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Texto para manual- introdução ao estudo da biogeografia

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1-INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA BIOGEOGRAFIA 
 
 
Adriano S. Figueiró 
 
1.1- Como e Por Quê os organismos vivos se distribuem na 
superfície da Terra? 
 
 Desde de que li o livro de Andreas Suchantke1, a provocação do autor, 
já expressa na capa do livro, tem me instigado a ir cada vez mais fundo na 
busca das respostas: “O que nós vemos quando olhamos uma paisagem” ? 
 Um geógrafo jamais pode reduzir o seu campo de visão ao que os olhos 
estão enxergando. Há sempre uma “conexão” oculta por trás daquilo com que 
nos deparamos na natureza É preciso uma grande dose de “imaginação 
científica” orientada pela curiosidade, para que consigamos entender os 
processos que controlam as estruturas visíveis das paisagens terrestres. As 
paisagens que se apresentam aos nossos olhos não são, assim, apenas a 
soma de elementos vivos e não vivos que coabitam uma dada superfície da 
Terra, mas sim o arranjo com que estes elementos estão dispostos, uns em 
relação aos outros, o que lhes permite desencadear processos de diferentes 
naturezas e intensidades. A resposta, aparentemente óbvia, tem 
desdobramentos intermináveis para o campo da Geografia Física e, mais 
especificamente, para a Biogeografia. 
 Por que as paisagens se diferenciam na superfície da Terra? Pela 
diferença de temperatura? Pela diferença de umidade? Pelo tipo de relevo e 
solo? Pela ação do homem? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1- Uma floresta temperada (a esquerda) e uma floresta tropical (a direita) são duas 
paisagens com estruturas e processos completamente diferentes. Mesmo dentro de um mesmo 
bioma, a composição de espécies encontradas em uma floresta tropical no Congo é bastante 
diferente daquela encontrada em uma floresta tropical sul-americana. O porquê e o quanto são 
 2
diferentes cada uma destas paisagens, são algumas das questões que tem motivado a busca 
do conhecimento em Biogeografia2. 
 
 Todos estes elementos interatuam ao longo da história evolutiva de cada 
espécie, o que nos fornece hoje um cenário altamente complexo e diversificado 
dos modelos espaciais de distribuição das milhões de espécies vivas que 
ocorrem no planeta, desde os desertos frios da Antártida até as selvas quentes 
e úmidas da região equatorial. 
 Um observador mais atento (e mais curioso), certamente deve se 
perguntar questões do tipo: por que os animais de um mesmo taxon3 se 
diferenciam de uma região para outra? Por que certas espécies que ocorrem 
em determinado lugar não aparecem em outros lugares, mesmo com 
semelhantes condições climáticas, como é o caso do urso polar na Antártida? 
De onde surgiram e como lá chegaram os seres vivos que habitam as ilhas? 
Qual a origem das plantas e animais que consumimos e criamos? O que leva 
uma espécie a aparecer ou desaparecer? Estas e outras questões tem 
ocupado o debate biogeográfico a muitos séculos na busca de uma explicação 
racional para a distribuição espacial dos seres vivos. 
 
 
 
 
 
 
Figura 2- As mudanças na 
paisagem provocam 
diversificação na história 
evolutiva dos organismos. O 
gênero Equus, p.ex., só na 
África, apresenta oitos 
espécies diferentes, cada qual 
com características, hábitos e 
habitats bem diversificados: 
(1) Asno selvagem da Núbia 
– Equus africanus africanus; 
(2) Asno selvagem da 
Somália – Equus africanus 
somalicus; (3) Zebra de 
Grevy – Equus grevyi; (4) 
Zebra de Grant – Equus 
burchelli grant; (5) Zebra de 
selous – Equus burchelli 
selousi; (6) Zebra de 
Chapman – Equus burchelli 
chapmani; (7) Zebra de 
burchel – Equus burchelli 
burchelli; (8) Quagga – Equus 
burchelli quagga (atualmente 
extinta).4 
 
 
 
 
 
 
 
 3
 A formação das paisagens contemporâneas está ligada a uma longa e 
complexa história evolutiva, tanto dos seres vivos que nelas habitam, como 
também dos elementos não vivos, como o clima, a hidrografia, o solo e o 
relevo, em diferentes escalas de tempo. Por meio de um processo combinado 
de mutação e seleção natural e artificial, os organismos vão se adaptando (ou 
sendo adaptados) às mudanças de alimento, ao aparecimento de predadores, 
às flutuações climáticas, às disponibilidades de água e nutrientes, etc. A 
história biogeográfica do planeta nos revela uma regra muito clara: quem não 
se adapta, desaparece! Registros fósseis comprovam de forma indiscutível 
esta regra, especialmente em determinados momentos da história geológica do 
planeta, ligados às mudanças climáticas (de aquecimento ou resfriamento), 
quando milhares de espécies encontraram o seu fim, cedendo lugar à espécies 
novas, mais bem adaptadas às novas condições. 
 Uma das grandes certezas no estudo atual da Biogeografia é que os 
elementos bióticos e abióticos coevoluem no tempo e no espaço, produzindo 
padrões de distribuição particulares. A partir da sobrevivência de alguns traços 
comuns que ainda ligam estes padrões, a Biogeografia busca recontar a 
história destes organismos e destas paisagens ao longo do tempo. 
 Assim, os biogeógrafos precisam contar com a análise da distribuição de 
organismos vivos e fósseis que, combinada com indícios da história evolutiva 
destes organismos e da história de modificação ambiental do planeta, nos 
permite recriar, ao menos em hipótese, a história da distribuição dos 
organismos vivos na superfície da Terra. Isso ajuda não apenas no processo 
de conservação futura destes organismos, como também no desenvolvimento 
de estratégias apropriadas de uso e conservação das paisagens onde eles 
vivem. 
 
Figura 3 – Modelos de distribuição como o da Anta (gênero Tapirus sp.), que ocorre de forma 
descontínua em áreas muito distantes (neste caso, na América do Sul e no sudeste asiático), 
só podem ser explicados a partir da migração de ancestrais, já extintos, e que, seja por 
mudanças ambientais no tempo geológico (neste caso, a diminuição das temperaturas no 
hemisfério norte), seja por variáveis ecológicas (como a ocorrência de doenças, competição ou 
predação), acabaram tendo a sua área de ocorrência reduzida exclusivamente às áreas 
remanescentes, sem nenhuma possibilidade de comunicação atual entre as espécies do 
gênero5. 
 4
 
 Assim como algumas espécies conseguiram, no passado ou no tempo 
presente, uma grande disseminação pela superfície da Terra, outras não 
tiveram a mesma sorte, devido à impossibilidade de ultrapassar barreiras 
físicas ou ecológicas que lhes permitissem uma área de ocorrência mais 
ampla. Inclui-se aqui, por exemplo, o caso dos pingüins, que nunca 
conseguiram atingir o hemisfério norte devido, ao que tudo indica, à sua 
incapacidade de ultrapassar a nado (uma vez que são aves que não voam) a 
grande barreira tropical de águas quentes6. 
 Semelhante sorte tiveram os elefantes africanos (Loxodonta sp.) que, 
devido à separação da Índia da África, perderam qualquer forma de contato 
atual com o elefante indiano (Elephas sp.), que é menor, sem presas e 
susceptível à doma (mas não à domesticação, como veremos adiante). 
 A incapacidade dos organismos vencerem estas barreiras físicas e/ou 
ecológicas leva, por vezes, à formação de importantes endemismos (quando a 
espécie ocorre apenas em um único lugar da superfície da Terra), como 
aqueles encontrados por Darwin nas Ilhas Galápagos ou os atualmente 
encontrados no continente australiano. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 4- O isolamento dos organismos em áreas geográficas específicas, produzido pela sua 
incapacidade de vencer barreiras físicas ou ecológicas, tende a produzir um grande número de 
endemismos, ou seja, espécies raras que só ocorrem em um único lugar da superfície da 
Terra. Na foto, um exemplar de Tartaruga das Galápagos (Geochelone nigra), tal como 
encontrado por Charles Darwin, em 1832.7 
 
 Na maior parte das vezes, o processo de disseminação de uma espécie 
está relacionado com as características intrínsecas a esta espécie, no sentido 
de ser capaz de se reproduzir (em que quantidade?) e avançar (em que ritmo?) 
no território, conquistando novas áreas e fazendo frente aos agentes externos 
(relevo, clima, predadores,etc.), que tornam este avanço mais lento. 
 Nos últimos séculos, todavia, uma gigantesca e poderosa força passou a 
atuar de forma decisiva na distribuição das espécies de organismos na 
superfície da Terra: o homem! 
 Desde as bem sucedidas domesticações de animais e plantas, nos 
últimos oito mil anos, até as terrivelmente mal sucedidas introduções, nos 
últimos séculos, de organismos em ambientes onde eles nunca existiram antes, 
o homem se converteu no maior agente de disseminação de espécies deste 
planeta. 
 5
 A introdução de espécies exóticas representa a principal causa de 
extinções históricas (1600-1980) de espécies animais no planeta, contribuindo 
com 38% das extinções8, contra 36% das extinções promovidas pela 
destruição de habitats e 23% produzidas por caça e coleta predatórias. 
 Estas introduções demonstraram-se especialmente mais sérias em 
ambientes insulares, onde, por exemplo, grande parte das plantas acabou não 
desenvolvendo nenhum mecanismo de defesa contra os herbívoros, 
simplesmente porque eles não existiam originalmente nestas ilhas, ou existiam 
em uma densidade mais reduzida. A introdução, acidental ou programada, de 
novas espécies, “rompeu” com equilíbrios milenares de evolução, produzindo 
verdadeiras catástrofes nestes ambientes insulares. Como resultado desse 
processo, 33% das espécies de plantas ameaçadas de extinção, atualmente, 
são endêmicas de ilhas, embora apenas pouco mais de 15% das espécies de 
plantas do planeta seja efetivamente insular9. 
 Desde muito tempo o homem vem exercendo a sua capacidade de 
produzir enormes mudanças na composição das comunidades animais e 
vegetais de amplos espaços geográficos, seja transladando espécies de uma 
região para outra (com diversas conseqüências ecológicas advindas desse 
processo), seja exercendo uma pressão predatória na caça e coleta, o que, 
invariavelmente, levou à extinção centenas de espécies animais e vegetais, 
mesmo antes do contato dos que se imaginava serem “os bons selvagens” com 
os exploradores europeus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 5- O Kudzu (Pueraria lobata) é uma planta trepadeira importada do Japão pelo estado 
da Geórgia (U.S.A) no sec. XIX para o controle da erosão. Introduzido na ausência de 
predadores, o Kudzu cresce a uma taxa média de 30 cm ao dia e já representa hoje, uma 
praga incontrolável no sudeste dos Estados Unidos.10 
 
 
Diversos estudos desenvolvidos no Havaí indicam que ao menos 50% 
das espécies de aves do arquipélago foram extintas pela população indígena 
bem antes da chegada dos europeus11. 
 6
 Em intervalos de apenas algumas centenas de anos, milhares de 
espécies foram extintas de ambientes insulares e continentais ao redor do 
mundo, fato esse que trataremos com maior profundidade mais adiante. 
 Mais recentemente a ação humana passou a se estender para além do 
imperialismo ecológico12, que historicamente se baseou na captura e translado 
de espécies úteis e na disseminação de espécies nocivas que auxiliaram na 
conquista de territórios. 
 Através da capacidade de produzir uma recombinação genética no DNA 
de um organismo, a ciência humana tem sido capaz de combinar o código 
genético de organismos que, de outra forma, jamais seriam capazes de 
estabelecer um cruzamento, como por exemplo, a combinação de genes de 
uma planta e um inseto, ou de uma planta com um vírus. A manipulação de 
genes em laboratório tem produzido novas combinações de material genético, 
estabelecendo-se, assim, um princípio de intervenção humana capaz de, pela 
substituição das fronteiras naturais entre variedades de espécies e, 
potencialmente entre as próprias espécies, estabelecer fronteiras tecnológicas 
tendentes mais à uniformidade do que à biodiversidade característica do 
planeta13. Exatamente por isso, Carvalho (2000) nos alerta para o fato de que, 
“(...) no mundo atual, seria irresponsável pensar a geografia da distribuição da 
vida, sem, ao mesmo tempo, pensarmos sobre os rumos e as interferências 
que as dimensões políticas e econômicas projetam para essa Biogeografia”14 
 A manipulação de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) 
abriu, assim, uma nova perspectiva para o debate da biodiversidade, 
submetendo-a completamente aos interesses industriais e comerciais do 
capital mundial. Passamos, portanto, a nos preocupar não apenas com a perda 
das espécies existentes15 mas, também, com a criação artificial de novas 
espécies que, seja pela intensidade da manipulação, seja pelo ritmo em que 
essa manipulação ocorre, pode ser bem mais impactante do que o processo 
anterior. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 6 – O uso da transgenia no 
mundo atual pode representar um 
enorme risco, não apenas à saúde 
humana, mas à sociedade como um 
todo, pelo grande monopólio 
biotecnológico que a produção de OGMs 
encerra. 
FONTE: 
www.tccgreenpece.blogspot.com 
 
 
 
 7
 
 Neste sentido a Biogeografia, mais do que nunca, aproxima-se do 
debate político e econômico que ocorre na sociedade, incorporando às suas 
raízes naturalistas o olhar integrador do geógrafo, naquilo que se refere às 
formas de interação e apropriação da natureza pela sociedade. 
Assim, ao tentarmos responder à pergunta inicial deste capítulo, 
concluímos que a distribuição dos seres vivos na superfície da Terra está 
ligada a cinco fatores principais: 
• Às condições ambientais (luz, alimento, temperatura, água, etc.), 
que podem favorecer ou dificultar a ocorrência dos seres vivos. Essas 
condições ambientais variaram muito ao longo da história geológica da 
Terra, definindo, ao mesmo tempo, grandes variações na distribuição dos 
organismos, tal como ocorreu nos períodos de extinções em massa, na 
passagem do Paleozóico para o Mesozóico e na passagem deste para o 
Cenozóico. 
• Aos recursos disponíveis para garantir a sobrevivência do 
crescimento vegetativo das espécies. O esgotamento dos recursos ao longo 
da história definiu grandes processos migratórios dos seres vivos em 
direção a regiões de recursos mais abundantes. Entre outros movimentos, a 
entrada dos primeiros seres humanos no continente americano há 
aproximadamente 12.000 anos atrás, no final do último período glacial, teve 
esta motivação. 
• À capacidade de disseminação das espécies. Espécies mais 
prolíficas tendem a ter maior capacidade de ocupar novas áreas, uma vez 
que a produção de novos descendentes acaba produzindo um excedente 
populacional que impulsiona os indivíduos a buscarem melhores condições 
em espaços com recursos mais abundantes e menos concorridos. Espécies 
que possuem períodos reprodutivos muito longos e menor taxa de 
fertilidade tendem a ter menor capacidade de disseminação. 
• À capacidade evolutiva das espécies. Espécies que tenham ciclos 
de vida mais curtos tendem a produzir um maior número de gerações em 
pequena escala de tempo e, a cada geração, novas possibilidades 
evolutivas, por meio de mutações aleatórias, podem surgir para favorecer 
uma melhor adaptação daquela espécie às mudanças nas condições 
ambientais. Veja-se, por exemplo, a enorme capacidade de vírus e 
bactérias patogênicas de sobreviverem em diferentes espaços da Terra, 
resistindo por processos sucessivos de mutação, até mesmo à vacinas e 
antibióticos que são criados para eliminá-los. 
• À ação humana que, mais do que em qualquer outro momento da 
história, interfere diretamente na distribuição (extinguindo, introduzindo, 
adaptando, reproduzindo, conservando) e, até mesmo, na criação de novas 
espécies por meio da manipulação do código genético original. 
A partir da atuação destes diferentes fatores, podemos compreender 
que os seres vivos apresentam uma grande variação espacial (as espécies 
aparecem ou não aparecem, se desenvolvem ou não se desenvolvem em 
determinados locais em função das características que lhes são favoráveis ou, 
pelo contrário, as impedem de se desenvolverem) e temporal (as espécies que 
habitam determinado território em determinado tempo histórico ou geológico, 
podem não habitá-loem um momento seguinte, em função de terem se 
 8
extinguido, se transformado ou migrado, acompanhando as transformações 
que ocorrem no ambiente). 
Com isso, podemos afirmar que a estrutura e a composição da 
paisagem se transformam no tempo e no espaço, acompanhando as mudanças 
dos elementos naturais ou antropogênicos que controlam a distribuição dos 
seres vivos. 
Diante de todas as questões acima levantadas, a Biogeografia tem uma 
importante contribuição na elaboração das respostas a duas questões centrais 
no debate científico atual: 
 
• Os processos de degradação a que têm sido submetidos os ecossistemas e 
as espécies que neles vivem, são reversíveis? 
 
• É possível compatibilizar o modelo econômico urbano-industrial do mundo 
atual com a preservação da biodiversidade? Como? 
 
 Embora não possamos reduzir a complexidade do mundo atual a 
respostas simplistas de “sim” ou “não”, o enorme conjunto de conhecimentos 
que as pesquisas na área de Ecologia, Biogeografia, Geoecologia, e Biologia 
da Conservação têm produzido nos últimos tempos, não nos permite ter uma 
visão otimista acerca do cenário futuro dos recursos naturais do Planeta. Há, 
por certo, uma esperança cada vez maior de que sejamos capazes de proceder 
a uma mudança ética na relação com os demais seres vivos, deixando de 
encará-los exclusivamente como “recursos” à serviço do homem e passando a 
compreender e respeitar a história evolutiva da Terra que se encerra nas mais 
diferentes particularidades de cada espécie viva. 
 
1.2 Conceitos, objeto, métodos de abordagem e áreas de 
pesquisa em Biogeografia 
 
 Diante do que vimos até aqui, podemos conceituar a Biogeografia como 
sendo a ciência que estuda a distribuição espacial dos seres vivos: seus 
condicionantes e relações, numa perspectiva temporo-espacial. 
 Partindo-se desse conceito dois elementos tornam-se fundamentais à 
compreensão da Biogeografia. Em primeiro lugar, os condicionantes à 
distribuição dos seres vivos, o que envolve um amplo conhecimento dos fatores 
físicos e bióticos que favorecem ou que limitam a ocorrência de um 
determinado taxon numa área específica. 
 Em segundo lugar, as relações no tempo e no espaço que se 
desenvolvem entre os seres vivos e o meio por eles habitado (alimentação, 
conforto, reprodução, predação, serviços ambientais, etc.). Todas estas 
relações se encontram estreitamente articuladas dentro de uma grande teia 
sistêmica dentro da paisagem; assim, na perspectiva do entendimento do 
processo de formação e transformação da paisagem, estas relações só podem 
ser efetivamente compreendidas em seu conjunto, tendo por base a resultante 
do conjunto de relações em termos de mudanças na estrutura e funcionalidade 
da paisagem ao longo do tempo. Isso abre caminho para a busca de 
metodologias que visem a compreensão integrada destas paisagens, o que 
pressupõe, ao mesmo tempo, um conhecimento aprofundado de cada um dos 
 9
processos em separado (análise), e uma compreensão integrada das 
interações entre estes diferentes processos (síntese). 
Assim, a ocorrência de uma dada Formação vegetal16 em uma 
determinada área não pode ser explicada unicamente pela abundância de 
umidade, mas por uma relação complexa que envolve processos relacionados 
às condições climáticas, edáficas, de relevo e tempo geológico, além daqueles 
fatores relacionados diretamente à forma de reprodução e disseminação de 
cada uma das espécies envolvidas. A fisionomia desta vegetação, por sua vez, 
estará relacionada com umidade relativa, distribuição da pluviosidade ao longo 
do ano, insolação, profundidade do solo, natureza da rocha matriz além de 
altitude e latitude. Tudo isso submetido ao interesse e ao ritmo da sociedade 
que, seja no uso ou na preservação, interfere de forma decisiva na dinâmica 
das Formações vegetais. 
 O estudo integrado da paisagem deverá colocar em evidência os 
aspectos de estrutura, funcionamento e dinâmica da mesma, já que a 
solidariedade entre os diferentes elementos da paisagem cria determinadas 
condições que são responsáveis pela regulação da ocorrência e distribuição 
dos organismos na superfície terrestre. Nesta perspectiva, é possível afirmar 
que as relações que se processam entre os elementos da paisagem podem ser 
tão ou mais importantes do que os próprios elementos. Da mesma forma que a 
função de um relógio (marcar as horas) só pode ser observada no momento 
em que as diferentes peças se estruturam de uma determinada maneira, 
interagindo entre si e colocando em funcionamento o mecanismo dos 
ponteiros, a função e a dinâmica da paisagem só podem ser observadas a 
partir do funcionamento do conjunto, e não a partir da análise de cada um dos 
elementos em separado. 
 Sendo assim, longe de ser uma ciência unidirecional, a Biogeografia 
representa muito mais um campo do saber para onde convergem estudos 
setoriais de diferentes naturezas. Estudos de solo, de clima, de botânica, de 
zoologia e outros, assumem uma nova perspectiva quando são tratados de 
forma integrada numa dimensão espaço-temporal voltada à compreensão da 
paisagem. 
 Mais recentemente a emergência de uma perspectiva sistêmica, 
interdisciplinar no tratamento da questão científica, tem colocado em evidência 
aquelas ciências denominadas por Bertrand (1972)17 de “diagonais”, ou seja, 
ciências que superando a perspectiva verticalizada das disciplinas tradicionais, 
tratam o objeto de estudo de uma forma integrada, “(...) tratando de descobrir 
as leis comuns a fenômenos de distintos gêneros e aparentemente sem 
relação” (p.128). É justamente neste contexto em que se situam as abordagens 
biogeográficas mais atuais. 
 Ao buscar compreender a resultante da interação de processos e 
dinâmicas tão diversas, a Biogeografia se torna um campo do conhecimento 
que desafia o saber particularizado, fragmentado. A busca do entendimento 
das relações que condicionam a distribuição espacial dos seres vivos demanda 
uma compreensão extremamente ampla dos processos envolvidos, passando 
pela dinâmica climática, geológica-geomorfológica, pedológica, hidrológica e 
antrópica. 
 As diferentes possibilidades de estudo no que se refere ao entendimento 
da distribuição dos seres vivos e sua resultante no conjunto da paisagem, 
permite que a Biogeografia lance mão de quatro diferentes formas de 
 10
abordagem, segundo as necessidades, a formação e o interesse do 
pesquisador: 
 
ABORDAGEM COROLÓGICA: representa o estudo (identificação e 
mapeamento) das áreas de distribuição geográfica dos diferentes taxa, bem 
como da origem e transformações sofridas por estas áreas ao longo da sua 
história evolutiva. Estudos desta natureza começaram a se desenvolver desde 
os gregos, quando se buscou inventariar as diferentes formas de vida 
presentes nas diversas regiões do globo. O enfoque, neste caso, centra-se 
exclusivamente na dimensão e representação espacial, buscando entender as 
flutuações sofridas pelas áreas de ocorrência de um dado taxon ao longo do 
tempo. O princípio da abordagem corológica se baseia no fato de que cada 
taxon animal ou vegetal ocupa uma área específica na superfície da Terra, com 
tamanho e forma próprios à história deste taxon, de tal modo que dois taxa 
jamais poderão apresentar a mesma área de distribuição, a menos que estejam 
ligados por uma relação de parasitismo ou simbiose. Esta abordagem é mais 
frequentemente utilizada por pesquisadores da área biológica, que buscam 
identificar e mapear em campo as áreas de ocorrência de determinadas 
espécies, alimentando os bancos de dados acerca do potencial de 
biodiversidade de determinadas áreas. 
 
ABORDAGEM BIOCENOLÓGICA : diferentemente da abordagem corológica, a 
abordagem biocenológica não está centrada no estudo de um determinado 
taxon, mas sim no estudo de uma determinada biocenose, ou seja, uma 
comunidade de espécies, animais e vegetais que, em dado lugar, compartilham 
as mesmas condições gerais de vida. Neste caso, passa a importar não 
apenas quem está presente, mas também quecaracterísticas assume o 
conjunto de quem está presente, e que interações as espécies presentes 
desenvolvem entre si. Se compararmos, por exemplo, a flora da América do 
Norte e da Europa, veremos que os dois continentes compartilham apenas 
47%18 das famílias de plantas superiores; isso nos leva a concluir que estes 
dois continentes possuem mais divergência do que similaridade em termos de 
composição florística. Todavia, quando comparamos fisionomicamente uma 
floresta temperada na Europa com outra na América do Norte em semelhante 
condição de umidade, vamos nos deparar com uma estrutura florestal muito 
semelhante, mesmo que a composição florística seja bastante diferente. Isso 
ocorre porque em semelhantes condições ecológicas, diferentes espécies 
tendem a assumir estruturas e funcionalidades semelhantes. O estudo destas 
estruturas e funcionalidades, independente da sua composição 
florística/faunística, é o objeto de estudo da biocenologia (figura 7). 
 
ABORDAGEM ECOLÓGICA: independente de se ter como referência de 
estudo o taxon ou a comunidade, a abordagem ecológica se caracteriza pela 
busca do entendimento das relações que os seres vivos estabelecem com os 
demais elementos da paisagem onde vivem. Se o estudo está focado nas 
relações dos indivíduos de um determinado taxon com os demais elementos da 
paisagem (temperatura, umidade, solo, predadores, etc.), falamos de 
autoecologia. Já se o foco de análise está voltado para o entendimento das 
relações que uma determinada comunidade estabelece com os demais 
elementos do meio, falamos de sinecologia. 
 11
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 7- O estudo da área de ocorrência de um único taxon (mapa da direita19, com a 
distribuição da espécie Canis simenses ou de um conjunto de espécies que compartilham as 
mesmas condições ambientais (mapa da esquerda20, com a distribuição dos principais 
Biomas21 que ocorrem no território brasileiro), nos permite fazer a diferença entre a abordagem 
corológica, à direita, e a abordagem biocenológica, à esquerda. 
 
Assim, por exemplo, tanto pode-se fazer um estudo aprofundado sobre a 
autoecologia das saúvas (Atta spp.), buscando identificar os elementos ligados 
à sua distribuição e comportamento (reações às altas e baixas temperaturas, 
níveis de umidade, formas diferenciadas de alimento, etc.) quanto pode-se 
fazer um estudo sobre a sinecologia da Mata Atlântica, buscando identificar os 
processos que se desenvolvem naquela cadeia alimentar, as influências e 
limitações abióticas, a sucessão vegetal, etc. 
 
ABORDAGEM GEOECOLÓGICA: Com uma característica fortemente 
geográfica e integradora, esta abordagem visa compreender a inter-relação dos 
aspectos estrutural-espacial e dinâmico-funcional das paisagens, entendidas 
estas a partir de sua formação antropo-natural, ou seja, um sistema territorial 
composto por elementos naturais e antropotecnogênicos condicionados 
socialmente, que modificam as propriedades das paisagens naturais originais22. 
Diferentemente das abordagens anteriores, o foco de interesse neste caso não 
está nos condicionantes ou relações de uma espécie ou conjunto de espécies, 
mas sobre a resultante produzida pela interação entre os diferentes 
componentes da paisagem, onde os componentes bióticos desempenham um 
papel extremamente importante como indicadores do grau de equilíbrio do 
sistema23. 
 As três primeiras formas de abordagem anteriormente descritas contam 
com três métodos distintos de estudo (não necessariamente excludentes): o 
método taxonômico, voltado para a identificação e classificação dos indivíduos 
dentro de um determinado taxon a que pertençam. Este método, pela sua 
natureza classificatória, é amplamente empregado dentro da abordagem 
corológica, resultando em mapas, esquemas ou bancos de dados que contém 
a informação sobre a distribuição e área de ocorrência dos diferentes taxa 
estudados (figura 8). 
Área de ocorrência 
do Lobo Etíope 
(Canis simensis) 
 12
Já o método fisionômico é utilizado para compreender a estrutura 
(fisionomia) de uma dada comunidade como resultante das condições 
ambientais passadas ou presentes, independente das espécies que 
componham esta comunidade. Assim, o foco de interesse não está mais 
centrado sobre a identificação das espécies que aparecem em uma 
determinada área, mas como que as espécies que ali aparecem estão 
estruturadas (altura, densidade, formas de associação, etc.), e quais as causas 
deste “arranjo” entre elas. A abordagem biocenológica é a que mais se utiliza 
dos métodos fisionômicos, pois vai buscar definir as semelhanças e diferenças 
estruturais entre determinadas formações vegetais submetidas a variações nos 
fatores ambientais (figura 9). Este é, todavia, um recorte meramente didático e 
simplificado, uma vez que a abordagem biocenológica também dificilmente 
consegue prescindir dos métodos taxonômicos, especialmente porque às 
descrições fisionômicas e estruturais de qualquer biocenose se costumam 
acrescentar as relações de flora e fauna presentes. 
 Por fim, o método ecológico busca identificar e quantificar os ciclos de 
matéria e os fluxos de energia que circulam dentro de um ecossistema (natural 
ou antropo-natural), e que são responsáveis pela permanência de uma dada 
espécie ou comunidade com determinadas características dentro daquela área. 
Considerando que as dinâmicas de matéria (elementos químicos, água, 
sedimentos, etc.) e energia (fontes naturais e artificiais) são as responsáveis 
pelas mudanças na estrutura da paisagem ao longo do tempo, o método 
ecológico nos permite compreender o ritmo e a intensidade com que estas 
dinâmicas ocorrem nos diferentes geoecossistemas estudados (figura 10). 
 Já a abordagem geoecológica, pela complexidade e diversidade dos 
processos envolvidos na transformação das diferentes paisagens, não se liga 
de forma exclusiva a um único método de pesquisa mas, ao contrário, vai 
lançar mão de uma grande diversidade de métodos e técnicas de pesquisa que 
são oriundos das diferentes áreas do conhecimento que compartilham este 
objeto de estudo, desde a Geoecologia, Ecogeografia, Ecologia da Paisagem, 
Ciência da Paisagem, entre outras. Tais métodos de estudo da paisagem, 
todavia, compartilham entre si o princípio sistêmico de interação entre os 
diferentes componentes, buscando compreender a paisagem como uma 
síntese de tais interações. 
 A escala e o objetivo da pesquisa é que permitem ao biogeógrafo 
escolher a abordagem e o método de estudo mais adequados para o 
entendimento daquilo que se deseje dentro da paisagem. 
Tendo sua origem vinculada às ciências naturais, a construção do 
conhecimento em Biogeografia, desde os seus primóridos, teve o seu 
desenvolvimento dividido entre dois grandes campos de pesquisa: a 
Fitogeogeografia, que tem por objetivo estudar a estrutura e a dinâmica das 
áreas de distribuição das espécies vegetais na superfície da Terra, bem como 
os fatores que interferem nesta distribuição; e a Zoogeografia, que busca 
explicar os fatores que favorecem e/ou condicionam a distribuição dos animais 
na superfície terrestre, construindo hipóteses para o aparecimento, a 
disseminação e a extinção destas espécies. 
 Diversas questões ligadas às características das plantas têm contribuído 
para um maior avanço da Fitogeografia sobre os estudos zoogeográficos. 
Dentre estas questões, podemos citar a maior facilidade de coleta e 
preservação de plantas (pelo seu caráter estático) do que de animais; o menor 
 13
número de espécies vegetais em relação às espécies animais (enquanto 
estima-se um total de 200.000 espécies de plantas superiores conhecidas, só 
os insetos ultrapassam um milhão de espécies diferentes); além da baixa 
capacidade de migração das espécies vegetais, o que faz com que sua forma e 
crescimento sejam mais fortemente condicionados pelas condições ecológicas, 
permitindo um estudo mais aprofundado dos processos de adaptações. 
Figura 8- Exemplo de estudo integrando os métodos taxonômico (identificaçãodas espécies 
presentes) e fisionômico (representação das estruturas)24 na realização de uma caracterização 
fitogeográfica de um fragmento residual de cerrado. A figura apresenta um perfil estrutural (A) e 
projeções das copas (B) de um estrato arbustivo-arbóreo em área de cerrado stricto sensu no 
município de Botucatú (SP), onde se identificam as seguintes espécies: 1. Erytroxylum 
suberosum; 2. Tibouchina stenocarpa; 3. Anadenanthera falcata; 4. Rapanea umbellata; 5. 
Morta; 6. Campomanesia pubescens; 7. Myrcea língua; 8. Ouratea spectabilis; 9. Dalbergia 
miscolobium; 10. Tabebuia ochracea; 11. Acosmium sublegans; 12. Eupathorium 
vauthierianum; 13. Myrcia guianensis; 14. Scheflera vinosa; 15. Guapira noxia; 16. Rapanea 
guiarensis; 17. Piptocarpha axillares. 
 
 
Figura 9- Exemplo de estudo empregando o método fisionômico de análise, com objetivo de 
comparar a variação estrutural entre duas áreas florestais desmatadas com tempos de 
regeneração diferenciados. A figura apresenta o perfil estrutural de duas áreas florestais em 
estágios diferentes de sucessão na região do médio vale do rio Doce (MG)25. Em (E) se 
observa uma área em estágio inicial de regeneração, com presença de cipós e uma altura 
média que não excede aos 10 metros; nota-se nesta área a inexistência de um estrato 
emergente. Em (F) se observa uma parcela em estágio médio de regeneração, com uma altura 
média entre 10 e 20 metros e o início da formação de um estrato emergente. 
 
 14
 
 
 
Figura 10: Exemplo de uma pesquisa que lança mão de uma abordagem ecológica para 
retratar as entradas e saídas de matéria (em ton) e energia (em kcal) em um ecossistema 
urbano, buscando compreender o equilíbrio dinâmico produzido a partir de diferentes 
processos ambientais em curso. A figura se refere à estrutura e metabolismo do ecossistema 
urbano da cidade de Bruxelas na metade da década de 7026. 
 
 
 Ao longo do tempo a evolução e a especialização da ciência foi fazendo 
com que a produção científica nestes dois grandes campos de estudo da 
Biogeografia desse origem a, pelo menos, quatro grandes divisões: 
 
BIOGEOGRAFIA HISTÓRICA: Também chamada de Paleobiogeografia, este 
ramo da Biogeografia vai se preocupar principalmente em identificar, a partir 
dos registros fósseis, os processos de distribuição, adaptação, diferenciação e 
extinção de espécies ao longo da história geológica da Terra27, buscando 
responder a questões do tipo: como eram as paisagens terrestres sob 
condições climáticas diferentes das atuais? Como sobreviveram determinados 
taxa às mudanças climáticas? Porque certas regiões do planeta apresentam 
flora e fauna28 tão singulares? Como as mudanças geológicas do planeta 
influenciaram na distribuição das espécies ? A Biogeografia Histórica, desta 
forma, aborda questões que envolvem processos evolutivos ao longo de 
grandes períodos de tempo, refletindo a partir de grandes escalas espaciais e 
tendo por base, em sua maior parte, o registro de taxa extintas. 
 
BIOGEOGRAFIA ECOLÓGICA: Estuda a influência dos fatores ambientais 
atuais sobre os seres vivos e como estes seres respondem às variações nas 
 15
condições ecológicas. A partir disso, este ramo da Biogeografia vai buscar 
respostas para questões do tipo: que fatores impedem determinado taxon de 
se expandir para áreas onde ainda não ocorra? Quais são os mecanismos que 
controlam a diversidade de organismos em um determinado ecossistema e por 
que esta diversidade se altera tanto de um ecossistema para outro? Que 
mudanças as plantas e os animais precisam desenvolver para se adaptarem a 
temperaturas extremas ou à falta de umidade ou ao excesso de luz? A 
resposta a estas questões envolve mudanças processadas em períodos mais 
curtos de tempo, com taxa atuais e estudados a partir de uma escala espacial 
mais restrita, que permita a coleta de dados em campo e o monitoramento dos 
processos. Por todas estas características, a Biogeografia Ecológica abre 
grandes possibilidades de diálogo com os desafios ambientais da atualidade, 
tratando das causas de impactos ambientais, alterações na paisagem e 
buscando propor alternativas para a recuperação e conservação das espécies 
envolvidas. 
 
BIOGEOGRAFIA MÉDICA: Podemos considerar como um ramo derivado da 
Biogeografia Ecológica, que tem como objeto de pesquisa os fatores que 
condicionam a distribuição dos organismos vivos que atuam como vetores de 
transmissão de doenças. Associa as áreas de ocorrência destes vetores com 
as condições ecológicas em que se encontram, buscando entender os 
mecanismos que favorecem ou dificultam a sua disseminação29. Na medida em 
que se estão produzindo mudanças drásticas das condições ambientais do 
planeta e que um número cada vez maior de pessoas passam a ficar expostas 
a organismos transmissores de doenças30, mais aumenta a importância desta 
área de pesquisa. Para esta área confluem estudos de pesquisadores ligados 
à área da Ecologia Humana, saúde pública e Geografia da Saúde. 
 
BIOGEOGRAFIA CULTURAL: Proposto inicialmente por Simmons31, este ramo 
da Biogeografia representa uma síntese dos enfoques histórico e ecológico, 
focada na compreensão do papel do homem na modificação da biota terrestre, 
seja com a domesticação de plantas e animais, seja com a disseminação 
forçada de espécies invasoras, e chegando até os impactos produzidos pelos 
processos de alteração genética e criação artificial de novas espécies. 
Considerando que o homem tem o poder de alterar de forma significativa o 
quadro de distribuição dos seres vivos, tanto de forma direta (introdução de 
espécies), quanto de forma indireta (modificação dos ecossistemas), a 
Biogeografia Cultural oferece uma contribuição indispensável à discussão 
sobre conservação da biodiversidade, segurança alimentar, extinções 
modernas, saberes ambientais e biotecnologia. 
 
 
1.3 Desenvolvimento histórico do conhecimento biogeográfico 
 
 A história da Biogeografia pode ser dividida, grosso modo, em dois 
períodos distintos32. O primeiro período se estende desde o surgimento das 
primeiras idéias sobre a criação do universo até fins do século XVIII, podendo 
ser denominado de período pré-científico. Neste período a principal tarefa dos 
naturalistas, à parte de catalogar os espécimes que eram descobertos em 
diferentes regiões do mundo, resumia-se a comparar as biotas destas regiões 
 16
e estabelecer hipóteses para as similaridades e diferenças que eram 
observadas. 
 O segundo período, denominado de período científico, inicia no século 
XIX, com o surgimento das idéias evolucionistas e se estende até os dias 
atuais. Esta é uma fase em que o conhecimento biogeográfico abandona o 
caráter meramente especulativo e parte para a formulação de teorias e 
hipóteses que se originam diretamente das pesquisas de campo e da ciência 
experimental. 
Cada uma destas fases está, por certo, repleta de momentos muitos 
diferenciados no direcionamento teórico e metodológico de produção do 
conhecimento, bem como na sua intensidade, como seria de esperar em uma 
ciência que dialoga com as questões do seu tempo. Todavia, como não é 
nosso interesse aprofundarmos as questões da historiografia do pensamento 
em Biogeografia, e sim estabelecermos os principais pressupostos a partir dos 
quais tal pensamento se constituiu, acreditamos que esta generalização em 
dois grandes períodos é bastante satisfatória para quem inicia na compreensão 
desta ciência 
 
1.3.1- PERÍODO PRÉ-CIENTÍFICO 
 
 Embora os filósofos gregos e, posterior a eles, a expansão do Império 
Romano ao longo do Mediterrâneo, tenha possibilitado o início das primeiras 
coleções de dados e associações entre características climáticas e aspectos de 
vegetação, a mais antiga teoria biogeográfica e que orientou todo o 
pensamento ocidental acerca da distribuição das espécies na superfície da 
Terra até o século XVIII, pode ser encontrada no Antigo Testamento, no Livro 
do Gênesis. 
 A teoria traducianista33, segundo a qual todos os seres vivos teriam sido 
criadospor Deus e se disseminado a partir de um único ponto da superfície da 
Terra, tem o seu embasamento em duas grandes histórias presentes no Livro 
do Gênesis. Inicialmente a história da criação do Universo, criado por Deus em 
sete dias, chama a atenção para o fato de que todas as criaturas vivas foram 
colocadas no Jardim do Éden, daí disseminando-se por todas as partes 
habitáveis do planeta. Posterior a fase da criação, a história do dilúvio universal 
vem reforçar a idéia de que todos os seres vivos existentes no planeta se 
constituíram a partir dos espécimes preservados por Noé em sua arca (figura 
11). 
Segundo a Bíblia, Noé carregou em sua arca, por ordem divina, sete 
casais de cada espécie de animais, a fim de salvá-los do dilúvio. Cessado o 
cataclismo e aberta a porta da arca, esses animais, obedecendo à ordem de 
Deus (“crescei e multiplicai-vos”), voltaram a povoar o mundo a partir do monte 
Ararat, onde supostamente teria Noé aportado com sua arca34. 
 Semelhante forma de pensamento foi usado por Athanasius Kircher 
(1601-1680) para a explicação da dispersão humana sobre a Terra, a partir da 
destruição da Torre de Babel. Segundo o Antigo Testamento, a multiplicação 
das línguas foi um castigo de Deus à pretensão dos homens de construir uma 
torre cujo topo penetrasse no céu. A dispersão dos homens a partir de Babel 
teria permitido a ocupação de todas as áreas acessíveis por terra, sendo que, 
nesta interpretação, não se aceitava que nenhuma área além do oceano 
pudesse ser habitada. 
 17
 
Figura 11- Este quadro de 1588 pintado por Kaspar Memberger retrata a entrada dos animais 
na Arca de Noé35. Segundo o mito do dilúvio universal, Deus, arrependido de ter criado o 
homem devido à maldade que se espalhara na Terra, decide recomeçar a Criação a partir de 
Noé e seus descendentes, ordenando a este que colocasse em uma arca de madeira sete 
casais de cada um dos seres vivos existentes. Segundo a teoria traducianista, estes seriam os 
animais a partir dos quais se daria o repovoamento do planeta após o dilúvio. 
 
Durante a Idade Média estudiosos como Santo Agostinho (354-430 d.C), 
Pseudoaugustinus (Sec. IV), José de Acosta (1539-1600), entre outros, 
interpretavam os filósofos gregos à luz das Sagradas Escrituras, buscando 
contornar os abalos sofridos pelo paradigma traducianista na medida em que 
novas porções da superfície da Terra passavam a ser conhecidas. 
Seguro argumento para corroborar com esta teoria bíblica era 
encontrado em Aristóteles, especialmente em sua obra Meteorologica. Este 
filósofo grego do século IV a.C. já propunha a divisão da Terra em cinco zonas 
climáticas diferenciadas: duas zonas glaciais, duas temperadas e uma zona 
intermediária, tórrida e árida, onde nada poderia se desenvolver nem mesmo 
ultrapassá-la. Este fato apoiava a idéia de que o povoamento vegetal e animal 
só existiam mesmo junto à Eurásia, fruto da disseminação a partir do Monte 
Ararat, no leste da Turquia, onde Noé teria aportado com sua arca. Da mesma 
forma, jamais poderia ser admitida a existência de qualquer forma de 
povoamento humano ao sul da zona tórrida descrita por Aristóteles. 
Com o avanço do conhecimento, as explicações vão perdendo o seu 
conteúdo metafísico e fantasioso, com anjos e demônios espalhando os 
animais pela superfície da Terra, e vão ganhando em racionalidade, 
especialmente a partir das grandes navegações, dando origem a novas teorias 
 18
que, todavia, ainda buscavam confirmar os pressupostos das idéias 
traducianistas. 
Uma destas teorias foi proposta por um dos mais importantes 
naturalistas do século XVIII, o sueco Carolus Linnaeus (1707-1778). Em um 
clássico texto de 1744, intitulado “Discurso sobre o aumento da terra habitável”, 
o autor propôs uma teoria biogeográfica que corroborava com a perspectiva 
traducianista. Segundo Linnaeus, os animais e plantas que haviam sobrevivido 
ao dilúvio estavam distribuídos nas diferentes altitudes do monte Ararat, 
segundo as preferências ecológicas de cada espécie. Na medida em que as 
águas dos oceanos foram baixando, estas espécies foram se distribuindo pelas 
terras emersas, buscando condições ecológicas semelhantes às que 
ocupavam no Ararat. Disso decorre a conclusão de Linnaeus: “animais e 
plantas que habitam áreas de ecologia semelhante, em diferentes continentes, 
devem pertencer à mesma espécie”36. 
 As idéias de Linnaeus foram duramente combatidas pelo seu 
contemporâneo francês Georges-Louis Leclerc, o Conde de Buffon (1707-
1788), um dos precursores das idéias transformistas de Lamarck37. Segundo 
Buffon, a teoria de Linnaeus tinha como pressuposto que, para chegarem a 
ambientes com condições ecológicas semelhantes às suas condições originais, 
as espécies precisariam atravessar outras regiões com condições muito 
diversas. Estas regiões teriam servido como barreiras ecológicas, impedindo o 
deslocamento destas espécies, uma vez que, tal como defendido pelos 
traducianistas, elas deveriam ser incapazes de se modificar para se adaptar às 
condições das áreas que precisavam ser atravessadas. 
 A solução proposta por Buffon para este impasse era clara: ao contrário 
do que se pensava, a partir de uma área original de criação38, as espécies 
foram se modificando na medida em que passaram a ocupar novas áreas com 
condições ecológicas diferentes. Isso, para Buffon, justificaria a variação 
encontrada entre a Biota das diferentes regiões do planeta. 
Em 1761, ao publicar o volume IX da Histoire naturelle, Buffon salienta 
que a maior parte dos mamíferos presentes no Velho Mundo não se encontram 
representados na América, mesmo em áreas com condições ecológicas 
semelhantes. 
 O princípio elaborado por Buffon (o de que regiões com condições 
ecológicas semelhantes separadas por grandes barreiras apresentam faunas 
distintas) contrariava frontalmente a teoria de Linnaeus e foi tão significativo 
para o conhecimento zoogeográfico da época, que acabou conhecido como 
“Lei de Buffon”. 
 Posteriormente, Alexander Von Humboldt (1769-1859) ratificaria os 
princípios desta lei também para a flora, ao comparar a vegetação da América 
do Sul com a africana, confirmando as proposições de outros naturalistas do 
final do século XVIII, como inglês Sir Joseph Banks (1743-1820) e o alemão 
Johann Reinhold Forster (1729-1798), de que a Lei de Buffon poderia ser 
generalizada para outras famílias de seres vivos ao longo do planeta. 
 Questões como essa deram passagem a novas idéias que, se por um 
lado, eram obrigadas a admitir a fragilidade da teoria traducianista39, por outro, 
buscavam ainda confirmar o poder divino sobre todas as criações. Abre-se 
caminho para a teoria Criacionista. 
A partir desta nova interpretação, admitia-se que Deus criara as 
espécies separada e simultaneamente, cada qual em sua própria região. Não 
 19
houvera um único centro de origem e dispersão no Jardim do Éden; não fora 
necessário levar todas as espécies dentro da arca de Noé. Em suma, Deus 
criara, desde o início, e simultaneamente, as regiões biogeográficas, cada qual 
com suas espécies próprias. 
Um dos grandes defensores desta teoria, foi o botânico alemão Karl 
Willdenow (1765-1812) que, em 1792, descreveu as províncias florísticas da 
Europa, defendendo a idéia de que a diversidade de espécies estava ligada à 
ocorrência de múltiplos centros de origem, localizados nas áreas mais altas das 
montanhas e livres do dilúvio. Na medida em que as águas foram baixando, 
dizia Wildenow, as espécies de cada montanha foram se dispersando, dando 
origem às diferentes regiões florísticas. 
Apesar do abandono da idéia de um único centro de origem e dispersão, 
o criacionismo mantinha os fundamentos mais importantes do pensamento 
cristão medieval, cujo princípio básico estava assentado na Teoria das criações 
independentes e na Teoria da constância das espécies, ou seja, cada espécie 
havia sido indiscutivelmente criada por Deus e havia permanecido exatamente 
igual desde então, idéias estas veemente defendidaspor outro importante 
cientista do século XVIII, o barão Georges Cuvier (1769-1832). 
Baseado nas suas pesquisas paleontológicas, Couvier propunha a idéia 
do catastrofismo para justificar a variabilidade de espécies de uma região para 
outra. Diante da impossibilidade das espécies se modificarem ao longo do 
tempo40, algumas desapareciam e outras novas eram criadas por Deus após 
cada episódio catastrófico da Terra. Segundo ele, “a vida na Terra foi, pois, 
frequentemente atormentada por acontecimentos medonhos. Um sem-número 
de seres vivos foram vítimas dessas catástrofes: uns, habitantes da terra seca, 
viram-se tragados por dilúvios; outros, que povoavam o interior das águas, 
foram levados para o seco, quando o fundo dos mares se levantou de súbito; 
até mesmo a raça desses seres acabou para sempre, não deixando no mundo 
senão uns poucos restos reconhecíveis, quando muito, pelos naturalistas.”41 
 Apesar disso, a partir da segunda metade do século XVIII o início dos 
primeiros pensamentos evolucionistas começou a desacomodar estas teorias 
cristãs de um mundo estático e imutável, especialmente pela compreensão de 
que na natureza havia uma clara luta pela existência, e que esta luta poderia 
de alguma forma, influenciar na variação entre as espécies. Importante 
contribuição neste sentido foi a do botânico suíço Augustin Pyrame De 
Candolle (1778-1841) a partir dos estudos de fisiologia vegetal, buscando 
demonstrar que os indivíduos não apenas são influenciados pelos fatores 
ecológicos (água, temperatura, luz), como também competem entre si por 
estes recursos. Ao mesmo tempo, ao analisar a distribuição das espécies 
vegetais na França, De Candolle concluiu que tal distribuição se justificava não 
apenas pela ação atual de fatores ecológicos mas, também, pela ação passada 
de fatores que já não mais atuavam. A contribuição de De Candolle, neste 
sentido, é o prenúncio de um novo período no conhecimento biogeográfico, que 
seria instalado a partir do século XIX, com o surgimento da Biogeografia 
Histórica e da Biogeografia Evolutiva. 
 
1.3.2- O início do período Científico 
 
 É consenso entre a maioria dos historiadores da ciência que o período 
científico da Biogeografia teve início a partir da publicação, em 1805, do “Essai 
 20
sur la géographie des plants” (figura 12) de Alexander Von Humboldt. A referida 
obra originou-se a partir da viagem realizada por Humboldt ao continente 
americano em companhia do botânico francês Aimé Bonpland, entre 1799 e 
1804. Nesta oportunidade, os naturalistas percorreram o norte da América do 
Sul, as Antilhas e o México, realizando observações sobre a flora e fauna da 
região. 
 Uma das principais contribuições de Humboldt à fitogeografia adveio da 
excursão realizada pelo naturalista ao monte Chimborazo, um vulcão de 6.310 
metros de altura, localizado no Equador (figura 13). A partir de suas 
observações, Humboldt pode demonstrar que a sucessão altitudinal da flora do 
Chimborazo correspondia, em linhas gerais, à sucessão latitudinal da flora na 
superfície terrestre42. Daí sua conclusão de que “As espécies vegetais que 
compõem uma família aumentam ou diminuem numericamente do Equador 
para os Pólos”. 
Os aspectos do quadro físico (pressão, temperatura, umidade...) e a 
flora encontrados por Humboldt apresentavam uma correlação tão forte para o 
naturalista, que a sua generalização para o conjunto da superfície terrestre 
apresentava-se como uma possibilidade bastante concreta. Dessa maneira, 
dizia Humboldt, seria possível inferir as características do ambiente a partir da 
análise da estrutura vegetal do local. A partir desta correlação, Humboldt 
propõe o conceito de Geobotânica, cujo objeto seria justamente compreender 
os mecanismos de interação entre as plantas e as características do meio. Tal 
fato abre a possibilidade para o mapeamento vegetal do globo. 
Além disso, Humboldt foi pioneiro na utilização de diversas técnicas 
amplamente empregadas em estudos fitogeográficos, como o uso do 
barômetro para determinação da altitude, a representação do relevo por meio 
de perfis e a criação de mapas de “isolinhas”43. 
 Humboldt publica ainda, “Quadros da natureza” (1808) e “Cosmos” 
(1845), esta última considerada a obra de fundação da Geografia científica. 
 
 
 
 
 
 
 21
 
 
Figura 12 - Frontispício da obra que viria a representar o marco inicial da fitogeografia. A obra 
foi redigida em francês e concluída em 1803, quando Humboldt estava ainda em Guaiaquil, 
sendo publicada um ano após seu regresso á Europa, em 1805, pela editora de Schoell.44 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 13- Croqui do Chimborazo, tal como desenhado por Humboldt. Segundo o próprio autor: 
“Tentei reunir num só quadro o conjunto dos fenômenos físicos encontrados na regiões 
 22
equinoxiais, desde o nível do mar até o cume do mais alto pico dos Andes”45 . Este perfil 
corresponde a uma das principais contribuições do cientista na busca de uma compreensão 
unificadora da natureza. Estão contidas neste esboço todas as espécies de plantas 
catalogadas na região, além de uma preocupação em relacionar tais espécies com as 
variações altimétricas e de temperatura. 
 
 Podemos dizer que Humboldt não inaugura apenas uma fase científica 
do conhecimento biogeográfico baseada em princípios matemático-
mecanicistas, mas, sobretudo, oferece à Biogeografia (e, por conseqüência, à 
Geografia Física), um método de análise próprios46, baseado na busca da 
unidade da natureza por meio do estudo da paisagem, transitando entre o 
idealismo alemão e o enciclopedismo francês e integrando aspectos da arte e 
da ciência na explicação do real47. As diferentes formas de representação da 
paisagem empregadas por Humboldt, desde os perfis integrados, os mapas e 
as pinturas, representavam um reencontro da linguagem artística com a ciência 
mais objetiva e experimental48. 
Infelizmente tal proposição caminhava na contra-corrente do processo 
de especialização em que mergulhava a ciência do século XIX e os seguidores 
de Humboldt não conseguiram impedir que a Biogeografia passasse a assumir 
uma trajetória cada vez mais biológica e fragmentada, afastando-se da 
compreensão da paisagem e da própria ciência geográfica, até meados do 
século XX. 
 Charles Darwin (1809-1882), inspirado nos resultados obtidos e 
publicados por Humboldt49, viaja em uma longa excursão a América do Sul 
entre os anos de 1831 e 1836 (figura 14). Como resultado das suas 
descobertas nesta viagem, e após muitos anos de relutância em propor uma 
teoria que afrontasse a idéia de uma origem divina para os seres vivos, publica, 
em 1859, “On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the 
Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life” (Sobre a Origem das 
Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas 
na Luta pela Vida), posteriormente abreviado para “A Origem das Espécies”, a 
partir da edição de 1872. Esta obra representa uma das maiores contribuições 
à ciência moderna, onde Darwin apresenta evidências abundantes da 
existência de um sentido geral de evolução da vida, mostrando que 
a diversificação das espécies é produzida a partir das diferentes formas de 
adaptação das mesmas às diferentes condições do meio ao longo de gerações 
sucessivas de indivíduos, fazendo com que as espécies se ramifiquem cada 
vez mais a partir de formas ancestrais50. 
Esta obra serviu como marco de referência para a zoogeografia ao 
introduzir o conceito de evolução no estudo da fauna, superando de uma vez 
por todas o pensamento medieval clássico da constância das espécies. Em 
outras palavras, Darwin lança a idéia de que a natureza está em constante 
desenvolvimento e cabe à ciência desvendar as diferentes etapas do dito 
desenvolvimento e determinar as suas leis. 
Ao propor a idéia de que as espécies se transformam ao longo do tempo 
devido à necessidade de adaptação promovida pela seleção natural, Darwin 
não só colocava em xeque as idéias dofixismo cristão, mas, também, colocava 
uma enorme quantidade de combustível no debate político que se instalava na 
Inglaterra de meados do sec. XIX acerca das necessidades de mudanças que 
pudessem levar a uma evolução social 51. 
 
 23
 
 
 
Figura 14- Roteiro da expedição do H.M.S. Beagle, sob o comando do capitão Robert FitzRoy, 
em que Charles Darwing teve a oportunidade de ocupar o posto de naturalista da expedição, 
pagando suas próprias despesas. O objetivo principal da expedição era o levantamento 
cartográfico das costas da parte sul da América do Sul, seguindo depois pelo Oceano Pacífico 
em direção ao continente australiano, a fim de checar coordenadas ainda imprecisas nos 
mapas europeus da época52. 
 
 A obra de Darwin, todavia, talvez nunca tivesse vindo à tona se não 
fossem as descobertas de outro naturalista britânico, menos nobre, chamado 
Alfred Wallace. O texto abaixo, denominado de “Os esquecidos”, tem a autoria 
de Luisa Massarani53 e revela um pouco acerca das descobertas de Wallace: 
 
 Imagine-se muito doente numa pequena cabana numa ilha na Malásia, com uma febre 
tão alta que as alucinações dançam em seu quarto. O que você faria? Em que você pensaria? 
Bem, foi isto que aconteceu com Alfred Wallace. Quando acordou, ele colocou em ordem 
algumas idéias que vinha tendo nos últimos anos e que se tornaram mais claras com as 
alucinações febris. E se sentou em sua escrivaninha para escrever uma carta a uma pessoa 
que você já ouviu falar ou pelo menos de quem você pode encontrar um livro em uma 
biblioteca: Charles Darwin. Era o ano de 1858. 
Ao receber a carta, em sua casa na Inglaterra, Darwin teve um choque! No papel que 
tinha entre seus dedos, estavam algumas das idéias que ele próprio vinha desenvolvendo nos 
últimos 20 anos para explicar a origem e a evolução das espécies animais. 
Segundo Wallace, existe um mecanismo de transmutação de uma espécie em outra. Esse 
mecanismo permite que algumas formas passem a ser mais favorecidas em relação às que 
existem em maior quantidade. Isto faz com que tais formas passem a existir em número maior 
e, com o passar do tempo, tornem-se predominantes na região. Mas, depois, elas acabam 
perdendo lugar para outras formas, em um processo interminável. 
Ao tentar entender que mecanismo regulador seria este, encontrou a resposta: são os 
indivíduos mais bem adaptados ao meio ambiente que sobrevivem. E, na luta pela existência, 
 24
sucumbem aqueles que são mais fracos e menos organizados. Nessa luta, entram fatores 
como, por exemplo, a quantidade limitada de alimentos: se a população crescer muito, não 
haverá comida para todos. Por isto, em geral a população de um determinado organismo se 
mantém com o mesmo tamanho. 
Não era a primeira vez que Darwin e Wallace trocavam cartas, mas esta carta trazia a 
chave para entender como as espécies se relacionam umas com as outras e como se 
originam, tal como o próprio Darwin havia concebido. "Devo dizer que fiquei sem palavras 
quando li o ensaio de Wallace; a coincidência nos conceitos e nas idéias apresentados por ele 
com o meu trabalho é assustadora, inclusive os termos que ambos usamos", disse Darwin a 
seus amigos. 
Enquanto Darwin era um membro da aristocracia e não tinha que trabalhar para viver, 
Wallace vinha da classe operária na Grã-Bretanha, onde nasceu em 1823. Sua viagem à 
floresta amazônica, no Brasil, entre 1848 e 1852, foi possível porque, com seu amigo Henry 
Bates, vendia animais, plantas e outros objetos de história natural que coletava ali para 
colecionadores na Europa. 
Em 1854, quando tinha pouco mais de 30 anos, ganhou uma passagem a bordo de um 
barco que ia para o Oriente. Assim, partiu para o arquipélago Malaio. Tinha na cabeça a 
pergunta para a qual não tinha encontrado resposta em sua viagem ao Brasil: Como as 
espécies de animais evoluem? Nos seis anos em que viveu ali, além de responder a essa 
questão ao formular o princípio da seleção natural, fez muitas descobertas fundamentais em 
biologia, geologia e geografia. 
Na Amazônia e no arquipélago Malaio, Wallace era um observador meticuloso do que 
se passava na natureza. Na primeira viagem, ele percebeu que certas espécies de animais em 
lados opostos de barreiras naturais – por exemplo, um rio – são muito parecidas, mas não 
idênticas. Para algumas pessoas da época, as diferenças se explicavam por causa da 
existência de um deus que criaria espécies distintas. Já Wallace acreditava que antigamente as 
espécies eram iguais; depois, teria surgido um obstáculo natural – neste caso hipotético, um rio 
–, e as espécies de cada margem teriam evoluído separadamente, tornando-se gradualmente 
diferentes, ainda que muitas vezes com apenas diferenças pequenas. 
Quando Wallace voltava do Brasil para sua terra natal, houve uma desgraça: o navio 
em que ele viajava pegou fogo! Ele sobreviveu, mas perdeu seu caderno de notas e uma 
grande quantidade de espécies de animais e vegetais, que ele tinha coletado durante quatro 
anos. Apesar disto, em 1853, ele publicou o livro Viagem pelos rios Amazonas e Negro, no qual 
ele relata seus dias no Brasil. Na segunda viagem, o naturalista conseguiu coletar cerca de 127 
mil espécimes! Com seu livro O arquipélago Malaio, publicado em 1869, finalmente começou a 
ser mais conhecido em outros países. 
 
Wallace inaugurou o pensamento biogeográfico evolutivo através deste 
estudo realizado no Arquipélago Malaio. Neste trabalho Wallace percebeu que 
havia uma nítida separação entre as espécies que ocorriam na parte norte do 
arquipélago e aquelas que ocupavam a parte sul. Enquanto as espécies que 
ocupavam a parte norte do Arquipélago Malaio eram mais relacionadas com as 
espécies que ocorriam na Ásia, as espécies da parte sul eram mais próximas 
daquelas que habitavam a Austrália. Esta linha imaginária que separa as duas 
porções do arquipélago, e que hoje sabemos estar relacionada a uma profunda 
fossa oceânica ligada ao Cinturão de Fogo do Pacífico, foi batizada de Linha de 
Wallace. 
Coube a Wallace, também, redefinir as regiões zoogeográficas do 
planeta, que haviam sido propostas por Philip Lutley Sclater (1829-1913) em 
185854, com base na coincidência espacial da ocorrência de espécies de aves. 
Wallace ampliou estas regiões, incluindo todos os grupos de animais. 
A segunda metade do século XIX foi ainda marcada pelo forte debate 
entre os “dispersionistas” que, como Darwin, acreditavam que a dinâmica de 
distribuição das espécies obedecia a uma dispersão a longa distância 
(ultrapassando grandes barreiras, como oceanos e desertos, a partir de 
mecanismos próprios, como o transporte de sementes por aves, por exemplo) 
 25
e os “extensionistas” que acreditavam que a dispersão a longas distâncias era 
bastante improvável, e que, portanto, a ocorrência de espécies disjuntivas 
(espécies com áreas de ocorrência separadas por grandes barreiras) só teria 
sentido a partir da ocorrência passada de grandes pontes continentais ou 
grandes arquipélagos atualmente desaparecidos, fazendo a ligação entre as 
áreas hoje separadas. 
Defensores desta teoria, como o geólogo Charles Lyell (1797-1875 ) ou 
o zoólogo Joseph Dalton Hooker (1817-1911) partiam de um pressuposto de 
que os continentes sempre estiveram na posição em que estão hoje e que, 
portanto, a distribuição da biota terrestre em um tempo passado havia contado 
com estas pontes terrestres hoje desaparecidas de ligação entre os 
continentes. 
Foi também em meados do século XIX que começou a se consolidar 
uma mudança metodológica profunda na Biogeografia, com a progressiva 
separação dos estudos de base ecológica em uma ciência à parte. Um dos 
seguidores de Darwin, o biólogo alemão Ernest Heinrich Haeckel (1834-1919), 
observou em suas pesquisas que a distribuição espacial das espécies estava 
diretamente ligada às variações das condições ambientais dos locais onde elas 
ocorriam55. Em sua clássica obra de 1866 (“Morfologia Geral dos Organismos”) 
Haeckel atribuiu a uma nova disciplinacientífica, denominada por ele de 
Ecologia, a tarefa de buscar compreender estas correlações. 
Haeckel propôs claramente em sua obra que a Biogeografia deveria 
tratar exclusivamente da distribuição espacial das espécies na superfície da 
Terra, enquanto que à Ecologia caberia o papel de estudar as relações entre as 
espécies e destas com os demais elementos do meio. 
A necessidade que a ciência proposta por Haeckel considerasse a 
importância e a variabilidade da dimensão espacial dos fenômenos fez com 
que a Ecologia incorporasse o conceito de paisagem logo nas primeiras 
décadas do século XX, a partir da proposta de Carl Troll (1899-1975) de 
criação de uma nova disciplina integradora, denominada por ele de 
Geoecologia. 
Estes novos caminhos para o estudo iniciado por Humboldt56 sobre a 
complexidade das dinâmicas envolvidas na paisagem, fez com que o acalorado 
debate de botânicos e zoólogos acerca dos mecanismos que regulam a 
modificação e a distribuição das espécies no planeta monopolizasse a 
Biogeografia do século XIX, dando-lhe uma direção cada vez mais 
especializada e biológica, e minimizando drasticamente o seu papel de 
compreensão da paisagem dentro da nascente Geografia Física57. 
 
1.3.3- A Biogeografia moderna 
 
 A definição das grandes zonas climáticas do planeta, em 1884, 
elaboradas pelo geógrafo russo Wladimir Peter Köppen (1846-1940) e que 
resultou na criação de um sistema universal de classificação climática 
publicado em 1900 (“Ensaio sobre uma classificação do clima, 
preferencialmente em relação com o mundo das plantas”) impulsionou a 
Biogeografia, pela possibilidade de se estabelecer uma compreensão universal 
acerca da variabilidade dos principais elementos do clima que condicionam a 
ocorrência e o comportamento da vegetação nas diferentes regiões do planeta. 
 26
 Não menos importante para a Biogeografia histórica foi a sua publicação 
de 1924, em co-autoria com seu genro, o físico Alfred Wegener, intitulada “Os 
climas do passado geológico”58. Nesta obra os autores fazem um estudo das 
glaciações terrestres, apresentando uma proposta inicial sobre o movimento 
dos continentes, a qual, todavia, só seria reconhecida pela comunidade 
científica a partir da década de 60, com a contribuição de diversos outros 
autores, sob a denominação de teoria da Deriva Continental. Podemos dizer 
que a importância desta teoria foi tanta, que ela inaugurou uma nova fase da 
Biogeografia Histórica. A partir de então, os biogeógrafos passaram a dispor de 
mapas paleogeográficos mais confiáveis para construir as hipóteses sobre os 
padrões de mudança das biotas nos continentes que se movimentavam. 
 Também data do início do século XX (1909) o “Tratado de Geografia 
Física” de Emmanuel De Martonne (1873-1955), cujo volume 3 é dedicado à 
Biogeografia, tendo sido uma obra largamente traduzida e utilizada nos meios 
acadêmicos durante muito tempo59, inclusive no Brasil. 
 Além do “Tratado” de De Martonne, a partir da década de quarenta os 
geógrafos brasileiros passam a se inspirar na sua formação com as 
publicações do biogeógrafo canadense Pierre Dansereau (1911-2011), que 
esteve no Brasil entre os anos de 1945-46 a convite do Conselho Nacional de 
Geografia. Especialmente um dos seus artigos (“Introdução à Biogeografia”60), 
publicado na Revista Brasileira de Geografia em 1949, representou um ensaio 
à publicação de uma importante obra à Biogeografia do século XX 
(“Biogeografia, uma perspectiva ecológica”), publicada em 1957 e igualmente 
muito utilizada nas universidades brasileiras, nas décadas de sessenta e 
setenta. 
 A partir de meados do século XX a produção do conhecimento em 
Biogeografia sofre um novo e importante impulso61, motivado por quatro 
recentes perspectivas teóricas: a teoria da Deriva Continental, o 
desenvolvimento de novos métodos filogenéticos, a teoria da Biogeografia de 
Ilhas e a teoria dos Geossistemas. 
 Embora a teoria da Deriva Continental já tivesse sido proposta por 
Wegener desde princípios do século XX, foi somente com a comprovação da 
expansão do assoalho oceânico, na década de 60, que esta teoria passou a 
ser aceita entre os geólogos, a partir da proposição de um mecanismo de 
geração do movimento das placas tectônicas. Com isso se enfraquecem os 
argumentos “dispersionistas” na explicação das espécies disjuntivas e se 
inaugura um novo período na Biogeografia Histórica com o aparecimento de 
uma subárea a que hoje se denomina Biogeografia Vicariante, buscando 
compreender como a flutuação espacial de diferentes taxa acompanhou a 
movimentação nas massas continentais do planeta, especialmente nos últimos 
200 milhões de anos. 
O botânico italiano Leon Croizat (1894-1982) é considerado como o pai 
da Biogeografia Vicariante. Ao buscar interligar as áreas de ocorrência de 
determinados taxa, Croizat levantou a hipótese de que muitas dessas áreas já 
estiveram conectadas no passado, tendo sofrido posteriormente uma 
interrupção que levou à disjunção e à ritmos diferentes de evolução em cada 
uma delas. A partir destas conclusões, ele foi um dos primeiros biogeógrafos a 
afirmar que “a vida e a Terra evoluem juntas”62. Esta perspectiva tem dado um 
grande estímulo à reflexão, à pesquisa e ao surgimento de novas idéias dentro 
da Biogeografia, partindo-se do princípio de que a história geológica pode 
 27
ajudar-nos a compreender a história dos organismos, assim como a história 
dos organismos pode ajudar-nos a entender a história de nosso planeta. 
 Desde o século XVIII, a classificação universal adotada para seres vivos 
se baseava no agrupamento por critérios de semelhança fisionômica dos 
organismos. A partir da década de 50, com as publicações do biólogo alemão 
Emil Hans Willi Hennig (1913-1976), se desenvolve uma nova maneira de 
analisar o agrupamento dos seres vivos: a Cladística. Este método se baseia 
no princípio fundamental de que os organismos devem ser classificados de 
acordo com as suas relações evolutivas e que a forma de descobrir essas 
relações é analisando, a partir dos dados disponíveis (morfológicos, químicos 
ou genéticos), os “caracteres derivados” dos organismos, ou seja, aquelas 
características produzidas pelo processo evolutivo em um grupo de organismos 
e que os diferencia dos seus antepassados, com os quais compartilham 
apenas aquilo que se designa como caracteres ancestrais ("primitivos"). Como 
resultado desta análise, se produz uma árvore filogenética (figura 15), que 
nada mais é do que uma representação gráfica do processo evolutivo das 
unidades taxonômicas analisadas, demarcando a partir dos diferentes ramos 
os saltos evolutivos encontrados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 15- Árvore filogenética do gênero Equus, e seus ancestrais. A partir da reconstrução 
paleontológica, foi possível estabelecer a filogenia deste gênero desde seus ancestrais mais 
primitivos, a pouco mais de 50 milhões a.a., no continente americano63. 
 28
 A questão do povoamento biológico de ilhas sempre intrigou os 
naturalistas, desde o período pré-científico da Biogeografia. Desde que o 
alemão Johann Reinhold Forster (1729-1798) publicou, em 1778, o seu 
relatório de circunavegação do globo, já estavam lançadas as primeiras bases 
de compreensão da Biogeografia de ilhas. Foster observou em sua viagem que 
as ilhas possuíam menos espécies vegetais do que os continentes 
imediatamente próximos, e que o número de espécies nas ilhas aumentava de 
acordo com os recursos disponíveis em termos de variabilidade de habitat. 
Meio século mais tarde, ao estudar as Ilhas Galápagos, Darwin avançou 
no conhecimento sobre a dinâmica biológica insular, ao sugerir que o 
isolamento geográfico das ilhas facilita mudanças hereditárias nas populações. 
Apesar de todas estas contribuições, até a metade do século XX se 
acreditava que este padrão das biotas insulares refletia dinâmicas evolutivas de 
tempo longo. Os trabalhos de Robert Mac Arthur (1930-1972) e Edward 
Osborne Wilson (1929-) sobre a dinâmica de espécies em ilhas, mostrou que 
questões como competição e predação podem alterar a composição de 
espécies em uma ilha em um tempo muito mais rápido do que se imaginava. A 
teoria do equilíbrio insular64 (ou teoria da Biogeografia de ilhas) proposta pelos 
autores enfatizou a importância das dinâmicas ecológicas e estabeleceu um 
novo paradigma para o estudo de comunidades isoladas. A partir da década de 
setenta muitas pesquisas na área de conservação começaram a aplicar as 
idéias de McArthur e Wilson no planejamento de unidades de conservação, 
interpretadas como “ilhas continentais”. Nas décadas seguintes muitas críticas 
foram feitas à aplicação indiscriminada da teoria do equilíbrio insular a qualquer 
comunidade em isolamento, mas é inegável a sua contribuição para a 
revitalização desta nova fase da Biogeografia. 
Por fim, a retomada dos estudos biogeográficos a partir da década de 60 
teve a imprescindível colaboração dos novos aportes metodológicos acerca do 
estudo integrado da paisagem, em especial com a proposição da teoria 
geossistêmica65 pelo geógrafo russo Viktor Borisovich Sochava (1905-1978) e 
sua maior divulgação nos países ocidentais a partir das idéias do geógrafo 
francês Georges Bertrand (1935-). A teoria geossistêmica representa a 
aplicação da Teoria geral de sistemas66 ao estudo das paisagens naturais, 
sejam elas modificadas ou não pela ação do homem. Esta teoria, forjada na 
tradição russa de uma Geografia Física Integrada (landschaftovedenie), 
buscava compreender os processos de transformação das paisagens a partir 
de uma dinâmica interatuante entre os seus diferentes elementos, que resulta 
em diferentes ritmos e direções de transformações estruturais (fisionômicas). 
No Brasil, diversos trabalhos de tentativa de aplicação desta teoria, entre as 
décadas de setenta e noventa, foram conduzidos por Carlos Augusto de 
Figueiredo Monteiro67, Antônio Christofoletti68, Helmut Troppmair69 e Messias 
Modesto dos Passos. 
Se o aprofundamento biológico da Biogeografia levou a um 
distanciamento cada vez maior da Geografia, desde fins do século XIX, a 
emergência de uma verdadeira teoria da paisagem contida na proposta 
geossistêmica fez com que os geógrafos reencontrassem a Biogeografia a 
partir da tentativa de compreender os processos que regulam a dinâmica do 
funcionamento da relação solo-clima-relevo-biota em seu conjunto e as 
diferentes formas de apropriação e transformação desse sistema pela 
sociedade. A evolução das técnicas de teledetecção, o tratamento 
 29
computacional dos dados espaciais e a compreensão da importância do papel 
da sociedade na transformação da natureza, contribuiu para recolocar a 
Biogeografia no seu papel original de “ciência diagonal”, articulando o 
conhecimento produzido dentro das diferentes sub-áreas da Geografia Física 
na tentativa de explicação do complexo da paisagem. Ainda assim, em que 
pese toda esta retomada dos últimos quarenta anos, a Biogeografia ainda está 
muito longe de atingir o status epistemológico que alcançaram outras sub-
áreas da Geografia Física. 
 
1.4 – A elaboração de um paradigma para o estudo da 
paisagem 
 Os estudos biogeográficos caracterizam-se, na maior parte das vezes, 
por buscarem uma compreensão da paisagem a partir de uma análise 
integrada dos seus elementos, além da preocupação com a representação 
espacial, seja de um determinado taxon, seja de um determinado ecossistema. 
Com isso, a pesquisa em Biogeografia assume uma feição particular em 
relação aos trabalhos desenvolvidos por outras disciplinas (ecologia, botânica, 
zoologia, etc.), uma vez que a Biogeografia busca o conhecimento verticalizado 
das outras ciências, para integrá-los na explicação da paisagem terrestre. Para 
tanto, tornou-se necessária a elaboração de um referencial metodológico 
próprio à Biogeografia, capaz de abarcar a complexidade e a totalidade dos 
processos envolvidos na estruturação da paisagem ou na distribuição de um 
determinado taxon na superfície da Terra. 
 Tal ensejo só começou efetivamente a ser concretizado a partir da 
aplicação da teoria dos sistemas ao estudo da paisagem70, através do conceito 
de Geossistema. 
 O Geossistema foi proposto inicialmente por Sotchava71 em 1963 e, logo 
em seguida, retrabalhado por Bertrand72, apresentando-o de uma forma 
metodologicamente mais clara. O geossistema, para Bertrand73, pode ser 
conceituado como sendo uma determinada porção da superfície terrestre 
caracterizada por uma relativa homogeneidade74 da sua estrutura, fluxos e 
relações, em comparação às áreas circundantes. 
 Referindo-se à proposta geossistêmica, diz Bertrand75: “a 
interdisciplinaridade, o globalismo, o ambientalismo, a análise dialética da 
natureza e da sociedade não puderam se desenvolver senão num ambiente 
científico dominado pelo espírito de sistema”. 
 Este geossistema, para Bertrand76, é constituído por três conjuntos 
diferentes (figura 16): o sistema geomorfogenético (potencial ecológico) 
representado pelos elementos abióticos, a dinâmica biológica (elementos de 
flora e fauna) e o sistema de exploração antrópica, representado 
fundamentalmente pelas ações ligadas às diferentes formas de uso, manejo e 
apropriação do solo. 
 30
 É importante 
ressaltar que o geossistema não 
pode ser observado de fato no 
espaço; ele representa apenas 
uma abstração teórica, um 
modelo daquilo que existe 
concretamente na realidade, ou 
seja, a paisagem e as suas 
descontinuidades. Analisada 
dentro de uma visão sistêmica, a 
paisagem (ou o seu modelo 
teórico, o geossistema) apresenta 
quatro características principais 
de organização: 
1ª)- CARÁTER MULTIVARIÁVEL: 
cada sistema é composto por um 
determinado número de variáveis, 
proporcionalmente ao nível de 
generalização adotado (a medida 
que se amplia a escala de 
análise, ou seja, de uma vertente 
para um vale, uma bacia, uma 
região, etc., amplia-se, 
proporcionalmente, o número de 
variáveis envolvidas). No caso do 
geossistema, que apresenta um número de variáveis dos mais elevados em 
função da complexidade do conteúdo paisagístico, há a necessidade de que se 
estabeleça uma seleção entre elas, seja em função da informação de que se 
dispõe, seja pela importância assumida por cada uma das variáveis na 
estruturação do sistema. 
 Cada uma destas variáveis pode ser considerada, por sua vez, numa 
outra escala, também como um sistema, de tal forma que, como afirma 
Bertrand (1986), “o elemento não é mais elementar e ele possui sua própria 
complexidade”(p.285). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 17- A superfície da Terra representa diferentes escalas de paisagens contidas dentro de 
paisagens ainda maiores, até que cheguemos ao maior tamanho e nível de complexidade das 
paisagens, que é o próprio planeta. Quanto maior é a escala, maior o número de elementos e, 
consequentemente,de interações entre estes elementos (como no caso da paisagem da 
Potencial 
ecológico
Exploração 
biológica
Geossistema
Ação 
antrópica
geomorfologia +clima 
+hidrologia
vegetação + solo 
+fauna
Fig. 16- Esquema de representação do 
Geossistema segundo BERTRAND (1972) 
 31
esquerda, que representa uma grande Região Natural, alpina, formada por um número variado 
de Geossistemas). Já na paisagem da direita, a menor escala de abordagem reduz as 
interações e a complexidade, permitindo-nos evidenciar um dos Geossistemas que compõe a 
Região Natural mais ampla. 
 
 
2ª)- CARÁTER GLOBAL DE TOTALIDADE: tal característica refere-se ao fato 
de que um sistema não é simplesmente a soma dos seus elementos, visto que, 
como afirma Branco77 “(...) o sistema é um todo não redutível a suas partes. O 
todo é mais que uma forma global: 
ele implica o aparecimento de 
qualidades emergentes as quais 
não existiam nas partes”(p.66). Em 
outras palavras, de acordo com a 
segunda lei da termodinâmica, o 
todo é maior do que a soma das 
partes, o que implica na geração de 
uma “estrutura”(efeito sinérgico) a 
partir da combinação dos 
elementos

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