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O Brasil Que Só O Inglês Viu

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O Brasil que só o Inglês viu 
 
Qual a diferença na área da saúde entre os Estados Unidos e o Canadá? O modelo 
adotado. Os americanos investem em hospitais e equipamentos de ponta para tratar doenças, 
os canadenses optaram por promover a saúde e evitar enfermidades e formar médicos de 
família. Qual país os EUA querem copiar para sair da crise na saúde? O Brasil. 
Se você nunca ouviu falar em Alma-Ata, provavelmente não saiba do que estamos 
falando. Foi a assembléia da OMS de 1978, que apontou princípios éticos para os países: 
saúde é direito; os governos são responsáveis pela saúde dos seus cidadãos; as desigualdades 
são inaceitáveis e deve haver uma reorientação das práticas de saúde com a participação da 
população nas decisões no campo da saúde. Em 30 anos, a OMS reafirma aos países, em seu 
mais recente relatório, qual reorientação de modelo de atenção: Atenção Primária à Saúde: 
Agora mais Necessária que Nunca! E pela primeira vez cita o Brasil nesse esforço. Nosso país 
vive uma revolução silenciosa, abafada principalmente por quem lucra com doença: planos de 
"saúde", indústria de equipamentos e de medicamentos, grupos de interesse mais organizados 
na arena política e com muito dinheiro, poder e influência. 
O British Medical Journal, do dia 29 de novembro último, publicou duas longas 
reportagens sobre a saúde brasileira, com elogios que fariam qualquer ministro da saúde do 
mundo convocar coletiva para comentar o caso. Aqui, apesar das tentativas do Ministro 
Temporão, não se publicou uma linha. Jornais, televisões e rádios não podem falar sobre um 
assunto que atrapalha seus anunciantes e essa luta, que envolve milhares de brasileiros, 
continua gritando no vácuo. Entoar o mantra de que a saúde pública é cara e que a iniciativa 
privada tem que tomar conta vem convencendo principalmente a classe média que gasta 
milhões em planos de saúde, com resultados catastróficos quando se avalia o resultado na 
saúde das pessoas: esperança de vida ao nascer, anos de vida ganhos, prevenção de 
complicações das condições crônicas como infarto e acidente vascular cerebral ou diagnóstico 
precoce e tratamento adequado de câncer. 
 A renúncia fiscal dos planos de saúde representa metade do valor do financiamento 
federal da Saúde da Família que foi de 10 bilhões em 2010. A Saúde da Família, forma 
brasileira de ofertar atenção primária à saúde, é responsável pela atenção á saúde de mais de 
95 milhões de brasileiros, enquanto os planos privados atingem 25% dos brasileiros, 40 
milhões de cidadãos. Essas pessoas não desoneram o Sistema Único de Saúde, pois o acesso á 
tecnologias de alto custo como transplantes, hemodiálise e medicamentos excepcionais são 
ofertas praticamente exclusivas do SUS. Voltando á comparação entre USA e Canadá, visto 
que grande parte dos planos privados no Brasil é empresarial. O sistema público canadense 
também estimula os negócios no país: o custo com saúde é de 1.5% da folha de pagamento 
dos fabricantes canadenses contra 9% nos EUA. 
A segunda reportagem do jornal inglês alerta: o sucesso econômico e o crescimento 
da classe média brasileira (que não acredita no SUS) fez diminuir o financiamento da saúde 
pública e a experiência "que outros países com orçamento maior podem aprender" corre o 
risco de naufragar. Outro equívoco estimulado por quem lucra com doença é de que o 
Programa Saúde da Família é para pobres. Na verdade é o modelo adotado pela Holanda, 
Dinamarca, Espanha, Inglaterra e todos os que ocupam as primeiras posições no ranking do 
Índice de Desenvolvimento Humano. A ideia é simples e eficaz, não descubra o diabético em 
uma emergência, conheça e eduque quem tem tendência a diabete para evitar que ele venha 
a fazer hemodiálise ou amputação. 
 O trabalho da Atenção Primária à Saúde exige a educação e o envolvimento de toda 
sociedade, que ignora o assunto e trabalha pelo sonho de contratar planos privados de saúde. 
Hoje o Brasil investe mais dinheiro em saúde privada do que em saúde pública e para que 
tenhamos um Sistema Único de Saúde forte, é necessário cidadãos satisfeitos com os serviços 
que recebem e que defendam o modelo público, aprovando o financiamento necessário para 
sua manutenção. 
O lobby contrário ao crescimento da Atenção Primária à Saúde é tão forte que essa 
discussão foi ignorada pelo marketing político nas últimas eleições. Além da questão ideológica 
da Saúde como direito e de como o SUS se organiza para ofertar os serviços, temos que 
tornar de interesse nacional a discussão de como se dá essa oferta dos serviços de saúde. A 
sociedade brasileira deve participar da política de saúde se posicionando frente aos interesses 
econômicos de quem "vende" doenças, ou seus tratamentos. Laboratórios e hospitais lucram 
menos se há menos doentes. 
As reduções nas taxas de mortalidade infantil, de internações hospitalares por infarto, 
hipertensão e diabetes são frutos de uma cobertura superior a 51% da população pelas 
equipes de Saúde da Família e seu exército superior a 243 mil agentes de saúde. O acesso à 
saúde é um direito de todos e o nosso dever é ser participante da nossa comunidade, 
efetivando o princípio de descentralização do SUS e rompendo com o paradoxo ético do SUS: 
quem o defende não o utiliza. Todo brasileiro(a) com uma equipe de Saúde da Família que o 
cuide deve defender um Ministério da Saúde e não o "da doença" e participar de um Brasil que 
só o inglês viu. 
 
 
Claunara Schilling Mendonça - Diretora do Departamento de Atenção Básica do MS
Tiago Santos de Souza - Jornalista SAS/MS

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