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A Floresta da Janela: Soluções Baseadas na Natureza para a Cidade do Rio de Janeiro www.lumenjuris.com.br Editor João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Brasil Abel Fernandes GomesAbel Fernandes Gomes Adriano PilattiAdriano Pilatti Alexandre Bernardino CostaAlexandre Bernardino Costa Ana Alice De CarliAna Alice De Carli Anderson Soares MadeiraAnderson Soares Madeira André Abreu CostaAndré Abreu Costa Beatriz Souza CostaBeatriz Souza Costa Bleine Queiroz CaúlaBleine Queiroz Caúla Bruno Soeiro VieiraBruno Soeiro Vieira Daniella Basso Batista PintoDaniella Basso Batista Pinto Daniela Copetti CravoDaniela Copetti Cravo Daniele Maghelly Menezes MoreiraDaniele Maghelly Menezes Moreira Diego Araujo CamposDiego Araujo Campos Emerson A� onso da Costa MouraEmerson A� onso da Costa Moura Enzo Bello Firly Nascimento FilhoFirly Nascimento Filho Flávio AhmedFlávio Ahmed Frederico Antonio Lima de OliveiraFrederico Antonio Lima de Oliveira Frederico Price GrechiFrederico Price Grechi Geraldo L. M. PradoGeraldo L. M. Prado Gina Vidal Marcilio Pompeu Gisele Cittadino Gustavo Noronha de Ávila Gustavo Sénéchal de Go� redo Henrique Ribeiro Cardoso Jean Carlos Dias Jean Carlos Fernandes Jeferson Antônio Fernandes Bacelar Jerson Carneiro Gonçalves Junior João Marcelo de Lima Assa� m João Theotonio Mendes de Almeida Jr. José Ricardo Ferreira Cunha José Rubens Morato Leite Josiane Rose Petry Veronese Leonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi Bonizzato Luis Carlos Alcoforado Luiz Henrique Sormani Barbugiani Manoel Messias Peixinho Marcelo Pinto Chaves Marcelo Ribeiro UchôaMarcelo Ribeiro Uchôa Márcio Ricardo Sta� enMárcio Ricardo Sta� en Marco Aurélio Bezerra de MeloMarco Aurélio Bezerra de Melo Marcus Mauricius HolandaMarcus Mauricius Holanda Maria Celeste Simões MarquesMaria Celeste Simões Marques Milton Delgado SoaresMilton Delgado Soares Murilo Siqueira ComérioMurilo Siqueira Comério Océlio de Jesus Carneiro de MoraisOcélio de Jesus Carneiro de Morais Ricardo Lodi RibeiroRicardo Lodi Ribeiro Roberta Duboc PedrinhaRoberta Duboc Pedrinha Salah Hassan Khaled Jr.Salah Hassan Khaled Jr. Sérgio André RochaSérgio André Rocha Simone Alvarez LimaSimone Alvarez Lima Thaís Marçal Valerio de Oliveira MazzuoliValerio de Oliveira Mazzuoli Valter Moura do CarmoValter Moura do Carmo Vânia Siciliano AietaVânia Siciliano Aieta Vicente Paulo BarretoVicente Paulo Barreto Victor Sales PinheiroVictor Sales Pinheiro Vinícius Borges FortesVinícius Borges Fortes Conselho Editorial Internacional António José Avelãs Nunes (Portugal) | Boaventura de Sousa Santos (Portugal) Diogo Leite de Campos (Portugal) | David Sanches Rubio (Espanha) Conselheiros Beneméritos Denis Borges Barbosa (in memoriam) | Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Filiais Sede: Rio de Janeiro Rua Newton Prado, n° 43 CEP: 20930-445 São Cristóvão Rio de Janeiro – RJ Tel. (21) 2580-7178 Maceió (Divulgação) Cristiano Alfama Mabilia cristiano@lumenjuris.com.br Maceió – AL Tel. (82) 9-9661-0421 Sônia L. Peixoto Mariana M. Vale Carlos Alberto Bernardo Mesquita Clarice Braúna Mendes Organizadores A Floresta da Janela: Soluções Baseadas na Natureza para a Cidade do Rio de Janeiro Autores Alexandra dos Santos Pires | André T. C. Dias | Angela Pellin Artur Malecha | Bernardo Furrer | Bianca Rossi Duque Camila de Souza da Rocha | Camila Gonçalves de Oliveira Rodrigues Carlos Alberto Bernardo Mesquita | Carlos E. Quintela Celso Junius Ferreira Santos | Clarice Braúna Mendes Dayvison Rabello Campos | Diego Douglas Monsores Andrade Diego Melo Pereira | Eduardo Frederico Cabral de Oliveira Eloise Silveira Botelho | Evelyn de Souza Lisboa Fabio José Ribeiro do Nascimento | Fernando A. S. Fernandez Gabrielle Martins | Gustavo Bastos Lyra | Ivan Jorge Amaral da Conceição Jair Bezerra dos Santos Júnior | Jeferson Pecin Bravim | Julian N. G. Willmer Juliana Argento | Lúcia Capanema Alvares | Luciana da Silva Nogueira Marcelo Lopes Rheingantz | Mariana M. Vale | Mariana Mendes Mayumi Nakamura | Patrícia Pellizzaro | Paulo da Silva Santos Pedro de Castro da Cunha e Menezes | Rhian Medeiros Vieira Soares Rita de Cássia Martins Montezuma | Simone Pszczol Sônia Lúcia Peixoto | Stella Manes | Stephanny Lima Pereira Bessa Valmir Augusto Detzel | Veronica Beck | Victor Leite de Paula Vladimir Franca Fernandes | Yasmin Morais da Silva | Yohanny Melo Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2024 www.lumenjuris.com.br Editor João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Brasil Abel Fernandes GomesAbel Fernandes Gomes Adriano PilattiAdriano Pilatti Alexandre Bernardino CostaAlexandre Bernardino Costa Ana Alice De CarliAna Alice De Carli Anderson Soares MadeiraAnderson Soares Madeira André Abreu CostaAndré Abreu Costa Beatriz Souza CostaBeatriz Souza Costa Bleine Queiroz CaúlaBleine Queiroz Caúla Bruno Soeiro VieiraBruno Soeiro Vieira Daniella Basso Batista PintoDaniella Basso Batista Pinto Daniela Copetti CravoDaniela Copetti Cravo Daniele Maghelly Menezes MoreiraDaniele Maghelly Menezes Moreira Diego Araujo CamposDiego Araujo Campos Emerson A� onso da Costa MouraEmerson A� onso da Costa Moura Enzo Bello Firly Nascimento FilhoFirly Nascimento Filho Flávio AhmedFlávio Ahmed Frederico Antonio Lima de OliveiraFrederico Antonio Lima de Oliveira Frederico Price GrechiFrederico Price Grechi Geraldo L. M. PradoGeraldo L. M. Prado Gina Vidal Marcilio Pompeu Gisele Cittadino Gustavo Noronha de Ávila Gustavo Sénéchal de Go� redo Henrique Ribeiro Cardoso Jean Carlos Dias Jean Carlos Fernandes Jeferson Antônio Fernandes Bacelar Jerson Carneiro Gonçalves Junior João Marcelo de Lima Assa� m João Theotonio Mendes de Almeida Jr. José Ricardo Ferreira Cunha José Rubens Morato Leite Josiane Rose Petry Veronese Leonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi Bonizzato Luis Carlos Alcoforado Luiz Henrique Sormani Barbugiani Manoel Messias Peixinho Marcelo Pinto Chaves Marcelo Ribeiro UchôaMarcelo Ribeiro Uchôa Márcio Ricardo Sta� enMárcio Ricardo Sta� en Marco Aurélio Bezerra de MeloMarco Aurélio Bezerra de Melo Marcus Mauricius HolandaMarcus Mauricius Holanda Maria Celeste Simões MarquesMaria Celeste Simões Marques Milton Delgado SoaresMilton Delgado Soares Murilo Siqueira ComérioMurilo Siqueira Comério Océlio de Jesus Carneiro de MoraisOcélio de Jesus Carneiro de Morais Ricardo Lodi RibeiroRicardo Lodi Ribeiro Roberta Duboc PedrinhaRoberta Duboc Pedrinha Salah Hassan Khaled Jr.Salah Hassan Khaled Jr. Sérgio André RochaSérgio André Rocha Simone Alvarez LimaSimone Alvarez Lima Thaís Marçal Valerio de Oliveira MazzuoliValerio de Oliveira Mazzuoli Valter Moura do CarmoValter Moura do Carmo Vânia Siciliano AietaVânia Siciliano Aieta Vicente Paulo BarretoVicente Paulo Barreto Victor Sales PinheiroVictor Sales Pinheiro Vinícius Borges FortesVinícius Borges Fortes Conselho Editorial Internacional António José Avelãs Nunes (Portugal) | Boaventura de Sousa Santos (Portugal) Diogo Leite de Campos (Portugal) | David Sanches Rubio (Espanha) Conselheiros Beneméritos Denis Borges Barbosa (in memoriam) | Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Filiais Sede: Rio de Janeiro Rua Newton Prado, n° 43 CEP: 20930-445 São Cristóvão Rio de Janeiro – RJ Tel. (21) 2580-7178 Maceió (Divulgação) Cristiano Alfama Mabilia cristiano@lumenjuris.com.br Maceió – AL Tel. (82) 9-9661-0421 Todos os direitos desta edição reservados à editora Lumen Juris Copyright © 2024 by Sônia Lúcia Peixoto | Mariana Moncassim Vale Carlos Alberto Bernardo Mesquita Clarice Braúna Mendes Categoria: Direito Ambiental Editor: João Luiz da Silva Almeida Produção editorial: Angel Cabeza Designer editorial: Rebecca Ramos e Thassiel Melo Diagramação: Renata Chagas Gerente administrativo-financeiro: Carla Sampaio Financeiro: Juliano de Oliveira Assistente financeiro: Jefferson Badaró Gerenteobrigatoriamente, pela discussão sobre o papel das áreas pro- tegidas, considerando que a criação e a implementação dessas áreas pre- vinem a redução das florestas e incidem, justamente, na melhoria das condições climáticas do planeta. O III Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e Caribe, ocorrido em outubro de 2019, na cidade de Lima, Peru, teve como objetivos estratégicos promover a melhor gestão das áreas protegidas a serviço da sociedade, avaliar e fortalecer a contribuição dessas áreas aos compromis- sos internacionais de conservação da natureza e para o desenvolvimento sustentável, e fortalecer a gestão frente às necessidades atuais e futuras. Em 2021, ocorreu o VIII Congresso Mundial de Parques da IUCN, em Marseille, França, cobrindo sete temas relacionados às principais di- mensões da natureza, como paisagens, água, oceanos e mudanças climá- ticas, e as três condições consideradas importantes para a conservação da biodiversidade: governabilidade e direitos; finanças e economia; conheci- mento e inovação. Na ocasião, a IUCN discutiu o novo modelo para medir o sucesso dos programas de conservação das espécies, a ‘Lista Verde da IUCN (Green List)’, aprovado em novembro de 20177, apoiando a Lista Ver- melha de Espécies Ameaçadas – uma ampla fonte de informações sobre a conservação das espécies em âmbito global, criada em 1963, que indica a saúde da biodiversidade mundial. A Lista Verde pretende fomentar a re- cuperação das espécies ameaçadas, ao invés de apenas evitar extinções, considerando que “uma área protegida ou conservada que atinge o padrão da Lista Verde pode ser certificada e reconhecida por alcançar resultados contínuos para as pessoas e a natureza, de forma justa e eficaz”8. Cabe mencionar o papel do Banco de Dados Mundial sobre Áreas Protegidas9 - base de dados global mais abrangente em áreas protegidas terrestres e marinhas. Trata-se de um projeto conjunto entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a IUCN, adminis- 7 Disponível em: https://iucngreenlist.org/standard/global - Acesso em 15/07/2022. 8 Disponível em: https://www.iucn.org/resources/conservation-tool/iucn-green-list-protected- and-conserved-areas. - Acesso em 15/07/2024. 9 The World Database of Protected Areas (WDPA). Disponível em: https://protectedplanet.net - Acesso em 15.07.2024. 22 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro trado pelo Centro de Monitoramento de Conservação Mundial do PNU- MA (UNEP-WCMC). O Banco de Dados disponibiliza informações para a tomada de decisão e aprimoramento das ações em curso, constituindo-se como uma plataforma global para comunicação, troca, aquisição e análise de conhecimento e dados sobre o status e as tendências das áreas protegi- das. Também fornece aos formuladores de políticas do mundo as melhores informações possíveis sobre áreas protegidas e seu valor para a conserva- ção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, além de apoiar as co- munidades humanas. Em julho de 2024 o número total de áreas protegidas no planeta era de 294.035, mas não há reconhecimento formal das áreas protegidas urbanas. 2. Áreas protegidas municipais no Brasil O termo ‘áreas protegidas’ é utilizado em âmbito global para designar o que no Brasil chamamos de unidades de conservação da natureza, sendo definidas como “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo poder público, com objetivos de conservação e limites defi- nidos, sob regime especial de administração, às quais se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000). As categorias de manejo das UCs brasileiras apresentam correlações com as categorias definidas pela IUCN. O Quadro 2 apresenta a as cate- gorias estabelecidas pela IUCN/Comissão Mundial de Áreas Protegidas - WCPA (1994) e a correspondência com a Lei do SNUC (BRASIL, 2000). 23 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Quadro 2: Comparativo entre as categorias de manejo da IUCN (1994) e a Lei do SNUC (BRASIL, 2000). Categoria Denominação Principal objetivo de manejo Correspondência com a Lei do SNUC I Reserva Natural Estrita/Área Sil- vestre Com fins científicos ou de proteção da natureza. Estação Ecológica Reserva Biológica II Parque Para conservação de ecos- sistemas e com fins de re- creação. Parque Nacional, Es- tadual ou Natural Mu- nicipal III Monumento Na- tural Para conservação de ca- racterísticas naturais es- pecíficas. Monumento Natural IV Santuário da Vida Silvestre Para a conservação de ha- bitats e/ou para satisfazer as necessidades de deter- minadas espécies. Refúgio da Vida Sil- vestre Área de Relevante In- teresse Ecológico V Paisagem Ter- restre/Marinha Protegida Para conservação de pai- sagens terrestres e mari- nhas com fins recreativos Área de Proteção Am- biental VI Área Protegida com Recursos Manejados Para uso sustentável dos ecossistemas naturais. Reserva Extrativista, Reserva de Fauna Re- serva de Desenvolvi- mento Sustentável, Floresta Nacional/ Es- tadual Fonte: Dourojeanni & Pádua (2001). 24 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro O sistema da IUCN objetiva proporcionar um diálogo mais claro en- tre as várias categorias de manejo existentes em âmbito global e minimizar a adoção de diversos termos, a partir do estabelecimento de normas que possibilitem comparações entre os sistemas das nações, inclusive quanto à quantificação e sistemas de monitoramento. Segundo Pellizzaro et al. (2012), em âmbito mundial as áreas protegidas nacionais são estabelecidas em correlação com as categorias de manejo da IUCN, porém, em vários países não há uma correspondência entre os padrões locais e os propostos pela organização. O Decreto nº 4.340/2002 (BRASIL, 2002), que regulamenta a Lei do SNUC, dedica o capítulo V à composição e ao funcionamento dos conselhos e define as competências do órgão executor das políticas públicas para as UCs. Sobre a natureza do conselho, se consultivo ou deliberativo, estabelece que para as UCs de Proteção Integral o conselho é de natureza consultiva. Nas UCs de Uso Sustentável, apenas nas Reservas Extrativistas e nas Re- servas de Desenvolvimento Sustentável o conselho é deliberativo. Nos casos onde a Lei do SNUC não estabeleceu a natureza do conselho, coube ao Mi- nistério do Meio Ambiente, por meio de Portaria, essa definição. Atualmente, de acordo com o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), o Brasil possui 2.945 UCs, sendo 1.088 federais, 1.230 estaduais e apenas 627 municipais, totalizando 2.558.829,11 km², cerca de 30% do território nacional10. Destas, 11,44% encontram-se locali- zadas no bioma da Mata Atlântica. Entretanto, os números deste cadastro não demonstram a realidade das UCs municipais. De acordo com um es- tudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica em 202311, existem pelo menos 1.530 UCs municipais, localizadas em 710 municípios inseridos no bioma Mata Atlântica. O estudo avaliou 1.257 municípios, combinando dados de levantamentos anteriores, o que permitiu uma estimativa dessas áreas nos 3.429 municípios inseridos no bioma, resultando em um número quatro vezes maior do que o registrado no CNUC. A baixa representativi- dade das unidades municipais no CNUC decorre principalmente de dois fatores. Primeiro, como a inscrição das UCs no cadastro é responsabilida- 10 Disponível em: https://www.cnuc.mma.gov.br. Acesso em 22/06/2024. 11 https://www.sosma.org.br/iniciativas/unidades-de-conservacao-municipais-na-mata-atlantica. Acesso em 15/06/2024. 25 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro de dos órgãos governamentais responsáveis pela sua gestão, muitas pre- feituras acabam por não fazê-lo, ainda que tenham criado e administrem UCs. O segundofator está relacionado à falta de adequação de muitas das UCs municipais aos requisitos definidos pelo Ministério do Meio Ambien- te e Mudança do Clima, responsável pelo cadastro, tais como área da UC devidamente delimitada por lei ou decreto. 3. Áreas protegidas e cidades A criação das áreas protegidas possui uma estreita e dialética relação com os ambientes urbanos, sendo a cidade do século XIX um marco neste processo. Para Sancho Deus (2015), a criação dessas áreas, sobretudo no final do século XIX, no âmbito da consolidação do capitalismo em abran- gência global, resulta em uma relação historicamente caracterizada pela tentativa de dominação da natureza pela sociedade, mais especificamente a sociedade ocidental, ancorada na perspectiva hegemônica do pensamento racional e científico, responsável por sustentar o advento e a supervaloriza- ção da técnica, que acabou solidificando um sentido de natureza cada vez mais instrumental e funcional. Segundo Morsello (2001), em função da deterioração das condições de vida causada pelas indústrias britânicas, e suas consequências danosas à saúde humana em razão das emissões das indústrias e manufaturas, no século XIX a população buscou uma forma de compensar os impactos ne- gativos por meio de espaços abertos, que poderiam proporcionar o contato direto com a natureza, provocando o surgimento do primeiro grupo am- bientalista privado do mundo, em 1865. O ‘Commons, Open Spaces, and Footpaths Preservation Society’ promoveu campanhas pela preservação de espaços para amenidades, particularmente áreas verdes urbanas. As pres- sões exercidas por esta sociedade sobre o governo inglês culminaram com a criação de várias áreas de lazer públicas e também do National Trust, em 1895, uma organização criada com a missão de proteger as heranças natu- rais e culturais do país, que passou a adquirir terras e propriedades para a preservação da natureza. Na Inglaterra, durante as duas últimas décadas do século XIX, a maioria das cidades foi desenhada e planejada com a pre- 26 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro sença de espaços públicos nas áreas centrais, tendo como norte a ideia de introduzir a natureza nas cidades (MELO, 2013). Na análise realizada por Diegues (2004), o crescimento populacional e as condições precárias de vida nas cidades no final do século XIX teriam influenciado a necessidade do homem moderno de refazer suas energias gastas na vida estressante da cidade, entrando em contato com a natureza, a partir de um imaginário do paraíso perdido. Isso demonstraria a inquie- tação do homem moderno quanto ao modo de vida das cidades, cujas re- lações sociais estavam cada vez mais condicionadas pelo pensamento me- canicista e racional, permeado por valores individualistas, regulados pelo mercado e pelo ritmo das fábricas. Neste sentido, para Macedo e Sakata (2010), o denominado parque urbano é um produto da cidade na era indus- trial que nasceu da necessidade de dotar as cidades de espaços adequados para atender novas demandas sociais, como lazer e tempo do ócio, e para contrapor-se ao ambiente urbano. A evolução do parque urbano nos últimos dois séculos tem acompa- nhado as mudanças urbanísticas das cidades, como um testemunho dos valores sociais e culturais das populações urbanas. Para Macedo e Sakata (2010), os parques urbanos se constituem em um elemento de forte per- manência, mantendo-se com suas principais características, independen- temente das transformações das estruturas urbanas em seu entorno. Nos Estados Unidos da América, as áreas verdes protegidas intitula- das ‘Parques’, de acordo com Scalise (2002), nasceram do movimento dos parques americanos, liderado por Frederick Law Olmsted (1822-1900), em Nova Iorque, Chicago e Boston. Tratava-se de promover a construção de grandes jardins de contemplação e parques de paisagem, disponibilizando para a população espaços para recreação, lazer, contemplação e ameniza- ção dos danos ocasionados pela intensa industrialização promovida pela revolução industrial. Mayone (2009) destaca o projeto para o estabeleci- mento do Central Park de Nova York, elaborado pelo arquiteto Frederick Law Olmsted, como a primeira experiência que considerou o conjunto da cidade, tendo como preocupação, além da questão do lazer, o saneamento do ambiente urbano e sua recuperação. O desenvolvimento dos parques urbanos europeus e estadunidenses indicam que os conceitos foram se modificando de acordo com a época, sendo influenciados tanto por carac- terísticas socioeconômicas quanto pelos aspectos culturais das populações. 27 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Para Mayone (2009), no decorrer do século XX, associada às novas concepções sobre cidades, algumas funções foram incorporadas aos par- ques urbanos, além das funções de estética e lazer, tais como funções es- portivas, culturais e de conservação dos recursos naturais. Esta visão foi impulsionada pelos grupos de defesa do meio ambiente que, na década de 1960, preocupados com os limites do desenvolvimento e os riscos da de- gradação ambiental, influenciaram no surgimento de trabalhos que trata- vam as áreas naturais como suportes para a conservação de ecossistemas. No Brasil, a Fundação SOS Mata Atlântica (2017) menciona que so- mente a partir da década de 1990 foi possível perceber um grande salto quantitativo no processo de criação de áreas naturais protegidas munici- pais, favorecido pelo estímulo financeiro para as prefeituras em razão da constituição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços com critérios ambientais, o ICMS Ecológico. A conservação da biodiversidade por meio das UCs passou a ser um critério de repasse dos recursos finan- ceiros desse tributo aos municípios. A partir da Lei do SNUC (BRASIL, 2000), as prefeituras brasileiras, como é o caso da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, tentaram adequar suas áreas protegidas às categorias previstas na referida lei, mas sem nenhum critério ou análise, apenas trocando as nomenclaturas como, por exemplo, de Parque Ecológico “A” para Parque Natural Municipal “A”, sem a devida clareza de que aquela área se constituía, de fato, como uma UC em conso- nância com a Lei do SNUC, ou se seria um ‘parque urbano’, sobre o qual não incide a legislação federal12. Também não houve uma análise crítica se as categorias de manejo eram consonantes com seus objetivos de criação. A importância da conservação da natureza nas cidades encontrou eco no seminário internacional ‘Rio 2012 BiodiverCities - Unidades de Conservação Urbanas’, no qual foi criada a Rede Nacional de Unidades de Conservação Urbanas (RENURB), com o apoio do projeto Urban National Parks in Emerging Countries & Cities (UNPEC), financiado pela Agence Nationale de la Recherche (ANR) da França. O seminário teve o objetivo de integrar gestores das UCs federais, estaduais e municipais localizadas em áreas urbanas, educadores com interesse na temática ambiental, especialis- 12 Com base no levantamento da documentação disponível na Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro no período 2011 a 2014. 28 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro tas em planejamento urbano, arquitetos e urbanistas, representantes de ór- gãos governamentais e da sociedade civil, pesquisadores e comunicadores, entre outros, para facilitar a comunicação com a sociedade e intensificar o intercâmbio de experiências e propostas, estabelecendo a articulação com outras redes que tratam do tema13. No âmbito da sinergia entre as UCs da rede, Guimarães e Pellin (2015) apontam a necessidade de se avaliar a efetividade de gestão não ape- nas das UCs federais, mas também das demais unidades localizadas em áreas urbanas, considerando os problemas enfrentados como a violência, a especulação imobiliária, as mudanças nouso e ocupação do solo, além de destacarem a importância do diálogo com as demais políticas setoriais que incidem sobre o território no qual estão localizadas. Nesse ponto da discussão cabe proceder à distinção entre áreas ver- des de domínio público, parques urbanos, espaços livres e parques natu- rais municipais. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)14 considera o parque urbano uma área verde com função ecológi- ca, estética e de lazer, com uma extensão maior do que as praças e jardins públicos, que propiciam a melhoria da qualidade funcional e ambiental das cidades, e são dotados de vegetação e espaços livres de impermeabili- zação. Para o MMA, as áreas verdes estão presentes em uma vasta gama de situações, como nas áreas de preservação permanente, nos canteiros centrais, nas praças, nos parques urbanos, nas florestas, nos jardins insti- tucionais, nos terrenos públicos não edificados, nas áreas verdes livres da cidade e nas UCs. Com o intuito de contribuir com a discussão, Nucci (2001) argumen- ta que o sistema de áreas verdes é parte integrante do sistema de espaços livres, constituindo-se como um subsistema que interfere na qualidade de vida da população, em função dos benefícios que podem proporcionar, como o controle da poluição, abrigo para a fauna, proteção dos manan- ciais, conforto ambiental, dentre outros. Assim, uma área verde é parte de um sistema de espaços livres, mas pode ser diferenciada de um espaço 13 Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/3522-criada-rede- nacional-de-uc-urbanas. Acesso em 24/05/2019. 14 Disponível em: http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/parques-e- %C3%A1reas-verdes. Acesso em 24/05/2019. 29 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro livre como parques de vizinhança, cemitérios, áreas para esporte, balneá- rios e hortas. Esta distinção considera que as áreas verdes, dentre as quais se incluem os parques urbanos, devem possuir 70% de cobertura vegetal em solo permeável, ter a vegetação como elemento essencial de sua com- posição e cumprir funções ecológicas, estéticas e sociais, como recreação, lazer e educação. No Art. 8º, § 1º, da Resolução CONAMA nº 369/2006, considera-se área verde como “espaço de domínio público que desempenha funções eco- lógicas, paisagísticas e recreativas, e que propicia a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotada de vegetação e espa- ços livres de impermeabilização”. Assim, as áreas verdes urbanas são consi- deradas como o conjunto de áreas intraurbanas que apresentam cobertura vegetal nativa ou introduzida, arbórea, arbustiva ou rasteira (gramíneas) e que contribuem de modo significativo para a qualidade de vida e o equilí- brio ambiental das cidades. Cabe salientar que muitas áreas denominadas ‘parques’ podem ter equivalência aos Parques Naturais Municipais, conforme previstos na Lei do SNUC, em razão de suas características ecossistêmicas, biodiversidade e con- servação de recursos do meio físico, apesar do reduzido percentual de cobertu- ra florestal nativa, tendo uma função prioritariamente urbanística (MOTA et al., 2014). Porém, os autores observam que há uma evidente generalização do conceito ‘parque’, sendo o termo utilizado de forma indiscriminada, incluindo no sentido de Parque Urbano e/ou Parque Natural Municipal. Bolota e Bittar (2009) definem parque urbano como um espaço geogra- ficamente delimitado que está inserido em área urbanizada, com predomi- nância de cobertura vegetal, sendo instituído pelo poder público sob regime especial de administração, destinado ao uso público, recreação, lazer, es- porte, convivência comunitária, educação e cultura, e no qual são aplicadas garantias adequadas de gestão e proteção. Os autores também distinguem Parque Urbano de Parque Natural Municipal, terminologia utilizada pela Lei do SNUC, considerando que a diferença se encontra nos objetivos de ma- nejo. Os parques urbanos são estabelecidos visando especialmente o lazer e recreação da população, enquanto os parques naturais municipais têm como principal objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevân- cia ecológica e beleza cênica. A argumentação dos autores vai de encontro com a situação verificada, por exemplo, em relação às Reservas Biológicas, 30 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que estariam excluídas da terminologia em razão de ser proibida a visitação pública, exceto a visitação com objetivo educacional, de acordo com regula- mento específico, e às Estações Ecológicas que proíbem a visitação pública, exceto quando com o objetivo educacional, de acordo com o que dispuser a plano de manejo ou regulamento específico (BRASIL, 2000). Assim, apesar dos objetivos de manejo dos parques inscritos na Lei do SNUC considerarem a possibilidade de desenvolvimento de atividades de recreação e lazer em contato com a natureza, assim como o turismo ecológi- co, devem preservar ecossistemas ecológicos de grande relevância e a biodi- versidade in situ. Estas áreas devem, ou deveriam, ser geridas em consonân- cia com as recomendações emanadas das convenções internacionais para a conservação da natureza das quais o Brasil é signatário, e em conformidade com as recomendações mundiais da IUCN para as áreas protegidas. Melo (2013) observa que os parques urbanos assumiram, ao longo da história, diferentes funções e usos, seguindo a influência da estrutura ur- bana, do fenômeno social e dos processos de preservação de áreas verdes, diferenciando-se em tamanho, funções, tipos de equipamentos, espaço de preservação ambiental e de socialização. Para o autor, na contemporanei- dade, a maioria desses parques foi construída visando à valorização do solo urbano, inclusive para o setor imobiliário. Para Serpa (2007), em alguns casos, o espaço público pode ser criado de modo a desintegrar a comuni- dade, por se tratar de local consolidado por uma imagem publicitária das administrações locais e por vezes não acessível aos moradores de bairros e setores distantes, compondo um local de segregação de grupos sociais. Em uma abordagem crítica, Caldeman (2014) discute a transforma- ção de paisagens urbanas em áreas de expansão urbanas, citando o caso da cidade do Rio de Janeiro, assim como o papel dos domínios público e privado na construção do espaço urbano. Somando-se a esta reflexão, Montezuma (2000) destaca o interesse do setor imobiliário em fragmentos de ecossistemas remanescentes, incorporando a ideia de natureza roman- tizada ao empreendimento, valorizando-o em decorrência de sua localiza- ção privilegiada pela natureza. 31 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro 4. O estado da arte das unidades de conservação municipais na cidade Na cidade do Rio de Janeiro estão localizadas 11 UCs além das geridas pelo governo municipal. Sob administração federal tem-se o Monumento Natural do Arquipélago das Ilhas Cagarras e o Parque Nacional da Tijuca. Sob tutela do Governo do Estado do Rio de Janeiro tem-se os Parques Esta- duais (PE) da Pedra Branca e do Mendanha, as Áreas de Proteção Ambiental (APA) de Sepetiba II e do Gericinó/Mendanha, e a Reserva Biológica (RE- BIO) Estadual de Guaratiba. Quanto às Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), criadas voluntariamente pelos proprietários e reconhecidas pelo governo federal temos a RPPN Céu do Mar, a RPPN Reserva Ecológi- ca Metodista Ana Gonzaga e a RPPN Sítio Granja São Jorge. Além destas, temos também a RPPN Bicho Preguiça, reconhecida pelo governo estadual. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro é responsável pela gestão de 61 UCs (23 de Proteção Integral e 34 de Uso Sustentável), conforme ANEXO, e mais as 4 Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), categoria de manejo municipal não inscrita na Lei do SNUC. O ParqueEstadual da Chacrinha, hoje incorporado à área do Parque Natural Municipal Paisagem Carioca, e o Parque Estadual do Grajaú também se encontram sob administração municipal. Em 2003, por meio do Decreto Municipal nº 22.662 de 19 de fevereiro, algumas UCs foram renomeadas em consonância com a nomenclatura pre- vista na Lei do SNUC. Destaca-se a situação do Parque Municipal Fazenda do Viegas (Decreto Municipal n0 14.800 de 14 de maio de 1996), classificado como Parque Natural Municipal Fazenda do Viegas, que se tornou parque urbano por meio da Lei Municipal n0 4.552 de 17 de julho de 2007. Abaixo estão elencadas as UCs cujos atos legais de criação não apre- sentam os respectivos limites geográficos, portanto não podem ser inscri- tas no CNUC, aquelas sem as devidas dimensões das áreas totais e/ou as situadas em área totalmente urbanizada, como o caso da APA das Sagas, APA do Bairro Peixoto e APA da Cidade Nova e Catumbi. 1. Reserva Biológica do Pau da Fome - Lei Municipal n0 1.549, de 15 de janeiro de 1990 - sem os limites geográficos definidos; 32 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro 2. Reserva Biológica do Camorim - Lei Municipal n0 1.549, de 15 de janeiro de 1990 - sem os limites geográficos definidos; 3. APA dos Mananciais - Lei Municipal no 1.197, de 04 de janeiro de1988 - sem os limites geográficos definidos; 4. APA do Bairro Peixoto - Lei Municipal n0 1.390, de 12 de maio de 1989 - sem os limites geográficos definidos; 5. APA dos Bairros de Santo Cristo, Saúde e parte do Centro - Lei Municipal n0 971, de 04 de maio de 1988 - completamente inseri- da em áreas urbanizadas; 6. ARIE da Baía de Sepetiba - Lei Orgânica art. 472, de 05 de abril de 1990 - sem limites geográficos definidos; 7. ARIE da Baía de Guanabara - Lei Orgânica art. 472, de 05 de abril de 1990 - sem limites geográficos definidos; 8. APA da Vila Operária da Cidade Nova - Decreto Municipal n0 10.040, de 11 de março de 1991 - completamente inserida em áreas urbanizadas; 9. APA do Catumbi - Decreto Municipal n0 10.040, de 11 de março de 1991 - completamente inserida em áreas urbanizadas; 10. PNM Professor Melo Barreto, de 5,20 ha, eventualmente consta da listagem das UCs municipais, mas não possui um ato de le- gal de criação, apenas um Projeto de Lei de nº 1050 e datado de 2007. Não entrou a na nova nomenclatura estabelecida na Lei do SNUC (BRASIL, 2000); 11. Arie da Ilha de Brocoió - Lei n0 Municipal n0 6.939 - 14/072021 - sem os limites geográficos definidos; 12. Área de Proteção Ambiental da Ilha do Pinheiro - Lei Municipal n0 1.772 de 15/10/1991 – sem os limites geográficos definidos. As UCs municipais encontram-se distribuídas pelas cinco Áreas de Planejamento (APs) propostas pelos Decretos nº 3.157 e nº 3.158, de 23 de julho de 1981, sendo sucessivamente aprimoradas e modificadas nas dé- cadas seguintes. Hoje, as APs possuem um recorte territorial que procura 33 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro abarcar os limites das bacias hidrográficas da cidade. A quantidade de co- bertura vegetal remanescente e a distribuição das UCs municipais em cada AP diferem bastante (Figura 1), sendo um reflexo dos padrões de ocupação histórico-social e da evolução da política ambiental na cidade. Figura 1: Unidades de conservação municipais por Áreas de Planejamento. Elaborado por: Clarice Braúna Mendes, PhD, 2024. O documento norteador da gestão das UCs é o Plano de Manejo, que estabelece o zoneamento e as normas que devem presidir a área e o manejo dos recursos naturais, de modo a cumprir os objetivos estabelecidos no ato de criação. O Plano estabelece normas específicas, assim como a ocupação e o uso dos recursos naturais em sua zona de amortecimento. Nas UCs localizadas nas metrópoles, as zonas de amortecimento, em geral ocupa- das por atividades antrópicas que geram externalidades negativas para a biodiversidade, cumprem um papel fundamental na proteção dessas áreas, possibilitando a integração entre as diretrizes dos planos de manejo e os instrumentos de planejamento das cidades, como o Plano Diretor. 34 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Atualmente no conjunto das UCs municipais da cidade do Rio de Ja- neiro, apenas 15 possuem planos de manejo elaborados, todos desatualiza- dos, sendo que os planos do PE Chacrinha, do PNM Darke de Mattos e do PNM Catacumba foram elaborados há mais de 15 anos, portanto, bastante desatualizados. Os planos dos PNM Bosque da Barra, Chico Mendes, Pe- nhasco Dois Irmãos, Serra do Mendanha, Prainha, Grumari, Serra da Ca- poeira Grande, Barra da Tijuca, Nelson Mandela, Paisagem Carioca e da APA da Paisagem Carioca, todos com cerca de 10 anos, também não foram atualizados. O MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca é a única UC com plano de manejo atualizado, graças ao esforço do seu conselho consultivo entre 2020 e 2023. A média de execução dos planos de manejo das UCs municipais é de menos de 20% do planejado. Novamente, a exce- ção é o MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, com cerca de 50% das ações previstas no seu plano de manejo executadas ou em execução, sendo a maioria das atividades desenvolvidas pelos parceiros e adotantes, sob a coordenação do gestor da unidade (PEIXOTO, 2022). Apenas 38 UCs municipais da cidade do Rio de Janeiro estão cadas- tradas no CNUC 15, posto que algumas não possuem limites geográficos. Quanto aos conselhos, apenas 12 encontram-se constituídos, com variação na sua operacionalidade. Alguns aspectos dificultam a proteção e a execução do manejo das UCs municipais, em especial a carência de recursos humanos e financei- ros, a falta de capacitação e qualificação dos gestores, os frágeis processos participativos, a subordinação dos objetivos da UC aos interesses econô- micos, a influência de grupos políticos, a presença de paramilitares e nar- cotraficantes nas unidades e/ou no entorno, e as inadequadas estruturas dos órgãos gestores dessas áreas. Aliás, em geral são essas as principais causas para a baixa execução dos planos de manejo, conforme pesquisa realizada por Peixoto (2022), além da frágil dinâmica interssetorial e inte- rescalar, da falta de monitoramento das atividades anualmente planejadas e da ausência de avaliação anual da efetividade de gestão. No entanto, dentre os aspectos citados não se leva em conta os de- safios organizacionais, mesmo que as unidades se configurem como um subsistema dentro do órgão gestor que, por sua vez, é um subsistema den- 15 Disponível em cnuc.mma.gov.br. Acesso em 22/05/2024. 35 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro tro do governo local e assim por diante (ARAUJO et al., 2012). Para os au- tores, a gestão dessas áreas é moldada por uma gama de fatores, incluindo aspectos culturais, dinâmicas institucionais e a interrelação com diferen- tes segmentos da sociedade, como as organizações da sociedade civil, as instituições de pesquisa acadêmica e, também, por serem impactadas pela interferência de outras organizações públicas e pelos interesses do setor privado. A pesquisa realizada por Peixoto (2022), por meio da construção de um modelo crítico para a avaliação da efetividade de gestão das UCs municipais a partir da teoria organizacional, considera que a cultura or- ganizacional tem interferência direta sobre a gestão dessas áreas. Segundo Motta e Vasconcelos (2002:380), a cultura organizacional pode ser defi- nida como o conjunto de valores, normas, crenças orientadoras e modos de pensar transmitidos aos seus membros, representando a organização informal. Já os elementos como estrutura, tamanho e estratégias represen- tam a organização formal (MOTTA; VASCONCELOS, 2002: 380). Assim, gerir uma UC de modo a atingir os seus objetivos de criação não significa apenas ter sido realizado um planejamento ou contar com sede,pessoal e recursos financeiros consolidados, mas ter o foco no processo de gestão e nos objetivos específicos da área, o que pode demandar tantos com- ponentes quantos exigirem a complexidade do local na qual a área protegida está inserida, e as relações entre e dentre os fatores socioambientais e ecoló- gicos presentes (ARAUJO, 2012). Além dos desafios inerentes à gestão das unidades situadas em áreas urbanas, administradas pelos governos federais e estaduais, a situação dessas áreas administradas pelos governos locais, mu- nicipais ou distritais, apresenta outras peculiaridades e entraves. 5. Os desafios da gestão local O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica - PMMA (ECOBRAND, 2015) menciona os problemas para a conservação e a gestão da natureza na cidade do Rio de Janeiro, também registrados por Peixoto (2022), sendo que alguns dizem respeito às ameaças e fraquezas das UCs municipais: 36 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ■ favorecimento de determinados grupos de interesse em detri- mento da proteção da Mata Atlântica; ■ pequena participação de organizações da sociedade civil e outras entidades em áreas estratégicas; ■ sociedade civil pouco articulada; ■ valorização da terra e especulação imobiliária; ■ criação de leis pelo legislativo sem suporte técnico; ■ excesso de burocracia; ■ sobreposição de instituições na tomada de decisão; ■ falta de articulação entre esferas distintas para gestão comparti- lhada da UC; ■ pouca interação entre os setores internos da SMAC; ■ falta de perenidade das ações ambientais estabelecidas pela Prefeitura; ■ crescimento urbano desordenado e acelerado; ■ falta de planejamento urbanístico; ■ ausência de mão de obra qualificada para serviços de recupera- ção ambiental; ■ capacidades técnicas e administrativas inadequadas para gestão das UCs; ■ falhas na fiscalização; ■ falta de proteção das áreas úmidas; ■ remanescentes florestais pequenos desconsiderados; ■ falta de conectividade entre os fragmentos florestais; ■ sobreposição de UCs; ■ problemas de insegurança pública; ■ legislação insuficiente e flexibilizada nas Áreas de Preservação Permanente; 37 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ■ poluição e interferências como canalização e retificação dos recur- sos hídricos, além de ameaças à permanência das matas ciliares; ■ baixa efetividade da educação ambiental, com pequena amplitu- de temática e social; e, ■ baixa efetividade da gestão florestal. Sobre o último item, baixa efetividade da gestão florestal, soma-se o fato de que não existe a avaliação da efetividade de gestão das UCs munici- pais, portanto, não há prestação de contas pelo que se fez ou o que se deixou de fazer. Exceto pelo conselho do MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, que acompanha a execução do plano de manejo da unidade, nenhum outro conselho avalia os resultados da gestão, e nem mesmo a Gerência de Gestão de Unidades de Conservação (GUC) da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC). Apesar das metodologias existentes para avaliação da efetividade de gestão disponibilizadas pela IUCN16, algumas adaptadas para a avaliação de áreas protegidas municipais, e mesmo com a existência de metodologia específica para a avaliação da gestão das UCs da cidade do Rio de Janeiro (PEIXOTO, 2022), até o momento nenhuma ini- ciativa de monitoramento sistemático foi implementada. Tais metodologia poderiam apoiar a identificação de entraves, a correção de rumos e forta- lecer a gestão das UCs. Outro grande desafio observado para a gestão das unidades municipais se refere às sobreposições entre áreas de diferentes âmbitos governamentais (PEIXOTO, 2022; ECOBRAND, 2015), incluindo as criadas pela própria Prefeitura (Figura 2). 16 O Banco de Dados Mundial sobre Áreas Protegidas (The World Database on Protected Areas - WDPA). 38 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Figura 2: Unidades de conservação municipais da cidade do Rio de Janeiro e sobreposição com demais unidades dos demais âmbitos de governo. Fonte: Elaborado pelo biólogo Rhian Soares, MSc (2021). Nesse contexto, a racionalização dos territórios protegidos pelas UCs, considerando recategorizações, ampliações, fusões e criação de novas uni- dades, torna-se imperativa, mas com a inclusão da sociedade no processo de discussão e considerando as inúmeras variáveis que recaem sobre essas áreas. Outro fator fundamental é o estabelecimento de um novo modelo de gestão para as UCs municipais e demais áreas protegidas da cidade, visando incrementar a efetividade da gestão da natureza citadina, o enga- jamento da sociedade e o controle social. A participação social na gestão das UCs, além dos seus conselhos, se dá por intermédio da Câmara Setorial Permanente de Unidades de Con- servação, vinculada ao Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade (CONSEMAC). Esta instância é de natureza consultiva e constitui espaço legítimo de participação da sociedade na política ambiental da cidade do 39 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro,). Os pareceres emanados pela câmera são submetidos ao CONSEMAC, que tem caráter deliberativo. No entanto, muitas vezes as recomendações da câmara não são operacionalizadas. Questões relativas à segurança pública também foram observadas nas UCs municipais, sendo, inclusive, tratadas no âmbito dos planos de manejo dos PNM Prainha, Grumari e Serra do Mendanha. No caso desses dois últimos, os maiores problemas apontados foram relacionados com o descarte de veículos queimados, perfurações em placas de sinalização por projéteis de arma de fogo e atividades ligadas a milícias. No PNM Serra do Mendanha a insegurança pública foi abordada em função dos loteamentos irregulares, incluindo os promovidos por milicianos. 6. O papel do Mosaico Carioca de Áreas Protegidas A Lei do SNUC inovou com a possibilidade da gestão por meio dos Mosaicos de Unidades de Conservação da Natureza, definidos em seu artigo 26 como “instrumentos de gestão integrada e participativa de um conjunto de unidades de categorias de manejo diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, de tutelas administrativas públicas ou priva- das”. Os Mosaicos buscam potencializar esforços e otimizar recursos para o fortalecimento e ampliação dos objetivos de conservação, compatibili- zando biodiversidade, valorizando a sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional e local, caso do Mosaico Carioca de Áreas Protegidas da Cidade do Rio de Janeiro. Os corredores ecológicos, reco- nhecidos pelo Ministério do Meio Ambiente, integram os mosaicos para fins de sua gestão, conforme preconiza o art. 11 do decreto que regulamen- ta a Lei do SNUC. Vale mencionar que a pesquisa realizada por Pena e Rodrigues (2018) apontou que o Mosaico Carioca, em função das instituições integrantes, e as possibilidades de fortalecer o sistema de áreas protegidas cariocas, é considerado, tanto por parte dos servidores públicos como pelos represen- tantes da sociedade civil, como um espaço propício para a construção e mobilização de movimentos sociais interessados nos processos de gestão e fortalecimento das áreas naturais da cidade. O Mosaico Carioca abarca as paisagens de maior relevância para a cidade, materializadas em uma 40 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro área litorânea, formado por duas baías, três maciços que se conectam por meio de uma rede hídrica, um complexo lagunar e aquíferos que integram diversos ecossistemas, incluindo os protegidos por UCs. Nesses termos, o fortalecimento da governança do Mosaico Carioca torna-se imprescindível diante dos desafios para a integração da gestão da UCs da cidade do Rio de Janeiro.O exemplo da África do Sul, ao integrar áreas protegidas nos âmbitos nacional, regional e local, conforme Figura 3, revela a possibilidade de sinergia entre os responsáveis pela gestão das áreas de diferentes âmbitos de governo, de modo a fortalecer os processos de gestão e participação social. Há que se considerar a importância das áreas protegidas sob gestão das municipalidades, em função de sua conec- tividade com as demais áreas naturais, do acesso às informações, dos lo- cais nos quais se encontram inseridas, do incremento do turismo ecológico e da governança democrática. Figura 3: Rede de áreas protegidas na África do Sul. Fonte: Maciejewski e Cumming (2015). (A) África do Sul Ocidental com 12 comunidades e (B) África do Sul Oriental com 8 comunidades. As cores representam as escalas de governança: as áreas protegidas nacionais são vermelhas, as provinciais são amarelas, as privadas são verdes e as demais áreas protegidas são azuis. 41 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Apesar das possibilidades de integração entre as UCs da cidade do Rio de Janeiro, o Mosaico Carioca, por falta de pessoal e recursos financei- ros, não vem atuando de modo a fortalecer a estrutura, a governabilidade e a efetividade de gestão das UCs, assim como não se coloca como um an- teparo em relação às possíveis interferências políticas e do capital, quando potencialmente danosas para a conservação da natureza. Não há análise crítica dos elementos e contextos que podem criar vulnerabilidades para as unidades que compõem o mosaico, o que significa dizer que as mudanças nas variáveis reguladoras do conjunto das UCs municipais, assim como os pressupostos básicos por trás das ideias ou políticas, não são confrontados, como preconizado por Argyris et al. (1987). 7. Considerações finais Para que as políticas públicas para a conservação da natureza sejam elaboradas, monitoradas e avaliadas não basta apenas a criação de conse- lhos, grupos de trabalho ou comitês de acompanhamento. Caso a parti- cipação social não seja efetiva e qualificada, e a estrutura organizacional não se mostre adequada, eficiente e eficaz, o estabelecimento de um Sis- tema Municipal de Unidades de Conservação e demais Áreas Protegidas e o incremento da efetividade de gestão das UCs municipais tendem a ser objetivos distantes. Vontade política e envolvimento técnico qualificado, associados à efetiva participação da sociedade no processo, assim como a implementação de mecanismos de engajamento, mobilização, participa- ção e transparência, tornam-se fundamentais para a promoção de mudan- ças que possam aumentar a efetividade de gestão da natureza por meio das UCs municipais. Os Congressos Mundiais de Parques Nacionais e Outras Áreas Prote- gidas, assim como os grupos de trabalho e publicações da IUCN relativas às áreas protegidas geridas por governos locais, demonstrou as fragilida- des e potenciais para uma efetiva gestão dessas áreas, apontando alguns possíveis caminhos com base na experiência e na produção internacional. Portanto, ao se pensar na criação de um Sistema Municipal de Unidades de Conservação e demais Áreas Protegidas, as experiências de cidades lo- calizadas em outros países, em especial aquelas com similaridades com 42 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro a cidade do Rio de Janeiro, podem ser consideradas como valiosos ins- trumentos para reflexão. Um sistema deve considerar integração, sinergia, fluxo e efetiva participação social, para não se tornar mais uma iniciativa concebida de modo burocrático que não saia do papel. Assim, entende-se que no planejamento e na gestão das UCs inseri- das em malha urbana torna-se fundamental o entendimento da relação e sinergias entre essas áreas e a cidade nas quais se localizam. Concorda-se com Guimarães e Pellin (2015) quando observam que o fato de uma área protegida estar inserida em matriz urbana resulta em novos desafios para sua gestão, em razão das variadas nuances de enfrentamentos em com- paração com áreas situadas em ambientes remotos e rurais. Destaca-se, ainda, que inúmeras variáveis e conflitos são de natureza organizacional e política, o que deve ser observado ao se pensar na construção de um sistema. Deve-se ter especial atenção aos arranjos institucionais, à trans- parência das regras, à qualificação continuada dos técnicos envolvidos no processo e aos anteparos para os interesses que não se coadunam com a proteção da natureza. As deficiências apontadas na gestão das UCs municipais da cidade do Rio de Janeiro podem ser mitigadas, e até mesmo sanadas, se houver vontade política, que estabeleça um novo olhar sobre as áreas protegidas da cidade, assim como um novo modelo de gestão que engaje a sociedade na sua construção, implementação e monitoramento. O envolvimento de organizações da sociedade civil, de representantes da área acadêmica e do setor empresarial, tendo em vista os variados interesses envolvidos no pro- cesso, torna-se imperativo diante dos desafios dessa construção. Referências ARAUJO, Marcos Antônio Reis; CABRAL, Rogério F. Bittencourt; MARQUES, Cleani Paraiso. A Efetividade de Gestão de Unidades de Conservação. In: Unidades de Conservação no Brasil: o caminho da gestão para resultados. Organizado por NEXUCS, São Carlos: RiMa Editora, 2012, p. 361-368. 43 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ARGYRIS, Chris; PUTNAM, Robert; SMITH, Diane. 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California Institute of Public Affairs, 2007. 47 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Anexo 1 Unidades de Conservação municipais de proteção integral, legislação de criação, área de planejamento (AP), área em hectares e ato legal de apro- vação do plano de manejo. Unidade de Conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de aprovação do Plano de Manejo 1. PE da Chacrinha Decreto Estadual 2.8543 - 22/05/1969 2 0,66 Defasado e sem ato legal de aprovação. Hoje integra o PNM Paisagem Carioca. Sob gestão Municipal. 2. PNM Darke de Mattos Decreto Munici- pal 394 - 18/05/1976 1 7,05 Defasado e se ato legal de aprovação. 3. PE do Grajaú Decreto Es- tadual 1.921 -22/06/1978 2 54,73 Não possui. Sob gestão municipal. 4. PNM Marapendi Lei Muni- cipal 61- 03/07/1978 4 158,84 Resolução SECONSERMA n0 65 de 27/04/2017. 5. PNM da Cata- cumba Decreto Municipal 1.967 - 19/01/1979 2 26,64 Resolução SMAC n0 452 de 13/10/2008. 6. PNM Bosque da Barra Decreto Munici- pal 4.105 -03/06/1983 4 53,16 Resolução SMAC n0 559 de 04/06/2014. 7. PNM Chico Mendes Decreto Municipal 8.452 - 08/05/1989 4 43,60 Resolução SMAC n0 558 de 04/06/2014. 8. PNM Dois Ir- mãos – Dois Ca- riocas – Sérgio Ber- nardes e Alfredo Sirkis Decreto Municipal 11.880 - 21/12/1992 2 39,55 Resolução não publicada. Plano de Manejo disponível na página oficial da SMAC. 48 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Unidade de Conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de aprovação do Plano de Manejo 9. PNM da Serra do Mendanha Lei Munici- pal 1.958 - 05/04/1993 5 1.444,86 Resolução SMAC n0 561 de 04/06/2014. 10. PNM da Prainha Decreto Municipal 17.426 - 25/03/1999 4 126,30 Resolução SMAC n0 560 de 04/06/2014. 11. PNM José Gui- lherme Merquior Decreto Municipal 19.143 - 14/11/2000 2 8,30 - 12. PNM Fonte da Saudade Decreto Municipal 19.143 - 14/11/2000 2 2,00 - 13. PNM de Gru- mari Decreto Municipal 20.149 - 02/07/2001 4 804,73 Resolução SMAC n0 560 de 04/06/2014. 14. PNM Jardim do Carmo Decreto Municipal 20.723 - 18/11/2001 3 2,55 - 15. PNM da Serra da Capoeira Gran- de Decreto Municipal 21.208 - 01/04/2002 5 20,99 - 16. PNM do Bosque da Freguesia Decreto Municipal 22.622 - 19/02/2003 4 29,88 - 17. MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca Decreto Municipal 26.578 - 01/06/2006 2 91,50 Resolução SMAC n0 543 de 03/10/2013. 49 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Unidade de Conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de aprovação do Plano de Manejo 18. PNM da Cidade Decreto Municipal 29.538 - 03/07/2008 2 46.78 Proc. 14/000.691/2014 para elaboração. 19. PNM da Barra da Tijuca - Nelson Mandela Decreto Municipal 34.443 - 20/09/2011 4 163,73 Resolução SECONSERMA n0 65 de 27/04/2017. 20. PNM Paisagem Carioca Decreto Municipal 37.231 - 05/06/2013 2 159,82 Resolução SMAC n0 557 de 04/06/2014. 21. REVIS da Flo- resta do Camboatá Lei Muni- cipal 7.183 - 09/12/2021 5 171,58 - 22. REVIS dos Campos de Ser- nambetiba Decreto Municipal 50.413 - 18/03/2022 5 543,00 - 23.MONA do Re- creio dos Bandei- rantes Decreto Municipal 54.556 - 24/05/2024 4 62,84 - Área Total 4.016,13 50 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeiturada Cidade do Rio de Janeiro Unidades de Conservação municipais de uso sustentável, legislação de criação, área de planejamento (AP), área em hectares e aro legal de re- gulamentação. Unidade de conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de regulamen- tação 1. APA de Santa Te- resa Lei Muni- cipal 495 - 09/01/1984 1 515,72 DM 5.050 - 23/04/1985 2. APA da Fazendi- nha da Penha Decreto Municipal 4.886 - 14/12/1984 3 13,24 DM 5.460 - 08/11/1985 3. APA de Sacopã Decreto Municipal 6.231 - 28/10/1986 2 94,75 DM 6.231 de 28/10/1996 4. APA de Grumari Lei Muni- cipal 944 - 30/12/1986 4 984,81 DM 11.849 - 21/12/1992 5. APA da Pedra Branca Lei Munici- pal 1.206 - 28/03/1988 5 5.338,50 - 6. APA do Jóquei Clube Brasileiro Lei Munici- pal 1.400 - 01/06/1989 2 63,47 - 7. APA da Prainha Lei Munici- pal 1.534 - 11/01/1990 4 149,27 DM 11.849 - 21/12/1992 8. APA dos Morros do Leme e Urubu e Ilha da Cotunduba Decreto Municipal 9.779 - 12/11/1990 2 122,20 DM 14.008 - 05/07/1995 9. APA do Várzea Country Clube Decreto Municipal 9.952 - 07/01/1991 3 7,75 DM 9952 - 07/01/91 51 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Unidade de conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de regulamen- tação 10. APA do Parque Ecológico de Mara- pendi Decreto Municipal 10.368 - 15/08/1991 4 917,81 DM 11.990 - 24/03/1993 11. APA de São José Lei Munici- pal 1.769 - 01/10/1991 2 108,89 - 12. APA do Cosme Velho Lei Munici- pal 1.784 - 29/10//1991 2 143,04 - 13. APA do Morro da Saudade Lei Munici- pal 1.912 - 28/09/1992 2 55,01 - 14. APA do Morro dos Cabritos Lei Munici- pal 1.912 - 28/09/1992 2 128,79 - 15. APA das Brisas Lei Munici- pal 1.918 - 05/10/1992 5 102,57 DM 17.554 - 08/05/1999 16. APA do Bairro da Freguesia Decreto Municipal 11.830 - 11/12/1992 4 360,51 DM 11.830 - 11/12/92 17. APA das Pon- tas de Copacabana e Arpoador e seus Entornos Lei Munici- pal 2.087 - 04/01/1994 2 15,08 - 18. APA dos Morros da Babilônia e São João Decreto Municipal 14.874 - 05/06/1996 2 122,72 DM 17.731 - 12/07/1999 19. APA do Morro da Viúva Lei Munici- pal 2.611 - 12/12/1997 2 16,53 - 20. APA da Orla da Baía de Sepetiba Lei Munici- pal 1.208 - 28/03/1998 5 9.797,00 - 52 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Unidade de conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de regulamen- tação 21. APA da Orla Marítima, as Praias de Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado e Bar- ra da Tijuca Lei Munici- pal 1.272 - 06/07/1998 2/4 207,76 - 22. APA da Serra da Capoeira Grande Lei Munici- pal 2.835 - 30/06/1999 5 475,29 DM 32.547 - 20/07/2010 23. APA do Morro do Silvério Lei Munici- pal 2.836 - 07/07/1999 5 148,47 DM 32.547 - 20/07/2010 24. APA das Tabe- buias DM 18.199 - 08/12/1999 4 61,75 DM 18.199 - 08/12/99 25. APA da Pai- sagem e Areal do Pontal Lei Munici- pal 18.849 - 03/08/2000 4 22,51 - 26. APA da Serra dos Pretos Forros Decreto Municipal 19.145 - 14/11/2000 3 2.705,90 - 27. APA do Morro do Valqueire Lei Munici- pal 3.313 - 04/12/2001 4 166,08 DM 18.849 03/08/2000 28. APA da Fazenda da Taquara Decreto Municipal 21.528 - 07/06/2002 4 8,46 - 29. ARIE de São Conrado Lei Munici- pal 3.693 - 04/12/2003 4 82,98 - 30. APA do Morro do Cachambi Lei Munici- pal 4.659 - 02/10/2007 4 142,41 - 53 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Unidade de conservação Ato legal de criação AP Área (ha) Ato legal de regulamen- tação 31. APA da Paisa- gem Carioca Decreto Municipal 37.486 - 05/08/2013 2 204,00 - 32. APA do Sertão Carioca Decreto Municipal 49.694 - 27/10/2021 5 3.247,43 DM 49.694 - 27/10/2021 33. APA da Serra do Inhoaíba, Cantaga- lo e Santa Eugênia Decreto Municipal 50.894 - 31.05.2022 5 2.228 34. ARIE Floresta da Posse Decreto Municipal 50.962 - 8.06.2022 5 171,56 Área Total 28.930,26 Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), ato legal de criação, área de planejamento e área em hectares. Unidade de Conservação Ato legal de criação AP Área (ha) 1. APARU do Alto da Boa Vista Decreto Municipal 11.301 - 21/09/1992 2 3.210,88 2. APARU do Jequiá Decreto Municipal 12.250 - 31/08/1993 3 142,50 3. APARU da Serra da Misericórdia Decreto Municipal 19.144 - 14/11/2000 4 3.598, 66 4. APARU do Complexo Cotundu- ba-São João Lei Municipal 5.019 -06/05/2009 2 383,69 Área Total 7.334,73 55 Capítulo 2: O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Sônia L. Peixoto1 Lúcia Capanema Alvares2 Introdução O que se pretende no capítulo é refletir sobre a influência da Secre- taria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC) na gestão das Unidades de Conservação da Natureza (UCs) mu- nicipais, com base na análise da sua trajetória, considerando as reestrutu- rações, a cultura organizacional, as fronteiras/políticas e os resultados para a sociedade de acordo com a teoria organizacional (DAFT, 2015; MOTTA; VASCONCELOS, 2002). Neste contexto são avaliados aspectos como os processos internos, as circunstâncias políticas que influenciam a organiza- ção, como os setores da sociedade, as mudanças no formato organizacional e quando se estabelece competências, prioridades das ações e se executa, ou se ignora, as políticas públicas para a conservação da natureza3. 1 Bióloga, Doutora pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia UFF. 2 Arquiteta Urbanista, Doutora, Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF). 3 O capítulo se baseia na discussão promovida pela tese de doutorado, da Bióloga Sônia L. Peixoto, intitulada “A Influência da Esfera Pública, do Capital e da Sociedade na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro: a biodiversidade calada” do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU), defendida em agosto de 2022. Na pesquisa foram entrevistados ocupantes de cargos 56 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais O capítulo, além de discutir essas questões, visa colaborar com insumos para o fortalecimento da SMAC e a efetividade de gestão das UCs e, portan- to, leva em conta que o desafio de conservar a biodiversidade nas cidades por meio das UCs implica em conhecer, além da organização responsável pela sua administração, o cenário político e social citadino, dados os diferentes atores, suas singularidades e interesses específicos, reconhecendo também os reflexos desses atores e contextos na gestão das UCs. Inclui-se também na discussão as fragilidades, os impasses organizacionais e as circunstâncias dissonantes dos pressupostos norteadores da gestão de excelência, quando geram protocolos, regras e procedimentos pouco claros, tornando, por con- seguinte, os arranjos organizacionais casuísticos e instáveis. 1. A trajetória da SMAC A criação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC) ocorreu em um contexto histórico da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da descentralização das políticas am- bientais. Em 1993, por meio da Lei Municipal n0 1.949, de 13 de fevereiro do mesmo ano, no governo do Prefeito Cesar Maia4, foi criado o cargo em comissão de Secretário Extraordinário de Meio Ambiente, tendo à frente o jornalista e ambientalista Alfredo Sirkis5, com a atribuição de assessorar o prefeito no estabelecimento de políticas ambientais e no desenvolvimento da ação governamental (PEIXOTO, 2022). Em 1994 foi formalmentecriada a Secretaria Municipal de Meio Am- biente (Lei Municipal n0 2.138, de 11 de maio de 1994) como órgão execu- tivo central do sistema municipal de gestão ambiental com a finalidade de planejar, promover, coordenar, fiscalizar, licenciar, executar e fazer execu- tar a política municipal de meio ambiente, em coordenação com os demais da esfera pública municipal, representantes da Câmara Técnicas do Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (CONSEMAC), do poder legislativo municipal, da iniciativa privada, e especialistas em conservação da natureza, além de informantes que não foram identificados pelo nome real para garantir o anonimato. 4 Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/portfolio-institucional/exibeconteudo?id=9970968. Acesso em: 06.04.2024. 5 Jornalista e ambientalista à época da criação da SMAC vinculado ao Partido Verde. Vítima de um acidente de carro, faleceu em 10 de julho de 2020. 57 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais órgãos do Município. A Lei estabeleceu o número e a formação dos fun- cionários da SMAC, além de cargos comissionados (DAS) e funções grati- ficadas (DAI) disponíveis, englobando também o Conselho Municipal de Meio Ambiente e o Fundo de Conservação Ambiental. Parques municipais, no entanto, já vinham sendo criados desde a década de 1970 totalizando, até a criação da SMAC, sete parques, além de dezesseis Áreas de Proteção Ambiental (APA) e ainda duas Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), área não inscrita na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei Federal n0 9.985 de 2000) - Lei do SNUC. Após a formalização da SMAC foram criados um parque e uma APA. Em 1994 a SMAC contava com 127 funcionários, sendo 96 de nível superior. A 1ª reestruturação da SMAC ocorreu no governo Luiz Paulo Con- de6, tendo como secretário o ambientalista Maurício Lobo, por meio da Lei Municipal n0 2.707, de 10 de dezembro de 1998, e o Decreto Municipal n0 17.312 de 25 de janeiro de 1999 que consolidou a codificação institucio- nal e descreveu as competências. Nesta reformulação foi criada a Gerência de Gestão de Unidades de Conservação (GUC), vinculada à Coordenado- ria de Recuperação Ambiental, com apenas três competências: 1. elaborar programas e projetos relativos à implantação, recupe- ração e manutenção das unidades de conservação ambiental, de acordo com as necessidades identificadas pelos Escritórios Téc- nicos Regionais; 2. elaborar e implementar projetos de proteção florestal, incluindo a prevenção de incêndios nas unidades de conservação e reflores- tamento dos remanescentes florestais; e, 3. articular com os Escritórios Técnicos Regionais o desenvolvi- mento de programas de co-gestão para as unidades de conser- vação ambiental. A GUC foi criada para apoiar as necessidades dos Escritórios Regio- nais da SMAC, posto que os projetos de reflorestamento eram realizados 6 Administração do Prefeito Luiz Eduardo Conde, de 10 de janeiro de 1997 até 10 de janeiro de 2001, filiado ao Partido da Frente Liberal (PFL). 58 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais por outras gerências. Na época nenhuma UC municipal operava sob o re- gime de co-gestão (terceira competência), no que não logrou êxito até os dias atuais. O único parque da cidade em regime de gestão compartilhada era o Parque Nacional da Tijuca (PNT) por meio da parceria entre a Pre- feitura da Cidade do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro dois Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Ao final do governo do prefeito Luiz Paulo Conde foram criados três parques, além de oito APA e uma APARU. A 2ª estruturação da SMAC (Decreto Municipal n0 20.448, de 22 de agosto de 2001) ocorreu no retorno do ex-prefeito Cesar Maia7, tendo como secretário de meio ambiente Eduardo da Costa Paes, sem experiência na área ambiental. Poucas alterações foram realizadas na estrutura da SMAC, e mantida a Gerência de Gestão de Unidades de Conservação na Coorde- nadoria de Recuperação Ambiental. Em 2005, tendo como secretário de meio ambiente Aryton Xerez, político sem experiência na área ambiental, a GUC contava com seis funcionários administrativos e doze gestores de UCs. Conforme apontado por Cohen (2007:110) o então gerente da GUC em entrevista destacou a carência de pessoal técnico e de material, o que poderia inviabilizar as funções da gerência que também administrava cer- ca de vinte contratos, dentre eles de conservação, de manutenção predial, de veículos, de computadores e de radiotelefonia. Em 2006 foi empossada a primeira mulher no comando da SMAC, a vereadora Rosa Maria Fernan- des, também sem experiência na área ambiental. Em 2007 ocorreu a 3ª reestruturação da SMAC (Decreto Municipal n0 28.459, de 20 de setembro de 2007) na qual foram criadas a Coordenadoria de Proteção Ambiental (CPA) e a Gerência de Proteção Ambiental (GPA). À CPA caberia estabelecer normas de proteção ambiental para o patrimô- nio ecológico, genético e paisagístico do Município; coordenar propostas de criação de UCs e Áreas de Especial Interesse Ambiental (AEIA); coor- denar planos de manejo e modelos de gestão ambiental; promover a inte- gração com os órgãos municipais de planejamento urbano, assim como coordenar as atividades relativas aos programas e projetos para as AEIA e UCs; e promover e incentivar a participação das comunidades locais nas 7 Administração do Prefeito Cesar Maia em dois mandatos, 2001 a 2005 e 2005 a 2009, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), seguido do Partido da Frente Liberal (PFL) e, posteriormente, ao Partido Democrata (DEM). 59 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais ações de proteção e conservação do patrimônio natural do Município. Já a GPA atuaria no sentido da realização de estudos e na elaboração de pro- jetos para embasar as competências da CPA, assim como emitir pareceres técnicos. Na realidade, em relação às UCs, a GPA atuava na criação de APA e seu zoneamento, e a GUC na criação, planejamento e gestão das UCs de proteção integral. À época foram criados cinco Parques Naturais Munici- pais (PNM) e um Monumento Natural (MONA), ambos com a nomencla- tura estabelecida pela Lei do SNUC, e uma APARU. Em 28 de janeiro de 2009 o Decreto Municipal n0 30.432 apresentou o organograma da estrutura básica da administração direta; a 4ª reestru- turação ocorreu no ano seguinte (Decreto Municipal n0 32.002), alterando o nível hierárquico das Gerências de Licenciamento Ambiental. Da quinta à oitava reestruturações da SMAC foram realizadas no mandato Eduardo da Costa Paes8, próximas às Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, tendo como secretário municipal de meio ambiente o vice-prefeito Carlos Alberto Muniz9, com experiência na área ambiental. A 5ª reestruturação (Decreto Municipal n0 32.835, de 29 de setembro de 2010), apenas seis meses após sua antecessora, estabeleceu competências e extinguiu departamentos e a Gerência de Mudanças Cli- máticas (Decreto Municipal n0 28.459/2007). A 6ª reestruturação ocorreu sete meses após a quinta (Decreto Munici- pal n0 33.654, de 11 de abril de 2011), extinguindo a 3ª Gerência de Projetos e recriando a Gerência de Mudanças Climáticas, agora com a nomenclatura de Gerência de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável. No mesmo ano foi estabelecida a Política Municipal de Mudanças do Clima e Desenvolvimento Sustentável (Lei Municipal n0 5.248, de 27 de janeiro de 2011). Um ano e quatro meses depois houve a 7ª reestruturação da SMAC (Decreto Municipal n0 35.743, de 6 de junho de 2012) reformulando a estru- tura organizacional da Coordenadoria Geral de Controle Ambiental. A 8ª reestruturação trouxe mudanças significativas (Decreto Munici- pal n0 36.926,21 de março de 2013) em função da criação da Coordenado- 8 Administração do Prefeito Eduardo Paes, em dois mandatos, de 2009 a 2013 e de 2013 a 2017, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). 9 Economista e vice-prefeito do então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atual Movimento Democrático Brasileiro (MDB). 60 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais ria Geral de Áreas Verdes (CAV) à qual a Coordenadoria de Conservação e Proteção Ambiental (CPA) - agora com o termo conservação no nome -, ficou vinculada junto com suas gerências (GUG e GPA). Algumas compe- tências estabelecidas para a CAV se sobrepuseram às da CPA. A criação da Coordenadoria de Áreas Verdes ocorreu no período preparatório para as Olimpíadas de 2016, época tensão entre a Coordenadoria Geral de Controle Ambiental (responsável pelos licenciamentos ambientais) e a CPA (respon- sável pela emissão de pareceres técnicos nas instalações que oferecessem da- nos potenciais às UCs). A situação permitiu que muitas licenças ambientais fossem expedidas, contando com a própria CAV como intermediadora no conflito entre as coordenadorias e poupando o secretário municipal de meio ambiente do envolvimento direto em confrontos departamentais, como foi o caso da desafetação de parte do PNM de Marapendi para instalação do campo de golfe olímpico. A mudança na hierarquia formal na SMAC, com a criação da CAV, tornou as tomadas de decisão mais verticalizadas em dissonância com os novos paradigmas da moderna administração organizacional (DAFT, 2015; MOTTA; VASCONCELOS, 2002), que pregam a horizontalidade, a participação e o diálogo com os servidores nos processos decisórios. Além de amplos poderes e controle sobre os demais departamentos, o estabelecimento da CAV imprimiu uma estrutura abertamente hierár- quica e discricionária de poder - a cultura organizacional muitas vezes se expressa por meio de representações simbólicas de poder (MOTTA; VASCONCELOS, 2002). Apesar dos conflitos entre conservação da natureza e a concessão de licenças ambientais, entre 2012-2014, alguns avanços promovidos pela CPA/GUG puderam ser efetivados como o curso de capacitação e seleção de gestores de UCs, que contou com especialistas apresentando temas con- temporâneos sobre os processos de criação, planejamento e gestão partici- pativa. A iniciativa possibilitou a incorporação de servidores mais qualifi- cados para o exercício da gestão das UCs, aprovando-os por meio de pro- va escrita. Após 2016 não foi mais priorizada a permanência dos gestores aprovados no curso de capacitação e seleção, ampliando-se o número de gestores nomeados por atos discricionários, além de servidores da Guarda Municipal, função de nível médio no Município. 61 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Diante do sucesso daquela iniciativa e do quadro deteriorado da ges- tão das UCs municipais em 2020, a Câmara Técnica Permanente de Unida- des de Conservação (CSP-UCA) encaminhou à plenária do CONSEMAC o Parecer n0 02/2020 (Diário Oficial Municipal no 190, de 10 de dezembro de 2020), com a Indicação CONSEMAC n0 57, de 08 de dezembro de 2020, dispondo sobre o estabelecimento do Curso de Capacitação de Gestor de Unidade de Conservação. O Parecer apontou a grande disparidade entre os gestores de então em relação ao preparo para a função e as consequentes variações na qualidade da gestão das UCs, a necessidade de um “nivela- mento por cima em relação à qualidade de gestão, [...] muito aquém da esperada”, e os poucos remanescentes do curso de 2012 no exercício da “complexa função de gestores” (Diário Oficial Municipal n0 190, de 10 de dezembro de 2020). O Parecer da Câmara Técnica sugeriu, apesar de não indicar critérios de avaliação, que o curso deveria ser retomado com grade curricular que permitisse o pleno desempenho da função a quem se gra- duasse com nível satisfatório de aproveitamento. Outra iniciativa da CPA/CUG no período se refere à proposta de es- tudo para a implementação de um novo modelo de gestão para as UCs, incluindo a análise das categorias de manejo, com possíveis recategoriza- ções, fusões, ampliações, criação de novas UCs, e a elaboração da base legal para a revisão geral do território e a readequação do modelo institucional, com os devidos memoriais descritivos. A proposta foi enviada à Câmara de Compensação Ambiental da Secretaria do Estado e do Ambiente do Go- verno do Estado do Rio de Janeiro (SEA), tendo sido aprovados os recursos financeiros para sua execução. Entretanto, com a exoneração da coordena- ção e dos gerentes da CPA e da GUC, em março de 2014, até hoje a proposta não foi adiante. Em 2013 foi revista a Resolução SMAC n0 85/2001 dispondo sobre procedimentos para emissão de autorização para pesquisas científicas desenvolvidas (Resolução SMAC nº 533, de 28 de maio), o que ensejou um levantamento das pesquisas finalizadas e em curso na GUC, com o objetivo de visualizar as lacunas no conhecimento sobre as UCs e esta- belecer as áreas prioritárias para a pesquisa e a inclusão destas nos pro- cessos de gestão. 62 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais No período também foram criadas as primeiras UCs municipais a partir de estudos técnicos e audiências públicas em adequação à Lei do SNUC (Lei n0 9.985/2000) e seu Decreto de Regulamentação (Decreto n0 4.340/2002). Destaca-se, ainda, a elaboração de vários planos de manejo, os primeiros com contratação de empresa especializada e utilizando me- todologia participativa, incluindo a formação e a capacitação dos respec- tivos conselhos. Além disso, dois planos de manejo foram elaborados pela equipe da CPA - do Parque Natural Municipal (Resolução SMAC n0 557 de 04/06/201) e da Área de Proteção Ambiental Paisagem Carioca – esta últi- ma sem a publicação do ato legal de aprovação do Plano -, contando com técnicos qualificados para a função e equipe multidisciplinar, mantendo a metodologia participativa e o processo de criação dos conselhos. 1.1. A anacrônica extinção da SMAC Em 2017, com a posse de Marcelo Crivella10, e a alegação de “otimizar recursos financeiros e administrativos”11, foi efetivada a 9ª alteração or- ganizacional da SMAC (Decreto Municipal n0 42.719, de 01 de janeiro de 2017), prevendo a fusão da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e dando origem à Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente - SECONSERMA. Tratava-se de uma ‘super nova e poderosa secretaria’ (como era chamada no ambiente interno). A 10ª reestruturação (Decreto Municipal n0 43.915, de 31 de outubro de 2017) estabeleceu as competências da SECONSERMA, rebaixando a an- tiga SMAC ao status de Coordenadoria Geral de Meio Ambiente (CGMA), em desobediência à Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro que dispõe sobre a competência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para legislar sobre a criação ou a extinção de órgãos municipais, o que gerou 10 Administração do Prefeito Marcelo Crivella, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), tendo posse em 01 de janeiro de 2017. 11 Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/portfolio-institucional/exibeconteudo?id=9970968. Acesso em 06.05.2024. 63 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais o “Movimento Volta SMAC”12, e o interesse de matérias jornalísticas1314. Entretanto, a mobilização da sociedade não surtiu efeito. Na reformulação foram também extintas a Coordenadoria de Recuperação e Proteção Am- biental (CPA) e a Gerência de Proteção Ambiental (GPA), mas mantida a Gerência de Gestão de Unidades de Conservação (GUC), com a denomi- nação de Gerência de Unidades de Conservação Ambientalcomercial e logística: Arlei Rocha Comercial e relacionamento: Cristiano Mabilia Eventos: Arianna Pacheco A editora Lumen Juris Ltda. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeito à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Impresso no Brasil | Printed in Brazil Editora Lumen Juris Rua Newton Prado, 43, São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ CEP: 20930-445 Telefone: (21) 2580-7178 | atendimento@lumenjuris.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927 F634 A floresta da janela : soluções baseadas na natureza para a cidade do Rio de Janeiro / Sônia L. Peixoto, Mariana M. Vale, Carlos Alberto Bernardo Mesquita, Clarice Braúna Mendes organizadores. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2024. 422 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia a cada artigo. DOI: 10.17655/lumens.9788551932216 ISBN 978-85-519-3221-6 1.Biodiversidade. 2. Meio ambiente. 3. Rio de Janeiro (RJ). 4. Políticas públicas. I. Peixoto, Sônia L. (organizador). II. Vale, Mariana M. (organizador). III. Mesquita, Carlos Alberto Bernardo (organizador). IV. Mendes, Clarice Braúna (organizador). V. Título. CDD 577 Dedicamos esta obra a todas as pessoas envolvidas no planejamento e gestão da natureza carioca, em especial, aos servidores públicos da área ambiental das três esferas de governo. E ao criador da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro, Alfredo Sirkis, in memoriam. “O Rio de Janeiro é a única cidade grande que eu conheço que não conseguiu banir a natureza. Aqui, nos misturamos ao mar, à montanha, à floresta virgem que, de todas as partes, despenca dentro de nossos jardins.” Paul Claudel Poeta, ensaísta e diplomata francês Breve Currículo dos Organizadores Sônia L. Peixoto - Bióloga, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Psicossociologia e Ecologia Social. Atuou na esfera pública no governo federal como Chefe do Parque Nacional da Tijuca (IBAMA/MMA) e como Gerente de Gestão de Unida- des de Conservação (Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro). Atualmente realiza pesquisa acadêmica em áreas protegidas, políticas públicas para a conservação da natureza e ecologia social. Mariana M. Vale - Doutora em Ecologia pela Duke University (Estados Unidos). É professora no Departamento de Ecologia da Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro, trabalhando com biogeografia da conservação, mudanças climáticas e serviços ecossistêmicos. É coordenadora de bio- diversidade da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (MCTI) e foi uma das autoras do último relatório global do Painel Intergo- vernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC). Beto Mesquita - Engenheiro Florestal, mestre em Conservação da Biodi- versidade, doutor em Ciências Ambientais e Florestais. Atua há 30 anos no terceiro setor, em temas como restauração, áreas protegidas, governança climática e diálogos multissetoriais. Atualmente é diretor de Florestas e Políticas Públicas na BVRio, além de cofundador e presidente do Instituto CICLOS de Sustentabilidade e Cidadania. Clarice Braúna Mendes - Doutora em Ecologia e Evolução pelo PPGEE da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2023). É Ecóloga de paisagens e Pós-Doc na Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuando na interface en- tre biodiversidade, geoprocessamento e ciências de dados espaciais. Prefácio No momento em que escrevo essas palavras, o Brasil atravessa uma catástrofe natural, classificada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino como uma ‘pandemia de incêndios florestais’. O fenômeno se segue a enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul e está inserido no contexto de mudanças climáticas que estão afetando todo o planeta. Nada disso é surpreendente. Cientistas vêm alertando para o aqueci- mento global e a necessidade de uma melhor governança planetária am- biental há algumas décadas. Com efeito, desde 1992, quando foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), já são claros os desafios enfrentados pela humanidade. Naquela ocasião foram criadas as três principais convenções mundiais ambientais, congregando todos os países em torno da busca de soluções: a Convenção do Clima, a Convenção sobre a Desertificação e a Convenção da Diversidade Biológica, conhecidas no seu conjunto como ‘The Rio Conventions’. Ter o nome da cidade estampado nos principais acordos mundiais sobre natureza e clima não é mera coincidência. Desde a avistagem da Baía de Guanabara pelos europeus, em 1502, o Rio tem sido percebido como referência natural e tem estado na vanguarda do pensamento ambiental. Mais recentemente, no contexto da Convenção da Diversidade Bioló- gica, todos os signatários se comprometeram a proteger 30% do seu terri- tório em unidades de conservação bem geridas e bem conectadas. Segundo dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, 29,6% do terri- tório da cidade do Rio de Janeiro encontra-se oficialmente protegido por unidades de conservação. Ou seja, o Rio praticamente cumpriu a meta. Mas, em que condições? Como isso se deu historicamente e quais são as perspectivas de futuro? A história da conservação na cidade começa de fato com a chegada da Família Real ao Brasil e a criação do Jardim Botânico, instituição mãe do pensamento e das práticas de preservação da natureza no país. A insta- lação da Família Real no Rio, entretanto, também trouxe efeitos deletérios para a conservação. Na esteira de D. João, vieram muitos nobres europeus que se instalaram nos altos da Tijuca e desmataram sua floresta para plan- tar café. Esse processo agrícola teve por consequência a redução drástica dos caudais e a poluição dos corpos hídricos que abasteciam a cidade com água potável. Ao fim e ao cabo, é esse processo que dá origem à conservação em espaços protegidos legalmente e territorialmente delimitados em nossa ci- dade, e no Brasil, quando a partir de 1840 várias secas deixam o Rio de Ja- neiro com risco de morrer de sede. Para resolver o problema, que nas duas décadas seguintes mostrou-se recorrente, em 1861 foram criadas a Floresta da Tijuca e a Floresta das Paineiras. O objetivo era reflorestar as nascentes, restaurando assim o abastecimento de água potável da cidade. Embora demorasse 100 anos para que, unificadas administrativa- mente, recebessem o título de Parque Nacional, estas áreas nasceram com todos os atributos que se pede de uma unidade de conservação desta cate- goria. Para além da preservação hídrica, sua implementação previu o reflo- restamento com espécies nativas e a visitação em contato com a natureza. Nesse sentido, pode se arguir que o Brasil se adiantou aos Estados Unidos, pois protegeu suas florestas 15 anos antes da criação de Yellowstone, con- sagrado mundialmente como o primeiro parque nacional do mundo. Com efeito, embora pouquíssimo conhecido fora da própria cidade do Rio de Janeiro, o trabalho visionário de Gomes Archer, responsável pelo reflorestamento, e seus colaboradores, que incluíam seis afro-brasileiros escravizados, foi pioneiro no mundo. Mesmo nos dias de hoje, em plena Década da ONU da Restauração de Ecossistemas, seu nome e meticuloso trabalho de reflorestamento do Maciço da Tijuca permanecem escondidos, quando deveriam servir de exemplo mundial de alguém que estava muito à frente de seu tempo e transformou morros pelados em um parque na- cional, cuja paisagem hoje é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade. A partir de Archer, a cidade, que foi Capital Imperial, Distrito Federal,(GUCA) - no- menclatura diferente da estabelecida pela Lei do SNUC que utiliza o termo Unidades de Conservação da Natureza -, vinculada à Coordenadoria de Áreas Verdes e com suas competências ampliadas. A GUCA operou sem técnicos e/ou especialistas com formação e quantidade adequadas para executar os processos de criação, planeja- mento, gestão e monitoramento das UCs, tendo a falta de pessoal concor- rido para que alguns processos não fossem realizados, citando-se a ava- liação da execução do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (ARCADIS, 2016), e o monitoramento da execução dos planos de manejo elaborados. Na gestão Marcelo Crivella passaram pela pasta cinco secretários, nenhum deles com experiência na área am- biental15, tendo sido a primeira gestão ambiental na qual nenhuma UC municipal foi criada. Somente em 2019, na 11ª reestruturação (Decreto Municipal n0 45.778), a SMAC foi desvinculada da Secretaria Municipal de Conservação voltando a ser uma secretaria independente. O Quadro 1 apresenta a formação dos gestores nas unidades de conservação com planos de manejo elaborados e conselhos constituídos, demonstrando o maior número de gestores de nível superior, devidamente aprovados em curso de capacitação, entre 2012 e 2016. 12 Disponível em: https://www.facebook.com/VOLTASMAC/Acesso em 10.11.2023. 13 Disponível em: http://urbecarioca.com.br/requiem-para-o-verde-carioca-de-sonia-peixoto/ Acesso em 10.11.2023. 14 Disponível em: https://rogeriorocco.blogspot.com/2017/11/.Acesso em 10.11.2023. 15 Rubens Teixeira, Jorge Felippe Neto, Roberto Nascimento da Silva, Marcelo Andre Cid Heraclito do Porto Queiroz e Bernardo Egas Lima Fonseca. 64 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Quadro 1: Formação dos gestores nas unidades de conservação com planos de manejo elaborados e conselhos constituídos até agosto de 2024. UC 2009-2011 2012-2016 2017-2020 2021 até agosto 2024 PNM de Ma- rapendi Extra Quadro Nível Superior Extra Quadro Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Médio Guarda Municipal PNM Barra da Tijuca Nelson Mandela - - Guarda Municipal Guarda Mu- nicipal e hoje Engenheiro Agrônomo da Prefeitura PNM do Bos- que da Barra Nível Superior Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior/ Nível Médio Nível Médio e hoje Nível Su- perior PNM Chico Mendes Nível Superior Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Extra Quadros Nível Médio/ Nível Superior Nível Superior e hoje Guarda Municipal PNM da Prai- nha Nível Superior Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Extra Quadro Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Extra Quadro Nível Médio PNM de Gru- mari Extra Quadro Nível Superior Extra Quadro Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Extra Quadro Nível Superior/ Guarda Muni- cipal Guarda Municipal PNM da Ci- dade Nível Médio Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Médio em 2016 Nível Superior/ Nível Médio Nível Médio PNM do Pe- nhasco dos Morros Dois Irmãos Nível Médio Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior/ Nível médio Nível Superior e hoje Agente Administrativo (Nível Médio na Prefeitura) PNM Paisa- gem Carioca - Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior Gestor do Mona - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior e hoje Guarda Municipal 65 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais UC 2009-2011 2012-2016 2017-2020 2021 até agosto 2024 PNM do Men- danha Nível Médio Extra Quadro Nível Médio, mantido por decisão dis- cricionária do secretário Extra Quadro Nível Médio, mantido por decisão dis- cricionária do secretário Guarda Municipal MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca Nível Médio Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 Nível Superior - aprovado na seleção de 2012 e hoje Guarda Municipal 1.2. As mudanças atuais (2021-2024) Com o retorno do Prefeito Eduardo da Costa Paes ao governo muni- cipal foram realizadas mais três reestruturações em 2021. A 12ª que con- siderou a estrutura e os cargos da SMAC (Decreto Rio n0 48.442, de 18 de janeiro de 2021), mantendo a Gerência de Proteção Ambiental (GPA), que teria um importante papel no planejamento e na criação de UCs, e a Ge- rência Unidades de Conservação Ambiental (GUCA), ambas subordinadas à Coordenadoria de Áreas Verdes da Subsecretaria de Meio Ambiente. Um mês após essa primeira reestruturação as atividades do licenciamento am- biental passaram a ser da competência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS), como dispôs o Decreto Rio nº 48.481, de 01 de fevereiro de 2021. Em 2023, o Decreto Rio n0 53.561 de 16 de novembro, dispôs sobre a Comissão de Avaliação Ambiental na estrutura da agora denominada Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico - SMDUE, criando uma Comissão de Avaliação Am- biental (CAV) na qual apenas dois representantes da SMAC têm assento. Ambientalistas denunciaram e contestaram a retirada do licenciamento da SMAC, mas até o momento a situação não foi alterada. Na 13ª reestruturação (Decreto Rio n0 48.572, de 2 de março de 2021) competências foram definidas, e foi criada a Gerência de Operações em Unidades de Conservação e Áreas Protegidas (GOP), incluindo áreas pro- tegidas não inscritas na Lei do SNUC; a Gerência de Unidades de Conser- vação Ambiental (GUCA) voltou a ser denominada Gerência de Gestão de 66 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Unidades de Conservação (GUC), nomenclatura de 1999; e a GPA pas- sou a ser denominada de Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA). As três gerências continuaram a ser subordinadas à Coordena- doria de Áreas Verdes da Subsecretaria de Meio Ambiente. A 14ª reestru- turação (Decreto Rio n0 49.373, de 02 de setembro de 2021) não descreveu competências, mas consolidou a estrutura organizacional da SMAC, com ênfase na direção e no assessoramento, agora contando com duas subse- cretarias (Meio Ambiente e Transição Verde). A 15ª reestruturação, o Decreto Rio n0 50.414, de 18 de março de 2022, definiu novas competências, extinguiu outras, acrescentou e trans- feriu algumas das estabelecidas no ano anterior. Com a publicação do De- creto de 2022 a criação de novas UCs e das Áreas de Especial Interesse Ambiental (AEIA) foram transferidas para a GPPA, posto que envolviam a realização de estudos técnicos para a criação de UCs, como a caracteriza- ção e análises multicritérios, a definição sobre a categoria de manejo mais adequada para proteger a biodiversidade e a realização de consulta pública, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2010) e pela Lei do SNUC. A Lei complementar n0 270 de 16, de janeiro de 2024, dispôs sobre a Política Urbana e Ambiental do Município e estabeleceu as diretrizes para a consecução de um Sistema Municipal de Áreas Protegidas a ser regulamentado por Poder Executivo (art. 208), englobando o Subsistema Municipal de Áreas Verdes Urbanas Protegidas e o Subsistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza (art. 209), que será gerido pelos princípios de governança democrática que considera a participação dos ci- dadãos em diversos níveis da tomada de decisão (art. 210). Entretanto, a competência da GUC (Decreto Rio n0 48.572, de 2 de março de 2021) de gerenciar o Sistema Municipal de Unidades de Con- servação (o decreto não menciona Áreas Protegidas), ainda é um processo inviável em função da inexistência de um sistema constituído de UCs, ten- do em vista as sobreposições de categorias de manejo, iguais ou diferentes, sob jurisdiçãode diferentes âmbitos de governo, e outros tantos entraves que apresentam complexidade gerencial. Nestas circunstâncias, a inicia- tiva deveria ser atribuição da atual Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA), em sinergia com a GUC. 67 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Na prática, as seminais atribuições da antiga GUC (1999-2017), da Gerência de Unidades de Conservação “Ambiental” - GUCA (2017 a 2020) e da nova GUC (2021-2024), que não estão descritas entre as competên- cias oficiais, têm a ver com a supervisão, a avaliação e o fortalecimento da gestão das UCs, orientando-se pela Lei do SNUC e seu decreto de regula- mentação, em especial no que diz respeito ao acompanhamento e monito- ramento da execução dos planos de manejo - atualmente os planos de ma- nejo têm em média 20% de execução em mais de cinco anos (PEIXOTO, 2022) -, assim como o monitoramento e a avaliação da execução do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do Rio de Ja- neiro. O Quadro 2 apresenta algumas considerações sobre as competências da GUC, GOP e a GPPA. Quadro 2: As competências da GUCA (2017) e sua incorporação às novas Gerências de Unidades de Conservação de 2021. Competências da GUCA Competências incorporadas, ou não, pela GUC, COP e GPPA Considerações 1ª Gerenciar as UC e a execução de políticas públicas para a gestão do Sistema de UCs. SIM - GUC Parte realizada pela GPPA A principal política para a conservação da natureza e o fortalecimento da gestão das UCs, o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do Rio de Janeiro, não está sendo revisto pela GUC, e sim pela GPPA. Acrescenta-se que ine- xiste uma metodologia utilizada para a avaliação periódica da efetividade da ges- tão das UCs. 2ª Elaborar de planos de manejo. SIM - GUC A competência não tem respaldo na reali- dade cotidiana da GUC em função da ine- xistência de equipe técnica lotada no setor em número e experiência em processos de planejamento para realizar a elaboração de planos de manejo. Na prática se contrata empresa especializada para elaborar os pla- nos, sendo a coordenação institucional rea- lizada pela GUC. Esta competência deveria ser realizada em conjunto com a GPPA que possui a atribuição do planejamento. 68 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Competências da GUCA Competências incorporadas, ou não, pela GUC, COP e GPPA Considerações 3ª Atualizar o banco de dados das UCs. SIM - GUC Parte realizada pela GPPA No período entre 2017 e 2018 esta atribui- ção foi de responsabilidade da Gerência de Estudos e Proteção Ambiental, atualmen- te vem sendo realizada pela GPPA, que já possui banco de dados sobre as UCs. 4ª Autorizar e acom- panhar a realização de pesquisa científica nas UCs (Resolução SMAC no 533/2013). SIM - GUC Parte realizada pela GPPA Parcialmente cumprida em função de não haver o acompanhamento regular pelos gestores de UCs. Não há publicização dos resultados e/ou incorporação dos mes- mos na gestão das unidades. A nova GUC também tem a atribuição de fomentar a realização de pesquisas, o que implica em articulação e parceria formalizadas com instituições da área acadêmica. A GPPA também possui a competência de desenvolver ações de integração e intercâm- bio técnico-científico que visem a realização de pesquisas e a proteção da biodiversidade no Município do Rio de Janeiro, e ainda de gerenciar as atividades do Programa de Conservação das Espécies Raras e Ameaça- das de Extinção, ou seja atividades de plane- jamento, gestão e monitoramento. 5ª Realizar a capaci- tação continuada dos gestores de UCs. SIM - GUC Observa-se que não se pode qualificar ser- vidor que não possua formação básica nos processos de elaboração, execução e ava- liação dos planos de manejo, assim como para emitir pareceres técnicos e elaborar Termos de Referência. Em 04 de outubro de 2021 a GUC realizou uma capacitação pontual dos gestores vi- sando difundir noções básicas sobre gestão de UCs. Entretanto, nenhuma prova de sele- ção e/ou processo de avaliação continuada foi implementado, em dissonância com o Parecer no 02/2020 da Câmara Setorial Per- manente de Unidades de Conservação do CONSEMAC, que recomenda um processo de capacitação com uma grade curricular que permita o pleno desempenho da função de gestor a quem se graduar com nível satis- fatório de aproveitamento. 69 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Competências da GUCA Competências incorporadas, ou não, pela GUC, COP e GPPA Considerações 6ª Analisar, autorizar e acompanhar qual- quer solicitação de atividade no interior das UCs de proteção integral. SIM - COP Competência realizada pela nova gerência operacional. 7ª Analisar e emitir pareceres técnicos no processo de licencia- mento ambiental de empreendimentos e atividades inseridas em UC. NÃO Esta competência deveria ser operaciona- lizada pela GUC, mas com a participação dos gestores de UC , quando houver a possibilidade de impac- to nessas áreas. Atualmente dois técnicos designados pela SMAC compõe a Comis- são de Avaliação Ambiental da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico - SMDUE, de acordo com o Decreto Rio n0 53.561, de 16 de novem- bro de 2023. Os membros fazem jus a um Jeton. 8ª Estabelecer parce- rias com a sociedade civil, iniciativa priva- da e outras que visem à gestão compartilha- da e participativa das UCs. NÃO Atribuição que permeia os gestores e os conselhos das UCs, tendo em vista que re- conhecem os atores sociais que mais con- tribuem com a gestão. Caberia ao órgão central chancelar os Termos de Parcerias, Convênios e demais instrumentos legais. O fato desta competência ter sido exclu- ída das novas atribuições das gerências de UC, em 2021, não se configura como uma perda para as UCs, bastando a parti- cipação da Procuradoria do Município no processo. No entanto, poucas parcerias fo- ram estabelecidas formalmente. Uma das exceções é o MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca a partir de Termos de Adoção, graças ao empenho do gestor e do Conselho Consultivo da UC. 70 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Competências da GUCA Competências incorporadas, ou não, pela GUC, COP e GPPA Considerações 9ª Instituir os Conse- lhos de UCs. SIM Estes processos implicam na mobilização da sociedade, na identificação dos ato- res sociais relevantes e na pluralidade da participação. A constituição de conselhos enseja o cumprimento das normativas legais, em elaborar regimento interno e publicizar os atos, significando a necessi- dade de apoio da Gerência de Gestão de Unidades de Conservação. A Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental realizou o processo de identifi- cação e mobilização da sociedade nos pro- cessos de criação de UCs entre 2021 e 2022. 10ª Avaliar e acompa- nhar todas as inter- venções em UCs que impliquem emitir quaisquer modifica- ções físicas, sobretu- do obras civis. NÃO Deveria ser atribuição dos gestores de UCs. 11ª Elaborar termos de referência e acom- panhar a execução de projetos. NÃO Deveria ser atribuição dos gestores de UCs. 12ª Elaborar propos- tas de regulamenta- ção de uso e ocupa- ção do solo nas UCs de uso sustentável, de acordo com os respectivos planos de manejo. NÃO Em 2021 esta competência passou a ser de responsabilidade da GPPA, o que faz sen- tido tomando-se por base o escopo geral deste departamento que tem entre suas atribuições: “analisar e emitir parecer em relação às propostas de alteração das nor- mas de uso e ocupação do solo apresenta- das à Secretaria, com base nas diretrizes de sustentabilidadedo Município do Rio de Janeiro” (Decreto Rio no 48.572/2021). Em 2023 ocorreu a 16ª reestruturação (Decreto n0 53.055, de 14 de agosto de 2023) que consolidou as estruturas organizacionais das Unidades Administrativas da SMAC. Manteve-se a Subsecretaria de Meio Ambien- te, acrescida do termo Mudanças Climáticas e foi extinta a Coordenadoria de Áreas Verdes. Nesta subsecretaria constam a Gerência de Operações em 71 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Unidades de Conservação e Áreas Protegidas (GOP), que passou a dispor de cinco cargos comissionados, e a Gerência de Gestão de Unidades de Conser- vação (GUC) que permaneceu com apenas um cargo. E foi criada a Subse- cretaria de Biodiversidade, com dez cargos comissionados, à qual se vincu- lou a Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA). Não houve justificativa para a separação da GPPA das demais gerência que tratam das UCs, ainda que várias atribuições da GPPA sejam complementares em rela- ção às competências da GUC e devam ser realizadas de forma conjunta. A 17ª reestruturação da SMAC, em relação às suas competências, ocorreu em 2024 (Decreto Rio n0 53.912, de 31 de janeiro), mantendo fora da SMAC a atribuição do licenciamento ambiental. A GUC permaneceu com suas competências anteriores, mas ao invés de atualizar o Banco de Dados das UCs, atualmente sob a atribuição da GPPA, agora tem a atri- buição de consolidar e disponibilizar informações ambientais relativas às UCs, objetivando o apoio à tomada de decisão para a gestão ambiental (atribuição partilhada com a GPPA). GUC e GPPA permaneceram lota- das em subsecretarias diferentes, a primeira na Subsecretaria de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e a segunda na Subsecretaria de Bio- diversidade, mesmo quando ambas operam no âmbito das políticas pú- blicas municipais para conservação da diversidade biológica e possuem competências complementares. Até agosto de 2024 estiveram no comando da SMAC cinco secretá- rios municipais de meio ambiente, todos sem experiência específica na área ambiental. Entretanto, foram criadas cinco novas UCs pela Gerên- cia de Planejamento e Proteção Ambiental: APA do Sertão Carioca (2021), Refúgio da Vida Silvestre (REVIS) da Floresta do Camboatá (2021), APA Inhoaíba, Cantagalo e Santa Eugênia (2022), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Floresta da Posse (2022), REVIS dos Campos de Ser- nambetiba (2022) e o Monumento Natural do Recreio dos Bandeirantes (2024). A ampliação da APA da Paisagem do Areal da Praia do Pontal está prevista, tendo em vista que os estudos técnicos e a audiência pública já foram realizados. 72 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais 2. A infl uência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro na efetividade de gestão das unidades de conservação Para Oliveira (2004:59) “o sistema político-eleitoral brasileiro esta- belece padrões de barganha entre o governo e o legislativo que confi gu- ram determinadas “prerrogativas” para as quais uma nova organização administrativa constituiria uma ameaça”; o fortalecimento da burocracia weberiana no Estado não interessaria ao sistema porque a lógica se baseia na formação de amplas coalizões de governo, dependendo do controle dos partidos governistas sobre cargos da Administração Pública. Neste con- texto, os cargos ocupados por servidores de carreira são muitas vezes utili- zados para fi ns de barganha e submetidos ao clientelismo. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro possui uma longa história de criação de UCs municipais por alguns vereadores em locais considerados “currais eleitorais”, inclusive com a indicação para o cargo de gestores de UCs, a maioria sem a qualifi cação adequada para a função. Com efeito, o se- tor responsável pelas UCs pode ter relevante protagonismo quando se torna o único departamento com responsabilidade direta sobre as UCs e demais áreas protegidas distribuídas no território citadino, inclusive em regiões de alto valor fi nanceiro para o setor imobiliário e com potencial eleitoral. Além do exposto, com o atendimento das indicações políticas para a gestão das UCs, o departamento responsável por essas áreas contribui para o estreitamento da relação entre a Prefeitura e a base política aliada do go- verno. Esta observação foi validada pela percepção de alguns entrevistados na pesquisa realizada por Peixoto (2022), envolvendo gestores públicos e informantes conforme apresentado Figura 1. 73 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais Figura 1: Critérios considerados importantes para a nomeação de gestores de unidade de conservação de acordo com os gestores e informantes entrevistados entre 2019 e 2021. 0 20 40 60 80 100 Agentes Públicos ONGs Capital Políticos Outro Ns/Nr Gestores (%) Informantes (%) Fonte: Peixoto (2022). Outra prática comum observada na Câmara Municipal do Rio de Ja- neiro é a criação de UCs sem limites físicos delimitados. Antes mesmo da promulgação da Lei do SNUC, a Câmara Municipal já criava UCs sem embasamento técnico consistente e a devida discussão com a sociedade por meio de audiência pública. Uma exceção foi a criação do Refúgio da Vida Silvestre (REVIS) da Floresta do Camboatá, na região oeste da cida- de do Rio de Janeiro, localidade na qual o então prefeito Marcelo Crivella pretendia instalar um autódromo internacional para competições da Fór- mula 1. A ideia de devastar uma área com mais de duzentas mil árvores fez com que fosse criado um movimento da sociedade para salvar a fl ores- ta, com ressonância internacional. Em 2020, cinco candidatos à prefeitura naquele ano assinaram um termo de compromisso visando a construção do autódromo em outro lugar, se fosse o caso. O prefeito eleito manteve o compromisso e, após sua posse, a sociedade organizada buscou apoio da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para a criação de um Refúgio da Vida Silvestre (REVIS), levada ao poder executivo. O REVIS foi criado, demonstrando a possibilidade de sinergia e res- peito às competências de cada um dos poderes no processo de criação de uma UC, mas a unidade ainda não foi implementada pela SMAC. Vale des- 74 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais tacar que a Lei Complementar n0 270, de 16 de janeiro de 2024, no artigo 211, estabelece que a criação, ampliação e recategorização de UC se dará exclusivamente por ato do Poder Executivo, o que não impede a participa- ção de representantes do Poder Legislativo no processo. 3. Um novo ator entra em cena: a milícia A discussão sobre conflitos armados, insegurança urbana e seus re- flexos na conservação da biodiversidade não é recente, mas, dada a rele- vância do problema a situação tem sido palco de debates atuais incluindo os desastres ambientais pós-conflitos armados até as relações entre meio ambiente, violência urbana e segurança cidadã. Neste contexto, observa-se que a gestão das UCs localizadas nas cidades é complexa e envolve confli- tos entre as políticas para a proteção da natureza e demais políticas seto- riais (PEIXOTO, 2010), considerando a ocupação de áreas de UCs por pa- ramilitares e outros grupos armados e suas facções. Em alguns contextos a presença das chamadas milícias ocorre dentro dos limites das UCs, em outras se restringe ao seu entorno, em ambos os casos há uma influência prejudicial para a gestão do território. Guimarães e Pellin (2015:54) discutindo a problemática do Parque Estadual da Pedra Branca na cidade do Rio de Janeiro, definem as milí- cias como “organizações militares ou paramilitares compostas por cidadãos comuns armados ou com poder de polícia que, teoricamente, não integram as forças armadas de um país”, podendo se configurar como organizações oficiais mantidasparcialmente com recursos do Estado e em parceria com organizações de caráter privado. O Relatório da Rede Fluminense de Pesquisa Sobre Violência, Segu- rança Pública e Direitos Humanos (2019)16, observa que para a compreen- são da expansão das milícias no Rio de Janeiro torna-se indispensável que se leve em conta seu modelo de negócios que, em geral, apresenta três ca- racterísticas básicas: i) diversificação contínua de atividades econômicas; ii) centralidade do mercado da proteção; e, iii) estratégias de infiltração em instâncias regulatórias dos poderes públicos. Segundo o Relatório, o 16 Disponível em: https://atualprodutora.com/wp-content/uploads/2020/10/Texto-da-Rede-sobre- Mili%CC%81cia-Versao-ampliada-FINAL.pdf 75 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais vínculo original entre milícias, elites política e econômica locais se desdo- bra para outras instâncias do Estado; o que se iniciou com profissionais de polícia agora atinge demais agências estatais e parece se infiltrar em nichos dos poderes executivos, sobretudo em algumas prefeituras, e em casas le- gislativas. Deste modo, na relação com o pode estatal as milícias não mais atuariam de modo a estabelecer alianças com os poderes instituídos, mas se tornam parte interna e orgânica do aparelho do Estado, submetendo os poderes públicos a seus interesses ou ainda, de modo mais sombrio, encaminhando-se em um processo de tomada de poder do Estado e de controle de suas diferentes instâncias de atuação. Na cidade do Rio de Janeiro, a presença de milícias é apontada no Parque Estadual da Pedra Branca (GUIMARÃES; PELLIN, 2015), e nos Planos de Manejo do PNM de Grumari e do PNM da Serra do Mendanha (DETZEL, 2013), além de ser observada no entorno de inúmeras UCs nos quais as ações desses grupos foi documentada (PEIXOTO, 2022). 4. Breve análise da SMAC à luz da teoria organizacional As reestruturações da SMAC, totalizando dezessete em trinta anos, sem a participação dos responsáveis pelas gerências, gestores de UCs e atores sociais integrantes dos conselhos de UCs e das Câmaras Técnicas do CONSEMAC, desaguam em competências formuladas sem debate e aprofundamento, em estruturas e arranjos que muitas vezes não atendem às demandas organizacionais, permanecendo lacunas e incertezas sobre alguns procedimentos, associados à falta de continuidade de programas e projetos que podem ser cruciais para as UCs (PEIXOTO, 2022). Como destacado por Daft (2015) as organizações devem agir de forma contínua e inovadora, o que significa na atualidade a proposição de transformações na cultura organizacional, tomadas de decisão menos verticalizadas, parti- cipação da sociedade e análise crítica dos processos organizacionais. Do modo como vêm sendo geridas as reestruturações não se sabe se a criação de uma Gerência Operacional de Unidades de Conservação e ou- tras Áreas Protegidas, por exemplo, promoveu maior efetividade de gestão das UCs municipais; se foi incrementada a execução dos planos de mane- jo; se houve maior aporte de recursos orçamentários e não orçamentários 76 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais para a execução das ações previstas; se as operações cotidianas nas UCs ocorreram com maior celeridade, inclusive as atividades constantes nos programas de manejo; se os resultados das pesquisas realizadas foram in- corporados à conservação da diversidade biológica protegida pelas UCs; se houve aumento no estabelecimento de parcerias e com quais instituições se dão; e se ocorreu maior engajamento da sociedade na gestão das UCs. Não há como saber se os programas oferecidos pelas UCs fizeram diferen- ça significativa para a sociedade, pois não existe um estudo a respeito da percepção dos seus visitantes e usuários. Em “O líder do futuro” (HESSELBEIN et al., 2008) os autores apresen- tam o futuro das organizações ultrapassando antigos paradigmas e gerando modos operacionais baseados na promoção do diálogo e debates, compreen- dendo que as lideranças não são baseadas em uma característica inata, mas derivadas do aprendizado social dos indivíduos, podendo ser aperfeiçoada e disseminada e não mais concentrada. Neste contexto o poder é exercido por quem tem legibilidade conferida por cargos, mas entendendo que a au- toridade deve ser conquistada ao invés de simplesmente imposta. O poder não deve mais ser concentrado em uma única pessoa e sim na equipe, com distribuição de tarefas, responsabilidades e reconhecimentos, deixando de ser operacionalizado de cima para baixo, de forma hierarquizada e rígida. O poder não pode se fechar em uma categoria, mas se manifestar por todo o pessoal de forma interligada no formato de redes. Por conseguinte, as orga- nizações devem se adaptar a um mundo em rede, sendo elas próprias redes, e não mais se utilizando de termos como perfeição e obediência, mas opções e compromissos, aproximando-se de uma linguagem política por serem vis- tas como comunidades de pessoas e não mais como recursos humanos, no sentido de mudança da própria cultura organizacional. Ao invés de rupturas e mudanças organizacionais que acontecem na dependência da visão política e ideológica dos novos governantes, des- coladas de participação das equipes e dos atores sociais integrantes dos conselhos, propostas contemporâneas sugerem a aplicação de melhorias contínuas que são menos impactantes e fortalecem a estrutura e o fun- cionamento das organizações tornando-as mais flexíveis. Nestas organiza- ções as tomadas de decisão são realizadas de modo mais horizontal e cada parte do todo funciona como peça fundamental, em rede, implicando no desenvolvimento pessoal, o que significa dizer em um aprendizado contí- 77 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais nuo (HANDY, 1990). O envolvimento da sociedade no processo de tomada das decisões organizacionais confere mais transparência e controle social, engajamento e participação das frações do segundo e terceiros setores na esfera pública. Sobre os processos de mudanças estruturais da SMAC os gestores e informantes entrevistados pela pesquisa promovida por Peixoto (2022), entre 2019 e 2021, afirmaram, com uma exceção que não foi corrobora- da pelos demais resultados, que as reestruturações ocorreram de forma verticalizada, autoritária e centralizadora, tendo em vista que quando no poder alguns governantes não consultam os subordinados para transfor- mar, fundir, ampliar, excluir e/ou reconfigurar departamentos, apenas im- põem sua visão por meio dos novos ocupantes dos cargos comissionados, muitos empossados em função dos acordos políticos realizados no período eleitoral. Vale mencionar que mesmo após 2022 as reestruturações foram realizadas do mesmo modo que as anteriores, sem o engajamento de ser- vidores e dos membros dos conselhos, e até agosto de 2024 nenhuma das reconfigurações realizadas levou em conta a inclusão das UCs no organo- grama da SMAC. Reforça-se assim a importância de se viabilizar novos modelos de atuação em rede (HESSELBEIN et al., 2008), com capacitação e responsa- bilização dos designados para administrar suas subunidades, de modo a minimizar comportamentos subservientes, reforçando a participação dos servidores e a pactuação de compromissos com a incorporação de novos aprendizados individuais e organizacionais. Desta forma a tomada de de- cisão se daria de forma mais horizontal e dialógica, com a implementa- ção de debates qualificados nos quais os valores e escolhas que baseiam as decisões pudessem ser confrontados e reavaliados de forma sistemática e transparente. Isto significa dizer que a organização poderia rever seus princípios e implementar as mudanças necessárias para acomodar os no- vos conceitos aprendidos (ARGYRIS et al., 1987), e repensar os modelosmentais, valores, processos e metas. Outra questão diz respeito à necessidade da criação de anteparos para as influências políticas e do capital que porventura sejam antagôni- cas à conservação da natureza, por meio de informações disponíveis, pro- cedimentos publicizados, regras do jogo claras, incertezas reduzidas e a introdução de mecanismos de transparência, visando a manutenção do 78 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais ambiente organizacional burocrático de qualidade, porém afinado com os desafios das novas organizações contemporâneas, estabelecidas de modo mais orgânico, isto é, com equipes multifuncionais e fortes mecanismos de integração das mesmas, redefinição de papéis e de poder quando necessá- rio, com descentralização e autonomia (MOTTA; VASCONCELOS, 2002). Ainda neste contexto, a formação de lideranças deveria ser considerada, no sentido discutido por Hesselbein et al. (2008), qualificando servidores para que possuam, além dos conhecimentos técnico e gerencial, desenvol- ver ideias e influenciar pessoas e grupos. As recomendações propostas implicariam na revisão dos atuais for- matos e arranjos organizacionais com a efetiva participação de servidores e conselheiros nas reestruturações, na análise crítica sobre os objetivos, es- trutura, relações interinstitucionais e interescalares, e com as tomadas de decisão exercidas de forma mais horizontal. Estes elementos acarretariam na possibilidade de instalação paulatina de uma nova cultura organizacio- nal, o que incidiria diretamente no incremento da efetividade de gestão das UCs municipais (PEIXOTO, 2022). 5. A efetividade organizacional como práxis no caso da SMAC Tomando como base os princípios da boa administração encontrados na literatura pertinente e o estudo de caso específico da SMAC, pode-se delinear algumas medidas para a maior efetividade da gestão no caso geral e naquelas apropriadas ao caso em tela. Primeiramente, são as demandas sociais trazidas à tona pelas diver- sas formas de participação social na esfera pública que trazem as possibili- dades de alteração da institucionalidade pública (JACOBI, 2005), de modo a incluir a sociedade nos processos decisórios e torná-los mais transpa- rentes. É também a atualidade de um mundo em transformação cada dia mais veloz que insta as organizações a agir de forma contínua, portanto independente dos sabores políticos do momento e seus impactos, e fortale- cedora da estrutura e do funcionamento das organizações; esta forma será também libertadora para que os servidores se sintam seguros em tornar a organização mais flexível e inovadora, menos verticalizada, e organizada 79 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais em redes que obedeçam a protocolos de comum acordo (portanto demo- cráticos). O ambiente institucional deve ser ele mesmo conformado em redes de compromissos solidários entre pessoas, fomentando uma nova cultura organizacional. Daí que a organização deve buscar a formação de servidores e lide- ranças e o reconhecimento de todos no compartilhamento dos poderes de forma horizontalizada; o diálogo interno por meio de debates qualificados, nos quais valores e escolhas que baseiam decisões possam ser compreendi- dos e externados de forma sistemática e transparente; e a oportunidade de empreender mudanças individuais e coletivas necessárias aos novos con- ceitos (ARGYRIS et al., 1987). Como decorrência de tais indicações para o caso geral, as reestrutu- rações da SMAC devem consultar seus servidores técnicos capacitados ao transformar, fundir, ampliar, excluir e/ou reconfigurar departamentos; a administração deve também criar anteparos para as influências políticas e do capital antagônicas à conservação da natureza, utilizando-se de meca- nismos de transparência e fortalecendo o controle social. O planejamento de parques, por exemplo, deve considerar suas re- lações com o entorno, com a população envolvida, incluindo visitantes e usuários, e com o histórico em que se inserem, demandando ampla parti- cipação e controle social da gestão e que, por sua vez, demanda uma gerên- cia qualificada e flexível. Tendo em vista a complexidade gerencial, dinâ- mica e as possibilidades de transformação dessas áreas, tal planejamento deveria caber, no quadro atual da SMAC, a equipes multidisciplinares da Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental juntamente com a GUC, procurando evitar também sobreposições de categorias de manejo, junção de áreas sob jurisdições diversas, e fomentando análises sistemáticas de fluxo, de interação e de sinergia entre as partes, e o estabelecimento de um novo modelo de gestão para as UCs e demais áreas protegidas. Mais detalhadamente, a gestão de UCs municipais deve monitorar e publicizar: a confecção e a execução dos planos de manejo; o planejamento de cada UC para a realização das ações previstas; os aportes de recursos orçamentários e não orçamentários; a consecução das operações cotidia- nas (metas) no tempo; as pesquisas realizadas nas UCs e sua contribuição; as parcerias estabelecidas; o engajamento da sociedade na gestão das UCs e a satisfação dos usuários; a aplicação de melhorias contínuas e indepen- 80 O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais dentes do momento político-eleitoral, a transparência, o controle social, o engajamento e a participação do segundo e terceiros setores. Especificamente no caso do Rio de Janeiro, é fundamental o moni- toramento e a avaliação da execução do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Finalmente, o enfre- tamento da milícia nas UCs e suas zonas de amortecimento pede um tra- tamento intersetorial e interescalar, com atenção as possibilidades de par- cerias efetivadas com as comunidades e empresas prestadoras de serviços urbanos e no uso da inteligência para fiscalização e monitoramento das UCs, juntamente com as forças policiais e o Ministério Público. Referências ARCADIS. Planos de Manejo do Parque Natural Municipal de Marapendi, do Parque Natural Municipal Barra da Tijuca Nelson Mandela e da Área de Proteção Ambiental de Marapendi, 2016. ARGYRIS, Chris; PUTNAM, Robert; SMITH, Diane. Action Science: Concepts, Methods and Skills for Research and Intervention. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1987. COHEN, Marcos. Avaliação do Uso de Estratégias Colaborativas na Gestão de Unidades de Conservação do Tipo Parque na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC-Rio, 2007, 341p. DAFT, Richard L. 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Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2010, 229p. 83 Capítulo 3: Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro Sônia L. Peixoto1 Carlos E. Quintela2 Valmir Augusto Detzel3 Veronica Beck4 Introdução Em setembro de 2003 o Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil, e o Parque Nacional Masoala, Madagascar, apresentaram os seus respectivos Planos de Sustentabilidade Financeira como parte de um pro- grama piloto internacional conduzido pela The International Union for Conservation of Nature (IUCN). O objetivo era realizar uma radiografia aprofundada da aplicação dos seus recursos financeiros e estratégias de sustentabilidade, de modo a dar maior eficácia à gestão e comunicar, de modo claro, os resultados para a sociedade civil que participa da gestão dessas áreas protegidas. Ambos os Planos foram apresentados no Congres- so Mundial de Parques Nacionais e Outras Áreas Protegidas, realizado em Durban, África do Sul, no mesmo ano (QUINTELA; LEE; ROBIN, 2004). 1 Bióloga, Doutora pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF. 2 Biólogo, MSc, Diretor-Gerente de Clima, Ambiente e Recursos Naturais. América Latina e o Caribe, Chemonics International, EUA. 3 Engenheiro Florestal, MSc, Diretor da DETZEL Gestão Ambiental. 4 Advogada, MSc. Atual Coordenadora da Câmara Setorial Direito Ambiental do Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro. 84 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro Os Planos de Sustentabilidade Financeira buscavam responder algu- mas perguntas: i) quais são os programas e operações do Parque? ii) qual o montante de recursos que o Parque necessita para funcionar nos padrões almejados? iii) quais as responsabilidades funcionais e os padrões opera- cionais? e, iv) como se encontra a situação financeira? A experiência do Parque Nacional da Tijuca serviu como inspiração para a exigência da elaboração de planos de sustentabilidade financeira como parte integrante dos projetos especiais inseridos nos planos de ma- nejo de quatro Unidades de Conservação (UCs) municipais geridas pela Secretaria de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC), entre 2012 e 2014: dos Parques Naturais Municipais (PNM) da Prainha, de Grumari, da Serra do Mendanha e do Monumento Natural (MONA) dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca. A ideia envolvida era que com os respectivos planos de sustentabili- dade financeira as UCs municipais pudessem planejar suas operações de acordo com duas categorias. A primeira relativa ao custeio das operações e manutenção considerando os recursos monetários necessários para suprir as despesas correntes, como veículos, telefone, internet e salários. A segun- da categoria com respeito aos investimentos relativos aos projetos, obras e construções para revitalização de áreas de uso público, estruturas de aces- so e de segurança, espaços para administração, dentre outros. Nestes ter- mos foram avaliados os recursos recebidos e os demandados para cumprir com as atividades previstas nos respectivos planos de nanejo. Detzel (2013) destaca que a valorização econômica e social da diver- sidade biológica, assim como a alocação adequada de recursos financeiros necessários para uma eficaz gestão das UCs, compõe os objetivos e diretri- zes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - Lei do SNUC (Lei Federal n0 9.985/2000). Neste sentido devem ser considerados o contexto e as condições para a celebração de parcerias e doações, por organizações nacionais e internacionais, assim como o aporte de possíveis recursos mo- netários obtidos por meio de taxas de visitação, de concessões e de com- pensações ambientais. Outras fontes de recursos financeiros previstas pela Lei do SNUC di- zem respeito às outorgas e recursos derivados da aplicação de condicionan- tes ambientais por parte de empresas de abastecimento de água, de geração e distribuição de energia elétrica, das beneficiárias da proteção dos manan- 85 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro ciais hídricos em áreas protegidas, como também dos empreendimentos de comunicação e passagem de oleodutos nas UCs. Nestas circunstâncias, os planos de sustentabilidade financeira, segundo Detzel (2013:3) podem: ■ fortalecer as bases institucionais para uma gestão custo-efetiva das UCs municipais; ■ contribuir para a incorporação de ferramentas de monitoramen- to e visibilidade para todos os setores e entidades envolvidas na gestão das UCs municipais; ■ agregar subsídios para um sistema contábil eficiente, com pa- drão específico para a realidade financeira das UCs, fundado em maior clareza, transparência e controle social; ■ projetar procedimentos orientados para o aprimoramento e con- solidação das fontes financeiras alternativas para a gestão do sistema de UCs e para a identificação e implantação de novas alternativas, em consonância com os mecanismos de arrecada- ção, execução e controle das despesas e investimentos adotados pela SMAC; ■ contribuir para a internalização de critérios orientados para a gestão de resultados, focados na capacitação dos gestores e da estrutura administrativa da SMAC, a partir da definição de prio- ridades de aplicação, planos de negócios, controle sobre custos e receitas futuros, mapeamento das oportunidades de financia- mento, gerenciamento de projetos e captação de recursos. A partir dessas considerações, o capítulo tem como base o Plano de Negócios do Parque Nacional da Tijuca (IBAMA, 2003), os Planos de Sus- tentabilidade Financeira elaborados para as UCs Municipais (DETZEL, 2013) e a pesquisa realizada por Peixoto (2022) que discute a efetividade de gestão das UCs municipais da cidade do Rio de Janeiro. Os três documen- tos apontam reflexões e caminhos para a sustentabilidade financeira das UCs e de um futuro Sistema Municipal de Áreas Protegidas. 86 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro 1. A natureza dos recursos financeiros A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro dispõe de fontes orçamen- tárias e não orçamentárias, efetivas e potenciais, para a gestão das UCs municipais. Os recursos orçamentários efetivos destinam-se ao pagamen- to das despesas correntes de custeio como pessoal, água, luz, telefone, combustível, manutenção, contratação de serviços e operação de equi- pamentos como veículos, além dos programas de reflorestamento e ma- nejo, como também os serviços prestados por outras unidades adminis- trativas do Município como a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), a Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CETRIO) e a Guarda Municipal (PEIXOTO, 2022; DETZEL, 2013). Já os recursos orçamentários potenciais são aqueles derivados da cobrança de aspectos referentes ao uso público dos Parques Naturais Municipais, assim como os recursos financeiros provenientes do Fundo de Conservação Am- biental do Município (FCA) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). As fontes não orçamentárias também podemser efetivas ou poten- ciais. As primeiras são derivadas de fundos federais ou estaduais ou de recursos provenientes das compensações ambientais. As fontes potenciais advêm das permissões de uso, autorizações e concessões que podem, ou não, ser incorporadas como futuras fontes de receita para as UCs. Consideram-se como investimentos os recursos financeiros aplicados na construção das bases para a fiscalização, na compra de equipamentos, além da demarcação dos limites físicos, dos processos de regularização fundiária, dentre outros. As fontes orçamentárias para muitas das UCs municipais, sem nenhuma infraestrutura e recursos humanos, advém ape- nas para o pagamento do salário do gestor quando oficialmente designa- do, situação majoritária no âmbito do contingente das UCs municipais, da Guarda Municipal, quando presente na UC, e da COMLURB quando rea- liza a conservação da área. O Quadro 1 exemplifica as fontes financeiras. 87 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro Quadro 1: Fontes orçamentárias e não orçamentárias da SMAC, efetivas e potenciais. Fontes Orçamentárias Fontes não orçamentárias Efetivas Potenciais Efetivas Potenciais Orçamento da SMAC Orçamento de ou- tras unidades ad- ministrativas da Prefeitura Recursos advindos da visitação em par- ques municipais Fundo de Conser- vação Ambiental do Município Repasses oriundos do ICMS Ecológico Fundo de Conserva- ção Ambiental (SEA) C omp e n s a t ór i a s dos licenciamentos municipais - Medi- das Compensató- rias (MC) Permissões e con- cessões de uso Fonte: Detzel (2013). A execução dos planos de manejo depende de recursos financei- ros alocados de acordo com os montantes discriminados no documento, obedecendo-se ao respectivo cronograma de execução (ARCADIS, 2016), o que também depende de provisão orçamentária do Município enviado anualmente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. No entanto, as UCs municipais não fazem parte do organograma da SMAC e não funcionam como unidades gestoras, portanto, não realizam pagamento de contas e de serviços, não celebram termos de parceria, convênios e as demais ope- rações próprias da administração pública. Estas operações são realizadas pelo setor financeiro da SMAC a partir da orientação da Gerência de Ges- tão de Unidades de Conservação (GUC). 1.1. Fontes orçamentárias Os Parques Naturais Municipais não realizam cobrança de ingressos dos seus visitantes, usuários e/ou pelo uso do estacionamento de veículos que, em regra, são operacionalizados por flanelinhas e/ou por moradores, situação observada, por exemplo, no PNM de Grumari e no PNM Barra da Tijuca Nelson Mandela (PEIXOTO, 2022). Quando existe alguma autori- zação municipal para o funcionamento de estacionamentos em geral esta foi concedida pela Secretaria Municipal da Fazenda, instância que também recebe os devidos valores pecuniários, e não a SMAC. Além disso, nenhum 88 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro valor é repassado para a gestão das UCs, até mesmo os advindos das au- torizações e/ou permissões de uso concedidas aos condomínios localizados nas Áreas de Uso Conflitantes constantes nos planos de manejo elaborados, como se observa no PNM de Marapendi, ou pelas autorizações concedidas para os quiosques localizados no PNM da Prainha, no PNM de Grumari e no PNM Barra da Tijuca-Nelson Mandela. Aliás, os quiosques localizados na orla marítima da cidade do Rio de Janeiro, que integram as Áreas de Pro- teção Ambiental do Município, também não pagam tais valores. A percepção dessa situação é que a gestão das UCs, de proteção inte- gral ou de uso sustentável, não se encontra circunscrita às competências e/ ou responsabilidades da SMAC quando se tratam de valores pecuniários derivados das instalações comerciais nelas localizadas, ou das autorizações e/ou permissões de uso concedidas para quiosques ou alguns condomínios que possuem parte de suas instalações nas áreas internas de algumas das UCs municipais. Os contratos e os valores pecuniários são decididos no âmbito da Secretaria Municipal de Fazenda sem a participação da SMAC, mesmo nas UCs com planos de manejo e planos de sustentabilidade finan- ceira elaborados. 1.1.1. Fundo de Conservação Ambiental Uma fonte de repasse orçamentário potencial seria a proveniente do Fundo de Conservação Ambiental (FCA)5 da cidade do Rio de Janeiro, pre- visto no parágrafo único do art. 129 da Lei Orgânica do Município (Lei N° 2.138 de 11 de maio de 1994 e regulamentado pelo Decreto n° 13.377 de 18 de novembro de 1994), que tem como objetivo o financiamento de projetos de recuperação e restauração ambiental, de prevenção de danos ao meio ambiente e de educação ambiental. No Diário Oficial do Município n0 175, de 04 de dezembro de 2018, página 27, consta que a Lei no 2.138/1994 ra- tificou a decisão de criação do FCA e instituiu a SMAC como sua gestora, definindo no parágrafo 2º do art. 11 como fontes de recursos do FCA as multas próprias e a participação em multas, tributos específicos, recursos captados em fontes específicas e dotações orçamentárias. 5 https://www.rio.rj.gov.br/web/fca. Acesso em 20/05.2024. 89 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro O Decreto nº 13.377/1994 regulamentou o FCA e foi alterado pelos Decretos n0 22.222/2002, n0 21.561/2002 e n0 26.278/2006, destacando-se que foi o Decreto n0 14.983/1996 que destinou os recursos dos royalties do petróleo ao FCA. O Decreto n0 41.248, de 19 de fevereiro de 2016, re- vogou os decretos anteriores, alterou a composição da Comissão Gestora do FCA, com a inclusão de um representante da Procuradoria Geral do Município e de um representante da sociedade civil, bem como conferiu à mesma Comissão a responsabilidade de examinar, aprovar e acompa- nhar a aplicação dos recursos. 1.1.2. ICMS Ecológico O ICMS Ecológico também poderia se constituir em outra fonte orça- mentária potencial para as UCs municipais. No estado do Rio de Janeiro a Lei no 5.100/2007, regulamentada pelo Decreto nº 41.844/2009, estabeleceu o Índice Final de Conservação Ambiental (IFCA) a partir de seis subín- dices temáticos que expressam a qualidade ambiental, com os seguintes pesos: Tratamento de Esgoto (ITE): 20 %; Destinação de Lixo (IDL): 20 %; Remediação de Vazadouros (IRV): 5 %; Mananciais de Abastecimento (IrMA): 10 %; Áreas Protegidas (IAP): 36 %, e Áreas Protegidas Munici- pais (apenas UCs Municipais): 9 %. Com relação às UCs foram considerados dois índices: o IAP (índice de áreas protegidas) e RAAP (resultado da avaliação da área “X” no município “Y”), sendo que para determinar o resultado do RAAP deve-se contabilizar o somatório da área em hectares da parcela de área protegida / área do Muni- cípio X Fator de Importância X Grau de Conservação X Grau de Implemen- tação. Para tal finalidade a área deve ser legalmente instituída pelo poder público, tendo ato de criação e limite territorial georreferenciado. As catego- rias de manejo nas quais se encaixam as UCs do Município são enquadradas nos seguintes Fatores de Importância: Reserva Biológica (REBIO) (5), Par- que Natural Municipal (PNM) (4), Monumento Natural (MONA) (3), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (2) e Área de Proteção Ambiental (APA) (1). As áreas protegidas denominadas Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), criadas pelo Município, não contam em função da não previsão da nomenclatura no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - Lei do SNUC. Para determinação do Grau 90 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro de Conservação calcula-se, com base na categoria de manejo da UC, a por- centagem de área conservada com índices associados para: degradada, mal conservada, parcialmente conservada e conservada. Para o estabelecimento do Grau de Implementaçãodo ICMS Ecológi- co, os seguintes critérios são considerados: ■ conselho (ato de criação e atas de reuniões); ■ infraestrutura e equipamentos (sede, centro de visitantes, de- marcação física e placas de sinalização); ■ equipamentos (câmera fotográfica, GPS, material de combate à incêndios, veículo); ■ plano de manejo (ato normativo e zoneamento estabelecido); ■ ações de fiscalização (relatórios); ■ programas de gestão (relatórios de execução das atividades pre- vistas no plano de manejo); ■ situação fundiária (registro geral dos imóveis - RGI, acompanha- do das plantas em nome do ente público, quando aplicável); ■ recursos humanos. Sobre este último critério, recursos humanos, entende-se a razão pela qual são nomeados gestores de UCs para áreas sem nenhuma estrutura física, posto que recursos humanos e financeiros, plano de manejo e con- selhos são elementos pontuados para fins de cálculo do ICMS Ecológico. Os recursos humanos são avaliados considerando-se: lista de funcionários da UC, sendo que em caso de servidor público deve constar o número da matrícula e a publicação do ato de nomeação em Diário Oficial, e no caso de servidor terceirizado deve haver a comprovação da contratação. 1.2. Fontes não orçamentárias As fontes financeiras não orçamentárias mais utilizadas pela gestão das UCs municipais são as doações provenientes das filmagens de eventos comerciais, como novelas e filmes, fotografias, dentre outros, tratando-se de um mecanismo regulamentado pela Resolução SMAC n0 565/2014. As 91 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro contrapartidas das filmagens podem ser dar na forma de serviços, doações de bens ou materiais, prioritariamente em benefício da UC na qual foram realizados os eventos, com a devida prestação de contas por meio de notas fiscais dos serviços e/ou do material adquirido, sendo que os bens doados devem ser devidamente patrimoniados. Em todos os casos, notas fiscais e termos de doação devem integrar os processos administrativos da SMAC para a devida prestação de contas dos gestores. 1.2.1. Fundo da Mata Atlântica Uma fonte não orçamentária a ser considerada corresponde ao Fun- do da Mata Atlântica (FMA/RJ), mecanismo operacional e financeiro de conservação da biodiversidade do Estado do Rio de Janeiro. Tendo caráter privado o Fundo visa otimizar a aplicação dos recursos da compensação ambiental do Estado do Rio de Janeiro, e de outras verbas não orçamentá- rias, tais como as oriundas de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), as obrigações de restauração florestal, as doações nacionais e internacio- nais e outras fontes6. Ressalta-se que o FMA/RJ opera em consonância com o art. 36 da Lei do SNUC, e foi utilizado em 2012 como fonte de recursos financeiros para a elaboração dos Planos de Manejo dos PNM de Grumari, PNM da Prainha, PNM da Serra do Mendanha e do MONA dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, a partir de Termos de Referência elaborados e apresenta- dos pela SMAC aos conselheiros do FMA/RJ (PEIXOTO, 2022). 1.2.2. Doações A Resolução CVL n0 58, de 30 de maio de 2021 aprovou o Regula- mento do Sistema Rio Ainda Mais fácil - RIAMFE para os casos de even- tos realizados em áreas denominadas de proteção e de conservação am- biental, bem como em logradouros públicos contíguos. A SMAC deve dar um “nada a opor” e contrapartidas podem ser concedidas. Como a maior parte dos eventos da cidade do Rio de Janeiro ocorrem na orla, do Leme 6 https://idg.org.br/pt-br/fundo-da-mata-atlantica. Acesso em15.03.2022. 92 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro ao Pontal, a Área de Proteção Ambiental da Orla Marítima recebe recur- sos financeiros consideráveis de contrapartida em relação às demais UCs municipais, inclusive para a realização de alguns serviços e/ou eventos que não possuem relação direta com a conservação da natureza. 1.2.3. Concessões No âmbito da conservação da natureza, o Instituto Brasileiro dos Re- cursos Naturais Renováveis (IBAMA), à época órgão responsável pela ad- ministração das UCs federais, lançou a publicação “Marco conceitual e Di- retrizes para Terceirizações Administrativas em Unidades de Conservação” (IBAMA/GTZ, 1999), na qual discute a terceirização dos serviços como forma descentralizada e de execução indireta com as seguintes modalida- des: concessão, permissão e autorização, enfatizando que não se tratava de privatizações e sim de um modelo no qual algumas tarefas poderiam ser repassadas ao setor privado em parques nacionais, tais como os serviços de alimentação, controle do ingresso de visitantes, transporte e passeios ecoló- gicos. A gestão das UCs estaria a cargo do Estado (PEIXOTO, 2022). No caso das UCs de proteção integral, nas quais só são permitidos os usos indiretos dos recursos naturais, art. 26 do Decreto que regulamenta a Lei do SNUC (Decreto n0 4.340/2002) estabelece que é passível de autoriza- ção a exploração de produtos ou serviços em UCs de domínio público, de acordo com o plano de manejo e ouvido o conselho da UC. Atualmente as UCs federais, estaduais e municipais celebram parceria com o setor priva- do com o objetivo de dar suporte físico e logístico à administração dessas áreas, executando atividades de uso comum do público como a visitação. A legislação que rege as modalidades de parcerias entre o poder pú- blico e privado são: a Lei n0 14.133, de 1º de janeiro de 2021 (nova Lei de Licitações), a Lei n0 8.987, de13 de fevereiro de 1995, que trata das conces- sões, e a Lei n0 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que regula as Parcerias Público-Privadas (PPP). As concessões de bens e serviços públicos para o lazer da população em UCs, para Rodrigues e Godoy (2013), podem obter o pagamento de tarifa pelos visitantes e usuários, de modo que o conces- sionário obtenha renda oriunda da exploração de determinados bens pú- blicos e, como contrapartida, se comprometa a efetuar determinados ser- viços como, por exemplo, a manutenção predial. Para Rodrigues e Godoy 93 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro (2013), os procedimentos para contratação da empresa vencedora devem ser realizados por meio de processo licitatório seguido de contrato admi- nistrativo. Este tipo de concessão encontra-se operacionalizado em par- ques nacionais brasileiros como os Parques Nacionais da Tijuca, do Iguaçu e de Fernando de Noronha. Para o Instituto Semeia (2017), a modalidade de concessão de serviço público consiste na delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou ao consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco, por prazo determinado. O vencedor terá a obrigação de prestar serviço adequado, em conformidade com o objeto da contratação e em adequação com os indicadores de qualidade definidos no edital. Apesar das concessões de serviços públicos serem implantados no Brasil em UCs federais desde a década de 1990 (RODRIGUES, 2009), e posteriormente em parques estaduais, estes mecanismos não foram pre- vistos à época para a realidade dos parques urbanos e dos Parques Natu- rais Municipais. Peixoto (2022) menciona que apenas recentemente, desde 2017, o Instituto Semeia vem estabelecendo parcerias com prefeituras para a realização de estudos para concessão de serviços e de efetivação de par- cerias público-privadas em Parques Naturais Municipais. 1.2.4. Adoção Outro mecanismo que envolve a parceria entre o setor público e o privado é a adoção, que implica no estabelecimento de um acordo entre a Administração Pública e uma entidade privada, com o objetivo, em geral, de realizar custeio e/ou manutenção de equipamentos e infraestruturas de forma gratuita para a administração pública (INSTITUTO SEMEIA, 2017). Nas doações, mesmo tendo prazos fixados por termosde compro- misso, as parcerias possuem natureza precária. Uma das UCs municipais da cidade do Rio de Janeiro realiza seus pro- gramas de reflorestamento e manejo, assim como ações de educação am- biental por meio de recursos indiretos oriundos dos projetos e ações desen- volvidos por parceiros. As iniciativas estão em curso no Monumento Natural (MONA) dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca como o reflorestamento da face leste pelo Projeto Pão de Açúcar Verde, e das ações desenvolvidas no 94 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro âmbito do Termo de Adoção celebrado entre a SMAC e a Companhia Ca- minho Aéreo do Pão de Açúcar, integrante do conselho consultivo da UC. 1.2.5. Convênios e Termos de Parceria O convênio é outro instrumento que pode ser celebrado entre órgãos pú- blicos e organizações não governamentais. De acordo com o Decreto n0 6.179, de 25 de junho de 2007, convênio é um acordo, ajuste ou qualquer outro ins- trumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas no Orçamento Fiscal e tenha como partícipe de um lado órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, ativi- dade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação. O contrato, segundo a redação dada pelo Decreto n0 8.180/2003, é o instrumento administrativo, de interesse recíproco, por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público (PEIXOTO, 2022). Os Termos de Parceria, em regra geral sem repasse financeiro, e os convênios, podem ser celebrados com instituições acadêmicas e organiza- ções não governamentais que venham a auxiliar na execução de políticas públicas para a conservação da natureza, apoiando a administração públi- ca na consecução dos objetivos de manejo das UCs federais, estaduais ou municipais. No caso das UCs municipais da cidade do Rio de Janeiro, até o momento, não existem convênios formalmente estabelecidos com centros de pesquisa e universidades, o que poderia incrementar a efetividade de gestão das UCs, tendo em vista que as universidades localizadas na cidade vêm pesquisando diversos temas no âmbito da conservação da natureza e desafios derivados das mudanças climáticas. 1.2.6. Medidas Compensatórias Dentre os instrumentos financeiros mais utilizados nas UCs munici- pais encontram-se as denominadas Medidas Compensatórias. A legislação 95 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro federal brasileira menciona em diversas normas que os objetivos da medida compensatória são (i) a preservação ou correção da degradação ambiental (Lei n0 6.938/81); (ii) a compensação ambiental e a reposição florestal (Lei n0 11.428/2006); além da (iii) aplicação em áreas verdes (Lei n0 12.651/2012). No mesmo sentido, a legislação do Município do Rio de Janeiro prevê que a medida compensatória, vide o Plano Diretor da Cidade em vigor até o ano de 2023 (Lei Complementar 111/2011), objetiva: (i) a recuperação dos ecossistemas naturais degradados (§ 2º do artigo 123); (ii) a compensação do dano ambiental causado (artigo 125); (iii) fazer cessar ou compensar a degradação ambiental (§ único do art. 126); e, (iv) o plantio ou doação de espécies nativas para áreas públicas ou privadas estabelecendo-se, em lei, a relação público/unidades plantadas e/ou doadas - no caso de compensação ambiental devida em razão da realização de eventos transitórios com de- manda de público como shows, concertos, competições e outros ao ar livre (inciso XXX do art. 161). Embora a Lei Complementar n0 111/2011 tenha sido revogada pela Lei Complementar n0 270/2024 (atual Plano Diretor de Desenvolvimen- to Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro), verifica-se que a autorização da remoção de vegetação emitida pelo próprio poder público também não dispensa a exigência das respectivas medidas compensató- rias. Ainda no âmbito municipal, o Decreto Rio n0 4.0722/2015, que regu- lamenta procedimentos destinados ao Sistema Licenciamento Ambiental Municipal - SLAM Rio, prevê no artigo 42 o seguinte: Art. 42. Com objetivo da manutenção e melhoria das condições am- bientais na cidade, e visando principalmente a recuperação de ecos- sistemas naturais degradados, torna-se obrigatória a implantação de medida compensatória ou mitigadora definida pela SMAC com base na Avaliação de Impacto Ambiental. Parágrafo Único. A SMAC formulará as medidas compensatórias, e mitigadoras, com base na legislação vigente. Nesses termos, as medidas compensatórias são consideradas como fontes não orçamentárias, conforme Resolução conjunta SMAC/SMDEIS n.º 03/2021 (que substituiu a Resolução SMAC n0 587/2015), e se consti- tuem em uma das principais fontes de recursos financeiros para a gestão das UCs. Quanto à implantação das medidas, o parágrafo 30 do art. 13 da 96 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro referida Resolução estabelece a obrigatoriedade de se executar o plantio relativo a 50% (cinquenta por cento) do valor monetário de referência total da Medida Compensatória, podendo destes 50% ser considerado o custo de manutenção do plantio no percentual de até 25% (vinte e cinco por cen- to). Os 50% (cinquenta por cento) complementares poderiam ser utilizados em outras modalidades de implantação. A Resolução conjunta SMAC e Secretaria Municipal de Desenvol- vimento, Emprego e Inovação (SMDEIS) n.º 03/2021, reitera os termos das Resoluções da SMAC anteriores n.ºs 587/2015, 567/2014, 511/2012, 497/2011 e 345/2004, indicando que as medidas compensatórias destinam- -se a “compensar impacto ambiental negativo... da remoção de vegetação” (artigo 1º, inciso XI), “objetivando garantir o plantio de novos espécimes vegetais, bem como a manutenção e conservação da cobertura vegetal da cidade, da arborização pública e das áreas verdes” (artigo 12), podendo ser dispensadas apenas nos seguintes casos previstos no inciso I do artigo 13 (grifos nossos): a) empreendimentos ou atividades nos casos descritos a seguir: a.1) vegetação (mata, capoeira e assemelhados), quando necessário ao preparo do terreno destinado à exploração agrícola, desde que a cultura a ser implantada no local seja considerada, em Parecer Técnico fundamentado, compatível com a remoção pretendida; a.2) árvores que, conforme apreciação do órgão técnico municipal competente apresentem comprometimento fitossanitário ou físico irreversível, decrepitude ou risco de queda, não causados, direta ou indiretamente, pelo ocupante do imóvel no qual estejam situadas; a.3) árvores situadas em imóveis de pessoas de baixa renda e que estejam causando danos à própria edificação ou a benfeitorias, conforme apreciação do órgão técnico municipal competente, que não possam ser solucionados ou minimizados com o uso de técni- cas silviculturais adequadas; a.4) espécies herbáceas ou arbustivas de uso paisagístico, confor- me definidas no item XV do Art 1º. b) para execução de projetos de recuperação ambiental, estabelecidos ou aprovados pela SMAC. c) para supressão de espécimes classificados como espécie exótica in- vasora, desde que a manutenção do espécime importe em risco para 97 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro Unidades de Conservação da Natureza e/ou fragmentos de Mata Atlântica, conforme avaliação em Parecer Técnico fundamentado. d) para o transplantio, quando este for exigido pela SMDEIS ou FPJ e após verificação da execução em conformidade com o projeto apre- sentado. Em todos os casos de transplantioserá calculada a medida compensatória, ficando sua efetiva aplicação condicionada à fiscali- zação da execução. (grifos nossos) Já no artigo 14 da Resolução SMAC/SMDEIS n.º 03/2021 abrem-se algumas brechas para fins diferentes da compensação do dano ambiental ocasionado pela perda arbórea autorizada, como se observa a seguir: Art. 14. O quantitativo de mudas calculado como Medida Compensa- tória deverá ser plantado prioritariamente no próprio local da remoção. Parágrafo Único. Na impossibilidade técnica de atendimento ao disposto no caput deste artigo, e observado o disposto no artigo 12, o quantitativo total ou parcial (complementar ao plantado no local da remoção) poderá ser cumprido das formas seguintes, desde que amparada por análise técnica que comprove a relevância ambiental (grifos nossos): I. plantio de mudas de árvores, no entorno imediato da área objeto da remoção autorizada ou em outra área considerada prioritária pela SMAC, desde que a escolha seja justificada no Parecer Técnico de atestação do cumprimento da Medida Compensatória; II. fornecimento de mudas, em atendimento a solicitação de órgão mu- nicipal interessado e desde que referendado pelo Gabinete da SMAC; III. tratamento fitossanitário de espécimes vegetais; IV. serviços de manutenção e conservação de áreas verdes e arbori- zação pública, demais serviços necessários à manutenção e conser- vação dos Parques Urbanos, Parques Naturais, Unidades de Conser- vação e Unidades Descentralizadas de Controle Ambiental; V. projetos de reflorestamento, incluindo preparo da área, plantio e manutenção; VI. manejo de espécies exóticas invasoras, a critério da SMAC ou da FPJ; VII. implantação de sistema de irrigação, de aceiros ou de outras práticas conservacionistas nas áreas indicadas nos incisos IV e V; 98 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro VIII. intervenções ou serviços necessários à execução e proteção do plantio e à produção de mudas de espécies arbóreas; IX. medidas que visem à redução da emissão de gases de efeito estufa; X. serviços de prevenção de acidentes geológicos/geotécnicos e recu- peração de áreas degradadas; XI. apoio, elaboração e/ou execução de projetos de Educação Am- biental e Agricultura Orgânica; XII. ações de ampliação dos instrumentos de gestão com o desenvol- vimento de indicadores ambientais; XIII. apoio, elaboração e/ou execução de projetos que visem a quali- dade e conservação ambiental da cidade. Destaca-se que a Resolução acima foi constituída de forma conjun- ta com a SMAC em função da transferência das atividades relativas ao licenciamento ambiental à Subsecretaria de Controle e Licenciamento Ambiental - SUBCLA, parte integrante SMDEIS. Entretanto, por ser um mecanismo de aplicação financeira direta por meio do qual o empreende- dor contrata a empresa que realizará os serviços demandados pelo agente público, as medidas compensatórias, como expressas no próprio nome, compensam um dano e não deveriam se constituir no mais importante instrumento financeiro para a gestão das UCs municipais. Atualmente, parte do valor monetário atribuído às medidas compen- satórias advindas de autorizações de corte de árvores tem sido aplicado em confecção de panfletos, bonés e demais materiais gráficos por vezes utili- zados para educação ambiental, bem como para a construção de escadas e reformas de banheiros em UCs, para compra de uniformes e ferramentas de plantio, para a compra de baterias de drones, computadores e cons- trução de ciclovias. Esta situação demonstra que na prática não existem critérios formulados para a aplicação do recurso. O estudo realizado por Montozo, Pontes e Rosa (2018), analisou o con- teúdo de 33 projetos básicos executivos para remoção de espécies botânicas exóticas invasoras e enriquecimento florístico, com seus respectivos relató- rios de aceite de medidas compensatórias, executadas em 12 (doze) UCs de proteção integral, durante o período de 2010 e 2013, tendo concluído que: ■ o número de plantio de mudas realizado é maior do que a supres- são vegetal, mas não foi possível afirmar que as medidas com- 99 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro pensatórias compensaram o impacto ambiental causado pela remoção da vegetação suprimida; ■ as medidas analisadas foram cumpridas dentro do município do Rio de Janeiro, no entanto, aproximadamente 45% das mudas foram plantadas em locais distantes de onde houve a supressão vegetal; ■ as espécies botânicas indicadas nos projetos analisados eram to- das autóctones, existindo o uso de espécies ameaçadas de extin- ção e o enriquecimento da flora com uso de epífitas; ■ as medidas compensatórias foram utilizadas como uma espécie de verba pública, para aplicação na UC em sua infraestrutura, manejo e recuperação ambiental; e, ■ a necessidade de acompanhamento das mudas plantadas até um período mínimo de quatro anos seria um indicador mais eficaz de avaliação. Além do exposto, a atual coordenadora da Câmara Permanente de Direito Ambiental do Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONSE- MAC), em entrevista concedida em 2021 para a pesquisa realizada por Pei- xoto (2022), declarou que ao longo do tempo houve avanço nos processos de transparência em relação à prestação de contas com a disponibilização de informações no site da SMDEIS, mas as informações ainda se encon- tram incompletas. Portanto, uma nova Resolução está sendo proposta pela Câmara Setorial de Direito Ambiental (CSPDA) em função das Resoluções SMAC n0 587/2015 e SMDEIS/SMAC n0 03/2021 continuarem a apontar que 50% do valor da medida compensatória deve ser investida em plantio, sendo possível destes 50%, 25% ser utilizado em manutenção, e os demais 50% em outros serviços. A equipe da CSPDA entende que 100% (cem por cento) do valor monetário de referência total da Medida Compensatória deve ser destinado à arborização do município, podendo ser considerado o custo de manutenção do plantio no percentual de até 50% (cinquenta por cento) - além de ser necessária a implementação de mecanismos eficientes de transparência, com aporte de mais informações, que não constam nas Resoluções referenciadas. 100 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro 2. Compensação ambiental por dano continuado: os empreendimentos de comunicação O desafio de elaborar um modelo de valoração econômica iniciou-se a partir do trabalho de Almeida e Peixoto (1997) com relação às empresas de telecomunicação localizadas no alto do Sumaré, Parque Nacional da Tijuca (PNT), Município do Rio de Janeiro/RJ. Posteriormente os estudos foram aprofundados na APA Petrópolis (SOUZA; PAGANI, 2001), e no próprio PNT (PEIXOTO; SOUZA, 2002, 2021), considerando os empreen- dimentos de comunicação e de passagem de rede elétrica. Em setembro de 2002 o IBAMA publicou um estudo preliminar7sobre Modelo de Valoração Econômica de Impactos em Unidades de Conserva- ção. O modelo de cálculo proposto considerou o somatório de 5 parcelas acrescido de um Fator Social (valor contabiliza a importância relativa de cada serviço na visão da população); custo de perda de oportunidade de uso regulamentar (P1); valor do impacto cênico (P2); valor da perda das funções ambientais (P3); valor da perda de visitação (P4); e valor de risco (P5). A base legal da iniciativa se baseou na Constituição Federal, art. 225 e seus parágrafos, no art. 40 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n0 6.938/1981), na Lei de Crimes Ambientais (Lei n0 9.605/1998) e seu De- creto de Regulamentação (Decreto n0 3.179/1999), na Lei do SNUC (Lei n0 9.985/2000) e seu Decreto de Regulamentação (Decreto n0 4.340/2022). A compensação financeira pelo dano continuado se baseia no princípio da responsabilidade objetiva do causador do dano e sua reparação. O Decreto Estadual n0 43.946/2012 regulamentou a contribuição fi- nanceira devida pelosEstado da Guanabara e, finalmente, desde 1975, município capital do estado do Rio de Janeiro, segue sendo referência e vanguarda, resistindo às seguidas mudanças administrativas e políticas que lhe foram impostas. Em 1919, é fundado no Rio de Janeiro o Centro Excursionista Brasi- leiro, mais antiga agremiação nacional congregando amantes da natureza e que teve papel preponderante na história dos parques nacionais de Ita- tiaia e Serra dos Órgãos, dois dos três mais antigos do Brasil. Em 1934, realizou-se no Rio de Janeiro a primeira Conferência Bra- sileira de Proteção à Natureza, trazendo o tema para o centro da pauta nacional. Um dos resultados palpáveis do conclave foi a criação dos três primeiros parques nacionais do Brasil: Itatiaia, em 1937, e Serra dos Órgãos e Iguaçu, em 1939. Três cariocas protagonizaram o evento: Raymundo de Otoni Castro Maya; Armando Magalhães Corrêa, que desbravou o futuro Parque Estadual da Pedra Branca, criado em 1974; e a bióloga Bertha Lutz. Ao redor deles e das experiências do Rio de Janeiro, foi feito o debate sobre a conservação no Brasil. Logo, novos protagonistas apareceriam, a exemplo de Adelmar Coimbra-Filho e Alceu Magnanini, a quem devemos os primeiros movi- mentos de reintrodução de fauna em nosso país. Graças a eles e, também, ao biólogo Fernando Fernandez e sua equipe, que dão continuidade hoje ao trabalho de ambos, a Tijuca hoje não é uma floresta sem alma, mas está povoada por cutias, jabutis e bugios, entre outras espécies nativas do bioma Mata Atlântica. Ainda na seara da restauração, em 1986 a Prefeitura da Cidade deu início ao Projeto Mutirão Reflorestamento, que desde então plantou mais de 10 milhões de árvores, devolvendo a 3.500 hectares do Rio de Janeiro sua paisagem original de Mata Atlântica. Trata-se do mais longevo, bem- -sucedido e premiado programa de recuperação vegetal no Brasil. Im- portante lembrar que para além da floresta, a cidade também conduziu processos exitosos de restauração de manguezais e áreas de restinga, estas últimas na Área de Proteção Ambiental Municipal da Orla Marítima. Em 1992, no bojo da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, todo o território carioca foi incluído na Re- serva da Biosfera da Mata Atlântica e foram criadas unidades ambientais na Polícia Militar, no Corpo de Bombeiros e na Guarda Municipal, além da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, com a atribuição de gerir as unidades de conservação cariocas. Em 1998, a Cidade novamente se colocou na vanguarda ao gerir de forma compartilhada uma unidade de conservação. Naquela ocasião, os governos federal e municipal deram-se as mãos para administrar o Parque Nacional da Tijuca mostrando como a cooperação interinstitucional pode, de fato, beneficiar a conservação. Um ano antes, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente abraçou o projeto Trilha Transcarioca, mais tarde incluída por Decreto no orde- namento jurídico da cidade, eleita como uma das 25 melhores trilhas do mundo e vencedora do Prêmio Nacional de Turismo. A Transcarioca já nasce com uma pegada de conservação, pois tem o objetivo de servir como corredor ecológico entre o Parque Nacional da Tijuca e o Parque Estadual da Pedra Branca, segundo parecer dado à época pelos pesquisadores Fer- nando Fernandez e Ricardo Iglesias. A Trilha Transcarioca foi pioneira no Brasil e serviu de semente para a Rede Nacional de Trilhas e Conectividade, política pública federal que visa integrar uso público e conservação da natureza. Em uma das primei- ras reuniões sobre a Transcarioca, poucos dias após a publicação da lei fe- deral que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em julho de 2000, foi elaborado um documento, logo encaminhado ao Go- verno federal solicitando a criação do Mosaico Carioca de Áreas Protegi- das, primeira manifestação nesse sentido em nosso país. Criado apenas 11 anos depois, o Mosaico Carioca segue como referência nacional, integran- do 27 unidades de conservação da natureza e outras duas áreas protegidas, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Reserva Florestal Vista Chinesa. Com efeito, a cidade do Rio de Janeiro é um belíssimo estudo de caso, para o bem e para o mal, das políticas de conservação in situ. Abriga unida- des terrestres, costeiras e marinhas, com sete das doze categorias de gestão previstas no SNUC, dos dois grupos (proteção integral e uso sustentável), privadas e públicas, das três esferas de governo, além de várias outras uni- dades não constantes do SNUC, como as ‘áreas de proteção ambiental e re- cuperação urbana’ (APARUs), ademais de um programa de voluntariado, que existe no Parque Nacional da Tijuca desde 1997 – portanto, anterior à Lei do Voluntariado e ao programa oficial do ICMBio –, um Mosaico de Áreas Protegidas, um Patrimônio Mundial da Humanidade e uma Reserva da Biosfera da UNESCO. Sua história pretérita de implementação e gestão de unidades de con- servação, que incluem o desafio de administrar o parque nacional mais visitado do Brasil, somada ao fato de ser casa de algumas das principais instituições de pesquisa do país – com duas universidades federais, uma estadual, diversas privadas, o Jardim Botânico e diversas outras institui- ções de pesquisa – credenciam a cidade a pensar o Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, em seu 25º aniversário, a partir da perspectiva local, de uma metrópole que ainda é a caixa de ressonância do pensamento crítico em nosso país. Se a história traz casos de sucesso, eles foram muitas vezes construídos sobre erros ou desafios postos. O futuro que se avizinha, no contexto das mudanças climáticas em curso, não é menos assustador que o contexto das secas e estresse hídrico que levaram ao reflorestamento da Tijuca na segunda metade do século XIX. Há que se pensar e planejar uma cidade resiliente e mais verde para as próximas décadas. Como seguir reflorestando? Como aprofundar a integração do Mosaico Carioca? Devemos seguir para um mo- delo de gestão compartilhada de todas as UCs municipais, como se fossem uma única unidade, ou seguir na toada de uma constelação de UCs indepen- dentes? Como enfrentar os desafios da pressão imobiliária, com seus compo- nentes ilegais da milícia? Como tratar a questão da crescente demanda por visitação e recreação em contato com a natureza e transformar os visitantes em apoiadores da conservação? Como implementar os corredores ecológicos entre a Tijuca, a Pedra Branca e as demais UCs localizadas no município? Como seguir dando respostas eficientes a desafios cada vez mais complexos e transformar a gestão de nossas UCs em uma linha que ajudará nossa cida- de a costurar e reintegrar a ‘cidade partida’? A proposta deste livro, cuja genial concepção devemos à Sônia Peixo- to e Beto Mesquita, enriquecida pelas brilhantes contribuições da Profes- sora Mariana Vale e da ecóloga Clarice Braúna Mendes, é discutir, a partir da experiência, esses e outros desafios vindouros, apontando os caminhos possíveis e necessários de serem trilhados, de forma a nos conduzir a um mundo melhor, mais verde, mais democrático e equitativo. O objetivo é debater ideias com a sociedade e restabelecer a esperança em um futuro que não venha imerso em tragédias ambientais, entendendo a importância de se proteger a natureza como pre missa para gerarmos a resiliência ne- cessária para mitigação de impactos e redução de danos para a sociedade. Os capítulos reunidos neste livro têm a pretensão de contribuir para a elabo ração e execução de políticas públicas baseadas no conhecimento técnico -científico e na práxis dos ambientalistas cariocas. Nestes termos, como responsável pela promoção e articulação do SNUC na esfera federal, louvo a iniciativa, almejando que este livro e seus possíveis desdobramen- tos realizem todo o seu potencial transformador, gerando boas sementes e bons frutos não só para a cidade do Rio de Janeiro, mas para as demais metrópoles brasileiras. Desejo-lhes umaserviços ecossistêmicos proporcionados pelas UCs estaduais, considerando a contribuição financeira pela instalação de ante- nas de comunicação cujo valor total é calculado da seguinte forma: faixa de domínio do empreendimento (P1); valor da terra nua emitido pela Se- 7 VIII Encontro Nacional de Chefes de Unidades de Conservação, intitulado “Modelo de Valoração Econômica de Impactos em Unidades de Conservação: empreendimentos de Comunicação, rede elétrica e dutos”, tendo como foco o Parque Nacional da Tijuca (Município do Rio de Janeiro/RJ), a Reserva Biológica de Tinguá (Município de Nova Iguaçu/RJ), a Área de Proteção Ambiental de Petrópolis (Município de Petrópolis/RJ), a Floresta Nacional de Ipanema (Município de Sorocaba/ SP) e o Parque Nacional da Serra da Canastra. O estudo foi coordenado pelas chefias do Parque Nacional da Tijuca e da Floresta Nacional de Ipanema. 101 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro cretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento, e na sua ausência pela Fundação Getúlio Vargas (P2); valor sobre a perda de oportunidade para a conservação da UC, de acordo com as seguintes ca- tegorias: 1 (para Parque Estadual, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre) e 2 (para Estação Ecológica e Reserva Biológica). Posteriormente, no caso do Parque Nacional da Tijuca, tendo em vis- ta que os terrenos nos quais os empreendimentos de comunicação se en- contram instalados são de posse da União, foi celebrado um acordo com o Serviço do Patrimônio da União (SPU) e o PNT, administrado pelo Insti- tuto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), visando regularizar a situação. No caso da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, entre 2012 e 2013 a Gerência de Gestão de Unidades de Conservação (GUC) realizou um levantamento preliminar das instalações de comunicação e rede de trans- missão de rede elétrica localizadas nas UCs municipais, tendo elaborado uma minuta de Decreto Municipal dispondo sobre a compensação finan- ceira devida pelos serviços ecossistêmicos proporcionados pelas UCs nas quais estão instalados os empreendimentos. Mas até o momento não houve a continuidade no processo visando a publicação de Decreto. 3. Ausência de critérios na aplicação de recursos financeiros As quantias monetárias advindas do orçamento público municipal e das medidas compensatórias podem se tornar eficientes e eficazes se acom- panhadas de mudanças no formato político-institucional para definição e disponibilização dos recursos, com base, inclusive, nos planos de manejo elaborados. Neste sentido evidencia-se a necessidade do estabelecimento de procedimentos e normas visando definir, executar o planejamento e as políticas públicas, mobilizando para isso meios e recursos políticos, orga- nizacionais e financeiros e efetivando regulações da gestão entre os seto- res público, privado e a sociedade de modo a estabelecer governabilidade (SANTOS, 1997). Salienta-se que apesar da elaboração dos Planos de Sustentabilida- de Financeira para as UCs municipais, no âmbito do processo de cons- trução dos planos de manejo, estes não foram devidamente considerados 102 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro no planejamento financeiro do conjunto dessas áreas, inclusive quanto à definição dos aportes financeiros prioritários. Observam-se então sérios problemas administrativos e operacionais que impactam na obtenção de resultados positivos para a gestão das UCs, mesmo naquelas que recebem somas monetárias mais vultosas. Isto sugere que apenas este aspecto não garante um bom desempenho gerencial das UCs (ARAUJO, 2012). Logo, a participação da sociedade na definição de critérios para a de- finição de prioridades em relação à aplicação dos recursos financeiros, orçamentários e não orçamentários, são essenciais para a transparência do processo e o controle da sociedade, e devem estar em consonância com as prioridades elencadas no planejamento das UCs, com o devido aval dos conselhos gestores. Mesmo com a publicação em diário oficial do Municí- pio do Rio de Janeiro dos aportes financeiros executados nos anos fiscais, inclusive das medidas compensatórias, não estão explicitados os critérios e as prioridades considerados para o aporte dos recursos, como o nome do projeto, da empresa executora e o técnico municipal responsável pelo acompanhamento da execução dos projetos. Apesar do expressivo montante de recursos monetários que podem ser alocados para as UCs municipais, as informações apontam para a falta de critérios para solicitação desses recursos, considerando o aval da Câma- ra Setorial Permanente de Unidades de Conservação do Conselho Muni- cipal de Meio Ambiente (CONSEMAC). Em primeiro lugar as prioridades de cada UCs não se restringem ao momento político-administrativo da SMAC, mas se vinculam ao estabelecido como ações prioritárias, de curto e médios prazos, em seus respectivos planos de manejo, quando elabora- dos. Portanto, a variável norteadora para a aplicação de recursos, orça- mentários e não orçamentários, e o planejamento das UCs, necessitam ser considerados. Nas UCs sem planos de manejo cabe a aplicação dos recur- sos monetários, orçamentários e não orçamentários, de modo a proceder a proteção dessas áreas até que haja um planejamento. 4. O aporte de recursos internacionais A despeito do fato de as cooperações internacionais poderem vir a ser consideradas por alguns apenas como aquelas derivadas de acordos gover- 103 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro namentais com propósitos de apoio institucional no Brasil, é importante es- tabelecer que o lastro de cooperações internacionais é bem maior. Em um sentido amplo, tratando-se de conservação ambiental, há que se destacar que as cooperações internacionais são estabelecidas quando há intercâmbio de ações e posturas por parte dos cooperantes de forma a resultar em potencia- lização de efeitos, normalmente positivos, sobre determinado bem natural ou recurso, independentemente da área geográfica de atuação. Abordada desta maneira, portanto, as cooperações internacionais não se restringem a uma operação externa que resulta em investimentos no Brasil, posto que estabelece eixos e espectros de cooperação com um sentido bidirecional ou múltiplo. Tão importante quanto receber apoio de agências cooperantes in- ternacionais é estabelecer convergência nacional com as convenções e ações estrangeiras de proteção dos recursos naturais. Desta forma, uma postura alinhada do Brasil com as convenções e acordos internacionais estabele- ce arranjo de cooperações múltiplas formando alianças globais. Um bom exemplo deste enfoque, assim como outros tantos que poderiam ser citados, é a atuação do Brasil em sua condição de signatário da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção - CITES que estabelece um embasamento sólido para a proteção de espécies alvo de tráfico de animais. Estar aliado ao conjunto de países signatários define uma contribuição positiva no sentido de promover ações de combate ao tráfico de animais do Brasil para fora, tanto quanto integra ação similar no sentido inverso, evitando a entrada de espécies ameaçadas oriundas de outros países, muitas vezes originárias de unidades de conservação. Embora não tão divulgada, esta cooperação é sistemática, real e cotidiana nas organi- zações brasileiras, mesmo sendo, muitas vezes, desconhecida em seus deta- lhes por profissionais que atuam com conservação ambiental, configurando- -se como uma cooperação internacional nem sempre referenciada no âmbito das discussões sobre o tema. Outra forma de cooperação muito frequente e com resultados signifi- cativos para a proteção e conservação da flora e da fauna é correspondente aos acordos institucionais internacionais realizados de formabilateral di- reta, normalmente baseados em transferência de know-how, de recursos e da aplicação de esforços conjuntos. Assim, pode ser estabelecido como um bom exemplo de cooperação no Rio de Janeiro, o Programa de Conser- vação do Mico-Leão-Dourado, realizado em cooperação entre o Instituto 104 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro Smithsonian o Zoológico Nacional de Washington, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF (desmembrado em 1989 em IBAMA e ICMBio) e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (atual- mente denominado INEA-RJ). Desenvolvido a partir de 1974 este progra- ma e conjunto de iniciativas resultou na criação da Reserva Biológica de Poço das Antas8, estabelecendo um ganho imenso para a proteção da es- pécie e de habitats. Seguindo esta mesma linha, podem ser citadas várias ações deriva- das de arranjos similares entre organizações nacionais e internacionais em prol da causa ambiental configurados em cooperações vantajosas. No rol de organizações que atuam com este modelo podem ser citados como exemplos positivos a atuação do World Wildlife Fund - WWF, da Conser- vation Internacional - CI, da The Nature Conservancy - TNC e do Green Peace, entre outras tantas ONGs com atuação global. Embora tenha ocorrido uma tendência de posturas muitas vezes con- flituosa baseada em extremos ideológicos, especialmente entre as décadas de 1980 e 2000, atualmente percebe-se um amadurecimento destas orga- nizações e um alinhamento tendente a estabelecer colaborações baseadas em apoio ativo profissionalizado, em detrimento do ativismo midiático de outrora. Dentre os exemplos bem estruturados, em vários estados brasilei- ros, tem-se o caso do Rio de Janeiro onde, a partir de 2008, a TNC passou a atuar na região de Rio Claro com projeto designado para a restauração de matas ciliares e nascentes, estabelecendo medidas para a melhoria do ma- nancial de abastecimento do rio Guandu. Na parceria estão envolvidos o Estado do Rio de Janeiro, o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, a Prefeitura de Rio Claro, a comunidade quilombola do Alto da Serra do Mar e a indústria de bebidas Ambev. O denominado Programa Produtores de Água e Floresta - PAF é uma iniciativa apoiada pela Coalizão Cidades pela Água e a Aliança Latino Americana dos Fundos de Água9. Embora as cooperações elencadas anteriormente sejam frequentes, de fato, os arranjos de apoio às unidades de conservação no Brasil mais re- presentativos em razão de seu porte e forma de atuação são aqueles oriun- dos de acordos governamentais. Normalmente lastradas no arcabouço de 8 www.micoleao.org.br, consultado em 26/08/2024. 9 www.tnc.org.br, consulta em 26/08/2024. 105 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro cooperações formais entre os países envolvendo governos, agências ou instituições supranacionais, visam o estabelecimento de apoio técnico ou financeiro (ou ambas combinadas) para o fortalecimento de estruturas e processos nos países em desenvolvimento. Têm atuado, desta maneira, no Brasil, várias instituições tais como KfW (Banco Alemão para a Recons- trução e Desenvolvimento), GIZ (Agência de Cooperação Técnica alemã), CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina), BIRD (Banco Mun- dial), BID (Banco Interamericano para o Desenvolvimento), FONPLA- TA (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata), JICA (Agência Japonesa de Cooperação Internacional), USAID (Agência Norte Americana de Desenvolvimento), SIDA (Agência Sueca de Desenvolvi- mento Internacional), NORAD (Agência Norueguesa de Desenvolvimen- to), e outras tantas. Entre todas as cooperações, sem desmerecer as demais, a do Governo Federal da Alemanha configura-se como de maior relevância e peso em apoio ao Brasil para a causa ambiental, atuando por meio de suas agências técnica (GIZ) e financeira (KfW) no estabelecimento de projetos de prote- ção ambiental ao longo de décadas, proporcionando excelentes resultados em vários estados brasileiros. Embora a vigência dos projetos de coopera- ção com o Governo da Alemanha esteja, hoje em dia, mais focada ao bio- ma Amazônia, destaca-se que os trabalhos de proteção da Mata Atlântica desenvolvidos a partir da década de 1990 foram essenciais para a consoli- dação de políticas institucionais e estruturação sistemática de instituições brasileiras que atuam na proteção deste importante bioma. Enquadra-se nesta abordagem o bloco de programas oriundos de cooperações bilate- rais estabelecidas entre o KfW e os governos dos estados do sudeste e do sul brasileiros. Denominados como PROMATA (RJ e MG), PPMA (SP e SC) ou PROATLÂNTICA (PR), ou ainda Projeto Corredores (ES e BA, este contando com a interveniência do MMA). Estes programas tiveram os mesmos fundamentos estruturantes visando fortalecer as instituições cooperadas dos estados (secretarias estaduais de meio ambiente, Institu- to Estadual de Florestas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, Fundação Florestal de São Paulo, Instituto Ambiental do Paraná, Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina e Fundação de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, bem como organizações de Polícia Militar Ambiental). Iniciados na década de 1990 e com duração de execução original de 5 anos, os ei- 106 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro xos temáticos de atuação destes programas foram baseados em comando e controle, monitoramento ambiental e planejamento e implementação de Unidades de Conservação. Com apoio financeiro amplo (exceção à regu- larização fundiária e aquisição de material bélico), os programas estabe- leceram estruturação institucional sistêmica, suporte às políticas públicas incluindo consolidação e aperfeiçoamento de instrumentos normativos, apoio gerencial e transferência de tecnologias, estruturação institucional por meio da aquisição de equipamentos, veículos, embarcações, execução de obras e aquisição de mobiliários, aquisição de serviços técnicos e apoio operacional. Com desenho similar, este bloco de programas de proteção da Mata Atlântica exerceu essencial e vantajosa atuação para a consolidação de um grande conjunto de Unidades de Conservação distribuídos pelos estados brasileiros. Embora o PROMATA, desenvolvido no Rio de Janeiro, tenha sido direcionado para as Unidades de Conservação estaduais, os le- gados por ele deixados certamente perduram até hoje em vários aspectos, seja na conservação de ecossistemas, na contribuição para a consolidação de experiências técnicas a um grande grupo de profissionais, ou na organi- zação e estruturação institucional dos organismos participantes. Por fim, as agências e governos internacionais também podem exe- cutar suas cooperações envolvendo organizações públicas não vinculadas à administração governamental direta, instituições privadas ou institui- ções financeiras oficiais, provendo recursos designados à causa ambiental. São exemplos no Brasil, a disponibilização de recursos via BNDES (Fundo Amazônia), Banco do Brasil, Funbio e outras organizações similares in- cumbidas de estabelecer projetos ou apoiar iniciativas na sociedade brasi- leira. As instituições cooperantes e frequentes nestes modelos são o KfW, a Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento - NORAD e o Global Environmental Fund – GEF, sem esgotar os exemplos. Seguem estes modelos os projetos ARPA, REDD+/REM, GEF, GEF-Mar e COPAI- BAS, entre outros tantos. O apoio da cooperação internacional contribui de maneira impor- tante para a potencialização de esforços de proteção ambiental, destinan- do recursos para investimentos nas organizações gestoras das unidades de conservação e nelas próprias de maneira direta, normalmente relegando ao Estado uma fração menor de destinação de recursos a título de contra- partidas configuradas como custeio. 107 Sustentabilidade Financeira das Unidadesde Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro A despeito do fato de que as cooperações internacionais por si só re- presentem ganhos significativos aos países cooperados por meio de ações concretas de desenvolvimento e proteção dos recursos naturais e dos pa- trimônios diversos, deve-se compreender que as cooperações estabelecidas derivam da necessidade de cumprimento de agendas e compromissos in- ternacionais por parte das agências cooperantes. Assim sendo, cada coope- ração estabelecida efetiva sinergias com efeitos múltiplos e complementa- res. Certamente os ganhos são importantes para ambos os lados. 4.1. Fundos internacionais e mudanças climáticas Quando os planos de negócios dos Parques Nacionais da Tijuca e de Masoala, no Brasil e em Madagascar, respectivamente, foram apresentados no Congresso Mundial de Parques da UICN em 2003 (Quintela et al., 2004), havia oportunidades de financiamento internacional, mas não como hoje. Nos 21 anos que se passaram desde então, as opções, os mecanismos e as oportunidades de financiamento se expandiram e se diversificaram. Um dos principais impulsionadores dessa tendência é a mudança climática. A urgência do desafio mobilizou a ação internacional para alocar mais fundos, usando abordagens inovadoras e novos instrumentos para apoiar a ação cli- mática. A proteção e a restauração de paisagens naturais - incluindo áreas protegidas - têm sido uma das metas explícitas desses investimentos. Con- sequentemente, as áreas protegidas não são mais vistas apenas como uma forma de conservar a biodiversidade e garantir a subsistência das comuni- dades locais que as habitam. Devido às mudanças climáticas, a importân- cia das áreas protegidas e, de forma mais ampla, das paisagens naturais, foi significativamente ampliada. Elas agora são reconhecidas como provedoras essenciais de serviços ecossistêmicos valiosos - sendo o sequestro de carbono apenas um deles - e ferramentas essenciais para mitigar os impactos mais graves das mudanças climáticas. Isso é particularmente verdadeiro no caso das áreas protegidas urbanas, onde elas não apenas adicionam beleza às ci- dades e proporcionam lazer para as pessoas que nelas vivem, mas também protegem as bacias hidrográficas, o abastecimento de água e reduzem o risco de desastres induzidos pelo clima - enchentes e deslizamentos de terra - que afligem as populações urbanas, especialmente as mais pobres. 108 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro A boa notícia é que existem vários fundos multilaterais com foco no clima, incluindo o Green Climate Fund10, o Adaptation Fund11, o Global Environment Facility12 e o Climate Investment Fund13, que poderiam dar apoio às áreas protegidas urbanas. A estes fundos se somam diversas agên- cias bilaterais que podem complementar e expandir o financiamento dis- ponível para a ação climática, seja por meio de fundos para fins especiais ou de sua linha de financiamento convencional, que inclui empréstimos, subsídios e assistência técnica. Além disso, no Brasil, agências financeiras como o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, e alguns bancos de desenvolvimento estaduais e regionais, estão se concentrando cada vez mais em investimentos municipais de mitigação e adaptação climática, e alguns estão começando a investir no mercado de crédito de carbono (World Bank; United Nations Capital Development Fund., 2024), programas nacionais podem ser usados para alavancar o apoio internacio- nal adicional de agências bilaterais e multilaterais. Conclusão O planejamento para a sustentabilidade financeira para a elaboração e efetivação da execução dos planos de manejo das Unidades de Conser- vação da Natureza municipais, e para a construção de um futuro Sistema Municipal de Áreas Protegidas, é urgente. Há disponibilidade de recursos orçamentários e não orçamentários geridos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima para aplicação nessas áreas, mas se observa a falta de planejamento e critérios para a sua aplicação, incluindo a necessidade de se efetivar mudanças nos procedimentos em vigor. Isto significa imple- mentar instrumentos de maior transparência na execução, na prestação de contas e nos processos de accountability, no sentido de responsabilização. No caso das medidas compensatórias deveriam ser publicizados os procedimentos pertinentes para a aplicação das medidas, com inclusão dos 10 https://www.greenclimate.fund 11 https://www.adaptation-fund.org 12 https://www.thegef.org 13 https://www.cif.org 109 Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro departamentos envolvidos em cada etapa, as normas legais que balizam os procedimentos e uma prestação de contas que envolva o nome dos respon- sáveis por cada etapa, públicos e privados, pareceres técnicos com o nome dos responsáveis, disponibilizando as informações não apenas nos Diários Oficiais, como também nos sites de transparência do governo municipal. Ainda com relação às medidas compensatórias é importante salientar que nova Resolução está sendo proposta pela Câmara Setorial de Direito Am- biental (CSPDA), e deverá ser considerada para fins de aprimoramento dos processos de execução e acompanhamento das medidas compensatórias. Em relação às parcerias internacionais, entende-se a necessidade de se reformular abordagens e expectativas, devendo-se olhar de forma mais ampla para as oportunidades disponíveis que possam contribuir para o fortalecimento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima e para o incremento da efetividade de gestão das UCs. A viabilidade das áreas protegidas urbanas é essencial para a saúde, a segurança e até mesmo para a sobrevivência das cidades, pois contribuem para a sua prosperidade, criando oportunidades e mitigando riscos para investimentos públicos e privados. As áreas protegidas devem ser consideradas, abordadas e valo- rizadas como ativos de infraestrutura (natural) fundamentais que, como qualquer outro ativo - bastar pensar em estradas e pontes, portos e aero- portos -, precisam de investimento e manutenção para oferecer serviços adequados às pessoas que os municípios atendem. Referências ALMEIDA, M. C. S.; PEIXOTO, S. L. 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Nesse sentido, parte-se do entendimento de que as parcerias constituem um instrumento de política pública para apoiar a prestação de serviços públicos, envolven- do instituições com e sem fins lucrativos e diversos setores da administra- ção pública, dentre eles a gestão de UC e outras áreas protegidas (RODRI- GUES; ABRUCIO, 2019; DI PIETRO, 2022). 1 Professora Associada do Departamento de Administração e Turismo e do Programa de Pós- Graduação em Práticas em Desenvolvimento Sustentável; Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ecoturismo e Conservação da Natureza da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 2 Professora Doutora do Departamento de Turismo e Patrimônio e do Programa de Pós-graduação em Ecoturismo e Conservação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 3 Bióloga, mestranda em Ecoturismo e Conservação/UNIRIO, gerente de projeto da Detzel em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e Clima da Prefeitura do Rio de Janeiro. 114 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro Nas últimas décadas, observa-se o crescimento da utilização de par- cerias para a promoção da visitação em UC, com fins de lazer e turismo (RODRIGUES; BOTELHO, 2022). Estas experiências têm inspirado as ad- ministrações municipais, a partir de uma curva de aprendizado sobre o processo de construção de parcerias, em diferentes etapas de planejamen- to, implementação e avaliação. Este capítulo apresenta o tema das parcerias entre as esferas pública e privada para a prestação de serviços de apoio à visitação nas UC municipais do Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, as parcerias em UC e outras áreas verdes urbanas são impulsionadas em uma conjuntura de uma cidade que tem recebido investimentos públicos e privados, com repercussão em diferentes seto- res da economia, sendo o turismo uma das atividades relevantes para im- pulsionar o desenvolvimento socioeconômico. Além de ter sido sede de importantes conferências internacionais sobre meio ambiente nas últimas décadas, diversos eventos de grande porte têm sido promovidos na cidade, movimentando a economia carioca. A cidade reúne características am- bientais e socioculturais singulares, que foram reconhecidas como Patri- mônio Mundial na categoria Paisagem Cultural Urbana pela UNESCO, reforçando uma imagem positiva para investimentos (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2024). Além disso, a cidade destaca-se entre as capitais brasileiras com maior número de desembarques interna- cionais de passageiros por via aérea, o que reforça a contribuição no turis- mo nacional (EMBRATUR, 2023). Cabe salientar que o município do Rio de Janeiro é a segunda maior metrópole do país, com uma população estimada em seis milhões de ha- bitantes e 1.200,329 km² em área, situando-se sobre três grandes maciços: Pedra Branca, Gericinó e Tijuca. Delineada por uma paisagem litorânea de mares e morros, a cidade do Rio de Janeiro abriga importantes áreas na- turais florestadas, fragmentos e remanescentes do bioma Mata Atlântica, considerado um dos cinco maiores hotspots de biodiversidade do mundo (MYERS et al. 2000). O município do Rio de Janeiro possui 72 UC, de diferentes esferas administrativas. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Prefeitura do Rio de Janeiro (SMAC) é responsável por 61 UC, sendo que duas são estaduais, devido a uma cessão de uso assinada entre o governo do estado e a Prefeitura do Rio de Janeiro, em janeiro de 2007. Dentre es- 115 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro sas, 23 são de Proteção Integral e 34de Uso Sustentável, e mais 4 (quatro) Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), que ainda não foram recategorizadas conforme SNUC. As categorias em maior nú- mero são Áreas de Proteção Ambiental (32) e Parques (20), sendo um par- que nacional, dois estaduais, e 17 parques naturais municipais (SISTEMA MUNICIPAL DE INFORMAÇÕES URBANAS, 2024). Sob a administração municipal, há, ainda, os parques urbanos, como Parques do Flamengo e Garota de Ipanema (ambos na zona sul) e Ary Barroso e Quinta da Boa Vista (zona norte), administrados pela SMAC. Outros parques urbanos são administrados pela Secretaria Municipal de Conservação (SECONSERVA) ou pela Fundação Parques e Jardins (FPJ). É neste complexo cenário, envolvendo os desafios de gestão de UC em áreas urbanas, a composição de diferentes demandas de acesso e utilização destas áreas, e a dinâmica de visitação em um destino internacional, que o tema das parcerias desponta como tendência para apoiar a prestação de serviços de apoio ao lazer e turismo nos parques e áreas verdes. Sendo assim, o presente capítulo busca contribuir para o entendi- mento e a reflexão sobre as parcerias para a promoção do uso público em UC municipais, considerando aspectos conceituais sobre o tema, potencia- lidades e desafios dos parques naturais municipais, informações sobre pro- gramas de incentivo e dados sobre as parcerias na cidade do Rio de Janeiro. 1. Parcerias em unidades de conservação como estratégia de apoio a serviços e atividades de visitação Conceitualmente, as parcerias entre as esferas pública e privada, com e sem fins lucrativos, para apoiar o lazer e o turismo em UC podem ser interpretadas a partir de diferentes prismas e campos de estudo. No contexto brasileiro, as parcerias podem ser abordadas a partir de uma perspectiva democrática, que evidencia direitos e deveres na proteção e no acesso ao meio ambiente, motivando diferentes mecanismos de partici- pação social no apoio à implementação de políticas públicas (BRASIL, 1988). Do ponto de vista da gestão pública, a participação privada no apoio à prestação de serviços públicos assume diferentes contornos, sobretudo na década de 1990, com o avanço da corrente neoliberal e as mudanças 116 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro na administração pública, repercutindo também na política ambiental. Neste período foi firmada a primeira concessão com a iniciativa privada no Parque Nacional do Iguaçu. A política de concessões em parques tem continuidade nos governos seguintes, com maior intensidade a partir de meados dos anos 2000, sobretudo na esfera federal. No entanto, pode-se falar em diferentes ciclos de gestão das parcerias, uma vez que os proces- sos vão assumindo uma nova repercussão no âmbito dos órgãos gestores e agregando novos atores e argumentos (RODRIGUES; BOTELHO, 2022; MORO, 2024). No conjunto das diretrizes e compromissos globais para o desenvol- vimento sustentável, as parcerias compõem um dos 17 objetivos assumidos na Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), para o aten- dimento aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O “Ob- jetivo 17: Parcerias para Sustentabilidade” busca criar mecanismos para fortalecer os meios de implementação da Agenda 2030 a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável. Entre eles, destaca-se a necessidade de “in- centivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a socieda- de civil eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias” (ONU, 2015, p. 39). Por esta via de interpretação, as parcerias são entendidas como um compromisso global de todos os se- tores da sociedade para atender aos objetivos e metas de sustentabilidade frente à emergência da crise ambiental e climática. A criação de áreas protegidas constitui uma das principais estratégias adotadas mundialmente para a conservação da biodiversidade, sendo o tu- rismo promovido como um dos caminhos possíveis para promover o apoio público para manutenção destas áreas, quando gerenciado adequadamente (LEUNG et al., 2018). Nesse contexto, as parcerias têm sido adotadas am- plamente, em vários países, como um instrumento que visa apoiar a gestão da visitação em áreas protegidas (WYMAN et al., 2011; THOMPSON et al., 2014; ICMBio, 2018; SPENCELEY; SNYMAN; EAGLES, 2017). As possibilidades de parcerias em UC são plurais, e variam de acordo com diversos aspectos como, por exemplo, o modo como é interpretada a relação sociedade-natureza, a complexidade e dinâmica da visitação, o arcabouço legal e administrativo relacionado às áreas protegidas, as de- mandas de uso público, dentre outros aspectos. Em razão disso, existem parcerias entre poder público e diferentes setores, tais como organizações 117 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro não-governamentais, empreendimentos comunitários, setor privado e ou- tros entes públicos. No enquadramento legal brasileiro, com base em uma leitura do Di- reito Administrativo, Di Pietro (2022, p. 26) afirma que as parcerias de- signam “todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores público e privado, para a con- secução de fins de interesse público”. Nesse sentido, as parcerias entre o poder público e iniciativa privada, com e sem fins lucrativos, visam o aten- dimento do interesse público, formalizadas em contrato ou acordo formal entre as partes. Para Di Pietro (2022), o conjunto de parcerias na Administração Pú- blica pode ser organizado em três grupos: 1. forma de delegação da execução de serviços públicos a particu- lares (autorização, permissão, concessão comum, patrocinada/ administrativa - ou parceria público-privada); 2. meio de fomento à iniciativa privada para atividades com fins de interesse público (termo de parceria, termo colaboração/fomen- to); 3) forma de cooperação do particular na execução de ativida- des próprias da administração pública, por meio da terceirização (contrato de prestação de serviços). No que se refere ao entendimento das parcerias no contexto das UC, essas podem ser interpretadas como “diferentes arranjos institucionais adotados pelos órgãos gestores ambientais para viabilizar a participação pública e privada, com e sem fins lucrativos, no apoio à criação, imple- mentação e gestão de áreas protegidas” (OPAP, 2020, n.p). Nessa linha de entendimento, os propósitos das parcerias devem estar pautados na demo- cratização do acesso à gestão das UC, uma vez que a participação de diver- sos setores da sociedade, prevista em lei, visa contribuir para a implemen- tação da política pública e garantir o interesse público no que se refere às diferentes funções ambientais, sociais, culturais e econômicas dos parques e outras áreas protegidas, tais como benefícios à qualidade de vida, saúde e bem-estar nas cidades (OPAP, 2020). Nesse contexto, o controle social nas diferentes fases das parcerias, desde o planejamento e a modelagem do projeto, passando pela implemen- 118 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro tação e, posteriormente, pelo monitoramento e pela avaliação dos resul- tados destas iniciativas, é fundamental para fomentar o aprendizado e o engajamento efetivos de diferentes grupos sociais (MORO et al., 2022). As modalidades que têm sido utilizadas com mais frequência para formalizar parcerias com a iniciativa privada, com fins lucrativos, para prestação de serviços de apoio à visitação em UC são concessão, permis- são e autorização. Outras modalidades, como termo de fomento, termo de parceria, termo de colaboração e acordo de cooperação, são adequados para formalizar parcerias com organizações da sociedade civil sem fins lu- crativos (RODRIGUES; ABRUCIO, 2019; OPAP, 2023). As modalidades se diferem conforme o escopoe a envergadura econômica do projeto, tempo de duração do contrato, ente parceiro envolvido (pessoa física ou jurídi- ca, com e sem fins lucrativos), espécie de documento de formalização (ato administrativo, contrato, acordo de cooperação, termo de fomento), entre outros aspectos (RODRIGUES; ABRUCIO, 2019). Projetos de concessão, por exemplo, têm sido executados em parques nacionais para instalação de estruturas como cobrança de bilheteria, centro de visitantes, restaurantes e lanchonetes, serviços de transporte e estacionamento, e atividades como tirolesa e circuito de arvorismo. A permissão tem sido utilizada em ca- sos que não requerem investimento significativo em estruturação e onde o Estado já dispõe de uma determinada infraestrutura e redireciona a sua utilização para outros fins, como restaurantes e alojamentos, por exemplo. Já as autorizações são frequentemente acionadas para serviços e ativida- des de menor porte e podem ser firmadas com pessoas físicas e jurídicas, como condução de visitantes, aluguel de equipamentos e passeios de barco (BARBOSA et al. 2022). Uma mesma UC pode ter mais de uma parceria, como ocorre no Par- que Nacional da Tijuca (RJ) e no Parque Nacional da Chapada dos Veadei- ros (GO), por exemplo; ou pode ter concentração de vários serviços em um único contrato, como a concessão nos Parques Nacionais Aparados da Ser- ra e Serra Geral (RS). Outra composição que se observa no contexto brasi- leiro é a concessão por lote, envolvendo mais de uma UC, com o objetivo de atrair investimentos em áreas com diferentes potenciais de arrecadação, como ocorre nos parques naturais municipais e parques urbanos da capital paulista e na concessão nos Parques Estaduais de Ibitipoca e Itacolomi, em Minas Gerais (OPAP, 2024). 119 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro No conjunto de modalidades de parcerias, a concessão tem ocupado um papel de destaque na agenda da política de visitação em UC (RODRI- GUES; ABRUCIO, 2020; BRUMATTI; ROZENDO, 2021). Dessa forma, os órgãos gestores necessitam direcionar um maior esforço institucional com definição de fluxos para modelagem, regulamentação e monitoramento de parcerias, formação de equipe especializada, criação de arcabouço de nor- mativas para fiscalização (MORO, 2024). Contudo, ao mesmo tempo em que se observa o aumento do número de processos de concessão e demais parcerias, ocorre, contraditoriamente, a fragilização da capacidade insti- tucional dos órgãos gestores, com sucessivos cortes orçamentários (MA- CHADO; CLAUZET; YOUNG, 2019; MENEGASSI, 2021). É importante considerar que a escolha das modalidades de parceria envolve questões técnicas e políticas, ou seja, depende também da forma como o Estado se posiciona e confere capacidade institucional para gerir estas iniciativas no que diz respeito à garantia de atendimento a direitos sociais e ao estímulo a diferentes formas de participação privada na gestão da coisa pública. Nessa direção, as parcerias em UC, sobretudo quando firmadas com instituições com fins lucrativos, têm como um dos principais desafios o alcance de um equilíbrio na atuação entre os entes envolvidos. A iniciati- va privada deve ser capaz de atender às demandas dos visitantes na pres- tação de serviços com qualidade, demonstrando experiência na operação e mantendo-se no mercado de turismo, considerando a especificidade da operação em UC como bens públicos de uso especial. Enquanto que o po- der público deve garantir a adequada gestão da visitação, considerando a diversidade de oportunidades e de acesso à população, e a capacidade institucional para gerir, regular e monitorar os resultados das parcerias. Contudo, não se pode negligenciar, nos processos de concessão, os possíveis efeitos de exclusão social de grupos com menor poder aquisitivo, visto que o valor do ingresso em áreas com concessão pode aumentar com base em aspectos como, por exemplo, a necessidade de investimento por parte do privado e os parâmetros relacionados ao equilíbrio econômico- -financeiro dos contratos. Resultados como o aumento ou diminuição do número de visitantes e a mudança no perfil dos frequentadores precisam ser estudados e acompanhados para possibilitar uma visão mais abrangen- te do impacto da política de concessões nas UC. 120 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro Um conjunto de dispositivos legais têm sido criados para viabilizar a implementação de parcerias em UC, além de programas e projetos que perpassam diferentes ciclos de gestão na administração pública na área ambiental (Quadro 1). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (e o Decreto Federal 4.340/2002 que o regulamenta), prevê que a exploração comercial de produtos e serviços associados às UC, tais como recreação e turismo, é passível de autorização pelo órgão gestor e deve ser justificada em estudos técnicos, atender aos objetivos de manejo e gestão da área, e promover a par- ticipação social neste processo (BRASIL, 2000; BRASIL, 2002). O documento “Diretrizes para visitação em unidades de conserva- ção” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006) dispõe sobre a pos- sibilidade de formalização de diferentes modalidades de parcerias para a prestação de serviços. Em 2021, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade publicou a Portaria 289 (ICMBio, 2021), que estabelece normas gerais para o planejamento e a implementação do uso público nas UC federais e define as formas de delegação possíveis para a prestação de serviços de apoio à visitação. Quadro 1. Programas e iniciativas para fomento de parcerias em UC. Programa / iniciativa Período Objetivo Entidades envolvidas Programa Turismo nos Parques 2008 Estruturar e promover o turismo nos Parques inseridos no Sistema Nacio- nal de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Grupo de Tra- balho Intermi- nisterial (GTI) formado pelo Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Minis- tério do Turismo e EMBRATUR Programa Parcerias para Investimento 2016 Ampliar e fortalecer a interação en- tre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de de- sestatização. Governo Federal 121 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro Programa / iniciativa Período Objetivo Entidades envolvidas Parceria Ambiental Público- -Privada 2017 2019 Desenvolver estudos para incremen- tar e difundir práticas de parcerias com o setor privado e o terceiro setor na gestão das Unidades de Conserva- ção Federais. ICMBio, IBAM, Caixa Econômi- ca, BID Programa BNDES Parques e Florestas 2020 2023 Apoio a projetos de investimento no âmbito de concessões públicas de par- ques naturais ou urbanos e de conces- sões florestais. BNDES Programa de estruturação de concessão em unidades de conservação - BNDES 2020 atual Concessão de serviços públicos ou de uso de bem público em parques, abrangendo o apoio à visitação, revi- talização, modernização, operação e manutenção dos serviços turísticos e de educação ambiental, e preven- do ainda o custeio de ações de apoio à conservação, proteção e gestão dos referidos parques. BNDES, ICMBio, governos estadu- ais e municipais Programa de Parcerias para as Unidades de Conservação 2011 Instituído pelo Decreto nº 57.401, 06/10/2011, do estado de São Paulo. Considera as seguintes modalidades: autorizações, permissões, cessões e concessões de uso de bem público; permissões e concessões de serviço público; parcerias público-privadas; convênios; termos de parceria com OSCIPs; recebimento de doações. Fundação Flores- tal/São Paulo Programa de Concessão de Parques Estaduais 2019 Desenvolver e implantar modelos de parcerias e concessões voltados para o aprimoramento e diversificação dos serviços turísticosofertados nas UC estaduais de forma a garantir o cum- primento de seus objetivos de criação, o aproveitamento sustentável das po- tencialidades econômicas existen- tes, a maior eficiência na gestão e na conservação da biodiversidade, bem como a geração de benefícios sociais e econômicos para as comunidades do seu entorno. Instituto Estadu- al de Florestas de Minas Gerais Fonte: BRASIL, 2008; GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011; BRASIL, 2016; IBAM, 2019; BNDES, 2023; BNDES, 2024; IEF-MG, 2024. 122 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro Os programas e iniciativas governamentais vêm subsidiando, de dife- rentes formas, os projetos de parcerias em UC. Inicialmente, apoiados em discursos relacionados à sustentabilidade econômico-financeira na gestão de UC e, a partir de 2022, verifica-se uma narrativa motivada pelo turismo como estratégia para a conservação da natureza e geração de benefícios para a economia local. E são nestas mesmas narrativas que projetos de par- cerias em UC municipais estão apoiados, tais como aqueles desenvolvidos pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, sob a gestão de Eduardo Paes (2021 - 2025), conforme analisado a seguir. 2. As unidades de conservação municipais e a agenda de parcerias Ao refletir sobre as UC municipais, é preciso reconhecer que os es- paços públicos e as áreas verdes estão cada vez mais pressionados por edificações e demais estruturas que caracterizam o adensamento urbano (GUIMARÃES; PELLIN, 2015). Por outro lado, parques e outras áreas pro- tegidas vêm sendo associados a valores públicos fundamentais, devido à importante função social destes espaços para a qualidade de vida nas cida- des, promovendo espaços de lazer, de sociabilidade, de práticas educativas e de exercício da cidadania, por meio dos direitos e responsabilidades fren- te ao bem público (RODRIGUES; ABRUCIO, 2020; ICLEI, 2022). Este trabalho irá tratar dos parques naturais municipais, mas algumas iniciativas de parceria em curso no município do Rio de Janeiro abrangem outras áreas verdes protegidas. Estas áreas, conforme destacado em publicação do ICLE – Governos Locais para a Sustentabilidade (2022), são comumente associadas à espaços urbanos e periurbanos, e cumprem diversas funções eco- lógicas e sociais que, em composição com UC, funcionam como a “porta de entrada” para que a sociedade conheça os sistemas de áreas protegidas. Em estudo elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica (2021) foi des- tacada a importância do papel das UC municipais na proteção e valorização dos recursos naturais e na diversificação econômica baseada na natureza. Foram registradas no estudo 1.388 UC municipais no bioma Mata Atlântica, envolvendo uma área de 5,4 milhões de hectares. O levantamento identi- ficou que as UC municipais concentram-se nos estados do Rio de Janeiro, 123 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro Minas Gerais e Paraná, que juntos representam cerca de 66% do total de UC municipais registradas (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, 2021). Conforme destacado por Pinto et al. (2019), no estado de Minas Ge- rais as UC municipais são um elo importante para a proteção integrada do patrimônio natural no estado. Contudo, os autores salientam o desafio re- lacionado à qualificação de informações sobre o sistema de proteção pelos governos locais, buscando manter o monitoramento dos resultados e do impacto destas UC e, assim, fortalecer o reconhecimento e o apoio público para a manutenção destas iniciativas de conservação. Estas áreas propiciam diversos serviços ecossistêmicos, contribuindo para compor o sistema de UC ao cobrirem pequenas e médias áreas, aumen- tando assim a conectividade com remanescentes florestais protegidos mais extensos (PINTO et al. 2019). No que se refere à importância dos processos ecológicos, contribuem para redução de taxas de poluição do ar e sonora, de equilíbrio térmico, e de risco de enchentes. Favorecem também o conheci- mento sobre a biodiversidade, na medida em que são habitat para espécies de fauna e flora (CUNHA et al., 2022). São espaços privilegiados para a prática de atividades de lazer, esporte e recreação, promovendo diversos benefícios diretos para a qualidade de vida, saúde e bem-estar dos habitantes, podendo compor, também, o conjunto de atrativos com finalidade turística (PELLIN et al. 2014; CUNHA et al., 2022). São vários os exemplos ao redor do mundo em que são desenvolvidos programas institucionais voltados para saúde em áreas verdes urbanas, como aqueles citados por Cunha et al. (2022) na Aus- trália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Espanha. Nos últimos dez anos, foi possível observar avanços nos processos de pla- nejamento, implementação e monitoramento de parcerias para apoiar a presta- ção de serviços de apoio à visitação em UC federais e estaduais, mas esta agenda também está presente na Administração Pública municipal. Observa-se que, nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, esta pauta tem ganhado repercussão, mo- bilizando agentes públicos, privados e sociedade civil nos debates. Na capital paulista, as parcerias tiveram maior impulso em 2018, quan- do a Prefeitura Municipal de São Paulo estabeleceu o Plano Municipal de Desestatização e o Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas. Estes constituem os principais alicerces da política de parcerias em UC e parques urbanos, zoológicos, jardins botânicos e hortos florestais do Poder Público. Os projetos visam a implementação de serviços e equipamentos, por meio 124 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro da modalidade de concessão à iniciativa privada, visando a melhoria da ex- periência e atendimento aos usuários, novas oportunidades de negócios e realização das reformas (NASCIMENTO, VIANA, CONTI, 2021; PREFEI- TURA DE SÃO PAULO, 2023). E 2019, o Parque do Ibirapuera e mais cinco áreas verdes compuseram o primeiro lote de concessão para a prestação dos serviços de gestão, operação e manutenção, por 35 anos e investimentos da ordem de R$167 milhões (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2023). Outros projetos de concessão em parques e áreas verdes estão em curso, sob um mesmo modelo: o processo prevê a participação da sociedade civil por meio de conselhos gestores e audiências públicas; onde já havia cobrança de in- gresso, houve aumento de preço; onde não havia cobrança de ingressos, a área continua com o acesso gratuito, mas há aumento de fontes de receitas acessórias com mídias publicitárias em equipamentos e serviços de apoio à visitação, e em alguns casos com exclusividade de marca, a realização de eventos, dentre outras (DURVAL, 2022; FIORATTI, 2022). No conjunto de iniciativas que vêm sendo desenvolvidas com o apoio do BNDES nas UC federais e estaduais, é importante refletir sobre as par- ticularidades das UC municipais no contexto urbano, como por exemplo a frequência diária e/ou semanal de moradores para práticas esportivas e de lazer. Esse perfil de visitante pode não demandar alguns serviços que outros visitantes esporádicos gostariam. Assim, no desenho do modelo de negócios que será implementado via concessão, é necessário considerar a diversidade de público, de motivações, de poder aquisitivo, dentre outros aspectos que exercem influência no acesso aos serviços. A cobrança ou não, além do preço que será cobrado para a utilização de determinados serviços e a prática de atividades de aventura, por exemplo, devem ser de- finidos a partir de parâmetros que vão além da dinâmica do mercado, mas que incorporam questões como inclusão social, promoção da saúde e do lazer nas cidades, ocupação criativa dos espaços públicos, entre outros. 3. As parcerias em unidades de conservação e parques urbanos do município do Rio de Janeiro A implementação da política de parcerias em UC e parques urbanos no municípiotem sido realizada em três frentes principais, que se diferem quanto à participação de órgãos públicos e modalidade de parceria. 125 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro A primeira frente de parceria no município do Rio de Janeiro é carac- terizada pelo protagonismo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) e tem início no Parque Natural Municipal (PNM) da Cata- cumba, com a permissão de uso de bens e exploração de equipamentos de recreação para apoiar o uso público, em duas licitações que ocorreram em 2009 e 2013 (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2009; 2013). Com o fim do contrato e visando a melhoria da experiência do visi- tante, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) lançou nova licitação em 2022. O novo contrato, com duração de 25 anos, prevê a execução de investimentos na ordem de dois milhões de reais, destinados para implementar restaurante e novos atrativos de turismo de aventura, reforma e manutenção de equipamentos já existentes (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2022). Em continuidade às ações da SMAC nessa frente, encontra-se em fase de planejamento o processo de concessão no PNM Bosque da Barra e no PNM Chico Mendes, com valores estimados que somam R$30 milhões, em um mesmo lote de investimentos, conforme apresentado no Quadro 2, a seguir. Quadro 2. Concessão nos parques naturais municipais do Rio de Janeiro. Nome Decreto de criação Instrumentos de gestão* Serviços e atividades Prazo (anos) Investimento Situação do processo* PNM da Cata- cumba Decreto Municipal nº 1.967 de 19 de janei- ro de 1979 Plano de Ma- nejo e Conse- lho Gestor Restauran- te; ativi- dades de turismo de aventura 25 R$ 2 milhões Em anda- mento PNM Bosque da Barra Decreto Municipal nº 4.105 de 03 de junho de 1983 Plano de Ma- nejo e Conse- lho Gestor Sem infor- mação Sem infor- mação 30 milhões Planejamento Nome Decreto de criação Instrumentos de gestão* Serviços e atividades Prazo (anos) Investimento Situação do processo* PNM Chico Mendes Decreto Municipal nº 8.452 de 08 de maio de 1989 Plano de Ma- nejo e Conse- lho Gestor Sem infor- mação Sem infor- mação 30 milhões Planejamento *A análise considerou como instrumentos de gestão o Plano de Manejo e o Conselho Gestor. Fonte: CCPAR, 2023; SMAC, 2024. 126 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro A segunda frente caracteriza-se pela participação da Companhia Ca- rioca de Parcerias e Investimentos - CCPar nos processos de estruturação de concessões nos parques municipais naturais e parques urbanos: a concessão no Parque Urbano Jardim de Alah e o Programa Parques Cariocas. A CC- Par4 é uma empresa municipal criada com objetivo de fortalecer a agenda de parcerias na esfera municipal no governo de Eduardo Paes (2021-2025). Primeiramente, a CCPAR ficou encarregada de coordenar o processo de concessão de serviços no Parque Urbano Jardim de Alah, cujo contrato foi assinado em 2024, com previsão de R$112,6 milhões em investimentos em manutenção de áreas verdes e construção de estruturas para funciona- mento de restaurante, eventos, estacionamento e espaços para publicidade (CCPAR, 2023), conforme Quadro 3, a seguir. Quadro 3. Concessão em parques urbanos. Nome Serviços e atividades Prazo (anos) Investimento Situação do processo* PU Jardim de Alah Quiosques, lojas, restaurantes, áreas para eventos e exposição; segurança; conservação 35 R$ 112,6 Milhões Em anda- mento Elaboração própria. **Situação do processo: planejamento (estudos prévios, procedimento de manifestação de interesse, publicação de edital de licitação); implementação/em andamento; finalização. Fonte: CCPAR, 2023. A segunda participação da CCPar, em conjunto com a SMAC e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), é no Programa Parques Cariocas, que tem por objetivo “investir e revitalizar os parques urbanos e naturais da cidade”, e visa “atrair mais serviços, mais conforto e opções culturais para a população”. O BNDES é contratado para realizar a estruturação e modelagem dos projetos envolvendo mais de 20 áreas, entre parques urbanos e parques naturais, sendo estes divididos em quatro lotes. 4 Criada por meio da Lei Complementar 251 de 23 de junho de 2022, a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) incorporou as atribuições da RioSec (empresa municipal de securitização) e da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), que foi responsável pelo projeto de concessão “Porto Maravilha”, no contexto de uma série de reformas urbanísticas para os Jogos Olímpicos, em 2016 (CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 2022). 127 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro O desenho da proposta está estruturado por “parque âncora” por cada lote, considerando atributos como fluxo de visitantes, localização estratégica e atratividade, e “parques satélites” que possuem menor apelo comercial (AGÊNCIA BNDES DE NOTÍCIAS, 2024; CPPAR, 2024). O Programa Parques Cariocas tem como primeiro projeto o lote de investimentos, envolvendo dois parques naturais municipais (PNM da Ci- dade e PNM Dois Irmãos - Dois Cariocas - Sérgio Bernardes e Alfredo Sirkis) e quatro parques urbanos (Parque Madureira Mestre Monarco, Par- que Garota de Ipanema, Parque Orlando Leite e Parque Pinto Teles). Com prazo de 30 anos, o lote 1 prevê recursos na ordem de R$75 milhões para estruturação de novos atrativos, manutenção da infraestrutura existente e realização de eventos e atividades de educação ambiental, conforme pode ser visualizado no Quadro 4, a seguir. Quadro 4. Concessão em unidades de conservação e parques urbanos do Programa Parques Cariocas - Lote 1. Nome Serviços e atividades Prazo (anos) Investimento Situação do processo PNM Dois Irmãos Alimentação; mirantes; passarelas elevadas; centro de visitantes e educação ambiental; atividades de aventura; eventos de pequeno porte; estacionamento; transporte interno 30 R$ 19,5 milhões Planeja- mento PNM da Cidade Alimentação; mirante; eventos de pequeno porte; trilhas; estaciona- mento; parque infantil 30 R$ 4,8 milhões Planeja- mento PU Garota de Ipanema Alimentação; eventos; esportes; mirantes; reforma de estruturas 30 R$ 6,7 milhões Planeja- mento PU Orlando Leite Academia ao ar livre; quadras esportivas; área de piquenique; parque infantil 30 R$ 2,7 milhões Planeja- mento PU Pinto Teles Quadra esportiva; parque infantil; área de piquenique; campo de areia 30 R$ 2,4 milhões Planeja- mento PU de Madureira Alimentação; loja de souvenirs; estruturas móveis de comércio ambulante; arborização; transporte interno; realização de eventos 30 R$ 38,8 mi- lhões Planeja- mento Elaboração própria. Fonte: AGÊNCIA BNDES DE NOTÍCIAS, 2024. 128 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro No segundo lote, estão incluídos os parques PNM Barra da Tijuca Nelson Mandela (Reserva); PNM de Marapendi; PNM de Grumari; PNM da Prainha; PNM Bosque da Freguesia; PNM Darke de Mattos. Esse lote está em fase de planejamento, que envolve estudos sobre serviços e ativi- dades necessários, definição de valores de investimentos, dentre outros. Contudo, há previsão de que o contrato tenha duração de 30 anos. Quadro 5. Concessão em unidades de conservação e parques urbanos do Programa Parques Cariocas - Lote 2. Nome Decreto de criação Instrumentos de gestão Prazo (anos) Situação do processo* PNM Barra da Tijuca - Nelson Mandela Decreto nº 34.443, de 20 de setembro de 2011. Plano de Manejo 30 Planejamento PNM de Marapendi Lei Municipal nº 61 de 03 de julho de 1978 Plano de Manejo e Conselho Gestor 30 Planejamento PNM de GrumariDecreto Municipal nº 20.149, de 2 de julho de 2001 Plano de Manejo e Conselho Gestor 30 Planejamento PNM da Prainha Decreto Municipal nº 17.426, de 25 de março de 1999 Plano de Manejo e Conselho Gestor 30 Planejamento PNM Bosque da Freguesia Decreto Municipal nº 22.622 de 19 de feverei- ro de 2003 Inexistente 30 Planejamento PNM Darke de Mattos Decreto Municipal nº 394 de 18 de maio de 1976 Defasado, mas não há ato legal de aprovação 30 Planejamento Elaboração própria. Fonte: MAGALHÃES, 2024. Os lotes restantes estão programados para 2025 e 2026, cujo investi- mento previsto é de R$1,2 bilhão. O concessionário deverá promover servi- ços de apoio à visitação, atividades educativas, além de limpeza, conserva- ção e vigilância. Nesses casos, os parques urbanos incluídos são: Campo de Santana; Machado de Assis; Passeio Público; Manuel Bandeira; Marcello de Ipanema; Prof. Celio Lupparelli; Recanto do Trovador; Parque do Fla- mengo; Quinta da Boa Vista; Tom Jobim. Esse lote apresenta uma com- 129 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro plexidade, visto que prevê parcerias em parques urbanos com relevância histórica e patrimônio cultural tombado (MAGALHÃES, 2024). Em todos os lotes não está prevista a cobrança de ingressos, mas o concessionário poderá explorar atividades comerciais, eventos e espaços para publicidade. Com as parcerias, o governo municipal espera obter como benefícios a conservação do patrimônio natural, a melhoria da expe- riência dos visitantes, contribuir para a qualidade de vida da população e para o desenvolvimento socioeconômico de comunidades locais por meio do turismo sustentável (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEI- RO, 2024; MAGALHÃES, 2024). No que se refere à terceira frente no conjunto de parcerias e iniciativas que envolve uma maior participação privada no apoio à gestão de UC, po- de-se citar o Programa Adote Rio5. Inicialmente instituído em 2014 com o objetivo de apoiar a manutenção de áreas públicas urbanas como praças, jardins e monumentos históricos, esse programa teve seu escopo ampliado em 2021, abrangendo também as UC municipais. Os projetos de adoção aprovados no âmbito do programa têm ações previstas para recuperação da vegetação, reforma e manutenção de áreas de uso público, recuperação de edificações e inserção de tecnologias. Os parceiros podem ser pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem fins lucrativos (FUNDAÇÃO PARQUES E JARDINS/ADOTE RIO, 2024; NARCIZO, ROSAS, PEREIRA, 2024). No que se refere aos PU, chama a atenção o fato de ainda estarem “disponíveis para adoção” áreas verdes, tais como Parque Passeio Público, Largo da Carioca, Largo da Lapa e Praça Tiradentes que, mesmo com o legado histórico-cultural que os caracterizam, aparentemente, ainda não “atraíram” o interesse de nenhum parceiro, segundo dados disponíveis no site do Programa Adote Rio (FUNDAÇÃO PARQUES E JARDINS/ADO- TE RIO, 2024). Segundo Narcizo, Rosas e Pereira (2024, p. 29) o Programa voltado para áreas verdes urbanas estimula “a participação da sociedade no cui- dado e na gestão das áreas públicas, visando aumentar o engajamento e o 5 Programa Adote Rio foi instituído pela lei municipal nº 5788 de 23 de setembro de 2014, que autoriza a adoção de equipamentos públicos de lazer, cultura, recreação e esportes por pessoas jurídicas e físicas (Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 2014); Em 2021, foi publicada uma Resolução SMAC n° 44, que estabelece procedimentos a serem executados no Programa Adote Rio em UC. 130 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro pertencimento dos cidadãos sobre essas áreas”, que também está vincula- do aos benefícios dos serviços ecossistêmicos para a saúde e qualidade de vida da população. Desde 2022, existem 15 projetos de adoção em 10 UC municipais6, sendo a maioria deles com foco em restauração, o que pode contribuir para estimular a visitação nestas áreas (NARCIZO, ROSAS, PE- REIRA, 2024). Os dados apresentados chamam a atenção de que o lote 1 combina a categoria de PNM e PU, enquanto o lote 2 envolve apenas UC, e os demais lotes, ainda em construção, têm como foco parques urbanos com atributos histórico-culturais. A modelagem de concessão que abrange PMN e PU em um mesmo lote de investimentos revela que é preciso considerar, na implementação dos serviços, as especificidades de cada área, tais como os objetivos de conservação, os instrumentos de gestão e a normatização. Isso indica que o poder público deverá manter constante diálogo interinstitucional para alinhamento sobre os procedimentos de fiscalização e monitoramento; ao passo que o parceiro privado deverá considerar essas especificidades na administração do negócio, com especial atenção aos impactos ambientais da parceria nas áreas que têm como objetivo precípuo a conservação. No que se refere ao lote 2, em que há somente PNM previstos para terem serviços concedidos à iniciativa privada, é importante ressaltar que as atividades e os serviços propostos devem atender às demandas locais, que possuem dinâmica própria, considerando a zona urbana onde estão inseridos. É imprescindível que o plano de manejo esteja atualizado e o conselho gestor atuante, sobretudo nos PNM Bosque da Freguesia e Darke de Mattos que, segundo os dados coletados, ainda não possuem estes ins- trumentos de gestão. Conforme destacado anteriormente, o processo de construção da par- ceria deve envolver diferentes mecanismos de controle social, que buscam garantir que os direitos sociais, inclusive aqueles diretamente relacionados ao uso público em UC e PU, sejam garantidos e que a parceria atenda aos interesses sociais, proporcionando qualidade de vida, bem-estar e acesso 6 Os projetos vinculados ao Programa Adote Rio estão em constante atualização. A informação se refere ao período entre 09/11/2021 a 24/06/24, de acordo com publicações disponíveis no Diário Oficial do Município. Link para acesso: https://doweb.rio.rj.gov.br/] 131 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro ao ambiente equilibrado. Nesse sentido, grupos e movimentos sociais se organizam e se mobilizam para compreender e questionar os projetos de concessão em curso em parques localizados em diferentes regiões do país, além de contribuir para a construção de propostas que busquem dar conta da diversidade de público e interesses no território (FÓRUM VERDE PER- MANENTE, 2021; MORO et al., 2023; FEEMERJ, 2024). Nos casos estudados neste capítulo, verificou-se que a concessão é a principal modalidade de parceria vislumbrada desde as fases iniciais dos projetos coordenados pela Prefeitura do Rio. No entanto, é importante avaliar a viabilidade de que as parcerias sejam firmadas por meio de outras modalidades, como a permissão, a autorização ou mesmo as parcerias no âmbito da Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, que instituiu o Marco Re- gulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que poderiam envolver associações de moradores na gestão de parques, por exemplo. Além da possibilidade de se pensar em outras modalidades de par- cerias, questões como o acesso via transporte público e a inclusão social relacionada à disponibilidade de equipamentos e à diversidade de público são centrais no planejamento do uso público nas UC municipais e devem ser contempladas no desenho das propostas. Considerações finais As UC municipais abrigam funções primordiais para a qualidade de vida em áreas urbanas e periurbanas, promovendo espaços de lazer, de so- ciabilidade, de práticas educativas e de exercício da cidadania, por meio dos direitos e das responsabilidades frente ao uso do bem público. Por ou- tro lado, os governos locais enfrentam desafios, como a baixa prioridade desta agenda no contexto político, a falta de compreensão e reconhecimen- to sobre os benefíciose as funções destas áreas, a pressão pela ocupação de áreas verdes para outros fins, além de questões estruturantes dos órgãos gestores como a carência de recursos humanos e financeiros. Neste cenário, as parcerias têm funcionado como um dos principais mecanismos utilizados pelos órgãos gestores para viabilizar serviços de apoio à visitação em UC. Contudo, é importante compreender as parce- rias como um meio para apoiar a gestão das UC e não como um fim em si 132 Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro mesmo ou como uma panaceia para problemas estruturantes destas áreas. Desta forma, a composição de recursos públicos e privados é um elemento crucial para a construção de parcerias. Para que os órgãos gestores ambientais entrem em uma parceria, a sua capacidade institucional deve ser condizente com algumas responsabilida- des, tais como: planejamento e implementação das parcerias; engajamento da sociedade no processo; negociação com diferentes setores; atividades de regulação e monitoramento dos resultados e impacto destas iniciativas para a sociedade, as UC e os territórios. Nesse sentido, tendo em vista os processos de parceria em andamento nas UC municipais do Rio de Janeiro, os mecanismos de controle social devem ser priorizados como forma de engajar diferentes grupos sociais, considerando as realidades plurais no contexto urbano e o apoio público para a manutenção destas áreas. Como perspectivas futuras, é importante compreender o processo de planejamento das parcerias como um momento de aprendizado para os diversos grupos interessados, de prospecção de diferentes modalidades de parcerias e de engajamento da sociedade no apoio ao monitoramento das iniciativas que serão implementadas. Neste sentido, o tempo necessário para o amadurecimento das propostas de parceria irá repercutir na forma como estas iniciativas serão implementadas e apropriadas por parte da so- ciedade, com foco na compreensão sobre os objetivos e os benefícios das parcerias no apoio à gestão das UC municipais. Referências AGÊNCIA BNDES DE NOTÍCIAS. 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Planejamento e Gestão de Sistemas e Planos Municipais de Áreas Protegidas e Áreas Verdes. São Paulo: ICLEI,boa leitura e, sobretudo, uma boa reflexão. Estamos comemorando 25 anos do SNUC. Mas, para chegarmos aos 50 anos cum- prindo os objetivos para os quais o sistema foi criado, precisaremos da contribuição de todas as boas cabeças. A Cidade Maravilhosa tem muito o que contribuir nessa jornada. Pedro da Cunha e Menezes Diretor de Áreas Protegidas Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima Sumário Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade .......................................................... 1 Sônia L. Peixoto | Mariana M. Vale | Carlos Alberto Bernardo Mesquita Julian N. G. Willmer | Clarice Braúna Mendes Capítulo 1: As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ......................... 15 Sônia L. Peixoto | Carlos Alberto Bernardo Mesquita Capítulo 2: O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais ................................................. 55 Sônia L. Peixoto | Lúcia Capanema Alvares Capítulo 3: Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro .................. 83 Sônia L. Peixoto | Carlos E. Quintela Valmir Augusto Detzel | Veronica Beck Capítulo 4: Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Municipais do Rio de Janeiro ............113 Camila Gonçalves de Oliveira Rodrigues Eloise Silveira Botelho | Bianca Rossi Duque Capítulo 5: O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais ...........................................141 Sônia L. Peixoto | Vladimir Franca Fernandes Capítulo 6: Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas .........159 Bernardo Furrer Capítulo 7: Unidades de Conservação e Racismo Ambiental: A Natureza como Território de Disputa no Município do Rio de Janeiro ................................................................................ 187 Rita de Cássia Martins Montezuma Jair Bezerra dos Santos Júnior | Paulo da Silva Santos Capítulo 8: Um Mutirão Verde: O Reflorestamento de Encostas na Cidade do Rio de Janeiro como Política de Transformação de Paisagens e Vidas Humanas ............................213 Jeferson Pecin Bravim | Celso Junius Ferreira Santos Camila de Souza da Rocha | Carlos Alberto Bernardo Mesquita Capítulo 9: Trilha Transcarioca: De Sonho à Realidade, a Natureza Integrando a Cidade ........................................................ 235 Pedro de Castro da Cunha e Menezes | Luciana da Silva Nogueira Ivan Jorge Amaral da Conceição | Diego Douglas Monsores Andrade Eduardo Frederico Cabral de Oliveira | Fabio José Ribeiro do Nascimento Carlos Alberto Bernardo Mesquita Capítulo 10: Identificação dos Fragmentos Florestais para a Conectividade da Paisagem Carioca ...................................... 269 Rhian Medeiros Vieira Soares | Clarice Braúna Mendes Mariana M. Vale Capítulo 11: Serviços Ecossistêmicos Culturais das Unidades de Conservação da Cidade do Rio de Janeiro: O Caso do Parque Bondinho Pão de Açúcar ....................................................... 293 Diego Melo Pereira | Dayvison Rabello Campos Victor Leite de Paula | Yasmin Morais da Silva Evelyn de Souza Lisboa | Stephanny Lima Pereira Bessa Mariana M. Vale Capítulo 12: O Papel das Unidades de Conservação e do Reflorestamento na Redução do Risco de Enchentes na Cidade do Rio de Janeiro ............................................................... 305 Artur Malecha | Clarice Braúna Mendes Yohanny Melo | Stella Manes | Mariana M. Vale Capítulo 13: O Papel das Unidades de Conservação e do Reflorestamento na Atenuação das Ilhas de Calor na Cidade do Rio de Janeiro ....................................................................319 Gabrielle Martins | Clarice Braúna Mendes | Artur Malecha Gustavo Bastos Lyra | André T. C. Dias | Mariana M. Vale Capítulo 14: O Papel dos Habitats Naturais na Proteção Costeira da Cidade do Rio de Janeiro ................................................ 337 Gabrielle Martins | Mariana Mendes | Juliana Argento Clarice Braúna Mendes | Stella Manes | Mariana M. Vale Capítulo 15: Histórias e Perspectivas da Refaunação na Cidade do Rio de Janeiro ................................................................... 351 Marcelo Lopes Rheingantz | Fernando A. S. Fernandez Alexandra dos Santos Pires Capítulo 16: Um Novo Modelo de Gestão para as Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro ................ 369 Sônia L. Peixoto | Simone Pszczol Carlos Alberto Bernardo Mesquita | Mariana M. Vale Mayumi Nakamura | Patrícia Pellizzaro | Angela Pellin Carlos E. Quintela | Rhian Medeiros Vieira Soares Capítulo 17: A Natureza como Fonte de Soluções para os Desafios da Cidade do Rio de Janeiro: Síntese das Recomendações dos Capítulos ........................................................... 387 Clarice Braúna Mendes | Sônia L. Peixoto Mariana M. Vale | Carlos Alberto Bernardo Mesquita 1 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade Sônia L. Peixoto1 Mariana M. Vale2 Carlos Alberto Bernardo Mesquita3 Julian N. G. Willmer4 Clarice Braúna Mendes5 Poucas pessoas se dão conta de que o Rio de Janeiro é um hotspot den- tro de hotspot de biodiversidade. Os chamados hotspots de biodiversidade são regiões do planeta com altíssima biodiversidade, com mais de 75% de perda de sua cobertura vegetal original sendo, portanto, prioridades para a conservação em nível global (MYERS et al., 2000). A Mata Atlântica é um hotspot de biodiversidade típico, combinando altas biodiversidade e taxas de desmatamento. A Figura 1 mostra a diversidade de plantas, formigas, aves, mamíferos e anfíbios na Mata Atlântica. Note que há maior biodiver- sidade na parte central do bioma (cores quentes na Figura 1), justamente onde se encontra o Rio de Janeiro (seta na Figura 1). Há alguns anos, um grupo de cientistas, ambientalistas e membros de organizações não governamentais decidiu refletir sobre as políticas de conser- vação da natureza e as questões relativas às mudanças climáticas na cidade do Rio de Janeiro. A riqueza desta interlocução resultou na proposição da presen- te publicação, não só para tornar públicas as ideias e as reflexões advindas dos 1 Bióloga, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense. 2 Doutora em Ecologia, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 3 Engenheiro Florestal, doutor em Ciências Ambientais e Florestais. 4 Doutor em Ecologia, Pós-Doc da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Doutora em Ecologia e Evolução, Pós-Doc da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade debates, mas para envolver as frações dos primeiros, segundo e terceiro setores na discussão, a partir do entendimento que a conservação da natureza é fun- damental em locais altamente urbanizados e que apresentam altos níveis de diversidade biológica. Tamanha relevância ambiental está associada às Unida- des de Conservação (UCs) cariocas - a cidade com maior número dessas áreas entre as cidades brasileiras -, pelo provimento de serviços ecossistêmicos e sua importância na conservação da diversidade biológica “in situ”. No entanto, os remanescentes naturais da cidade encontram-se ameaçados por problemas derivados da especulação imobiliária, grilagem, pressão da urbanização sobre os recursos naturais, pela baixa interlocu- ção entre as políticas ambientais e as demais políticas públicas setoriais, insegurança urbana, interferências políticas e do capital na gestão, assim como pelos problemas derivados da financeirização do território (PEIXO- TO, 2022; PEIXOTO; CAPANEMA, 2019).2022. 63p. ICMBio - Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 289, de 03 de maio de 2021. Dispõe sobre as normas gerais para o planejamento e a implementação do uso público nas unidades de conservação federais. Diário Oficial da União: Brasília, 2021. 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Planejar está no dia a dia, em diversos campos do conhecimento, e sua importância no campo da proteção ambiental tem avançado nos últimos anos, caso da Se- cretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (FERNANDES, 2022) Várias formas legais são consideradas em relação à proteção dos recursos naturais da cidade do Rio de Janeiro, e a SMAC utiliza a criação de Unidades de Conservação da Natureza (UCs) que, de acordo com Fernandes (2022), se configura como sua principal estratégia. Entretanto, os processos de criação 1 Bióloga, Doutora pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF. 2 Geógrafo, Gerente de Planejamento e Proteção Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro, Mestrando em Geografia pela Universidade Estadual do Ambiente e Especialista em Planejamento e Gestão Ambiental. 142 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais das UCs municipais não se encontravam em consonância com a Lei Federal n0 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - Lei do SNUC. A partir desta lei os procedimentos para criação de UCs começaram a ser sistematizados e ganharam um direcionamento legal. Em 2010, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou o Roteiro para Criação de Unidades de Conservação Municipais, atualizado em 2019, uma iniciativa que colocou à disposição dos municípios uma ferramenta com linguagem acessível de modo a fornecer as orientações necessárias para o processo de criação de UCs em âmbito municipal (DIAS, 2010). Contudo, apesar dos procedimentos para a criação de novas UCs terem sido ordenados e publicizados, várias prefeituras brasileiras ainda criavam essas áreas sem os estudos técnicos pertinentes e audiências públicas. Pelas razões expostas, o este capítulo visa contribuir para formulação de algumas reflexões em relação aos processos de criação das UCs muni- cipais na cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, observa a complexidade em cada uma de suas etapas e a participação dos atores sociais envolvidos por meio de audiências públicas - frações dos primeiro, segundo e terceiro setores -, o que impõe desafios ao corpo técnico da SMAC. 1. Procedimentos para a criação das unidades de conservação municipais Embora o estabelecimento de UCs seja relevante para as políticas pú- blicas que incidem sobre o território citadino, especialmente em relação às políticas ambientais, o Município do Rio de Janeiro possui várias unidades sem os devidos registros comprobatórios de que no processo de criação passaram por procedimentos mínimos que embasassem seus atos legais de constituição, como a elaboração de estudos técnicos e consultas públicas. As exceções foram o Parque Natural Municipal (PNM) da Paisagem Carioca (Decreto Municipal n0 37.231, de 05 de junho de 2013) e a Área de Proteção Ambiental (APA) da Paisagem Carioca (Decreto Municipal n0 37.486, de 05 de agosto de 2013). Ambas as UCs foram criadas pela SMAC por meio da elaboração de estudos técnicos e realização de consulta pública. Mesmo considerando que 60% das UCs municipais tenham sido cria- das antes da promulgação da Lei do SNUC, do ponto de vista do planeja- mento é clara a importância do conhecimento prévio das diversas relações 143 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais existentes em um ambiente natural inserido em malha urbana quando se pretende estabelecer regras de proteção. No caso do Rio de Janeiro, a cida- de abriga em seu território protegido diversas interações entre moradores, visitantes, usuários, povos tradicionais, quilombolas, assim como incidem sobre a gestão das UCs variados interesses de frações do primeiro, segundo e terceiro setores, em especial o imobiliário. Portanto, conhecer tais rela- ções e dialogar com a sociedade pode possibilitar a redução de conflitos futuros entre o ambiente natural, as áreas urbanizadas e as populações localizadas no entorno ou dentro dos limites físicos das UCs. Em 2017, considerando a ausência de procedimentos anteriores da SMAC para a criação de UCs, foi iniciado um estudo desenvolvido por servidores do quadro técnico da SMAC para definição das Áreas de Rele- vante Interesse Ambiental (ARIAS) - relevantes para a criação de UCs -, com os seguintes objetivos básicos: 1. subsidiar a realização de estudos e elaboração de propostas que visem à proteção do patrimônio natural do Município por meio da criação de unidades de conservação e/ou demais instrumen- tos de proteção legal de áreas naturais; 2. elaborar Banco de Dados Geográficos das Áreas de Relevante In- teresse Ambiental; 3. atender ao Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, pu- blicado em 04 de julho de 2017, que definiu como uma de suas metas (M55): “Aumentar a área protegida da cidade em 4.000 hectares até 2020”; e, 4. sistematizar procedimentos e processos para criação de unidades de conservação em observância à legislação que instituiu o Siste- ma Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Quanto ao objetivo 3 (três) ressalta-se que não houve aumento de 4.000 hectares por meio de criação de novas UCs até 2020, tendo em vista que no governo do prefeito Marcelo Crivella nenhuma unidade foi criada. Entretan- to, entre de 2021 a 2024, no governo Eduardo da Costa Paes, foram cridas novas UCs pela Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA) da SMAC, aumentando o território protegido por essas áreas em 6.865 hectares. 144 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais Além do estabelecimento dos objetivos elencados, uma outra ferra- menta de planejamento foi construída pelos servidores da SMAC. Baseada na legislação vigente, e em consonância com o Roteiro Metodológicodo Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2019; 2010), foi proposta a orga- nização, de forma sistemática, dos procedimentos para criação de UCs a partir de 12 (doze) etapas a serem seguidas, desde a identificação das áreas prioritárias para receber proteção até a publicação do ato legal de criação: 1. identificação de áreas frágeis ou de relevância ambiental para proposição de proteção legal; 2. abertura do processo com identificação da demanda (do próprio executivo, do poder legislativo, das organizações não governa- mentais e dos movimentos sociais); 3. avaliação da demanda para a proposição de nova UC; 4. realização de estudos técnicos; 5. definição da categoria de manejo e da proposta de limite preli- minar; 6. consulta aos órgãos e instituições; 7. realização da consulta pública; 8. análise e elaboração de Nota Técnica referente às demandas da consulta pública; 9. elaboração do mapa final da proposta de criação; 10. elaboração de Parecer Técnico; 11. elaboração do Parecer Jurídico; 12. assinatura do ato e publicação. Salienta-se que a organização das informações em ambiente geográfi- co permite a elaboração de políticas ambientais integradas com as demais políticas setoriais do Município. Nestes termos, as ARIAS tornam-se, en- tão, áreas prioritárias no âmbito do planejamento territorial da cidade do Rio de Janeiro, inclusive para recepcionar estudos técnicos que visem à implantação de políticas de proteção ambiental mais efetivas. 145 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais A etapa de identificação dessas ARIAS é sistemática e contínua, re- sultando de análises que utilizam informações mapeadas originárias de estudos produzidos pela própria Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, dentre outras fontes. Para as análises geográficas são sobrepostos mapas de geologia, pedologia, cobertura vegetal, zoneamento urbano, declividade, áreas públicas, corredores verdes prioritários, distribuição populacional, relevo, hidrografia, áreas protegidas, temperaturas máximas (ilhas de ca- lor), bacias hidrográficas, entre outros (FERNADES, 2022). Assim, a definição de uma ARIA se baseia em uma análise multicrité- rio detalhada do território municipal considerando seus principais atribu- tos geoambientais. A definição dessas áreas prioritárias serviria mais tarde como base para outros instrumentos de planejamento da cidade, como por exemplo, o Plano de Desenvolvimento Sustentável, o Código Ambiental e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro (Lei Complementar n0 270, de 16 de janeiro de 2024). De acordo com Fernandes (2022), a etapa posterior ao processo de identificação das ARIAS, e sua inserção no banco de dados geográficos, inicia-se a partir da solicitação do órgão ambiental para que sejam elabo- rados estudos técnicos para definição do instrumento legal que melhor se constitua em relação à relevância, fragilidade ou potencialidade ambiental de determinada área. A solicitação da SMAC para o setor responsável pelo planejamento advém do fato de que a demanda se origina em função de que soluções devem ser buscadas em relação à resolução de algum proble- ma ou questão que entra na agenda governamental (SOUZA, 2007). Destaca-se que à gestão estatal cabe a construção, a execução e a avalição das políticas públicas, inclusive de criação de UCs. Rodrigues (2014) entende que os problemas não são inatos, mas construídos e reconhecidos como tal para entrar na agenda política, denotando certa lógica de escolha que reflete valores sociais preponderantes no contexto temporal e espacial em que estas políticas surgem. Isto significa que a escolha não é inócua ou resultante de um consenso entre as prioridades de sociedade, mas se trata de uma escolha historicizada. Para clarificar o processo, foi formulado o Parecer Técnico, constante do Processo Administrativo “SMAC n0 01/000.906/2019”, propondo a organização do território através da identificação de 12 (doze) ARIAS (Figura 1), que poste- riormente foram hierarquizadas com base em critérios técnicos, com objetivo de auxiliar a SMAC no planejamento das equipes responsáveis pelos estudos: 146 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais ■ atributos ambientais identificados no mapeamento de cobertu- ra florestal; ■ tamanho das ARIAS; ■ grau de conservação definido pelo percentual de áreas com co- bertura florestal em bom estado nas ARIAS; ■ população beneficiada a uma distância de 500 metros (15 minu- tos) no entorno das ARIAS; ■ pressão urbana estabelecida pela perda de cobertura arbóreo ar- bustiva dentro do polígono, entre os anos de 2004 e 2015. A ARIA das Serras de Inhoaíba não passou pela análise dos critérios que definiram a hierarquização. A decisão para que se iniciasse a proposi- ção de criação de uma UC nas Serras de Inhoaíba, Cantagalo e Santa Eu- gênia partiu do órgão ambiental e se deu em função da existência, quando da definição da hierarquização, de estudos avançados para criação de uma UC naquele conjunto de serras. Figura 1: Distribuição das Áreas de Relevante Interesse Ambiental no território municipal. Fonte: Elaborado pelo Geógrafo Vladimir da Franca Fernandes. 147 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais Com o resultado da hierarquização, a ordem de prioridade para ela- boração dos estudos para a criação das UCs é a seguinte: 1ª Área Úmida das Vargens; 2ª Marambaia; 3ª Área Perilagunar das Lagoas da Tijuca e do Camorim; 4ª Vertente do PNT Drenante à Lagoa da Tijuca; 5ª Área Perilagunar das Lagoas de Jacarepaguá; 6ª Gericinó; 7ª Serra da Paciência; 8ª Freguesia da Ilha do Governador; 9ª Florestas de Deodoro; 10ª Serra da Posse; 11ª Morro do Vigário. Assim a SMAC passava a contar com dois instrumentos de apoio ao planejamento para proposição de novas UCs, alinhados à legislação vigen- te, permitindo maior protagonismo do órgão gestor ambiental da cidade em sua atuação em relação às políticas públicas de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais no seu território: 1. definição de áreas prioritárias para criação de UCs, em ordem de prioridade para início dos estudos técnicos; 2. definição de procedimentos técnicos administrativos, em etapas, que permitem o acompanhamento e a documentação de todo processo de implantação das UCs, proporcionando mais trans- parência no monitoramento do processo. Em 2021 foi criada na estrutura organizacional da SMAC a Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA), possibilitando que todas as etapas relacionadas ao planejamento, em suas diversas dimensões e es- calas, agora façam parte da estrutura do órgão gestor ambiental da cidade do Rio de Janeiro. 148 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais 2. Etapas para a criação de unidades de conservação municipais A discussão sobre as ARIAS, e os procedimentos para a criação de UCs municipais, já apresenta importantes avanços como a geração de in- formações para a construção de um Sistema Municipal de Áreas Protegi- das como previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Susten- tável do Município do Rio de Janeiro (Lei Complementar n0 270, de 16 de janeiro de 2024). O Plano estabelece um nível primário de organização e relacionamento entre dois eixos de proteção legal do território (unidades de conservação e outras categorias de proteção mais adequadas ao ambien- te urbano de uma cidade metropolitana). A recente publicação da Resolu- ção SMAC n0 07, de 15 de março de 2024, que institucionalizou as etapas para a criação ou ampliação das unidades, prevê: 1. abertura de Processo Digitalconservação municipais (2021-2024) O fortalecimento do planejamento ambiental teve início a partir de nova estrutura organizacional que criou um setor responsável pelas etapas de criação de áreas protegidas - a Gerência de Planejamento e Proteção Ambiental (GPPA). O novo departamento definiu procedimentos técnicos e metodológicos, alinhados com a legislação ambiental que rege o tema, como a Lei do SNUC e o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP). Estes procedimentos possibilitaram que a SMAC organizasse suas ações de proteção do território de forma sistêmica, englobando referências legais das diversas esferas de governo que interagem com áreas protegidas no território municipal, e participasse na construção e na execução das políticas de uso e ocupação do solo no mesmo nível de protagonismo dos demais órgãos municipais. No período foram criados o Refúgio de Vida Silvestre da Floresta do Camboatá, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Serão Carioca (De- creto Rio n0 49.695, de 27 de outubro de 2021), com 3.247,83 hectares, e o Refúgio da Vida Silvestre (REVIS) dos Campos de Sernambetiba (De- creto Rio n0 50.413, de 18 de março de 2022), com 556 hectares, formando o Mosaico das Vargens. Ainda em 2021 foi criado o Bosque da Memória Alameda Sandra Alvim, importante corredor ecológico demandado por iniciativa da mobilização de moradores e que, a partir de um processo de plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, vem recuperando uma área que integra unidades de conservação no bairro do Recreio. Em 2022, também foram criados a Área de Relevante Interesse Eco- lógico (ARIE) Floresta da Posse (Decreto Municipal n0 50.962, de 08 de junho de 2022), a APA da Serra de Inhoaíba, Cantagalo e Santa Eugênia (Decreto Municipal n0 50.894, de 31 de maio de 2022) e o Santuário Mari- nho da Paisagem Carioca (Decreto Rio nº 51.311, de 17 de agosto de 2022) com 78,84 hectares, que passa a ser uma das primeiras inciativas de pro- teção em área marinha por meio de instrumentos não contemplado na Lei do SNUC. Esta iniciativa fortalece uma nova abordagem do Poder Execu- 153 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais tivo na medida em que joga luz nas áreas marinhas, tão importantes para a conservação da biodiversidade, e amplia a participação da sociedade civil no processo de implementação de áreas protegidas. No mesmo ano tam- bém foram criadas a APA da Serra de Inhoaíba, Cantagalo e Santa Eugênia (Decreto Municipal n0 50.894, de 31 de maio de 2022). Em 2023, a partir de uma demanda dos moradores do bairro do Re- creio dos Bandeirantes, a SMAC iniciou os estudos técnicos para amplia- ção da APA do Areal do Pontal e a criação de um Monumento Natural. O resultado foi apresentado em consulta pública e, até o momento, mais uma UC, o Monumento Natural do Recreio dos Bandeirante (Decreto Munici- pal n0 54.556, de 24 de maio de 2024) foi criada, ampliando para aproxi- madamente 39% o percentual do território municipal protegido. Assim, de 2021 até agosto de 2024 foram protegidos 6.865 hectares por iniciativa do Poder Executivo Municipal (Figura 2). Figura 2: Áreas protegidas pelo Poder Executivo entre os anos de 2021 e 2024. Fonte: Elaborado pelo Geógrafo Vladimir da Franca Fernandes. 5. Os novos desafios para a criação de unidades de conservação Conforme anteriormente mencionado, o Plano Diretor de Desenvol- vimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro (Lei Com- 154 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais plementar n0 270, de 16 de janeiro de 2024) instituiu, no seu artigo 208, o Sistema Municipal de Áreas Protegidas (SMAP) que deverá ser regulamen- tado por ato do Poder Executivo. O SMAP será orientado por princípios que destacam o reconhecimento de sua importância para a conservação da diversidade biológica e sociocultural, e a mitigação dos impactos derivados das mudanças climáticas; a valorização do patrimônio natural e do bem difuso, garantindo os direitos das gerações presentes e futuras; a adoção da abordagem ecossistêmica na gestão das áreas protegidas; a valorização dos aspectos éticos, étnicos, culturais, estéticos e simbólicos da conserva- ção da natureza; a valorização da importância e da complementaridade de todas as categorias de UCs e demais áreas protegidas na conservação da diversidade biológica e cultural; a sustentabilidade técnica e financeira, assegurando continuidade administrativa e gerencial na gestão das áreas protegidas; a promoção da participação, da inclusão social e do exercício da cidadania na gestão das áreas protegidas; dentre outros. No entanto, a constituição de um sistema envolve, para além de legis- lação específica, e o esforço das equipes técnicas do Poder Público, a cons- tituição de um efetivo sistema, operacionalmente integrado. Por exemplo, o projeto “Áreas Protegidas Locais” do ICLEI - Governos Locais para a Sustentabilidade (ICLEI, 2022:30) considera os sistemas de áreas protegi- das, verdes e azuis locais, o que inclui as UCs, como áreas que contribuem para a conservação da natureza, dos territórios tradicionais e das áreas vegetadas e aquáticas destinados ao lazer ou à qualidade da paisagem, en- tre outros. Trata-se de um todo complexo e integrado, além de interativo, dinâmico e evolutivo, com resultados e impactos positivos (esperados). No processo de construção de um efetivo sistema de áreas protegidas alguns aspectos devem ser obrigatoriamente considerados: ■ o conjunto das áreas: função e papel da área protegida no con- junto, incluindo tipos e categorias, o relacionamento com áreas similares, englobando as geridas com outros governos, os tipos de governança (comunidades, privadas, povos indígenas e outros); ■ o conjunto de atividades desenvolvidas (ou que as deveriam ser desenvolvidas): análise das atividades em cada uma das áreas, e as relações entre as demais, com respeito ao estímulo à visitação complementar, ao intercâmbio entre conselhos de gestão e expe- 155 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais riências de movimentos sociais e suas lideranças, incluindo as atividades esportivas interligadas, tendo como norte o que em cada tipo e categoria de área se pode permitir e desenvolver; ■ as relações de cada área com seu entorno: com visitantes e pú- blico de interesse (bairro ou o trecho da cidade), considerando as possibilidades de participação da sociedade nas decisões re- lativas à gestão da área ou em atividades a serem desenvolvidas; ■ a representação ecológica: considerando, no respectivo âmbito de responsabilidade, e à luz da Lei do SNUC, as relações ecoló- gicas entre as áreas como pontos de pouso, alimentação e passa- gem (stepping stones), a conectividade e os corredores ecológicos, a conservação e a estabilidade de bacias hidrográficas, a qualida- de ambiental, a possibilidade do envolvimento de especialistas, de cientistas e da sociedade em geral, por exemplo, por meio do monitoramento participativo, englobando, ainda, das condições ambientais, ecológicas, socioeconômicas e culturais; ■ a governança: no sentido de como se dá a tomada de decisões, incluindo a participação da sociedade na gestão de cada uma das áreas e do seu conjunto, considerando as relações funcionais en- tre elas, seus conselhos, técnicos envolvidos, parcerias (diversas e com vários tipos de atores sociais, formais e informais), de modo a promover a corresponsabilidade na gestão das áreas protegidas e a busca da sua sustentabilidade funcional. Isto compreende a obtenção de orçamentos para custeio e investimentos, gestão de pessoal, incluindo os processos de capacitação e intercâmbios. Também devem ser considerados as interações sociais, ecológi- cas e funcionais entremeadas,o planejamento e os processos de avaliação e prestação de contas à sociedade. Dentre as proposições do ICLEI (2022) está a possibilidade de constru- ção de Planos Diretores do Sistema de Áreas Protegidas contendo objetivos, metas, prazos, responsabilidades, monitoramento e prestação de contas em ciclos de gestão, no âmbito da legislação pertinente. Também devem ser pre- vistas as diretrizes para o fortalecimento das relações intersetoriais e inte- rescalares, para os relacionamentos com comitês, conselhos, comissões, par- 156 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais ceiros, e para as relações entre as secretarias municipais e outras instâncias governamentais, assim como as políticas públicas relacionadas. Atualmente, enquanto não se estabelece um novo modelo de gestão para as UCs e demais áreas protegidas, a SMAC atua formação de “Mosai- cos de Gestão” quando as UCs se encontrarem próximas ou justapostas, e sob a responsabilidade do governo local. O estabelecimento destes mo- saicos está além da formação de um conselho comum para as UCs parti- cipantes, servindo, em tese, para incrementar insumos, prover, agilizar e qualificar processos internos, melhorar as relações de fronteira e as polí- ticas administrativas, resultando na efetiva oferta de produtos para a so- ciedade como a geração de emprego e renda. Os “Mosaicos de Gestão” são utilizados pelo governo local em contexto diferente do Mosaico Carioca de Áreas Protegidas, estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente e Mu- dança do Clima, que atua nas UCs dos três âmbitos de governo. Considerações finais A SMAC, por meio da elaboração de procedimentos para a criação das UCs municipais, contribui para o seu próprio fortalecimento organi- zacional na gestão da natureza da cidade do Rio de Janeiro. O estabeleci- mento de processos e procedimentos, meios e modos, reduz e promove a transparência durante as etapas de criação das UCs, incrementando e qualificando a participação e o controle da sociedade. Apesar do conside- rável avanço na promoção das novas regras, em consonância com a Lei do SNUC, que culminaram com a publicação da Resolução SMAC n0 07, de 15 de março de 2024, algumas reflexões podem ser realizadas. A primeira diz respeito à possibilidade de maior integração da SMAC com o Poder Legislativo quando este propõe a criação de novas UCs, sen- do as propostas legítimas e muitas vezes emergindo de demandas da so- ciedade. No entanto, o processo de criação de UCs envolve procedimen- tos complexos que compreendem estudos e análises multidisciplinares, considerando os aspectos bióticos, abióticos e socioeconômicos, além de toda a expertise e qualificação técnica para consolidar os estudos, elabo- rar memoriais cartográficos descritivos, estabelecer a categoria de manejo mais adequada e promover debates com a sociedade por meio de audiên- 157 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais cias públicas. Em algumas ocasiões as propostas do Poder Legislativo não são subsidiadas por estudos, mas por proposições que eventualmente não encontram ressonância na realidade territorial, inclusive quando as pro- postas já definem a categoria de manejo. Portanto, torna-se fundamental o debate com a Câmara Municipal do Rio de Janeiro para explicitar e comu- nicar sobre os novos processos em vigor para a criação de UCs na cidade. Aliás, em conformidade com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro (2024). A segunda reflexão trata de inclusão dos estudos relativos aos aspec- tos socioeconômicos, não apenas em relação à situação fundiária, mas ana- lisando realidade mais abrangente sobre a população residente na área de inserção da futura UC, como as comunidades mais vulneráveis e demais atores sociais que atuam no território. O engajamento da população desde o início do processo de criação de uma UC pode se reverter no fortaleci- mento da gestão da natureza, fenômeno já observado em outros processos de criação dessas áreas (PEIXOTO, 2022). Portanto, a possibilidade de formulação e publicação de um Decreto Municipal, ou Lei, inserindo as sugestões acima apontadas, possa se cons- tituir em um valioso instrumento para consolidar e inserir novos procedi- mentos, como a realização de estudos sobre os aspectos socioeconômicos, consulta aos órgãos públicos das demais esferas de governo, e novas au- diências públicas caso ocorram mudança nos limites das UCs propostas em uma primeira audiência pública. As propostas encaminhas buscam fortalecer a transparência e o controle social ao processo, de modo a forta- lecer os elos entre o poder público, o poder legislativo e a sociedade. Esta experiência já pôde ser experimentada quando a demanda e a mobilização da sociedade civil encontrou a definição de área prioritária para criação de UCs, identificada pela SMAC, que se somou ao empenho do Poder Legis- lativo Municipal para, através da Lei 7.183/2021, criar o Refúgio de Vida Silvestre da Floresta do Camboatá. Referências DIAS, B. F. S. Apresentação do Secretário de Biodiversidade e Florestas. In: OLIVEIRA, J. C. C. Roteiro para Criação de Unidades de Conservação 158 O Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais Municipais / João Carlos Costa Oliveira, José Henrique Cerqueira Barbosa. – Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, 2010, 7 p. FERNANDES, V.F. Planejamento como Instrumento de Proteção Ambiental do Território: uma abordagem na criação de Unidades de Conservação da Cidade do Rio de Janeiro, mimeo, 2022. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA. Roteiro para criação de unidades de conservação municipais, 2ª ed., 2019, 84p. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA. Roteiro para criação de unidades de conservação municipais, 2010, 72p. PEIXOTO, S. L. “A Influência da Esfera Pública, do Capital e da Sociedade na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro: a biodiversidade calada”. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Rio de Janeiro, 2022, 410p. RODRIGUES, Juliana Nunes. Políticas públicas e geografia: retomada de um debate. GEOUSP - Espaço e Tempo (Online). São Paulo, v.18, n.1, p.152-164, 2014. SOUZA, CELINA. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In G. Hochman, M. Arretche, E. Marques (Org.) Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2007. 159 Capítulo 6: Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas Bernardo Furrer1 Se existe uma unidade de conservação simpática, elogiada e reco- nhecida pela sociedade em geral, tanto no setor público como no privado, como entre experientes ambientalistas ou entre simples simpatizantes e amigos da defesa do meio ambiente, que (quase) ninguém critica ou se opõe quando é criada, portanto sem conflitos, e que é admirada tanto pela sua simples existência, como pelas ações educativas ou mesmo pela divul- gação da sua biodiversidade com imagens curiosas, exóticas ou singelas da sua fauna e flora ou da execução e divulgação de pesquisas científicas rele- vantes no seu território, essa unidade de conservação é a RPPN, a Reserva Particular do Patrimônio Natural. Introdução A Constituição Brasileira no seu capítulo VI, voltado para o meio am- biente, expressa a vontade popular e define as ações do Estado orientadas para as áreas protegidas. O artigo 225 diz textualmente que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e es- sencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi- dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Para assegurarda Na- tureza - Lei do SNUC (Lei n0 9.985/2000), aquele conceito de Parque, na verdade seria mais próximo do conceito atual de uma Área de Proteção Ambiental (APA): “Área em geral extensa, com um certo grau de ocupa- ção humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem estar das po- pulações humanas, tendo como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilida- de do uso dos recursos naturais” Com o tempo, a percepção da necessidade de restrição a certas ati- vidades econômicas que poderiam prejudicar os objetivos da unidade de conservação, fez com que a categorização de Parque fosse melhor definida como de proteção integral, que no conceito UICN seria então uma unidade de proteção mais restritiva, sendo parte das “áreas estritamente protegidas, destinadas a conservar a biodiversidade e, possivelmente, características geológicas/geomorfológicas, onde a visitação, o uso e os impactos huma- nos são limitados e controlados estritamente para garantir a proteção dos valores de conservação. Servem como áreas de referências indispensáveis para pesquisa científica e monitoramento”. Na Lei do SNUC o conceito de Parque é: “Área de preservação de ecos- sistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitan- do a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”, sendo considerada então, definitivamente, de pro- teção integral. Passou-se da liberação desordenada, com pouco ou às vezes nenhum controle efetivado pelos órgãos ambientais, para uma área onde as atividades permitidas estariam claramente definidas e reguladas. O próprio termo unidade de conservação, curiosamente usado ape- nas no Brasil, é decorrente da necessidade de categorização e sistemati- zação das áreas protegidas, num processo que durou algumas décadas, motivado pela grande variedade de biomas do território brasileiro e da sua biodiversidade extraordinária, ameaçada em todos esses biomas. Sua siste- matização ocorreu, como dito anteriormente, em 2000, com a Lei n0 9985. 164 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas Apesar das espécies animais necessitarem de áreas maiores para ga- rantir a sobrevivência das espécies nativas, principalmente as que estão nas camadas superiores da cadeia alimentar, dificilmente suas demandas costumam ser contempladas pelo poder público, principalmente no bioma da Mata Atlântica, onde as áreas de proteção integral vêm diminuindo sua participação em comparação das áreas de uso sustentável, como decor- rência das pressões antrópicas da expansão urbana, do aumento das áreas cultivadas e dos processos industriais. Frequentemente, as iniciativas de criação de áreas de proteção inte- gral colidem com fortes e diversas pressões antrópicas por moradia, agro- pecuária ou áreas de lazer. Quando ocorre a criação de alguma unidade de conservação, seja de proteção integral ou mesmo de uso sustentável, é comum a ocorrência de conflitos com a população local, seja por interesses econômicos legais ou não, sendo esses interesses na maioria das ocasiões representados por políticos influentes sensíveis a essas pressões. No campo da defesa do meio ambiente, essa se dá por grupos frequentemente idealis- tas, que muitas vezes sofrem ameaças até às próprias vidas, como infeliz- mente vemos nos noticiários. Com a preocupação nacional e internacional em relação às mudanças climáticas, essa correlação de forças dá sinais de mudança, mas num ritmo muito aquém das necessidades urgentes das es- pécies ameaçadas. Particularmente no estado do Rio de Janeiro, com a decadência eco- nômica, agrícola e industrial, a ameaça se dá justamente no entorno das áreas preservadas remanescentes, também pelo crescimento e expansão desordenada, motivada pelo interesse turístico e de lazer. A forte especu- lação imobiliária encontra nos próprios órgãos governamentais apoio à sua expansão, seja numa visão imediatista econômica para arrecadação de impostos e taxas, seja para acomodações políticas locais. Paralelamente, grandes extensões de terras das outrora fazendas de gado ou café no inte- rior do estado se encontram semiabandonadas, sendo áreas de potencial interesse e grande importância para o reflorestamento, na perspectiva das demandas da própria Organização das Nações Unidas (ONU), expressa na iniciativa global da década da restauração florestal. 165 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas 3. Histórico das RPPNs O movimento conservacionista em terras privadas inicia-se em 23 de janeiro de 1934 com a instituição das “Florestas Protetoras”, criadas por meio do Decreto n0 23.793, que aprovou o primeiro Código Florestal Brasileiro, garantindo a característica de perenidade da proteção, ainda que numa propriedade privada. O conceito era haver controle do Estado sobre áreas privadas delimitadas, sendo que o Poder Público poderia op- tar por desapropriar ou controlar as florestas protetoras estudadas e reco- nhecidas como imprescindíveis, notificando os proprietários que, a partir desse momento, não poderiam utilizá-las sem a autorização expressa do Serviço Florestal Brasileiro ou de seus agentes delegados nos estados. O Serviço Florestal Brasileiro disciplinou as florestas protetoras, associando- -as a certas destinações, que hoje poderiam ser entendidas como servi- ços ecossistêmicos, principalmente na gestão das águas e na proteção das hoje denominadas Áreas de Preservação Permanente (APP) nas encostas, para garantir às populações locais a quantidade e qualidade da água para o abastecimento sem interrupções. O instituto das “Florestas Protetoras” permaneceu até 1965, quando foi criado o “Código Florestal”, pela Lei n0 4.771, de 14 de setembro de 1965. O Código Florestal de 1965, que foi revogado pela Lei n0 12.651, de 25 de maio de 2012, previa em seu artigo 60: “o proprietário de floresta não preservada, nos termos desta Lei, poderá gravá-la com perpetuidade, des- de que verificada a existência de interesse público, pela autoridade flores- tal. O vínculo constará de termo assinado pela autoridade florestal e será averbado à margem da inscrição no Registro Público”. De acordo com o então Código Florestal, as florestas protetoras eram de conservação constante e, em regra, inalienáveis. Manteve-se a diretriz de que, em propriedades privadas, tais áreas deveriam ser declaradas por ato da União, podendo ser ainda declaradas por atos dos poderes públicos estadual e local, cabendo aos proprietários compensações em razão das limitações impostas pelo regime do instituto. Uma vez reconhecida cer- ta área como floresta protetora, o corte de árvores dentro de seus limites somente seria possível caso houvesse prévia licença da autoridade compe- tente. Um grande passo foi dado para a iniciativa privada na proteção ao ambiente, mas faltava definir o alcance e o escopo da proteção sugerida. 166 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas Em 1977, o então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), do Ministério da Agricultura e encarregado de assuntos relacio- nados às florestas, buscando atender às demandas dos proprietários para proteger da caça as espécies da fauna em suas propriedades, cria os “Refú- gios Particulares de Animais Nativos”, os chamados REPAN. Os REPAN eram uma forma de incentivar a conservação da biodiversidade em pro- priedades privadas, oferecendo aos proprietários benefícios fiscais e outros incentivos. A Portaria n0 327/77 do IBDF, que criou os REPAN, estabeleceu que os proprietários interessados em criar um REPAN deveriam apresen- tar uma proposta ao Instituto, queseria analisada e, se aprovada, o IBDF concederia ao proprietário um “Certificado de REPAN”. Com o conceito de REPAN passou a ser introduzida a noção de que a iniciativa da criação de áreas protegidas em propriedades privadas deixava de ser motivada apenas pelos interesses governamentais e o proprietário daquele território passava a ter papel de criador e gestor reconhecido pela sociedade. Com a Portaria n0 217/88, é estendida a proteção às espécies da flora, com a criação das “Reservas Particulares de Fauna e Flora”. As RPPN estavam a caminho. 4. Criação das RPPNs No Brasil há 1.877 RPPNs protegendo 836.522,6 hectares, segundo dados da Confederação Nacional de Proprietários de RPPNs (CNRPPN, 2024). Esses dados estão mais atualizados do que os dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, onde contam-se 1.319 RPPNs. Considerando que as UCs de uso sustentável no Brasil, segundo da- dos do Instituto Socioambiental, abrangem área de 1.347.626 hectares, e as de proteção integral públicas 12.132.469 hectares, estando aí incluídas as áreas costeiras e marinhas, e considerando a área do Brasil como algo em torno de 831.000.000 hectares, apenas um pequeno percentual está pro- tegido por UC. Descontando as áreas protegidas do Bioma Amazônico, o restante do Brasil conta com menos de 5% de território protegido por UCs, incluindo os biomas que são considerados hotspots (áreas de alta biodiver- sidade e ameaçada) como a Mata Atlântica. 167 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas Se forem excluídos os grandes centros urbanos e as áreas destinadas à agropecuária, resta um contingente expressivo de áreas degradadas ou não, passíveis de se tornarem áreas protegidas. Como esses remanescentes são em grande parte propriedades privadas de pessoas físicas ou jurídi- cas, há espaços territoriais com dimensões muito significativas passíveis de criação de novas RPPNs. Há que destacar que há áreas protegidas fora das UCs, como as Áreas de Preservação Permanente e outras que, apesar de constarem como pro- tegidas, são frequentemente invadidas e descaracterizadas de forma irre- versível, terminando por se consolidar juridicamente. Outro fator de de- gradação é a constante alteração das leis que regulam o meio ambiente e as dificuldades nos parlamentos das três esferas, frequentemente insensí- veis à necessidade de proteção do território, com modificação sempre em detrimento das iniciativas conservacionistas, em relação às iniciativas da especulação imobiliária ou do agronegócio. 5. Enfim as RPPNs Em 1990 foi publicado o Decreto n0 98.914, criando as Reservas Par- ticulares do Patrimônio Natural (RPPNs), quando se buscou adequar as iniciativas privadas de então ao dispositivo da nova Constituição da Repú- blica, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender o meio ambiente, classificado como bem de uso comum do povo, conforme estabelecido no art. 225 da Constituição, como dito anteriormente. Criava- -se então, um novo instrumento para garantir o direito constitucional à vida na sua grande diversidade. O Decreto n0 98.914/1990 foi posteriormente substituído pelo Decreto n0 1.922/1996. Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma categoria de unidade de conservação criada pela iniciativa voluntária de proprietá- rios de terras com o objetivo de conservar a diversidade biológica, as paisa- gens, a beleza cênica e os serviços ambientais que ela produz. São gravadas com perpetuidade na matrícula do imóvel, sendo que o proprietário não perde sua titularidade, melhor dizendo, a sua propriedade. Trata-se da única categoria de UC prevista no Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza (SNUC) que permite a participação 168 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas direta da sociedade civil no processo de ampliação das áreas protegidas. As RPPNs podem ser doadas, herdadas, hipotecadas, vendidas ou des- membradas. No entanto, o gravame de perpetuidade da Reserva perma- necerá, pois o termo de compromisso da RPPN fica averbado à margem da matrícula do imóvel, não impedindo nenhum tipo de alienação. Nos casos de venda da propriedade em questão, a RPPN continua sendo UC particular, apenas com novo titular, para o qual se transferem todos os ônus e obrigações descritos no Artigo 21, da Lei do SNUC, e no Decreto Federal n0 5.746/2006, o qual regulamenta as RPPN atualmente. Portanto, o proprietário deverá averbar no registro do imóvel a área e os limites da RPPN. Dessa forma, os futuros proprietários, em caso de venda, saberão a localização exata dos limites da área da UC. 6. Controvérsia esclarecida: RPPN é de proteção integral Com a Lei do SNUC, as RPPNs passaram a ser categorizadas como unidade de conservação do grupo de uso sustentável. O SNUC dispõe, em seu art. 21, que a Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diver- sidade biológica. § 1o O gravame de que trata este artigo constará de termo de compro- misso assinado perante o órgão ambiental, que verificará a existên- cia de interesse público, e será averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis. § 2o Só poderá ser permitida, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, conforme se dispuser em regulamento: I - a pesquisa científica; II - a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais; III. (VETADO). Em função da necessidade de adequar os procedimentos de criação, gestão e manejo da categoria, foi publicado em 5 de abril de 2006, o De- creto n0 5.746 regulamentando as RPPNs, sendo a primeira categoria de UC regulamentada por decreto após a publicação do SNUC. Há uma con- trovérsia que, apesar de estar esclarecida, ainda é objeto de discussão por 169 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas não ter sido modificada a lei. Na sua criação, as RPPNs têm suas atividades restritas, havendo limitações e proibições que as tornam de fato UC de pro- teção integral, apesar da categorização original como de uso sustentável. Isso se deve à supressão do inciso III, descrito acima, que foi VETA- DO, pois permitia o extrativismo. Esse veto, deixando apenas as ativida- des de pesquisa científica, visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais como as únicas atividades permitidas, caracteriza as RPPNs de fato e de direito como de proteção integral. Atualmente, com a conso- lidação desse entendimento, a tendência predominante no reconhecimen- to das RPPNs estados e municípios é serem classificadas nos atos que as implementem como de proteção integral, dirimindo quaisquer questiona- mentos quanto à natureza do grau de proteção estabelecido. Portanto, dois movimentos paralelos conservacionistas buscavam objetivos convergentes. Um focado inicialmente na resposta pública às de- mandas da sociedade, criando Parques, Reservas etc., em extensões terri- toriais variadas e outro, como resposta privada às mesmas demandas da sociedade, em extensões territoriais muito variáveis, podendo ser consti- tuídas por pessoas físicas ou jurídicas. Com essa nova perspectiva da par- ticipação de outros atores além dos governos na gestão do território, incor- porando conceitos de participação e gestão compartilhada e democrática, as RPPNs passaram a desempenhar a função de ampliar e aprofundar a ação do Estado. O movimento RPPNista passou a complementar e colaborar com as ou- tras UCs, tanto por adicionar caráter de proteção integral se estiver dentro de uma UC de uso sustentável, como garantindo essa proteção no seu entorno, permitindo novos espaços de pesquisa, estabelecendo o acesso às áreas de tu- rismo sustentável, como constarem nos seus planos de manejo, colaborando para garantir a própria finalidade da UC a qual se sobreponha. As RPPNs têm ao menos dupla função. A primeirada preservação em si, incluindo o papel de colaboração com as UCs existentes, aliviando a ne- cessidade de fiscalização e manejo, dificultadas principalmente em períodos de retração econômica ou por eventual desinteresse governamental. Levan- do em consideração que as políticas de preservação ambiental não são do interesse de todas as correntes políticas, assim como a ampliação das áreas protegidas, a intervenção direta do proprietário, num processo consciente e 170 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas de propagação das práticas de preservação, principalmente nesses períodos, se reveste ainda de maior relevância, pois passa a cumprir o papel que seria do Estado. Outra função é que as RPPNs podem realizar atividades diver- sas de acordo com o plano de manejo, como turismo, pesquisa científica, atividades culturais, reflorestamento etc., complementando o setor público nessas funções. Portanto, uma função decorrente da sua simples existência e outra do grau de atividades em conjunto com a sociedade. De forma genérica, as UCs de uso sustentável garantem a proteção de um território, estabelecendo os critérios de sua utilização por meio do seu Zoneamento. Mas não têm e nem podem ter no seu escopo o estabe- lecimento do manejo das atividades nas propriedades inseridas nessa UC. As RPPNs podem fazer esse manejo de forma organizada e coordenada com os interesses da própria UC. Neste sentido, a RPPNs oferecem uma capilaridade de proteção às terras privadas e, ao mesmo tempo, facilitam o desenvolvimento de mentalidade conservacionista pela sua difusão entre os proprietários de terra e a sociedade em geral. Com o advento da Lei do SNUC e do Decreto n0 5.746/2006 foram criadas muitas RPPNs na alçada federal, sendo essa esfera a única que por muitos anos possibilitava a sua criação. No decorrer do tempo, visando buscar maior agilidade e desburocratização e, consequentemente, demo- cratizando o processo de criação, surgiram as RPPNs reconhecidas pelos governos estaduais e por prefeituras municipais. 7. RPPNs reconhecidas por governos estaduais A partir de 1993, apenas três anos após a criação das RPPNs e antes da própria Lei do SNUC, diversos estados criaram leis permitindo o re- conhecimento de RPPN na esfera estadual, pavimentando um caminho outrora difícil, em função das facilidades de comunicação com os órgãos ambientais e a facilitação da tramitação do então complexo processo de criação. A evolução da compreensão das reais necessidades para a criação de uma RPPN levou à descentralização da sua autorização, demonstrando o dinamismo do processo e a flexibilidade da sua conceituação. 171 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas A descentralização no processo de reconhecimento de RPPNs foi pre- vista expressamente no Decreto n0 1.922/1996 e recepcionada pelo SNUC que, em seu art. 30, dispõe: O Sistema Nacional de Unidades de Conservação de Natureza - SNUC - é constituído pelo conjunto de unidades de conser- vação federais, estaduais e municipais, de acordo com o disposto nesta Lei. As UCs públicas no estado do Rio têm sido criadas em ritmo aquém da urgente necessidade da preservação da biodiversidade. As muitas espé- cies ameaçadas de extinção têm urgência de território protegido para que saiam ou evitem essa condição. As legislações que regulamentaram as RPPNs em âmbito estadual tendem a manter o previsto na legislação federal para os procedimentos de criação, mantendo suas finalidades e recompensas, tais como os usos per- mitidos, a isenção do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), a limitação da área destinada à recuperação que poderá integrar uma RPPN, a necessidade de plano de manejo, a permissão para a pesquisa científica, a soltura de animais silvestres e a priorização nas análises para concessão de recursos dos fundos de meio ambiente. O Decreto Estadual n0 40.909, de 17 de agosto de 2007, estabeleceu critérios e procedimentos administrativos para a criação de RPPNs, dispondo em âmbito estadual os procedimentos para a criação dessas reservas particulares. Há no estado do Rio de Janeiro 68 RPPNs (6.079 hectares) reconheci- das pela União e 114 reconhecidas pelo governo estadual (9.266 hectares), além de 17 RPPNs reconhecidas por prefeituras, numa evidente tendência de deslocamento do eixo de criação para o órgão ambiental mais próximo do território e do proprietário, possivelmente num processo aperfeiçoado e menos burocratizado. O pequeno número de RPPNs reconhecidas na esfera municipal reflete mais a pouca sensibilidade do poder público na elaboração de legislação própria para as RPPNs do que a real necessidade da sua criação. Segundo dados do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), aproximadamente 0,5 % do território do estado é protegido pelas RPPNs. Mais de 76 % das RPPNs possui menos de 50 hectares. Apenas 15 % das RPPNs são maiores que 100 hectares, correspondendo a mais de 40 % da área total protegida por esse tipo de UC. No estado do Rio, segundo o INEA, 1.348.711,86 hectares são catego- rizados como unidades de conservação, excluídas as municipais, configu- rando um total de 7,85% da área total do estado. É um percentual pequeno 172 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas e há necessidade de aprimorar e agilizar o processo de criação e implanta- ção de novas UCs, numa proporção que garanta a biodiversidade. Lamentavelmente, UCs públicas nem sempre estão plenamente im- plementadas, com gestão planejada e conselhos constituídos, sendo fre- quente a criação de verdadeiras UCs “fantasmas”, principalmente na esfera municipal, criadas para que o município possa arrecadar maior percentual de repasse do ICMS Ecológico, uma óbvia distorção. Não é raro que nem delimitação definida tenham. O incentivo do ICMS Ecológico tem a importante colaboração das RPPNs no aumento da pontuação e no consequente retorno financeiro para o município para a gestão ambiental, motivo da sua criação. Essa participa- ção deveria implicar no apoio àquela UC para a sua função pretendida como área efetivamente preservada, com a parceria e apoio municipal nos cuida- dos que são obrigação do proprietário, facilitando e desonerando a gestão. A simples existência da RPPNs ajuda a garantir sua finalidade maior, mas infelizmente apesar de previsto na elaboração da lei estadual, o repas- se às RPPNs até da própria fração gerada por elas, ocorre em poucos muni- cípios e em percentuais muito menores que o previsto na concepção da lei estadual, por necessitarem de regulação municipal. Poucos municípios ti- veram a sensibilidade e a consciência do benefício à preservação ambiental proporcionada pelas RPPNs, facilitando sua criação e/ou sustentabilidade, o que gera desmotivação para a criação de novas RPPNs. Isso evidencia o grande valor da iniciativa voluntária e onerosa dos proprietários de terras que criam as RPPNs. Para haver a devida sustentabilidade e não haver a dependência exclu- siva da forte motivação pessoal, um fator esgotável, o Estado em todas as esferas deveria criar incentivos e desoneração para o estímulo aos proprie- tários. As RPPNs por sua função pública, devem ter o reconhecimento e o retorno material da sociedade para prosseguir seu crescimento numérico e territorial, garantindo seus objetivos. As RPPNs ocupam um lugar estratégico para a conservação da bio- diversidade no estado do Rio de Janeiro. Grandes territórios carecem de proteção apesar de estarem em áreas prioritárias tanto para a conservação, como para a restauração. Em área total, as UCs federais públicas ocupam o maior espaço, seguidas pelas UCs públicas estaduais. Ao mesmo tempo e talvez não por coincidência ou acaso, há um aumento do número e con- 173 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação deNeste contexto, entende-se que a gestão das UCs municipais é complexa e envolve um leque de variáveis (ver Capítulo 1: As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro). Figura 1: Biodiversidade da Mata Atlântica e a cidade do Rio de Janeiro. 3 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade Apesar da complexidade da relação natureza-cidade, alguns exem- plos de inovação e boas práticas em gestão de áreas protegidas podem ser observadas nas publicações que resultam dos Congressos sobre Parques Nacionais e outras Áreas Protegidas, e suas Resoluções, promovidos pela The International Union for Conservation of Nature - IUCN, dos quais o Brasil tem participado ativamente. Nesses termos, entende-se a relevância de se discutir os processos de criação, planejamento e gestão das UCs municipais, não só pela problemática contida na relação natureza-cidade, mas sobretudo em função dos desafios e potenciais para se alcançar uma gestão de excelência dessas áreas. Informa- ções derivadas de estudos globais indicam que as áreas protegidas localiza- das em ambientes urbanos, sobretudo as administradas por governos locais, apresentam maiores dificuldades em sua gestão do que aquelas localizadas em áreas rurais ou remotas (DUDLEY, 2008). Esta dificuldade impacta na aplicação dos princípios básicos para a gestão participativa, com controle social, transparência e prestação de contas, o que indica a necessidade de se ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a organização responsável pelas UCs municipais, e sua influência na efetividade de gestão dessas áreas (ver Capítulo 2: O Papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima na Efetividade da Gestão das Unidades de Conservação Municipais). Para o enfrentamento dos desafios, as UCs necessitam da locação adequada de recursos financeiros. Neste sentido, deve ser considerada a elaboração de Planos de Sustentabilidade Financeira que considere não apenas as fontes orçamentárias, como os recursos monetários advindos do ICMS Ecológico, mas também os recursos não orçamentários, como os derivados do Fundo de Compensação Ambiental do Governo do Estado do Rio de Janeiro, as medidas compensatórias e os recursos aportados por meio de fontes nacionais e internacionais, dentre outras possibilidades (ver Capítulo 3: Sustentabilidade Financeira das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro). Contudo, outras formas de apoio à gestão podem ser consideradas, como a efetivação de parcerias, por meio de novos arranjos institucionais, que podem auxiliar na execução das atividades de educação ambiental, de lazer e turismo, de manejo de espécies exóticas, de integração com as co- munidades e outros programas de manejo (ver Capítulo 4: Parcerias para a Promoção do Lazer e do Turismo em Unidades de Conservação Munici- 4 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade pais do Rio de Janeiro). A gestão compartilhada com Organizações da So- ciedade Civil de Interesse Público (OCIP), e com órgãos de diferentes âm- bitos governamentais, também pode auxiliar no fortalecimento gerencial das UCs, iniciativa prevista no Decreto n0 4.340/2022, que regulamenta a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC (Lei n0 9.985/2000). Assim, as parcerias podem se constituir em um valioso instrumento de política pública para a conservação da natureza. Outra ferramenta fundamental para a proteção do território citadi- no é o planejamento para a criação de UCs. Diante da importância de re- gras claras e procedimentos públicos que orientem a constituição de novas UCs, o Capítulo 5: O Planejamento como Instrumento de Proteção Am- biental do Território: Uma Nova Abordagem na Criação de Unidades de Conservação Municipais discute os avanços promovidos pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro no processo de criação de UCs, posto que mes- mo após a promulgação da Lei do SNUC várias UCs municipais cariocas foram estabelecidas sem estudos técnicos e audiência pública, conforme preconiza a referida Lei. Além disso, as categorias de manejo existentes na cidade, em sua imensa maioria, são constituídas por Parques Naturais Mu- nicipais e Áreas de Proteção Ambiental, mas até o momento não existem Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) estabelecidas pelo governo municipal do Rio (ver Capítulo 6: Reserva Particular do Patrimô- nio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Prote- gidas). As vantagens da criação municipal de RPPN são inúmeras, desde a ampliação do território protegido até o engajamento privado na luta pela conservação da biodiversidade, o que oferece um incremento da proteção territorial em relação ao avanço da urbanização e o aumento da oferta de serviços ecossistêmicos para a população local. Apesar das possibilidades já elencadas para o fortalecimento da ges- tão das UCs, a cidade do Rio de Janeiro se depara como novos entraves quando a natureza é reconhecida como objeto de desejo, passando a ser palco de disputa e de conflitos no território urbano (ver Capítulo 7: Uni- dades de Conservação e Racismo Ambiental: A Natureza como Território de Disputa no Município do Rio de Janeiro). Desigualdades sociais são ob- servadas na cidade, inclusive com marcadores de cor/raça e renda, e esta situação pode se apresentar como palco para mais conflitos entre natureza e sociedade. O capítulo discute a correlação existente entre o racismo am- 5 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade biental e a conservação da natureza, e como a criação de UCs pode atuar um fator de segregação social e as formas de enfrentar estes desafios. Todavia, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro possui um programa exitoso, com 33 anos de existência, que também contribui com a geração de trabalho e renda para as populações localizadas em comunidades (ver Capí- tulo 8: Um Mutirão Verde: O Reflorestamento de Encostas na Cidade do Rio de Janeiro como Política de Transformação de Paisagens e Vidas humanas). O Programa Mutirão Reflorestamento, iniciado em 1987, realiza o plantio remunerado de encostas e manguezais em parceria com as associações co- munitárias, tendo plantado mais de 10 milhões de mudas em 3,4 hectares, e envolvido mais de 15 mil moradores no processo6. Outra iniciativa exitosa, e que agrega ambientalistas e voluntários, é a Trilha Transcarioca (ver Capí- tulo 9: Trilha Transcarioca: De Sonho à Realidade, a Natureza Integrando a Cidade). A Trilha atravessa a cidade do Rio de Janeiro, por meio de um percurso de aproximadamente 180 Km, de Barra de Guaratiba até o Monu- mento Natural dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, passando por várias UCs de todas as esferas de governo e agregando inúmeros voluntários na realização do seu manejo. Porém, a trilha por vezes enfrenta oscilação de recursos monetários e de pessoal para a sua manutenção e operacionalidade. A cidade do Rio de Janeiro tem uma paisagem singular. Apesar de ser a segunda maior cidade do Brasil em termos de tamanho populacio- nal, com cerca de 6 milhões de habitantes, ainda mantém 28% de sua área coberta por florestas. A maior parte desta cobertura florestal se encontra nos maciços da Pedra Branca e da Tijuca, dentre as maiores florestas ur- banas do mundo, mas apresentando uma miríade de pequenos fragmentos florestais espalhados pelo município. Esses pequenos fragmentos também são importantes para a biodiversidade, pois mantêm populações de espé- cies comuns de animais e plantas, especialmente de animais de pequeno porte, além de funcionarem como “pontos de passagem” para animais maiores que precisam transitar entre os grandes fragmentos da paisagem carioca (ver Capítulo 10: Identificação dos Fragmentos Florestais para a Conectividade da Paisagem Carioca). Como já mencionado, a cobertura florestal do Rio de Janeiro, no en- tanto,Áreas Protegidas sequente valorização das RPPNs como candidatas a ocupar um espaço nas iniciativas de criação das novas UCs. As características de uma RPPN contribuem de forma singular. Seu tamanho, apesar de em geral serem bem menores que as APAs e Parques, permitem maior contato e consequente trocas com o seu entorno e com o conjunto da sociedade, tanto na conservação como nas iniciativas edu- cacionais e de pesquisa. Isso pode ter efeito multiplicador do impacto na sua função pública. Outro dado importante é a possibilidade da criação de futuros corredores ecológicos próximos à outras UC, inclusive Parques, APAs e até outras RPPNs. A pulverização territorial das RPPNs permite que fragmentos de biomas possam manter suas características originais, funcionando como ilhas que no futuro poderão estar conectadas com ou- tras UCs já criadas ou que venham a ser criadas, que podem não possuir capacidade de suporte para a manutenção genética de populações viáveis de espécies de animais e plantas, especialmente espécies de grande porte e de topo de cadeia alimentar, mas que podem contribuir para que isso ocorra numa perspectiva futura, com a área total somada. Além disso, áreas maiores possuem geralmente maior diversidade de habitats, o que se traduz em maior biodiversidade. Assim, é importante fomentar a criação de UCs principalmente em grandes áreas. Além disso, é interessante que as RPPNs estejam próximas de outras áreas protegidas, para facilitar o fluxo gênico entre populações de animais e plantas das RPPNs e de outras UCs. Apesar de em geral serem menores, a possibilidade da inserção em Mosaicos de UCs pode trazer como consequência o aumento total do ter- ritório protegido, potencializando suas ações e importância, colaborando na garantia à biodiversidade. Além disso, a criação desses mosaicos pode facilitar o diálogo e as iniciativas com os diversos órgãos ambientais em to- das as esferas e com universidades e centros de pesquisa nacionais e inter- nacionais, ampliando as redes de colaboração. Outra vantagem das RPPNs é que sua gestão se dá pelo proprietário, que o faz por livre iniciativa, per- mitindo que o Estado aloque recursos de fiscalização em outras áreas, sem necessidade de abrir mão do controle via fiscalização e implantação dos diversos planos de manejo. As RPPNs devem ser vistas não como substitu- tas das iniciativas do poder público, mas como complementares, podendo servir até como apoio tanto no campo material como na elaboração e coor- denação das políticas públicas ambientais. 174 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas 8. As RPPNs reconhecidas pelas prefeituras: seguindo a tendência natural de descentralização No bioma Mata Atlântica, estudos indicam que cerca de 80% dos remanescentes florestais estão em mãos de proprietários privados. Neste contexto, as RPPNs são fundamentais para a proteção da biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos, e as RPPNs se situam, vale lem- brar, em última instância, no território municipal. Neste contexto, muitos municípios brasileiros possuem legislação reconhecendo e criando RPPNs. É o caso de capitais como São Paulo e Curitiba, assim como cidades do in- terior do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul e outros. O município pioneiro na aprovação de lei para reconhecimento de RPPNs foi Bauru, no Estado de São Paulo, por meio da Lei Municipal n0 4.679, de 18 de maio de 2001. Há consenso em formação de que quanto mais descentralizada a cria- ção de uma RPPN haverá maior intimidade com o processo elaborativo e agilidade no cumprimento das exigências legais, técnicas etc., pelos pro- prietários de terras junto aos órgãos governamentais. Isso facilita o cum- primento dessas exigências e provoca o poder público a criar facilidades como incentivos via pagamento por serviços ambientais, isenção de IPTU, isenção do ITR da área da RPPN (que já vigora), e utilização de meca- nismos como a transferência do potencial construtivo facilitando muito a criação de RPPNs urbanas, a colaboração na elaboração de planos de manejo, memoriais descritivos, georreferenciamento e, principalmente, a participação conjunta na execução das diversas etapas processuais. As RPPNs reconhecidas pelas prefeituras também têm a vantagem de maior proximidade com o órgão ambiental, favorecendo a gestão, colaborando na busca de incentivos e parcerias, fazendo com que o setor público passe a ser um agente ativo e dinâmico de colaboração. Pelas características territoriais, jurídicas e sociais, as RPPNs têm ób- vio caráter local, sendo a legislação que permite seu reconhecimento pelas prefeituras um importante facilitador para sua concretização. O estado do Rio tem alguns municípios com leis específicas para RPPNs, que podem servir de exemplo e modelo para novos municípios aderirem a essa impor- tante iniciativa: 175 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas ■ Natividade: Lei Municipal n0 01 de 29/04/10 ■ Resende: Lei Municipal n0 4.502 de 09/06/09 ■ Miguel Pereira: Lei Municipal n0 2.053, de 22/08/05 ■ Petrópolis: Decreto Municipal n0 49, de 03/05/05 ■ Quissamã: Lei Municipal n0 925, de 19/12/06 ■ Miracema: Decreto Municipal n0 169, de 13/08/09 ■ Rio Claro: Lei Municipal n0 486, de 01/07/10 ■ Varre-Sai: Lei Municipal n0 570, de 10/11/10 ■ Eng. Paulo de Frontin: Lei Municipal n0 752/2006 ■ Aperibé: Lei Municipal n0 506, de 26/12/2011 9. Desafios para as RPPNs Diante de tantos benefícios para a biodiversidade e, consequentemente para a sociedade, sabendo dos benefícios que podem trazer nas áreas da educa- ção, da pesquisa científica, da garantia da manutenção dos recursos hídricos, da sustentabilidade econômica gerando empregos com turismo, respeitando os limites da legislação e dos seus planos de manejo, devemos nos perguntar quais os impeditivos, então, para a criação de mais RPPNs, dada a potenciali- dade da sua criação em vastos territórios e de tão evidente importância. Manter áreas conservadas e garantir a permanência dos processos ecológicos exige monitoramento, sinalização, articulação com órgãos pú- blicos e comunidades do entorno, ações efetivas para coibir caça, invasão, desmatamento, incêndios florestais e outros custos, além dos da sua pró- pria criação. A preservação de áreas privadas beneficia toda a coletividade, mas resta exclusivamente ao proprietário da área arcar com os custos para garantir a criação e manutenção desse ativo ambiental. Temos duas dificuldades essenciais: uma é de natureza pessoal, da per- cepção do proprietário da sua real importância num contexto de preserva- ção, com o desconhecimento do alcance do status legal da propriedade, fre- quentemente confundido como perda da posse, do destino da terra e até da 176 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas própria propriedade. Outra dificuldade é de natureza econômica, tanto para viabilizar a criação, quanto para garantir sua manutenção e sustentabilidade. Do ponto de vista pessoal do proprietário há grande variação de inter- pretações de acordo com as particularidades em questão, como o histórico familiar da propriedade, sua função econômica familiar, assim como dos objetivos desejados para os futuros herdeiros daquela propriedade. O co- nhecimento do real alcance jurídico da posse e propriedade da terra deve, portanto, ser objeto de campanhas educativas permanentes, coordenadas tanto pelos órgãos ambientais como pelas associações de RPPNistas, que têm grande conhecimento das particularidades de cada situação, frequen- temente dirimindo as dúvidas através da sua experiência pessoal e coletiva. Os proprietários de RPPNs vêm se organizando em torno de asso- ciações tanto a nível federal, com a Confederação Nacional de RPPNs (CNRPPN), quanto nos estados. No Rio de Janeiro, temos anão é importante apenas para a manutenção da biodiversidade da 6 Disponível em https://novamata.org/iniciativa/refloresta-rio/. Acesso em: 07 ago. 2024. 6 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade cidade, mas também tem papel fundamental na provisão de serviços ecos- sistêmicos para a sociedade. Os serviços ecossistêmicos são os benefícios que a natureza fornece para a sociedade, com consequências mensuráveis para a saúde, a economia e o bem-estar humanos. A exposição aos am- bientes naturais traz diversos benefícios para a saúde mental e física de crianças e adultos, por meio do relaxamento mental e das atividades físi- cas propiciadas pelas UCs, especialmente em áreas urbanas. Além disso, a interação com a natureza melhora funções cognitivas, e facilita interações sociais, fortalecendo o senso de comunidade (ver Capítulo 11: Serviços Ecossistêmicos Culturais das Unidades de Conservação da Cidade do Rio de Janeiro: O Caso do Parque Bondinho Pão de Açúcar). A existência de cobertura florestal também tem um papel fundamen- tal na redução do risco de alagamentos durante eventos de chuva forte. A vegetação atua como uma esponja, fazendo com que a água das chuvas seja rapidamente absorvida pelo solo, evitando que se acumule causando alagamentos em áreas urbanas. As florestas do Rio de Janeiro reduzem em 20% o risco de alagamento na cidade em eventos de chuva forte, que têm se tornado mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas (ver Capítulo 12: O Papel das Unidades de Conservação e do Reflorestamento na Redução do Risco de Enchentes na Cidade do Rio de Janeiro). Um outro serviço ecossistêmico com benefícios diretos para a sociedade é a redução da ilha de calor, um fenômeno no qual a área urbana é significativamente mais quente do que o entorno. No Rio de Janeiro, a perda da cobertura florestal existente aumentaria a temperatura da cidade em até 4ºC (ver Ca- pítulo 13: O Papel das Unidades de Conservação e do Reflorestamento na Atenuação das Ilhas de Calor na Cidade do Rio de Janeiro). Para além das florestas, os habitats costeiros como manguezais e restingas também fornecem importantes serviços ecossistêmicos, notada- mente na proteção da costa contra o aumento do nível do mar, e eventos climáticos extremos associados com as mudanças climáticas em andamen- to, como, por exemplo, inundações ocasionadas pelas alterações bruscas em regimes de marés. Infelizmente, a cidade do Rio de Janeiro já perdeu cerca de 83% de seus habitats costeiros, um reflexo da sua ocupação urbana inicial nas regiões do Centro e da Zona Sul. Os habitats costeiros remanes- centes, no entanto, possuem um valor de proteção costeira significativo, pois perdê-los aumentaria em 6 vezes o risco costeiro da cidade (ver Capí- 7 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade tulo 14: O Papel dos Habitats Naturais na Proteção Costeira da Cidade do Rio de Janeiro). Outros serviços ecossistêmicos beneficiam a sociedade de forma mais indireta como, por exemplo, a dispersão de sementes e a polinização feita pelos animais que vivem nas florestas, mantendo-as saudáveis, que por sua vez nos beneficia através dos serviços de redução das ilhas de calor e riscos de inundação. Na cidade do Rio de Janeiro, apesar da considerável cober- tura florestal, o longo histórico de degradação fez com que suas florestas perdessem muitas espécies importantes da fauna e com elas serviços ecos- sistêmicos indiretos. O projeto REFAUNA tem buscado reestabelecer esses serviços ecossistêmicos por meio da reintrodução de bons dispersores de sementes que foram extintos nas florestas cariocas, em geral pela caça ou captura para o tráfico de animais silvestres, como as cutias, os bugios e os jabutis (ver Capítulo 15: Histórias e Perspectivas da Refaunação na Cidade do Rio de Janeiro). A maioria dos serviços ecossistêmicos mencionados acima podem ser entendidos como Soluções baseadas na Natureza (SbN) para problemas em áreas urbanas agravados pelas mudanças climáticas. As SbN são aborda- gens que utilizam processos naturais e ecossistemas para resolver desafios humanos, beneficiando a natureza e a sociedade ao mesmo tempo. As SbN estão ganhando destaque como estratégias fundamentais para o enfrenta- mento das mudanças globais, oferecendo a vantagem de gerar benefícios adicionais nas esferas ambiental, social e econômica, em comparação com soluções puramente tecnológicas, ou soluções “cinza”. Quando aplicadas especificamente à adaptação climática, ou seja, ações para aumentar a re- siliência das pessoas às mudanças do clima, as SbN são também chamadas de “adaptação baseada em ecossistemas”. As SbN têm grande potencial de redução dos impactos negativos das mudanças do clima e de aumento da resiliência dos sistemas naturais e humanos, capazes assim de fornecer benefícios para as pessoas (MANES et al., 2022). Em áreas urbanas, a manutenção de áreas verdes é uma SbN para diversos desafios tipicamente urbanos. Dada a enorme pressão imobi- liária característica de áreas urbanas, as UCs são uma forma de garantir a manutenção da cobertura vegetal remanescente nas cidades a longo prazo. Essa cobertura está distribuída de forma variável nas cinco Áreas de Pla- nejamento (AP) da cidade, sendo protegida de forma desigual pelas UCs 8 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade municipais. A Figura 2 apresenta o número de UCs municipais por AP sem considerar as criadas em áreas totalmente urbanizadas e/ou que não apresentam seus limites geográficos definidos. Figura 2: Caracterização da cobertura natural, e sua rede de proteção, na cidade do Rio de Janeiro. Nota-se que a quantidade de cobertura vegetal remanescente e o número de UCs municipais em cada AP são muito distintos, sendo um reflexo dos pa- drões de ocupação histórico-sociais e da evolução da política ambiental na ci- dade. As diferentes AP são representadas pelos contornos e boxes de diferentes cores. Destacado em amarelo, encontram-se as Áreas Prioritárias para Criação de Unidades de Conservação (ARIAS), propostas pela SMAC: (1) Área Úmida das Vargens, (2) Marambaia, (3) Área Perilagunar das Lagoas da Tijuca e do Camorim, (4) Vertente do Parque Nacional da Tijuca drenante à Lagoa da Ti- juca, (5) Área Perilagunar das Lagoas de Jacarepaguá, (6) Gericinó, (7) Serra da Paciência, (8) Freguesia da Ilha do Governador, (9) Florestas de Deodoro, (10) Serra da Posse, (11) Morro do Vigário e (12) Serras de Inhoaíba7. 7 Dados modificados a partir de https://www.data.rio/ e acervo da SMAC. 9 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade As AP são consideradas unidades territoriais para planejamento ur- bano e foram, assim como as Regiões de Planejamento (RP), primeiramen- te propostas pelos Decretos nº 3157 e nº 3158 de 23 de julho de 1981, sendo sucessivamente revistas e modificadas nas décadas seguintes. Hoje, as AP possuem um recorte territorial que abarca os limites das bacias hidrográ- ficas da cidade, o que representa uma vantagem em termos ambientais, de saneamento e de gestão da paisagem, promovendo maior interface en- tre o planejamento e a gestão da política urbana e das políticas setoriais complementares (SMU, 2018). Cada uma das AP possui características de compartimentação ambiental, histórico-geográficas e de uso e ocupação do solo únicas, a saber (SMU, 2018): AP1: contempla bairros como a Gamboa, Lapa, Estácio, São Cristóvão, Paquetá e Santa Teresa. Primeiro vetor histórico de ocupação ur- bana com a maior parte dos postos de emprego e de serviços da cidade, sendo a área de menor cobertura natural e menor nú- mero de UCs municipais. Sofre um processo de esvaziamento populacional, com modificações de uso do solo compreendendo a conversão de terrenos para uso de comércio e serviços; as gran- des modificações de uso no Caju e Cidade Nova;a conversão para uso residencial comercial e de interesse social (Programa Minha Casa, Minha Vida); e as ações de reflorestamentos em Santa Te- resa e São Cristóvão. Possui a maior distribuição de equipamen- tos culturais por população residente e o maior percentual de área ocupada por praças da cidade; AP2: contém bairros da Zona Sul e Norte da cidade, como Botafogo, Copacabana, Ipanema, Rocinha, Tijuca e Vila Isabel. Historica- mente, o padrão de ocupação urbana acompanhou a expansão das linhas de bondes a partir do centro da cidade. Também pos- sui grande importância no setor de criação de empregos e ser- viços, mas de maneira menos impactante à cobertura vegetal, já que abriga o maior número de UCs municipais da cidade. Nesta AP, destacam-se as ações de reflorestamento na Tijuca, Andaraí e Grajaú e a ocupação de uma grande área na Avenida Francisco Bicalho, ao lado da estação desativada da antiga Estrada de Fer- ro Leopoldina Railway, para implantação da fábrica de aduelas 10 Introdução: A Cidade do Rio de Janeiro: Hotspot Dentro de um Hotspot de Biodiversidade da Linha 4 do Metrô. Os idosos nesta AP possuem incremento expressivo no peso percentual da população, enquanto os jovens apresentam redução neste peso; AP3: possui bairros como Bonsucesso, Maré, Méier, Jacarezinho, Ira- já, Madureira, Inhaúma, Complexo do Alemão, Penha, Jardim América, Guadalupe, Pavuna e Ilha do Governador. AP mais populosa e com o maior número de pessoas residentes em fave- las em termos absolutos, sua expansão remonta à construção das linhas de trens a partir do centro da cidade. Contém 63 bairros com menos de 1% de cobertura de Mata Atlântica e apenas 5 UCs municipais. Há grande variedade de mudanças no uso do solo, marcadas pela conversão de áreas não urbanizadas em usos de comércio e serviços (ex.: na Ilha do Governador, com a Expan- são do Aeroporto do Galeão); a conversão para uso residencial, sobretudo o multifamiliar; a conversão para uso residencial de interesse social em Triagem, e a conversão para áreas de lazer e recreação (Implantação do Parque Madureira). É a AP com maior número de domicílios vulneráveis à pobreza (renda per capitaDUDLEY, N. Directrices para la aplicación de las categorias de gestão de áreas protegidas. Gland, Suiça: IUCN, 2008. MANES, S., VALE, M. M., MALECHA, A., & PIRES, A. P. (2022). Nature- based solutions promote climate change adaptation safeguarding ecosystem services. Ecosystem Services, 55, 101439. MILLENIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. Ecosystems and human well- being: biodiversity synthesis. Island Press, Washington, US, 2005, 86 p. MYERS, N., MITTERMEIER, R. A., MITTERMEIER, C. G., FONSECA, G. A. B.; KENT, J (2000). Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403, 853-858. PEIXOTO, S. L. “A Influência da Esfera Pública, do Capital e da Sociedade na Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro: a biodiversidade calada”. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Rio de Janeiro, 2022, 410p. PEIXOTO, S. L.; CAPANEMA ALVARES, Lúcia. Gestão das Unidades de Conservação Municipais da Cidade do Rio de Janeiro no século XXI: entraves institucionais e desafios. Simpósio Brasileiro Online de Gestão Urbana, de 27 a 29 de novembro de 2019, Universidade Estadual Paulista, 2019, 617-633. SMU - SECRETARIA MUNICIPAL DE URBANISMO DO RIO DE JANEIRO (2018). Avaliação do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro: Diagnóstico Intersetorial Integrado. Rio de Janeiro: SMU. WWF - WORLD WIDE FUND FPR NATURE. Living Planet Report. Eds. Almond REA, Grooten M, Juffe Bignoli D & Petersen T. WWF, Gland, Switzerland, 2022, 115 p. 15 Capítulo 1: As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Sônia L. Peixoto1 Carlos Alberto Bernardo Mesquita2 Introdução A conservação da biodiversidade por meio das áreas naturais pro- tegidas3 - no Brasil denominadas Unidades de Conservação da Natureza (UCs) quando inscritas na Lei do SNUC (Lei n0 9.985/2000) -, constitui questão central em políticas públicas, tendo em vista que a biodiversidade se encontra crescentemente ameaçada. Apesar dos compromissos globais, e de programas e projetos visando à conservação da biodiversidade, a si- tuação verificada em várias regiões do planeta é crítica, inclusive quando se associa metrópoles e biodiversidade. Em 2018, as ameaças à biodiversidade urbana foram apresentadas na 9ª edição do Fórum Urbano Mundial, realizada em Kuala Lumpur, Malá- sia. Segundo Peixoto e Abrahão (2020), o estudo denominado ‘Atlas para 1 Bióloga, Doutora pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF. 2 Engenheiro Florestal, doutor em Ciências Ambientais e Florestais. 3 No Brasil, ‘unidade de conservação’ e ‘área protegida’ são conceitos distintos. O primeiro é definido na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) como “espaço territorial e seus recursos ambientais (...) legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração.” O SNUC prevê 12 categorias de manejo, divididas em dois grupos (Proteção Integral e Uso Sustentável). Já o termo ‘área protegida’ abarca todas as unidades de conservação e outros espaços naturais protegidos, tais como terras indígenas, reservas indígenas, territórios quilombolas, reservas legais e áreas de preservação permanente. 16 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro o Fim do Mundo’ discutiu como a expansão de 422 cidades com mais de 300 mil habitantes e localizadas em hotspots de biodiversidade no mundo, podem destruir, em menos de duas décadas, o habitat de espécies já amea- çadas de extinção em 90% dos casos. As cidades consideradas pelo estudo como ‘hotspot cities’ são prioritárias na adoção de medidas de preservação ambiental, e têm um significativo papel a desempenhar tanto como guar- diãs quanto como beneficiárias da biodiversidade mais valiosa do planeta. Conforme apontado no estudo, no Brasil, além das cidades de São Paulo e Brasília, respectivamente localizadas nos biomas Mata Atlântica e Cerra- do, a cidade do Rio de Janeiro apresenta sérios conflitos entre urbanização e proteção dos recursos naturais, o que pode indicar não haver diálogo e interlocução suficientes entre as políticas de proteção da natureza e as de- mais políticas setoriais, sobretudo urbanísticas. Portanto, a conservação da natureza nas cidades é um desafio, ainda mais quando estimativas apontam que metade da população mundial vive em áreas urbanas, e mais de 70% dessa população já se encontrava moran- do nas cidades em 2015, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU)4. Nos países em desenvolvimento, a proporção da população resi- dente em áreas urbanas é ainda maior, chegando a 93%. No Brasil, segundo o IBGE (2022)5, a população residente em áreas urbanas encontra-se pró- xima aos 90%. Apesar da importância da conservação da natureza nas cidades, este tema é recente na agenda de debates internacional e nacional. Ênfase para as áreas protegidas situadas em ambientes urbanos tem sido dada desde 2000, inclusive as geridas por governos locais. A importância dessas áreas para a manutenção dos estoques de biodiversidade tem sido destacada em dis- cussões promovidas nos Congressos Mundiais de Parques e Outras Áreas Protegidas, da The International Union for Conservation of Nature - IUCN. Este capítulo objetiva apresentar uma breve contextualização sobre as unidades de conservação (UCs) situadas em ambiente urbanos, em espe- cial as geridas pelas prefeituras municipais, e apresentar os problemas e de- safios em relação às UCs sob administração da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a cidade com maior número de UCs do Brasil, além de discutir 4 Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-mais-de-70-da-populacao-mundial-vivera-em- cidades-ate-2050/. Acesso em 03/05/2019. 5 Disponível em: https://ibge.org.br. Acesso em 03/05/2022. 17 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro as oportunidades para o incremento da efetividade de gestão destas áreas, tendo como elementos norteadores uma gestão inovadora e em consonân- cia com as boas práticas internacionais e as recomendações da IUCN. 1. Os congressos da IUCN e as áreas protegidas geridas por governos locais Em 1992, no 40 Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, realizado em Caracas, Venezuela, foi abordada a questão das áreas protegidas geridas por governos locais. Na ‘Declaração de Caracas’ foi estabelecido que a gestão deve ser realizada de modo sensível às ne- cessidades e preocupações das populações locais, encorajando as comu- nidades, as populações indígenas, as organizações da sociedade civil e as instituições do setor privado a participar ativamente da criação de parques nacionais e demais áreas protegidas SCHERL et al. (2006). Também foram incluídos novos temas na discussão, como mudanças climáticas e poluição. Em 1994, a proposta discutida no Congresso de Caracas foi sanciona- da na Assembleia Geral da IUCN, reunida em Buenos Aires, Argentina. Na ocasião, a IUCN (1994:9) formulou a seguinte definição de área protegida: “Área de terra e/ou mar, especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e de seus recursos naturais e culturais associados, e manejada através de instrumentos legais ou outros meios efetivos.” Além disso, foram definidas 6 categorias de gestão: (I) Reserva Natural Estrita/ Área Silvestre (Reserva Natural e Área Natural Silvestre); (II) Parque; (III) Monumento Natural; (IV) Santuário da Vida Silvestre; (V) Paisagem Ter- restre/Marinha Protegida; e (VI) Área Protegida com Recursos Manejados No início do século XXI preponderava a preocupação com a impor- tância das áreas protegidas em efetivar e apoiar ações para a redução da pobreza. O V Congresso Mundial de Áreas Protegidas da IUCN, ocorridoem Durban, África do Sul, em 2003, expressou esta questão já na sua cha- mada: “Áreas Protegidas e Benefícios para Além de suas Fronteiras”. Deste congresso resultou o ‘Plano de Ação de Durban’, recomendando ações nos âmbitos internacional, nacional, regional e local, ressaltando a importân- cia do engajamento das populações humanas para o propósito da conser- vação da biodiversidade. 18 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro O Congresso de Durban realizou a oficina The Urban Imperative (TRZYNA, 2007), com o objetivo de definir estratégias, programas inova- dores e parcerias orientadas à conservação das áreas protegidas, a cargo do Urban Specialist Group. Cidades como Londres (Inglaterra), Paris (Fran- ça), Cape Town (África do Sul), Hong Kong (China), Rio de Janeiro (Bra- sil), Albuquerque, Chicago e São Francisco (Estados Unidos da América) apresentaram suas estratégias de conservação da diversidade biológica, in- cluindo o debate sobre sustentabilidade financeira. Estas cidades, além de abordarem temas como o papel das áreas protegidas no abastecimento de água das metrópoles, discutiram os benefícios dessas áreas para as comu- nidades, a defesa e a restauração do patrimônio natural urbano. De acordo com Scherl et al. (2006), o papel das áreas protegidas para a redução da pobreza discutida no congresso também foi enfatizado, tendo sido reco- mendada a construção de bases mais amplas de integração entre governos, organizações intergovernamentais, setor privado e sociedade civil. A discussão promovida em Durban destacou o fato de que as áreas protegidas geridas por governos locais são importantes na implantação das estratégias para a conservação da biodiversidade por inúmeras razões, dentre elas porque contribuem para melhorar a conectividade entre par- ques nacionais, fomentam o ordenamento territorial para deter a expansão urbana desordenada, complementam a representatividade dos ecossiste- mas nacionais de conservação e possibilitam o fortalecimento da partici- pação das comunidades locais na gestão da natureza (PEIXOTO, 2022). A importância desse tema resultou em um processo participativo e contínuo de sistematização de informações e lições aprendidas nas discussões e fó- runs internacionais, culminando com a formação do Grupo de Trabalho Biodiversidade em Áreas de Conservação Municipais, em 2007, com o apoio da cooperação técnica alemã (GIZ), antiga GTZ. Em 2008, foi realizado o VI Congresso Mundial da Natureza, em Barcelona, Espanha, contando com representantes dos setores público e privado, agências da Organização das Nações Unidas (ONU), organiza- ções da sociedade civil socioambientais, dentre outros atores sociais, com o objetivo de debater e acordar soluções para os problemas que envolves- sem questões referentes ao ambiente natural e sua relação com o desenvol- vimento humano, social e econômico. O tema governança foi aprofundado e entendido como a variável com maior potencial para afetar a gestão das 19 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro áreas protegidas, um fator determinante da eficiência e da efetividade do manejo dessas áreas, fundamental para adequação e equidade das deci- sões, garantindo que a sociedade se aproprie das áreas protegidas. As Partes signatárias da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) se comprometeram a informar sobre a governança das áreas protegidas, mencionando que pode ser aprimorada e fornecer valiosa ajuda para en- frentar os desafios e as transformações globais em curso (IUCN, 2017). Além disso, o congresso aprovou 106 resoluções e 30 recomendações, al- gumas das quais destacadas no Quadro 1, com foco nas propostas de inter- locução entre as políticas para proteção da natureza e as políticas sociais, incluindo o fortalecimento das áreas protegidas inseridas nas cidades e as geridas por governos locais. Quadro 1: Resoluções para as áreas protegidas locais do VI Congresso Mundial de Áreas Protegidas, com foco nas propostas de interlocução entre as políticas para a proteção da natureza e políticas sociais. RESOLUÇÕES OBJETIVOS Resolução Nº 4.058 Trata da temática da conservação, da redução da pobreza e da redução da perda da biodiversidade. Além disso, esta Resolu- ção aprovou o princípio de que quando as políticas e ativida- des de conservação afetarem as populações locais, devem con- tribuir com a redução da pobreza ou, no mínimo, não realizar nenhum dano às populações. Resolução Nº 4.094 Incentiva e apoia as políticas locais e regionais para a con- servação da biodiversidade, solicitando aos governos locais e regionais e suas organizações representativas que, no exercí- cio de suas competências, articulem políticas específicas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, incorporando em suas políticas setoriais esses elementos como fatores importantes para a tomada de decisão. Resolução Nº 4.128 Busca o estabelecimento de redes de áreas naturais protegidas urbanas e periurbanas, Destaca que nas últimas décadas uma expansão urbana descontrolada nas cidades produziu a perda da funcionalidade do território em termos ambientais, sociais, agrícola, faunístico, florístico, entre outros, o que, por sua vez, vem afetando a qualidade de vida dos cidadãos e a biodiversi- dade em geral. 20 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Em consonância com as recomendações derivadas dos congressos mundiais, especialistas da GIZ, da IUCN e dos Governos Locais para a Sustentabilidade (ICLEI), governos nacionais e locais de países como Bra- sil, Bolívia, Equador, Nicarágua, Peru, República Dominicana e Honduras elaboraram uma publicação para divulgar as experiências desses países quanto à oportunidade de conservar a biodiversidade por meio das ‘áreas de conservação municipais’ (GIZ, 2010). Como resultado deste trabalho, recomendações foram elencadas vi- sando à consolidação das áreas protegidas inseridas em metrópoles e ge- ridas por governos locais, em especial no tocante ao apoio à descentrali- zação para a conservação, ao desenvolvimento de capacidade técnica e de gestão efetiva dessas áreas, e ao fomento da participação social na gestão, conforme expressos em várias recomendações internacionais derivadas de congressos mundiais e latinoamericanos desde 1992. O aprofundamento do debate internacional vem sendo conduzido pela IUCN, mediante a definição de uma agenda orientada para a ges- tão urbana, da edição de relatórios sobre áreas protegidas urbanas – na série Guia de Melhores Práticas em Áreas Protegidas – e da realização do Workshop “Urban Dimensions of Nature Conservation”, na Coréia do Sul, em 2012. Em 2014, a Comissão Mundial de Áreas Protegidas da IUCN lançou o ‘Guia sobre Melhores Práticas para as Áreas Protegidas Urbanas’6 (TRZYNA, 2014), apresentando algumas experiências para a melhoria da gestão dessas áreas nas cidades, tendo o Brasil participado por meio do Parque Nacional da Tijuca e do Parque Estadual da Serra da Cantareira. O documento apresenta a experiência dessas cidades em re- lação à criação e melhoria da gestão das áreas protegidas localizadas nas cidades, considerando as experiências dos governos nacionais, estaduais e locais desses países. Vale destacar que 2015 foi o ano no qual cerca de duzentos países adotaram o Acordo Climático de Paris e os ‘Objetivos de Desenvolvi- mento Sustentável’ (ODS), estabelecendo metas para enfrentar os prin- cipais desafios globais, incluindo a crise climática. Em 2016 foi realizado no Havaí o VII Congresso Mundial de Áreas Protegidas da IUCN, que 6 Disponível em: https://www.iucn.org/content/urban-protected-areas-profiles-and-best-practice- guidelines - Acesso em 15/04/2022. 21 As Unidades de Conservação da Natureza Geridas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro definiu o caminho sustentável para que tais acordos sejam executados, passando,da preservação em si, incluindo o papel de colaboração com as UCs existentes, aliviando a ne- cessidade de fiscalização e manejo, dificultadas principalmente em períodos de retração econômica ou por eventual desinteresse governamental. Levan- do em consideração que as políticas de preservação ambiental não são do interesse de todas as correntes políticas, assim como a ampliação das áreas protegidas, a intervenção direta do proprietário, num processo consciente e 170 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas de propagação das práticas de preservação, principalmente nesses períodos, se reveste ainda de maior relevância, pois passa a cumprir o papel que seria do Estado. Outra função é que as RPPNs podem realizar atividades diver- sas de acordo com o plano de manejo, como turismo, pesquisa científica, atividades culturais, reflorestamento etc., complementando o setor público nessas funções. Portanto, uma função decorrente da sua simples existência e outra do grau de atividades em conjunto com a sociedade. De forma genérica, as UCs de uso sustentável garantem a proteção de um território, estabelecendo os critérios de sua utilização por meio do seu Zoneamento. Mas não têm e nem podem ter no seu escopo o estabe- lecimento do manejo das atividades nas propriedades inseridas nessa UC. As RPPNs podem fazer esse manejo de forma organizada e coordenada com os interesses da própria UC. Neste sentido, a RPPNs oferecem uma capilaridade de proteção às terras privadas e, ao mesmo tempo, facilitam o desenvolvimento de mentalidade conservacionista pela sua difusão entre os proprietários de terra e a sociedade em geral. Com o advento da Lei do SNUC e do Decreto n0 5.746/2006 foram criadas muitas RPPNs na alçada federal, sendo essa esfera a única que por muitos anos possibilitava a sua criação. No decorrer do tempo, visando buscar maior agilidade e desburocratização e, consequentemente, demo- cratizando o processo de criação, surgiram as RPPNs reconhecidas pelos governos estaduais e por prefeituras municipais. 7. RPPNs reconhecidas por governos estaduais A partir de 1993, apenas três anos após a criação das RPPNs e antes da própria Lei do SNUC, diversos estados criaram leis permitindo o re- conhecimento de RPPN na esfera estadual, pavimentando um caminho outrora difícil, em função das facilidades de comunicação com os órgãos ambientais e a facilitação da tramitação do então complexo processo de criação. A evolução da compreensão das reais necessidades para a criação de uma RPPN levou à descentralização da sua autorização, demonstrando o dinamismo do processo e a flexibilidade da sua conceituação. 171 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas A descentralização no processo de reconhecimento de RPPNs foi pre- vista expressamente no Decreto n0 1.922/1996 e recepcionada pelo SNUC que, em seu art. 30, dispõe: O Sistema Nacional de Unidades de Conservação de Natureza - SNUC - é constituído pelo conjunto de unidades de conser- vação federais, estaduais e municipais, de acordo com o disposto nesta Lei. As UCs públicas no estado do Rio têm sido criadas em ritmo aquém da urgente necessidade da preservação da biodiversidade. As muitas espé- cies ameaçadas de extinção têm urgência de território protegido para que saiam ou evitem essa condição. As legislações que regulamentaram as RPPNs em âmbito estadual tendem a manter o previsto na legislação federal para os procedimentos de criação, mantendo suas finalidades e recompensas, tais como os usos per- mitidos, a isenção do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), a limitação da área destinada à recuperação que poderá integrar uma RPPN, a necessidade de plano de manejo, a permissão para a pesquisa científica, a soltura de animais silvestres e a priorização nas análises para concessão de recursos dos fundos de meio ambiente. O Decreto Estadual n0 40.909, de 17 de agosto de 2007, estabeleceu critérios e procedimentos administrativos para a criação de RPPNs, dispondo em âmbito estadual os procedimentos para a criação dessas reservas particulares. Há no estado do Rio de Janeiro 68 RPPNs (6.079 hectares) reconheci- das pela União e 114 reconhecidas pelo governo estadual (9.266 hectares), além de 17 RPPNs reconhecidas por prefeituras, numa evidente tendência de deslocamento do eixo de criação para o órgão ambiental mais próximo do território e do proprietário, possivelmente num processo aperfeiçoado e menos burocratizado. O pequeno número de RPPNs reconhecidas na esfera municipal reflete mais a pouca sensibilidade do poder público na elaboração de legislação própria para as RPPNs do que a real necessidade da sua criação. Segundo dados do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), aproximadamente 0,5 % do território do estado é protegido pelas RPPNs. Mais de 76 % das RPPNs possui menos de 50 hectares. Apenas 15 % das RPPNs são maiores que 100 hectares, correspondendo a mais de 40 % da área total protegida por esse tipo de UC. No estado do Rio, segundo o INEA, 1.348.711,86 hectares são catego- rizados como unidades de conservação, excluídas as municipais, configu- rando um total de 7,85% da área total do estado. É um percentual pequeno 172 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas e há necessidade de aprimorar e agilizar o processo de criação e implanta- ção de novas UCs, numa proporção que garanta a biodiversidade. Lamentavelmente, UCs públicas nem sempre estão plenamente im- plementadas, com gestão planejada e conselhos constituídos, sendo fre- quente a criação de verdadeiras UCs “fantasmas”, principalmente na esfera municipal, criadas para que o município possa arrecadar maior percentual de repasse do ICMS Ecológico, uma óbvia distorção. Não é raro que nem delimitação definida tenham. O incentivo do ICMS Ecológico tem a importante colaboração das RPPNs no aumento da pontuação e no consequente retorno financeiro para o município para a gestão ambiental, motivo da sua criação. Essa participa- ção deveria implicar no apoio àquela UC para a sua função pretendida como área efetivamente preservada, com a parceria e apoio municipal nos cuida- dos que são obrigação do proprietário, facilitando e desonerando a gestão. A simples existência da RPPNs ajuda a garantir sua finalidade maior, mas infelizmente apesar de previsto na elaboração da lei estadual, o repas- se às RPPNs até da própria fração gerada por elas, ocorre em poucos muni- cípios e em percentuais muito menores que o previsto na concepção da lei estadual, por necessitarem de regulação municipal. Poucos municípios ti- veram a sensibilidade e a consciência do benefício à preservação ambiental proporcionada pelas RPPNs, facilitando sua criação e/ou sustentabilidade, o que gera desmotivação para a criação de novas RPPNs. Isso evidencia o grande valor da iniciativa voluntária e onerosa dos proprietários de terras que criam as RPPNs. Para haver a devida sustentabilidade e não haver a dependência exclu- siva da forte motivação pessoal, um fator esgotável, o Estado em todas as esferas deveria criar incentivos e desoneração para o estímulo aos proprie- tários. As RPPNs por sua função pública, devem ter o reconhecimento e o retorno material da sociedade para prosseguir seu crescimento numérico e territorial, garantindo seus objetivos. As RPPNs ocupam um lugar estratégico para a conservação da bio- diversidade no estado do Rio de Janeiro. Grandes territórios carecem de proteção apesar de estarem em áreas prioritárias tanto para a conservação, como para a restauração. Em área total, as UCs federais públicas ocupam o maior espaço, seguidas pelas UCs públicas estaduais. Ao mesmo tempo e talvez não por coincidência ou acaso, há um aumento do número e con- 173 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação deÁreas Protegidas sequente valorização das RPPNs como candidatas a ocupar um espaço nas iniciativas de criação das novas UCs. As características de uma RPPN contribuem de forma singular. Seu tamanho, apesar de em geral serem bem menores que as APAs e Parques, permitem maior contato e consequente trocas com o seu entorno e com o conjunto da sociedade, tanto na conservação como nas iniciativas edu- cacionais e de pesquisa. Isso pode ter efeito multiplicador do impacto na sua função pública. Outro dado importante é a possibilidade da criação de futuros corredores ecológicos próximos à outras UC, inclusive Parques, APAs e até outras RPPNs. A pulverização territorial das RPPNs permite que fragmentos de biomas possam manter suas características originais, funcionando como ilhas que no futuro poderão estar conectadas com ou- tras UCs já criadas ou que venham a ser criadas, que podem não possuir capacidade de suporte para a manutenção genética de populações viáveis de espécies de animais e plantas, especialmente espécies de grande porte e de topo de cadeia alimentar, mas que podem contribuir para que isso ocorra numa perspectiva futura, com a área total somada. Além disso, áreas maiores possuem geralmente maior diversidade de habitats, o que se traduz em maior biodiversidade. Assim, é importante fomentar a criação de UCs principalmente em grandes áreas. Além disso, é interessante que as RPPNs estejam próximas de outras áreas protegidas, para facilitar o fluxo gênico entre populações de animais e plantas das RPPNs e de outras UCs. Apesar de em geral serem menores, a possibilidade da inserção em Mosaicos de UCs pode trazer como consequência o aumento total do ter- ritório protegido, potencializando suas ações e importância, colaborando na garantia à biodiversidade. Além disso, a criação desses mosaicos pode facilitar o diálogo e as iniciativas com os diversos órgãos ambientais em to- das as esferas e com universidades e centros de pesquisa nacionais e inter- nacionais, ampliando as redes de colaboração. Outra vantagem das RPPNs é que sua gestão se dá pelo proprietário, que o faz por livre iniciativa, per- mitindo que o Estado aloque recursos de fiscalização em outras áreas, sem necessidade de abrir mão do controle via fiscalização e implantação dos diversos planos de manejo. As RPPNs devem ser vistas não como substitu- tas das iniciativas do poder público, mas como complementares, podendo servir até como apoio tanto no campo material como na elaboração e coor- denação das políticas públicas ambientais. 174 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas 8. As RPPNs reconhecidas pelas prefeituras: seguindo a tendência natural de descentralização No bioma Mata Atlântica, estudos indicam que cerca de 80% dos remanescentes florestais estão em mãos de proprietários privados. Neste contexto, as RPPNs são fundamentais para a proteção da biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos, e as RPPNs se situam, vale lem- brar, em última instância, no território municipal. Neste contexto, muitos municípios brasileiros possuem legislação reconhecendo e criando RPPNs. É o caso de capitais como São Paulo e Curitiba, assim como cidades do in- terior do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul e outros. O município pioneiro na aprovação de lei para reconhecimento de RPPNs foi Bauru, no Estado de São Paulo, por meio da Lei Municipal n0 4.679, de 18 de maio de 2001. Há consenso em formação de que quanto mais descentralizada a cria- ção de uma RPPN haverá maior intimidade com o processo elaborativo e agilidade no cumprimento das exigências legais, técnicas etc., pelos pro- prietários de terras junto aos órgãos governamentais. Isso facilita o cum- primento dessas exigências e provoca o poder público a criar facilidades como incentivos via pagamento por serviços ambientais, isenção de IPTU, isenção do ITR da área da RPPN (que já vigora), e utilização de meca- nismos como a transferência do potencial construtivo facilitando muito a criação de RPPNs urbanas, a colaboração na elaboração de planos de manejo, memoriais descritivos, georreferenciamento e, principalmente, a participação conjunta na execução das diversas etapas processuais. As RPPNs reconhecidas pelas prefeituras também têm a vantagem de maior proximidade com o órgão ambiental, favorecendo a gestão, colaborando na busca de incentivos e parcerias, fazendo com que o setor público passe a ser um agente ativo e dinâmico de colaboração. Pelas características territoriais, jurídicas e sociais, as RPPNs têm ób- vio caráter local, sendo a legislação que permite seu reconhecimento pelas prefeituras um importante facilitador para sua concretização. O estado do Rio tem alguns municípios com leis específicas para RPPNs, que podem servir de exemplo e modelo para novos municípios aderirem a essa impor- tante iniciativa: 175 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas ■ Natividade: Lei Municipal n0 01 de 29/04/10 ■ Resende: Lei Municipal n0 4.502 de 09/06/09 ■ Miguel Pereira: Lei Municipal n0 2.053, de 22/08/05 ■ Petrópolis: Decreto Municipal n0 49, de 03/05/05 ■ Quissamã: Lei Municipal n0 925, de 19/12/06 ■ Miracema: Decreto Municipal n0 169, de 13/08/09 ■ Rio Claro: Lei Municipal n0 486, de 01/07/10 ■ Varre-Sai: Lei Municipal n0 570, de 10/11/10 ■ Eng. Paulo de Frontin: Lei Municipal n0 752/2006 ■ Aperibé: Lei Municipal n0 506, de 26/12/2011 9. Desafios para as RPPNs Diante de tantos benefícios para a biodiversidade e, consequentemente para a sociedade, sabendo dos benefícios que podem trazer nas áreas da educa- ção, da pesquisa científica, da garantia da manutenção dos recursos hídricos, da sustentabilidade econômica gerando empregos com turismo, respeitando os limites da legislação e dos seus planos de manejo, devemos nos perguntar quais os impeditivos, então, para a criação de mais RPPNs, dada a potenciali- dade da sua criação em vastos territórios e de tão evidente importância. Manter áreas conservadas e garantir a permanência dos processos ecológicos exige monitoramento, sinalização, articulação com órgãos pú- blicos e comunidades do entorno, ações efetivas para coibir caça, invasão, desmatamento, incêndios florestais e outros custos, além dos da sua pró- pria criação. A preservação de áreas privadas beneficia toda a coletividade, mas resta exclusivamente ao proprietário da área arcar com os custos para garantir a criação e manutenção desse ativo ambiental. Temos duas dificuldades essenciais: uma é de natureza pessoal, da per- cepção do proprietário da sua real importância num contexto de preserva- ção, com o desconhecimento do alcance do status legal da propriedade, fre- quentemente confundido como perda da posse, do destino da terra e até da 176 Reserva Particular do Patrimônio Natural: Iniciativa para a Multiplicação e Ampliação de Áreas Protegidas própria propriedade. Outra dificuldade é de natureza econômica, tanto para viabilizar a criação, quanto para garantir sua manutenção e sustentabilidade. Do ponto de vista pessoal do proprietário há grande variação de inter- pretações de acordo com as particularidades em questão, como o histórico familiar da propriedade, sua função econômica familiar, assim como dos objetivos desejados para os futuros herdeiros daquela propriedade. O co- nhecimento do real alcance jurídico da posse e propriedade da terra deve, portanto, ser objeto de campanhas educativas permanentes, coordenadas tanto pelos órgãos ambientais como pelas associações de RPPNistas, que têm grande conhecimento das particularidades de cada situação, frequen- temente dirimindo as dúvidas através da sua experiência pessoal e coletiva. Os proprietários de RPPNs vêm se organizando em torno de asso- ciações tanto a nível federal, com a Confederação Nacional de RPPNs (CNRPPN), quanto nos estados. No Rio de Janeiro, temos a