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DIREITO CONSTITUCIONAL – MARCELO NOVELINO AULA III - DATA: 21.08.2020 Material complementar: Lesen (2020), Ouse Plenus (2020) 5 - PODER CONSTITUINTE DERIVADO Conforme dito anteriormente, divide-se em reformador, decorrente e revisor. A doutrina, no geral, traz três características do Poder Constituinte Derivado: i) Derivado: Já que é oriundo do próprio Poder Originário; ii) Subordinado: Subordina-se ao Poder Originário nos termos da Constituição; iii) Limitado ou condicionado: Possui regras rígidas estabelecidas pelo Poder originário. O Poder Constituinte Originário cria limitações ao Poder Constituinte Derivado porque se sabe que, em momentos de crise, as sociedades tendem a cair em tentações (Teoria da Autolimitação ou Pré- Comprometimento). Este poder é aquele responsável por modificar uma constituição existente. Esta modificação pode ser feita por emenda (reforma – art. 60 da CF) ou por revisão (art. 3º da ADCT) ou responsável pela elaboração das constituições dos Estados-membros. Portanto, podemos ter tanto um poder constituinte derivado reformador, poder constituinte derivado decorrente e um poder constituinte derivado revisor. A reforma é a via ordinária de alteração da constituição. A revisão é a via extraordinária. *** O que é a teoria do Pré-Comprometimento? Trata-se de formulação teórica envolvendo a Teoria do Poder Constituinte baseada na literatura e mitologia gregas clássicas. Na Odisseia, Ulisses, durante seu regresso a Ítaca, saberia que ia passar por todo tipo de provação e tentação. Para não ser levado por essas tentações, pediu para ser acorrentado no barco, principalmente, em razão do canto das sereias, que, por seu efeito encantador, desviava os homens de seus objetivos e os conduzia a caminhos tortuosos. Ulisses saberia que não resistiria e, por isso, criou uma auto restrição para não sucumbir depois. Nesse sentido, existe uma grande relação entre o mito grego e a existência de cláusulas pétreas impostas pelo Poder Constituinte Origiário. Jon Elster, fazendo essa ligação, justifica a existência de cláusulas pétreas através da teoria do pré-comprometimento. Aduz que as Constituições democráticas são mecanismos de auto vinculação adotados pela soberania popular para se proteger de suas paixões e fraquezas, razão pela qual os temas mais sensíveis que precisavam ser petrificados, não sucumbindo a tentações momentâneas. A Teoria do pré-comprometimento parte da ideia de que as constituições democráticas são mecanismos de autovinculação da sociedade, ou seja, são mecanismos de pré-comprometimento. São adotados para que a sociedade possa se proteger de suas próprias paixões e fraquezas. A vontade momentânea deve ser deixada de lado para que o propósito maior não seja esquecido. “...mas muito mais frequente é os homens serem distraídos de seus principais interesses, mais importantes, mas mais longínquos, pela sedução de tentações presentes, embora muitas vezes totalmente insignificantes. Esta grande fraqueza é incurável na natureza humana.” (David Hume). É curioso que, posteriormente, Jon Elster adotou uma visão negativa acerca das cláusulas pétreas. •Teoria da democracia dualista: Essa teoria tem esse nome, pois Bruce Ackerman faz uma distinção entre política ordinária e a política extraordinária. a) Política ordinária: deliberações dos órgãos de representação popular, ou seja, é a atuação cotidiana do Congresso Nacional (leis). b) Política extraordinária: decisões tomadas pelo povo em momentos de grande mobilização cívica. Neste caso, essa política poderia impor certos limites à política ordinária. ✓ “Peter drunk – Peter sober”: essa é uma outra analogia feita por Stephen Holmes. A ideia é a seguinte: Pedro vai a uma festa e, antes de sair de casa, fala para o amigo que, se ele estivesse bêbado, o amigo não deveria entregar a chave do carro a ele. Pedro vai à festa, fica bêbado e muda de ideia. Então, pede que o amigo lhe entregue a chave do carro. O amigo se recusa a entregá-la. Diante disso, pergunta-se: por que a primeira vontade de Pedro deve prevalecer sobre a segunda? Porque, no primeiro momento, ele estava sóbrio; no segundo, embriagado. Do mesmo modo, muitas vezes, a sociedade toma certas decisões embriagada. Por esse motivo, é necessário que algumas metas sejam resguardadas. As cláusulas pétreas possuem três finalidades básicas: a) Preservar a identidade material da Constituição: toda Constituição tem uma identidade de conteúdo. Para evitar que a Constituição se desfigure, alguns dispositivos que conferem a ela a identidade material não podem ser alterados – pelo menos em seu núcleo essencial. É para isto que existem cláusulas pétreas. b) Proteger institutos e valores essenciais para a sociedade: a Constituição consagra institutos e valores essenciais para uma sociedade – por exemplo, direito à vida, direito ao voto etc. C) Assegurar a continuidade do processo democrático: nesse sentido, as cláusulas pétreas servem para impedir que uma maioria que esteja no poder utilize mecanismos para se manter no poder. Quem está no poder tem a tendência de modificar as regras do jogo para nele se manter. Para evitar isto, a Constituição consagra cláusulas pétreas. 6 - PODER CONSTITUINTE DECORRENTE Auto-organização do Estado. É aquele responsável pela elaboração das constituições dos Estados-membros. Vai elaborar a constituição dos Estados-membros. É o responsável pela criação da constituição dos estados-membros que são responsáveis pela auto-organização dos Estados. – ADCT, art. 11 e o artigo 25 da CF. É um poder exercido pelas assembleias legislativas. Este poder encontra limites na constituição federal. Poder derivado decorrente é a capacidade conferida pelo poder originário aos Estados-membros, enquanto entidades integrantes da Federação, para elaborarem suas próprias Constituições (art. 25 da CF/88). É aquele que a Constituição confere aos estados-membros, permitindo que eles se auto organizem, o que se dá com a elaboração de suas Constituições Estaduais, inclusa a possibilidade de o Distrito Federal elaborar e modificar a sua Lei Orgânica. Nota-se que é no exercício do poder decorrente que os Estados cumprirão sua capacidade de auto-organização, fruto da autonomia política a eles conferida pelo sistema constitucional federado. Para viabilizar essa tarefa, o poder originário fez constar no ADCT (art. 11) a possibilidade de as Assembleias Legislativas eleitas em 1986, investidas no poder decorrente, elaborarem, no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição da República, as Constituição estaduais. Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta. Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual. OBS.: Desse artigo se extrai o princípio da simetria. Este princípio impõe que as constituições estaduais observem determinados modelos estabelecidos pela Constituição Federal (são as chamadas normas de observância obrigatória). Na lei orgânica municipal, a simetria é dupla, pois ela deve observar a simetria tanto da constituição do Estado quanto à simetria da Constituição da República. OBS.: O entendimento majoritário na doutrina brasileira é no sentido de que o DF tem um poder constituinte decorrente, mas os municípios não, pois a lei orgânica municipal está submetida à constituição estadual e pelo fato de não existir controle de constitucionalidade tendo como parâmetro lei orgânica municipal. – A Lei orgânica do DF é equiparada aconstituições estaduais. – Já os municípios, embora dotados de autonomia política, administrativa e financeira, com competência para elaborar sua própria Lei Orgânica, não dispõem de poder constituinte derivado decorrente. – Resumindo! O poder constituinte derivado decorrente é aquele atribuído aos Estados-membros e ao DF para a elaboração de suas Constituições e Lei orgânica. Esse poder, porém, não foi estendido aos municípios. Acrescenta-se que Poder Constituinte Decorrente (PCD), conferido aos estados-membros da federação, não foi estendido aos municípios. Estes devem observar necessariamente dois graus de imposição legislativa constitucional (estadual e federal). Veja-se o Supremo Tribunal Federal sobre o ponto: “Dar alcance irrestrito à alusão, no art. 29, caput, CF, à observância devida pelas leis orgânicas municipais aos princípios estabelecidos na Constituição do Estado, traduz condenável misoneísmo constitucional, que faz abstração de dois dados novos e incontornáveis do trato do Município da Lei Fundamental de 1988: explicitar o seu caráter de “entidade infraestatal rígida” e, em consequência, outorgar-lhe o poder de auto-organização, substantivado, no art. 29, pelo de votar a própria lei orgânica. É mais que bastante ao juízo liminar sobre o pedido cautelar a aparente evidência de que em tudo quan to, nos diversos incisos do art. 29, a Constituição da República fixou ela mesma os parâmetros limitadores do poder de auto- organização dos Municípios e excetuados apenas aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual (art. 29, VI, IX e X) – a Constituição do Estado não os poderá abrandar nem agravar”. [ADI 2.112 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 11-5- 2000, P, DJ de 18-5-2001.] Buscador Dizer o Direito: É constitucional norma originária da Lei Orgânica do DF que preveja que “a direção superior das empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista terá representantes dos servidores”. A Lei Orgânica do DF é uma manifestação do poder constitucional derivado decorrente, ou seja, ela possui o mesmo status jurídico ostentado pelas Constituições estaduais. STF. Plenário. ADI 1167/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/11/2014 (Info 768). [...] 1) Não houve ofensa à iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo porque a regra de iniciativa privativa do art. 61, § 1o, da CF/88 não se aplica para normas originárias da Constituição Estadual (e também da Lei Orgânica do DF). Segundo o STF, a norma em questão, por ser oriunda do poder constituinte originário decorrente, não sofre vício de reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo. Importante não confundir: • Normas originárias da Constituição estadual: não estão limitadas ao art. 61, § 1o, da CF/88. • Emendas à Constituição estadual: não podem contrariar a iniciativa reservada do art. 61, § 1º, da CF/88. Efeito dominó: Feita uma nova Constituição Federal, deverá ser feita uma nova Constituição Estadual. Algumas normas são chamadas pelo STF como normas de observância ou de repetição obrigatória – a Constituição de 1988 não diz quais as normas deverão ser observadas no âmbito do Estado, ao contrário da constituição de 1967, mas através da análise da jurisprudência do STF se pode identificá-las, mas não é restritiva essa interpretação. Ademais, os Territórios Federais que eventualmente sejam criados devem integrar a União (art. 18, § 2º, da CF), não possuem autonomia federativa e nem manifestação do poder constituinte derivado decorrente. Por fim, cumpre registrar que o Poder Constituinte Derivado Decorrente subdivide-se em instituidor, que é aquele que irá criar o texto da Constituição Estadual, e em revisor, o qual é responsável pelas emendas regulares, bem como pelas emendas de revisão. Quando o poder decorrente cria a Constituição do Estado ele é denominado “poder decorrente instituidor”; e quando realiza as alterações em seu texto, procedendo aos ajustes necessários à compatibilização com a realidade, é intitulado “poder decorrente reformador”. Assim, na verdade, o Poder Constituinte Derivado é um poder criado pelo Poder Constituinte Originário. É exercido por um órgão constitucional, conhece limitações expressas e implícitas e, por isso, é passível de controle de constitucionalidade. O poder constituinte derivado tem as seguintes características: • Derivado: decorre do poder constituinte originário e da própria Constituição. • Subordinado: deve observância ao poder constituinte originário. • Condicionado ou limitado: seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto constitucional. O poder constituinte derivado subdivide-se em: a) poder constituinte derivado reformador; b) poder constituinte derivado decorrente; c) poder constituinte revisor. Para José Afonso da Silva há três limitações ao poder constituinte decorrente, quais sejam: a) princípios constitucionais sensíveis: Definição de Pontes de Miranda. Estão previstos no artigo 37, inciso VII da CF. Se não forem observados pelos Estados, o PGR ele poderá ajuizar uma Adi interventiva ou representação interventiva de competência do STF. Se for julgada improcedente, o Presidente não poderá declarar a intervenção, ou seja, conforme o artigo 36, inciso III da CF o Presidente só poderá declarar a intervenção se a Adi interventiva for julgada procedente. É um ato vinculado, estando o Presidente obrigado a decretar a intervenção, sob pena de crime de responsabilidade conforme o disposto na Lei 1.079/50 em seu artigo 12. A decisão do STF tem natureza jurídica e política. b) princípios constitucionais extensíveis: São aqueles previstos para a União e que se estendem aos Estados. Estes princípios podem ser expressos (artigo 28 e artigo 75 da CF) ou implícitos (normas de observância obrigatória). Algumas normas são chamadas pelo STF como normas de observância ou de repetição obrigatória – a Constituição de 1988 não diz quais as normas deverão ser observadas no âmbito do Estado e dos municípios, ao contrário da constituição de 1967, mas através da análise da jurisprudência do STF se pode identificá-las, mas não é restritiva essa interpretação: a) princípio da separação dos poderes – os Estados têm que observar as mesmas competências do âmbito federal; b) princípios básicos do processo legislativo – a CF/88 estabelece apenas o processo legislativo federal, mas são normas de observação obrigatória – ex.: art. 61, § 2º, CF – competência de iniciativa do presidente, simetricamente nos Estados a competência é do governador e na esfera municipal, a competência será do prefeito; c) requisitos para criação de CPI (o restante não é de observância obrigatória) – art. 58, § 3º, CF/88 – quorum de 1/3 dos membros da casa legislativa, fato (objeto) determinado, prazo certo de duração – quebra de sigilo bancário por CPI estadual – ACO 730 – 6 x 5 – CPI estadual pode determinar quebra de sigilo bancário; d) normas relativas ao TCU – art. 75, CF/88 Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. *** Vedação de que os membros da mesa do Congresso sejam reconduzidos – art. 57, § 4º, CF/88 – é norma de observância obrigatória no âmbito estadual? O STF considerou que essa norma não é de observância obrigatória pelos Estados podem dispor da maneira que bem entenderem. § 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição dasrespectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. O TJ pode processar e julgar ADI (parâmetro: CE; objeto: lei ou ato normativo estadual ou municipal) – art. 125, § 2º, CF/88 – quando a norma violada for norma de observância obrigatória, desta decisão do TJ caberá recurso extraordinário para o STF (ex. lei municipal violada em face de CE, norma de observância obrigatória) e a lei municipal será analisada pelo STF, em face da constituição federal, ou seja, haverá duas exceções à regra: - O RE, instrumento de controle difuso, está sendo usado como instrumento de controle concentrado abstrato; - Lei municipal está sendo objeto de controle abstrato em face da constituição federal (por isso, lei municipal pode ser objeto de controle abstrato concentrado tendo como parâmetro a constituição federal). Normas de observância obrigatória: são aquelas editadas pelo poder constituinte federal cujo conteúdo implique limitação à autonomia estadual. Normas de mera repetição (ou mera imitação) – normas que a constituição federal cópia, sem necessidade, da constituição federal Normas de remissão – aquelas que fazem remissão à constituição federal O STF admite que esses três tipos de norma servem como parâmetro para controle de constitucionalidade no TJ, mas para ser objeto de RE somente as normas de observância obrigatória. c) princípios constitucionais estabelecidos: Subdivididos em três grupos: c.1) expressos – estão textualmente na constituição, consubstanciados em regras mandatórias (obrigam o Estado a fazer algo, como por exemplo, o art. 37) e em regras vedatórias (impedem que o Estado faça algo, como por exemplo, o artigo 19) c.2) implícitos – ex. art.: 22 – matérias de competência privativa da União e artigo 30 da CF – matérias de competência do município. c.3) decorrentes – defluem do sistema constitucional adotado – ex.: princípio federativo, deste princípio decorre vários princípios, por exemplo, o respeito recíproco entre os Estados-membros. Resumindo: Segundo Raul Machado Horta, os limites decorreriam de normas centrais da CF: a) princípios constitucionais sensíveis cuja inobservância enseja intervenção federal (art. 34, VII); b) princípios estabelecidos (dispersos na CF); e c) regras de pré-organização do Estado-membro (disciplinam órgãos e instituições do Estado). Ele distinguiu as normas de reprodução (constituinte estadual é obrigado a transpor) das normas de imitação (mimetização do modelo federal). José Afonso da Silva, por sua vez, classificou os limites ao poder constituinte derivado decorrente em: i) princípios constitucionais sensíveis (pode deflagrar intervenção federal); ii) princípios constitucionais estabelecidos (normas de variada natureza que limitam a autonomia organizatória dos Estados); e iii) princípios constitucionais extensíveis (são endereçados expressamente à União, mas extensíveis aos Estados). Segundo Uadi Lammêgo Bulos, os limites à manifestação do Poder Constituinte Derivado Decorrente são: a) Princípios constitucionais sensíveis: são aqueles cuja observância é obrigatória, sob pena de intervenção federal (art. 34, VII, da CF). A Constituição de 1988 foi moderada na fixação dos chamados princípios sensíveis. Nos termos do art. 34, VII, da CF, devem ser observados pelo Estado-membro, sob pena de intervenção: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública direta e indireta e e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. b) Princípios constitucionais estabelecidos ou indicativos: segundo Bulos, são aqueles que limitam, vedam ou proíbem a ação indiscriminada do Poder Constituinte Derivado Decorrente. Funcionam como balizas reguladoras da capacidade de auto-organização dos Estados, podendo ser extraídas do conjunto de normas centrais, dispersas na CR/88. Exemplo, normas que tratam: da repartição de competência, do sistema tributário nacional, da organização dos poderes, dos direitos políticos, da nacionalidade, dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, da ordem econômica etc. Podem ser divididos em: i. Limites explícitos vedatórios – Proíbem os Estados de praticar atos (ou procedimentos) contrários ao fixado pelo Poder Constituinte Originário (ex.: arts. 19, 35, 150); ii. Limites explícitos mandatórios – São restrições à liberdade de organização (ex.: arts. 18, § 4o; 29; 31, § 1o etc.); iii. Limites inerentes – Implícitos ou tácitos, vedam qualquer possibilidade de invasão de competência por parte dos Estados- membros; iv. Limites decorrentes – Decorrem de disposições expressas (ex.: necessidade de observância do princípio federativo, do Estado Democrático de Direito, do princípio republicano, da dignidade da pessoa humana). c) Princípios constitucionais extensíveis: consistem nas regras de organização que a Constituição estendeu aos Estados-membros. Expressamente, só estão previstos para a União, mas que, por extensão interpretativa, vinculam as demais entidades. Poder constituinte derivado reformador: É responsável pela reforma do texto constitucional. Ele vai fazer alterações na constituição já existente. Ele não vai criar uma nova constituição. Ele vai apenas alterá- la. É secundário e não inicial, condicionado, limitado juridicamente. Apesar de ser chamado de poder constituinte, as suas características são totalmente contrárias ao poder constituinte originário. É secundário, limitado e condicionado pela CF. Poder constituinte reformador vai fazer a reforma da constituição e esta reforma é a via ordinária de alteração da constituição. Está presente no artigo 60 da CF. É o poder de modificar a Constituição, desde que observadas as regras e limitações impostas pelo poder constituinte originário. O poder constituinte derivado reformador está submetido a limites explícitos e implícitos. São os seguintes os limites explícitos ao poder constituinte derivado reformador: a) Limites materiais: alguns conteúdos não podem ser modificados na Constituição, como o disposto no art. 60, § 4º, que prevê as cláusulas pétreas. As limitações materiais são aquelas que proíbem modificações violadoras do núcleo essencial de certos institutos e princípios. As cláusulas pétreas não impedem a alteração da constituição em si, mas apenas a violação desses núcleos essenciais. b) Limitações formais: a modificação da Constituição deve observar o procedimento previsto na própria CF/88, como: apenas três legitimados podem propor a mudança; deve haver duas votações em cada casa do Congresso Nacional, com voto favorável de, ao menos, 3/5 dos membros de cada casa. Obs. 1: O STF não se posicionou sobre a possibilidade de iniciativa popular para proposta de emenda, mas parcela da doutrina admite a iniciativa popular, a partir da interpretação sistemática do art. 1o, parágrafo único; art. 14 e art. 61, § 2o, da CF (José Afonso da Silva). Obs. 2: No julgamento da ADI 825, em 25.10.2018, o STF, por maioria de votos, entendeu que, embora a Constituição Federal não autorize proposta de iniciativa popular para emendas ao próprio texto, mas apenas para normas infraconstitucionais, não há impedimento para que as constituições estaduais prevejam a possibilidade, ampliando a competência constante da Carta Federal. A ação foi ajuizada pelo governo do Amapá para questionar este e outros pontos da Constituição estadual. c) Limitações circunstanciais: a Constituição não poderá ser emendada na vigência de Intervenção Federal, Estado de Sítio ou Estado de Defesa. As limitações circunstanciaissão aquelas que proíbem a alteração da constituição durante a vigência de situações excepcionais, nas quais a livre manifestação do Poder Constituinte possa estar ameaçada. Estas circunstâncias são tão graves que podem colocar em risco a livre manifestação do Poder Reformador, (§ 1º do art. 60) – intervenção federal (art. 34 da CF), estado de defesa (art. 136 da CF) ou estado de sítio (art. 137 da CF). Prevalece na doutrina que as limitações previstas se aplicam ao Poder Revisor. d) Limitações temporais: A Constituição não pode ser modificada em certo lapso temporal. Não há, para a doutrina majoritária, essa limitação no ordenamento jurídico pátrio. São aquelas que impedem a alteração (modificação) da constituição durante (dentro de um) determinado período de tempo – a CF/88 não tem essa previsão, ou seja, não há limitação temporal na CF. Para o poder reformador não há limitação temporal na CF/88. Tem apenas para o poder revisor, previsto no ADCT no seu art. 3º. OBS.: Um pequeno grupo de autores considera que a limitação prevista no art. 60, parágrafo quinto da CF seria uma limitação temporal. OBS.: Há corrente minoritária (Daniel Sarmento) que sustenta a existência de limite temporal na CF/88: a) proibição de proposta de emenda anteriormente rejeitada ou prejudicada na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5); e b) limitação temporal (5 anos) para a revisão constitucional (art. 3 do ADCT). A doutrina aponta também a existência dos seguintes limites materiais implícitos ao poder constituinte derivado reformador: i) impossibilidade de modificação da titularidade do poder constituinte originário; ii) impossibilidade de modificação dos titulares do poder constituinte derivado; iii) impossibilidade de revogação dos limites materiais explícitos (art. 60, § 4, da CF); iv) impossibilidade de alteração do processo de reforma da Constituição; e v) impossibilidade de revogação dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. A doutrina constitucionalista majoritária entende que há vedação na Constituição Federal de 1988 à aplicação da Teoria da Dupla Revisão. A referida teoria estabelece que é legítima a vontade do Poder Constituinte Originário em impedir a modificação da Constituição em alguns pontos, porém, aceita que esses parâmetros protegidos sejam modificados pelo Constituinte Derivado, permitindo, a partir daí, a dupla revisão da Constituição. Com isso, o instituto da dupla revisão autorizaria, por exemplo, que uma emenda constitucional retirasse da Constituição as cláusulas pétreas e, sem que não mais existam os limites impostos, outras emendas modificariam qualquer princípio-base da Constituição. Referida teoria não é acolhida no Brasil, tendo em vista a ocorrência de limitações implícitas no texto constitucional, entre elas, a relativa ao art. 60, § 4, da CF/88. Quanto à possibilidade de estabelecimento de direitos fundamentais por Emenda Constitucional, importa destacar que, de acordo com Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, é plenamente possível que emenda constitucional crie direitos individuais. Porém, a criação, para ser redundante, de novos direitos individuais por emenda constitucional, através do Poder Constituinte Derivado Reformador, não os torna cláusula pétrea, de modo que o novo direito pode ser abolido por emenda constitucional futura. Isso porque somente o Poder Constituinte Originário pode limitar o Poder Constituinte Reformador. e) formais (processuais, procedimentais ou implícitas). Estão ligadas as formalidades de alteração da constituição. São elas que estabelecem certas formalidades a serem observadas para a modificação da constituição. Elas são implícitas porque apesar de não impedirem expressamente adoção de outras formalidades, ao estabelecer quais são as que devem ser seguidas, implicitamente ela impede a adoção de outras. Elas se dividem em objetivas e subjetivas. As subjetivas estão relacionadas ao sujeito competentes (iniciativa de proposta de emenda) – art. 61 da CF, regra geral de iniciativa de leis ordinárias e complementares (deputados, senadores, presidente, STF, tribunais superiores, MP, iniciativa popular). O Presidente é o único que tem legitimidade que pode propor também emenda à CF. A única participação que o Presidente da República pode ter no processo de elaboração de emenda é a iniciativa. Ele só pode participar na proposta. Ele não sanciona e não veda proposta de emenda. OBS: Presidente da República é o único legitimado que pode propor leis e emenda à constituição. Ele não veta, não promulga, não publica a proposta de emenda. As Assembleias Legislativas, se quiserem apresentar proposta de Emenda, devem se reunir em, no mínimo, quatorze, devendo obter a maioria relativa dos votos dos presentes na sessão (maioria relativa). Atenção: a Constituição Federal não traz previsão expressa de iniciativa popular para a PEC. Diante disso, há dois posicionamentos na doutrina sobre a possibilidade ou não de que uma PEC seja de iniciativa popular: 1º) Ingo Sarlet e José Afonso da Silva sustentam que é possível, por meio de uma interpretação sistemática da CF, haver iniciativa popular de emenda. Por analogia, aplicar-se-ia o art. 61, §2º, CF. 2º) Gilmar Mendes e Marcelo Novelino defendem que, por razões de interpretação histórica, a iniciativa popular não é possível, já que o Poder Constituinte Originário optou por não acrescentar essa possibilidade ao texto constitucional. Limitações formais objetivas: o art. 60, §2º da CF prevê que “A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.” b.1) Limitação relativa ao quórum: é necessário ter atenção ao quórum (3/5 dos votos = 60% - É possível fazer a relação: art.60 = 60% dos votos) e para o fato de que são dois turnos de votação em cada Casa do Congresso Nacional. Não há previsão para lapso temporal entre esses dois turnos, mas o Regimento Interno do Senado prevê, no mínimo, 5 dias úteis. b.2) A segunda limitação está no § 3º do art. 60, CF: “a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem”. Esta promulgação é feita conjuntamente por duas Mesas: a Mesa da Câmara dos Deputados e a Mesa do Senado Federal. Não há sanção ou veto de proposta de emenda. b.3) A terceira limitação está no § 5º do art. 60, CF: “a matéria constante da proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Obs.: o STF decidiu uma questão interessante referente ao substitutivo, o qual é uma emenda mais ampla que, praticamente, substitui a proposta de emenda originária. Imagine, por exemplo, que o Presidente da República apresenta uma PEC e, ao chegar na Câmara dos Deputados, estes apresentam um substitutivo a esta PEC. Posteriormente, o substitutivo é rejeitado. Em relação a essa situação, o STF entende que a rejeição do substitutivo não impede que a proposta originária seja votada na mesma sessão legislativa. OBS.: Atenção: sessão legislativa não se confunde com períodos legislativos, os quais são semestrais. A sessão legislativa também não se confunde com a legislatura, que é o período de mandato de 4 anos (art. 44, §único, CF 7 - PODER CONSTITUINTE DERIVADO REVISOR É fruto do trabalho de criação do poder constituinte originário, estando a ele vinculado. É um poder condicionado e limitado às regras instituídas pelo poder originário. Está previsto no art. 3º do ADCT. Ele vai fazer a revisão constitucional. A reforma é via ordinária, via comum da alteração. A revisão é via extraordinária de alteração da constituição. Com base no artigo 3º da ADCT não se pode maisfazer a revisão tendo em vista que a revisão já ocorreu entre 1993 e 1994. Este artigo é uma norma de eficácia exaurida, ou seja, já esgotou seus efeitos. Hoje nós só temos um mecanismo legitimo de alteração da constituição, pois a reforma não pode mais ser feita com base no artigo 3º da ADCT. Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição (limitação temporal), pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral (limitação formal da revisão é diferente da limitação da reforma, que prevê quórum de 3/5 e 2 turnos). Reforma é uma via ordinária de alteração da Constituição (art. 60). Reforma não tem limitação temporal. E é mais pontual que a revisão. Revisão é a via extraordinária de alteração da Constituição (art. 3º, ADCT). Faz uma análise sistemática da constituição para poder alterá-la. Essa revisão já ocorreu, esse dispositivo já teve sua eficácia exaurida, por isso não pode ser realizada outra revisão, ou seja não pode ser aplicado novamente. Essa cláusula do ADCT não se refere a limitações materiais e circunstanciais, mas, por analogia, o entendimento majoritário é que essas limitações são as mesmas da reforma. JAS defende que a revisão não tinha limitações materiais e circunstanciais. Ressalta-se que, com a competência revisional, foram elaboradas apenas seis emendas constitucionais de revisão, não sendo mais possível nova manifestação do poder constituinte derivado revisor em razão da eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada dessa regra. ✓ Constitucionalismo x democracia: É importante destacar que essa limitação material faz surgir um conflito entre o constitucionalismo e a democracia. A ideia do Constitucionalismo é limitar o poder para proteger direitos fundamentais. Já a democracia é o governo do povo, ou seja, a maioria impõe a sua vontade. Ao criar cláusulas pétreas, surge uma tensão, pois, há, de um lado a imposição de certas normas para proteger direitos; de outro, há o enfraquecimento da vontade da população naquele momento. I- Dificuldades: 1ª) de caráter temporal: “Governo dos mortos sobre os vivos” (Thomas Jefferson): questiona-se por que a vontade de gerações passadas deve prevalecer sobre a vontade da geração atual; 2ª) de caráter semântico: existem alguns dispositivos na constituição que são vagos, abstratos e imprecisos. Assim, quando os juízes fazem a interpretação de preceitos vagos, a vontade deles, em tese, poderia estar prevalecendo em relação à vontade do parlamento. Exemplos: individualização da pena e princípio da presunção de inocência (houve quatro alterações de entendimento do STF ao longo dos anos). PODER CONSTITUINTE DIFUSO É o poder de fato que atua na etapa da mutação constitucional, meio informal de alteração da constituição. Altera o conteúdo, alcance e o sentido das normas constitucionais sem a modificação do texto. É chamado de difuso porque não vem formalizado (positivado) no texto da constituição. É um poder de fato porque nascido do fato social, político e econômico. É informal porque se manifesta por meio das mutações constitucionais, modificando o sentido das constituições, mas sem nenhuma alteração do texto expresso. Este poder realiza mudanças relacionadas ao conteúdo e ao alcance das normas constitucionais, sem alteração do texto formal, atualizando, desse modo, a Constituição sem mudanças na sua estrutura linguística. O termo poder constituinte difuso tem sido utilizado pela doutrina para caracterizar o poder de fato que serve de fundamento para a atuação da mutação constitucional. Conforme alerta Bernardo Gonçalves Fernandes, “a doutrina também desenvolveu um outro conceito, que é o das ‘mutações inconstitucionais’. Essas são modificações informais da Constituição que usurpam (deterioram) seu texto deturpando-o”. Conforme definição de Uadi Lammêgo Bulos, “mutações inconstitucionais são os processos informais de violação da carta magna. Elas desbordam o próprio controle de constitucionalidade. Destroem a vida dos preceptivos constitucionais. Os efeitos provocados por essas deformações variam em grau e em profundidade e podem contrariar a carta suprema, em maior ou menor extensão, sem mudar a letra das suas normas”. PODER CONSTITUINTE SUPRANACIONAL O poder constituinte supranacional é a força que une os interesses dos cidadãos de diversos Estados e esses próprios Estados Soberanos na busca pela criação de uma Carta Constitucional multi-estatal para legitimar a ligação entre esses diversos povos, propiciando maior integração. Assim, o poder constituinte supranacional baseia-se na ideia de cidadania universal, na qual há uma maior relativização do princípio da soberania estatal, em que as Constituições se interligam ao direito comunitário, tornando os textos constitucionais supranacionais, globalizando o direito constitucional e acolhendo em especial, a influência do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Muitos autores sustentam a ideia de um constitucionalismo localizado fora do Estado, ligada a acontecimentos como o fortalecimento da proteção internacional dos direitos humanos e a corrosão da soberania dos Estados nacionais. Sobre o tema, Daniel Sarmento aponta que há exagero em atribuir natureza constitucional a determinadas normas não estatais, como a Carta da ONU. Porém, o cenário muda quando se trata da UE, pois possui poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. As normas que lá são editadas possuem aplicabilidade imediata aos Estados que a constituem, ademais, possui hierarquia superior às normas internas daqueles Estados. Em que pese essas características, na visão de Daniel Sarmento, a UE ainda não possui uma constituição formal, e não se pode, ainda, falar em povo europeu. Esse constitucionalismo europeu não decorreu de nada que possa ser equiparado ao exercício do poder constituinte. Um aspecto importante dessa ótica prescritiva é o fato de não ter havido participação popular; sob o viés descritivo, não há impedimento enxergar essa constitucionalização comunitária. Há, portanto, segundo o aludido doutrinador, um processo de constitucionalização do Direito Comunitário Europeu. Todavia, não se pode, até o momento, falar na existência de um verdadeiro Poder Constituinte Europeu, sobretudo no sentido democrático. BOOTSTRAPPING Para conceituar Bootstrapping, Canotilho baseia-se em John Elster. Veja-se o seguinte trecho: “Bootstrapping é, em rigor, o processo pelo qual uma assembleia constituinte liberta os atadores que as autoridades lhe haviam posto, arrogando-se a todos ou a algum dos poderes destas mesmas autoridades. Esta ‘libertação de amarras’ tem, porém, os seus limites. Significa isso que as normas constitucionais devem revelar-se aptas a conseguir uma articulação das preferências e interesses públicos dos ‘produtores’ de normas (o povo, os deputados constituintes, os eleitores) e as preferências e interesses dos destinatários (consumidores) dessas normas. As normas constitucionais que não podem fugir a esta medida de aptidão (fitness): grau de adequação do espaço normativo constitucional à constante redefinição interativa entre interesses públicos e privados”. O autor refere-se ao fenômeno como uma reação interna ao processo constituinte, deflagrada pela assembleia quando esta rejeita a submissão ao seu ato de criação e busca legitimar o seu resultado diretamente perante o povo ou convenções especiais. Ele cita o exemplo das constituições republicanas dos Estados Unidos e da França, justamente as pioneiras no estado democrático moderno.