvas atrioventriculares; quase sempre está associada à fenda no folheto anterior da valva mitral, e corresponde a 30% das CIAS. CIA seio venoso (SV): está localizada junto à desembocadura da veia cava superior ou veia cava inferior e associada à drenagem anômala parcial de veias pulmonares direitas. Figura 3 Comunicações interatriais: face direita do septo atrial e ventricular e comunicações interatriais tipo SV, OS e OP. Fisiopatologia Na CIA, ocorre desvio do sangue do átrio esquerdo para o átrio direito em virtude da maior capacidade de distensão das paredes do átrio direito, da menor resistência vascular pulmonar e da maior complacência do ventrículo direito7. No recém-nascido, esse shunt ainda é muito leve, em razão da elevada resistência vascular pulmonar e da menor complacência do ventrículo direito. Conforme a pressão diminui e a complacência ventricular direita aumenta, o shunt aumenta. Por isso, a ausculta típica é rara nos primeiros meses de vida. Admite-se que o shunt ocorra durante todo o ciclo cardíaco, mas é mais intenso ao final da sístole e no começo da diástole ventricular. Por causa da passagem do sangue da esquerda para a direita pela CIA, há hiperfluxo pulmonar e retorno de sangue aumentado para o átrio esquerdo. Diferentemente da CIV, em que o aumento de volume no átrio esquerdo eleva as pressões dessa cavidade e do capilar pulmonar, na CIA há esvaziamento para o átrio direito e a pressão desse sistema não se eleva. Por isso, os pacientes não apresentam sinais de taquipneia, dispneia aos esforços e interrupções às mamadas – sintomas e sinais típicos de hipertensão venocapilar pulmonar. Com o volume aumentado nas cavidades direitas, há dilatação do átrio e do ventrículo direito e da artéria pulmonar, além de um prolongamento no tempo de esvaziamento do ventrículo direito, denotado clinicamente pelo desdobramento fixo da segunda bulha, que é o atraso no fechamento da valva pulmonar. O grande fluxo nas valvas pulmonar e tricúspide provoca as estenoses relativas, responsáveis pelos sopros cardíacos. Se não houver correção da CIA nos casos com indicação, o paciente pode desenvolver, em idade adulta, IC, arritmia e hipertensão pulmonar6. Quadro clínico A maioria dos pacientes é assintomática. Algumas vezes, podem apresentar fadiga, infecções respiratórias de repetição e palpitações. Raramente, em lactentes, ocorre IC e atraso no crescimento. Nas CIA OP, os sintomas normalmente são mais graves e precoces na infância, com sinais de IC, atraso no desenvolvimento ponderoestatural e sopro de insuficiência mitral. A impulsão sistólica do ventrículo direito é palpável na borda esternal esquerda por causa de sua dilatação. O desdobramento fixo da segunda bulha é típico dessa anomalia e ocorre pelo retardo no esvaziamento do ventrículo direito, o qual apresenta volume sanguíneo aumentado. O sopro sistólico de ejeção em borda esternal esquerda na valva pulmonar (segundo espaço intercostal) em virtude da da estenose relativa da valva. Pelo mesmo motivo, ausculta-se um sopro diastólico precoce ou mesodiastólico na borda esternal esquerda inferior, na valva tricúspide – somente quando a CIA é ampla. Na CIA OP, além dos sinais anteriores, há presença de sopro holossistólico de insuficiência mitral6. Exames complementares O padrão característico no ECG é a presença de complexo QRS tipo Rsr’ (distúrbio de condução do ramo direito) nas derivações precordiais direitas, por sobrecarga ventricular direita, mas o exame pode ser normal no caso de CIA pequena. Em 50% dos pacientes, observa-se mudança na onda P, sugerindo aumento atrial direito. Na CIA grande, evidenciam-se hipertrofias atrial e ventricular direitas com desvio do eixo para a direita. Na CIA OP, além das alterações já mencionadas, observam-se hemibloqueio anterior esquerdo e sobrecarga ventricular esquerda. Na radiografia de tórax, nota-se cardiomegalia à custa do átrio e do ventrículo direito e da artéria pulmonar (segundo arco esquerdo proeminente). A circulação pulmonar está aumentada sem sinais de congestão pulmonar (ausência de vasos predominantes na porção apical). O ecocardiograma confirma o diagnóstico e caracteriza a CIA pela visualização direta. A repercussão pode ser medida pelo aumento das cavidades direitas e pelo fluxo pulmonar, com o cálculo de Qp/Qs (relação do fluxo pulmonar com o fluxo sistêmico, em que o normal é 1:1). Em alguns pacientes, como crianças obesas e adultos, por vezes, a visualização do defeito é difícil. Nesses casos, a injeção de solução salina em veia periférica e o ecocardiograma transesofágico podem ajudar. O cateterismo, raramente indicado para diagnóstico, é utilizado quando há suspeita de drenagem anômala parcial das veias pulmonares ou para avaliação de pressões. Atualmente, a indicação maior é com objetivo terapêutico, para fechamento da CIA com dispositivos, nos casos de CIA OS com bordos bem delimitados6. Tratamento O fechamento da comunicação está indicado quando o paciente apresenta uma relação Qp/Qs > 1,5, e pode ser feito por cirurgia ou cateterismo intervencionista em CIA OS. O fechamento percutâneo por meio de cateterismo intervencionista com colocação de prótese se tornou o método de escolha para fechamento, mas só pode ser realizado nas CIA OS e devem seguir algumas regras: CIA com diâmetro > 5 mm ee a de via de entrada, a 5 a 8%6 (Figura 4). A CIV da tetralogia de Fallot é uma CIV grande perimembranosa, não restritiva com extensão para região subpulmonar. A CIV de via de entrada normalmente é observada com defeito do septo atrioventricular. A CIV subarterial infundibular ou supracristal pode estar associada a prolapso da cúspide da valva aórtica através da CIV, resultando em insuficiência aórtica6. CIV perimembranosa É o defeito mais comum (70% dos casos) e envolve os septos membranoso e muscular. Essa denominação deve-se ao fato de que os defeitos são, em geral, maiores do que a porção membranosa do septo ventricular. As margens do defeito são constituídas por estruturas fibrosas das valvas aórtica e tricúspide (continuidade fibrosa aorticotricuspídea) e bordas musculares do septo muscular adjacente. Uma característica anatômica fundamental é que o feixe de Hiss se relaciona com sua borda posteroinferior. Figura 4 Tipos de comunicação interventricular AD: átrio direito; AO: aorta; AP: artéria pulmonar. Esse defeito pode ser subdividido em CIV perimembranosa de via de entrada, de via de saída e de zona trabecular, dependendo da direção de sua extensão. Algumas vezes, em razão do seu tamanho, estende-se para mais de uma região, denominando-se, assim, CIV perimembranosa confluente. CIV de via de entrada (justatricuspídea) É o defeito localizado abaixo da valva tricúspide não relacionada com o septo membranoso. Nesse caso, o feixe de Hiss passa na borda anterior do defeito. Suas margens são constituídas pelo anel da valva tricúspide e pelas bordas musculares do septo muscular da via de entrada do ventrículo direito. CIV justa-arterial duplamente relacionada é um defeito relacionado às valvas ventrículo-arteriais (aórtica e pulmonar). Ocorre na ausência ou na deficiência do septo infundibular, que é a porção do septo interventricular que divide a via de saída do ventrículo esquerdo e do ventrículo direito. CIV muscular É o defeito cuja margem é totalmente composta por tecido muscular; portanto, sem relação com as valvas cardíacas e o feixe de Hiss. Dependendo de sua localização, divide-se em: CIV muscular de via de entrada, de zona trabecular, apical e de via de saída. A comunicação muscular pode ser única ou múltipla, encontrando-se, em algumas situações, várias pequenas aberturas (nesse caso, é conhecida como CIV tipoesquerdas. Na CIV grande, há importante aumento da circulação pulmonar, com sinais de hiperfluxo e congestão venosa, e uma cardiomegalia significativa, consequência do aumento das cavidades esquerdas, da artéria pulmonar e do ventrículo direito. Na hiper-resistência vascular pulmonar, os vasos dos hilos pulmonares ficam proeminentes, com ausência de vasos na periferia, e a área cardíaca pode estar normal ou discretamente aumentada, com grande aumento da artéria pulmonar. É importante notar que na CIV não existe aumento da aorta. O ECG mostra-se normal na CIV pequena. Na CIV moderada, existe sobrecarga ventricular esquerda; em alguns casos, com predomínio do ventrículo esquerdo. Na CIV grande, a sobrecarga é biventricular, com predomínio, às vezes, do ventrículo direito. Na hiper-resistência pulmonar, observa-se sobrecarga ventricular direita. Sobrecarga atrial esquerda pode ser visualizada nas CIV moderadas e grandes. O ecocardiograma é o exame mais importante para a definição diagnóstica e a conduta clínica, devendo ser indicado assim que houver suspeita clínica da lesão. Pode definir também a localização, o tamanho, a repercussão hemodinâmica e a relação do defeito com outras estruturas cardíacas. O cateterismo cardíaco diagnóstico é reservado para quando há necessidade de estudo das pressões pulmonares ou investigação de anomalias associadas suspeitadas e não definidas pelo ecocardiograma. Alguns serviços utilizam-no para fechamento do defeito. Tratamento Tratamento clínico A terapêutica medicamentosa está indicada para pacientes que apresentam sinais de IC. O uso clássico de diurético provoca uma melhora substancial. Quando necessário, utiliza-se um vasodilatador associado, como o inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA). Alguns serviços preconizam o uso isolado do IECA. Não é necessária a restrição de atividades físicas na ausência de hipertensão pulmonar. O fechamento percutâneo com prótese é possível em algumas CIV musculares selecionadas, longes das valvas atrioventriculares e quando o acesso cirúrgico é difícil. Alguns centros fazem o procedimento híbrido, com toracotomia esquerda e fechamento com prótese