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SUMÁRIO
O Coração Delator
Os Fatos no Caso do Sr. Valdemar
O Barril de Amontillado
Biografia do Autor: Edgar Allan Poe
O CORAÇÃO DELATOR
Edgar Allan Poe, 1843
É verdade! Nervoso, muito e terrivelmente nervoso estive e
estou, mas por que você diria que estou louco? A doença
aguçou meus sentidos — não os destruiu, não os embotou.
A audição aguçou-se acima de todos os outros. Eu ouvia
todas as coisas no céu e na terra, e ainda muitas coisas no
inferno. Como, então, estou louco? Preste atenção! E
observe com que saúde, com que calma sou capaz de lhe
contar a história completa.
É impossível dizer como foi que a ideia chegou à minha
mente, mas, uma vez concebida, assombrou-me dia e noite.
Propósito, não havia. Paixão, tampouco. Eu amava o velho.
Ele nunca havia me ofendido nem me fizera mal. Por seu
ouro eu não tinha nenhuma cobiça. Acredito que foi o olho
dele! Sim, foi isso! Um de seus olhos se assemelhava ao de
um abutre — um olho azul-claro, coberto por uma película.
Sempre que aquele olhar caía sobre mim, meu sangue
gelava; e assim, aos poucos — muito aos poucos —, decidi
tirar a vida do velho, e dessa forma livrar-me do olho para
sempre.
Agora, esta é a questão: você imagina que estou louco,
mas os loucos nada sabem. Devia ter me visto. Devia ter
visto com quanta sensatez procedi, com que cautela, com
que prudência, com que dissimulação passei a trabalhar!
Nunca fui mais gentil com o velho do que durante toda
aquela semana antes de matá-lo. E todas as noites, por
volta da meia-noite, virava o trinco de sua porta e a abria —
ah, com muita delicadeza! Depois, quando já abrira o
bastante para passar minha cabeça, enfiava por ela uma
lanterna furta-fogo, fechada, toda fechada, para que
nenhuma luz escapasse, e por fim passava a cabeça. Ah,
você teria rido ao ver com que astúcia eu agia! Mexia a
cabeça devagar — muito, muito devagar, para não
perturbar o sono do velho. Demorava uma hora para passá-
la inteira pela abertura até vê-lo deitado na cama. Ha! Um
louco demonstraria tamanha sensatez? E depois, quando
ela estava toda dentro do quarto, abria a lanterna com
cuidado — ah, muitíssimo cuidado —, e com cuidado (pois
as dobradiças rangiam) abria apenas o bastante para que
um único raio fino de luz caísse sobre aquele olho de
abutre.
Fiz isso por sete longas noites — todas as noites, à meia-
noite —, mas encontrei o olho sempre fechado, e por isso
foi impossível fazer o serviço, pois não era o velho que me
importunava, e sim seu mau-olhado. E todas as manhãs,
quando o dia raiava, eu entrava com coragem no quarto, e
com coragem me dirigia a ele, chamando-o pelo nome num
tom caloroso e perguntando se havia dormido bem. Então,
você entende que ele precisaria ser, de fato, um velho
muitíssimo perspicaz para desconfiar que, todas as noites,
exatamente à zero hora, eu o espiava enquanto ele dormia.
Na oitava noite, tomei um cuidado ainda maior ao abrir a
porta. O ponteiro dos minutos de um relógio avançava mais
depressa do que minhas mãos. Nunca, antes daquela noite,
tinha percebido a extensão de meus próprios poderes — de
minha sagacidade. Mal consegui conter minha sensação de
triunfo. E pensar que lá estava eu, abrindo a porta, pouco a
pouco, e ele nem mesmo sonhava com meus atos e
pensamentos secretos. Ri um bocado ao pensar nisso, e
talvez ele tenha me ouvido, pois de repente se mexeu na
cama, como se assustado. Você pode imaginar que recuei —
mas não. O quarto estava escuro como breu na noite
espessa (pois as janelas estavam totalmente fechadas, por
medo de ladrões); por isso, eu sabia que ele não
conseguiria ver a abertura da porta, e continuei a empurrá-
la — firme, sempre firme.
Passei a cabeça para dentro e estava prestes a abrir a
lanterna quando meu polegar escorregou no fecho de latão
e o velho deu um pulo na cama, gritando:
— Quem está aí?
Fiquei imóvel e não disse nada. Passei uma hora inteira
sem mexer um músculo e, nesse ínterim, não o ouvi deitar-
se. Ele continuou sentado na cama, atento — tal como eu
tinha feito, noite após noite, escutando os insetos que
viviam dentro da parede1.
Logo ouvi um leve gemido e entendi que era o som do
terror mortal. Não foi um gemido de dor nem de tristeza —
ah, não! Foi o lamento baixo e sufocado que emerge do
fundo da alma quando tomada pelo espanto. Eu o conhecia
muito bem. Em muitas noites, exatamente à meia-noite,
quando todo o mundo dormia, aquele som aflorava do meu
próprio âmago, aprofundando, com seu eco pavoroso, os
terrores que me distraíam. Digo que o conhecia bem;
assim, eu sabia o que o velho sentia e tive pena dele,
embora, no íntimo, eu risse. Sabia que ele estivera
acordado desde o primeiro leve barulho, quando tinha se
virado na cama. Desde então, seus medos assomavam
sobre ele. Havia tentado imaginá-los infundados, mas não
conseguia. Dissera a si mesmo: “não é nada além do vento
na chaminé”, “é só um rato correndo pelo chão” ou “é
meramente um grilo que cricrilou uma única vez”. Sim, ele
tentara se confortar com essas suposições, mas fora tudo
em vão.  Tudo em vão, porque a Morte, ao se aproximar,
tinha avançado com sua sombra escura diante dele e
envolvido a vítima. E foi a influência pesarosa da sombra
despercebida que o levou a sentir — embora não tenha
visto nem ouvido — a presença da minha cabeça dentro do
quarto.
Quando eu já tinha esperado um bom tempo, com toda a
paciência, sem ouvi-lo se deitar, resolvi abrir uma pequena
fresta — uma fresta muito, muito diminuta na lanterna. E
assim a abri — você nem imagina com que furtividade,
muito furtivo — até que, finalmente, um único raio, pálido e
fino como a teia de uma aranha, saiu da fresta e caiu sobre
aquele olho de abutre.
Estava aberto — bem, bem arregalado — e fiquei furioso
ao contemplá-lo. Eu o vi com nitidez absoluta — todo de um
azul opaco, coberto por um véu hediondo que gelou a
própria medula dos meus ossos. Mas não consegui ver nada
mais do rosto nem da pessoa do velho, pois havia dirigido o
raio, como que por instinto, precisamente sobre o maldito
local.
E então, já não lhe disse que o que confunde com loucura
é apenas o aguçamento intenso dos sentidos? Naquela
hora, estou dizendo, chegou aos meus ouvidos um som
baixo, fraco e ligeiro, tal qual o que faz um relógio quando
envolto em algodão. Aquele som eu também conhecia bem:
era o coração do velho a bater. Isso aumentou minha fúria,
tal como o bater de um tambor estimula a coragem do
soldado.
Mesmo assim, me contive e continuei imóvel; mal
respirava. Sustentei a lanterna sem o menor movimento e
tentei com toda a firmeza possível manter o raio de luz
sobre o olho. Enquanto isso, o rufar infernal do coração
cresceu. Ficava mais e mais rápido, e mais e mais alto a
cada instante. O terror do velho devia ser imenso! O som
ficava mais alto, estou dizendo, mais alto a cada momento!
Está prestando atenção? Eu disse que estou nervoso; de
fato, estou. E àquela hora, na calada da noite, em meio ao
silêncio medonho daquela casa velha, tal som tão estranho
me lançou num terror incontrolável. Entretanto, por mais
alguns minutos me contive e continuei imóvel. Mas as
batidas ficavam mais e mais altas! Achei que o coração
explodiria. Então, uma nova inquietação me arrebatou —
algum vizinho ouviria aquele som! A hora do velho havia
chegado.
Com um grito ruidoso, abri toda a lanterna e pulei para
dentro do quarto. Ele gritou uma vez — uma vez somente.
Num instante, arrastei-o para o chão e puxei a cama pesada
por cima dele. Depois, sorri alegremente ao ver meu feito
se completar. Mas, por muitos minutos, o coração
continuou a rufar com um som abafado. Isso, no entanto,
não me importunou; ele não se faria ouvir através da
parede. Por fim, cessou. O velho estava morto. Empurrei a
cama e examinei o cadáver. Sim, estava feito pedra, morto.
Pousei a mão sobre aquele coração e a mantive ali por
muito tempo. Não havia pulsação; estava totalmente morto.
Seu olho não meatormentaria mais.
Se ainda acha que estou louco, não pensará mais assim
depois que eu descrever as sábias precauções que tomei
para ocultar o corpo. A noite minguou e trabalhei com
pressa, mas em silêncio. Primeiramente, desmembrei o
cadáver. Cortei a cabeça, os braços e as pernas. Depois,
tirei três tábuas do piso do quarto e depositei tudo entre as
vigas. Por fim, substituí as placas com tanta destreza e
astúcia que nenhum olho humano — nem mesmo o dele —
poderia identificar alguma coisa errada. Não havia nada
para lavar — nenhuma mancha de tipo algum, nem mesmo
uma gota de sangue, tamanha fora minha cautela. Uma tina
coletara todo o sangue — ha, ha!
Quando terminei essas tarefas, eram quatro da manhã —
ainda estava tão escuro quanto à meia-noite. Quando o sino
deu as horas, ouviu-se uma batida na porta da casa. Desci
para abri-la de coração leve, pois o que tinha a temer
então? Entraram três homens, que se apresentaram, com a
mais absoluta serenidade, como oficiais da polícia. Durante
a noite, um vizinho ouvira um grito e suspeitara de uma
ilegalidade; informações foram apresentadas à polícia, e
eles, os policiais, foram destacados para investigar a área.
Eu sorri, pois o que tinha a temer? Dei as boas-vindas aos
cavalheiros. O grito, expliquei, fora meu, enquanto
sonhava. O velho, comentei, tinha ido para o campo.
Conduzi meus visitantes por toda a casa. Pedi-lhes que
investigassem — e investigassem muito bem. Levei-os, por
fim, para o quarto dele, do velho. Mostrei-lhes seus
tesouros, seguros, intocados. No entusiasmo da minha
confiança, levei cadeiras para o quarto e as ofereci para
que, ali mesmo, os policiais descansassem de sua fadiga,
enquanto eu, na audácia desvairada de meu triunfo
perfeito, punha minha própria cadeira sobre o mesmíssimo
ponto debaixo do qual jazia o cadáver da vítima.
Os oficiais ficaram satisfeitos. Meu comportamento os
convencera; eu estava particularmente tranquilo.
Sentaram-se e, enquanto eu respondia alegremente,
conversaram sobre assuntos familiares. Contudo, dentro
em pouco, senti que empalidecia e desejei que partissem.
Minha cabeça doía, e eu imaginava um tinido nos ouvidos;
mas os policiais não se levantaram nem deixaram de
conversar. O tinido ficou mais distinto — continuou, e ficou
mais distinto; falei com mais espontaneidade para me livrar
da sensação, mas ela persistiu e ganhou um caráter
definitivo — até que, finalmente, descobri que o barulho
não estava dentro dos meus ouvidos.
Sem dúvida, eu já estava muito pálido — mas falei com
ainda mais fluência e a voz elevada. Contudo, o som
aumentava — e o que eu haveria de fazer? Era um som
baixo, fraco e ligeiro, tal qual o que faz um relógio quando
envolto em algodão. Arfei, sem fôlego, e ainda assim os
oficiais não o ouviram. Falei mais depressa, com mais
veemência — mas o barulho continuava a aumentar.
Levantei-me e discuti sobre futilidades, em tom estridente
e com gestos violentos — mas o barulho continuava a
aumentar. Por que não se retiravam? Eu andava de um lado
para o outro com passos pesados, como se exaltado à fúria
pelos comentários dos homens — mas o barulho continuava
a aumentar.
Ah, meu Deus! O que eu haveria de fazer? Espumei,
vociferei, praguejei! Sacudi a cadeira na qual estivera
sentado e a raspei sobre as tábuas, mas o barulho
sobrepujava a tudo e insistia em aumentar. Ficou mais
alto… mais alto… mais alto! E os homens não paravam de
conversar, alegres, e sorrir. Seria possível que não o
ouvissem? Deus Todo-Poderoso! Não, não! Eles ouviam…
desconfiavam… sabiam! Zombavam do meu horror! Foi isso
o que pensei, e é o que acho. Mas qualquer coisa era
melhor do que aquela agonia! Qualquer coisa era mais
tolerável do que aquele escárnio! Eu não podia mais
suportar aqueles sorrisos hipócritas! Senti que, se não
gritasse, morreria! E então… de novo! Escute! Mais alto!
Mais alto! Mais alto! Mais alto!
— Patifes! — berrei. — Parem de fingir! Admito o ato!
Arranquem as tábuas! Aqui, aqui! São as batidas daquele
horrendo coração!
OS FATOS NO CASO DO SR. VALDEMAR
Edgar Allan Poe, 1845
É claro que não fingirei crer que a discussão gerada pelo
extraordinário caso do sr. Valdemar seja de se admirar.
Teria sido um milagre se tal coisa não acontecesse —
principalmente, dadas as circunstâncias. Em razão da
vontade de todas as partes envolvidas de não revelar o
assunto ao público, pelo menos por enquanto, ou até que
tivéssemos mais oportunidades de investigar — por meio de
nossos esforços para lograr tal feito —, um relato
deturpado ou exagerado chegou à sociedade e se tornou
fonte de muitas distorções desagradáveis e, muito
naturalmente, de grande descrença.
Agora, faz-se necessário que eu narre os fatos — até onde
os compreendo. Eles são, em suma, estes:
Minha atenção, durante os últimos três anos, fora atraída
repetidas vezes ao assunto do mesmerismo2, e, cerca de
nove meses atrás, ocorreu-me, muito de repente, que, na
série de experimentos feitos até então, havia uma omissão
das mais espantosas e inexplicáveis: ninguém ainda havia
sido mesmerizado  in articulo mortis3. Restava saber,
primeiro, se, nessa condição, havia no paciente alguma
suscetibilidade à influência magnética; e, segundo, se, caso
existisse, a condição a diminuía ou ampliava; terceiro, em
que grau, ou por quanto tempo, o processo poderia deter a
ação da Morte. Havia outras questões a determinar, mas
essas eram as que mais instigavam minha curiosidade —
em especial, a última, pelo caráter imensamente
importante de suas consequências.
Ao procurar uma cobaia por meio da qual pudesse
verificar tais pormenores, fui levado a pensar em meu
amigo, sr. Ernest Valdemar, o célebre organizador da
Bibliotheca Forensica e autor (sob o  nom de plume  de
Issachar Marx) das versões polonesas de Wallenstein e
Gargântua. O sr. Valdemar, que morou principalmente no
Harlem, em Nova York, desde o ano de 1839, é (ou era)
especialmente notável pela extrema magreza de sua
pessoa, tendo os membros inferiores muito semelhantes
aos de John Randolph, e também pela brancura  de suas
costeletas, em contraste violento com a escuridão do cabelo
— este, por consequência, sendo amiúde confundido com
uma peruca. Seu temperamento era notoriamente nervoso,
tornando-o uma boa cobaia para experimentos mesméricos.
Em duas ou três ocasiões eu o pusera para dormir sem
dificuldade, mas fiquei decepcionado com outros resultados
que sua constituição peculiar me levou a antecipar
naturalmente. Sem sombra de dúvida, em nenhum
momento sua vontade ficou completamente sob meu
controle; e, em relação à clarividência, não obtive com ele
nada de confiável. Sempre atribuí meu fracasso nesses
aspectos ao seu estado de saúde perturbado. Durante
alguns meses, antes de eu conhecê-lo, seus médicos o
haviam diagnosticado com tísica crônica. Era costume dele,
na verdade, falar calmamente de seu declínio vindouro
como um assunto que não deveria ser evitado nem
lamentado.
Quando as ideias a que me referi me ocorreram pela
primeira vez, é claro que foi muito natural para mim pensar
no sr. Valdemar. Eu conhecia bem demais a filosofia firme
do homem para recear quaisquer escrúpulos da parte
dele,  e o sr. Valdemar não tinha parentes no país que
pudessem interferir. Falei com ele francamente sobre o
assunto, e, para minha surpresa, seu interesse pareceu
despertar vividamente. Digo para minha surpresa pois,
embora ele sempre tenha cedido sua pessoa de bom grado
aos meus experimentos, nunca me dera nenhum sinal de
afinidade com o que eu fazia. A doença que o afligia era
daquela natureza que admitia calcular com exatidão a
época de seu término em morte. Desse modo, por fim,
decidimos entre nós que ele mandaria me chamar cerca de
vinte e quatro horas antes do período anunciado por seus
médicos como o de seu falecimento.
Passaram-se mais de sete meses desde que recebi do
próprio sr. Valdemar o bilhete anexo:
“MEU CARO P…,
“Já pode vir agora mesmo.D… e F… acreditam que não
hei de aguentar até amanhã à meia-noite, e creio que
devem ter acertado o horário.
“VALDEMAR.”
Recebi o bilhete dentro de meia hora depois que foi
escrito, e com mais quinze minutos já estava no quarto do
moribundo. Eu não o via fazia dez dias e fiquei horrorizado
com a transformação terrível que o breve intervalo havia
operado nele. Seu rosto exibia um tom de chumbo, os olhos
estavam completamente sem brilho e a emaciação era tão
extrema que a pele fora rompida pelos ossos malares. A
expectoração era excessiva. Mal se percebia o pulso. Ele
preservava, no entanto, e de maneira extraordinária, tanto
a capacidade mental quanto certo grau de força física.
Falou com distinção, tomou alguns remédios paliativos sem
precisar de ajuda e, quando entrei no quarto, estava
ocupado esboçando memorandos a lápis num caderninho,
sentado na cama, apoiado em travesseiros. Os médicos D…
e F… estavam presentes.
Depois de apertar a mão de Valdemar, puxei aqueles
cavalheiros à parte e obtive deles um relato minucioso da
condição do paciente. Havia dezoito meses que o pulmão
esquerdo chegara a um estado semiossificado ou
cartilaginoso e, é claro, tornara-se completamente inútil a
todos os propósitos de vitalidade. O direito, na porção
superior, também estava parcial, se não completamente,
ossificado, enquanto a região inferior não passava de uma
massa de tubérculos purulentos, esbarrando uns contra os
outros. Havia várias perfurações extensas, e, num ponto,
ocorrera adesão permanente às costelas. Aquelas aparições
no lado direito eram de uma data mais recente. A
ossificação havia prosseguido com uma rapidez muito
incomum; um mês antes, não se descobrira nenhum sinal
dela, e a adesão só fora identificada durante os três dias
anteriores. Além da tísica, suspeitava-se que o paciente
sofrera um aneurisma da aorta; mas, quanto a isso, os
sintomas ósseos impossibilitavam um diagnóstico exato.
Ambos os médicos acreditavam que o sr. Valdemar morreria
em torno da meia-noite do dia seguinte (domingo). Eram,
então, sete horas da noite de sábado.
Ao deixar a cama do paciente para travar uma conversa
comigo, os doutores D… e F… despediram-se dele pela
última vez. Não tinham a intenção de voltar, mas, a meu
pedido, concordaram em visitar o paciente por volta das
dez horas da noite seguinte.
Quando eles se foram, falei sem reservas com o sr.
Valdemar sobre o assunto de seu falecimento vindouro,
bem como, mais particularmente, do experimento proposto.
Ele ainda se declarava disposto e até ansioso por isso e
pediu que eu começasse o quanto antes. Havia uma
enfermeira e um enfermeiro à disposição, mas eu não me
sentia totalmente à vontade para realizar uma tarefa
daquela natureza sem testemunhas mais confiáveis do que
aquelas, em caso de acidente repentino, poderiam revelar
que eram. Portanto, adiei os procedimentos até cerca de
oito horas da noite seguinte, quando a chegada de um
estudante de medicina que eu conhecia, o sr. Theodore L…
l, aliviou-me de mais constrangimento. Meu plano original
fora esperar pelos médicos, mas fui induzido a prosseguir,
primeiro, pelas súplicas urgentes do sr. Valdemar e,
segundo, por minha convicção de que não tinha um
momento sequer a perder, pois era evidente que ele decaía
a toda pressa.
O sr. L…l fez a gentileza de aquiescer ao meu desejo e
anotar tudo o que acontecesse, e é a partir de seus
memorandos que aquilo que agora tenho a narrar será, na
maior parte, condensado ou copiado verbatim.
Faltavam cerca de cinco minutos para as oito quando,
pegando a mão do paciente, pedi-lhe que declarasse ao sr.
L…l, com as palavras mais nítidas possíveis, se ele, o sr.
Valdemar, estava plenamente disposto a deixar que eu
fizesse o experimento de mesmerizá-lo na condição em que
se encontrava.
Ele respondeu com voz fraca, mas muito audível:
— Sim, quero ser mesmerizado. — Logo em seguida,
acrescentou: — Receio que você tenha adiado demais o
procedimento.
Enquanto assim falava, comecei os passes que já havia
descoberto serem mais eficazes em subjugá-lo. Ele foi
obviamente influenciado pelo primeiro gesto lateral da
minha mão diante de sua testa; mas, embora tenha
empregado todos os meus poderes, não houve nenhum
efeito perceptível até alguns minutos após as dez horas,
quando os doutores D… e F… chegaram, atendendo ao
compromisso. Expliquei-lhes em poucas palavras o que
planejava e, como não fizeram nenhuma objeção, dizendo
que o paciente já estava na agonia da morte, procedi sem
hesitar — trocando, no entanto, os passes laterais pelos
movimentos para baixo e dirigindo meu olhar inteiramente
para o olho direito do sofredor.
Àquela altura, seu pulso era imperceptível e sua
respiração estertorosa, ocorrendo a intervalos de meio
minuto.
Essa condição permaneceu quase inalterada por um
quarto de hora. No fim desse período, contudo, um suspiro
natural, embora muito profundo, escapou do peito do
moribundo, e a respiração estertorosa cessou — isto é, os
estertores já não se faziam notar; os intervalos não
diminuíram. As extremidades do paciente eram de uma
frieza gélida.
Aos cinco minutos antes das onze, percebi sinais
inequívocos da influência mesmérica. O movimento vítreo
do olho foi substituído por aquela expressão de
investigação interna e inquieta que nunca se vê, a não ser
em casos de sonambulismo, e que é quase inconfundível.
Com alguns passes laterais rápidos, fiz as pálpebras
estremecerem, como no sono incipiente, e com mais
algumas as fechei por completo. No entanto, isso não me
satisfez, e continuei as manipulações com vigor e o máximo
empenho da vontade até haver enrijecido por completo os
braços e pernas do adormecido, depois de deixá-los numa
posição aparentemente fácil. As pernas estavam totalmente
esticadas; os braços, quase da mesma forma, jaziam sobre
a cama a uma distância moderada dos quadris. A cabeça
estava levemente elevada.
Quando cheguei a esse resultado, já era meia-noite, e
pedi aos cavalheiros presentes que examinassem a
condição do sr. Valdemar. Depois de algumas experiências,
admitiram que ele entrara num estado excepcionalmente
perfeito de transe mesmérico. A curiosidade dos médicos
estava muito atiçada. Na mesma hora, o dr. D… decidiu
ficar com o paciente a noite toda, enquanto o dr. F… se
despediu com a promessa de voltar ao raiar do dia. O sr.
L…l e os enfermeiros ficaram.
Só perturbamos o sr. Valdemar por volta das três horas
da manhã, quando me aproximei dele e o encontrei
exatamente na mesma condição de quando o dr. F… partira
— isto é, deitado na mesma posição; o pulso era
imperceptível; a respiração, suave (quase não se notava, a
menos que se aproximasse um espelho dos lábios); os olhos
encontravam-se fechados, naturalmente; e os braços e
pernas estavam rígidos e frios como mármore. Ainda assim,
a aparência geral sem dúvida não era a da morte.
Ao me aproximar do sr. Valdemar, fiz uma espécie de
tentativa de influenciar seu braço direito a acompanhar o
meu, enquanto o passava com delicadeza para lá e para cá
por cima de sua pessoa. Em tais experimentos com aquele
paciente, eu nunca tivera êxito perfeito e, com certeza,
dessa vez, também não tinha grande esperança de sucesso;
mas, para meu espanto, seu braço, embora fraco,
acompanhou muito prontamente todas as direções que
determinei com o meu. Decidi arriscar a troca de algumas
palavras.
— Sr. Valdemar — chamei —, está dormindo?
Ele não respondeu, mas percebi um tremor nos lábios e,
assim, fui incentivado a repetir a pergunta, de novo e de
novo. Na terceira repetição, um levíssimo tremor agitou
todo seu corpo, as pálpebras se abriram a ponto de exibir
uma linha branca do globo ocular, os lábios se moveram
vagarosos e, dentre eles, num sussurro quase inaudível,
emitiram-se as palavras:
— Sim… estou dormindo. Não me acorde! Deixe-me
morrer assim!
Apalpei os braços e as pernas dele e os encontrei mais
rígidos do que nunca. O braço direito, como antes,obedeceu à direção da minha mão. Questionei o sonâmbulo
uma vez mais:
— Ainda sente dor no peito, sr. Valdemar?
Dessa vez, a resposta foi imediata, mas ainda menos
audível do que antes:
— Não há dor… Estou morrendo.
Não me pareceu oportuno perturbá-lo ainda mais por
enquanto, e nada mais foi dito ou feito até a chegada do dr.
F…, que chegou pouco antes do amanhecer e expressou
espanto desmedido ao encontrar o paciente ainda vivo.
Depois de sentir o pulso e aproximar um espelho dos lábios,
ele pediu que eu voltasse a falar com o sonâmbulo. Foi o
que fiz, dizendo:
— Sr. Valdemar, ainda está dormindo?
Tal como antes, alguns minutos se passaram antes que
houvesse resposta; e, durante o intervalo, o moribundo
pareceu estar reunindo forças para falar. À quarta
repetição da pergunta, falou com uma voz muito fraca,
quase inaudível:
— Sim, ainda estou dormindo… morrendo.
Nesse momento, os médicos consideraram, ou melhor,
pediram que o sr. Valdemar fosse deixado em paz na sua
condição aparentemente tranquila até que a morte
sobreviesse — e a opinião geral era de que isso aconteceria
dentro de alguns minutos. Decidi, contudo, falar com ele
uma vez mais, e limitei-me a repetir a pergunta anterior.
Enquanto eu falava, houve uma mudança notável no
semblante do sonâmbulo. Os olhos se abriram devagar, com
as pupilas reviradas para cima, desaparecendo; a pele
adquiriu uma tonalidade cadavérica, parecendo não tanto
um pergaminho, mas uma folha de papel branco; e as
marcas circulares de rubor que, até então, eram muito
visíveis no centro de cada bochecha, apagaram-se num
instante. Uso essa expressão porque a rapidez do
desaparecimento me fez pensar na chama de uma vela
extinta por um sopro de ar. Ao mesmo tempo, o lábio
superior se retorceu, revelando os dentes, que antes
cobriam por completo, enquanto a mandíbula inferior caiu
com um estalo audível, escancarando a boca e exibindo a
todos a língua inchada e escurecida. Presumo que nenhuma
das pessoas então presentes estivesse desacostumada aos
horrores do leito de morte, mas tão horrenda e
inconcebível era a aparência do sr. Valdemar naquele
momento que houve um movimento geral de recuo da área
da cama.
Agora creio ter chegado a um ponto desta narrativa em
que o choque lançará cada leitor na mais absoluta
descrença. A mim cabe, contudo, simplesmente prosseguir.
Já não havia o menor sinal de vitalidade no sr. Valdemar;
concluindo que estava morto, estávamos entregando-o aos
cuidados dos enfermeiros quando se observou um forte
movimento vibratório na língua. Tal ocorrência continuou
por cerca de um minuto. Ao final desse período, ergueu-se
das mandíbulas distendidas e inertes uma voz — e seria
loucura da minha parte tentar descrevê-la. Há, na verdade,
dois ou três epítetos que se poderia aplicar a ela, em parte;
poderia-se dizer, por exemplo, que o som era rouco,
irregular e oco, mas a totalidade hedionda é indescritível
pela simples razão de que nenhum som semelhante jamais
abalou os ouvidos da humanidade. Havia dois pormenores,
no entanto, que considerei então, e ainda considero, que
poderiam ser classificados como característicos da
entonação — tão bem adaptados estavam para transmitir a
ideia de sua peculiaridade sobrenatural. Em primeiro lugar,
a voz parecia chegar aos nossos ouvidos — pelo menos aos
meus — de uma vasta distância, ou de alguma caverna
profunda no interior da terra. Em segundo lugar,
impressionou-me (receio, na verdade, que será impossível
fazer-me compreender) tal como a matéria gelatinosa ou
pegajosa impressiona o sentido do tato.
Falei tanto do “som” quanto da “voz”. Digo agora que a
separação das sílabas era distinta — até mesmo
maravilhosa e esplendidamente distinta. O sr.
Valdemar falou, obviamente em resposta à pergunta que eu
lhe havia feito alguns minutos antes. Eu perguntara, deve-
se lembrar, se ele ainda dormia. E ele disse:
— Sim… não… eu  estava dormindo… e agora…
agora… estou morto.
Nenhuma pessoa presente sequer fingiu negar, nem
tentou reprimir, o horror inexprimível e trêmulo que essas
poucas palavras, assim proferidas, foram tão bem
calculadas para comunicar. O sr. L…l (o estudante)
desmaiou. Os enfermeiros saíram do quarto imediatamente,
e foi impossível convencê-los a voltar. Não tenho a
pretensão de tornar minhas próprias impressões
inteligíveis para o leitor. Por quase uma hora, ocupamo-nos,
em silêncio — sem pronunciar uma única palavra — em
tentativas de reanimar o sr. L…l. Quando ele recobrou os
sentidos, voltamos a investigar a condição do sr. Valdemar.
Permanecia em todos os aspectos tal como a descrevi
anteriormente, com a exceção de que o espelho não
oferecia mais sinais de respiração. Uma tentativa de extrair
sangue do braço fracassou. Devo dizer, também, que esse
membro não estava mais sujeito à minha vontade. Esforcei-
me em vão para fazê-lo seguir a direção da minha mão. Na
verdade, naquela hora, a única indicação real da influência
mesmérica se via no movimento vibratório da língua
sempre que eu dirigia uma pergunta ao sr. Valdemar. Ele
parecia estar se esforçando para responder, mas não lhe
restava vontade suficiente. Às perguntas propostas por
qualquer outra pessoa que não eu, ele parecia totalmente
indiferente — ainda que eu tentasse colocar cada um dos
presentes em sintonia mesmérica com ele. Acredito que
agora narrei tudo o que é necessário à compreensão do
estado do sonâmbulo naquele momento. Outros
enfermeiros foram convocados, e às dez horas saí da casa
em companhia dos dois médicos e do sr. L…l.
À tarde, todos voltamos para ver o paciente. Sua
condição permanecia exatamente igual à de antes. Tivemos
então um debate sobre a justeza e a possibilidade de
despertá-lo, mas não tivemos muita dificuldade em
concordar que fazê-lo não serviria a nenhum propósito
bom. Era óbvio que, até o momento, a morte (ou o que
geralmente se chama de morte) fora detida pelo processo
mesmérico. Parecia claro para todos nós que despertar o sr.
Valdemar seria apenas garantir sua decomposição
instantânea, ou, no mínimo, ligeira.
Desse período até o final da semana passada — um
intervalo de quase sete meses  — continuamos a fazer
visitas diárias à casa do sr. Valdemar, acompanhados, de
vez em quando, de médicos e outros amigos. Por todo esse
tempo, o adormecido-desperto
permaneceu  exatamente  como já o descrevi. Os cuidados
dos enfermeiros foram contínuos.
Foi na sexta-feira passada que finalmente decidimos fazer
o experimento de despertá-lo, ou de tentar despertá-lo; e
foi o resultado (talvez) lamentável de tal experimento que
gerou tanta discussão em círculos particulares — e tanto do
que não posso deixar de ver como um sentimento popular
injustificado.
Na intenção de aliviar o sr. Valdemar do transe
mesmérico, recorri aos passes habituais. Estes, por um
tempo, não tiveram êxito. O primeiro sinal de reavivamento
foi proporcionado pela descida parcial da íris. Observou-se
como especialmente notável que tal movimento tenha sido
acompanhado pelo derramamento profuso de um icor
amarelado (de baixo das pálpebras) com um odor pungente
e muitíssimo desagradável.
Sugeriu-se então que eu deveria tentar influenciar o
braço do paciente, como outrora. Tentei e fracassei. O dr.
F… sugeriu que eu fizesse uma pergunta. Foi o que fiz, tal
como segue:
— Sr. Valdemar, pode nos explicar quais são seus
sentimentos ou desejos neste momento?
Na mesma hora, os círculos febris de rubor voltaram às
bochechas; a língua estremeceu, ou melhor, sacudiu-se
violentamente na boca (embora as mandíbulas e os lábios
permanecessem rígidos como antes); e, por fim, a mesma
voz hedionda que já descrevi de lá irrompeu:
— Pelo amor de Deus!… Já!… Já!… Ponha-me para
dormir… ou… Já!… Acorde-me!… Já!… Eu já lhe disse que
estou morto!
Fiquei absolutamente alarmado e, por um instante, não
consegui decidir o que fazer. A princípio, fiz uma tentativa
de tranquilizar o paciente, mas, falhando nisso por meio daevasão total da vontade, refiz meus passos e me dediquei
com afinco a despertá-lo. Nessa tentativa, logo percebi que
teria êxito — ou, pelo menos, logo imaginei que meu êxito
seria total — e tenho certeza de que todos no quarto
estavam preparados para ver o paciente despertar.
Para o que de fato aconteceu, porém, é completamente
impossível que qualquer ser humano pudesse estar
preparado.
Enquanto eu repetia rapidamente os passes mesméricos,
em meio às exclamações de “Morto! Morto!” que vertiam
copiosamente da língua e não dos lábios do sofredor, de
uma só vez, todo o seu corpo — dentro de um único minuto,
ou ainda menos — murchou, desmoronou e apodreceu por
completo sob minhas mãos. Na cama, diante de toda aquela
gente, jazia uma massa quase líquida de putrescência
repugnante — e detestável.
O BARRIL DE AMONTILLADO
Edgar Allan Poe, 1846
As mil ofensas de Fortunato eu suportara da melhor
maneira possível, mas, quando ele se aventurou a passar do
limite, jurei vingança. Você, que conhece tão bem a
natureza de minha alma, não vá supor, contudo, que dei voz
a uma ameaça. No devido tempo, eu me vingaria; essa era
uma questão consolidada em caráter definitivo — mas esse
mesmo caráter anulava a ideia do risco. Eu não deveria
somente punir, mas punir com impunidade. O mal não se
repara se a reparação se voltar contra o reparador. Fica
igualmente sem reparo quando o vingador não consegue
mostrar-se como tal para aquele que o prejudicou.
Deve-se entender que nem por palavra nem por gesto dei
a Fortunato razão para duvidar de minha boa vontade.
Continuei, como de hábito, a sorrir diante dele, e ele não
percebeu que eu passara a sorrir por pensar na sua
imolação.
Ele tinha um ponto fraco, esse Fortunato, embora em
outros aspectos fosse um homem a se respeitar e até a se
temer: orgulhava-se de seu conhecimento de vinhos.
Poucos italianos têm o verdadeiro espírito virtuoso. A maior
parte adota o entusiasmo para se adequar ao momento e à
ocasião, para exercer a impostura perante os milionários
ingleses e austríacos. Na pintura e na joalheria, Fortunato,
como seus conterrâneos, era um charlatão, mas, em se
tratando de vinhos antigos, era genuíno. Nesse aspecto,
não éramos muito diferentes um do outro; eu mesmo era
um hábil conhecedor das safras italianas e adquiria muitos
vinhos sempre que podia.
Foi ao cair da noite, durante a loucura suprema da época
de carnaval, que encontrei meu amigo. Ele me abordou
com excessivo regalo, pois já bebera muito. Estava vestido
de bufão: usava um traje listrado em algumas partes e
ajustado ao corpo, e sua cabeça estava coberta com um
gorro em formato de cone com guizos. Fiquei tão feliz em
vê-lo que achei que nunca pararia de apertar sua mão,
dizendo-lhe:
— Meu caro Fortunato, que alegria encontrá-lo. Com que
bela aparência está hoje! Mas recebi um barril de algo que
se passa por amontillado e tenho cá minhas dúvidas.
— Como é que é? — retrucou ele. — Amontillado? Um
barril? Impossível! E bem no meio do carnaval!
— Tenho cá minhas dúvidas — respondi — e fui tolo o
bastante para pagar o preço total do amontillado sem
consultá-lo a respeito. Não consegui encontrá-lo e tive
medo de perder a pechincha.
— Amontillado!
— Tenho cá minhas dúvidas.
— Amontillado!
— E preciso dirimi-las.
— Amontillado!
— Como você tem um compromisso, vou procurar por
Luchesi. Se alguém é capaz de perceber, é ele. Ele poderá
me dizer…
— Luchesi não consegue distinguir amontillado de xerez.
— Ainda assim, certos tolos acreditam que o paladar dele
é páreo para o seu.
— Venha, vamos lá.
— Aonde?
— À sua adega.
— Não, meu amigo; não vou me aproveitar de sua boa
vontade. Estou vendo que tem um compromisso. Luchesi…
— Não tenho compromisso nenhum. Vamos.
— Não, meu amigo. Não é o compromisso, mas esse forte
resfriado que percebi que o aflige. A adega é
insuportavelmente úmida. Está incrustada de salitre.
— Vamos mesmo assim. O resfriado não é nada.
Amontillado! Eu é que vou me aproveitar de você. E,
quanto a Luchesi, ele não consegue distinguir xerez de
amontillado.
Assim falando, Fortunato tomou posse do meu braço.
Colocando uma máscara de seda preta e cobrindo-me com
meu capote, deixei que ele me conduzisse depressa ao meu
palazzo.
Não havia nenhum empregado em casa; tinham
escapulido para se divertir, fazendo jus à época. Eu lhes
dissera que só voltaria na manhã do dia seguinte, deixando
ordens explícitas para que não saíssem de casa. Essas
ordens bastaram, como eu bem sabia, para garantir o
desaparecimento imediato de todos assim que lhes dei as
costas.
Tirei dos suportes duas tochas e, entregando uma a
Fortunato, fi-lo curvar-se para atravessar diversos cômodos
até a arcada que levava à adega. Desci uma escada longa e
sinuosa, pedindo-lhe que tomasse cuidado ao me seguir.
Chegamos, finalmente, ao pé da escada, e pisamos juntos o
chão úmido das catacumbas dos Montresor.
O andar do meu amigo oscilava, e os guizos em seu gorro
tilintavam enquanto caminhava.
— E o barril? — quis saber.
— Está mais adiante — respondi —, mas observe a teia
branca a cintilar nessas paredes cavernosas.
Ele se voltou para mim e fitou meus olhos com dois orbes
turvos que destilavam a reuma da embriaguez.
— É salitre? — perguntou, por fim.
— Isso mesmo. Há quanto tempo você tem essa tosse?
— Cof, cof, cof!… Cof, cof, cof!… Cof, cof, cof!… Cof, cof,
cof!… Cof, cof, cof!
Durante alguns minutos, meu pobre amigo foi incapaz de
responder.
— Não é nada —disse ele, finalmente.
— Venha — chamei, decidido. — Vamos voltar; sua saúde
é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; é
feliz, como já fui. Sentiriam sua falta. Quanto a mim, não há
problema; vamos voltar, ou você ficará doente, e não quero
ser responsável. Além disso, Luchesi pode…
— Basta — insistiu ele. — A tosse não é nada; não vai me
matar. Não morrerei de tosse.
— Verdade… verdade — respondi. — E, além disso, eu
não tinha intenção de alarmá-lo sem necessidade, mas você
deveria tomar todo o cuidado possível. Um trago deste
médoc nos protegerá da umidade.
Nesse momento, abri o gargalo de uma garrafa que tirei
de uma longa fileira de suas iguais, que jaziam sobre o
mofo.
— Beba — falei, oferecendo-lhe o vinho.
Ele o ergueu aos lábios com um olhar de soslaio. Parou e
abanou a cabeça para mim num gesto camarada, enquanto
seus guizos tilintavam, dizendo:
— Bebo aos que foram enterrados e repousam ao nosso
redor.
— E eu, à sua vida longa.
Mais uma vez, ele pegou meu braço e prosseguimos.
— Esta cripta é profunda — comentou ele.
— Os Montresor foram uma família grande e numerosa —
redargui.
— Esqueci seu brasão.
— Um enorme pé humano de ouro em um campo azul; o
pé esmaga uma serpente feroz cujas presas estão cravadas
no calcanhar.
— E o lema?
— Nemo me impune lacessit.4
— Ótimo! — disse ele.
O vinho cintilava em seus olhos e os guizos tilintavam. O
médoc também aqueceu minha imaginação. Havíamos
passado por paredes de ossos empilhados, intercalados de
tonéis e pipas, rumo aos recantos mais íntimos das
catacumbas. Parei novamente e, dessa vez, atrevi-me a
pegar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo.
— O salitre! — exclamei. — Veja, está cada vez mais
abundante. Pende do teto feito musgo. Estamos abaixo do
leito do rio. A umidade se infiltra por entre os ossos. Venha,
vamos voltar antes que seja tarde demais. Sua tosse…
— Não é nada — disse ele. Vamos em frente. Mas,
primeiro, mais um trago do médoc.
Abri e entreguei-lhe um frasco de vinho de Graves, que
ele esvaziou de uma vez só. Seus olhos irradiaram uma luz
feroz. Ele riu e jogou a garrafa para cima com um gesto
que não entendi.
Encarei-o, surpreso. Ele repetiu o movimento — que era
grotesco.
— Não compreendeu? — perguntou.
— Não — respondi.
— Então você não é da irmandade.
— Como assim?
— Você não é maçom.
— Sou, sim — afirmei. — Sou, sim.
— Você? Impossível! Você, maçom?
— Maçom, sim.
— Então mostre um símbolo — disse ele.
— Ei-lo— respondi, exibindo a colher de pedreiro que
levava debaixo do meu capote.
— Está brincando! — exclamou ele, recuando alguns
passos. — Mas vamos atrás do amontillado.
— Que assim seja — concordei, guardando a ferramenta
outra vez e oferecendo-lhe o braço, no qual ele se apoiou
pesadamente.
Continuamos nossa rota em busca do amontillado.
Passamos por uma série de arcos baixos, descemos,
seguimos em frente e descemos outra vez, chegando a uma
cripta profunda, na qual a impureza do ar fez com que
nossas tochas apenas incandescessem, em vez de arder em
chamas.
No canto mais remoto da cripta havia outra menos
espaçosa. As paredes estavam revestidas de restos
humanos empilhados até a abóbada, à moda das grandes
catacumbas de Paris. Três lados dessa cripta interior
continuavam ornamentados dessa maneira. Do quarto, os
ossos haviam sido arrancados e jaziam desordenados sobre
a terra, formando um monte de tamanho considerável.
Dentro da parede exposta pela retirada dos ossos divisamos
outro nicho interno, com cerca de um metro e vinte de
profundidade, quase um de largura e de altura mais ou
menos dois metros. Parecia ter sido construído sem
nenhum propósito em especial, formando apenas o
intervalo entre dois dos colossais suportes do teto das
catacumbas, e era apoiado por uma das paredes de granito
sólido que o cercavam.
Foi em vão que Fortunato, erguendo sua tocha quase
apagada, esforçou-se para espiar as profundezas do nicho.
A luz fraca não nos permitiu enxergar sua extremidade.
— Prossiga — anunciei. — Aí está o amontillado. Quanto a
Luchesi…
— Ele é um ignorante — interrompeu-me o meu amigo,
avançando e lá entrando sem firmeza nos passos, enquanto
eu ia logo em seu encalço.
Num instante, ele alcançou o limite do nicho e, vendo seu
progresso detido pela parede de rocha, parou,
estupidamente aturdido. Mais um momento e eu já o tinha
agrilhoado ao granito. Na superfície da rocha havia duas
argolas de ferro, distantes uma da outra cerca de meio
metro, no sentido horizontal. De uma pendia uma corrente
curta; da outra, um cadeado. Jogando os elos da corrente
em torno da cintura dele, fechar o cadeado foi tarefa de
meros segundos. Ele estava atônito demais para resistir.
Retirando a chave, saí do nicho.
— Passe a mão pela parede — falei. — É impossível não
sentir o salitre. Na verdade, é muito úmido. Mais uma vez,
deixe-me implorar para voltarmos. Não? Então, sem dúvida,
vou deixá-lo. Mas, primeiro, devo prestar-lhe todos os
pequenos cuidados que estiverem ao meu alcance.
— O amontillado! — exclamou meu amigo, que ainda não
se recuperara do assombro.
— É verdade — respondi. — O amontillado.
Ao dizer tais palavras, revolvi a pilha de ossos que
mencionei antes. Jogando-os de lado, logo descobri certa
quantidade de pedras para construção e argamassa. Com
esses materiais e o auxílio da minha colher de pedreiro,
comecei a cobrir vigorosamente a entrada do nicho.
Mal completara a primeira camada de alvenaria quando
descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande
parte, se dissipado. O primeiro sinal que tive disso foi um
lamento baixo vindo das profundezas do nicho; não foi o
lamento de um bêbado. Em seguida, sobreveio um silêncio
longo e obstinado. Completei a segunda camada, a terceira
e a quarta; então, ouvi a trepidação furiosa da corrente. O
som durou vários minutos, durante os quais, para poder
ouvi-lo com a máxima satisfação, cessei meu trabalho e
sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o barulho
diminuiu, retomei a colher e concluí sem interrupção a
quinta, a sexta e a sétima camadas. A parede já chegava
quase à altura do meu peito. Mais uma vez, parei e,
segurando a tocha acima da construção, lancei alguns raios
fracos sobre a figura no interior dela.
Uma sucessão de gritos ruidosos e estridentes,
irrompendo, súbitos, da garganta da figura acorrentada,
pareceu me empurrar violentamente para trás. Por um
breve momento, hesitei; tremi. Desembainhando meu
florete, comecei a tatear com ele o nicho, mas bastou
pensar por um instante para me tranquilizar. Pousei a mão
sobre a estrutura sólida das catacumbas e fiquei satisfeito.
Mais uma vez, aproximei-me da parede. Respondi aos
gritos daquele que clamava. Eu os reecoei, auxiliei-os,
superei-os em volume e força. Fiz isso, e aquele que
clamava silenciou.
Era meia-noite e minha tarefa se aproximava do fim.
Havia completado a oitava, a nona e a décima camada.
Também terminara uma parte da última, a décima
primeira; restava apenas uma única pedra para encaixar e
fixar com reboco. Esforcei-me para erguer o peso e deixei-a
parcialmente na posição destinada. Mas, então, veio do
nicho uma risada baixa que arrepiou os cabelos da minha
cabeça. Foi sucedida por uma voz triste, que tive
dificuldade em reconhecer como a do nobre Fortunato.
Disse a voz:
— Ha, ha, ha!… He, he, he!… Ótima piada, sem dúvida…
Excelente zombaria. Vamos rir à farta disso no palazzo…
he, he, he!… Tomando vinho… he, he, he!
— O amontillado! — falei.
— He, he, he!… He, he, he!… Sim, o amontillado. Mas
não está ficando tarde? Não devem estar nos esperando no
palazzo… a sra. Fortunato e os outros? É hora de ir.
— Sim — respondi. — É hora de ir.
— Pelo amor de Deus, Montresor!
— Sim — repeti. — Pelo amor de Deus!
Mas a essas palavras esperei em vão por uma resposta.
Perdi a paciência e gritei:
— Fortunato!
Respondeu-me o silêncio. Gritei mais uma vez:
— Fortunato!
Ainda, o silêncio. Passei a tocha pela abertura que
restava e a deixei cair no interior do nicho. Veio em
resposta apenas o tilintar dos guizos. Meu coração pesava
— era por causa da umidade das catacumbas. Apressei-me
a concluir minha obra e empurrei a última pedra para sua
posição, fixando-a com reboco. De encontro à nova parede,
reergui a antiga muralha de ossos. Durante meio século,
nenhum mortal os perturbou. In pace requiescat!
BIOGRAFIA DO AUTOR: EDGAR ALLAN POE
Corvos, corações arrancados, assassinatos macabros. A
literatura nunca mais foi a mesma depois que a caneta de
Edgar Allan Poe tocou o papel.
O mestre do terror nasceu em 19 de janeiro de 1809, em
Boston, nos Estados Unidos, filho de dois atores, Eliza e
David Poe. A matriarca precisou cuidar dos três filhos
sozinha após David abandonar a família, e morreu cedo
após contrair tuberculose. Edgar ficou sob os cuidados de
John e Frances Allan, mas nunca foi oficialmente adotado,
tendo conflitos constantes com o pai adotivo.
Poe estudou na Escócia e na Inglaterra, onde recebeu
uma educação clássica, e continuou seus estudos em
Richmond, nos Estados Unidos. Ele frequentou a
Universidade da Virgínia durante o ano de 1826, mas
começou a enfrentar problemas financeiros ao se envolver
com jogos de azar.
Sua carreira literária começou com a publicação de uma
coletânea de poemas intitulada “Tamerlane and Other
Poems”, sob o pseudônimo “A Bostonian”, em 1827, mas o
mundo precisaria esperar alguns poucos anos para
conhecer o grande autor que ele viria a se tornar.
Ainda novo, se juntou ao exército sob o nome de “Edgar
Perry” e se saiu excepcionalmente bem, conseguindo se
tornar sargento em apenas dois anos de serviço. Ele então
foi para West Point, onde mais uma vez se saiu bem, agora
academicamente, mas voltou a ter problemas financeiros.
Ele então se mudou para Baltimore, onde ficou por quatro
anos, vivendo com diversos familiares. Foi durante seu
período na cidade que começou a escrever contos e a
despertar o interesse de periódicos literários.
O Southern Literary Messenger, que ficava em Richmond,
foi o primeiro a contratá-lo e foi o veículo que publicou suas
primeiras histórias de terror: “Metzengerstein” e
“Berenice”. Essa última foi considerada tão gráfica e
aterrorizante que a revista recebeu várias reclamações dos
leitores. O editor do periódico ofereceu um emprego a Poe
e ele retornou a Richmond.
Poe convidou sua tia, Maria, e prima, Virginia, para
morar com ele em Richmond e, um ano depois, Poe e
Virginiase casaram. Ela tinha 13 anos, ele 27, e há muito
debate a respeito da natureza do relacionamento deles. Poe
muitas vezes se referia a Virginia como irmã e Maria como
mãe. Segundo o The Poe Museum, “embora muitas
pessoas, hoje, presumam que seu relacionamento era
familiar, nunca saberemos o que aconteceu em seu
casamento a portas fechadas”. Segundo relatos, acreditava-
se que ele era mais responsável e mais feliz durante os
anos em que ambas viviam com ele.
O autor saiu do Southern Literary Messenger e se mudou
para a Philadelphia, onde começou a se tornar o Edgar
Allan Poe que conhecemos hoje. Foi a partir dali que
histórias como “O Coração Delator” e “Os Assassinatos da
Rua Morgue” foram escritas. Essa última é considerada a
primeira história moderna de detetive, inspirando autores
como Sir Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes,
que mudariam para sempre o gênero.
Poe também abriu as portas para a ficção científica e a
comédia, mas sua contribuição para a literatura de terror e
horror era a que o tornaria mundialmente reconhecido. “O
Corvo”, seu trabalho mais famoso, o tornou um sucesso
incontestável. Mesmo tendo recebido pouco pela
publicação em si, a fama abriu as portas para o autor e fez
com que Poe se tornasse o primeiro escritor estadunidense
a viver completamente de seus ganhos com a escrita.
Edgar Allan Poe revolucionou as histórias macabras da
literatura e é considerado um dos primeiros a trazer mais
profundidade às narrativas do gênero e desenvolver um
forte fator psicológico. Nas palavras do The Poe Museum,
“ele muitas vezes escreveu histórias em que o verdadeiro
monstro era a capacidade para o mal que está dentro de
cada pessoa, e o que acontece quando esse mal é posto em
prática”.
Da mesma forma que perdeu a mãe, Poe perdeu a esposa
para a tuberculose em 1847 e nunca mais se recuperou
emocionalmente da perda. Após a morte da esposa, ele
voltou para Richmond, onde se envolveu com Elmire
Royster Shelton, um antigo romance. Entretanto, sua saúde
estava fragilizada após um ataque de cólera e sua noiva
insistiu que ele fosse até Baltimore para se consultar com
um médico.
Do dia 27 de setembro até o dia 3 de outubro não se tem
registros de Poe, mas ele foi encontrado delirando em uma
taverna, aparentemente bêbado e usando roupas de outra
pessoa. Ele passou dias alternando em um estado de
consciência e delírio até falecer no dia 7 de outubro de
1849.
A causa da morte ainda é discutida e existem diversas
teorias tão enigmáticas quanto os mistérios que Poe
escreveu. Assim como suas histórias, sua vida continua
sendo objeto de estudo e especulação e reforça a grandeza
do legado deixado pelo autor. Edgar Allan Poe continua
sendo lembrado como um dos maiores nomes da literatura
e, de forma inegável, como o mestre da literatura
fantástica.
1 No texto original em inglês, Poe se refere a esses insetos como “death watches in the wall”. Há
discordância entre os estudiosos do autor quanto à identidade de tão intrigante insetinho: alguns
acreditam que se trate do Xestobium rufovillosum, ou deathwatch beetle (algo como “besouro-relógio-
da-morte” em tradução livre, uma vez que não tem nome comum no Brasil), um inseto que costuma
ficar dentro das paredes mastigando madeira e produz um som agourento de tique-taque ao bater a
cabeça na parede para chamar seus pares. É um inseto grande e produz um barulho que se assemelha
ao tamborilar de um lápis em séries irregulares de seis a oito batidas; Poe, entretanto, descreve o som
como “baixo, fraco e ligeiro”, numa alusão ao próprio bater de um coração, portanto alguns estudiosos
consideram que se trate do Liposcelis divinatorius, conhecido no Brasil como piolho-de-livro, um
inseto menor que produz um ruído semelhante ao descrito no conto. De qualquer forma, é um
bichinho dos mais interessantes, afinal, foi o responsável por fomentar um debate entre a tradutora e
a preparadora de quase meia hora, cujo resultado é esta nota. [N. T. e N. P.]
2 No final do século XVIII, o médico alemão Franz Anton Mesmer criou o conceito de “magnetismo
animal” ou “mesmerismo”, que consiste na utilização da hipnose no tratamento e cura de doenças em
seres humanos. Ele acreditava que todos os seres vivos possuíam uma espécie de campo magnético ou
força natural invisível que poderia ter efeitos físicos, incluindo propriedades de cura, e que esta força
poderia ser transmitida através das mãos pelo corpo. A prática é precursora do passe na doutrina
espírita. [N. P.]
3 Na iminência ou na hora da morte. [N. T.]
4 Do latim: “ninguém me ataca impunemente”. [N. T.]
	O Coração Delator
	Os Fatos no Caso do Sr. Valdemar
	O Barril de Amontillado
	Biografia do Autor: Edgar Allan Poe

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