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R enato B rasile iro de Lima Manual de Processo Penal VOLUME ÚNICO INCLUI • Mais de 3.500 precedentes do STF e do STJ • Referências ao Processo Penal Militar • Amplo estudo dos dispositivos processuais da legislação criminal especial • Cases da Corte Interamericana de Direitos Humanos • Novas Súmulas do STJ CONFORME • Lei n. 13.793/2019 - acesso de advogados a processos e procedimentos eletrônicos. • Lei 13.774/2018 - altera a Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar da União • Lei 13.772/2018 - criminaliza o registro não autorizado da intimidade sexual • Lei 13.769/2018 - altera o CPP para estabelecer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência • Lei 13.771/2018 - altera o art. 121 do CP • Lei 13.728/2018 - dispõe sobre a contagem de prazo nos Juizados Especiais • Lei 13.721/2018 - altera o CPP para estabelecer prioridade à realização do exame de corpo de delito nos crimes de violência contra mulher, criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência • Lei 13.718/2018 - traz novas disposições para os crimes contra a dignidade sexual • Lei 13.715/2018 - perda do poder familiar • Lei 13.654/2018 - altera os crimes de furto e roubo do CP • Lei 13.641/2018 - tipifica o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência • Lei 13.642/2018 - investigação pela Polícia Federal de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam ódio ou aversão às mulheres • Lei 13.608/2018 - dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensas por informações que auxiliem nas investigações policiais • Lei 13.603/2018 - inclui a simplicidade como critério orientador do processo perante os Juizados Especiais Criminais 7* edição revista atualizada ampliada EDITORA mpodivm www.editorajuspodivm.com.br http://www.editorajuspodivm.com.br Renato Brasileiro de Lima Manual de Processo Penal I s- edição revista atualizada ampliada 2019 EDITORA >PODIVM www.editorajuspodivm.com.br http://www.editorajuspodivm.com.br EDITORA itfPODIVM www.editorajuspodivm.corn.br Rua Território Rio Branco, 87 - Pituba - CEP: 41830-530 - Salvador - Bahia Tel: (71) 3045.9051 • Contato: https://www.editorajuspodivm.com.br/sac Copyright: Edições JusPODIVM Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robrio Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Diagramação: Isabella Giordano (giordano.bella@gmail.com) Capa: Ana Caquetti L732m Lima, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima - 7. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019. 1.904 p. Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis. Bibliografia. ISBN 978-85-442-2522-6. 1. Direito processual. 2. Direito processual penal. I. Título. CDD 341.43 7.3 ed., 2.° tir.: mar./2019. http://www.editorajuspodivm.corn.br https://www.editorajuspodivm.com.br/sac mailto:giordano.bella@gmail.com A Deus. Ao meu pai Mauro, pelo exemplo de luta e perseverança; A minha mãe Graça, pelo carinho e pelo amor; A minha querida esposa Vanessa: difícil acreditar que, enfim, consegui concluir “nosso ” Manual de Processo Penal (vol. único). Digo “nosso ’’porque tenho a consciência de que jamais teria conseguido concluir a obra sem você. Durante esses anos de dedicação à conclusão deste trabalho, você sem pre esteve ao meu lado: quando desanimava, era você que me dava força e motivação para seguir adiante; quando precisava de alguém para discutir minhas reflexões e agonias acerca do processo penal, era você que estava sempre disposta a me ouvir. Pela paciência, pelo companheirismo, pelo carinho e pelo amor, Excelência, minha eterna gratidão! É chegado mais um especial momento para nós: a apresentação de mais uma edição do nosso Manual de Processo Penal, agora em sua 7a edição. E o fazemos com um sincero e singelo agradecimento a todos os leitores, alunos, professores, advogados, Delegados de Polícia, Defensores Públicos, Magistrados e colegas do Ministério Público, que acolheram nosso trabalho com enorme receptividade. Essa acolhida, já verificada inclusive em algumas honrosas citações em julgados do Supre mo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, nos motiva a continuar na empreitada de fazer um livro que, tentando ser didático, consiga servir aos seus diferentes destinatários: graduandos, mestrandos, doutorandos, concursandos e operadores do Direito Processual Penal, tarefa reconhecidamente muito difícil. Para a publicação desta 7a edição, o livro foi revisado, atualizado e ampliado. Erros pontuais e episódicos na edição anterior foram devidamente corrigidos. Aliás, para tanto, contamos com a valorosa colaboração de diversos leitores, que gentilmente nos comunicaram a sua localização. Dentre as novidades constantes da 7a edição do nosso Manual de Processo Penal, merecem destaque especial as seguintes: 1) Lei n. 13.603/18: altera a Lei n. 9.099/95 para incluir a simpli cidade como critério orientador do processo perante os Juizados Especiais Criminais; 2) Lei n. 13.608/18: dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensas por informações que auxiliem nas investigações policiais; 3) Lei n. 13.642/18: altera a Lei n. 10.446/02 para acrescentar atribuição à Polícia Federal no que concerne à investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, defi nidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres; 4) Lei n. 13.641/18: altera a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/16) para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência; 5) Lei n. 13.654/18: altera o Código Penal para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave; 6) Lei n. 13.715/18: altera o Código Penal para dispor sobre hipóteses de perda do poder familiar pelo autor de determinados crimes contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente; 7) Lei n. 13.718/18: altera o Código Penal para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tomar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estu pro coletivo e o estupro corretivo; 8) Lei n. 13.721/18: altera o Código de Processo Penal para estabelecer que será dada prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher ou violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência; 9) Lei n. 13.728/18: altera a Lei n. 9.099/95 para estabelecer que, na contagem de prazo para a prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, serão computados somente os dias úteis; 10) Lei n. 13.769/18: altera o Código de Processo Penal para estabelecer a substituição da prisão preventiva por 8 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência; 11) Lei n. 13.771/18: altera o art. 121 do Código Penal; 12) Lei n. 13.772/18:do acordo de co laboração premiada................................. 843 14. Ação controlada............................................... 843 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima22 14.1. Conceito e previsão legal....................... 843 14.2. (Des) necessidade de prévia autoriza ção judicial........................................................ 845 14.3. Flagrante prorrogado, retardado ou diferido............................................................. 847 14.4. Entrega vigiada....................................... 848 15. Infiltração de agentes.................................... 849 15.1. Conceito e previsão normativa.............. 849 15.2. Atribuição para a infiltração: agentes de polícia......................................................... 851 15.2.1. (Im) possibilidade de infiltração de particulares......................................... 851 15.3. Requisitos para a infiltração................... 852 15.4. Duração da infiltração............................ 854 15.5. Agente infiltrado e agente provocador (entrapment doctrine ou teoria da armadilha) 855 15.6. Sustação da operação............................ 857 15.7. Responsabilidade criminal do agente infiltrado........................................................... 857 TÍTULO 6 • DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL....................................................... 859 CAPÍTULO I - DAS PREMISSAS FUNDAMENTAIS E ASPECTOS INTRODUTÓRIOS.............................................................. 859 1. A tutela cautelar no processo penal.................. 859 1.1. Lei n9 12.403/11 e o fim da bipolari- dade das medidas cautelares de natureza pessoal previstas no Código de Processo Penal................................................................. 861 2. Princípios aplicáveis às medidas cautelares de natureza pessoal...................................................... 863 2.1. Da Presunção de inocência (ou da não culpabilidade)................................................... 864 2.2. Da jurisdicionalidade (princípio tácito ou implícito da individualização da prisão e não somente da pena).................................... 864 2.2.1. Da vedação da prisão ex lege......... 866 2.3. Da proporcionalidade............................... 867 3. Pressupostos das medidas cautelares: fumus comissi delicti e periculum libertatis...................... 872 4. Características das medidas cautelares.............. 875 5. Procedimento para a aplicação das medidas cautelares de natureza pessoal.............................. 877 5.1. Aplicação isolada ou cumulativa das medidas cautelares......................................... 877 5.2. Decretação de medidas cautelares pelo juiz de ofício..................................................... 877 5.3. Legitimidade para o requerimento de decretação de medida cautelar....................... 878 5.4. Contraditório prévio à decretação das medidas cautelares......................................... 880 5.5. Descumprimento injustificado das obri gações inerentes às medidas cautelares......... 882 5.6. Revogabilidade e/ou substitutividade das medidas cautelares................................... 885 5.7. Recursos cabíveis....................................... 888 5.7.1. Em favor da acusação..................... 888 5.7.2. Em favor do acusado...................... 889 5.8. Duração e extinção das medidas caute lares de natureza pessoal................................ 890 5.9. Detração.................................................... 890 CAPÍTULO II - PRISÃO................................................... 892 1. Conceito de prisão e seu fundamento consti tucional.................................................................... 892 2. Espécies de prisão.............................................. 893 3. Prisão Extrapenal................................................. 893 3.1. Prisão civil................................................. 893 3.1.1. Prisão civil do devedor de alimen tos e do depositário infiel........................ 893 3.1.2. Prisão do falido.............................. 895 3.2. Prisão administrativa................................ 896 3.2.1. Prisão do estrangeiro para fins de extradição, expulsão e deportação.......... 898 3.3. Prisão militar............................................. 900 3.3.1. Da prisão militar em virtude de transgressão disciplinar............................ 900 3.3.2. Da prisão militar em virtude de crime propriamente militar...................... 901 4. Prisão penal (career ad poenam)....................... 903 5. Prisão Cautelar (career ad custodiam)............... 904 6. Momento da prisão............................................. 906 6.1. Inviolabilidade do domicílio..................... 906 6.2. Conceito de d ia ........................................ 906 6.3. Cláusula de reserva de jurisdição............. 906 6.4. Momento da prisão e Código Eleitoral..... 907 7. Imunidades prisionais........................................ 907 7.1. Presidente da República e Governado res de Estado.................................................... 907 7.2. Imunidade diplomática............................ 908 7.3. Senadores, deputados federais, esta duais ou distritais............................................. 910 7.4. Magistrados e membros do Ministério Público.............................................................. 912 7.5. Advogados................................................. 913 7.6. Menores de 18 anos................................. 914 8. Prisão e emprego de força................................. 914 8.1. Instrumentos de menor potencial ofen sivo (ou não letais)........................................... 915 9. Mandado de prisão............................................. 915 9.1. Cumprimento do mandado de prisão...... 918 23SUMÁRIO 9.2. Difusão vermelha (red notice)................. 924 9.2.1. Difusão vermelha a ser executada no exterior................................................. 924 9.2.2. Difusão vermelha a ser cumprida no Brasil..................................................... 924 10. Prisão Especial e separação de presos provi sórios....................................................................... 925 10.1. Prisão de índios....................................... 929 11. Sala de Estado-Maior....................................... 930 CAPÍTULO III - DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E CONVENCIONAIS ATINENTES À TUTELA DA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO...................................................................... 932 1. Da observância dos direitos fundamentais no Estado de Direito..................................................... 932 2. Do respeito à integridade física e moral do preso........................................................................ 933 2.1. Respeito à integridade moral do preso e sua indevida exposição à mídia.................... 934 2.2. Respeito à integridade física e moral do preso e uso de algemas................................... 937 2.2.1. Vedação ao uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres durante a fase de puer- pério imediato........................................... 938 2.3. Caso Damião Ximenes Lopes................... 939 3. Da comunicação imediata da prisão ao juiz competente e ao Ministério Público...................... 939 4. Da comunicação imediata da prisão à família do preso ou à pessoa por ele indicada.................. 941 5. Do direito ao silêncio (nemo tenetur se dete- gere)........................................................................ 942 6. Da assistência de advogado ao preso................ 942 7. Do direito do preso à identificação dos res ponsáveis por sua prisão ou por seu interroga tório policial............................................................ 945 8. Do relaxamento da prisão ilegal......................... 946 9. Audiência de custódia (ou de apresentação).....948 CAPÍTULO IV - DA PRISÃO EM FLAGRANTE...... 953 1. Conceito de prisão em flagrante........................ 953 2. Funções da prisão em flagrante......................... 953 3. Fases da prisão em flagrante.............................. 954 4. Natureza jurídica da prisão em flagrante delito.. 955 5. Sujeito ativo da prisão em flagrante.................. 957 5.1. Flagrante facultativo.................................. 957 5.2. Flagrante obrigatório, compulsório ou coercitivo.......................................................... 958 6. Sujeito passivo do flagrante............................... 958 7. Espécies de flagrante.......................................... 958 7.1. Flagrante próprio, perfeito, real ou ver dadeiro............................................................. 959 7.2. Flagrante impróprio, imperfeito, irreal ou quase-flagrante.......................................... 959 7.3. Flagrante presumido, ficto ou assimilado. 960 7.4. Flagrante preparado, provocado, crime de ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador......... 961 7.5. Flagrante esperado................................... 962 7.5.1. Venda simulada de droga............... 963 7.6. Flagrante prorrogado, protelado, retar dado ou diferido: ação controlada e entrega vigiada.............................................................. 964 7.7. Flagrante forjado, fabricado, maquina do ou urdido..................................................... 965 8. Prisão em flagrante nas várias espécies de crimes...................................................................... 965 8.1. Prisão em flagrante em crime perma nente ................................................................ 965 8.2. Prisão em flagrante em crime habitual.... 966 8.3. Prisão em flagrante em crime de ação penal privada e em crime de ação penal pública condicionada....................................... 967 8.4. Prisão em flagrante em crimes formais .... 967 8.5. Prisão em flagrante em crime continua do (flagrante fracionado)................................ 968 9. Flagrante e apresentação espontânea do agente...................................................................... 968 10. Lavratura do auto de prisão em flagrante delito....................................................................... 969 10.1. Autoridade com atribuições para a lavratura do auto de prisão em flagrante....... 970 10.2. Condutor e testemunhas........................ 971 10.3. Interrogatório do preso.......................... 972 10.4. Fracionamento do auto de prisão em flagrante delito................................................. 974 10.5. Prazo para a lavratura do auto de pri são em flagrante delito.................................... 974 10.6. Relaxamento da prisão em flagrante pela autoridade policial (auto de prisão em flagrante negativo).......................................... 974 10.7. Recolhimento à prisão............................ 975 10.8. Remessa do auto à autoridade com petente............................................................. 975 10.9. Remessa do auto de prisão em flagran te delito à autoridade judiciária...................... 976 10.10. Remessa do auto de prisão em fla grante à Defensoria Pública, se o autuado não informar o nome de seu advogado.......... 976 10.11. Nota de culpa........................................ 976 11. Convalidação judicial da prisão em flagrante.... 977 11.1. Relaxamento da prisão em flagrante ilegal................................................................. 978 11.2. Conversão da prisão em flagrante em preventiva (ou temporária)............................. 978 24 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 11.3. Concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as medidas cautelares diversas da prisão....... 982 CAPÍTULO V - DA PRISÃO PREVENTIVA............... 983 1. Conceito de prisão preventiva........................... 983 2. Decretação da prisão preventiva durante a fase preliminar de investigações............................ 984 3. Decretação da prisão preventiva durante o curso do processo criminal.................................... 986 3.1. Concessão antecipada de benefícios prisionais ao preso cautelar............................ 987 4. Iniciativa para a decretação da prisão preven tiva........................................................................... 988 4.1. Decretação da prisão preventiva pelo juiz de ofício..................................................... 988 4.2. Legitimidade para o requerimento de decretação da prisão preventiva..................... 988 5. Pressupostos....................................................... 989 5.1. Fumus comissi delicti............................... 989 5.2. Periculum libertatis.................................. 990 5.2.1. Garantia da ordem pública............. 991 5.2.2. Garantia da ordem econômica....... 995 5.2.3. Garantia de aplicação da lei penal.. 997 5.2.3.1. Prisão de estrangeiros e garan tia de aplicação da lei penal..................... 998 5.2.4. Conveniência da instrução criminal 1000 5.2.5. Descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.........................1001 6. Hipóteses de admissibilidade da prisão pre ventiva ...................................................................... 1001 6.1. Crimes dolosos punidos com pena má xima superior a 4 (quatro) anos........................1001 6.2. Investigado ou acusado condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no art. 64, inciso I, do Código Penal.............................1003 6.3. Quando o crime envolver violência do méstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência........................1003 6.4. Dúvida sobre a identidade civil da pes soa ou não fornecimento de elementos suficientes para seu esclarecimento.................1006 7. Prisão preventiva e excludentes de ilicitude e de culpabilidade.......................................................1008 8. Duração da prisão preventiva e excesso de prazo na formação da culpa.....................................1009 8.1. Noções introdutórias..................................1009 8.2. Leis 11.689/08 e 11.719/08 e novo pra zo para a conclusão do processo quando o acusado estiver preso.......................................1011 8.3. Natureza do prazo para o encerramento do processo e princípio da proporcionalidade. 1014 8.4. Hipóteses que autorizam o reconheci mento do excesso de prazo...............................1014 8.5. Excesso de prazo provocado pela defesa.. 1016 8.6. Excesso de prazo após a pronúncia ou o encerramento da instrução criminal: mi tigação das súmulas 21 e 52 do STJ..................1017 8.7. Excesso de prazo e aceleração do julga mento ................................................................ 1018 8.8. Relaxamento da prisão por excesso de prazo e decretação de nova prisão...................1019 8.9. Excesso de prazo e efeito extensivo.......... 1019 8.10. Relaxamento da prisão preventiva e liberdade plena.................................................1019 8.11. Relaxamento da prisão e natureza da infração penal....................................................1020 8.12. Excesso de prazo e investigado ou acu sado solto..........................................................1020 9. Fundamentação da decisão que decreta a prisão preventiva...................................................... 1021 9.1. Fundamentação per relationem.................1023 10. Revogação da prisão preventiva.........................1024 11. Apresentação espontânea do acusado..............1024 12. Prisão preventiva no Código de Processo Penal Militar............................................................. 1025 CAPÍTULO VI - DA PRISÃO TEMPORÁRIA...........1026 1. Origem.................................................................. 1026 2. Conceito de prisão temporária............................1028 3. Requisitos............................................................. 1028 3.1. Da imprescindibilidade da prisão tem porária para as investigações............................1030 3.2. Ausência de residência fixa e não for necimento de elementos necessários ao esclarecimento da identidade do indiciado....1031 3.3. Fundadas razões de autoria ou partici pação do indiciado nos crimes listados no inciso III do art. I 9 da Lei ne 7.960/89 e no art. 2e, § 42, da Lei n9 8.072/90........................1032 4. Do procedimento.................................................1038 5. Prazo..................................................................... 1039 6. Direitos e garantias do preso temporário........... 1040 CAPÍTULO VII - DAS PRISÕES DECORRENTES DE PRONÚNCIA E DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL................................... 1041 1. Análise histórica das prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível.. 1041 CAPÍTULO VIII - DA PRISÃO DOMICILIAR........... 1048 1. Da prisão domiciliar.............................................1048 SUMÁRIO 25 1.1. Hipóteses de admissibilidade e ônus da prova................................................................. 1050 1.2. Fiscalização da prisão domiciliar................ 1054 1.3. Saídas controladas......................................1055 1.4. Utilização da prisão domiciliar como medida cautelar diversa da prisão preventiva. 1055 1.5. Detração..................................................... 1056 CAPÍTULO IX - DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL DIVERSAS DA PRISÃO 1057 1. Da ampliação do rol de medidas cautelares de natureza pessoal previstas no Código de Proces so Penal.................................................................... 1057 2. Compareciménto periódico em juízo...................1058 3. Proibição de acesso ou frequência a determi nados lugares............................................................1059 4. Proibição de manter contato com pessoa de terminada................................................................. 1061 5. Proibição de ausentar-se da Comarca ou do País........................................................................... 1062 6. Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acu sado tenha residência e trabalho fixos....................1063 7. Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira 1064 8. Internação provisória...........................................1069 9. Fiança.................... 1072 10. Monitoração eletrônica......................................1073 11. Medidas cautelares de natureza pessoal di versas da prisão previstas na legislação especial.... 1076 12. Poder geral de cautela no processo penal........ 1079 CAPÍTULO X - DA LIBERDADE PROVISÓRIA....... 1082 1. Conceito............................................................... 1082 2. Distinção entre relaxamento da prisão, liberdade provisória e revogação da prisão cautelar................1085 2.1. Quadro comparativo entre relaxamento da prisão, revogação da prisão cautelar e liberdade provisória..........................................1086 3. Espécies de liberdade provisória..........................1087 4. Liberdade provisória sem fiança..........................1087 4.1. Revogada liberdade provisória sem fiança nas hipóteses em que o conduzido livrava-se solto...................................................1087 4.2. Liberdade provisória sem fiança nas hipóteses de descriminantes.............................1088 4.3. Revogada liberdade provisória sem fian ça pela inexistência de hipótese que auto rizasse a prisão preventiva (antiga redação do art. 310, parágrafo único)............................1090 4.4. Liberdade provisória sem fiança por motivo de pobreza............................................1092 5. Liberdade provisória com fiança..........................1093 5.1. Conceito e natureza jurídica da fiança.....1093 5.2. Momento para a concessão da fiança.....1094 5.3. Concessão de fiança pela autoridade policial............................................................... 1095 5.4. Valor da fiança............................................1096 5.5. Infrações inafiançáveis...............................1097 5.5.1. Infrações inafiançáveis que passaram a admitir fiança após a Lei n9 12.403/11..............................................1097 5.5.1.1. Crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada fosse superior a 2 (dois) anos (antiga redação do art. 323, I)..............................................1097 5.5.1.2. Contravenções tipificadas no art. 59 e no revogado art. 60 da Lei das Contravenções Penais (antiga redação do art. 323, II).............................................1097 5.5.1.3. Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, se o réu já tivesse sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado (antiga redação do art. 323, III)...............................................................1098 5.5.1.4. Em qualquer caso, se houvesse no processo prova de ser o réu vadio (revogado inciso IV do art. 323).................1098 5.5.1.5. Crimes punidos com reclusão, que provocassem clamor público ou que tivessem sido cometidos com vio lência contra a pessoa ou grave ameaça (revogado inciso V do art. 323)..................1099 5.5.1.6. Preso em gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional.................................................1099 5.5.2. Racismo............................................1099 5.5.3. Crimes hediondos, tráfico de dro gas, terrorismo e tortura............................1099 5.5.4. Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.............................1100 5.5.5. Anterior quebramento de fiança no mesmo processo ou descumprimen- to das obrigações dos arts. 327 e 328 do CPP........................................................1100 5.5.6. Prisão civil ou militar........................1100 5.5.7. Presença das hipóteses que au torizam a prisão preventiva........................1101 5.6. Obrigações processuais..............................1101 5.7. Incidentes relativos à fiança.......................1101 5.7.1. Quebramento da fiança...................1101 5.7.2. Fiança definitiva...............................1103 5.7.3. Perda da fiança.................................1103 5.7.4. Cassação da fiança...........................1103 5.7.5. Reforço da fiança..............................1104 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima26 5.7.6. Fiança sem efeito (inidoneidade da fiança)....................................................1104 5.7.7. Dispensa da fiança...........................1105 5.7.8. Conversão da liberdade provisó ria com fiança em liberdade provisória sem fiança..................................................1105 5.7.9. Destinação da fiança....................... 1105 5.7.10. Execução da fiança.........................1106 6. Liberdade provisória obrigatória........................ 1107 7. Liberdade provisória proibida............................ 1107 8. Liberdade provisória com vinculação................. 1116 9. Liberdade provisória sem vinculação..................1117 10. Liberdade provisória e definição jurídica do fato delituoso pela autoridade policial ou pelo Ministério Público....................................................1117 11. Liberdade provisória e recursos........................ 1118 12. Liberdade provisória no Código de Processo Penal Militar.............................................................1119 13. Menagem........................................................... 1122 TÍTULO 7 • QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES........................................................................1125 1. Noções gerais.......................................................1125 2. Questões prejudiciais...........................................1125 2.1 Conceito e natureza jurídica........................1126 2.2. Características............................................1127 2.3. Distinção entre questões prejudiciais e questões preliminares.......................................1128 2.4. Classificação das questões prejudiciais.......1129 2.4.1. Quanto à Natureza...........................1129 2.4.2. Quanto à competência.................... 1131 2.4.3. Quanto aos efeitos...........................1131 2.4.4. Quanto ao grau de influência da questão prejudicial sobre a prejudicada... 1132 2.5. Sistemas de Solução...................................1132 2.6. Questões prejudiciais devolutivas abso lutas (heterogêneas relativas ao estado civil das pessoas)......................................................1133 2.6.1. Pressupostos....................................1133 2.6.2. Conseqüências.................................1135 2.7. Questões prejudiciais devolutivas rela tivas (heterogêneas não relativas ao estado civil das pessoas)...............................................1136 2.7.1 Pressupostos.....................................1136 2.7.2. Conseqüências.................................1137 2.8. Recursos cabíveis........................................1138 2.9. Decisão cível acerca da questão prejudi cial heterogênea e sua influência no âmbito criminal..............................................................1139 2.10. Princípio da suficiência da ação penal.... 1139 3. Exceções............................................................... 1140 3.1. Conceito.....................................................1140 3.2. Exceções ou objeções.................................1140 3.3. Classificação das exceções.........................1141 3.3.1. Quanto à natureza............................1141 3.3.2. Quanto aos efeitos...........................1141 3.3.3. Quanto à forma de processamento 1142 3.4. Natureza Jurídica........................................1142 3.5. Exceção de suspeição, de impedimento ou de incompatibilidade...................................1143 3.5.1. Procedimento da exceção de suspeição (impedimento e incompati bilidade) .....................................................1143 3.5.1.1. Reconhecimento de ofício da suspeição.................................................... 1143 3.5.1.2. Oposição da exceção de suspeição 1144 3.5.1.3. Apreciação da exceção de sus peição pelo juiz excepto.............................1146 3.5.1.4. Julgamento da exceção de sus peição pelo Tribunal competente............. 1147 3.5.1.5. Recursos cabíveis..........................1147 3.5.2. Suspeição nos Tribunais de 2a instância e nos Tribunais Superiores..........1148 3.5.3. Suspeição do órgão do Ministério Público........................................................1148 3.5.4. Suspeição de serventuários, de funcionários da justiça, peritos e intér pretes .........................................................1149 3.5.5. Suspeição dos jurados......................1150 3.5.6. Suspeição da autoridade policial.... 1150 3.6. Exceção de incompetência.........................1151 3.6.1. Do procedimento da exceção de incompetência............................................1151 3.6.2. Arguição da incompetência antes do início do processo.................................1151 3.6.3. Recursos cabíveis..............................1153 3.7. Exceção de ilegitimidade............................1153 3.7.1. Ilegitimidade ad causam e ad processum..................................................1153 3.7.2. Procedimento da exceção de ile gitimidade de parte....................................1153 3.7.3. Recursos cabíveis..............................1154 3.8. Exceção de litispendência..........................1154 3.8.1. Procedimento da exceção de li tispendência ...............................................1155 3.8.2. Recursos cabíveis..............................1155 3.9. Exceção de coisa julgada............................1155 3.9.1. Conceito de coisa julgada.................1155 3.9.2. Coisa julgada formal e material..... 1156 3.9.3. Coisa julgada e coisa soberana mente julgada............................................1156 3.9.4. Limites da coisa julgada...................1157 SUMÁRIO 3.9.4.1. Limites objetivos............................1157 3.9.4.2. Limites subjetivos...........................1159 3.9.5. Duplicidade de sentenças conde- natórias com trânsito em julgado............. 1160 3.9.6. Procedimento da exceção de coi sa julgada....................................................1160 4. Conflito de competência.......................................1160 5. Conflito de atribuições no âmbito do Minis tério Público.............................................................1167 6. Restituição de coisas apreendidas.......................1170 6.1. Apreensão..................................................1170 6.2. Vedações e restrições à restituição de coisas apreendidas............................................1172 6.2.1. Destinação das coisas apreendi das não restituídas..................................... 1174 6.3. Procedimento da restituição de coisas apreendidas....................................................... 1175 6.3.1. Recursos cabíveis.............................. 1178 7. Medidas assecuratórias........................................ 1179 7.1. Noções introdutórias..................................1179 7.1.1. Jurisdicionalidade.............................1180 7.1.2. Pressupostos .................................... 1180 7.1.3. Contraditório prévio......................... 1181 7.2. Seqüestro...................................................1182 7.2.1. Procedimento................................... 1184 7.2.2. Defesa............................................... 1186 7.2.3. Levantamento do seqüestro............ 1191 7.2.4. Destinação final do seqüestro........ 1193 7.3. Especialização e registro da hipoteca legal................................................... 1194 7.3.1. Momento....... ................................. 1196 7.3.2. Pressupostos ...;................................ 1197 7.3.3. Legitimidade..................................... 1197 7.3.4. Procedimento................................... 1199 7.3.5. Defesa.............................. 1201 7.3.6. Finalização...... ................................. 1202 7.4. Arresto prévio (ou preventivo).................. 1203 7.5. Arresto subsidiário de bens móveis.......... 1204 7.5.1. Inscrição de hipoteca legal e ar resto nos crimes de lavagem de capitais .. 1207 7.6. Alienação antecipada................................ 1208 7.6.1. Momento.........................................1208 7.6.2. Pressupostos....................................1209 7.6.3. Legitimidade.....................................1209 7.6.4. Procedimento...................................1210 7.7. Ação civil de confisco................................ 1212 8. Incidente de falsidade........ ................................. 1214 8.1. Noções gerais............................................ 1214 8.2. Procedimento do incidente de falsidade .. 1216 27 8.3. Recurso adequado......................................1218 8.4. Suspensão do processo principal...............1219 8.5. Coisa julgada..............................................1219 9. Incidente de insanidade mental...........................1220 9.1. Instauração do incidente............................1221 9.2. Procedimento.............................................1222 9.3. Conclusão do incidente de insanidade mental...............................................................1225 9.3.1. Durante o processo judicial............. 1226 9.3.2. Durante o curso do inquérito policial. 1231 9.3.3. Durante a execução penal................1232 TÍTULO 8 • SUJEITOS DO PROCESSO...................... 1235 1. Noções gerais.......................................................12352. Juiz........................................................................ 1235 2.1. Capacidade para ser juiz............................1236 2.2. Escolha dos juizes.......................................1236 2.3. Funções do juiz no processo penal........... 1238 2.3.1. Funções de ordem jurisdicional.....1238 2.3.1.1. Gestão da prova pelo magistrado 1239 2.3.2. Funções de ordem administrativa... 1241 2.3.3. Funções anômalas............................1242 2.4. Garantias e vedações dos juizes.................1242 2.5. Imparcialidade do juiz................................1243 2.5.1. Impedimento.................................. 1243 2.5.2. Suspeição.........................................1247 2.5.3. Incompatibilidade.............................1249 3. Partes.................................................................... 1250 4. Ministério Público................................................1252 4.1. (Im) parcialidade do Ministério Público.... 1253 4.2. Organização do Ministério Público............ 1255 4.3. Princípios institucionais do Ministério Público...............................................................1259 4.3.1. Princípio do Promotor Natural........ 1261 4.4. Garantias e vedações.................................1265 4.5. Impedimento e suspeição do órgão do Ministério Público.............................................1267 4.6. Promotor ad hoc........................................1268 5. Ofendido...............................................................1268 5.1. Ofendido como querelante........................1269 5.2. Ofendido como assistente da acusação.... 1270 5.2.1. Natureza do interesse do assis tente da acusação......................................1272 5.2.2. Habilitação do ofendido como assistente da acusação...............................1274 5.2.3. Atribuições do assistente.................1277 6. Acusado................................................................ 1279 6.1. Capacidade do acusado..............................1280 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 6.1.1. Menores de 18 (dezoito) anos........ 1280 6.1.2. Acusado inimputável........................1280 6.1.3. Pessoa jurídica..................................1281 6.1.4. Animais, mortos e seres inanima dos 1281 6.1.5. Acusado certo e individualizado....1282 6.1.6. Imunidade diplomática....................1283 6.2. Autodefesa e presença do acusado.......... 1283 6.3. Contumácia do acusado.............................1284 6.4. Direitos do acusado....................................1285 7. Defensor...............................................................1286 7.1. Espécies de defensor..................................1286 7.1.1. Defensoria Pública............................1289 7.2. Defesa técnica plena e efetiva...................1291 7.3. Abandono do processo pelo defensor...... 1292 7.4. Impedimento do defensor.........................1293 8. Assistente da defesa.............................................1293 TÍTULO 9 • COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS...................................................................... 1295 1. Noções gerais..................................................... 1295 2. Citação.................................................................1295 2.1. Efeitos da citação válida.............................1297 2.2. Espécies de citação....................................1298 3. Citação pessoal.....................................................1298 3.1. Citação por mandado.................................1298 3.2. Citação por carta precatória.......................1300 3.3. Citação do militar.......................................1301 3.4. Citação de funcionário público...................1302 3.5. Citação de acusado preso..........................1302 3.6. Citação de acusado no estrangeiro........... 1303 3.7. Citação em legações estrangeiras............. 1304 3.8. Citação mediante carta de ordem............. 1305 4. Citação por edital.................................................1305 4.1. Hipóteses que autorizam a citação por edital.................................................................1306 4.2. Suspensão do processo e da prescrição (art. 366 do CPP)...............................................1308 4.2.1. Art. 366 do CPP e sua aplicação na Justiça Militar........................................1309 4.2.2. Limitação temporal do prazo de suspensão da prescrição............................1310 4.2.3. Produção antecipada de provas urgentes.....................................................1311 4.2.4. Prisão preventiva..............................1312 4.2.5. Comparecimento do acusado......... 1313 4.2.6. Aplicação do art. 366 do CPP na Lei de Lavagem de Capitais....................... 1313 5. Citação por hora certa..........................................1314 6. Intimação e notificação.................................... 1317 6.1. Formas de intimação e notificação das partes................................................................ 1317 TÍTULO 10 • PROCESSO E PROCEDIMENTO............................................................... 1323 CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO....................................... 1323 1. Noções gerais..............................................'.........1323 1.1. Procedimento e devido processo penal.... 1324 1.2. Violação às regras procedimentais............ 1325 2. Classificação do procedimento.............................1325 2.1. Classificação do procedimento comum .... 1326 2.1.1. Concursos de crimes, qualifica- doras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes.................................................1328 3. Procedimento adequado no caso de conexão e/ou continência envolvendo infrações penais sujeitas a ritos distintos............................................1329 4. Antigo procedimento comum ordinário dos crimes punidos com reclusão...................................1330 CAPÍTULO II - PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO.......................................................................... 1331 1. Oferecimento da peça acusatória........................1331 2. Juízo de admissibilidade: rejeição ou recebi mento da peça acusatória........................................1331 2.1. Momento do juízo de admissibilidade da peça acusatória............................................1332 3. Rejeição da peça acusatória................................. 1333 3.1. Causas de rejeição......................................1333 3.1.1. Inépcia da peça acusatória...............1333 3.1.2. Falta de pressuposto processual....1334 3.1.3. Falta de condições para o exercí cio da ação penal.......................................1335 3.1.4. Falta de justa causa (suporte probatório mínimo) para o exercício da ação penal.............................................1336 3.2. Rejeição parcial da peça acusatória.......... 1336 3.3. Recurso cabível contra a rejeição da peça acusatória.................................................1337 4. Recebimento da peça acusatória.........................1337 4.1. (Des) necessidade de fundamentação do recebimento da peça acusatória..................1338 4.2. Conseqüências do recebimento da peça acusatória.......................................................... 1339 4.3. Recurso cabível contra o recebimento da peça acusatória............................................1339 5. Citação do acusado..............................................1340 6. Reação defensiva à peça acusatória.....................1340 6.1. Extinta defesa prévia..................................1341 6.2. Defesa preliminar.......................................1341 SUMÁRIO 29 6.2.1. Procedimentos em que há previ são legal de defesa preliminar.................. 1342 6.2.2. Conseqüências decorrentes da inobservância da defesa preliminar.......... 1344 6.2.3. Defesa preliminar e necessidade de apresentação concomitante da res posta à acusação........................................1345 6.3. Respostaà acusação..................................1347 6.4. Quadro comparativo entre a extinta de fesa prévia, a defesa preliminar e a resposta à acusação......................................................... 1350 7. Revelia.................................................................. 1351 8. Possível oitiva da acusação..................................1353 9. Absolvição sumária..............................................1354 9.1. Julgamento antecipado da lide no pro cesso penal........................................................ 1354 9.2. Causas de absolvição sumária no pro cedimento comum............................................1355 9.3. Inimputável do art. 26, caput, do CP....... 1356 9.4. Grau de convencimento necessário para a absolvição sumária.........................................1356 9.5. Distinção entre a absolvição sumária do procedimento comum e a da l ã fase do procedimento do júri........................................1357 9.6. Coisa julgada..............................................1357 9.7. Recurso adequado......................................1357 10. Aceitação da proposta de suspensão condi cionai do processo.................................................... 1358 11. Designação da audiência....................................1359 12. Audiência una de instrução e julgamento......... 1361 12.1. Da instrução probatória em audiência.... 1361 12.2. Indeferimento de provas ilícitas, irre levantes, impertinentes ou protelatórias......... 1361 12.3. Diligências................................................1363 12.4. Mutatio libelli: eventual necessidade de aditamento...................................................1364 12.5. Alegações orais......... ............................... 1365 12.5.1. Conteúdo das alegações orais....... 1366 12.5.2. Ordem de apresentação das alegações orais...........................................1367 12.5.3. Substituição das alegações orais por memoriais............................................1367 12.5.4. Não apresentação de alegações orais ou memoriais pelas partes................1368 12.6. S enten ça ................................................................1369 12.7. Registro da audiência...............................1369 CAPÍTULO III - PROCEDIMENTO COMUM SUM ÁRIO .............................................................................. 1370 1. Noções gerais....................................................... 1370 2. Distinção entre o procedimento comum ordi nário e o procedimento comum sumário............... 1371 CAPÍTULO IV-PROCEDIM ENTO ESPECIAL DO TRIBUNAL DO JÚRI.................................................. 1372 1. Princípios constitucionais do júri..................... 1372 1.1. Plenitude de defesa....................................1372 1.2. Sigilo das votações.....................................1374 1.2.1. Sala especial.....................................1374 1.2.2. Incomunicabilidade dos jurados....1375 1.2.3. Votação unânime.............................1376 1.3. Soberania dos veredictos...........................1376 1.3.1. Cabimento de apelação contra decisões do Júri..........................................1377 1.3.2. Cabimento de revisão criminal contra decisões do Júri...............................1378 1.3.3. Execução provisória de decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, independentemente do julga mento de eventual recurso de apelação pelo juízo ad quem.....................................1378 1.4. Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.............................1380 2. Procedimento bifásico do Tribunal do Júri......... 1382 3. ludicium accusationis (ou sumário da culpa).....1382 3.1. Alegações orais...........................................1385 4. Impronúncia.........................................................1387 4.1. Natureza jurídica e coisa julgada................1387 4.2. Provas novas e oferecimento de outra peça acusatória.................................................1388 4.3. Infração conexa..........................................1388 4.4. Despronúncia.............................................1388 4.5. Recurso cabível...........................................1389 5. Desclassificação do delito....................................1390 5.1. Nova capitulação legal...............................1391 5.2. Procedimento a ser observado pelo juízo singular competente.................................1392 5.3. Infração conexa..........................................1393 5.4. Situação do acusado preso........................1393 5.5. Recurso cabível...........................................1394 5.6. Conflito de competência..................... 1395 6. Absolvição sumária..............................................1397 6.1. Inimputável do art. 26, caput, do CP........ 1397 6.2. Juízo de certeza..........................................1398 6.3. Infração conexa..........................................1399 6.4. Natureza jurídica e coisa julgada................1400 6.5. Recurso cabível...........................................1400 6.5.1. Recurso de ofício.......................... 1401 7. Pronúncia............................................................. 1402 7.1. Pressupostos..............................................1402 7.2. Natureza jurídica........................................1403 7.3. Regra probatória: in dubio pro societate (ou in dubio pro reo).........................................1403 30 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 7.4. Fundamentação e eloqüência acusatória . 1405 7.5. Emendatio e mutatio libelli........................1407 7.6. Conteúdo da pronúncia..............................1409 7.7. Infrações conexas.......................................1410 7.8. Constatação do envolvimento de outras pessoas como coautores ou partícipes............ 1410 7.9. Efeitos da pronúncia...................................1411 7.9.1. Decretação da prisão preventiva ou imposição de medidas cautelares diversas da prisão.......................................1412 7.10. Intimação da pronúncia...........................1413 7.11. Recurso cabível.........................................1415 8. Desaforamento.....................................................1415 8.1. Legitimidade para o requerimento de desaforamento..................................................1416 8.2. Momento para o desaforamento.............. 1416 8.3. Hipóteses que autorizam o desafora mento................................................................1417 8.4. Aceleração de julgamento..........................1418 8.5. Crimes conexos e coautores.......................1418 8.6. Comarca (ou subseção judiciária) para a qual o processo será desaforado................... 1419 8.7. Efeito suspensivo........................................1419 8.8. Recursos.....................................................1419 8.9. Reaforamento.............................................1420 8.10. Competência para a execução provisória 1420 9. Preparação do processo para julgamento pelo Tribunal do Júri.........................................................1420 9.1. Ordenamento do processo.........................1421 9.2. Ordem do julgamento................................1423 9.3. Habilitação do assistente do Ministério Público...............................................................1423 10. Organização do Júri............................................1423 10.1. Requisitos para ser jurado........................1424 10.2. Recusa injustificada..................................1427 10.3. Direitos dos jurados.................................1427 10.4. Escusa de consciência..............................1428 11. Sessão de julgamento........................................1429 11.1. Reunião periódica....................................1429 11.2. Ausências..................................................1429 11.2.1. Ausência do órgão do Ministério Público........................................................142911.2.2. Ausência do advogado de defesa.. 1429 11.2.3. Ausência do acusado solto............ 1431 11.2.4. Ausência do acusado preso........... 1432 11.2.5. Ausência do advogado do assis tente de acusação......................................1432 11.2.6. Ausência do advogado do que- relante........................................................1432 11.2.7. Ausência de testemunhas............. 1433 11.2.8. Ausência do juiz presidente.......1434 11.3. Verificação da presença de, pelo me nos, 15 jurados.................................................. 1435 11.3.1. Empréstimo de jurados..................1435 11.4. Suspeição, impedimento e incompati bilidade.............................................................. 1436 11.4.1. Dos jurados....................................1436 11.4.2. Do juiz-presidente..........................1438 11.4.3. Do órgão do Ministério Público .... 1438 11.5. Composição do Conselho de Sentença... 1438 11.5.1. Recusas motivadas, imotivadas (ou peremptórias) e estouro de urna....... 1439 11.5.2. Tomada do compromisso dos jurados 1441 11.6. Instrução em plenário..............................1441 11.6.1. Leitura de peças.............................1442 11.6.2. Interrogatório do acusado............. 1444 11.6.2.1. Uso de algemas...........................1444 11.7. Debates....................................................1445 11.7.1. Réplica e tréplica.......................... 1447 11.7.1.1. Inovação na tréplica....................1448 11.7.2. Exibição e leitura de documen tos em plenário..........................................1449 11.7.3. Argumento de autoridade..............1451 11.7.4. Direito ao aparte............................1452 11.7.5. Sociedade indefesa........................1452 11.7.6. Acusado indefeso...........................1453 11.8. Esclarecimentos aos jurados e possível dissolução do Conselho de Sentença................1455 12. Quesitação.......................................................... 1456 12.1. Leitura dos quesitos.................................1457 12.2. Votação.....................................................1458 12.3. Ordem dos quesitos.................................1460 12.4. Questões diversas....................................1466 12.4.1. Absolvição imprópria...................1466 12.4.2. Falso testemunho em plenário....1466 12.4.3. Agravantes e atenuantes................1467 12.4.4. Concurso de crimes e homicí dio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio...................................1469 13. Desclassificação..................................................1469 13.1. Desclassificação e infração de menor potencial ofensivo.............................................1471 13.2. Desclassificação e crimes conexos.......... 1472 14. Sentença............................................................. 1473 14.1. Sentença absolutória................................1473 14.2. Sentença condenatória............................1474 14.3. Ata............................................................ 1474 14.4. Atribuições do juiz presidente..................1474 SUMÁRIO 31 CAPÍTULO V - PROCEDIMENTO COMUM SUMARÍSSIM O................................................................... 1475 1. Constituição Federal e Juizados Especiais Cri minais....................................................................... 1475 2. Competência dos Juizados Especiais Criminais... 1478 2.1. Conceito de infração de menor poten cial ofensivo....................................................... 1478 2.1.1. Princípio da insignificância e in fração de médio potencial ofensivo......... 1480 2.2. Excesso de acusação..................................1481 2.3. Estatuto do Idoso.......................................1482 2.4. Acusados com foro por prerrogativa de função................................................................ 1482 2.5. Crimes eleitorais.........................................1483 2.6. Violência doméstica e familiar contra a mulher e aplicação da Lei n5 9.099/95..............1483 2.7. Aplicação da Lei ne 9.099/95 na Justiça Militar................................................................ 1484 2.8. Conexão e continência entre crime co mum e infração penal de menor potencial ofensivo............................................................. 1485 2.9. Causas de modificação da competência dos Juizados......................................................1486 2.10. Natureza da competência dos Juiza dos: absoluta ou relativa...................................1488 2.11. Competência territorial............................1489 2.11.1. Juizados Especiais Itinerantes......1489 3. Termo Circunstanciado.........................................1490 4. Situação de flagrância nas infrações de menor potencial ofensivo....................................................1492 4.1. Afastamento do lar nos casos de vio lência doméstica................................................1493 5. Fase preliminar dos Juizados................................1494 5.1. Composição dos danos civis.......................1494 5.2. Oferecimento de representação....... ........ 1496 5.3. Transação penal..........................................1497 5.3.1. Pressupostos de admissibilidade da transação penal.....................................1497 5.3.2. Procedimento para o oferecimen to da proposta de transação penal........... 1500 5.3.3. Recusa injustificada de ofereci mento da proposta de transação penal.... 1502 5.3.4. Momento para o oferecimento da proposta de transação penal................ 1502 5.3.5. Descumprimento injustificado da transação penal..........................................1504 5.3.6. Recurso.............................................1507 6. Análise do procedimento comum sumaríssimo.. 1507 6.1. Oferecimento da peça acusatória............. 1508 6.2. Defesa Preliminar.......................................1510 6.3. Rejeição ou recebimento da peça acu satória................................................................1510 6.4. Citação do acusado....................................1511 6.5. Resposta à acusação..................................1512 6.6. Possibilidade de absolvição sumária........ 1513 6.7. Audiência de instrução e julgamento.......1513 7. Sistema recursal no âmbito dos Juizados e julgamento pelas turmas recursais..........................1514 7.1. Apelação nos Juizados................................1515 7.2. Embargos de declaração nos Juizados..... 1516 7.3. Recurso Extraordinário...............................1517 7.4. Recurso Especial.........................................1518 7.5. Habeas corpus............................................1518 7.6. Mandado de segurança..............................1518 7.7. Revisão criminal.........................................1519 8. Representação nos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.............................................1519 9. Suspensão condicional do processo.....................1520 9.1. Conceito e natureza jurídica.......................1520 9.2. Requisitos de admissibilidade da sus pensão condicional do processo.......................1521 9.3. Suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada.....1524 9.4. Iniciativa da proposta de suspensão condicional do processo....................................1525 9.5. Momento para a aceitação da proposta... 1526 9.5.1. Desclassificação e procedência parcial da pretensão punitiva.................... 1526 9.6. Aceitação da proposta................................1527 9.7. Recurso cabível contra a decisão homo- logatória da suspensão......................................1529 9.8. Condições da suspensão condicional do processo............................................................1530 9.9. Revogação da suspensão condicional do processo.......................................... 1532 9.9.1. Revogação obrigatória......................1532 9.9.2. Revogação facultativa.......................1533 9.10.Extinção da punibilidade..........................1533 9.11. Suspensão condicional do processo em crimes ambientais.......................................1534 10. Execução no âmbito dos Juizados Especiais Criminais................................................................... 1535 TÍTULO 11 • SENTENÇA PENAL.................................. 1537 1. Atos processuais do juiz.......................................1537 2. Classificação dos provimentos judiciais.............. 1537 2.1. Despachos de mero expediente.................1537 2.2. Decisões interlocutórias simples e mis tas (não terminativas e terminativas).............. 1538 2.3. Decisões definitivas....................................1539 2.4. Sentença.....................................................1539 32 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 2.5. Sentenças definitivas, decisões defini tivas e com força de definitivas.........................1540 2.6. Decisões executáveis, não executáveis e condicionais....................................................1540 2.7. Decisões subjetivamente simples, sub jetivamente plúrimas e subjetivamente complexas.......................................................... 1541 2.8. Decisões suicidas, vazias e autofágicas....1541 2.9. Decisões condenatórias, declaratórias, constitutivas (positivas e negativas), man da mentais e executivas.....................................1541 3. Estrutura e requisitos da sentença.......................1542 3.1. Relatório.....................................................1542 3.2. Fundamentação..........................................1543 3.2.1. Fundamentação per relationem..... 1547 3.3. Dispositivo..................................................1548 3.4. Autenticação..............................................1549 4. Sentença absolutória............................................1549 4.1. Espécies de sentença absolutória............. 1549 4.2. Presunção de inocência e regra proba tória................................................................... 1550 4.3. Fundamentos.............................................1551 4.4. Efeitos decorrentes da sentença abso lutória................................................................ 1552 4.4.1. Efeito principal: colocação do acusado em liberdade................................1552 4.4.2. Efeitos secundários...........................1553 5. Sentença condenatória........................................1553 5.1. Fixação da pena.......................................1554 5.1.1. Fixação da pena-base.......................1557 5.1.2. Fixação da pena provisória.............. 1561 5.1.3. Fixação da pena definitiva................1564 5.1.4. Fixação do regime penitenciário....1565 5.1.4.1. Detração na sentença conde natória para fins de determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (Lei n ̂12.736/12). 1568 5.1.5. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.......... 1570 5.1.6. Fixação da pena de multa................1573 5.2. Decretação (ou manutenção) da prisão preventiva ou das medidas cautelares diver sas da prisão na sentença condenatória......... 1574 5.3. Efeitos decorrentes da sentença penal condenatória.....................................................1575 5.3.1. Efeitos penais...................................1575 5.3.2. Efeitos extrapenais...........................1576 5.3.2.1. Efeitos extrapenais obrigatórios... 1576 5.3.2.2. Efeitos extrapenais específicos....1580 5.4. Pedido absolutório formulado pela acu sação e (im) possibilidade de condenação......1586 6. Publicação da sentença........................................1587 6.1. Esgotamento da instância..........................1589 6.2. Intimação da sentença...............................1590 7. Princípio da correlação entre acusação e sen tença (ou da congruência).......................................1592 7.1. Emendatio libelli.........................................1593 7.1.1. Momento da emendatio libelli...... 1595 7.1.2. Emendatio libelli e necessidade de oitiva das partes....................................1597 7.1.3. Emendatio libelli nas diferentes espécies de ação penal..............................1599 7.1.4. Emendatio libelli na 2- instância..... 1599 7.2. Mutatio libelli.............................................1601 7.2.1. Surgimento de prova nos autos de elementares ou circunstâncias não contidas na peça acusatória.......................1602 7.2.2. Fato novo e fato diverso...................1603 7.2.3. Necessidade de aditamento, independentemente do quantum de pena cominado à imputação diversa........ 1604 7.2.4. Aditamento espontâneo (CPP, art. 384, caput) e provocado (CPP, art. 384, § I?).................................................... 1605 7.2.5. Procedimento da mutatio libelli...... 1608 7.2.6. Recurso cabível contra a rejeição do aditamento à peça acusatória.............. 1609 7.2.7. Mutatio libelli nas diferentes es pécies de ação penal..................................1609 7.2.8. Aditamento: imputação superve niente e possibilidade de condenação do acusado quanto à imputação origi nária ........................................................... 1611 7.2.9. Mutatio libelli na 2§ instância......... 1612 7.3. Quadro comparativo entre emendatio e mutatio libelli..................................................1614 7.4. Disposições comuns à emendatio e mu tatio libelli.........................................................1614 7.4.1. Possibilidade de oferecimento da proposta de transação penal......................1614 7.4.2. Possibilidade de oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo.....................................................1616 7.4.3. Mudança de competência............... 1617 7.4.4. Mudança da espécie de ação penal 1618 7.5. Emendatio e mutatio libelli no processo penal militar......................................................1619 TÍTULO 12 • NULIDADES............................................... 1621 1. Noções gerais: tipicidade processual e nulidade 1621 2. Espécies de irregularidades..................................1623 3. Espécies de atos processuais...............................1623 SUMÁRIO | 33 4. Nulidade............................................................... 1625 4.1. Espécies de nulidades................................1626 4.1.1. Nulidade absoluta............................1626 4.1.1.1. Hipóteses de nulidades absolutas 1628 4.1.2. Nulidade relativa..............................1629 4.1.2.1. Hipóteses de nulidades relativas.. 1629 4.1.2.2. Momento para a arguição das nulidades relativas.....................................1630 4.1.3. Anulabilidades..................................1634 4.2. Reconhecimento das nulidades.................1634 4.2.1. Na primeira instância.......................1634 4.2.2. Na segunda instância.......................1635 5. Princípios referentes às nulidades.......................1636 5.1. Princípio da tipicidade das formas............ 1636 5.2. Princípio do prejuízo..................................1637 5.3. Princípio da instrumentalidade das for mas.................................................................... 1638 5.4. Princípio da eficácia dos atos processuais 1639 5.5. Princípio da restrição processual à de cretação da ineficácia........................................1640 5.6. Princípio da causalidade (efeito expan sivo) ................................................................... 1641 5.7. Princípio da conservação dos atos pro cessuais (confinamento da nulidade)............... 1642 5.8. Princípio do interesse.................................1643 5.9. Princípio da lealdade (ou da boa-fé)......... 1644 5.10. Princípio da convalidação.........................1644 6. Nulidades em espécie..........................................1647 6.1. Incompetência............................................1647 6.2. Suspeição...................................................1647 6.3. Subornodo juiz..........................................1648 6.4. Ilegitimidade de parte................................1648 6.5. Falta da denúncia, da queixa, da re presentação e da requisição do Ministro da Justiça........................................................... 1649 6.6. Ausência do exame de corpo de delito....1650 6.7. Falta de nomeação de defensor ao acusado presente, que não o tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos... 1652 6.8. Não intervenção do Ministério Público....1653 6.9. Ausência de citação (circundução), do interrogatório do acusado e de concessão dos prazos à acusação e à defesa.....................1654 6.10. Nulidades cominadas no procedimen to bifásico do Tribunal do Júri...........................1657 6.11. Falta da sentença.....................................1663 6.12. Falta do recurso de ofício, nos casos em que a lei o tenha estabelecido....................1665 6.13. Falta de intimação, nas condições es tabelecidas pela lei, para ciência das sen tenças e despachos de que caiba recurso.......1666 6.14. Falta do quorum legal para o julga mento nos Tribunais Superiores e nos Tribu nais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. 1669 6.15. Omissão de formalidade que constitua elemento essencial do a to ................................1669 7. Nulidades no inquérito policial............................1670 TÍTULO 13 • RECURSOS................................................. 1673 CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DOS RECURSOS.. 1673 1. Conceito e características.....................................1673 2. Natureza jurídica dos recursos.............................1674 3. Princípios............................................. 1674 3.1. Duplo grau de jurisdição............................1674 3.1.1. Recolhimento à prisão para re correr 1676 3.1.2. Acusados com foro por prerroga tiva de função.............................................1680 3.2. Princípio da taxatividade dos recursos.....1683 3.3. Princípio da unirrecorribilidade das de cisões................................................................. 1683 3.4. Princípio da fungibilidade...........................1684 3.5. Princípio da convolação........... i................ 1686 3.6. Princípio da voluntariedade dos recursos. 1687 3.6.1. Reexame necessário (recurso de ofício ou remessa necessária).................. 1687 3.7. Princípio da disponibilidade dos recursos. 1689 3.8. Princípio da non reformatio in pejus (efeito prodrômico da sentença).......................1690 3.8.1. Princípio da non reformatio in pejus direta e indireta................................1693 3.8.2. Non reformatio in pejus indireta e incompetência absoluta..........................1693 3.8.3. Non reformatio in pejus indireta e soberania dos veredictos........................1694 3.9. Princípio da reformatio in mellius..............1696 3.10. Princípio da dialeticidade.........................1697 3.10.1 Ausência de razões recursais da defesa e do Ministério Público.................. 1699 3.11. Princípio da complementariedade...........1700 3.12. Princípio da variabilidade.........................1701 3.13. Princípio da colegialidade........................1701 4. Pressupostos de admissibilidade recursal (juí zo de prelibação)...................................................... 1703 5. Pressupostos objetivos de admissibilidade recursal..................................................................... 1706 5.1. Cabimento..................................................1706 5.2. Adequação.................................................1706 5.3. Tempestividade..........................................1706 5.3.1. Início do prazo recursal....................1707 5.3.2. Prazo recursal para a defesa..... . 1708 34 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 5.3.3. Início do prazo recursal para o Ministério Público......................................1710 5.3.4. Prazos recursais diversos..................1711 5.3.5. Prazo em dobro................................1712 5.3.6. Férias forenses.................................1713 5.3.7. Interposição de recursos via fax...... 1714 5.3.8. Utilização de meios eletrônicos...... 1714 5.4. Inexistência de fato impeditivo..................1715 5.4.1. Renúncia ao direito de recorrer...... 1715 5.4.2. Preclusão..........................................1716 5.4.3. Recolhimento à prisão para re correr 1716 5.5. Inexistência de fato extintivo (extinção anômala do recurso).........................................1716 5.5.1. Desistência.......................................1717 5.5.2. Deserção...........................................1719 5.5.2.1. Deserção por falta de preparo.....1719 5.5.2.2. Deserção por fuga do acusado.....1720 5.6. Regularidade formal...................................1720 6. Pressupostos subjetivos de admissibilidade recursal............................. 1721 6.1. Legitimidade recursal.................................1722 6.1.1. Legitimação restrita e subsidiária do assistente da acusação..........................1723 6.2. Interesse recursal.......................................1727 6.2.1 Classificação da sucumbência.......... 1727 6.2.2. Sentença absolutória e interesse recursal da defesa......................................1728 6.2.3. Extinção da punibilidade e inte resse recursal no julgamento do mérito... 1728 6.2.4. Divergência entre o interesse recursal do acusado e o de seu defensor.. 1729 6.2.5. Sentença condenatória e/ou ab solutória e interesse recursal do Minis tério Público...............................................1729 7. Efeitos dos recursos..............................................1731 7.1. Efeito obstativo..........................................1731 7.2. Efeito devolutivo........................................1731 7.3. Efeito suspensivo........................................1734 7.3.1. Cabimento de mandado de segu rança para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Minis tério Público............................................... 1734 7.4. Efeito regressivo, iterativo ou diferido.....1735 7.5. Efeito extensivo..........................................1736 7.6. Efeito substitutivo......................................1737 7.7. Efeito translativo........................................1737 7.8. Efeito dilatório-procedimental...................1738 8. Direito intertemporal e recursos..........................1738 9. Classificação dos recursos....................................1740 9.1. Quanto à obrigatoriedade..........................1740 9.2. Quanto à fundamentação..........................1741 9.3. Quanto à extensão da matéria impug nada................................................................... 1742 9.4. Quanto aos pressupostos de admissibi lidade................................................................. 1742 9.5. Quanto ao objeto imediato do recurso....1743 CAPÍTULO II - RECURSOS CRIMINAIS EM ESPÉCIE.................................................................................. 1743 1. Recurso em sentido estrito..................................1743 1.1. Interpretação extensiva..............................1744 1.2. Utilização residual do recurso em sen tido estrito......................................................... 1744 1.3. Hipóteses de cabimento.............................1745 1.3.1. Não recebimento da peça acusa- tória............................................................ 1746 1.3.2. Incompetência do juízo....................1748 1.3.3. Procedência das exceções, salvo a de suspeição............................................1748 1.3.4. Pronúncia do acusado......................1749 1.3.5. Decisão que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de pri são preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante...............................................1750 1.3.6. Decisão que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor.....................17521.3.7. Decisão que decretar (ou não) a extinção da punibilidade............................1753 1.3.8. Decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus.........................1754 1.3.9. Decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena ou a suspensão condicional do processo.....................................................1754 1.3.10. Decisão que conceder, negar ou revogar livramento condicional..................1755 1.3.11. Decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte, ou que reconhecer a ilicitude da prova e determinar seu desentranha- mento......................................................... 1756 1.3.12. Decisão que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir.......................1757 1.3.13. Decisão que denegar a apelação ou a julgar deserta.....................................1757 1.3.14. Decisão que ordenar a sus pensão do processo, seja em virtude de questão prejudicial, seja quando o acusado, citado por edital, não compa recer, nem constituir defensor...................1758 1.3.15. Decisão que decidir sobre a uni ficação de penas.........................................1758 SUMARIO 1.3.16. Decisão que decidir o incidente de falsidade................................................1759 1.3.17. Incidentes da execução da pena... 1759 1.3.18. Decisão que converter a multa em detenção ou prisão simples.................1759 1.4. Aspectos procedimentais do recurso em sentido estrito................................................... 1760 1.4.1. Forma...............................................1760 1.4.2. Prazo.................................................1761 1.4.3. Processamento.................................1761 1.4.4. Competência para o julgamento..... 1762 1.5. Efeitos......................................................... 1762 2. Apelação............................................................... 1764 2.1. Noções gerais.............................................1764 2.2. Espécies...................................................... 1765 2.2.1. Apelação plena (ou ampla) e ape lação parcial (restrita)................................1765 2.2.2. Apelação principal e apelação subsidiária (ou supletiva)...........................1766 2.2.3. Apelação sumária e apelação or dinária ........................................................1766 2.2.4. Apelação adesiva (ou incidental).... 1767 2.3. Hipóteses de cabimento.............................1768 2.3.1. Sentença definitiva de conde nação ou absolvição proferida por juiz singular....................................................... 1768 2.3.2. Decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular, nos casos em que não houver previsão legal de cabimento do recurso em sentido estrito......................................1768 2.3.3. Decisões do Tribunal do Júri........... 1769 2.4. Aspectos procedimentais da apelação...... 1776 2.4.1. Forma...............................................1776 2.4.2. Prazo.................................................1777 2.4.3. Processamento.................................1777 2.4.4. Competência para o julgamento..... 1778 2.5. Efeitos......................................................... 1778 3. Protesto por novo júri..........................................1780 3.1. Revogação pela Lei n2 11.689/08.............. 1780 3.2. Pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal do revogado pro testo por novo júri.............................................1780 4. Embargos infringentes e de nulidade................... 1784 4.1. Hipóteses de cabimento.............................1785 4.2. Prazo e interposição...................................1786 4.3. Competência para seu julgamento........... 1786 4.4. Efeitos......................................................... 1787 4.5. Possibilidade de interposição simultâ nea dos embargos infringentes e de nulida de e dos recursos extraordinários.................... 1788 5. Embargos de Declaração......................................1789 5.1. Hipóteses de cabimento.............................1789 5.2. Prazo........................................................... 1790 5.3. Procedimento.............................................1790 5.4. Efeitos quanto aos demais prazos recur- sais..................................................................... 1791 6. Agravo em execução............................................1792 6.1. Hipóteses de cabimento.............................1792 6.2. Procedimento.............................................1793 6.3. Prazo...........................................................1793 6.4. Efeitos.........................................................1793 7. Carta testemunhável............................................1794 7.1. Hipóteses de cabimento.............................1794 7.2. Prazo........................................................... 1795 7.3. Procedimento.............................................1795 7.4. Efeitos.........................................................1795 8. Correição parcial..................................................1796 8.1. Hipóteses de cabimento.............................1796 8.2. Natureza jurídica........................................1797 8.3. Legitimidade...............................................1798 8.4. Prazo...........................................................1798 TÍTULO 14 • AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO..................................................................... 1799 CAPÍTULO I - HABEAS CORPUS................................. 1799 1. Noções Gerais.......................................................1799 2. Natureza jurídica..................................................1799 3. Interesse de agir na ação de habeas corpus......1801 3.1. Necessidade da tutela: violência ou coação decorrente de ilegalidade ou abuso de poder............................................................ 1801 3.2. Adequação: tutela da liberdade de lo comoção e a antiga doutrina brasileira do habeas corpus...................................................1803 3.2.1. Hipóteses que autorizam o co nhecimento do habeas corpus...................1803 3.2.2. Hipóteses em que não se autoriza o conhecimento do habeas corpus por falta de adequação.....................................1804 3.2.2.1. Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário......................................1808 4. Possibilidade jurídica do pedido..........................1809 4.1. Cabimento do habeas corpus em rela ção a punições disciplinares militares.............. 1809 4.2. Estado de Sítio............................................1810 4.3. Prisão administrativa..................................1810 5. Legitimação ativa..................................................1811 5.1. Distinção entre impetrante e paciente....1811 5.1.1. Habeas corpus coletivo...................1811 36 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 5.2. Legitimação ampla e irrestrita.................. 1814 5.3. Pessoa jurídica............................................1814 5.4. Ministério Público......................................1815 5.5. Outras autoridades.....................................1816 6. Legitimação passiva..............................................1817 6.1. Autoridade coatora (ou coator) e de tentor ................................................................ 1817 6.2. Ministério Público como autoridade coatora..............................................................1817 6.3. Particular como coator...............................1818 6.4. Outras autoridades.....................................1818 7. Espécies de habeas corpus: liberatório, pre ventivo, profilático e trancativo...............................1818 8. Hipóteses de impetração do habeas corpus.........1820 8.1. Ausência de justa causa.............................1820 8.1.1. Falta de justa causa para a prisão... 1821 8.1.2. Falta de justa causaaltera a Lei Maria da Penha para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar, criminalizando o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado (CP, art. 216-B); 13) Lei n. 13.774/18: altera a Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar da União (Lei n. 8.457/92); 14) Lei n. 13.793/19: altera o Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94) para assegurar a advogados o exame e a obtenção de cópias de atos e documentos de processos e de procedimentos eletrônicos. Com o objetivo de manter a atualização jurisprudencial da obra, também foram acrescenta dos ao livro os julgados mais relevantes dos informativos do ano de 2018 do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Isso resultou no acréscimo de mais de uma centena de julgados, os quais se somam aos mais de 3.500 precedentes que já constavam do livro. Acres centamos, ademais, novas súmulas aprovadas em 2018 pelos referidos Tribunais Superiores. Por derradeiro, lembrando que a maior virtude que se pode ter é a gratidão, imprescindí vel pontuar nossos sinceros agradecimentos às pessoas que estiveram ao nosso lado durante a elaboração desta edição, em especial à minha família - minha querida esposa Vanessa, minha princesinha Laura e meu querido filho João Pedro. Agradeço também a todos os alunos aos quais tive o prazer de dar aulas de processo penal e legislação criminal especial ao longo desses quase 15 anos de docência: sem a carinhosa cobrança de cada um de vocês, jamais teria conseguido concluir esta obra. E, principalmente, agradecemos a Deus, por tantas oportunidades de vida e que, renovando a nossa fé, possibilite sermos instrumentos de Sua obra. Ao leitor, esperamos propiciar uma agradável leitura, aguardando as eventuais críticas e sugestões, que tanto nos permitem aprimorar a obra. Aliás, o nosso livro é fruto da colaboração permanente dos leitores. Para revisões, vídeos, perguntas, respostas, sugestões e críticas, pedimos que utilizem nossa página: facebook. com/profrenatobrasileiro Valinhos/SP, 21 de dezembro de 2018. RENATO BRASILEIRO DE LIMA PREFACIO O presente livro corresponde ao Manual de Processo Penal (vol. único) do amigo e pro fessor Renato Brasileiro de Lima, que a Editora Juspodivm traz a público. Conheci o Renato Brasileiro de Lima como aluno no curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Logo, suas qualidades se fizeram notar. As observações precisas, o domínio dos temas debatidos, a clareza de seus posicionamentos, o equilíbrio e a ponderação das posições adotadas chamaram-me a atenção. Com o tempo, soube que Renato Brasileiro de Lima havia sido Defensor Público e, depois, passara a integrar o Ministério Pú blico Militar da União. Além disso, conjuntamente com a atividade forense, era, à época, um destacado professor de processo penal da Rede LFG. Desde então, passei a acompanhar, com maior atenção e satisfação, a carreira de Renato Brasileiro de Lima, que já se mostra muito bem-sucedida. Suas monografias anteriores, uma sobre Competência Criminal e outra tratando da Prisão Cautelar, já à luz da Reforma de 2011, mostravam as qualidades doutrinárias do autor. Quando recebi e consultei os volumes I e II do Manual de Processo Penal, que, somados, deram origem ao presente livro, fiquei feliz por ter certeza do sucesso que a obra teria, por ser uma fonte importante de consulta tanto para estudiosos quanto para profissionais que trabalham com Direito Processual Penal. Por outro lado, fiquei curioso para saber como os dois volumes seriam condensados pelo autor em um único livro. Agora, a curiosidade se desfez e a expectativa, que já era elevada, foi satisfeita. O Manual de Processo Penal (vol. único) do Professor Renato Brasileiro de Lima reúne as mesmas qualidades das obras anteriores. Assim como já acontecera nos volumes I e II, o Autor expõe, com profundidade e de forma sistemática, todos os temas pertinentes ao processo penal. Trata-se de estudo bem fundamentado, com minuciosa e detalhada divisão dos temas tratados. Quando o assunto é controvertido, há exposição das diversas posições, sem que o Autor se furte de indicar a corrente por ele seguida e os argumentos a justificar a posição adotada. Tudo isso, acompanhado de extensa e atuali- zadíssima jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tem se mostrado vem se mostrado uma útil metodologia seguida por Renato Brasileiro de Lima em suas obras. Não há exagero em afirmar que a obra se tomará um referencial seguro tanto para o estu dante quanto para o profissional do direito. São Paulo, 12 de dezembro de 2012. GUSTAVO HENRIQUE R IG H IIV A H Y BADARÓ Professor Associado de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. rlüh. J H ' : TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.................. 39 1. Introdução........................................................... 39 2. Sistemas processuais penais.............................. 40 2.1. Sistema inquisitorial................................. 40 2.2. Sistema acusatório................................... 41 2.3. Sistema misto ou francês......................... 43 3. Princípios fundamentais do processo penal...... 44 3.1. Da Presunção de inocência (ou da não culpabilidade)................................................... 45 3.1.1. Noções introdutórias...................... 45 3.1.2. Da regra probatória (in dubio pro reo)............................................................ 46 3.1.3. Da regra de tratamento.................. 47 3.1.4. (In) constitucionalidade da exe cução provisória da pena......................... 48 3.2. Princípio do contraditório........................ 54 3.2.1. Contraditório para a prova e con traditório sobre a prova........................... 56 3.3. Princípio da ampla defesa........................ 56 3.3.1. Defesa técnica (processual ou específica)................................................. 57 3.3.1.1. Defesa técnica necessária e irrenunciável.............................................. 57 3.3.1.2. Direito de escolha do defensor.... 59 3.3.1.3. Defesa técnica plena e efetiva.... 60 3.3.2. Autodefesa (material ou genérica).. 61 3.3.2.1. Direito de audiência.................... 62 3.3.2.2. Direito de presença..................... 63 3.3.2.3. Capacidade postulatória autô noma do acusado..................................... 64 3.3.3. Ampla defesa no processo admi nistrativo disciplinar e na execução penal 64 3.4. Princípio da publicidade........................... 66 3.4.1. Divisão da publicidade: ampla e restrita....................................................... 67 3.4.2. Sessão de julgamento na Justiça Militar e votação em sala secreta............ 69 3.5. Princípio da busca da verdade: supe rando o dogma da verdade real...................... 69 3.5.1. Busca da verdade consensual no âmbito dos Juizados................................. 71 3.6. Princípio da inadmissibilidade das pro vas obtidas por meios ilícitos.......................... 71 3.7. Princípio do juiz natural........................... 71 3.8. Princípio do nemo tenetur se detegere.... 72 3.8.1. Noções introdutórias...................... 72 3.8.2. Titular do direito de não produzir prova contra si mesmo............................. 72 3.8.3. Advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo....... 73 3.8.4. Desdobramentos do direito de não produzir prova contra si mesmo....... 75 3.8.5. Bafômetro: a infração adminis trativa de embriaguez ao volante e a nova redação do crime de embriaguez ao volante (Lei n9 12.760/12).................. 81 3.8.6. Conseqüências do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo....................................................... 85 3.8.7. O direito de não produzir provas contra si mesmo e a prática de outros delitos........................................................e trancamen- to de investigações preliminares............... 1822 8.1.3. Falta de justa causa etrancamen- to do processo penal..................................1823 8.2. Decurso do tempo de prisão previsto na lei.................................................................. 1824 8.2.1. Excesso de prazo da prisão penal... 1825 8.2.2. Excesso de prazo da prisão tem porária........................................................1825 8.2.3. Excesso de prazo da prisão pre ventiva........................................................1825 8.3. Coação ordenada por autoridade in competente .......................................................1825 8.4. Cessação do motivo que autorizou a coação...............................................................1826 8.5. Não admissão de prestação de fiança.....1828 8.6. Processo manifesta mente nulo..................1830 8.7. Extinção da punibilidade............................1831 9. Competência........................................................ 1832 9.1. Competência do Supremo Tribunal Fe deral .................................................................. 1834 9.2. Competência do Superior Tribunal de Justiça................................................................1835 9.3. Competência dos Tribunais Regionais Federais............................................................. 1836 9.4. Competência dos Tribunais de Justiça...... 1836 9.5. Competência da Justiça Militar..................1836 9.6. Competência das Turmas Recursais.......... 1838 9.7. Competência da Justiça do Trabalho......... 1838 9.8. Competência do juiz de 1§ instância..........1839 9.9. Ministério Público como autoridade coatora e competência para o julgamento do habeas corpus..............................................1840 10. Procedimento.....................................................1841 10.1. Capacidade postulatória....................... 1841 10.2. Petição inicial...........................................1841 10.3. Dilação probatória....................................1842 10.4. Medida liminar.........................................1843 10.4.1. Indeferimento de liminar por Relator em Tribunal e impetração de novo habeas corpus...................................1844 10.5. Apresentação do preso e requisição de informações..................................................1845 10.6. Efeito extensivo da ordem de habeas corpus................................................................ 1845 10.7. Intervenção das partes.............................1846 10.8. Recursos contra as decisões em ha beas corpus....................................................... 1847 10.9. Coisa julgada............................................1849 CAPÍTULO li - REVISÃO CRIMINAL........................ 1850 1. Noções gerais....................................................... 1850 2. Conceito............................................................... 1851 3. Natureza jurídica..................................................1851 4. Distinção entre revisão criminal e ação resci sória.......................................................................... 1852 5. Pedidos: juízo rescindente e juízo rescisório....... 1853 6. Condições da ação................................................1854 6.1. Legitimidade ativa e passiva.......................1854 6.2. Interesse de agir: coisa julgada................. 1855 6.2.1. Desnecessidade de esgotamento das instâncias ordinárias (prequestiona- mento)........................................................1855 6.3. Possibilidade jurídica do pedido: sen tença condenatória ou absolutória impró pria, inclusive após o cumprimento da pena e/ou morte do acusado.....................................1856 6.3.1. Vedação da revisão criminal pro societate no ordenamento pátrio e princípio do ne bis in idem processual..... 1856 6.3.2. Impossibilidade de utilização da revisão criminal para fins de modifi cação dos fundamentos de sentença absolutória própria.....................................1857 6.3.3. Extinção da punibilidade..................1857 6.3.4. Revisão criminal no âmbito do Júri e soberania dos veredictos..................1858 6.3.5. Juizados Especiais Criminais........... 1859 6.3.6. Transação penal................................1859 6.3.7. Impeachment...................................1860 7. Hipóteses de cabimento da revisão criminal..1860 7.1. Contrariedade ao texto expresso da lei penal.................................................................. 1860 7.2. Contrariedade à evidência dos autos....... 1862 7.3. Decisão fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos................................................................. 1863 SUMÁRIO ! 37 7.4. Descoberta de novas provas em favor do condenado...................................................1863 7.5. Nulidade do processo.................................1865 8. Aspectos procedimentais da revisão criminal.1867 8.1. Capacidade postulatória.............................1867 8.2. Desnecessidade de recolhimento à prisão 1867 8.3 Inexistência de prazo decadencial...............1867 8.4. Competência..............................................1867 8.5. Procedimento.............................................1869 8.6. Efeito suspensivo........................................1870 8.7. Ônus da prova............................................1871 8.8. Non reformatio in pejus direta e indireta . 1872 8.9. Recursos..................................................... 1873 8.10. Indenização pelo erro judiciário.............. 1873 8.11. Coisa julgada............................................1875 CAPÍTULO III - MANDADO DE SEGURANÇA...... 1876 1. Noções gerais.......................................................1876 2. Conceito e natureza jurídica.................................1876 3. Objeto da tutela...................................................1877 4. Prazo decadencial.................................................1877 5. Legitimação ativa e passiva..................................1877 6. Cabimento............................................................ 1879 6.1. Hipóteses comuns de impetração do mandado de segurança no âmbito criminal.... 1880 7. Aspectos procedimentais.....................................1882 7.1. Petição inicial.............................................1882 7.2. Procedimento e julgamento do manda do de segurança................................................1882 7.3. Competência..............................................1883 7.4. Medida liminar...........................................1885 7.5. Recursos.....................................................1885 BIBLIOGRAFIA................................................................... 1887 'JJ ,0 1 1. INTRODUÇÃO Quando o Estado, por intermédio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a praticar a conduta delituosa, surge para ele o direito de punir os infratores num plano abstrato e, para o particular, o dever de se abster de praticar a infração pe nal. A partir do momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, este direito de punir desce do plano abstrato e se transforma no ius puniendi in concreto. O Estado, que até então tinha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter uma pretensão concreta de punir o suposto autor do fato delituoso. Surge, então, a pretensão punitiva, a ser compreendida como o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tomar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as conseqüências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena. Todavia, esta pretensão punitiva não pode ser voluntariamente resolvida sem um processo,não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator sujeitar-se à pena. Em outras palavras, essa pretensão já nasce insatisfeita. Afinal, o Direito Penal não é um direito de coação direta. Apesar de o Estado ser o titular do direito de punir, não se admite a imposição imediata da sanção sem que haja um processo regular, assegurando-se, assim, a aplicação da lei penal ao caso concreto, consoante as formalidades prescritas em lei, e sempre por meio dos órgãos jurisdicionais {nulla poena sine judicio). Aliás, até mesmo nas hipóteses de infrações de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal, com a imediata aplicação de penas res tritivas de direitos ou multas, não se trata de imposição direta de pena. Utiliza-se, na verdade, de forma distinta da tradicional para a resolução da causa, sendo admitida a solução consensual em infrações de menor gravidade, mediante supervisão jurisdicional, privilegiando-se, assim, a vontade das partes e, principalmente, do autor do fato que pretende evitar os dissabores do processo e o risco da condenação. É exatamente daí que sobressai a importância do processo penal, pois este funciona como o instrumento do qual se vale o Estado para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso. Mas o Estado não pode punir de qualquer maneira. Com efeito, considerando-se que, da aplicação do direito penal pode resultar a privação da liberdade de locomoção do agente, entre outras penas, não se pode descurar do necessário e indispensável respeito a direitos e liberdades individuais que tão caro custaram para serem reconhecidos e que, em verdade, condicionam a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito. Na medida em que a liberdade de locomoção do cidadão funciona como um dos dogmas do Esta do de Direito, é intuitivo que a própria Constituição Federal estabeleça regras de observância obrigatória em um processo penal. E a boa (ou má) aplicação desses direitos e garantias que permite, assim, avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e dis tinguir a civilização da barbárie. 40 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima De fato, como adverte Norberto Bobbio, a proteção do cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária. Na dicção do autor, “a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law)”.1 É esse, pois, o grande dilema do processo penal: de um lado, o necessário e indispensável respeito aos direitos fundamentais; do outro, o atingimento de um sistema criminal mais operante e eficiente.2 Há de se buscar, portanto, um ponto de equilíbrio entre a exigência de se assegurar ao investigado e ao acusado a aplicação das garantias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de maior efetividade do sistema persecutório para a segurança da coletividade. E den tro desse dilema existencial do processo penal - efetividade da coerção penal versus observância dos direitos fundamentais - que se buscará, ao longo da presente obra, um ponto de equilíbrio no estudo do processo penal, pois somente assim serão evitados os extremos do hipergarantismo e de movimentos como o do Direito Penal do Inimigo ou do Direito Penal da Lei e da Ordem. 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. Sistema inquisitorial Adotado pelo Direito canônico a partir do século XIII, o sistema inquisitorial posterior mente se propagou por toda a Europa, sendo empregado inclusive pelos tribunais civis até o século XVIII. Tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor. Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua impar cialidade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar e julgar. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento. Em virtude dessa concentração de poderes nas mãos do juiz, não há falar em contraditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e de fesa. Ademais, geralmente o acusado permanecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável. 1 BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira; revisão técnica Gilson César Cardoso. 4§ ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 96-97. 2 Na linha do ensinamento de Antônio Scarance Fernandes, o vocábulo eficiência aqui empregado "é usado de forma ampla, sendo afastada, contudo, a ideia de eficiência medida pelo número de condenações. Será eficiente o procedimento que, em tempo razoável, permita atingir um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do processo legal". (Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Coordenação Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida, Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 10). TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 41 No processo inquisitório, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse. Trabalha o sistema inquisitório, assim, com a premissa de que a atividade probatória tem por objetivo uma completa e ampla reconstrução dos fatos, com vistas ao descobrimento da verdade. Considera-se possível a descoberta de uma verdade absoluta, por isso admite uma ampla atividade probatória, quer em relação ao objeto do processo, quer em relação aos meios e métodos para a descoberta da verdade. Dotado de amplos poderes instrutórios, o magistrado pode proceder a uma completa investigação do fato delituoso. No sistema inquisitorial, o acusado é mero objeto do processo, não sendo considerado sujeito de direitos. Na busca da verdade material, admitia-se que o acusado fosse torturado para que uma confissão fosse obtida. O processo inquisitivo era, em regra, escrito e sigiloso, mas essas formas não lhe eram essenciais. Pode se conceber o processo inquisitivo com as formas orais e públicas. Como se percebe, há uma nítida conexão entre o processo penal e a natureza do Estado que o institui. A característica fundamental do processo inquisitório é a concentração de poderes nas mãos do juiz, aí chamado de inquisidor, à semelhança da reunião de poderes de administrar, legislar e julgar nas mãos de uma única pessoa, de acordo com o regime político do absolutismo. Em síntese, podemos afirmarque o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, chamado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual.3 Por essas características, fica evidente que o processo inquisitório é incompatível com os direitos e garantias individuais, violando os mais elementares princípios processuais penais. Sem a presença de um julgador equidistante das partes, não há falar em imparcialidade, do que resulta evidente violação à Constituição Federal e à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, art. 8o, n° 1). 2.2. Sistema acusatório De maneira distinta, o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar.4 O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum. 3. Como observa GIACOMOLLI (O devido processo penal: abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3- ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 90), "verifica-se um 'donismo' processual sem precedentes, endo e extraprocessuais: o processo é meu, o promotor é meu, o estagiário é meu, o servidor é meu, o carro é meu, eu sou eu, eu e eu. Então, eu posso investigar, eu posso acusar, eu posso julgar, recorrer e executar a sanção. Nesse modelo, confundem-se as funções dos agentes do Estado-Julgador com os do Estado-Acusador e com os do Estado-lnvestigador" 4 Nesse sentido: PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 3§ ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 114. 42 ; MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima Historicamente, o processo acusatório tem como suas características a oralidade e a publici dade, nele se aplicando o princípio da presunção de inocência. Logo, a regra era que o acusado permanecesse solto durante o processo. Não obstante, em várias fases do Direito Romano, o sistema acusatório foi escrito e sigiloso. Quanto à iniciativa probatória, o juiz não era dotado do poder de determinar de oficio a produção de provas, já que estas deveriam ser fornecidas pelas partes, prevalecendo o exame direto das testemunhas e do acusado. Portanto, sob o ponto de vista probatório, aspira-se uma posição de passividade do juiz quanto à reconstrução dos fatos. Com o objetivo de preservar sua imparcialidade, o magistrado deve deixar a atividade probatória para as partes. Ainda que se admita que o juiz tenha poderes instratórios, essa iniciativa deve ser possível apenas no curso do processo, em caráter excepcional, como atividade subsidiária da atuação das partes. No sistema acusatório, a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais. Diversamente do sistema inquisitorial, o sistema acusatório caracteriza-se por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. A separação das funções processuais de acusar, defender e julgar entre sujeitos processuais distintos, o reconhe cimento dos direitos fundamentais ao acusado, que passa a ser sujeito de direitos e a construção dialética da solução do caso pelas partes, em igualdade de condições, são, assim, as principais características desse modelo. Segundo Ferrajoli, são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento. Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e secreto da instrução.5 O sistema acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do direito germano. A partir do século XIII entra em declínio, passando a ter prevalência o sistema inquisitivo. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro. Pelo sistema acusatório, acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, inciso I), que tomou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual somente tem início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (ne procedat judex ex officio), e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes. Deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigatória, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público. Como se percebe, o que efetivamente diferencia o sistema inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova. O modelo acusatório reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusivamente às partes a produção do material probatório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das funções de acusar, de fender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova. 5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2- ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 518. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 43 Em síntese, pode-se trabalhar com o seguinte quadro comparativo entre os dois sistemas: Sistema Inquisitorial Não há separação das funções de acusar, defender e julgar, que estão concentradas em uma única pessoa, que assume as vestes de um juiz inquisidor; j Sistema Acusatório j Separação das funções de acusar, defender e julgar. Por j conseqüência, caracteriza-se pela presença de partes dis tintas (actum trium personarum), contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, sobrepondo-se a am bas um juiz, de maneira equidistante e imparcial; Como se admite o princípio da verdade real, o acusado não é sujeito de direitos, sendo tratado como mero objeto do processo, daí por que se admite inclusive a tortura como meio de se obter a verdade absoluta; 0 princípio da verdade real é substituído pelo princípio da busca da verdade, devendo a prova ser produzida com fiel observância ao contraditório e à ampla defesa; Gestão da prova: o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa acusatória e probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de elementos informa tivos e de provas, seja no curso das investigações, seja no curso da instrução processual; Gestão da prova: recai precipuamente sobre as partes. Na fase investigatória, o juiz só deve intervir quando provoca do, e desde que haja necessidade de intervenção judicial. Durante a instrução processual, prevalece o entendimento de que o juiz tem certa iniciativa probatória, podendo de terminar a produção de provas de ofício, desde que o faça de maneira subsidiária; A concentração de poderes nas mãos do juiz e a inicia tiva acusatória dela decorrente é incompatível com a garantia da imparcialidade (CADH, art. 8Q, § I s) e com o princípio do devido processo legal. A separação das funções e a iniciativa probatória residual restrita à fase judicialpreserva a equidistância que o ma gistrado deve tomar quanto ao interesse das partes, sen do compatível com a garantia da imparcialidade e com o princípio do devido processo legal. 2.3. Sistema misto ou francês Após se disseminar por toda a Europa a partir do século XIII, o sistema inquisitorial passa a sofrer alterações com a modificação napoleônica, que instituiu o denominado sistema misto. Trata-se de um modelo novo, funcionando como uma fusão dos dois modelos anteriores, que surge com o Code d ’Instruction Criminelle francês, de 1808. Por isso, também é denominado de sistema francês. E chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade. Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Porém, com o advento da Constituição Federal, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório. É bem verdade que não se trata de um sistema acusatório puro. De fato, há de se ter em mente que o Código de Processo Penal tem nítida inspiração no modelo fascista italiano. Toma-se imperioso, portanto, que a legislação infraconstitucional seja relida diante da nova ordem consti tucional. Dito de outro modo, não se pode admitir que se procure delimitar o sistema brasileiro a partir do Código de Processo Penal. Pelo contrário. São as leis que devem ser interpretadas à luz dos direitos, garantias e princípios introduzidos pela Carta Constitucional de 1988. 44 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL O vocábulo princípio é dotado de uma imensa variedade de significações. Sem nos olvidar da distinção feita pela doutrina entre princípios, normas, regras e postulados,6 trabalharemos com a noção de princípios como mandamentos nucleares de um sistema. A Constituição Federal de 1988 elencou vários princípios processuais penais, porém, no contexto de funcionamento integrado e complementar das garantias processuais penais, não se pode perder de vista que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil também incluíram diversas garantias ao modelo processual penal brasileiro. Nessa ordem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH - Pacto de São José da Costa Rica), prevê diversos direitos relacionados à tutela da liberdade pessoal (Decreto 678/92, art. 7o), além de inúmeras garantias judiciais (Decreto 678/92, art. 8o). Embora seja polêmica a discussão em tomo do status normativo dos Tratados Internacio nais de Direitos Humanos, a partir do julgamento do RE 466.343, tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal a tese do status de supralegalidade da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Não por outro motivo, a despeito do teor do art. 5o, LXVII, da Constituição Federal, que prevê, em tese, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, a Suprema Corte entendeu que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7o, 7), conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do art. 5o, LXVII, da Carta Magna. Logo, com a introdução do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel.7 Em face da incorporação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao ordenamento pátrio, o Brasil assume, então, o dever de adotar medidas legislativas para dar efetividade aos direitos preconizados na referida Convenção (art. 2o). Esta pode ser garantida em 3 (três) perspec tivas:8 a) utilização da jurispmdência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)9 e das opiniões consultivas na interpretação dos casos penais internos de cada país; b) controle difuso da convencionalidade, a ser exercido pelos magistrados em cada caso concreto, nos termos do art. 5o, §§ 20 e 3o, da CF; c) controle concentrado ou abstrato da convencionalidade, a ser realizado pela CIDH, em sua jurisdição contenciosa e consultiva, e pelos Tribunais, após a EC n° 45/04. De se notar, portanto, que as decisões da CIDH gozam de eficácia vinculante, nos termos dos arts. 67, 68.1 e 68.2 da CADH. São dotadas de autoridade de coisa julgada formal e mate rial, devendo, pois, ser cumpridas de forma eficaz e integral. Como observa Giacomolli,10 seus efeitos, todavia, não estão limitados às partes, mas irradiam um efeito hermêutico a todos aqueles que aderiram ao sistema interamericano, com eficácia erga omnes e standard interpretativo da 6 Para ampla análise dessa distinção, sugerimos a leitura da obra de Robert Alexy: Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Vírgilio Afonso da Silva. São Paulo: Editora Malheiros, 2008. 7 STF, Pleno, HC 87.585/TO, Rei. Min. Marco Aurélio, DJe 118 25/06/2009. 8. É nesse sentido a lição de Nereu José Giacomolli: O devido processo penal: abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3® ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 30. 9. Composta por sete juizes, eleitos por um período de seis anos, permitida uma reeleição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está situada em San José da Costa Rica. Existe desde 1978 como órgão jurisdicional internacional, vinculado à CADH, com competência consultiva automática (Convenção e Tratados) e contenciosa (violação aos preceitos da Convenção) sobre os Estados que ratificaram a Convenção e que reconheceram a sua jurisdição contenciosa (facultativa). O Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa e obrigatória da CIDH por meio do Decreto-Legislativo n ̂89, de 03 de dezembro de 1998. 10. Op. cit. p. 40. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 45 convencionalidade do ordenamento interno. Daí a importância da análise dos diversos cases da CIDH, já que suas decisões funcionam como importante ferramenta hermenêutica do Pacto de São José da Costa Rica. Enfim, já não basta mais o conhecimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Também se impõe o conhecimento da jurisprudência da CIDH. 3.1. Da Presunção de inocência (ou da não culpabilidade) 3.1.1. Noções introdutórias Em 1764, Cesare Beccaria, em sua célebre obra Dos delitos e das penas, já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.11 Esse direito de não ser declarado culpado enquanto ainda há dúvida sobre se o cidadão é culpado ou inocente foi acolhido no art. 9o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). A Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia da Organiza ção das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, em seu art. 11.1, dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”. Dispositivos semelhantes são encontrados na Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (art. 6.2), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.2) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec.678/92 - art. 8o, § 2o): “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa". No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio so mente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal.12 Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5o: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Em síntese, pode ser definido como o direito de não ser declarado culpado senão após o término do devido processo legal, durante o qual o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Comparando-se a forma como referido princípio foi previsto nos Tratados Internacionais e na Constituição Federal, percebe-se que, naqueles, costuma-se referir àpresunção de inocência, ao passo que a Constituição Federal em momento algum utiliza a expressão inocente, dizendo, na verdade, que ninguém será considerado culpado. Por conta dessa diversidade terminológica, o preceito inserido na Carta magna passou a ser denominado de presunção de não culpabilidade. Na jurisprudência brasileira, ora se faz referência ao princípio da presunção de inocência,13 ora ao princípio da presunção de não culpabilidade.14 Segundo Badaró, não há diferença entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, sendo inútil e contraproducente a 11 BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas. Tradução: Lucia Guidicini, Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 69. 12 Nesse sentido: STF, l 9 Turma, HC 67.707/RS, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 14/08/1992. 13 Vide súmula n9 09 do STJ. E também: STF, I s Turma, HC-ED 91.150/SP, Rei. Min. Menezes Direito, DJe 018 019/02/2008. 14 A título de exemplo: STF, 1§ Turma, AI-AgR 604.041/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 092 - 31/08/2007; STF, 29 Turma, HC 84.029/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, DJ 06/09/2007 p. 42. 46 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima tentativa de apartar ambas as idéias - se é que isto é possível devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas.15 Do princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) derivam duas regras fundamentais: a regra probatória (também conhecida como regra de juízo) e a regra de tratamento, objeto de estudo nos próximos tópicos.16 3.1.2. Da regra probatória (in dubio pro reo) Por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência. Em outras palavras, recai exclusivamente sobre a acusação o ônus da prova, incumbindo-lhe demonstrar que o acusado praticou o fato delituoso que lhe foi imputado na peça acusatória.17 Como consectários da regra probatória, Antônio Magalhães Gomes Filho destaca: a) a incumbência do acusador de demonstrar a culpabilidade do acusado (pertence-lhe com exclu sividade o ônus dessa prova); b) a necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não de demonstrar a inconsistência das desculpas do acusado; c) tal comprovação deve ser feita legalmente (conforme o devido processo legal); d) impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos (daí o seu direito ao silêncio).18 Essa regra probatória deve ser utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró, cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza.19 Nesta acepção, presunção de inocência confunde-se com o in dubio pro reo. Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, pois, em um juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave que o segundo. O in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração das provas: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois não tem ele a obrigação de provar que não praticou o delito. Antes, cabe à parte acusadora (Ministério Público ou querelante) afastar a presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável que o acusado praticou a conduta delituosa cuja prática lhe é atribuída. Enfim, não se justifica, sem base probatória idô nea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se - para 15 BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 283. 16 Por força do disposto no art. 89 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (n9 2), Luiz Flávio Gomes acres centa uma terceira regra, qual seja, a regra de garantia, segundo a qual a única forma de se afastar a presunção de inocência do acusado seria comprovando-se legalmente sua culpabilidade (Legislação crim inal especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 442). A nosso ver, e com a devida vênia, tal regra já está inserida na regra probatória. 17 Para mais detalhes acerca da divisão do ônus da prova no processo penal, remetemos o leitor ao capítulo de provas. 18 "O princípio da presunção de inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana sobre Direitos Hu manos (Pacto de São José da Costa Rica)", em Revista do Advogado, da AASP, n9 42, abril/94, p. 31. 19 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 285. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS f 47 que se qualifique como ato revestido de validade ético-juri dica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.20 O in dubio pro reo só incide até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Portanto, na revisão criminal, que pressupõe o trânsito em julgado de sentença penal condena tória ou absolutória imprópria, não há falar em in dubio pro reo, mas sim em in dubio contra reum. O ônus da prova quanto às hipóteses que autorizam a revisão criminal (CPP, art. 621) recai única e exclusivamente sobre o postulante, razão pela qual, no caso de dúvida, deverá o Tribunal julgar improcedente o pedido revisional. 3.1.3. Da regra de tratamento A privação cautelar da liberdade, sempre qualificada pela nota da excepcionalidade, somente se justifica em hipóteses estritas, ou seja, a regra é responder ao processo penal em liberdade, a exceção é estar preso.21 São manifestações claras desta regra de tratamento a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada da sanção penal.22 Portanto, por força da regra de tratamento oriunda do princípio constitucional da não cul pabilidade, o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao acusado, como se estes já houvessem sido condenados, defini tivamente, enquanto não houver o fim do processo criminal.23 O princípio da presunção de inocência não proíbe, todavia, a prisão cautelar ditada por razões excepcionais e tendente a garantir a efetividade do processo. Como bem assevera Canotilho, se o princípio for visto de uma forma radical, nenhumamedida cautelar poderá ser aplicada ao acusado, o que, sem dúvida, acabará por inviabilizar o processo penal.24 Em outras palavras, o inciso LVII do art. 5o da Carta Magna não impede a decretação de medidas cautelares de natu reza pessoal durante o processo, cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5o, LXI), sendo possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar não perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto. Há quem entenda que esse dever de tratamento atua em duas dimensões: a) interna ao processo: funciona como dever imposto, inicialmente, ao magistrado, no sentido de que o ônus da prova recai integralmente sobre a parte acusadora, devendo a dúvida favorecer o acusado. Ademais, as prisões cautelares devem ser utilizadas apenas em situações excepcionais, desde que comprovada a necessidade da medida extrema para resguardar a eficácia do processo; b) externa ao processo: o princípio da presunção de inocência e as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade demandam uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização 20. Nesse contexto: STF, I s Turma, HC 73.338/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/1996. 21 "Diz-me como tratas o arguido, dir-te-ei o processo penal que tens e o Estado que o instituiu" (FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito processual penal, is vol. Coimbra: Coimbra Editora, 1984. p. 428.) 22. A nova orientação jurisprudencial do STF e do STJ acerca da execução provisória da pena será objeto de análise no próximo item. 23 STF - HC 89.501/GO - 2̂ Turma - Rei. Min. Celso de Mello - DJ 16/03/2007 p. 43. 24 Constituição da República portuguesa anotada. 3a ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1993. p. 203. MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima do acusado, funcionando como limites democráticos à abusiva exploração midiática em tomo do fato criminoso e do próprio processo judicial.25 Portanto, por força do dever de tratamento, qualquer que seja a modalidade de prisão cau- telar, não se pode admitir que a medida seja usada como meio de inconstitucional antecipação executória da própria sanção penal, pois tal instmmento de tutela cautelar penal somente se legitima se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do status libertatis do indiciado ou do acusado.26 3.1.4. (In) constitucionalidade da execução provisória da pena27 Pelo menos em regra, os recursos extraordinário e especial não são dotados de efeito sus- pensivo (CPP, art. 637, c/c arts. 995 e 1.029, § 5o, ambos do novo CPC). Por isso, prevaleceu, durante anos, o entendimento jurispmdencial segundo o qual era cabível a execução provisória de sentença penal condenatória recorrível, independentemente da demonstração de qualquer hipótese que autorizasse a prisão preventiva do acusado. O fundamento legal para esse entendi mento era o disposto no art. 637 do CPP. Assim, ainda que o acusado tivesse interposto recurso extraordinário ou especial, estaria sujeito à prisão, mesmo que inexistentes os pressupostos da prisão preventiva.28 Nessa linha, o STJ editou a súmula n° 267, segundo a qual a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão. Portanto, mesmo que o acusado tivesse permanecido solto durante todo o processo, impunha-se o recolhimento à prisão como efeito automático de um acórdão condenatório proferido por ór gão jurisdicional de segundo grau, ainda que a decisão condenatória não tivesse transitado em julgado em virtude da interposição dos recursos extraordinário e especial. 25. LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 47/48. Especificamente em relação à dimensão externa ao processo, vem bem a calhar a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso J. vs. Peru (2013), no qual o Peru foi responsabilizado por violação ao estado de inocência previsto no art. 8.2 do Pacto de São José da Costa Rica. A Sra. J. foi presa durante o cumprimento de medida de busca e apreensão residencial. Processada criminalmente por terrorismo e associação ao terrorismo, em virtude de suposta vinculação com o grupo armado Sendero Luminoso, foi absolvida em junho de 1993. Logo após ser solta, deixou o território peruano. Em dezembro do mesmo ano, a Corte Suprema Peruana cassou a sentença absolutória, determinou um novo julgado e decretou sua prisão. Tais fatos ocorreram durante o governo Fujimori, quando o Peru passava por um regime de exceção. Para a CIDH, os distintos pronunciamentos públicos das autoridades estatais, sobre a culpabilidade de J. violaram o estado de inocência, princípio determi nante que o Estado não condene, nem mesmo informalmente, emitindo juízo perante a sociedade e contribuindo para formar a opinião pública, enquanto não existir decisão judicial condenatória. Para a Corte, a apresentação da imagem da acusada para a imprensa, escrita e televisiva, ocorreu quando ela estava sob absoluto controle do Estado, além de as entrevistas posteriores também terem sido levadas a cabo sob conhecimento e controle do Estado, por meio de seus funcionários. A Corte acentuou não impedir o estado de inocência que as autoridades mantenham a sociedade informada sobre investigações criminais, mas requer que isso seja feito com a discrição e a contextualização necessárias, de tal modo a garantir o estado de inocência. Assim, fazer declarações públicas, sem os devidos cuidados, sobre processos penais, gera, na sociedade, a indevida crença sobre a culpabilidade do acusado. Nessa linha: GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3- ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 135-137. 26 Nessa linha: STF - HC 90.753/RJ - 2§ Turma - Rei. Min. Celso de Mello - DJ 23/11/2007 p. 116. 27. Para mais detalhes acerca da possibilidade de execução provisória de decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento sequer de uma eventual apelação pelos Tribunais de 2§ instância, remetemos o leitor ao Título 10 (Processo e Procedimento), mais precisamente ao Capítulo IV (Procedimento Especial do Tribunal do Júri), onde o tema é objeto de análise nos comentários à soberania dos veredictos. 28. Nesse contexto: STF, 1§ Turma, HC 91.675/PR, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 04/09/2007, Dje 157 06/12/2007. T ÍT U L O ! • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 49 Ocorre que, no julgamento do Habeas Corpus n° 84.078 no ano de 2009, o Plenário do Supremo, por maioria de votos (7 a 4), alterou sua orientação jurisprudencial até então dominante para concluir que a execução da pena só poderia ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Logo, a despeito de os recursos extraordinários não serem dotados de efeito suspensivo, enquanto não houvesse o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não seria possível a execução da pena privativa de liberdade, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, cuja decretação, todavia, estaria condicionada à presença dos pressupostos do art. 312 do CPP.29 Todavia, em julgamento histórico realizado no dia 17 de fevereiro de 2016 (HC 126.292),30 e novamente por maioria de votos (7 a 4), o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu que é possível a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido por Tribunal de segunda instância no julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordi nário, e mesmo que ausentes os requisitos da prisão cautelar, sem que se possa objetar suposta violação ao princípio da presunção de inocência, já que é possível fixar determinados limites para a referida garantia constitucional. Não se trata, portanto, de prisão cautelar. Cuida-se, na verdade, de verdadeiraexecução provisória da pena. Para justificar essa nova orientação foram apontados os seguintes fundamentos: a) deve ser buscado o necessário equilíbrio entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade; b) é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acu sado. É dizer, os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fática probatória.31 Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa; c) se houve, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o faz o art. 637 do CPP; d) a Lei da Ficha Limpa (LC n° 135/2010) expressamente consagra como causa de inelegi- bilidade a existência de sentença condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas por órgão colegiado; e) não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão 29. HC 84.078, Rei. Min. Eros Grau. Informativo ne 534 do STF - Brasília, 2 a 6 de fevereiro de 2009. No mesmo sentido: STF, 2* Turma, HC 88.174/SP, Rei. Min. Eros Grau, j. 12/12/1996, DJe 092 30/08/2007; STF, 2§ Turma, HC 89,754/BA, Rei. Min. Celso de Mello, j. 13/02/2007, DJe 04 26/04/2007; STF, 2̂ Turma, HC 91.232/PE, Rei. Min. Eros Grau, j. 06/11/2007, DJe 157 06/12/2007; STJ - HC 122.191/RJ - 5 ̂Turma - Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima - Dje 18/05/2009. 30. STF, Pleno, HC 126.292/SP, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 17/02/2016, DJe 100 16/05/2016. 31. As matérias fáticas que levariam apenas a um reexame da prova estão excluídas dos recursos especial e extraor dinário, nos termos da súmula n5 279 do STF ("Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário") e da súmula ne 7 do STJ ("A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial"). 50 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2o, § Io, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela prevalên cia da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5o, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação; f) em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema; g) a jurisprudência que assegurava a presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença condenatória vinha permitindo a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais variada espécie, com indisfarçados propósitos protelatórios, visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória, já que o último marco interraptivo do prazo prescricional antes do início do cumprimento da pena é a publicação da sentença ou do acórdão recorríveis (CP, art. 117, IV);32 h) quanto a eventuais equívocos das instâncias ordinárias, não se pode esquecer que há instrumentos aptos a inibir conseqüências danosas para o condenado, suspendendo, se necessá rio, a execução provisória da pena, como, por exemplo, medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e ao recurso especial (art. 1.029, § 5o, do novo CPC) e o habeas corpus. Portanto, mesmo que exeqüível provisoriamente o acórdão condenatório recor- rível, o acusado não estaria desamparado da tutela jurisdicional em casos de flagrante violação de direitos. Isso seria possível, por exemplo, em situações nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar a manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação.33 Com a devida vênia à maioria dos Ministros do STF que admitiram a execução provisória da pena, parece-nos que esse novo entendimento contraria flagrantemente a Constituição Federal, que assegura a presunção de inocência (ou de não culpabilidade) até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 5o, LVII), assim como o art. 283 do CPP, que só admite, no curso da investigação ou do processo - é dizer, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória - , a decretação da prisão temporária ou preventiva por ordem escrita e fundamentada da auto ridade judiciária competente. Não negamos que se deva buscar uma maior eficiência no sistema processual penal pátrio. Mas, a nosso juízo, essa busca não pode se sobrepor à Constituição Federal, que demanda a formação de coisa julgada para que possa dar início à execução de uma prisão de natureza penal. 32. Como exemplo do uso abusivo do direito de recorrer com a nítida intenção de procrastinar o trânsito em julga do de sentença condenatória podemos citar o caso do ex-Senador L. E., condenado a 31 anos de reclusão pela prática dos crimes de peculato, estelionato, corrupção ativa, uso de documento falso e associação criminosa - os dois últimos delitos acabaram prescrevendo. Desde 2006, quando foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 3 ̂Região, o ex-Senador já havia interposto mais de 35 (trinta e cinco) recursos, obstando, assim, o trânsito em julgado. Com a mudança de orientação jurisprudencial do STF acerca do assunto, o ex-Senador foi, enfim, recolhido à prisão, em data de 8 de março de 2016. 33. Após a decisão do STF no HC 126.292, o STJ também passou a admitir a execução provisória de acórdão con denatório. A propósito, confira-se: STJ, 6ã Turma, EDcl no REsp 1.484.415/DF, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 3/3/2016, DJe 14/4/2016; STJ, Corte Especial, QO na APn 675/GO, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. 6/4/2016, DJe 26/4/2016. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E só se pode falar em trânsito em julgado quando a decisão se toma imutável, o que, como sa bemos, é obstado pela interposição dos recursos extraordinários, ainda que desprovidos de efeito suspensivo. Não há, portanto, margem exegética para que o art. 5o, inciso LVII, da Constituição Federal, seja interpretado no sentido de se concluir que o acusado é presumido inocente (ou não culpável) tão somente até a prolação de acórdão condenatório por Tribunal de 2a instância. Por mais que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 2)34 estenda o princípio da presunção de inocência até a comprovação legal da culpa, o que ocorre com a prolação de acórdão condenatório no julgamento de um recurso - lembre-se que a mesma Convenção Americana assegura o direito ao duplo grau de jurisdição (art. 8o, § 2o, “h”) - , não se pode perder de vista que a Constituição Federal é categórica ao afirmar que so mente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória poderá afastar o estado inicial de não culpabilidade de que todos gozam. Seu caráter mais amplo deve prevalecer, portanto, sobre o teor da Convenção Americana de Direitos Humanos. De fato, a própriaConvenção Americana prevê que os direitos nela estabelecidos não poderão ser interpretados no sentido de restringir ou limitar a aplicação de normas mais amplas que existam no direito interno dos países signatários (art. 29, b). Em conseqüência, deverá sempre prevalecer a disposição mais favorável (princípio pro homine). Não bastasse a Constituição Federal, é fato que a legislação infraconstitucional também não dá acolhida à nova orientação dos Tribunais Superiores. Explica-se: apesar de o art. 637 do CPP autorizar a execução provisória de acórdão condenatório pelo fato de os recursos extraordiná rios não serem dotados de efeito suspensivo, este dispositivo foi tacitamente revogado pela Lei n° 12.403/11, que conferiu nova redação ao art. 283 do CPP (“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”). O art. 283 do CPP é categórico ao estabelecer as hipóteses em que pode haver restrição à liberdade de locomoção no processo penal: a) prisão em flagrante,35 prisão temporária e prisão preventiva: são as únicas espécies de prisão cautelar passíveis de decretação no curso da inves tigação ou do processo; b) prisão penal (career adpoenam): a prisão penal só pode ser objeto de execução com o trânsito em julgado de sentença condenatória. Há, portanto, um requisito de natureza objetiva para o início do cumprimento da reprimenda penal, qual seja, a formação da coisa julgada, que é obstada pela interposição de todo e qualquer recurso, seja ele ordinário ou extraordinário, seja ele dotado de efeito suspensivo ou não. Logo, o caráter “extraordinário” dos recursos especial e extraordinário, bem como o fato de serem recursos de fundamentação vinculada e limitados ao reexame de questões de direito não é um argumento legítimo para sustentar a execução antecipada da pena. Isso porque o caráter “extraordinário” desses recursos não afeta o conceito de trânsito em julgado expressamente estabelecido pelo art. 283 do CPP como marco final do processo para fins de execução da pena. Por mais que a Lei n° 12.403/11, responsável pela nova redação do art. 283 do CPP, não tenha feito qualquer referência ao art. 637 do CPP, é no mínimo estranho admitirmos que um dispositivo legal autoriza a execução da pena tão somente com o trânsito em julgado de 34. "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legal mente sua culpa". 35. Há controvérsias acerca da natureza jurídica da prisão em flagrante. Há quem entenda que se trata de medida pré-cautelar, e não uma espécie de prisão cautelar. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor ao Título 6, Capítulo IV, item 4. 52 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima sentença condenatória, enquanto outro a autoriza pelo fato de não outorgar efeito suspensivo aos recursos extraordinários. É bem verdade que o art. 9o da LC 95/98, com redação dada pela LC n° 107/01, determina que a cláusula de revogação de lei nova deve enumerar, expressamente, as leis e disposições revogadas, o que não ocorreu na hipótese sob comento. No entanto, a falta de técnica por parte do legislador - que, aliás, tem se tomado uma rotina - , não pode justificar a convivência de normas jurídicas incompatíveis entre si, tratando do conceito de execução da pena de maneira conflitante. Por conseqüência, como se trata de norma posterior que tratou da matéria em sentido diverso, parece-nos que a nova redação do art. 283 do CPP conferida pela Lei n° 12.403/11 revogou tacitamente o art. 637 do CPP, nos termos do art. 2o, § Io, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Não se pode objetar que o novo CPC teria revogado tacitamente o art. 283 do CPP, por prever expressamente que os recursos extraordinários não são dotados de efeito suspensivo (NCPC, arts. 995 e 1.029, § 5o). A uma porque o novo CPC só pode ser aplicado no âmbito processual penal de maneira subsidiária e supletiva, ou seja, quando restar evidenciada a existência de uma lacuna. Como não há qualquer omissão no âmbito do CPP, que prevê ex pressamente que a execução da pena pressupõe o trânsito em julgado (art. 283), não se pode admitir a revogação de seus dizeres por uma norma genérica prevista no novo CPC. Não bastasse isso, é fato que o art. 283 do CPP consiste em mera reprodução da cláusula pétrea do art. 5o, LVII, da Constituição Federal (“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’’), cujo núcleo essencial jamais poderia sofrer qualquer restrição, quer por parte de uma lei ordinária (Lei n° 13.105/15 - NCPC), quer pelo próprio Poder Constituinte. A solução para o caos do sistema punitivo brasileiro deve passar, portanto, por uma mudança legislativa - e não jurisprudencial, como feita pelo STF - para que seja antecipado o momento do trânsito em julgado de acórdãos condenatórios proferidos pelos Tribunais de 2a instância, hipótese em que os recursos extraordinários obrigatoriamente teriam que ter sua natureza jurídica alterada para sucedâneos recursais externos.36 De todo modo, pelo menos enquanto não sobrevêm essa mudança legislativa - se é que um dia virá - , cabe aos Tribunais maior rigor na verificação de eventuais excessos por parte da defesa no tocante ao exercício abusivo do direito de recorrer. Em outras palavras, quando restar evidenciado o intuito meramente protelatório dos recursos, apenas para impedir o exau- rimento da prestação jurisdicional e o conseqüente início do cumprimento da pena, incumbe aos Tribunais determinar o imediato início da execução mesmo antes do trânsito em julgado, haja vista o exercício irregular e abusivo do direito de defesa e do duplo grau de jurisdição e a conseqüente violação ao princípio da cooperação, previsto no art. 6o do novo CPC, ao qual também se sujeitam as partes. Nessa linha, como já havia se pronunciado o Supremo em momento anterior ao HC 126.292, “a reiteração de embargos de declaração, sem que se registre qualquer dos seus pressupostos, evidencia o intuito meramente protelatório. A inter- posição de embargos de declaração com finalidade meramente protelatória autoriza o imediato cumprimento da decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente da publicação do acórdão”.37 36. A expressão "sucedâneos recursais", introduzida por Frederico Marques (Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, v. 4, p. 377 e segs.), ora é utilizada para identificar o conjunto de meios não recursais de impugnação, ora é utilizada em acepção estrita, para referir apenas aos meios de impugnação que nem são recurso nem são ação autônoma. 37. STF, ia Turma, RMS 23.841 AgR-ED-ED/DF, Rei. Min. Eros Grau, j. 18/12/2006, DJ16/02/2007. No sentido de que a utilização indevida das espécies recursais, consubstanciada na interposição de inúmeros recursos contrários à TÍTULO 1 • N O Ç Õ ES INTRODUTÓRIAS 53 Em conclusão, convém ressaltar que o teor da decisão proferida no julgamento do HC 126.292 foi confirmada pelo Plenário do STF ao indeferir medida cautelar em duas ações de- claratórias de constitucionalidade (ADC’s 43 e 44), permitindo, assim, a execução provisória da pena privativa de liberdade38 após a decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito em julgado, porquanto as decisões jurisdicionais não impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo têm eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias,39 a condenação criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o aces so às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados de efeito meramente devolutivo.40 41 Esse entendimento foi, posteriormente, confirmado pelo Plenário Virtual doSTF na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246,41 que teve repercussão geral reconhecida. Assim, a tese firmada pelo Tribunal deve ser aplicada nos processos em curso nas demais instâncias. jurisprudência como mero expediente protelatório, desvirtua o próprio postulado constitucional da ampla defesa: STF, 23 Turma, Al 759.450 ED/RJ, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 01/12/2009, DJe 237 17/12/2009; STF, Pleno, AO 1.046 ED/RR, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 28/11/2007, DJe 31 21/02/2008. Para o STJ, quando verificada a oposição de recursos manifestamente protelatórios apenas para se evitar o exaurimento da prestação jurisdicional, tem sido admitida a baixa imediata dos autos, para o início da execução penal: STJ, 5ã Turma, EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.142.020/PB, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 07/10/2010, DJe 03/11/2010. E ainda: STJ, 5§ Tur ma, EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 862.591/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15/09/2009, DJe 05/10/2009. O abuso do direito de recorrer no processo penal, com o escopo de obstar o trânsito em julgado da condenação e, por conseqüência, de se alcançar a prescrição da pretensão punitiva, autoriza inclusive a determinação monocrática de baixa imediata dos autos por Ministro de Tribunal Superior, independentemente de publicação da decisão. Nessa linha: STF, Pleno, RE 839.163 QO/DF, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 05/11/2014. 38. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela viabilidade da imediata execução da pena imposta ou confirmada pelos tribunais locais após esgotadas as respectivas jurisdições, não analisou tal possibilidade quanto às reprimendas restritivas de direitos. Considerando a ausência de manifestação expressa da Corte Suprema e o teor do art. 147 da LEP, não se afigura possível a execução da pena restritiva de direitos antes do trânsito em julgado da condenação. Nesse contexto: STJ, 3ã Seção, EREsp 1.619.087/SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/06/2017, DJe 24/08/2017. 39. A execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação não é automática, quando a decisão ainda é passível de integração pelo Tribunal de Justiça, sobretudo quando o juízo de primeiro grau conceder ao acusado, na sentença condenatória, o direito de recorrer em liberdade. Por isso, em caso concreto no qual ainda não havia se dado o esgotamento da jurisdição do Tribunal de Justiça, em virtude da interposição de Embargos de Declaração ainda não julgado, concluiu a 63 Turma do STJ (HC 366.907/PR, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06/12/2016, DJe 16/12/2016) ser indevido, naquele momento, o início da execução provisória da pena. É bem verdade que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e apenas interrompem o prazo para a interposição dos recursos cabíveis. No entanto, dada a falibilidade que é característica do ser humano, excepcionalmente, existe a possibilidade de atribuir efeito infringente aos aclaratórios. Para a 5ã Turma do STJ (HC 371.870/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 13/12/2016, DJe 12/02/2017), também se revela ilegal a imediata execução provisória da pena na hipótese em que ainda não tiver havido a intimação da Defensoria Pública Estadual acerca de acórdão condenatório. 40. STF, Pleno, ADC 43 MC/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 05/10/2016; STF, Pleno, ADC 44 MC/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 05/10/2016. 41. "(.■■) Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 52, inciso LVII, da Constituição Federal. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria". (STF, Pleno, ARE 964.246 RG/SP, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 10/11/2016, DJe 251 24/11/2016). 54 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 3.2. Princípio do contraditório De acordo com o art. 5o, inciso LV, da Constituição Federal, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Na clássica lição de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, sempre se compreendeu o princí pio do contraditório como a ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los.42 De acordo com esse conceito, o núcleo fundamental do contraditório estaria ligado à discussão dialética dos fatos da causa, devendo se assegurar a ambas as partes, e não somente à defesa, a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados no curso do processo. Eis o mo tivo pelo qual se vale a doutrina da expressão “audiência bilateral”, consubstanciada pela expressão em latim audiatur et altera pars (seja ouvida também a parte adversa). Seriam dois, portanto, os elementos do contraditório: a) direito à informação; b) direito de participação. O contraditório seria, assim, a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis. Como se vê, o direito à informação funciona como consectário lógico do contraditório. Não se pode cogitar da existência de um processo penal eficaz e justo sem que a parte adversa seja cientificada da existência da demanda ou dos argumentos da parte contrária. Daí a importância dos meios de comunicação dos atos processuais: citação, intimação e notificação. Não por outro motivo, de acordo com a súmula 707 do Supremo Tribunal Federal, “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo Também deriva do contraditório o direito à participação, aí compreendido como a possibi lidade de a parte oferecer reação, manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária. Pela concepção original do princípio do contraditório, entendia-se que, quanto à reação, bastava que a mesma fosse possibilitada, ou seja, tratava-se de reação possível. No entanto, a mudança de concepção sobre o princípio da isonomia, com a superação da mera igualdade for mal e a busca de uma igualdade substancial, produziu a necessidade de se igualar os desiguais, repercutindo também no âmbito do princípio do contraditório. O contraditório, assim, deixou de ser visto como uma mera possibilidade de participação de desiguais para se transformar em uma realidade. Enfim, há de se assegurar uma real e igualitária participação dos sujeitos processuais ao longo de todo o processo, assegurando a efetividade e plenitude do contraditório. E o que se denomina contraditório efetivo e equilibrado. Na dicção de Badaró, houve, assim, uma dupla mudança, subjetiva e objetiva. Segundo o autor, “quanto ao seu objeto, deixou de ser o contraditório uma mera possibilidade de par ticipação de desiguais, passando a se estimular a participação dos sujeitos em igualdade de condições. Subjetivamente, porque a missão de igualar os desiguais é atribuída ao juiz e, assim, o contraditório não só permite a atuação das partes, como impõe a participação do julgador”.43 Notadamente no âmbito processual penal, não basta assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano formal, tal qual acontece no processo civil. Estando em discussão a liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer reação à pretensão acusatória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor. Nesse contexto, dispõe o art. 261 do CPP que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. E não se deve contentar 42 Princípios fundam entais do processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973. p. 82. 43 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direitoprocessual penal. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2008. Tomo 1. p. 1-36. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 55 com uma atuação meramente formal desse defensor. Basta perceber que, dentre as atribuições do juiz-presidente do júri, o CPP elenca a possibilidade de nomeação de defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso (CPP, art. 497, V).44 Portanto, pode-se dizer que se, em um primeiro momento, o contraditório limitava-se ao direito à informação e à possibilidade de reação, a partir dos ensinamentos do italiano Elio Fazzalari, o contraditório passou a ser analisado também no sentido de se assegurar o respeito à paridade de tratamento (par conditio ou paridade de armas). De fato, de nada adianta se assegurar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, se não lhe são outorgados os meios para que tenha condições reais e efetivas de contrariá-los. Há de se assegurar, pois, o equilíbrio entre a acusação e defesa, que devem estar munidas de forças similares. O contraditório pressupõe, assim, a paridade de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos poderes. É nesse sentido que deve ser entendido o parágrafo único do art. 261, acrescentado pela Lei n° 10.792/03, que passou a dispor: “A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada”. Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a observância do contra ditório só é obrigatória, no processo penal, na fase processual, e não na fase investigatória. Isso porque o dispositivo do art. 5o, LV, da Carta Magna, faz menção à observância do contraditório em processo judicial ou administrativo. Logo, considerando-se que o inquérito policial é tido como um procedimento administrativo destinado à colheita de elementos de informação quanto à existência do crime e quanto à autoria ou participação, não há falar em observância do con traditório na fase preliminar de investigações.45 Por força do princípio ora em análise, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por con seguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório e da ampla defesa. Essa estrutura dialética da produção da prova, que se caracteriza pela pos sibilidade de indagar e de verificar os contrários, funciona como eficiente mecanismo para a busca da verdade. De fato, as opiniões contrapostas das partes adversas ampliam os limites da cognição do magistrado sobre os fatos relevantes para a decisão da demanda e diminuem a possibilidade de erros. A prova há de ser produzida não só com a participação do acusador e do acusado, como também mediante a direta e constante supervisão do órgão julgador. De fato, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399, § 2o, com redação dada pela Lei n° 11.719/08). Funcionando a observância do contraditório como verdadeira condição de existência da prova, só podem ser considerados como prova, portanto, os dados de conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a participação dialética das partes. Nesse sentido, foi bastante incisiva a Lei n° 11.690/08, dando nova redação ao art. 155, caput, do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em 44 Com esse entendimento: TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 45. 45 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação da nulidade da ação penal. Nessa linha: STF, 2a Turma, HC 99.936/CE, Rei. Min. Ellen Gracie, DJe 232 10/12/2009. Em sentido semelhante: STF, 2a Turma, HC 83.233/RJ, Rei. Min. Nelson Jobim, DJ 19.03.2004. M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima56 contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e anteci padas”. Impõe-se, pois, a observância do contraditório ao longo de toda apersecutio criminis in indicio, como verdadeira pedra fundamental do processo penal, contribuindo para o acertamento do fato delituoso. Afinal, quanto maior a participação dialética das partes, maior é a probabili dade de aproximação dos fatos e do direito aplicável, contribuindo de maneira mais eficaz para a formação do convencimento do magistrado.46 3.1.5. Contraditório para a prova e contraditório sobre a prova O contraditório para a prova (ou contraditório real) demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova, sendo indispensável que sua produção se dê na presença do órgão julgador e das partes. É o que acontece com a prova testemunhai colhida em juízo, onde não há qualquer razão cautelar a justificar a não intervenção das partes quando de sua produção, sendo obrigatória, pois, a observância do contraditório para a realização da prova. O contraditório sobre a prova, também conhecido como contraditório diferido ou pos tergado, traduz-se no reconhecimento da atuação do contraditório após a formação da prova. Em outras palavras, a observância do contraditório é feita posteriormente, dando-se oportuni dade ao acusado e a seu defensor de, no curso do processo, contestar a providência cautelar, ou de combater a prova pericial feita no curso do inquérito. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica judicialmente autorizada no curso das investigações. Nessa hipótese, não faz sentido algum querer intimar previamente o investigado para acompanhar os atos investigatórios. Enquanto a interceptação estiver em curso, não há falar, portanto, em con traditório real. Porém, uma vez finda a diligência, e juntado aos autos o laudo de degravação e o resumo das operações realizadas (Lei n° 9.296/96, art. 6o), deles se dará vista à Defesa, a fim de que tenha ciência das informações obtidas através do referido procedimento investigatório, preservando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa. Nesse caso, não há falar em violação à garantia da bilateralidade da audiência, porquanto o exercício do contraditório será apenas diferido para momento ulterior à decisão judicial.47 3.2. Princípio da ampla defesa De acordo com o art. 5o, LV, da Magna Carta, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Sob a ótica que privilegia o interesse do acusado, a ampla defesa pode ser vista como um direito; todavia, sob o enfoque publicístico, no qual prepondera o interesse geral de um processo justo, é vista como garantia. O direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório - o direito à informação. Além disso, a ampla defesa se exprime por intermédio de seu segundo elemento: a reação. Apesar da influência recí proca entre o direito de defesa e o contraditório, os dois não se confundem. Com efeito, por força do princípio do devido processo legal, o processo penal exige partes em posições antagônicas, uma delas obrigatoriamente em posição de defesa (ampla defesa), havendo a necessidade de que 46 Nessa linha: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. I I s ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 34. Com entendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.86 3.9. Princípio da proporcionalidade............. 87 3.9.1. Da adequação................................. 89 3.9.2. Da necessidade.............................. 90 3.9.3. Da proporcionalidade em sentido estrito........................................................ 91 4. Lei processual penal no espaço.......................... 91 4.1. Tratados, convenções e regras de direito internacional.................................................... 92 4.2. Prerrogativas constitucionais do Presi dente da República e de outras autoridades... 93 4.3. Processos da competência da Justiça Militar............................................................... 94 4.4. Processos da competência do tribunal especial............................................................. 94 4.5. Crimes de imprensa................................. 95 4.6. Crimes eleitorais....................................... 95 4.7. Outras exceções....................................... 96 5. Lei processual penal no tem po.......................... 96 5.1. Lei n9 9.099/95 e seu caráter retroativo... 98 5.2. Lei n9 9.271/96 e nova redação do art. 366: suspensão do processo e da prescrição... 99 5.3. Leis 11.689/08 e 11.719/08 e sua apli cabilidade imediata aos processos em an damento........................................................... 99 5.4. Lei n9 12.403/11 e o novo regramento quanto às medidas cautelares de natureza pessoal............................................................. 100 5.5. Normas processuais heterotópicas.......... 101 5.6. Vigência, validade, revogação, derroga ção e ab-rogação da lei processual penal....... 101 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima12 6. Interpretação da lei processual penal............. 102 6.1. Interpretação extensiva............................ 103 6.2. Analogia.................................................... 104 6.3. Distinção entre analogia e interpretação analógica......................................................... 105 6.4. Aplicação supletiva e subsidiária do novo Código de Processo Civil ao processo penal................................................................. 105 TÍTULO 2 • INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR............ 109 1. Conceito de inquérito policial............................ 109 2. Natureza jurídica do inquérito policial............... 109 3. Finalidade do inquérito policial.......................... 110 4. Valor probatório do inquérito policial................ 111 5. Atribuição para a presidência do inquérito policial..................................................................... 112 5.1. Funções de polícia administrativa, judi ciária e investigativa......................................... 112 5.2. Da atribuição em face da natureza da infração penal................................................... 114 5.3. Da atribuição em face do local da con sumação da infração penal............................. 116 6. Características do inquérito policial................... 116 6.1. Procedimento escrito............................... 116 6.2. Procedimento dispensável....................... 117 6.3. Procedimento sigiloso.............................. 117 6.4. Procedimento inquisitorial....................... 121 6.5. Procedimento discricionário.................... 129 6.6. Procedimento oficial................................ 130 6.7. Procedimento oficioso............................. 130 6.8. Procedimento indisponível....................... 130 6.9. Procedimento temporário........................ 131 7. Formas de instauração do inquérito policial...... 131 7.1. Crimes de ação penal pública incondi- cionada............................................................. 131 7.2. Crimes de ação penal pública condicio nada e de ação penal de iniciativa privada..... 134 8. Notitia criminis.................................................... 135 8.1. Delatio criminis........................................ 135 8.2. Notitia criminis inqualificada................... 135 9. Diligências investigatórias.................................. 136 9.1. Preservação do local do crime............... 136 9.2 Apreensão de objetos............................... 137 9.3. Colheita de outras provas........................ 138 9.4. Oitiva do ofendido.................................... 138 9.5. Oitiva do indiciado................................... 139 9.6. Reconhecimento de pessoas e coisas e acareações........................................................ 139 9.7. Determinação de realização de exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias 140 9.8. Identificação do indiciado........................ 140 9.9. Averiguação da vida pregressa do inves tigado ............................................................... 141 9.10. Reconstituição do fato delituoso........... 141 9.11. Acesso aos dados cadastrais de vítimas e de suspeitos................................................... 142 9.12. Requisição de informações acerca das estações rádio base (ERB's).............................. 144 10. Identificação criminal....................................... 146 10.1. Conceito.................................................. 146 10.2. Leis relativas à identificação criminal..... 147 10.3. Documentos atestadores da identifi cação civil......................................................... 149 10.4. Hipóteses autorizadoras da identifica ção criminal...................................................... 149 10.5. Identificação do perfil genético (Lei ne 12.654/12)................................................... 151 11. Incomunicabilidade do indiciado preso........... 153 11.1. Regime disciplinar diferenciado............. 153 12. Indiciamento..................................................... 154 12.1. Conceito.................................................. 154 12.2. Momento................................................ 155 12.3. Espécies................................................... 155 12.4. Pressupostos........................................... 155 12.5. Desindiciamento..................................... 156 12.6. Atribuição................................................ 156 12.7. Sujeito passivo........................................ 156 12.8. Afastamento do servidor público de suas funções como efeito automático do in diciamento em crimes de lavagem de capitais 158 13. Conclusão do inquérito policial........................ 159 13.1. Prazo para a conclusão do inquérito policial.............................................................. 159 13.1.1. Quadro sinóptico do prazo para a conclusão do inquérito policial............. 161 13.2. Relatório da autoridade policial............. 162 13.3. Destinatário dos autos do inquérito policial.............................................................. 162 13.4. Providências a serem adotadas após a remessa dos autos do inquérito policial...... 164 14. Arquivamento do inquérito policial................. 167 14.1. Fundamentos do arquivamento............. 168 14.2. Coisa julgada na decisão de arquiva mento............................................................... 169 14.3. Desarquivamento, a partir da notícia de provas novas, e oferecimento de denún cia, na hipótese do surgimento de provas novas................................................................ 171 14.4. Procedimento do arquivamento......... 174 14.4.1. Procedimento do arquivamento no âmbito da Justiça Estadual.................. 174 SUMÁRIO 13 14.4.2. Procedimento do arquivamento no âmbito da Justiça Federal e da Justi ça Comum do Distrito Federal.................. 175 14.4.3. Procedimento do arquivamento na Justiça Eleitoral..................................... 176 14.4.4. Arquivamento de inquérito nas hipóteses de atribuição do Procurador- -Geral de Justiça ou do Procurador-Ge ral da República........................................ 177 14.5. Arquivamento implícito.......................... 178 14.6. Arquivamento indireto...........................p. 116. 47. TUCCI. Op. cit. p. 162/163. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 57 cada uma tenha o direito de se contrapor aos atos e termos da parte contrária (contraditório). Como se vê, a defesa e o contraditório são manifestações simultâneas, intimamente ligadas pelo processo, sem que daí se possa concluir que uma derive da outra.48 Como há distinção, “é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusa dor, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu”.49 Quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administra tivo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende-se que a proteção deve abranger o direito à defesa técnica (processual ou específica) e à autodefesa (material ou genérica), havendo entre elas relação de complementariedade. Há entendimento doutrinário no sentido de que tam bém é possível subdividir a ampla defesa sob dois aspectos: a) positivo: realiza-se na efetiva utilização dos instrumentos, dos meios e modos de produção, certificação, esclarecimento ou confrontação de elementos de prova que digam com a materialidade da infração criminal e com a autoria; b) negativo: consiste na não produção de elementos probatórios de elevado risco ou potencialidade danosa à defesa do réu.50 Por força da ampla defesa, admite-se que o acusado seja formalmente tratado de maneira desigual em relação à acusação, delineando o viés material do princípio da igualdade. Por con seqüência, ao acusado são outorgados diversos privilégios em detrimento da acusação, como a existência de recursos privativos da defesa, a proibição da reformatio in pejus, a regra do in dubio pro reo, a previsão de revisão criminal exclusivamente pro reo, etc., privilégios estes que são reunidos no princípio do favor rei.51 3.2.1. Defesa técnica (processual ou específica) Defesa técnica é aquela exercida por profissional da advocacia, dotado de capacidade pos- tulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público. Para ser ampla, como impõe a Constituição Federal, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva, não sendo possível que alguém seja processado sem que possua defensor. 3.2.1.1. Defesa técnica necessária e irrenunciável A defesa técnica é indisponível e irrenunciável. Logo, mesmo que o acusado, desprovido de capacidade postulatória, queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de defensor. Exatamente em virtude disso, dispõe o art. 261 do CPP que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado 48. Com esse entendimento: FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 6§ ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 253. 49 BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2ã ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 37. 50 AZEVEDO, David Teixeira de. O interrogatório do réu e o direito ao silêncio. RT, São Paulo, v. 682, p. 285-298, ago. 1992. p. 290. 51. Para mais detalhes acerca do princípio do favo r rei, consultar comentários ao Título 5 ("Provas"), mais precisa mente no Capítulo I ("Teoria geral das provas"), item 6.6. ("Princípio do fa vo r rei"). 58 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima sem defensor”. Não se admite, assim, processo penal sem que a defesa técnica seja exercida por profissional da advocacia. Caso o processo tenha curso sem a nomeação de defensor, seja porque o acusado não constituiu advogado, seja porque o juiz não lhe nomeou advogado dativo ou defensor público, o processo estará eivado de nulidade absoluta, por afronta à garantia da ampla defesa (CPP, art. 564, III, “c”). Nessa linha, segundo a súmula n° 708 do Supremo, “é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.52 Considerando que, a fím de se assegurar a paridade de armas, a presença de defensor técnico é obrigatória no processo penal, especial atenção deve ser dispensada à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isso porque, de acordo com o Pacto de São José da Costa Rica, toda pessoa acusada de delito tem direito de se defender pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha (CADH, art. 8, n° 2, “d”). Como se vê, da interpretação da CADH depreende-se que o acusado pode optar por exercer sua defesa pessoalmente ou ser assistido por um defensor de sua escolha. Logicamente, se o acusado é profissional da advocacia, poderá exercer sua própria defesa técnica. Todavia, não o sendo, sua defesa técnica deverá ser exercida por profissional da advocacia legalmente habilitado nos quadros da OAB. Portanto, se o acusado não é dotado de capacidade postulatória, não tem o direito de redigir pessoalmente sua defesa técnica, salvo em situações excepcionais expressamente previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal (v.g., interposição de habeas corpus, recursos e incidentes da execução penal).53 Para que o próprio acusado possa exercer sua defesa técnica, não basta que seja dotado de capacitação técnica. O acusado deve ser advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advo gados do Brasil. Por isso, a despeito do evidente conhecimento jurídico de que são dotados, se acusados criminalmente, juizes e/ou promotores não podem exercer sua defesa técnica. Nesse sentido, como já se pronunciou o Supremo, “nas ações penais originárias, a defesa preliminar (L. 8.038/90, art. 4o), é atividade privativa dos advogados. Os membros do Ministério Público estão impedidos de exercer advocacia, mesmo em causa própria. São atividades incompatíveis (L. 8.906/94, art. 28)”.54 Se a defesa técnica deve ser exercida por profissional da advocacia, é evidente que não é possível a nomeação de estagiários para patrocinar causas criminais, já que tal providência é proibida pelo Estatuto da OAB, notadamente quando desacompanhado de advogado (Lei n° 8.906/94, art. 3o, § 20).55 Com raciocínio semelhante, também não se admite que a defesa técnica seja exercida por advogado suspenso por ato disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil. Considerada a indis- pensabilidade do advogado para a administração da justiça (CF, art. 133) e a necessidade de o mesmo atender as qualificações profissionais que a lei estabelecer (CF, art. 5o, XIII), se os atos 52. No sentido da nulidade absoluta de sessão de julgamento de apelação criminal realizada sem a presença de defensor constituído, porquanto, após a apresentação das razões de apelação, o advogado constituído teria re nunciado aos poderes que lhe foram conferidos, sem que o juiz tivesse notificado o acusado para a constituição de novo defensor, como demanda a súmula n9 708 do STF: STF, 2ã Turma, HC 94.282/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 03/03/2009, DJe 75 23/04/2009. 53. Nesse sentido: STF, lã Turma, HC 102.019/PB, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17/08/2010, DJe 200 21/10/2010. Ainda no sentido de que o exercício da autodefesa pelo acusado deve se dar de forma complementar à defesa técnica, e não de forma exclusiva, salvo em hipóteses excepcionais, como no caso da impetração de habeas corpus: STJ, 59 Turma, HC 100.810/PB, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/04/2009, DJe 25/05/2009. 54 STF, 2® Turma, HC 76.671/RJ, Rei. Min. Nelson Jobim, j. 09/06/1998, DJ 10/08/2000. 55 STF, l 9 Turma, HC 89.222/RJ, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 04/09/2007, DJe 206 30/10/2008. T ÍT U L O! • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 59 processuais foram praticados por advogado que não estava legalmente habilitado a tanto, deve se reputar violado o direito à defesa plena, efetiva e real, que a Constituição Federal assegura a todos os acusados.56 A presença de advogado é imprescindível no processo criminal, mesmo no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Da análise da Lei 9.099/95 é fácil perceber que a presença de defensor é obrigatória em todos os momentos, seja na audiência preliminar (art. 72), na análise da proposta da transação penal (art. 76, § 3o), no curso do procedimento comum sumaríssi- mo (art. 81), seja no momento da proposta de suspensão condicional do processo (art. 89, § Io). Nesse ponto, especial atenção deve ser dispensada ao art. 10 da Lei n° 10.259/01, que dispõe sobre os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. De acordo com o referido dispositivo, as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Contudo, quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advo gados do Brasil ou defensor público. Este o motivo pelo qual o Supremo, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, fez interpretação conforme para excluir do âmbito de incidência do art. 10 da Lei 10.259/2001 os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal.57 3.2.I.2. Direito de escolha do defensor Em virtude da relação de confiança que necessariamente se estabelece entre o acusado e quem o defende, entende-se que um dos desdobramentos da ampla defesa é o direito que o acu sado tem de escolher seu próprio advogado. Logo, não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, incumbe ao juiz ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intimação - ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado - não é lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu.58 Tem o acusado, portanto, o direito de escolher seu próprio defensor, não sendo possível que o juiz substitua seu advogado constituído por outro de sua nomeação. A nomeação de defensor pelo juiz só poderá ocorrer nas hipóteses de abandono do processo pelo advogado constituído e desde que o acusado permaneça inerte, após ser instado a constituir novo defensor. Assim, se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação (CPP, art. 263, caput). Supondo, então, que o advogado constituído do acusado tenha deixado de apresentar me moriais (CPP, art. 403, § 3o), não poderá o juiz, de plano, nomear advogado dativo ou defensor 56 STF, 2 ̂Turma, HC 85.717/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 09/10/2007. Informativo n9 483 do STF. Reconhecendo a nulidade de processo em virtude da ausência de defesa técnica pelo fato de os atos terem sido praticados por advogado cuja inscrição estava suspensa na OAB: STF, 1- Turma, HC 110.271/ES, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 07/05/2013, DJe 124 27/06/2013. Em sentido diverso, entendendo não haver nulidade em processo criminal no qual a defesa técnica foi exercida por advogado licenciado da OAB: STF, l ã Turma, HC 99.457/RS, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 13/10/2009, DJe 100 02/06/2010. 57 STF, Pleno, ADI 3.168/DF, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/06/2006, DJe 72 02/08/2007. 58. A propósito: STF, lã Turma, HC 67.755/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 26/06/1990, DJ 11/09/1992. 60 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima público para oferecer a referida peça de defesa. Antes, deve intimar o acusado para que constitua novo advogado. Permanecendo o acusado inerte, e considerando a imprescindibilidade da apre sentação dos memoriais para o exercício da ampla defesa, aí sim deverá o juiz nomear advogado dativo ou defensor público. Nesse sentido, aliás, a súmula 707 do Supremo preconiza que “cons titui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso inter posto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo ” (nosso grifo).59 Caso o acusado não tenha condições de contratar um advogado, poderá se socorrer da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, à qual incumbe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV, da Constituição Federal. Caso não haja Defensoria Pública na comarca, incumbe ao juiz a nomeação de advogado dativo para patrocinar a defesa do acusado. Sobre o assunto, dispõe o Estatuto da OAB que constitui infração disciplinar recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurí dica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública (Lei n° 8.906/94, art. 34, XII). E preceitua também que o “advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado” (art. 22, § Io). Em alguns Estados, existe um convênio entre a OAB e a Procuradoria de Assistência Judiciária, estabelecendo uma lista de profissionais dispostos a aceitar a nomeação para atuar, conforme a área de atuação, bem como existe uma tabela que serve de baliza para a fixação dos honorários a ser feita pelo magistrado. O arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo nomeado para oficiar em processos criminais deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB, considerados o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa como parâmetros norteadores do quantum,60 3.2.1.3. Defesa técnica plena e efetiva Para que seja preservada a ampla defesa a que se refere a Constituição Federal, a defesa técnica, além de necessária e indeclinável, deve ser plena e efetiva. Ou seja, não basta assegurar a presença formal de defensor técnico. No curso do processo, é necessário que se perceba efetiva atividade defensiva do advogado no sentido de assistir seu cliente. Esse o motivo pelo qual a Lei n° 10.792/03 acrescentou o parágrafo único ao art. 261 do CPP, de modo a exigir que a defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, seja sempre exercida por manifestação fundamentada. Com efeito, de que adianta a presença física de defensor que não arrola testemunhas, que não faz reperguntas, que não oferece me moriais, ou que os apresenta sucintamente, sem análise da prova, em articulado que poderia ser utilizado em relação a qualquer processo criminal? Na verdade, em tal hipótese, haveria um profissional da advocacia formalmente designado para defender o acusado, mas a sua atuação seria tão precária que seria como se o acusado tivesse sido processado sem defesa técnica. Em casos como este, recai sobre o Ministério Público e sobre o juiz o dever de fiscalizar a atuação defensiva do advogado, evitando-se, assim, possível caracterização de nulidade absoluta do feito, por violação à ampla defesa. 59. Nesse sentido: STJ, 5ã Turma, HC 162.785/AC, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/04/2010, DJe 03/05/2010. Na mesma linha, reconhecendo a nulidade absoluta do feito em virtude da ausência de intimação do acusado para constituir novo defensor diante de renúncia apresentada pelo advogado constituído: STJ, 5ã Turma, HC 132.108/PA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16/12/2010, DJe 07/02/2011. 60 Notocante aos critérios para o arbitramento dos honorários: STJ, 63 Turma, REsp 1.377.798/ES, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 19/8/2014. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 61 Nesse sentido, a súmula 523 do STF dispõe que, “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prejuízo para o réu”. Assim, caso haja falha na atuação do defensor, com a causação de prejuízo ao acusado, o pro cesso deve ser anulado. Em outras palavras, a defesa não pode ser meramente formal, devendo ser adequadamente exercida. Para que essa defesa seja ampla e efetiva, deve-se deferir ao acusado e a seu defensor tempo hábil para sua preparação e exercício. Entre as várias garantias que o devido processo legal asse gura está o direito de dispor de tempo e facilidades necessárias para preparar a defesa. Há de se assegurar ao acusado e a seu defensor o tempo e os meios adequados para a preparação da defesa. Apesar de não haver dispositivo expresso no CPP acerca do assunto, cuida-se de previsão comum nas declarações internacionais de direitos humanos. De fato, de acordo com o art. 8o, n° 2, alínea “c”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92), ao acusado se assegura a concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa. No mesmo sentido, vide art. 14, n° 3, “b”, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos. Como destaca Gustavo Henrique Badaró, “conferir ao réu o direito de defesa, sem oferecer- -lhe tempo suficiente para sua preparação é esvaziar tal direito. Deve haver um tempo razoável entre a comunicação do ato em relação ao qual deverá ser exercida a defesa e o prazo final para tal exercício. Defesa sem tempo suficiente é ausência de defesa, ou, no mínimo, defesa ineficiente”.61 Obrigatoriamente, deve o defensor atuar em benefício do acusado, sob pena de se con siderá-lo indefeso. Isso, no entanto, não significa dizer que o defensor deverá sempre e inva riavelmente pedir a absolvição do acusado. A depender das circunstâncias do caso concreto, esse pedido absolutório não será uma alternativa viável e tecnicamente possível. Basta ima ginar, por exemplo, processo penal em que o réu tenha confessado a prática delituosa após a colheita de farta prova testemunhai o incriminando. Em tal hipótese, pedir a absolvição seria absolutamente inócuo. Porém, visando à melhora da situação do acusado, incumbe ao defensor buscar o reconhecimento de eventual causa de diminuição de pena, circunstância atenuante ou algum benefício legal para o cumprimento da sanção penal (v.g., regime aberto, substituição por pena restritiva de direitos, concessão do sursis, etc.), além do reconhecimento de possíveis nulidades. E perfeitamente possível que um mesmo advogado patrocine a defesa técnica de dois ou mais acusados, desde que não haja teses colidentes. Havendo teses antagônicas, a defesa técnica não poderá ser exercida por um mesmo advogado, porquanto haverá, invariavelmente, prejuízo a um dos acusados. Logo, se um dos acusados nega sua participação no crime, enquanto o ou tro o incrimina em suas declarações, a defesa de ambos não pode ser promovida pelo mesmo advogado, sob pena de nulidade do feito.62 3.2.2. Autodefesa (material ou genérica) Autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Diferencia-se da defesa técnica porque, embora não possa ser desprezada pelo juiz, é disponível, já que não há como se compelir o acusado a exercer seu direito ao interrogatório nem tampouco a acompanhar os atos da instrução processual. 61 BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2§ ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 38. 62 Com esse entendimento: STF, Turma, HC 69.716/RS, Rei. Min. limar Galvão, j. 13/10/1992, DJ 18/12/92. Na mesma linha: STJ, 6ã Turma, RHC 22.034/ES, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19/08/2010, Informativo ne 443 do STJ. 62 I MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima De modo a se assegurar o exercício da autodefesa, o acusado deve ser citado pessoal mente, pelo menos em regra. Caso o acusado não seja encontrado, e somente depois de esgotadas todas as diligências no sentido de localizá-lo, será possível sua citação por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias. Daí dispor a súmula n° 351 do Supremo Tribunal Federal que “é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da federação em que o juiz exerce a sua jurisdição”. Ora, se o acusado estava preso, é dever do Estado ter conhecimento de sua localização, a fim de citá-lo pessoalmente. Se a citação foi feita por edital, deve ser considerada nula. Com a reforma processual de 2008, também foi introduzida no processo penal a possibilidade de citação por hora certa, se acaso verificado que o réu se oculta para não ser citado (CPP, art. 362). Eventual ofensa ao direito do acusado de exercer sua própria defesa é causa de nulidade absoluta por violação à ampla defesa. Assim, quando presente, deve o acusado ser interrogado, sob pena de nulidade do feito (CPP, art. 564,1, e, segunda parte). Também se afigura necessária a intimação do acusado para os atos processuais, para que possa acompanhá-los, intimação esta que só não precisa ser feita quando for decretada sua revelia (art. 367). Ademais, também deve ser intimado pessoalmente das decisões para que, querendo, possa exercer o seu direito de recorrer pessoalmente (CPP, art. 577). A autodefesa se manifesta no processo penal de várias formas: a) direito de audiência; b) direito de presença; c) capacidade postulatória autônoma do acusado. 3.2.2.1. Direito de audiência O direito de audiência pode ser entendido como o direito que o acusado tem de apresentar ao juiz da causa a sua defesa, pessoalmente. Esse direito se materializa através do interrogatório, já que é este o momento processual adequado para que o acusado, em contato direto com o juiz natural, possa trazer ao magistrado sua versão a respeito da imputação constante da peça acusatória. Daí o entendimento hoje majoritário em tomo da natureza jurídica do interrogatório: meio de defesa. E verdade que, durante muito tempo, o interrogatório foi considerado meio de prova. A própria posição topográfica que o interrogatório ocupa no CPP, dentro do Capítulo III (“Do interrogatório do acusado”) do Título VII (“Da prova”) reforçava esse entendimento. Além disso, antes da Lei n° 11.719/08 e da Lei n° 11.689/08, o interrogatório era o primeiro ato da instrução processual penal. Atualmente, no entanto, como o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante em virtude do direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII), não podendo sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício dessa especial prerrogativa, entende-se que o interrogatório qualifica-se como meio de defesa. O interrogatório está relacionado, assim, ao direito de audiência, desdobramento da autodefesa. Com a entrada em vigor da Lei n° 10.792/03, e, posteriormente, em virtude da reforma processual de 2008, já não há mais dúvidas quanto a sua natureza jurídica. A presença obrigatória de advogado ao referido ato, introduzida no art. 185, caput, do CPP, pela Lei n° 10.792/03, e sua colocação ao final da instmção processual pela reforma processual de 2008 (CPP, art. 400, caput), possibilitando que o acusado seja ouvido após a colheita de toda a prova oral, reforçam esse entendimento.63 63. Considerando o interrogatório como meio de defesa: STF, 2§ Turma, HC 94.601/CE, Rei. Min. Celso de Mello, j. 04/08/2009, DJe 17110/09/2009. E ainda: STF, 2§ Turma, HC 94.016/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 16/09/2008, DJe 38 26/02/2009. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 63 3.2.2.2. Direito de presença Por meio do direito de presença, assegura-se ao acusado a oportunidade de, ao lado de seu defensor, acompanhar os atos de instrução, auxiliando-o na realização da defesa. Daí a importância da obrigatóriaintimação do defensor e do acusado para todos os atos processuais. Afinal, durante a instrução criminal, podem ser prestadas declarações cuja falsidade ou incor reção só o acusado consiga detectar. Nesse caso, o acusado deve poder relatar de imediato tais falsidades ou incorreções ao seu defensor técnico, a fim de que este último tenha tempo hábil para explorá-las, durante a colheita da prova. Se o direito de presença é um desdobramento da autodefesa, a qual é disponível, conclui-se que o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento, ato este que não está protegido pelo direito à não autoincrimina- ção. Nem mesmo ao interrogatório estará o acusado obrigado a comparecer, até mesmo porque a Constituição Federal lhe assegura o direito ao silêncio. De todo modo, caso o acusado não compareça à audiência, a presença do defensor será sempre necessária e obrigatória, seja ele constituído, público, dativo ou nomeado para o ato.64 Portanto, por força do direito de presença, consectário lógico da autodefesa e da ampla defesa, assegura-se ao acusado o direito fundamental de presenciar e participar da instrução processual. Não se trata, todavia, de um direito de natureza absoluta. Dentre os direitos fundamentais que podem colidir com o direito de presença, legitimando sua restrição, encontram-se os direi tos das testemunhas e das vítimas à vida, à segurança, à intimidade e à liberdade de declarar, os quais se revestem de inequívoco interesse público, e cuja proteção é indiscutível dever do Estado. Portanto, na hipótese de efetiva prática de atos intimidatórios, subentende-se que houve uma renúncia tácita ao direito de presença pelo acusado, pela adoção de comportamento in compatível com o exercício regular de um direito. Daí dispor o art. 217 do CPP que, se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Nesse caso de retirada do acusado da sala de audiência, deve o juiz manter todos os corolários da ampla defesa, assegurando a presença do defensor técnico na audiência, bem como um canal de comunicação livre e reser vada deste com o acusado.65 Ainda em relação ao direito de presença, muito se discute quanto à necessidade de des locamento do acusado preso para acompanhar a oitiva de testemunhas de acusação em carta precatória em unidade da Federação diversa daquela na qual ele se encontra recolhido. Há pre cedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. Portanto, estando preso o acusado, cumpre requisitá-lo para 64 Nessa linha: STJ, 69 Turma, RESP n9 346.677/RJ, rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 30/09/2002. 65 Considerando lícita a retirada dos acusados da sala de audiências, se as testemunhas de acusação demonstram temor e receio em depor na presença dos réus: STF, l ã Turma, HC 86.572/PE, Rei. Min. Carlos Britto, j. 06/12/2005, DJ 30/03/2007 p. 76. E também: STF, l 9 Turma, HC 86.711/GO, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04/03/2006, DJ 16/06/2006; STF, 29 Turma, HC 73.879/SP, Rei. Min. Francisco Rezek, j. 10/06/1996, DJ 11/04/1997. MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima a audiência de oitiva de testemunhas, pouco importando encontrar-se em unidade da Federação diversa daquela na qual tramita o processo. Seriam irrelevantes, então, eventuais alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos, porquanto razões de mera conveniência administrativa não poderiam se sobrepor ao direito de presença do acusado.66 Em sentido contrário, todavia, em julgados mais recentes, ambas as Turmas do Supremo têm entendido que a alegação de necessidade da presença do réu em audiências deprecadas, estando ele preso, configura nulidade relativa, devendo-se comprovar a oportuna requisição e também a presença de efetivo prejuízo à defesa.67 Assim, caso o pedido seja indeferido motivadamente pelo magistrado, diante das peculiaridades do caso concreto, em especial diante da periculosidade do réu, e da ausência de efetivo prejuízo, não há falar em nulidade do feito.68 3.2.23. Capacidade postulatória autônoma do acusado Quanto ao terceiro desdobramento da autodefesa, entende-se que, em alguns momentos específicos do processo penal, defere-se ao acusado capacidade postulatória autônoma, inde pendentemente da presença de seu advogado. É por isso que, no processo penal, o acusado pode interpor recursos (CPP, art. 577, caput), impetrar habeas corpus (CPP, art. 654, caput), ajuizar revisão criminal (CPP, art. 623), assim como formular pedidos relativos à execução da pena (LEP, art. 195, caput). Em tais situações, mesmo não sendo profissional da advocacia, a Constituição Federal e a legislação ordinária conferem ao acusado capacidade postulatória autônoma, possibilitando que ele dê o impulso inicial ao recurso, às ações autônomas de impugnação ou aos procedimentos incidentais relativos à execução. Uma vez dado o impulso inicial pelo acusado, pensamos que, em seguida, e de modo a lhe assegurar a mais ampla defesa, há de ser garantida a assistência de defensor técnico, possibilitando, a título de exemplo, a apresentação das respectivas razões recursais, etc. Essas manifestações do acusado não violam o disposto no art. 133 da Constituição Federal, que prevê a advocacia como função essencial à administração da justiça. Deve se entender que, no processo penal, essas manifestações defensivas formuladas diretamente pelo acusado não prejudicam a defesa, apenas criando uma possibilidade a mais de seu exercício. 3.2.3. Ampla defesa no processo administrativo disciplinar e na execução penal Dispondo a Constituição Federal que, aos litigantes, em processo judicial ou administrati vo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5o, inciso LV), dúvidas não restam quanto à plena aplicação do 66 STF, l ã Turma, HC 94.216/RJ, Rei. Min. Marco Aurélio, DJe 113 18/06/2009. No mesmo contexto: STF, 2a Turma, HC 93.503/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 02/06/2009, DJe 148 06/08/2009; STF, 2§ Turma, HC 86.634/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 23/02/2007. Independentemente da aquiescência do defensor, o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal: STF, 23 Turma, HC 111.728/SP, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 19/02/2013, DJe 161 16/08/2013. 67 Não é nula a audiência de oitiva de testemunha realizada por carta precatória sem a presença do réu, se este, devidamente intimado da expedição, não requer o comparecimento: STF, Pleno, RE 602.543/RG-Q.O, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 035 25/02/2010. 68 STF, 1 -Turma, HC 100.382/PR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08/06/2010, DJe 164 02/09/2010. Com o mesmo entendimento: STF, 2* Turma, HC 93.598/SP, Rei. Min. Eros Grau, j. 27/04/2010, DJe 91 20/05/2010. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 65 direito de defesa e do contraditório no âmbito do processo administrativo disciplinar. Questio- na-se, todavia, se seria necessária a atuação de advogado no processo administrativo disciplinar, tal qual se faz necessário em processo judicial (CPP, art. 261, caput). Acerca do assunto, o Superior Tribunal de Justiça editouo verbete sumular de n° 343, segun do o qual é obrigatória a assistência de advogado em todas as fa ses do processo adm inistrativo disciplinar, de forma a assegurar a garantia constitucional do contraditório. Ocorre que, após a edição da súmula 343 do STJ, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se no sentido de que, em relação às punições disciplinares, o exercício da ampla defesa abrange: a) o direito de informação sobre o objeto do processo: obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; b) o di reito de manifestação: assegura ao defendente a possibilidade de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos contidos no processo; c) o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar: exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas. Todavia, concluiu a Suprema Corte que não se faz necessária a presença de advogado no processo administrativo disciplinar.69 Exatamente em virtude dessa conclusão, foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal o enunciado da Súmula Vinculante n° 5, segundo a qual: “A fa lta de defesa técnica p o r advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a C onstituição.” A despeito do teor da Súmula Vinculante 5, tal verbete é aplicável apenas em procedimentos de natureza cível e não em procedimento administrativo disciplinar promovido para averiguar o cometimento de falta grave no curso da execução penal, tendo em vista estar em jogo a liberdade de ir e vir. Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. A Súmula Vinculante n° 5 do STF não se aplica à execução penal. Primeiro, porque todos os precedentes utilizados para elaboração do aludido verbete sumular são originários de questões não penais, onde estavam em discussão procedimentos administrativos de nature za previdenciária, fiscal, disciplinar-estatutário militar e tomada de contas especial. Segundo, porque, na execução da pena está em jogo a liberdade do sentenciado, o qual se encontra em situação de extrema vulnerabilidade, revelando-se incompreensível que ele possa exercer uma ampla defesa sem o conhecimento técnico do ordenamento jurídico, não se podendo, portanto, equipará-lo ao indivíduo que responde a processo disciplinar na esfera cível-administrativa. Logo, na hipótese de o Juízo das Execuções decretar a regressão de regime de cumprimento de pena sem que o condenado seja assistido por defensor durante procedimento administrativo disciplinar instaurado para apurar falta grave, há de se reconhecer a nulidade do feito, haja vista a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A propósito, eis o teor da súmula n° 533 do STJ, aprovada em data de 10/06/2015: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”.70 69 STF, Pleno, RE 434.059/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 07/05/2008, DJe 172 11/09/2008. 70 STF, 29 Turma, RE 398.269/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 15/12/2009, DJe 35 25/02/2010. E ainda: STJ, 39 Seção, REsp 1.378.557/RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23/10/2013, DJe 21/03/2014. Nesse sentido, basta atentar para as importantes modificações introduzidas pela Lei n9 12.313/10 na Lei de Execução Penal, que passou a prever a assistência jurídica ao preso dentro do presídio, além de outorgar importantes atribuições à Defensoria Pública. 66 j MANUAL DE PROCESSO PENAL-R enatoBrasileirodeLima 3.4. Princípio da publicidade A garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comu nidade. Basta lembrar que, em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários.71 Traduz-se, portanto, numa exigência política de se afastar a desconfiança da população na administração da Justiça. Com ela “são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça”.72 Segundo Luigi Ferrajoli, cuida-se de garantia de segundo grau, ou garantia de garantia. Isso porque, segundo o autor, para que seja possível o controle da observância das garantias primárias da contestação da acusação, do ônus da prova e do contraditório com a defesa, é indispensável que o processo se desenvolva em público. Na dicção de Ferrajoli, a publicidade “assegura o controle tanto externo como interno da atividade judiciária. Com base nela os procedimentos de formulação de hipóteses e de averiguação da responsabilidade penal devem desenvolver-se à luz do sol, sob o controle da opinião pública e sobretudo do imputado e de seu defensor. Trata-se do requisito seguramente mais elementar e evidente do método acusatório”.73 De acordo com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Por sua vez, dispõe o art. 5o, XXXIII, da CF, que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Ademais, segundo o art. 5o, LX, da Carta Magna, a lei só poderá res tringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. De modo semelhante, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também prevê que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça” (Dec. 678/92, art. 8o, § 5o). Mesmo antes da vigência da Constituição de 1988, o Código de Processo Penal já trazia dispositivo acerca da publicidade. De acordo com o art. 792, caput, do CPP, as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. Lado outro, de acordo com o art. 792, § Io, do 71 Como aponta Celso Ribeiro Bastos, "a publicidade dos atos processuais insere-se em um campo mais amplo da transparência da atuação dos poderes públicos em geral. É uma decorrência do princípio democrático. Este não pode conviver com o sigilo, o segredo, o confinamento a quatro portas, a falta de divulgação, porque por este caminho, da sonegação de dados à coletividade, impede-se o exercício importante de um direito do cidadão em um Estado governado pelo povo, qual seja: o de controle. Não há dúvida, portanto, de que a publicidade dos atos, e especificamente dos atos jurisdicionais, atende ao interesse das partes e ao interesse público. Protege o magistrado contra insinuações e maledicências; da mesma forma que protege as partes contra um possível arbítrio ou prepotência. E confere à coletividade, de um modo geral, a possibilidade de controle sobre atos que são praticados com a força própriado Estado". (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 1989. Vol. 2. p. 285). 72 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 68. 73 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2S ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 567. 67TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS CPP, se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. Funciona a publicidade, portanto, como pressuposto de validade não apenas dos atos pro cessuais, mas também das próprias decisões que são tomadas pelo Poder Judiciário. Logo, são normas de direito processual aquelas que versam sobre a publicidade, cabendo à União legislar privativamente sobre o tema, ex vi do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.74 3.3.1. D ivisão da publicidade: ampla e restrita A publicidade é tida como ampla, plena, popular, absoluta, ou geral, quando os atos processuais são praticados perante as partes, e, ainda, abertos a todo o público. Nesse caso, além das partes, qualquer cidadão do povo poderá acompanhar as audiências criminais de coleta de provas e/ou julgamentos em qualquer grau de jurisdição, assim como consultar os processos ou obter certidões. Como observa a doutrina, a publicidade do processo implica os direitos de: a) assistência, pelo público em geral, à realização dos atos processuais; b) narração dos atos processuais, ou reprodução de seus termos, pelos meios de comunicação social; c) consulta dos autos e obtenção de cópias, extratos e certidões de quaisquer partes dele.75 Segundo Luiz Flávio Gomes, a publicidade externa tem inúmeras justificativas: possibilita o controle social da atividade jurisdicional, incrementa a confiança na Justiça no instante em que são conhecidos os motivos da decisão, evita a prática de arbitrariedades, é um freio e uma garantia contra a tirania judicial, otimiza o direito à informação (seja no aspecto de informar, seja no de ser informado), assegura a independência judicial contra ingerências externas ou internas etc.76 Como se percebe pela própria dicção da Constituição Federal e do Código de Processo Penal, a regra é a publicidade ampla no processo penal, estando ressalvadas as hipóteses em que se justifica a restrição da publicidade: defesa da intimidade, interesse social no sigilo e impres- cindibilidade à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5o, incisos XXXIII e LX, c/c art. 93, IX); escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (CPP, art. 792, § Io). Apesar de a regra ser a publicidade ampla, deve-se compreender que, como toda e qualquer garantia, esta não tem caráter absoluto, podendo ser objeto de restrição em situações em que o interesse público à informação deva ceder em virtude de outro interesse de caráter prepon derante no caso concreto. Daí se falar em publicidade restrita, ou interna, que se caracteriza quando houver alguma limitação à publicidade dos atos do processo. Nesse caso, alguns atos ou todos eles serão realizados somente perante as pessoas diretamente interessadas no feito e seus respectivos procuradores, ou, ainda, somente perante estes. A publicidade restrita ou interna é impropriamente chamada de “segredo de justiça”.77 74 Eis o motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de dispositivos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que previam que, nos casos de foro por prerrogativa de função, o julgamento seria realizado em sessão secreta: STF, Pleno, ADI 2.970/DF, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ12/05/2006. 75 SILVA, Germano Marques. Curso de processo penal. 4â ed. Lisoba: Verbo, 2000. v. 1. p. 87 (Apud BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 322). 76 Legislação crim inal especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 454. 77 Veja-se que a Constituição Federal autoriza a restrição à publicidade, mas desde que assegurada, no mínimo, a presença dos advogados (art. 93, IX). Logo, o art. 520 do CPP não foi recepcionado na parte em que, ao tratar da audiência de reconciliação no procedimento dos crimes contra a honra, prevê que a ela estarão presentes apenas o juiz e as partes, sem a presença de seus advogados. MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima68 ] É o que acontece, v.g., com processos criminais relativos a crimes contra a dignidade sexual, nos quais a publicidade ampla poderia aumentar sobremaneira o sofrimento da vítima, causando-lhe desnecessária exposição e humilhação. Com o objetivo de se preservar a intimidade da vítima de tais delitos, que sempre despertam a curiosidade alheia, a própria Lei 12.015/09 passou a prever a obrigatoriedade de segredo de justiça nesses casos: “Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça” (CP, art. 234-B). Nesses processos que tramitam sob segredo de justiça em virtude da qualidade da vítima (v.g., criança), o nome completo do acusado e a tipificação legal do delito podem constar entre os dados básicos do processo disponibilizados pela internet, mesmo que os crimes apurados se relacionem, por exemplo, com pornografia infantil. Ora, a mera repulsa que um delito possa causar à sociedade não constitui, por si só, fundamento suficiente para autorizar a decretação de sigilo absoluto sobre os dados básicos de um processo penal, sob pena de se ensejar a extensão de tal sigilo a toda e qualquer tipificação legal de delitos, com a conseqüente priorização do direito à intimidade do acusado em detrimento do princípio da publicidade dos atos processuais.78 Importante ressaltar que, nas hipóteses de sigilo judicial em que for decretado o segredo de justiça nos autos, somente a própria autoridade jurisdicional que o decretou poderá afastá-lo. Como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, comissões parlamentares de inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, determinar a quebra de sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça.79 Em se tratando de provas cautelares decretadas no curso do processo, também não se pode falar em publicidade às partes e a seus procuradores. Com efeito, supondo-se a necessidade da decretação de uma interceptação telefônica, ou da quebra dos sigilos bancário e fiscal para ulterior adoção de medidas cautelares patrimoniais, deve-se preservar o sigilo inclusive para o acusado e seu defensor, sob pena de se tomar inócua a medida em questão.80 Diferencia-se o processo penal, portanto, do processo civil, onde há uma enumeração legal de critérios objetivos em que se estabelecem restrições à publicidade em virtude da natureza da causa. Com efeito, consoante disposto no art. 189 do novo CPC, os atos processuais são públicos. Tramitam, todavia, em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitrai, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. Segundo Tucci, ainda é possível diferenciar a publicidade ativa da passiva, e publicidade imediata da mediata. De acordo com o autor, na publicidade ativa, determinados atos do pro cesso são involuntariamente conhecidos do público; a publicidade passiva ocorrequando o público, por iniciativa própria, sponte sua, deles toma conhecimento. Por seu turno, a publicidade imediata se dá quando a cognição dos atos do processo está franqueada a todos os cidadãos; a publicidade mediata, quando deles só se toma conhecimento mediante certidão, cópia ou pelo mass media (imprensa, por exemplo).81 78. Nessa linha: STJ; 5§ Turma, RMS 49.920/SP, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02/08/2016, DJe 10/08/2016. 79 STF, Tribunal Pleno, MS 27.483/DF, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 192 09/10/2008. 80 Para mais detalhes acerca do assunto, vide item pertinente às provas cautelares. 81 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3ã ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 177. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ; 69 3.3.2. Sessão de julgamento na Justiça Militar e votação em sala secreta Segundo o art. 387 do Código de Processo Penal Militar, a instrução criminal será sempre pública, podendo, excepcionalmente, a juízo do Conselho de Justiça, ser secreta a sessão, des de que o exija o interesse da ordem e disciplina militares, ou à segurança nacional. De outro lado, o art. 434 do CPPM prevê que, concluídos os debates entre as partes durante a sessão de julgamento, e decidida qualquer questão de ordem levantada pelas partes, o Conselho de Justiça passará a deliberar em sessão secreta, podendo qualquer dos juizes militares pedir ao auditor esclarecimentos sobre questões de direito que se relacionem com o fato sujeito ao julgamento. Perceba-se que ambos os dispositivos do CPPM falam em sessão secreta, mas nada dizem acerca da necessária e obrigatória presença das partes e de seus advogados, ou somente destes. Esse o motivo pelo qual, analisando o dispositivo em questão, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, “embora o CPPM preveja a sessão secreta para o julgamento pelo Conselho de Justiça (art. 434), a nova Carta Política isso proíbe, mas pode ser limitada a presença às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes (art. 93, IX, da Constituição Federal)”.82 Portanto, a regra em relação aos julgamentos ocorridos na Justiça Militar é a publicidade ampla. Em situações excepcionais, e somente quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, poderá ser restringida a publicidade da deliberação dos Conselhos de Justiça, assegurada, todavia, a presença das próprias partes e de seus advogados, ou somente destes.83 3.4. Princípio da busca da verdade: superando o dogma da verdade real Durante anos e anos, prevaleceu o entendimento de que, no âmbito cível, em que geralmen- te se discutem direitos disponíveis, vigorava o chamado princípio dispositivo, segundo o qual somente as partes levam ao processo o material probatório. Em conseqüência, ao magistrado se reservava uma postura passiva, não devendo influir na produção de provas, matéria de atribuição exclusiva das partes. Ao final do processo, caso tivesse dúvida acerca dos fatos, deveria julgar o litígio segundo a verdade formal. Somente quando a relação material fosse indisponível é que se admitia que o juiz determinasse a produção de provas ex officio. Daí se dizer que, no processo civil, vigorava o denominado princípio da verdade formal. Em contraposição a esse sistema, no âmbito processual penal, estando em discussão a liberdade de locomoção do acusado, direito indisponível, o magistrado seria dotado de amplos poderes instrutórios, podendo determinar a produção de provas ex officio, sempre na busca da verdade material. Dizia-se então que, no processo penal, vigorava o princípio da verdade material, também conhecido como princípio da verdade substancial ou real. A descoberta da verdade, obtida a qualquer preço, era a premissa indispensável para a realização da pretensão punitiva do Estado. Essa busca da verdade material era, assim, utilizada como justificativa para a prática de arbitrariedades e violações de direitos, transformando-se, assim, num valor mais precioso do que a própria proteção da liberdade individual. A crença de que a verdade podia ser alcançada pelo Estado tomou a sua perseguição o fim precípuo do processo criminal. Diante disso, em nome da verdade, tudo era válido, restando justificados abusos e arbitrariedades por parte das autoridades responsáveis pela persecução 82 STF, 1- Turma, RHC 67.494/RJ, Rei. Min. Aldir Passarinho, DJ 16/06/1989. De modo semelhante: "Convivência, reconhecida por esta Corte, com a Constituição Federal (art. 93, IX), da norma do art. 434 do CPPM, que prevê sessão secreta para os julgamentos do Conselho de Justiça, desde que assegurada a presença das partes e de seus advogados". (STF, I s Turma, HC 69.968/PR, Rei. Min. limar Galvão, DJ 01/07/1993). Com entendimento idêntico: STM, HC 1995.01.033137-9/RJ, Rei. Min. Carlos de Almeida Baptista, DJ 24/10/1995. 83 Na mesma linha: LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Editora Método, 2009. p. 465. 70 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima penal, bem como a ampla iniciativa probatória concedida ao juiz, o que acabava por compro meter sua imparcialidade. Atualmente, essa dicotomia entre verdade formal e material deixou de existir. Já não há mais espaço para a dicotomia entre verdade fo rm a l, típica do processo civil, e verdade material, própria do processo penal. No âmbito cível, mesmo nos casos de direitos disponíveis, tem sido aceito que o magistrado possa, de ofício, determinar a produção de provas necessárias ao esclarecimento da verdade. Afi nal, o processo deve ser considerado um meio efetivo de realização da justiça, quer seja o direito disponível, quer seja indisponível. A busca de um processo justo passa, inevitavelmente, pela pre visão de meios efetivos para que se atinja a maior aproximação possível da verdade. Prova disso, aliás, é o novo Código de Processo Civil, cujo art. 370 dispõe expressamente que caberá ao juiz, de oficio ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. No âmbito processual penal, hodiernamente, admite-se que é impossível que se atinja uma verdade absoluta. A prova produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é incapaz de dar ao magistrado um juízo de certeza absoluta. O que vai haver é uma apro ximação, maior ou menor, da certeza dos fatos. Há de se buscar, por conseguinte, a maior exatidão possível na reconstituição do fato controverso, mas jamais com a pretensão de que se possa atingir uma verdade real, mas sim uma aproximação da realidade, que tenda a refletir ao máximo a verdade. Enfim, a verdade absoluta, coincidente com os fatos ocorridos, é um ideal, porém inatingível. Como bem coloca Cândido Rangel Dinamarco, “a verdade e a certeza são dois conceitos absolutos, e, por isto, jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz proferiria os seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção desses nas categorias adequadas”.84 Por esse motivo, tem prevalecido na doutrina mais moderna que o princípio que vigora no processo penal não é o da verdade material ou real, mas sim o da busca da verdade. Seu fundamento legal consta do art. 156 do Código de Processo Penal. Por força dele, admite-se que o magistrado produza provas de ofício, porém apenas na fase processual, devendo sua atuação ser sempre complementar, subsidiária. Na fase preliminar de investigações, não é dado ao magistrado produzir provas de ofício, sob pena de evidente violação ao princípio do devido processo legal e à garantia da imparcialidade do magistrado. Além do art. 156, inciso II, do CPP, que permite que o juiz, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, determine de ofício a realizaçãode diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, há outros dispositivos legais com previsão semelhante. Com efeito, de acordo com o art. 196 do CPP, a todo tempo o ju iz poderá proceder a novo interrogatório de oficio ou a ped ido fundam entado de qualquer das partes. De seu turno, segundo o art. 209, caput, do CPP, o ju iz , quando ju lg a r necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. O § Io do art. 209 do CPP também prevê que se ao ju iz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem. Por fim, segundo o art. 616 do CPP, no ju lgam ento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências. 84 A instrumentalidade do processo. 1987. Fundamentos do processo civil moderno. 2- ed. p. 449, n5 44. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 71 Importante ressaltar que essa busca da verdade no processo penal está sujeita a algumas restrições. Com efeito, é a própria Constituição Federal que diz que são inadmissíveis, no pro cesso, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5o, LVI). O Código de Processo Penal também estabelece outras situações que funcionam como óbice à busca da verdade: impossibilidade de leitura de documentos ou exibição de objetos em plenário do júri, se não tiverem sido juntados aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte (CPP, art. 479), as limitações ao depoimento de testemunhas que têm ciência do fato em razão do exercício de profissão, ofício, função ou ministério (CPP, art. 207), o descabimento de revisão criminal contra sentença absolutória com trânsito em julgado (CPP, art. 621), ainda que surjam novas provas contra o acusado. Outra exceção diz respeito às questões prejudiciais devolutivas absolutas, ou seja, questões prejudiciais heterogêneas que versam sobre o estado civil das pessoas. Exemplificando, suponha-se que determinado indivíduo esteja sendo processado pelo crime de bigamia (CP, art. 235) e que, em sua defesa, alegue que seu primeiro casamento seja nulo, tendo por isso se casado novamente. Nesse caso, como a questão prejudicial versa sobre o estado civil das pessoas, não haverá possibilidade de solução da controvérsia no âmbito processual penal, independentemente do meio de prova que se queira utilizar, devendo as partes ser remetidas ao cível, nos termos do art. 92 do CPP. 3.4.1. Busca da verdade consensual no âmbito dos Juizados A Lei n° 9.099/95 trouxe consigo quatro importantes medidas despenalizadoras: 1) Nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções penais e crimes cuja pena má xima não seja superior a 2 anos, cumulada ou não com multa, e submetidos ou não os crimes a procedimento especial, havendo composição civil dos danos, estará extinta a punibilidade nos casos de infrações de iniciativa privada ou pública condicionada à representação (art. 74, parágrafo único); 2) Não havendo composição civil, a lei prevê a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa através da transação penal (art. 76); 3) Os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4) Desde que o crime tenha pena mínima igual ou inferior a um ano, e estejam preenchidos outros requisitos de natureza subjetiva, será cabível a suspensão condicional do processo (art. 89). Com a criação desses institutos despenalizadores, percebe-se que, no âmbito dos Juizados, a busca da verdade processual cede espaço à prevalência da vontade convergente das partes. Nos casos de transação penal ou de suspensão condicional do processo, não há necessidade de verificação judicial da veracidade dos fatos. O conflito penal é solucionado através de um acordo de vontade, dando origem ao que a doutrina denomina de verdade consensuada.85 3.5. Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos está previsto na Constituição Federal (art. 5o, LVI): “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas p o r meios ilícitos”. Referido princípio será abordado com mais propriedade no capítulo pertinente às provas. 3.6. Princípio do juiz natural O princípio do juiz natural será objeto de análise no Título 4 (“Competência criminal”), mais precisamente no Capítulo I (“Premissas fundamentais e aspectos introdutórios”), item 2 (“Princípio do juiz natural”). 85. É nesse sentido a lição de Marco Antônio de Barros: A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 43. 72 M ANUAL DE PR O C E SSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 3.7. Princípio do nem o tenetur se detegere 3.7.1. Noções introdutórias De acordo com o art. 5o, inciso LXIII, da Constituição Federal, “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perm anecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. O direito ao silêncio, previsto na Carta Magna como direito de permanecer calado, apresenta-se apenas como uma das várias decorrências do nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Além da Constituição Federal, o princípio do nemo tenetur se detegere também se encontra previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, “g”), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8o, § 2o, “g”). Trata-se de uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação. Consiste, grosso modo, na proi bição de uso de qualquer medida de coerção ou intimidação ao investigado (ou acusado) em processo de caráter sancionatório para obtenção de uma confissão ou para que colabore em atos que possam ocasionar sua condenação. Como anota Maria Elizabeth Queijo, como direito funda mental, o princípio do nemo tenetur se detegere “objetiva proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e dissimulações”.86 3 .7.2. Titular do direito de não produzir prova contra si mesmo A forma como o direito de não se incriminar foi escrito e inserido em nosso texto consti tucional e nos Tratados Internacionais acima referidos padece de deficiência, porquanto, em um primeiro momento, dá impressão de que teve como destinatário apenas a pessoa que se encontra na condição processual de preso, ou que figura como acusado da prática de determinado delito. Na doutrina, apressadamente, houve quem, mediante interpretação excessivamente literal do comando normativo, tivesse ânimo para defender que a garantia contemplada em nosso sistema tinha o condão de alcançar, apenas, aquela pessoa que se encontra aprisionada. A doutrina mais aceita, contudo, é a de que o dispositivo constitucional em destaque se presta para proteger não apenas quem está preso, como também aquele que está solto, assim como qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito criminal. Pouco importa se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado ou condenado, e se está preso ou em liberdade. Ele não pode ser obrigado a confessar o crime.87 O titular do direito de não produzir prova contra si mesmo é, portanto, qualquer pessoa que possa se autoincriminar. Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investi- gatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de não produzir prova contra si mesmo: nemo tenetur se detegere.88 86 QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrênciasno processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 55. 87 Nessa linha: GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tri bunais, 1997. p. 113. 88 Nessa linha: STF, 1§ Turma, HC 68.929/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 28/08/1992. Para André de Carvalho Ramos, até mesmo as pessoas jurídicas gozam desse direito: Limites ao poder de investigar e o privilégio contra TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Não é válido, por outro lado, arrolar alguém como testemunha e querer, em razão do dever de dizer a verdade aplicável à hipótese, forçá-la a responder sobre uma pergunta que importe, mesmo que indiretamente, em incriminação do depoente. De certo que a testemunha, diferentemente do acusado, tem o dever de falar a verdade, sob pena de responder pelo crime de falso testemunho (CP, art. 342), porém não está obrigada a responder sobre fato que possa, em tese, incriminá-la.89 Daí ter decidido o Supremo que não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la.90 É irrelevante, igualmente, que se trate de inquérito policial ou administrativo, processo criminal ou cível ou de Comissão Parlamentar de Inquérito. Se houver possibilidade de autoin- criminação, a pessoa pode fazer uso do princípio do nemo tenetur se detegere. 3.7.3. Advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo Diante do teor expresso do art. 5o, LXIII, da CF, segundo o qual o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, não nos convence a tese de que não é necessária a advertência quanto ao direito ao silêncio sob o argumento de que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei. Com o objetivo de se evitar uma autoincriminação involuntária por força do desconhecimento da lei, deve, sim, haver prévia e formal advertência quanto ao direito ao silêncio, sob pena de se macular de ilicitude a prova então obtida.91 O acusado deve ser advertido, ademais, que o direito ao silêncio é uma garantia constitucional, de cujo exercício não lhe poderão advir conseqüências prejudiciais. Ao invés de constituir desprezível irregula ridade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas.92 Trata-se, o art. 5o, inciso LXIII, de mandamento constitucional semelhante ao famoso aviso de Miranda do direito norte-americano, em que o policial, no momento da prisão, tem de ler para o preso os seus direitos, sob pena de não ter validade o que por ele for dito. Os M iranda rights ou M iranda warnings têm origem no famoso julgamento Miranda V. Arizona, verificado em 1966, em que a Suprema Corte americana, por cinco votos contra quatro, firmou o entendi mento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência de defensor escolhido ou nomeado. No referido julgamento, a Suprema Corte americana adotou a posição de que a mera ausência dessa formalidade era o bastante para inquinar de nulidade as declarações da pessoa, especialmente a confissão e as provas conseguidas a partir dela.93 a auto-incriminação à luz do Direito Constitucional e do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Limites constitucionais da investigação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 16. 89 Ofende o princípio da não-autoincriminação denúncia baseada unicamente em confissão feita por pessoa ouvida na "condição de testemunha", quando não lhe tenha sido feita a advertência quanto ao direito de permanecer calada: STF, Turma, RHC 122.279/RJ, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 12/08/2014, DJe 213 29/10/2014. 90 STF, Pleno, HC 73.035/DF, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 13/11/1996, DJ 19/12/1996. Com entendimento semelhan te: STF, Pleno, HC 79.812/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 08/11/2000, DJ 16/02/2001, p. 21; STF, 2§ Turma, HC 106.876/RN, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14/06/2011, DJe 125 30/06/2011). 91 Além de serem consideradas ilícitas as provas obtidas a partir de declarações do preso sem prévia e formal advertência quanto ao direito ao silêncio, também podem ser consideradas ilícitas as provas dela derivadas (teoria dos frutos da árvore envenenada), nos exatos termos do art. 157, § I s, do CPP. 92. Com esse entendimento: STF, 1§ Turma, HC 78.708/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/04/1999. 93 Em março de 1963, após ter sido identificado por uma testemunha, Ernesto Miranda foi preso em sua casa e conduzido à polícia em Phoenix. Foi levado a uma sala de interrogatórios e interrogado por dois policiais. Duas M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima74 Com o objetivo de melhor assegurar o respeito aos direitos fundamentais, notadamente o nemo tenetur se detegere, tem-se tomado comum a entrega ao preso, no momento de sua pri são, de uma nota de ciência das garantias constitucionais, nos moldes preconizados pela Lei da prisão temporária (Lei n° 7.960/89). Em seu art. 2o, § 6o, a referida lei preceitua que “efetuada a prisão, a autoridade po lic ia l informará o preso dos direitos previstos no art. 5 o da Constituição F ederaF . A entrega dessa nota de ciência das garantias constitucionais é medida extremamente salutar, pois comprova que o acusado foi cientificado de seus direitos constitucionais antes de responder às indagações formuladas. Tendo em vista que se considera ilícita a prova colhida mediante violação a normas consti tucionais, notadamente aquelas que tutelam direitos fundamentais (CF, art. 5o, LVI, c/c art. 157, caput, do CPP), e como decorrência da necessidade de advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo, não se pode considerar lícita, portanto, gravação clandestina de conversa informal de policiais com o preso, em modalidade de “interrogatório” sub-reptício, quando, além de o capturado não dar seu assentimento à gravação ambiental, não for advertido do seu direito ao silêncio.94 Impõe-se, pois, que qualquer pessoa em relação à qual recaiam suspeitas da prática de um ilícito penal seja formalmente advertida de seu direito ao silêncio, sob pena de ilicitude das declarações por ela firmadas. Deve constar expressamente do auto de prisão em flagrante, por conseguinte, a informação a respeito do direito ao silêncio conferido ao indiciado, “reputando-se como não formulada se dela não houver qualquer menção”.95 Se o preso deve ser prévia e formalmente advertido quanto ao direito ao silêncio, sob pena de se reputar ilícita a prova que contra si produza, também não podem ser consideradas válidas entrevistas concedidas por presos a imprensa, antes ou após a lavratura do flagrante, sem o co nhecimento de seu direito constitucional. Com efeito, não raramente a conversa informal entre indiciados presos e repórteres, antes ou depois do interrogatório, é gravada sem o conhecimento daqueles, e, de igual modo, utilizada, judicialmente, em prejuízo da defesa. Ora, a ausência de advertência quanto ao direito ao silêncio macula de ilicitude eventuais declarações por ele forne cidas que lhe sejam prejudiciais, porquanto produzidas com violação ao preceito constitucional que assegura o direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII). Como observa Ana Lúcia Menezes Vieira, “as declarações precipitadas que são forne cidas pelo preso ao repórter, sob a influência do clima sensacionalista criado pela mídia, não horas depois, os policiais tinham em suas mãos uma confissão assinada por Miranda, na qual ele declarava que a confissão havia sido voluntária, sem ameaças ou promessas de imunidade e com completo conhecimento de seus direitos, inclusive ciente de que as declarações seriamutilizadas contra ele. No entanto, os policiais admitiram que Miranda não havia sido alertado quanto ao direito de ter advogado presente. 94. Nessa linha: STF, l ã Turma, HC 80.949/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14/12/2001; STJ, 6a Turma, HC 244.977/SC, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 25/09/2012. Todavia, se determinado agente voluntariamente efetuar gravação ambiental documentando crime de corrupção ativa por ele praticado, não há falar em ilicitude da prova por suposta violação ao princípio que veda a autoincriminação. Afinal, tal princípio veda que o acusado ou investigado sejam coagidos tanto física ou moralmente a produzir prova contrária aos seus interesses: STJ, Corte Especial, APn 644/BA, Rei. Min. Eliana Calmon, j. 30/11/2011. 95 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. MORAIS, Maurício Zanóide de. Direito ao silêncio no interrogatório, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 2, n5 6, abr.-jun., 1994. Logicamente, se, apesar de não ter havido prévia advertência quanto ao direito ao silêncio no momento do interrogatório, o preso silenciar ou exercer a autodefesa, sem produzir prova contra si mesmo, não há falar em ilicitude do ato, porquanto não houve prejuízo à defesa, já que inexistiu confissão. Nesse contexto: STJ, 5a Turma, Agint no AREsp 917.470/SC, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02/08/2016, DJe 10/08/2016; STJ, 6a Turma, HC 348.104/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05/04/2016, DJe 15/04/2016. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 75 podem ser usadas indiscriminadamente no processo. Se o investigado é induzido a confessar, porque pressionado pela mídia, teve atingida a liberdade de calar-se ou falar de acordo com sua consciência. Portanto, a reportagem que contém a confissão é inadmissível como prova, pois, obtida fora dos ditames constitucionais do direito fundamental ao silêncio - com infringência à norma material contida na Constituição -, é considerada ilícita. E, nos termos da Carta Política brasileira, ‘são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’ (art. 5o, LVI)”.96 Não foi essa, todavia, a orientação do Supremo Tribunal Federal. Em habeas corpus apre ciado pela 2a Turma, em que se alegava a ilicitude da prova juntada aos autos, consistente em entrevista concedida a jornal, na qual o acusado narrara o modus operandi de 2 homicídios a ele imputados, sem ter sido previamente advertido de seu direito ao silêncio, reputou-se que a Constituição teria conferido dignidade constitucional ao direito ao silêncio, dispondo expres samente que o preso deve ser informado pela autoridade policial ou judicial da faculdade de manter-se calado. Consignou-se que o dever de advertir os presos e os acusados em geral de seu direito de permanecerem calados consubstanciar-se-ia em uma garantia processual penal que teria como destinatário precípuo o Poder Público. Concluiu-se, entretanto, não haver qualquer nulidade na juntada da prova, entrevista concedida espontaneamente a veículo de imprensa.97 De todo modo, queremos crer que deve se evitar a concessão de entrevistas por presos à imprensa, salvo se, previamente advertido quanto ao direito ao silêncio, e devidamente orientado das conseqüências jurídicas de suas declarações, manifestar o cidadão de maneira voluntária seu interesse em apresentar sua versão acerca dos fatos, abrindo mão do direito de se calar. 3.7.4. Desdobramentos do direito de não produzir prova contra si mesmo Há uma tendência equivocada de se querer equiparar o princípio do nemo tenetur se dete- gere ao direito ao silêncio. Na verdade, assim como se trata de equívoco pensar que a garantia é destinada apenas a quem está encarcerado pelo fato de a dicção constitucional conter o termo preso, também se mostra inadequado acreditar que o direito de permanecer calado somente confere à pessoa a garantia de que ela não pode ser obrigada a falar. O que o constituinte diz, quando ele assegura o direito de permanecer calado, é que a pessoa não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras palavras, que ela não pode ser obrigada a produzir prova contra si. Aliás, essa última forma de revelar o conteúdo do preceito constitucional soa mais feliz, uma vez que consegue tomar mais clara a mensagem do constituinte. Portanto, deve se compreender que o direito ao silêncio funciona apenas como uma das decorrências do princípio do nemo tenetur se detegere, do qual se extraem outros desdobramentos igualmente importantes. Em síntese, pode-se dizer que o direito de não produzir prova contra si mesmo, que tem lugar na fase investigatória e no curso da instmção processual, abrange: a) o direito ao silêncio ou direito de ficar calado: corresponde ao direito de não responder às perguntas formuladas pela autoridade, funcionando como espécie de manifestação passiva da defesa. O exercício do direito ao silêncio não é sinônimo de confissão ficta ou de falta de defesa; cuida-se de direito do acusado (CF, art. 5o, LXIII), no exercício da autodefesa, podendo ser usado como estratégia defensiva; b) direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito penal: de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14, § 3o) e com a Convenção Americana 96 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Op. cit. p. 240. Nos mesmos moldes: QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. cit. p. 397. 97 STF, 2- Turma, HC 99.558/ES, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14/12/2010. 76 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima sobre Direitos Humanos (art. 8o, § 2o, “g”, e § 3o), o acusado não é obrigado a confessar a prá tica do delito. Portanto, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de uma infração penal;98 c) inexigibilidade de dizer a verdade: alguns doutrinadores entendem que o acusado possui o direito de mentir, por não existir o crime de perjúrio no ordenamento pátrio.99 A nosso ver, e com a devida vênia, não se pode concordar com a assertiva de que o princípio do nemo tenetur se detegere assegure o direito à mentira. Em um Estado democrático de Direito, não se pode afirmar que o próprio Estado assegure aos cidadãos direito a um comportamento antiético e imoral, consubstanciado pela mentira. A questão assemelha-se à fuga do preso. Pelo simples fato de a fuga não ser considerada crime, daí não se pode concluir que o preso tenha direito à fuga. Tivesse ele direito à fuga, estar-se-ia afirmando que a fuga seria um ato lícito, o que não é correto, na medida em que a própria Lei de Execuções Penais estabelece como falta grave a fuga do condenado (LEP, art. 50, inciso II). Na verdade, por não existir o crime de perjúrio no ordenamento pátrio, pode-se dizer que o comportamento de dizer a verdade não é exigível do acusado, sendo a mentira tolerada , porque dela não pode resultar nenhum prejuízo ao acusado. Logo, como o dever de dizer a verdade não é dotado de coercibilidade, já que não há sanção contra a mentira no Brasil, quando o acu sado inventa um álibi que não condiz com a verdade, simplesmente para criar uma dúvida na convicção do órgão julgador, conclui-se que essa mentira há de ser tolerada por força do nemo tenetur se detegere. A esse respeito, concluiu o Supremo Tribunal Federal que, no direito ao silêncio, tutelado constitucionalmente, inclui-se a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal.100 Se essa mentira defensiva é tolerada, especial atenção deve ser dispensada às denominadas mentiras agressivas, quando o acusado imputa falsamente a terceiro inocente a prática do delito. Nessa hipótese, dando causa à instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém que o sabe inocente, o agente responderá normalmente pelo delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), porque o direito de não produzir prova contra si mesmo esgota-se179 14.7. Arquivamento em crimes de ação pe nal de iniciativa privada.................................. 180 14.8. Recorribilidade contra a decisão de arquivamento................................................... 180 14.9. Arquivamento determinado por juiz absolutamente incompetente......................... 181 15. Trancamento (ou encerramento anômalo) do inquérito policial............................................... 182 15.1. (Im) possibilidade de arquivamento de ofício de investigações nos casos de compe tência originária dos Tribunais......................... 183 16. Investigações diversas...................................... 185 16.1. Comissões Parlamentares de Inquéri to: inquéritos parlamentares.......................... 186 16.2. Conselho de Controle de atividades financeiras (COAF)............................................ 188 16.3. Inquérito Policial Militar......................... 189 16.4. Investigação pelo Ministério Público...... 190 16.5. Inquérito civil......................................... 194 16.6. Termo circunstanciado........................... 194 16.7. Investigação pela autoridade judiciária... 195 16.7.1. Inquérito judicial.......................... 195 16.7.2. Revogada Lei das organizações criminosas................................................. 195 16.7.3. Infrações penais praticadas por magistrados............................................... 196 16.8. Investigação criminal defensiva.............. 197 16.9. Investigação por detetive particular (Lei n. 13.432/17)............................................. 198 17. Acordo de não-persecução penal..................... 200 17.1. Conceito e previsão normativa.............. 200 17.2. (In) constitucionalidade do art. 18 da Resolução n. 181 do CNMP............................. 202 17.3. Requisitos para a celebração do acor do de não-persecução penal........................... 205 17.4. Condições a serem impostas ao inves tigado ............................................................... 207 17.5. Controle jurisdicional............................. 208 17.6. Descumprimento injustificado das obrigações assumidas pelo investigado.......... 209 17.7. Cumprimento integral do acordo de não persecução penal..................................... 210 18. Controle externo da atividade policial.......... 210 TÍTULO 3 • AÇÃO PENAL E AÇÃO CIVIL EX DELICTO.................................................................................. 213 1. Direito de ação penal......................................... 213 2. Características do direito de ação penal............ 214 3. Lide no processo penal....................................... 214 4. Condições da ação penal.................................... 215 4.1. Condições genéricas da ação penal......... 218 4.1.1. À luz da teoria geral do processo.... 218 4.1.1.1. Possibilidade jurídica do pedido .. 218 4.1.1.2. Legitimidade para agir................. 221 4.1.1.2.1. Legitimidade ordinária e ex traordinária no processo penai................ 222 4.1.1.3. Interesse de agir.......................... 224 4.1.1.3.1. Prescrição em perspectiva e ausência de interesse de agir................... 225 4.1.1.4. Justa Causa.................................. 228 4.1.1.4.1. Justa Causa duplicada.............. 230 4.1.2. À luz de uma teoria específica do processo penal......................................... 231 4.1.2.1. Prática de fato aparentemente criminoso................................................... 232 4.1.2.2. Punibilidade concreta.................. 232 4.2. Condições específicas da ação penal....... 233 4.3. Condições da ação e condições de pros- seguibilidade (condição superveniente da ação)................................................................. 235 4.4. Condições da ação, condições objetivas de punibilidade e escusas absolutórias........... 235 4.4.1. Decisão final do procedimento administrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária........................... 237 5. Classificação das ações penais............................. 242 5.1. Classificação das ações penais conde- natórias............................................................. 243 6. Princípios da ação penal pública e da ação penal de iniciativa privada....................................... 245 6.1. Princípio do ne procedat iudex ex officio.. 245 6.2. Princípio do ne bis in idem (inadmissi bilidade da persecução penal múltipla).......... 246 6.3. Princípio da intranscendência.................... 249 6.4. Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública..................................................... 249 6.5. Princípio da oportunidade ou conve niência da ação penal de iniciativa privada.... 253 6.6. Princípio da indisponibilidade da ação penal pública..................................................... 254 6.7. Princípio da disponibilidade da ação penal de iniciativa privada (exclusiva ou personalíssima)................................................. 255 14 : MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 6.8. Princípio da (in) divisibilidade da ação penal pública................................................... 255 6.9. Princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada.............................. 256 6.10. Princípio da oficialidade........................ 257 6.11. Princípio da autoritariedade................. 258 6.12. Princípio da oficiosidade....................... 258 6.13. Quadro comparativo dos princípios da ação penal....................................................... 258 7. Ação penal pública incondicionada.................... 260 8. Ação penal pública condicionada....................... 262 8.1. Representação........................................... 262 8.1.1. Natureza jurídica da representação 263 8.1.2. Desnecessidade de formalismo...... 263 8.1.3. Destinatário da representação....... 263 8.1.4. Legitimidade para o oferecimen to da representação................................. 264 8.1.5. Prazo decadencial para o ofere cimento da representação....................... 267 8.1.6. Retratação da representação......... 269 8.1.6.1. Retratação da retratação da representação.......................................... 269 8.1.6.2, Retratação da representação na Lei Maria da Penha................................... 269 8.1.7. Eficácia objetiva da representação.. 270 8.1.8. Representação no processo penal militar........................................................ 271 8.2. Requisição do Ministro da Justiça............ 272 8.2.1. Requisição no processo penal militar........................................................ 273 9. Ação penal de iniciativa privada......................... 273 9.1. Ação penal exclusivamente privada......... 275 9.2. Ação penal privada personalíssima.......... 275 9.3. Ação penal privada subsidiária da pública 276 9.4. Extinção da punibilidade e ação penal de iniciativa privada........................................ 279 9.4.1. Decadência..................................... 279 9.4.2. Renúncia ao direito de queixa......... 281 9.4.3. Perdão do ofendido........................ 283 9.4.4. Quadro comparativo entre re núncia e perdão do ofendido................... 285 9.4.5. Perempção..................................... 285 9.5. Ação penal privada no processo penal militar............................................................... 287 10. Ação penal popular.......................................... 287 11. Ação penal adesiva........................................... 288 12. Ação de prevenção penal................................. 288 13. Ação penal secundária..................................... 289 14. Ação penal nas várias espécies de crimes......... 289 14.1. Ação penal nos crimes contra a honra.... 289 14.2. Ação penal nos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante e de participação em competição não autorizada................................................. 291 14.3.na proteção do réu, não servindo de suporte para que possa cometer outros delitos.101 Também é crime a conduta de acusar-se, p e rante a autoridade, de crime inexistente ou praticado p o r outrem (CP, art. 341, autoacusação falsa). Na mesma linha, tem prevalecido o entendimento de que o direito ao silêncio não abrange o direito de falsear a verdade quanto à identidade pessoal. Para o Supremo, tipifica o crime de falsa identidade o fato de o agente, ao ser preso, identificar-se com nome falso, com o objetivo de esconder seus maus antecedentes.102 A propósito, eis o teor da súmula n° 522 do STJ: “A 98 Nessa linha: STF; lã Turma, HC 68.929/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 28/08/1992. 99 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 106. 100 STF, lã Turma, HC 68.929/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 28/08/1992. 101 Nesse sentido: BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 38. 102 STF, 2- Turma, HC 72.377/SP, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 30/06/1995 p. 271. E também: STF, P Turma, RE 561.704, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 64 02/04/2009. O STJ tinha entendimento em sentido contrario: STJ, 6ã Turma, HC 97.857/SP, Rei. Min. Og Fernandes, Dje 10/11/2008. Porém, acabou alterando seu entendimento a partir da decisão proferida pelo Supremo no RE 640.139 (STF, Pleno, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 22/09/2011, DJe 198 13/10/2011), no qual o Supremo concluiu que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. Sinalizando a mudança do entendimento do STJ: STJ, 5ã Turma, TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 77 conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”. d) direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo: por força do direito de não produzir prova contra si mesmo, doutrina e jurisprudência têm adotado o entendimento de que não se pode exigir um comportamento ativo do acusado, caso desse facere possa resultar a autoincriminação. Assim, sempre que a produção da prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado (v.g., acareação, reconstituição do crime, exame grafotécnico, bafômetro, etc.), será indispensável seu consentimento. Cuidando-se do exercício de um direito, tem predominado o entendimento de que não se admitem medidas coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas que dele demandem um comportamento ativo. Além disso, a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura o crime de desobediência nem o de desacato103, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal. São incompatíveis, assim, com a Constituição Federal e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos quaisquer dispositivos legais que possam, direta ou indiretamente, forçar o suspeito, indiciado, acusado, ou até mesmo a testemunha, a produzir prova contra si mesmo. Não por outro motivo, em diversos julgados, assim tem se pronunciado o Supremo Tribunal Federal: d.l) o acusado não está obrigado a fornecer padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de verificação de interlocutor;104 d.2) o acusado não está obrigado a fornecer material para exame grafotécnico: no exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, pode ser necessário que a pessoa a quem se atribui o escrito forneça material de seu punho subscritor para que sirva de parâmetro para a comparação. Nesse caso, como a realização do exame demanda um comportamento ativo do acusado, a tanto não se pode compeli-lo. Para exames periciais, é cabível apenas a sua intimação para que, querendo, oferte o material. Também não se admite que a autoridade policial determine ao indiciado a oferta de material gráfico, sob pena de desobediência.105 Caso a pessoa se recuse a fornecer material de seu punho subscritor, nada impede que a autoridade judiciária determine a apreensão de papéis e documentos que possam suprir o fornecimento do referido material. A título de exemplo, se o material a partir do qual for efetuada a análise grafotécnica consistir em petição para a extração de cópias, manuscrita e formulada esponta neamente pelo próprio acusado nos autos do respectivo processo penal, não há que se falar em ofensa ao princípio que veda a autoincriminação. Afinal, conforme disposto no art. 174, II e HC 151.866/RJ, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 01/12/2011, DJe 13/12/2011. E ainda: STJ, 3§ Seção, REsp 1.362.524/ MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23/10/2013. 103. Aos olhos da 3§ Seção do STJ, não há incompatibilidade do crime de desacato (CP, art. 331) com as normativas internacionais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). A despeito do que fora aduzido no julgamento do REsp 1.640.084/SP pela 5ã Turma do STJ - no sentido de que o crime de desacato seria in compatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, por afrontar mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão - a 3§ Seção concluiu que as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) não possuem força vinculante, mas tão somente 'poder de embaraço' ou 'mobilização da vergonha'. Logo, o crime de desacato não pode ter sua tipificação penal afastada sob qualquer viés, seja pela ausência de força vinculante às recomendações expedidas pela CIDH, seja pelo viés interpretativo. (STJ, 3ã Seção, HC 379.269/MS, Rei. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 24/05/2017, DJe 30/06/2017). Na mesma linha: STF, 2ã Turma, HC 141.949/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 13/03/2018. 104 STF, 2ã Turma, HC 83.096/RJ, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89. 105 STF, 1§ Turma, HC 77.135/SP, Rei. Min. limar Galvão, DJ 06/11/1998 p. 3. 78 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima III, do CPP, para a comparação de escritos, podem servir quaisquer documentos judicialmente reconhecidos como emanados do punho do investigado ou sobre cuja autenticidade não haja dúvida. Portanto, o fato de o acusado se recusar a fornecer o material não afasta a possibilidade de se obter documentos por ele subscritos;106 d.3) configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva de indiciados diante da recusa destes em participarem de reconstituição do crime.107Afinal, cuidando-se de prova que depende da colaboração ativa do acusado, não se pode exigir sua participação, sob pena de violação ao nemo tenetur se detegere.108 Pelo que foi dito, percebe-se que o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere. Portanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação. Assim, em se tratando de reconhecimento pessoal, ainda que o acusado não queira voluntariamente participar, admite-se sua execução coercitiva.109 e) direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva: nesse ponto, é importante entender o que se entende por intervenções corporais, assim como o conceito de provas invasivas e não invasivas. Intervenções corporais (investigação corporal ou ingerência humana) são medidas de inves tigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, sem a necessidade do consentimento destas, e por meio da coação direta se for preciso, com a finalidade de descobrir circunstâncias fáticas que sejam importantes para o processo, em relação às condiçõesfísicas ou psíquicas do sujeito que sofre as intervenções, ou objetos escondidos com ele.110 São exemplos de intervenções corporais: exame de sangue, ginecológico, identificação dentária, endoscopia, exame do reto, entre outras tantas perícias como o exame de matérias fecais, de urina, de saliva, exames de DNA usando fios de cabelo, identificações datiloscópicas de impressões dos pés, unhas e palmar e também a radiografia. As intervenções corporais podem ser de duas espécies: 1) provas invasivas: são as in tervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não, implicando na utilização (ou extração) de alguma parte dele ou na invasão física do corpo humano, tais como os exames de sangue, o exame ginecológico, a identificação dentária, a endoscopia (usada para localização de droga no corpo humano) e o exame do reto; 2) provas não invasivas: consistem numa inspeção ou verificação corporal. São aquelas em que não há penetração no corpo humano, nem implicam a extração de parte dele, como as perícias de exames de materiais fecais, os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelo encontrados no chão, etc. 106 STF, 2ã Turma, HC 99.245/RJ, Rei. Min. Gilmar Mendes, 06/09/2011. 107 STF, Tribunal Pleno, HC 64.354/SP, Rei. Min. Sydney Sanches, j. 01/07/1987, DJ 14/08/1987. 108 STF, ia Turma, HC 69.026/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 10/12/1991, DJ 04/09/1992. 109 Em sentido diverso: FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal: sua valoração no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 94. 110 GONZALES-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidady derechos fundamentales em elproceso penal. Madri: Colex, 1990. p. 290. Apud FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal: sua valoração no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 106. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS [ 79 As células bucais encontradas na saliva podem ser utilizadas para a realização de um exame de DNA. A forma de sua coleta é que vai determinar se é prova invasiva ou não invasiva. Caso as células sejam colhidas na cavidade bucal, haverá intervenção corporal invasiva. Agora, a saliva também pode ser colhida sem qualquer intervenção corporal, possibilitando a realização do exame de DNA a partir de material encontrado no lixo, como chicletes, pontas de cigarro, latas de cerveja e refrigerantes, que contêm resquícios da saliva que podem ser examinados. A radiografia também pode ser considerada prova não invasiva, sendo comum sua utilização para constatação de entorpecente no organismo, na forma de pílulas ou cápsulas de drogas. Na verdade, mesmo que se considere o exame de raios-X uma prova invasiva, pensamos que, em casos extremos, como no exemplo da mula que transporta drogas em seu estômago e que, por isso, corre sério risco de morte a partir de determinado tempo em que está com a droga em seu corpo, é possível a realização de exame pericial mesmo contra a vontade do agente, por força do princípio da proporcionalidade, dando-se preponderância à proteção da vida (CF, art. 5o, caput) .111 Outro exemplo de prova não invasiva é a identificação dactiloscópica, das impressões dos pés, unhas e palmar, que podem ser utilizadas como parâmetro para comparação com aquelas encontradas no local do crime ou no corpo da vítima.112 Havendo o consentimento do sujeito passivo da medida, após prévia advertência do direito de não produzir prova contra si mesmo, a intervenção corporal poderá ser realizada normalmente, seja a prova invasiva ou não invasiva. A Carta Magna não estabeleceu a reserva de jurisdição para a determinação das intervenções corporais. Logo, não há necessidade de prévia autoriza ção judicial para a realização dessas medidas, as quais podem ser determinadas inclusive pela autoridade policial. Porém, mesmo com a anuência do cidadão, não se admite que o Estado submeta alguém a intervenções corporais que ofendam a dignidade da pessoa humana ou que coloquem em risco sua integridade física ou psíquica além do que é razoavelmente tolerável. A propósito, dispõe o art. 15 do Código Civil que ‘ninguém p ode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção c i r ú r g i c a Exemplo de procedimento mais complexo que pode causar risco à saúde, o que é denominado pela doutrina alemã de ingerência corporal, é a radiografia em mulheres grávidas. Na verdade, o problema quanto às provas invasivas ou não invasivas diz respeito às hipóteses em que o suspeito se recusa a colaborar. No ordenamento pátrio, não há uma regulamentação sistemática das intervenções corporais. Como vigora no processo penal brasileiro o princípio da 111 No sentido de que é plenamente válida a prova produzida mediante a submissão de agente a exame de raios "X", de modo a constatar a ingestão de cápsulas de cocaína, já que não há qualquer violação ao princípio do nemo tenetur se detegere, haja vista que os exames de raios X não exigem qualquer agir ou fazer por parte do investigado, tampouco constituem procedimentos invasivos ou até mesmo degradantes que possam violar seus direitos fundamentais: STJ, 6ã Turma, HC 149.146/SP, Rei. Min. Og Fernandes, julgado em 05/04/2011. 112 Essas provas não invasivas não se confundem com a busca pessoal. Naquelas, o objetivo precípuo é o exame do corpo; nesta, o objetivo é a localização de algo que se esteja ocultando junto ao corpo. A busca pessoal, que tem natureza preventiva, não pode ser considerada espécie de intervenção corporal porque compreende atuação externa sobre o corpo e sobre as roupas e objetos que o indivíduo traz consigo. Quanto às revistas fei tas em presídios, caso realizadas de forma superficial, a fim de prevenir que visitantes levem armas ou objetos que possam colocar em risco a vida ou a saúde dos presos ou facilitar eventuais fugas, podem ser classificadas como revistas corporais e, assim, admitidas. No tocante às revistas praticadas em cavidades ou orifícios do corpo humano, comungamos do entendimento de Fiori (op. cit. p. 113), no sentido de que a busca por qualquer objeto de crime nestas regiões do corpo deva ser equiparada a uma intervenção corporal, por atingir a integridade física e a intimidade da pessoa constrangida a tal medida. Todavia, caso a pessoa se recuse a cooperar com a intervenção corporal, seu acesso ao estabelecimento prisional poderá ser obstado. 80 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima liberdade probatória (CPP, art. 155, parágrafo único), segundo o qual quaisquer meios probató rios são admissíveis, mesmo que não expressamente previstos em lei, não se deve concluir por uma absoluta inadmissibilidade da utilização das intervenções corporais. Todavia, sua utilização deve se mostrar compatível com a Constituição Federal e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Portanto, caso o agente não concorde com a realização de uma intervenção corporal, deve-se distinguir o tratamento dispensado às provas invasivas e às não invasivas à luz do direito de não produzir prova contra si mesmo. Em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal). Por outro lado, cuidando-se de provas invasivas, por conta do princípio do nemo tenetur se detegere, a jurisprudência tem considerado que o suspeito, indiciado, preso ou acusado, não é obrigado a se autoincriminar, podendo validamente recusar-se a colaborar com a produçãoda prova, não podendo sofrer qualquer gravame em virtude dessa recusa. Em diversos julgados, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o acusado não está obrigado a se sujeitar a exame de DNA, mesmo no âmbito cível.113 Mas se o direito de não produzir prova contra si mesmo tem aplicação no âmbito extrapenal e no âmbito penal, daí não se pode concluir que a recusa em se submeter às provas invasivas seja tratada de modo semelhante no processo civil e no processo penal. De fato, há de se ficar atento à diferença do tratamento dispensado às conseqüências da recusa do agente em produzir prova contra si mesmo, porquanto, no que toca exclusivamente ao processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII). Em outras palavras, se, no âmbito cível, também é possível que o agente se recuse a pro duzir prova contra si mesmo, ali não vigora o princípio da presunção de inocência, daí por que a controvérsia pode ser resolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do réu em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório. Nesse sentido, dispõe o art. 232 do Código Civil: A recusa àperíc ia médica ordenada pelo ju iz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Por sua vez, a súmula n° 301 do STJ destaca que em ação investigatória, a recusa do suposto p a i a subm eter-se ao exame de DNA induz presunção iuris tantum de paternidade. Logo, apesar de o agente também não ser obrigado a se submeter à prova invasiva no âmbito cível, de sua recusa poderão ser extraídas conseqüências que lhe sejam desfavoráveis, tais como a presunção relativa de paternidade, em casos em que existam outras provas.114 De modo diverso, no processo penal, firmada a relevância do princípio da presunção de inocência, com a regra probatória que dele deriva, segundo a qual o ônus da prova recai 113 STF, Tribunal Pleno, HC 71.373/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 10/11/1994, DJ 22/11/1996. 114 Como têm se pronunciado os Tribunais, apesar da súmula 301 do STJ ter feito referência à presunção ju ris tan tum de paternidade na hipótese de recusa do investigado em se submeter ao exame de DNA, os precedentes jurisprudenciais que sustentaram o entendimento sumulado definem que esta circunstância não desonera o autor de comprovar, minimamente, por meio de provas indiciárias a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai. Nessa linha: STJ, 4ã Turma, REsp 1.068.836/RJ, Rei. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, j. 18/03/2010, DJe 19/04/2010. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 81 exclusivamente sobre a parte acusadora, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se submeter a uma prova invasiva. Assim, supondo um crime sexual em que vestígios de esperma tenham sido encontrados na vagina da vítima, da recusa do acusado em se submeter a um exame de DNA não se pode presumir sua culpabilidade, sob pena de violação aos princípios do nemo tenetur se detegere e da presunção de inocência.115 Como se vê, em se tratando de prova invasiva ou que exija um comportamento ativo, não é possível a produção forçada da prova contra a vontade do agente. Porém, se essa mesma prova tiver sido produzida, voluntária ou involuntariamente pelo acusado, nada impede que tais elemen tos sejam apreendidos pela autoridade policial. Em outras palavras, quando se trata de material descartado pela pessoa investigada, é impertinente invocar o princípio do nemo tenetur se detegere. Nesse caso, é plenamente possível apreender o material descartado, seja orgânico (produzido pelo próprio corpo, como saliva, suor, fios de cabelo), seja ele inorgânico (decorrentes do contato de objetos com o corpo, tais como copos ou garrafas sujas de saliva, etc.) Exemplificando, se não é possível retirar à força um fio de cabelo de um suspeito para realizar um exame de DNA, nada impede que um fio de cabelo desse indivíduo seja apreendido em um salão de beleza. Daí ter confirmado a Suprema Corte a legalidade da determinação de coleta da placenta no procedimento médico do parto da cantora chilena G. T., a fim de que fosse possível, pos teriormente, a realização do exame de DNA, de modo a dirimir a dúvida quanto a quem era o pai da criança. Nessa situação, a intervenção médica era necessária e não houve a coleta à força da placenta, uma vez que esta é expelida do corpo humano como conseqüência natural do processo de parto.116 Situação semelhante ocorreu em caso envolvendo a descoberta do episódio em que uma criança recém-nascida foi retirada do berçário da maternidade por uma mulher que passou a assumir perante todos ser a verdadeira mãe. Como a suposta mãe não aceitou submeter-se à coleta de material genético, esperou-se uma oportunidade para arrecadar uma ponta de cigarro descartada pela “filha ”, contendo partículas das glândulas salivares, o que permitiu, após a análise do DNA, ter-se a certeza de que ela, de fato, não era filha da investigada. Essa prova foi considerada válida, porquanto o que toma a prova ilícita é a coação por parte do Estado, obrigando o suspeito a produzir prova contra si mesmo. Como a prova foi produzida de maneira involuntária pela suposta filha, a prova então obtida foi considerada lícita. 3.7.5. Bafômetro: a infração administrativa de embriaguez ao volante e a nova redação do crime de embriaguez ao volante (Lei n° 12.760/12) Quanto ao bafômetro, especial atenção deve ser dispensada ao art. 277 do Código de Trân sito Brasileiro (Lei n° 9.503/97, com redação dada pela Lei n° 12.760/12), o qual dispõe que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito, ou que for alvo de fiscalização de trânsito, poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. Nesse caso, a infração adm inistrativa de trânsito de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência prevista no art. 165 do CTB poderá ser caracterizada me diante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, 115 Nessa linha: GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 119. 116 STF, Tribunal Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003 p. 31. 82 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas (Lei n° 9.503/97, art. 277, § 2o, com redação dada pela Lei n° 12.760/12). Por força do art. 277, § 3o, do CTB, as penalidades e medidas administrativas previstas para essa infração administrativa do art. 165 do CTB - multa (dez vezes), aplicável em dobro em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses, e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, além da medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado - também serão aplicáveis ao con dutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. O fato de o art. 277, § 3o, do CTB, prever a aplicação de penalidades e medidas adminis trativas ao condutor que não se sujeitar a qualquer dos procedimentos previstos no caput do referido artigo é perfeitamente constitucional. Ao contrário do que ocorre no âmbito criminal, em que, por força do princípio da presunção de inocência, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se submeter a uma prova invasiva, no âmbito administrativo, o agente também não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, po rém, como não se aplica a regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, a controvérsia pode serresolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do agente em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do con junto probatório, com a conseqüente imposição das penalidades e das medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB. Superada a análise da infração administrativa de embriaguez ao volante (CTB, art. 165),117 convém analisarmos o crime de embriaguez ao volante, cuja previsão legal constante do caput do art. 306 do CTB foi alterada 2 (duas) vezes nos últimos anos: inicialmente, pela Lei 11.705/08 (“Antiga Lei Seca”); posteriormente, pela Lei n° 12.760/12 (“Nova Lei Seca”). Para fins de comprovação da embriaguez ao volante, o meio de prova mais eficaz para afe rição da dosagem etílica é o exame de sangue. Considerando-se que a extração de sangue é um método muito invasivo, foi criado o bafômetro, aparelho de ar alveolar destinado a estabelecer o teor alcoólico no organismo do condutor do veículo automotor através do sopro do motorista no referido equipamento.118 119 Mas será que o condutor do veículo está obrigado a soprar o bafômetro ou se sujeitar ao exame de sangue? Não estaria ele, assim o fazendo, produzindo prova contra si mesmo? A respeito do assunto, é dominante o entendimento de que a recusa do condutor em submeter-se ao bafômetro ou a um exame de sangue não configura crime de desobediência nem pode ser interpretada em seu desfavor, pelo menos no âmbito criminal. Nessa linha, há precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: afinal, a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo (princípio do nemo tenetur se detegeré)}19 117 Vale ressaltar que, consoante o art. 276 do CTB, com redação dada pela Lei nS 12.760/12, qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar também sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. 118 A prova da materialidade do delito de embriaguez ao volante pode ser feita pelo bafômetro, capaz de constatar, tal qual o exame toxicológico de sangue, a concentração alcoólica de ar nos pulmões correspondente à concen tração sanguínea acima do limite legal: STJ, 6ã Turma, HC 177.942/RS, Rei. Min. Celso Limongi - Desembargador convocado do TJ/SP, julgado em 22/02/2011. Na mesma linha: STF, 2- Turma, HC 110.905/RS, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 05/06/2012 119 STF, 13 Turma, HC 93.916/PA, Rei. Min. Cármen Lúcia, DJe 117 27/06/2008. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 83 O exercício do direito à não autoincriminação, no entanto, não era empecilho à comprovação do crime de embriaguez ao volante, pelo menos quando o Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor em 1998. Isso porque, à época, o art. 306 do CTB tinha a seguinte redação: “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Nesse caso, mesmo que o agente se re cusasse a soprar o bafômetro, era possível que a elementar do tipo “sob a influência de álcool ” fosse comprovada através de exame clínico com a participação passiva do agente. Com efeito, ainda que o motorista se recusasse a fazer exame de sangue ou a soprar o bafômetro, fazendo uso de seu direito de não produzir prova contra si mesmo, um médico perito poderia facilmente constatar que tal pessoa estava sob a influência de álcool, sem que se exigisse qualquer com portamento ativo do agente, bastando analisar, por exemplo, a aparência do agente, sua atitude, orientação, elocução, andar, coordenação motora, hálito, etc. Com a entrada em vigor da Lei n° 11.705/08 (antiga “Lei Seca”), o tipo penal do art. 306 passou a ter a seguinte redação: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com con centração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Perceba-se que, ao contrário da antiga redação do art. 306 do CTB, que fazia menção à condução de veículo automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, o que acabava por transformar esse delito em crime de perigo concreto, sendo, pois, indispensável a demonstração do risco concreto de dano causado pela direção embriagada (v.g., motorista dirigindo em alta velocidade, na contramão, etc.), a nova redação típica do art. 306 do CTB deixa de fazer menção expressa à criação de uma situação de risco. Isso significa dizer que a “antiga lei seca” transformou o delito de embriaguez ao vo lante em crime de perigo abstrato, sendo dispensável, portanto, a comprovação de risco de dano efetivo. Na visão do Supremo, a objetividade jurídica desse delito transcende a mera proteção da incolumidade pessoal para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. Assim, é de todo irrelevante indagar se o comportamento do agente atinge, ou não, algum bem ju rídico tutelado, sendo legítima a opção legislativa por objetivar a proteção da segurança da própria coletividade. Não há necessidade de se comprovar risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. Basta que seja comprovado que o acusado conduzia veículo automo tor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro.120 Se, de um lado, a antiga “Lei Seca” transformou o delito de embriaguez ao volante em crime de perigo abstrato, do outro, tomou bem mais complicada a produção de prova quanto à referida prática delituosa. Isso porque o tipo penal que passou a vigorar com o advento da Lei n° 11.705/08 trazia como elementar a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas. Essa figura típica do crime de embriaguez ao volante só se aperfeiçoava, então, com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue (do sagem etílica), o que não se podia presumir. Tal comprovação, segundo o Decreto n° 6.488, 120 STF, 2§ Turma, HC 109.269/MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27/09/2011, DJe 195 10/10/2011. Com o mesmo entendimento: STJ, 5ã Turma, HC 175.385/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/03/2011. O crime do art. 310 do CTB também funciona como espécie de crime de perigo abstrato. A propósito, eis o teor da sú mula n9 575 do STJ: "Constitui crime a conduta de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa que não seja habilitada, ou que se encontre em qualquer das situações previstas no art. 310 do CTB, independentemente da ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na condução do veículo". 84 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima de 19/06/08, só podia ser feita por duas maneiras: exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), este último também conhecido como bafômetro. Logo, tendo em conta que, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o condutor não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, caso o agente se recusasse a soprar o bafômetro ou a fornecer uma amostra de sangue, não seria possível se presumir a prática do delito do art. 306 do CTB. Com base nesse raciocínio, apesar de entender que teria havido um equívoco na edição da Lei n° 11.705/08, o que, todavia, não pode ensejar do magistrado a correção das falhas estruturais com o objetivo de conferir-lhe efetividade, sob pena de violação ao princípio da legalidade e da tipicidade, concluiu o STJ pelo trancamento de processo penal relativo a acusado da prática do crime de embriaguez ao volante, já que não teria sido feito exame de sangue ou testede bafômetro, provas técnicas que, à época, eram indispensáveis para a comprovação do grau de embriaguez, que funcionava como verdadeira elementar objetiva do referido tipo penal.121 Como se percebe, apesar de o objetivo da “antiga Lei Seca” ter sido o de aumentar a re pressão ao crime de embriaguez ao volante, é certo dizer que, a partir do momento em que a tipificação do crime do art. 306 do CTB passou a exigir a taxa de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, restou assaz mais difícil a comprovação da referida prática delituosa, visto que, em virtude do princípio que veda a autoincriminação, o motorista não pode ser obrigado a se sujeitar ao exame de sangue, nem tampouco ao bafômetro, únicos meios de prova tecnicamente capazes de aferir a concentração de álcool no sangue.122 Ante a péssima redação que foi conferida ao crime de embriaguez ao volante pela “antiga Lei Seca” e os números alarmantes da violência no trânsito brasileiro,123 o Congresso Nacional se viu obrigado a mudar novamente a redação do art. 306 do CTB. Assim é que, em data de 21 de dezembro de 2012, entra em vigor a Lei n° 12.760. Dentre outras modificações, referida Lei confere nova redação ao art. 306 da Lei n° 9.503/97: “Art. 306. Conduzir veículo automotor 121 STJ, 6- Turma, HC 166.377/SP, Rei. Min. Og Fernandes, j. 10/06/2010, DJe 01/07/2010. Na mesma linha: STJ, 3§ Seção, REsp 1.111.566, Rei. Min. Adilson Vieira Macabu - Desembargador convocado do TJ/RJ -, j. 28/03/2012, DJe 04/09/2012. 122 Como exposto anteriormente, é dominante o entendimento da doutrina e da jurisprudência pátria no sentido de que, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o motorista suspeito de conduzir veículo auto motor embriagado não pode ser obrigado a soprar o bafômetro. Por isso, os laboratórios desenvolveram uma nova espécie de bafômetro, que não exige o uso de bocal nem a participação ativa do usuário. Cuida-se do bafôm etro (ou etilôm etro ) passivo, que é capaz de "absorver" do ar ambiente a presença de álcool, a uma distância de 20 a 30 centímetros. A utilização da referida espécie de bafômetro não pressupõe a prática de nenhum comportamento ativo por parte do suspeito de embriaguez ao volante. Na verdade, à semelhança do que ocorre num reconhecimento pessoal, o suspeito é mero objeto de verificação, pois dele não se exige nenhum facere. Logo, não há falar em violação ao direito à não produção de prova contra si mesmo. Na me dida em que o suspeito é obrigado apenas a tolerar a realização do referido exame, exigindo-se cooperação meramente passiva, admite-se sua execução coercitiva caso o suspeito não queira participar de maneira voluntária. 123 Essa verdadeira carnificina instalada no trânsito brasileiro pode ser constatada através de alguns dados: a) 43,95% dos mortos em razão de acidentes de trânsito no ano de 2005 na cidade de São Paulo tiveram a alcoolemia atestada em autópsia; b) segundo o IPEA, o custo da violência no trânsito no Brasil alcança a incrível marca de 30 bilhões por ano; c) são 120 mil internações por ano, o que subtrai leitos do tratamento de outras patologias e acidentes pessoais e trabalhistas. A título de exemplo, em determinado ano, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP teve 70% de seus leitos ocupados por vítimas da violência no trânsito; d) são hoje 30 mil brasileiros cadeirantes em razão de acidentes de trânsito; e) varia entre 40 e 50 mil o número de mortes por ano, sendo 500 mil feridos, dos quais cerca de 180 mil terminam suas vidas com lesões irreversíveis. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 85 com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. Fácil notar que, diante da nova redação do art. 306 do CTB, o grau de dosagem etílica deixa de integrar o tipo penal do crime de embriaguez ao volante. Isso significa dizer que, em relação aos delitos cometidos a partir da data da vigência da Lei n° 12.760/12, a comprovação da condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool poderá ser feita não apenas pelo exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveo lar pulmonar (bafômetro), como também por prova testemunhai ou exame de corpo de delito indireto ou supletivo. Nesse contexto, o art. 306, § Io, do CTB, com redação dada pela Lei n° 12.760/12, dispõe que o novel crime de embriaguez ao volante será constatado por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou por sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. Ademais, nos termos do art. 306, § 2o, do CTB, com redação determinada pela Lei n° 12.971/14, a verificação da embriaguez ao volante poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhai ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.124 3.7.6. Conseqüências do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo Se a Constituição Federal (art. 5o, LXIII) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, § 2o, “g”) asseguram ao suspeito, indiciado, acusado, ou condenado, esteja ele solto ou preso, o direito de não produzir prova contra si mesmo, do exercício desse direito não pode advir nenhuma conseqüência que lhes seja prejudicial.125 Fosse possível a extração de alguma conseqüência prejudicial ao acusado por conta de seu exercício, estar-se-ia negando a própria existência desse direito. Portanto, o exercício desse direito não pode ser utilizado como argumento a favor da acusação, não pode ser valorado na fundamentação de decisões judiciais, nem tampouco ser utilizado como elemento para a formação da convicção do órgão julgador. Do uso desse direito não podem ser extraídas presunções em desfavor do acusado, até mesmo porque milita, em seu benefício, o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII), de cuja regra probatória deriva que o ônus da prova recai integralmente sobre a acusação. Da recusa em produzir prova contra si mesmo também não se pode extrair a tipificação do crime de desobediência (CP, art. 330). Afinal de contas, se o art. 330 do Código Penal tipifica a conduta de “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, há de se concluir pela ile galidade da ordem que determine que o acusado produza prova contra si mesmo. O exercício regular de um direito - de não produzir prova contra si mesmo - não pode caracterizar crime, 124 A nosso ver, cuida-se, a nova redação do art. 306 do CTB, de novatio legis in pejus. Afinal, se antes da Lei n9 12.760/12 a comprovação do referido delito podia ser feita apenas por meio de exame de sangue e bafô metro, doravante outros meios de prova poderão ser utilizados. Destarte, esse novo tipo penal de embriaguez ao volante só abrange os ilícitos cometidos a partir da vigência da Lei n2 12.760/12, que se deu em data de 21 de dezembro de 2012, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (CF, art. 59, XL). 125 Segundo Maria Elizabeth Queijo, "a única conseqüência admissível do exercício do direito ao silêncio é que o acusado deixará de declinar elementos a seu favor, caso não responda a nenhuma das indagações formuladas. Ou seja, o acusado não fornecerá à autoridade interrogante a sua versão dos fatos e os elementos probatórios que possam dar suporte a ela. Sob tal aspecto, em alguns casos, o silêncio do acusado poderá prejudicar sua defesa, no todo, independentemente de qualquer valoração dele por parte do julgador. É o que ocorre nas situações que comportem a indicação de um álibi, por exemplo", (op. cit. p. 221). 86 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima nem produzir conseqüências desfavoráveis ao acusado. Sua recusa em submeter-se à determi nada prova é legítima. O exercício do direitoao silêncio também não pode ser utilizado como fundamento para majoração da pena do condenado, nem tampouco para dar suporte à eventual decretação de prisão cautelar, sob o argumento (equivocado) de que o acusado não colabora com a produção probatória. Nesse sentido, a Ia Turma do Supremo já decidiu que não constitui fundamento idôneo, por si só, à prisão preventiva, a consideração de que, interrogado, o acusado não haja demonstrado “interesse em colaborar com a Justiça”: ao indiciado não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar.126 3.7.7. O direito de não produzir provas contra si mesmo e a prática de outros delitos. Não se pode negar a importância e a relevância do direito de não produzir prova contra si mesmo. Porém, em virtude do princípio da convivência das liberdades, pelo qual não se permi te que qualquer das liberdades seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias, o direito à não autoincriminação não pode ser entendido em sentido absoluto. Discute-se, assim, se seria possível reconhecer a incidência do nemo tenetur se detegere quando um segundo delito fosse praticado para encobrir o primeiro. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente, após praticar determinado delito, inova artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito com o objetivo de produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado (CP, art. 347, parágrafo único). Nesse caso, é possível que o agente responda pelos dois delitos em concurso material? Ou será que o segundo delito - fraude processual - está amparado pela excludente da ilicitude do exercício regular de direito (direito de não produzir prova contra si mesmo)? A nosso ver, caso haja a prática de nova infração penal, de maneira autônoma e dissocia da de qualquer exigência de colaboração por parte de autoridade, com o objetivo de encobrir delito anteriormente praticado, não há falar em incidência do nemo tenetur se detegere. Afinal, desse princípio não decorre a não punibilidade de crimes conexos praticados para encobrir a prática de outros. Não fosse assim, um crime de homicídio praticado contra a tes temunha que presenciou o crime antecedente poderia ser considerado como exercício regular de direito. Portanto, em tais situações, como não há risco concreto de autoincriminação, mas mero temor genérico de revelação de crime anteriormente praticado, não se pode admitir que o direito de não produzir prova contra si mesmo possa atenuar a responsabilidade criminal do agente. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou no habeas corpus impetrado em favor de A. N. e A. C. J, denunciados pelo homicídio triplamente qualificado de Isabela Nardoni, e também por fraude processual, em decorrência da alteração do local do crime: “(...) O direito à não auto-incriminação não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade, levar peritos ou o próprio Juiz a erro de avaliação relevante (...)”.127 Em sentido semelhante, no julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida em que se discutia a constitucionalidade da criminalização da fuga de local de aci dente constante do art. 305 do CTB (“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuí da”),o Plenário do STF aprovou a seguinte tese: “A regra que prevê o crime do art. 305 do CTB é constitucional posto não infirmar 126 STF, 1- Turma, HC 79.781/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/04/2000, DJ 09/06/2000. 127 STJ, 5a Turma, HC 137.206/SP, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 01/12/2009, DJe 01/02/2010. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 87 o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e de antijuridicidade”. A semelhança do que já fora decidido pelo Supremo no julga mento do RE 640.139, quando se afirmou que o princípio constitucional da autoincriminação não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus antecedentes, prevaleceu o entendimento de que não há direitos absolutos e que, no sis tema de ponderação de valores, há de ser admitida certa mitigação, até mesmo do princípio da não autoincriminação. Na visão da Corte, a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir expressamente sua responsabilidade civil ou penal e tampouco enseja que seja aplicada contra ele qualquer penalidade caso assim não o proceda. Na verdade, a depender do caso concreto, a sua permanência no local pode até constituir um meio de autodefesa, na medida em que terá a oportunidade de esclarecer, de imediato, eventuais circunstâncias do acidente que lhe sejam favoráveis.128 3.8. Princípio da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade não está previsto de maneira expressa na Constituição Federal. Porém, não há como negar sua sedes materiae na própria Carta Magna, estando in serido no aspecto material do princípio do devido processo legal (substantive due process of law) - “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5o, LIV). Com efeito, o exame da cláusula referente ao due process o f law permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucio nal, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); b) direito à citação e ao conhe cimento prévio do teor da acusação; c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ex p o s t fa c to ; f) direito à igualdade entre as partes; g) direito de não ser processado com fundamento em provas revesti das de ilicitude; h) direito ao benefício da gratuidade; i) direito à observância do princípio do juiz natural; j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); 1) direito à prova; e m) direito de presença e de “participação ativa” nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.129 Como observa o Min. Gilmar Mendes, “a cláusula do devido processo legal - objeto de expressão proclamação pelo art. 5o, LIV, da Constituição, e que traduz um dos fundamentos dogmáticos do princípio da proporcionalidade - deve ser entendida, na abrangência de sua no ção conceituai, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do poder público {procedural due process o f law), mas, sobretudo, em sua dimensão material {substantive due process o f law), que atua como decisivo obstáculo à edição de atos normativos revestidos de conteúdo arbitrário ou irrazoável. A essência do substantive due p ro cesso o f law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade”.130 128 STF, Pleno, RE 971.959/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. 14/11/2018. 129 Nesse sentido: STF, 2- Turma, HC 94.016/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJe 038 26/02/2009. 130 Direitos fundam entais e controle de constitucionalidade: estudos de d ire ito constitucional. 3- ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 65. 88 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima Em sede processual penal, o Poder Público não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Daí a importância do princípio da proporcionalidade, que se qualifica,enquanto coeficiente de aferição da razoabi lidade dos atos estatais, como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.131 Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à ra cionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmá tica de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process o f law.132 A fim de conferir segurança e consistência à aplicação do princípio da proporcionalidade, doutrina e jurisprudência conceberam pressupostos e requisitos a serem atendidos para que o princípio pudesse ser aplicado de maneira coerente e legítima.133 O princípio da proporcionalidade tem como pressuposto formal o princípio da legalidade, e como pressuposto material o princípio da justificação teleológica. O princípio da legalidade processual, desdobramento do princípio geral da legalidade (CF, art. 5o, incisos II e LIV), demanda tanto a regulamentação, por lei, dos direitos exercitáveis durante o processo, como também a autorização e a regulamentação de qualquer intromissão na esfera dos direitos e liberdades dos cidadãos, efetuada por ocasião de um processo penal. Logo, por força do princípio da legalidade, todas as medidas restritivas de direitos fundamen tais deverão ser previstas por lei {nulla coactio sine lege), que deve ser escrita, estrita e prévia. Evita-se, assim, que o Estado realize atuações arbitrárias, a pretexto de aplicar o princípio da proporcionalidade. Afinal, como destaca Maurício Zanoide de Moraes, “é norma basilar de um Estado Demo crático de Direito que, no âmbito criminal (penal ou processual penal), somente poderá acontecer coerção da esfera de direitos individuais se houver lei anterior clara, estrita e escrita que a defina {nulla coertio sine lege). A legalidade, que deve obedecer a todos os ditames constitucionais de produção legislativa, confere a um só tempo (i) a segurança jurídica a todos os cidadãos para conhecerem em quais hipóteses e com que intensidade os agentes persecutórios podem agir e, também, (ii) a previsibilidade necessária para, de antemão, saber quando os agentes públicos agem dentro dos limites legais e se estão autorizados a restringir os direitos fundamentais”.134 131 Segundo Luís Roberto Barroso, há uma relação de fungibilidade entre o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade, cuja origem remonta à garantia do devido processo legal, principalmente na fase em que se atribui a essa garantia feição substancial. Ao discorrer sobre o princípio da razoabilidade, o referido autor aponta os mesmos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, trabalhados pela doutrina e pela jurisprudência como requisitos do princípio da proporcionalidade em sentido amplo. (Interpretação e aplicação da Constituição. 4- ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 219). 132 Nesse sentido: STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no D ireito Constitucional Brasileiro, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Funda mentais, p. 111/112, item n9 14,1995, Saraiva; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 352/355, item n9 11, 4® ed., 1993, Malheiros. 133 SERRANO, Nicolas Gonzales-Cuellar. Proporcionalidad y derechos fundam entales en ei proceso penal. Madrid: Colex, 1990. Capítulo 5, item 1. 134 Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Coordenação: Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 33-34. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 89 Por seu turno, por força do princípio da justificação teleológica, busca-se a legitimação do uso da medida cautelar, a partir da demonstração das razões pelas quais a aplicação da medida tomou-se necessária em relação ao fim que se objetiva alcançar. Cabe aqui analisar se o fim almejado é constitucionalmente legítimo e se possui relevância social. Quanto à legitimidade constitucional, pode ser necessária a restrição de determinado direito fundamental não apenas para proteger outro direito fundamental, mas também bens constitucionalmente tutelados. Em relação à relevância social, os fins devem ser socialmente relevantes para justificar a limitação a um direito fundamental. Além dos pressupostos da legalidade e da justificação teleológica, o princípio da propor cionalidade também possui requisitos extrínsecos e intrínsecos. Subdividem-se os primeiros nos requisitos da judicialidade e da motivação; os segundos, na adequação (ou idoneidade), necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Por judicialidade compreende-se a exigência que as limitações aos direitos fundamentais somente possam ocorrer por decisão do órgão jurisdicional competente. A denominada cláusula de reserva de jurisdição garante ao Poder Judiciário não apenas dar a última palavra em matéria de restrição de direitos fundamentais, como também assegurar sua manifestação já no primeiro momento em que a restrição se mostrar necessária.135 Quanto à motivação, há de se ter em mente que, em se tratando de decisões das quais resulte, de alguma forma, restrição a direitos fundamentais, será por meio da fundamentação da decisão judicial que se poderá aferir quais os motivos de fato e de direito levados em consideração pelo magistrado para a formação de seu convencimento, permitindo ao cidadão impugnar o ato se o entender inconstitucional ou ilegal. Os requisitos intrínsecos, também denominados de subprincípios da proporcionalidade ou elementos de seu conteúdo, são a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Esses três subprincípios da proporcionalidade são bem sintetizados por Willis Santiago Guerra Filho: “Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens.”136 3.8.1. Da adequação O primeiro requisito intrínseco ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo é o da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou da conformidade. Por força da adequação, a medida restritiva será considerada adequada quando for apta a atingir o fim proposto. Não se deve permitir, portanto, o ataque a um direito fundamental se o meio adotado não se mostrar apropriado à consecução do resultado pretendido. 135 A propósito da importância do Poder Judiciário como instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados por tratados internacionais firmados pelo Brasil, opor tuna é a lição do Min. Celso de Mello: "O juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição - e garante de sua supremacia - na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados". (STF, Tribunal Pleno, RE 466.343/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 03/12/2008, DJe 104 04/06/2009). 136 Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, UFC - Imprensa Universitária, 1989.p. 75. 90 M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Uma Essa adequação deve ser aferida num plano qualitativo, quantitativo e também em seu âmbito subjetivo de aplicação. A adequação qualitativa impõe que as medidas sejam qua litativamente aptas a alcançar o fim desejado, ou seja, idôneas por sua própria natureza. Exemplificando, se o objetivo é evitar a fuga do acusado, não faz sentido querer proibi-lo de entrar em contato com certas pessoas, pois a medida adotada seria qualitativamente ina dequada. A adequação quantitativa cuida da duração e da intensidade da medida em relação à finalidade pretendida. Supondo-se que uma prisão preventiva tenha sido decretada para assegurar a conveniência da instrução criminal, uma vez concluída a instrução processual, a medida deve ser revogada, a não ser que haja outro motivo legal que justifique a segregação do acusado. Por derradeiro, a adequação na determinação do âmbito subjetivo de aplicação diz respeito à individualização do sujeito passivo da medida e à proibição de extensão indevida de sua aplicação. Afinal, a depender das circunstâncias do caso concreto, uma medida, em um mesmo processo, pode ser subjetivamente adequada em relação a um dos acusados, mas não sê-lo em relação a outro. Por isso, no âmbito processual penal, para que sejam adotadas medidas restritivas, é necessário que haja indícios de autoria ou de participação na prática de determinada infração penal, sendo que, a depender da ingerência a ser realizada, exige-se maior grau de suspeita.137 Com base no subprincípio da adequação, há, portanto, uma relação de meio e fim, devendo se questionar se o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido. 3.8.2. Da necessidade O segundo requisito ou subprincípio da proporcionalidade é o da necessidade ou da exi gibilidade, também conhecido como princípio da intervenção mínima, da menor ingerência possível, da alternativa menos gravosa, da subsidiariedade, da escolha do meio mais suave, ou da proibição de excesso. Por força dele, entende-se que, dentre várias medidas restritivas de direitos fundamentais idôneas a atingir o fim proposto, deve o Poder Público escolher a menos gravosa, ou seja, aquela que menos interfira no direito de liberdade e que ainda seja capaz de proteger o interesse público para o qual foi instituída. Como aponta a doutrina, o princípio da necessidade é princípio constitucional porque deriva da proibição do excesso; é princípio comparativo porque induz o órgão da persecução penal à busca de medidas alternativas idôneas; tende à otimização da eficácia dos direitos fundamentais porque obriga a refutar as medidas que possam ser substituídas por outras menos gravosas, com o que se diminui a lesividade da intromissão na esfera dos direitos e liberdades do indivíduo.138 Assim, entre diversas opções idôneas a atingir determinado fim, deve o magistrado bus car aquela que produza menos restrições à obtenção do resultado. Em outras palavras, deve o juiz se indagar acerca da existência de outra medida menos gravosa apta a lograr o mesmo objetivo. A título de exemplo, por conta do art. 2o, inciso II, da Lei n° 9.296/96, a intercep- tação de comunicações telefônicas só poderá ser deferida quando a prova não puder ser feita 137 Nesse sentido: DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Medidas substitutivas e alternativas à prisão cautelar. Op. cit. p. 67-68. 138 SERRANO, Nicolas Gonzales-Cuellar. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal. Madrid: Colex, 1990. p. 189. TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS por outros meios disponíveis, ou seja, se for possível comprovar-se o fato por meio de prova menos gravoso, não se justifica a violação à intimidade. Por outro lado, no caso de prisões cautelares, lembra Camelutti que a medida “se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também podem ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela!”139 3.8.3. Da proporcionalidade em sentido estrito O terceiro subprincípio - proporcionalidade em sentido estrito - impõe um juízo de pondera ção entre o ônus imposto e o benefício trazido, a fim de se constatar se se justifica a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos. É a verificação da relação de custo-benefício da medida, ou seja, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. De acordo com Canotilho, “uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote cargas coativas de direitos, liberdades e garantias desmedidas, desajustadas, excessivas ou desproporcionadas em relação aos resultados obtidos”.140 Por força do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entre os valores em conflito - o que demanda a adoção da medida restritiva e o que protege o direito individual a ser violado - deve preponderar o de maior relevância. Há de se indagar, pois, se o gravame imposto ao titular do direito fundamental guarda relação de proporcionalidade com a importância do bem jurídico que se pretende tutelar. No âmbito processual penal, este juízo de ponderação opera-se entre o interesse individual e o interesse estatal. De um lado, o interesse do indivíduo na manutenção de seu ius libertatis, com o pleno gozo dos direitos fundamentais. Do outro, o interesse estatal nas medidas restritivas de direitos fundamentais está consubstanciado pelo interesse na persecução penal, objetivando-se a tutela dos bens jurídicos protegidos pelas normas penais. 4. LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO Enquanto à lei penal aplica-se o princípio da territorialidade (CP, art. 5o) e da extraterri- torialidade incondicionada e condicionada (CP, art. 7o), o Código de Processo Penal adota o princípio da territorialidade ou da lex fori. E isso por um motivo óbvio: a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional, logo, não pode ser exercida além das fronteiras do respectivo Estado. Assim, mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior, v.g., citação, intimação, interrogatório, oitiva de testemunha, etc., a lei processual penal a ser aplicada é a do país onde tais atos venham a ser realizados. Na mesma linha, aplica-se a lei processual brasileira aos atos referentes às relações jurisdicionais com autoridades estrangeiras que devam ser praticados em nosso país, tais como os de cumprimento de carta rogatória (CPP, arts. 783 e seguintes), homologação de sentença estrangeira (CPP, arts. 787 e seguintes), procedimento de extradição (Lei n° 6.815/80, arts. 76 e seguintes), etc. Na visão da doutrina, todavia, há situações em que a lei processual penal de um Estado pode ser aplicada fora de seus limites territoriais: a) aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius; b) quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual; c) em caso de guerra, em território ocupado. 91 139 Lecciones sobre ei Proceso Penal. Trad. Santiago Santis Melendo. Buenos Aires: Editora Bosch, 1950, v. II, p. 75. 140 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. ed. Coimbra: Almedina, 1989. p. 488. 92 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima Confirmando a adoção do princípio da territorialidade, o art. Io do CPP dispõe que o processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, pelo Código de Processo Penal, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tri bunal especial; V - os processos por crimes de imprensa. Ademais, segundoo parágrafo único do art. Io, aplicar-se-á, entretanto, o CPP aos processos referidos nos incisos IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso. Além do art. Io do CPP, especial atenção também deve ser dispensada ao art. 5o, § 4o, da Constituição Federal, que prevê que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Interna cional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Tem-se aí mais uma hipótese de não aplicação da lei processual penal brasileira aos crimes praticados no país, nas restritas situações em que o Estado brasileiro reconhecer a necessidade do exercício da jurisdição penal internacional. Portanto, como se percebe, a regra é que todo e qualquer processo penal que surgir no território nacional deva ser solucionado consoante as regras do Código de Processo Penal (locus regit actum). Há, todavia, exceções. 4.1. Tratados, convenções e regras de direito internacional Em matéria penal, deve-se adotar, em regra, o princípio da territorialidade, desenvolvendo-se na justiça pátria o processo e os respectivos incidentes, não se podendo olvidar, outrossim, de eventuais tratados ou outras normas internacionais a que o país tenha aderido, nos termos dos arts. Io do CPP e 5o, caput, do CP. Tem-se, assim, que a competência internacional é regulada ou pelo direito internacional ou pelas regras internas de determinado país, tendo por fontes os costumes, os tratados normativos e outras regras de direito internacional. Portanto, não há ilegalidade na utilização, em processo penal em curso no Brasil, de in formações compartilhadas por força de acordo internacional de cooperação em matéria penal e oriundas de quebra de sigilo bancário determinada por autoridade estrangeira, com respaldo no ordenamento jurídico de seu país, para a apuração de outros fatos criminosos lá ocorridos, ainda que não haja prévia decisão da justiça brasileira autorizando a quebra do sigilo. Dessa forma, se a juntada da documentação aos autos se deu por força de pedidos de cooperação judiciária internacional baseados no Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, tendo sido apre sentada devidamente certificada, de modo a se comprovar a autenticidade e a regularidade na sua obtenção, não há que se falar em ilegalidade no compartilhamento das provas oriundas da quebra do sigilo bancário realizado em outro país.141 Noutro giro, por força da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo De creto Legislativo 103/1964, e promulgada pelo Decreto n° 56.435, de 08/06/1965, Chefes de governo estrangeiro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros do corpo diplomático e suas família, assim como funcionários de organizações internacionais em serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo delito praticado no Brasil. Como se percebe, por conta de tratados ou convenções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em virtude de regras de Direito Internacional, a lei processual penal deixa de ser aplicada aos 141 Nessa linha: STJ, 5§ Turma, HC 231.633/PR, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25/11/2014, DJe 3/12/2014. 93TÍTULO 1 • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS crimes praticados por tais agentes no território nacional, criando-se, assim, verdadeiro obstáculo processual à aplicação da lei processual penal brasileira. Destarte, tais pessoas não podem ser presas e nem julgadas pela autoridade do país onde exercem suas funções, seja qual for o crime praticado (CPP, art. Io, inciso I). Em caso de fa lecimento de um diplomata, os membros de sua família “continuarão no gozo dos privilégios e imunidades a que têm direito, até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acreditado” (art. 39, § 3o, da Convenção de Viena sobre relações diplo máticas). Admite-se renúncia expressa à garantia da imunidade pelo Estado acreditante, ou seja, aquele que envia o Chefe de Estado ou representante. Tal imunidade não é extensiva aos empregados particulares dos agentes diplomáticos. Quanto ao cônsul, este só goza de imunidade em relação aos crimes funcionais (Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares - Decreto n° 61.078, de 26/07/1967). Esse o motivo pelo qual, ao apreciar habeas corpus referente a crime de pedofilia supostamente praticado pelo Cônsul de Israel no Rio de Janeiro, posicionou-se a Suprema Corte pela inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos termos do art. 41 da Convenção de Viena, pois os fatos imputados ao paciente não guardavam pertinência com o desempenho das funções consulares.142 4.2. Prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades Refere-se a segunda ressalva do art. Io do CPP às prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades, em relação aos crimes de responsabilidade. A denominada Justiça Política corresponde à atividade jurisdicional exercida por órgãos políticos, alheios ao Poder Judiciário, apresentando como objetivo precípuo o afastamento do agente público que comete crimes de responsabilidade de suas funções. A título de exemplo, de acordo com o art. 52, incisos I e II, da Constituição Federal, compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, assim como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, bem como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade, observando-se, em relação ao Presidente da República e aos Ministros de Estado, a competência da Câmara dos Deputados para a admissibilidade e a formalização da acusação (CF, art. 51,1; CF, art. 86; Lei n° 1.079/50, art. 20 e seguintes). Por sua vez, compete a um Tribunal Especial, composto por cinco Deputados, escolhidos pela Assembléia, e cinco Desembargadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá (Lei n° 1.079/50, art. 78, § 3o), processar e julgar, nos crimes de responsabili dade, o Governador, o Vice-Govemador, e os Secretários de Estado, nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, assim como o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador-Geral do Estado. No caso de crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos Municipais (infrações po- lítico-administrativas), que são os tipificados no art. 4o do Decreto-lei n° 201/67, a competência para julgamento é da Câmara Municipal. O processo pressupõe que o Prefeito Municipal esteja no exercício do mandato, na medida em que a única sanção prevista é a cassação do mandato. Conquanto a Constituição Federal e a legislação ordinária acima referida (Lei n° 1.079/50 e Decreto-lei n° 201/67) se refiram à prática de crimes de responsabilidade, atribuindo ao 142 STF, ia Turma, HC 81.158/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 19/12/2002. 94 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima Senado Federal, ao Tribunal Especial e à Câmara Municipal o exercício dessa atividade juris- dicional atípica, tecnicamente não há falar em crime, mas sim no julgamento de uma infração político-administrativa.143 Nesse cenário, é indispensável diferenciarmos crimes de responsabilidade em sentido amplo de crimes de responsabilidade em sentido estrito. Crimes de responsabilidade em sentido amplo são aqueles cuja qualidade de funcionário público (CP, art. 327) funciona como elementar do delito. É o que ocorre com os crimes pra ticados por funcionários públicos contra a administração pública (CP, arts. 312 a 326). Esses crimes de responsabilidade em sentido amplo estão inseridos naquilo que a Constituição Federal denomina de crimes comuns ou infrações penais comuns. Por seu turno, crimesde responsabilidade em sentido estrito são aqueles que somente podem ser praticados por determinados agentes políticos. Prevalece o entendimento de que não têm natureza jurídica de infração penal, mas sim de infração político-administrativa, passível de sanções político-administrativas, aplicadas por órgãos jurisdicionais políticos (normalmente órgãos mistos, compostos por parlamentares ou por parlamentares e magistrados). Como desses crimes de responsabilidade não decorre sanção criminal, não podem ser qualificados como in frações penais, figurando, pois, como infrações políticas da alçada do Direito Constitucional.144 4.3. Processos da competência da Justiça Militar Outra ressalva feita pelo art. Io do CPP diz respeito aos processos da competência da Justiça Militar. De acordo com o art. 124 da Constituição Federal, à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Lado outro, segundo o art. 125, § 4o, da Carta Magna, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A inaplicabilidade do Código de Processo Penal no âmbito da Justiça Militar justifica-se pelo fato de ser aplicável, na Justiça Castrense, o Código Penal Militar (Decreto-Lei n° 1.001/69) e o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei n° 1.002/69). Entretanto, é importante destacar que o próprio estatuto processual penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem supridos pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar (CPPM, art. 3o, alínea “a”). 4.4. Processos da competência do tribunal especial O art. Io, inciso IV, do CPP, faz menção aos processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n° 17). Os artigos citados referem-se à Constituição de 1937, sendo que esse tribunal especial a que faz menção o inciso IV é o antigo Tribunal de Segurança Nacional, que já não existe mais, visto que foi extinto pela Constituição de 1946. O art. 122, n° 17 da Carta 143 Segundo Pacelli, "mesmo quando a Constituição atribui a órgãos do Judiciário a competência para o julgamento de crimes de responsabilidade (art. 105,1, a, por exemplo), não se estará exercendo outro tipo de jurisdição que não seja a de natureza política, diante da natureza igualmente política das infrações" (op. cit. p. 188). 144 De acordo com o art. 29 da Lei n9 1.079/50, os crimes definidos nesta Lei, ainda quando simplesmente tenta dos, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até 5 (cinco) anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou ministros de Estado, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República. Além disso, "a imposição da pena referida no artigo anterior (art. 29) não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal." (Lei n9 1.079/50, art. 39). TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 95 í de 1937 previa que “os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular serão submetidos a processo e julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir”. Hoje, os crimes contra a segurança nacional estão definidos na Lei n° 7.170/83. Apesar de o art. 30 da Lei n° 7.170/83 dispor que os crimes nela previstos são da competência da Justiça Militar, referido dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porquanto, segundo o art. 109, inciso IV, compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos, com recurso ordinário para o Supremo (CF, art. 102, II, “b”). 4.5. Crimes de imprensa Outra ressalva constante do art. Io do CPP diz respeito aos processos penais por crimes de imprensa. Referidos delitos estavam previstos na Lei n° 5.250/67. Dizemos que estavam previstos na Lei n° 5.250/67 porque, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental n° 130, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido ali formulado para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67.145 Como decidiu a própria Suprema Corte, a não recepção da Lei de Imprensa não impede o curso regular dos processos fundamentados nos dispositivos legais da referida lei, nem tam pouco a instauração de novos processos, aplicando-se lhes, contudo, as normas da legislação comum, notadamente, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. 4.6. Crimes eleitorais Apesar de o art. Io do Código de Processo Penal não fazer expressa referência aos processos criminais da competência da Justiça Eleitoral, isso se justifica pelo fato de, à época da elaboração do CPP, estar em vigor a Constituição de 1937, que não tratava da Justiça Eleitoral, e muito menos dos crimes eleitorais, já que, vigia, então, um regime de exceção. Todavia, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 121 que Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juizes de direito e das juntas eleitorais. Destarte, embora editado como lei ordinária, o Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65) foi re cepcionado pela Constituição Federal como Lei complementar, mas tão somente no que tange à organização judiciária e competência eleitoral, tal qual prevê a Carta Magna (CF, art. 121, caput). Portanto, no tocante à definição dos crimes eleitorais, as normas postas no Código Elei toral mantêm o status de lei ordinária. A competência criminal da Justiça Eleitoral é fixada em razão da matéria, cabendo a ela o processo e julgamento dos crimes eleitorais. Mas o que se deve entender por crimes eleitorais? Como adverte a doutrina, somente são crimes eleitorais os previstos no Código Eleitoral (v.g., crimes contra a honra, praticados durante a propaganda eleitoral)146 e os que a lei, even tual e expressamente, defina como eleitorais.147 Todos eles referem-se a atentados ao processo 145 STF - ADPF 130/DF, Rei. Min. Carlos Britto, 30/04/2009. 146 Os crimes contra a honra prescritos no Código Eleitoral exigem finalidade eleitoral para que restem configurados. Sendo o eventual crime contra a honra praticado fora do período de propaganda eleitoral, resta afastada a figura típica especial do Código Eleitoral e subsiste o tipo penal previsto no Código Penal: STJ, 3a Seção, CC 79.872/BA, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 25/10/2007 p. 123. 147 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit. p. 142. 96 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima eleitoral, que vai desde o alistamento do eleitor (ex: falsificação de título de eleitor para fins eleitorais - art. 348 do Código Eleitoral)148 até a diplomação dos eleitos. Crime que não esteja no Código Eleitoral ou que não tenha a expressa definição legal como eleitoral, salvo o caso de conexão, jamais será de competência da Justiça Eleitoral. A motivação política ou mesmo eleitoral não é suficiente para definir a competência da Justiça Especial de que estamos tratando. Da mesma forma, a existência de campanha eleitoral é irrele vante, pois, de per si, não é suficiente para caracterizar os crimes eleitorais à falta de tipificação legal no Código Eleitoral ou em leis eleitorais extravagantes. Assim, por exemplo, a prática de um homicídio, ainda que no período que antecede as eleições, e mesmo que por motivos político-elei- torais, será julgado pelo Júri comum, porquanto tal delito não é elencado como crime eleitoral. 4.7. Outras exceções O art. Io do CPP faz menção expressa apenas às ressalvas anteriormente trabalhadas. TodaAção penal nos crimes de lesão cor poral leve e lesão corporal culposa com vio lência doméstica e familiar contra a mulher.... 292 14.4. Ação penal nos crimes ambientais: pessoas jurídicas e dupla imputação.............. 294 14.5. Ação penal nos crimes contra a digni dade sexual (Lei n5 13.718/18)........................ 295 14.5.1. Redação original do art. 225 do CP (antes da Lei n. 12.015/09).................. 296 14.5.2. Redação do art. 225 do CP de terminada pela Lei n. 12.015/09 (antes da Lei n. 13.718/18).................................. 298 14.5.3. Redação do art. 225 do CP de terminada pela Lei n. 13.718/18............... 300 14.5.4. Quadro comparativo da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual......................................................... 301 14.5.5. Direito intertemporal.................... 301 14.6. Ação penal no crime de invasão de dispositivo informático..................................... 304 15. Peça acusatória................................................. 305 15.1. Denúncia e queixa-crime........................ 305 15.2. Requisitos da peça acusatória................ 306 15.2.1. Exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias............. 307 15.2.2. Qualificação do acusado.............. 309 15.2.3. Classificação do crime.................. 311 15.2.4. Rol de testemunhas...................... 311 15.2.5. Endereçamento da peça acusa tória 312 15.2.6. Redação em vernáculo................. 313 15.2.7. Razões de convicção ou presun ção da delinqüência................................. 313 15.2.8. Peça acusatória subscrita pelo Ministério Público ou pelo advogado do querelante................................................. 313 15.2.9. Procuração da queixa-crime e recolhimento de custas............................ 314 15.3. Prazo para o oferecimento da peça acusatória......................................................... 316 16. Questões diversas............................................. 318 16.1. Denúncia genérica e crimes societários.. 318 16.1.1. Acusação geral e acusação ge nérica 319 16.2. Cumulação de imputações..................... 320 16.3. Imputação implícita................................ 320 16.4. Imputação alternativa............................ 321 17. Aditamento à denúncia.................................... 323 SUMÁRIO I 15 17.1. Espécies de aditamento......................... 325 17.1.1. Quanto ao objeto do aditamen to: próprio e impróprio............................ 325 17.1.2. Quanto à voluntariedade do aditamento: espontâneo e provocado..... 326 17.2. Interrupção da prescrição...................... 327 17.3. Procedimento do aditamento................ 328 17.4. Aditamento à queixa-crime.................... 328 18. Ação civil ex delicto....................................... 329 18.1. Noções introdutórias.............................. 329 18.2. Sistemas atinentes à relação entre a ação civil ex delicto e o processo penal......... 330 18.3. Efeitos civis da absolvição penai............ 332 18.4. Obrigação de indenizar o dano cau sado pelo delito como efeito genérico da sentença condenatória..................................... 336 18.4.1. Quantificação do montante a ser indenizado ao ofendido...................... 339 18.4.2. Natureza do dano cuja indeni zação mínima pode ser fixada na sen tença condenatória.................................. 342 TÍTULO 4 • COMPETÊNCIA CRIMINAL.............................................................................. 345 CAPÍTULO I - PREMISSAS FUNDAMENTAIS E ASPECTOS INTRODUTÓRIOS.................................. 345 1. Jurisdição e competência................................... 345 2. Princípio do juiz natural..................................... 346 2.1. Lei processual que altera regras de com petência............................................................ 347 2.2. Convocação de Juizes de l 9 grau de jurisdição para substituição de Desembar gadores............................................................. 349 3. Espécies de competência................................... 351 4. Competência absoluta e relativa........................ 353 4.1. Quanto à natureza do interesse............... 353 4.2. Quanto à arguição da incompetência...... 354 4.3. Quanto ao reconhecimento da incom petência no juízo ad quem.............................. 357 4.4. Quanto às conseqüências da incompe tência absoluta e relativa................................ 359 4.5. Quanto à coisa julgada nos casos de incompetência absoluta e relativa.................. 362 4.6. Quadro sinóptico dos regimes jurídicos das regras de incompetência absoluta e re lativa................................................................. 363 5. Fixação da competência criminal....................... 364 6. Competência internacional................................ 365 7. Tribunal Penal Internacional............................... 367 CAPÍTULO II - COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA....................................................................... 371 1. Competência Criminal da Justiça Militar......... 371 1.1. Distinção entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos Estados.............. 371 1.1.1. Quanto à competência criminal..... 371 1.1.2. Quanto à competência para o processo e julgamento de ações judi ciais contra atos disciplinares militares.... 372 1.1.3. Quanto ao acusado........................ 373 1.1.4. Quanto ao órgão jurisdicional de l 9 instância................................................ 375 1.1.5. Quanto ao órgão jurisdicional de 29 instância................................................ 377 1.1.6. Quadro comparativo entre a Jus tiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual..................................................... 378 1.2. Crime militar.............................................. 379 1.2.1. Crime propriamente militar e crime impropriamente militar.................. 379 1.2.2. Crime militar de tipificação direta e crime militar de tipificação indireta....... 382 1.2.3. Crimes militares extravagantes (cri mes militares por equiparação à legislação penal comum ou crimes militares por exten são): a nova competência da Justiça Militar (Lei n. 13.491/17)............................................. 383 1.2.3.1. Lei n. 13.491/17 e o princípio do juiz natural........................................... 387 1.2.3.2. Lei n. 13.491/17 e o direito in tertemporal............................................... 387 1.2.3.3. (In) constitucionalidade da Lei n. 13.491/17.............................................. 389 1.3. (In) constitucionalidade e (in) con- vencionalidade da competência da Jus tiça Militar da União para o processo e julgamento de civis pela prática de cri mes militares definidos em lei (ADPF 289) 391 1.4. (In) constitucionalidade da competên cia da Justiça Militar da União para o proces so e julgamento de crimes cometidos por ou contra militares no exercício de atribuições subsidiárias das Forças Armadas (ADPF 5.032) 395 1.5. Dos crimes militares em tempo de paz........ 397 1.5.1. Do conceito de militar para fins de aplicação da lei penal militar............... 397 1.5.2. Do inciso I do art. 99 do Código Penal Militar.............................................. 401 1.5.3. Do inciso II do art. 99 do Código Penal M ilita r ................................................... 402 1.5.4. Do inciso III do art. 99 do CPM....... 414 1.5.5. Dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis......... 422 1.5.6. Dos crimes militares praticados em tempo de guerra................................. 429 2. Competência Criminal da Justiça Eleitoral........ 429 3. Competência Criminal da Justiça do Trabalho .... 432 16 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 4. Competência Criminal da Justiça Federal........ 433 4.1. Considerações iniciais.............................. 433 4.2. Atribuições de polícia investigativa da Políciavia, face a existência de diversas leis especiais, editadas após a vigência do CPP (Io de janeiro de 1942), com previsão expressa de procedimento distinto, conclui-se que, por força do princípio da especialidade, a tais infrações será aplicável a respectiva legislação, aplicando-se o Código de Processo Penal apenas subsidiariamente. Vários exemplos podem ser lembrados: 1) O processo e julgamento dos crimes de abuso de autoridade é regulado pela Lei n° 4.898/65; 2) Os crimes da competência originária dos Tribunais possuem procedimento específico previsto na Lei n° 8.038/90; 3) As infrações de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e crimes cuja pena máxima não seja superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados Es peciais Criminais, pelo menos em regra, com procedimento regulamentado pela Lei n° 9.099/95; 4) Os crimes falimentares também possuem procedimento especial disciplinado na Lei n° 11.101/05 (arts. 183 a 188); 5) O Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03, art. 94) também possui dispositivos expressos acerca do procedimento a ser aplicado aos crimes ali previstos; 6) A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06) também estabelece dispositivos processuais penais específicos quanto às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher; 7) A Lei de drogas (Lei n° 11.343/06) traz em seu bojo um capítulo inteiro dedicado ao procedimento penal, prevendo expressamente a possibilidade de aplicação, subsidiária, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal (art. 48, caput). 5. LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO A legislação processual penal tem sofrido inúmeras alterações nos últimos anos. Diante da sucessão de leis no tempo, apresenta-se de vital importância o estudo do direito intertemporal. No âmbito do Direito Penal, o tema não apresenta maiores controvérsias. Afinal, por força da Constituição Federal (art. 5o, XL), a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Logo, cuidando-se de norma penal mais gravosa, vige o princípio da irretroatividade. Da mesma forma que a lei penal mais grave não pode retroagir, é certo que a lei mais benéfica é dotada de extratividade: fala-se, assim, em ultratividade quando a lei, mesmo depois de ser revogada, 148 STJ, 33 Seção, CC 26.105/PA, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 27/08/2001 p. 221. TÍTULO 1 • N O ÇÕ ES INTRODUTÓRIAS 97 continua a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência; por sua vez, retroatividade seria a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor. Raciocínio distinto, porém, é aplicável ao processo penal. De acordo com o art. 2o do CPP, que consagra o denominado princípio tempus regit actum, “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Como se vê, por força do art. 2o do CPP, incide no processo penal o princípio da aplicabilidade imediata, no sentido de que a norma processual aplica-se tão logo entre em vigor, sem prejuízo da validade dos atos já praticados anteriormente. O fundamento da aplicação imediata da lei processual é que se presume seja ela mais perfeita do que a anterior, por atentar mais aos interesses da Justiça, salvaguardar melhor o direito das partes, garantir defesa mais ampla ao acusado, etc. Portanto, ao contrário da lei penal, que leva em conta o momento da prática delituosa (itempus delicti), a aplicação imediata da lei processual leva em consideração o momento da prática do ato processual {tempus regit actum). Do princípio tempus regit actum derivam dois efeitos: a) os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata, regulando o desenrolar restante do processo. Apesar de o art. 2o do CPP não estabelecer qualquer distinção entre as normas processuais, doutrina e jurisprudência têm trabalhado crescentemente com uma subdivisão dessas regras: a) normas genuinamente processuais: são aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. A elas se aplica o art. 2o do CPP; b) normas processuais materiais (mistas ou híbridas): são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais penais são aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna. Não há consenso na doutrina acerca do conceito de normas processuais materiais ou mistas. Uma primeira corrente sustenta que normas processuais materiais ou mistas são aquelas que, apesar de disciplinadas em diplomas processuais penais, dispõem sobre o conteúdo da pretensão punitiva, tais como aquelas relativas ao direito de queixa, ao de representação, à prescrição e à decadência, ao perdão, à perempção, etc.149 Uma segunda corrente, de caráter ampliativo, sustenta que normas processuais materiais são aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, meios de prova, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que produzam reflexos no direito de liberdade do agente - , ou seja, todas as normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão.150 Independentemente da corrente que se queira adotar, é certo que às normas processuais materiais se aplica o mesmo critério do direito penal, isto é, tratando-se de norma benéfica ao 149 Com esse entendimento: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5 ̂ ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 139. Para o autor, as regras vinculadas à prisão do réu também devem ser consideradas normas processuais penais materiais, uma vez que se referem à liberdade do indivíduo. 150 Nesse sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. Coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 22. M ANUAL DE PR O CESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima98 agente, mesmo depois de sua revogação, referida lei continuará a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência (ultratividade da lei processual penal mista mais benéfica); na hipótese de novatio legis in mellius, referida norma será dotada de caráter retroativo, a ela se conferindo o poder de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. São inúmeros os exemplos de normas processuais materiais que têm se sucedido no tem po.151 Vejamos alguns deles. 5.1. Lei n° 9.099/95 e seu caráter retroativo De acordo com o art. 90 da Lei n° 9.099/95, as disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais não seriam aplicáveis aos processos penais cuja instrução já estivesse iniciada. Dis cutiu-se, à época, se seria possível que esse dispositivo restringisse a aplicação da referida lei aos processos penais cuja instrução já estivesse em curso. Sem dúvida alguma, trata-se a Lei n° 9.099/95 de norma processual híbrida ou mista, por quanto reúne dispositivos de natureza genuinamente processual e de natureza material. De fato, no tocante ao procedimento sumaríssimo ali previsto, fica evidente que se aplica o art. 2o do CPP, já que se trata de norma genuinamente processual. Não obstante, não se pode perder de vista que a Lei n° 9.099/95 também introduziu no ordenamento jurídico institutos despenalizadoresFederal.................................................. 435 4.3. Crimes políticos e infrações penais pra ticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluí das as contravenções penais e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (CF, Art. 109, inciso IV)...................... 435 4.3.1. Crimes políticos.............................. 435 4.3.2. Crimes contra a União.................... 436 4.3.3. Crimes contra autarquias federais .. 437 4.3.4. Crimes contra empresas públicas federais...................................................... 438 4.3.5. Crimes contra fundações públicas federais...................................................... 440 4.3.6. Crimes contra entidades de fis calização profissional................................ 440 4.3.7. Crimes contra a Ordem dos Ad vogados do Brasil (OAB)........................... 441 4.3.8. Crimes contra sociedades de eco nomia mista, concessionárias e permis- sionárías de serviço público federal......... 442 4.3.9. Bens, serviços ou interesse da União, das autarquias federais (funda ções públicas federais) e das empresas públicas federais....................................... 443 4.3.10. Crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei n9 10.826/03).......... 449 4.3.11. Crimes contra a Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar da União .. 450 4.3.12. Crime praticado contra funcio nário público federal................................ 451 4.3.13. Crime praticado por funcionário público federal......................................... 453 4.3.14. Tribunal do Júri Federal................ 454 4.3.15. Crimes contra o meio ambiente.... 455 4.3.16. Crimes contra a fé pública............ 459 4.3.17. Execução penal............................. 466 4.3.18. Contravenções penais.................. 467 4.3.19. Atos infracionais........................... 468 4.3.20. Crimes previstos na Lei Antiter- rorismo (Lei n5 13.260/16)........................ 468 4.4. Crimes previstos em tratado ou conven ção internacional, quando, iniciada a execu ção no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciproca mente (CF, Art. 109, inciso V).......................... 469 4.4.1. Tráfico internacional de drogas...... 471 4.4.2. Rol exemplifícativo de crimes de competência da Justiça Federal com fundamento no art. 109, inciso V, da Constituição Federal................................. 475 4.5. Incidente de Deslocamento de Compe tência para a Justiça Federal (CF, Art. 109, V-A, c/c Art. 109, § 59).................................... 479 4.6. Crimes contra a organização do tra balho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem eco- nômico-financeira (CF, Art. 109, VI)............... 482 4.6.1. Crimes contra a organização do trabalho..................................................... 482 4.6.2. Crimes contra o sistema financei ro e a ordem econômico-financeira......... 485 4.6.2.1. Varas especializadas para pro cessar e julgar os crimes contra o siste ma financeiro nacional e os delitos de lavagem de capitais.................................. 489 4.7. Habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangi mento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição (CF, Art. 109, VII)............................. 491 4.8. Mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos Tribunais Federais (CF, Art. 109, VIII)........................................................... 492 4.9. Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar (CF, Art. 109, inciso IX)............. 493 4.10. Crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (CF, Art. 109, X)......... 495 4.11. Disputa sobre direitos indígenas (CF, Art. 109, XI)...................................................... 496 4.11.1. Genocídio contra índios............ 498 4.12. Conexão entre crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual.......... 500 5. Competência Criminal da Justiça Estadual......... 501 6. Justiça Política ou Extraordinária....................... 502 CAPÍTULO III - COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO...................................... 506 1. Conceito.............................................................. 506 2. Regras básicas..................................................... 507 2.1. Investigação e indiciamento de pessoas com foro por prerrogativa de função.............. 507 2.2. Arquivamento de inquérito nas hipóte ses de atribuição originária do Procurador- -Geral de Justiça ou do Procurador-Geral da República.......................................................... 507 2.3. Duplo grau de jurisdição.......................... 507 2.4. Crime cometido durante o exercício funcional (regra da contemporaneidade)....... 507 2.5. Infração penal praticada antes do exer cício funcional (regra da atualidade)............... 510 SUMÁRIO 17 2.6. Crime cometido após o exercício fun cional................................................................ 513 2.7. Dicotomia entre crime comum e crime de responsabilidade......................................... 513 2.8. Local da infração...................................... 514 2.9. Crime doloso contra a vida...................... 515 2.10. Hipóteses de concurso de agentes......... 516 2.11. Constituições Estaduais e princípio da simetria............................................................ 518 2.12. Exceção da verdade................................ 520 2.13. Atribuições dos membros do Ministé rio Público perante os Tribunais Superiores.... 522 2.14. Procedimento originário dos Tribunais... 523 3. Casuística............................................................. 524 3.1. Quanto à competência dos Tribunais....... 524 3.1.1. Supremo Tribunal Federal.............. 524 3.1.2. Superior Tribunal de Justiça........... 525 3.1.3. Tribunal Superior Eleitoral.............. 527 3.1.4. Superior Tribunal Militar................ 527 3.1.5. Tribunais Regionais Federais.......... 527 3.1.6. Tribunais Regionais Eleitorais......... 528 3.1.7. Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal................................. 528 3.1.8. Tribunal de Justiça Militar do Es tado de São Paulo.................................... 529 3.1.9. Senado Federal............................... 529 3.1.10. Tribunal Especial........................... 530 3.1.11. Câmara Municipal........................ 530 3.2. Quanto aos titulares de foro por prer rogativa de função............................................ 530 3.2.1. Presidente da República................. 530 3.2.2. Deputados federais e Senadores.... 531 3.2.3. Ministros de Estado........................ 532 3.2.4. Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.................................... 533 3.2.5. Governador de Estado................... 534 3.2.6. Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Fe deral e membros dos Tribunais Regio nais Federais.............................................. 536 3.2.7. Membros do Ministério Público Estadual e Juizes Estaduais....................... 536 3.2.8. Membros do Ministério Público da União.................................................... 538 3.2.9. Deputados Estaduais...................... 539 3.2.10. Prefeitos municipais..................... 540 3.2.11. Vereadores................................... 542 4. Quadro sinóptico de competência por prerro gativa de função...................................................... 543 CAPÍTULO IV - COMPETÊNCIA TERRITORIAL ... 545 1. Introdução........................................................... 545 2. Competência territorial pelo lugar da consu mação da infração.................................................. 545 3. Casuística.............................................................546 3.1. Quanto às espécies de infração penal...... 546 3.1.1. Crimes de mera conduta................ 546 3.1.2. Crimes formais............................... 547 3.1.3. Crimes materiais............................. 547 3.1.4. Crimes qualificados pelo resultado. 548 3.1.5. Crimes permanentes...................... 548 3.1.6. Infrações em continuidade delitiva. 548 3.1.7. Crimes plurilocais: princípio do esboço do resultado................................. 548 3.1.8. Crimes à distância ou de espaço máximo...................................................... 549 3.1.9. Crimes cometidos no estrangeiro... 550 3.1.10. Infrações cometidas a bordo de embarcações ou aeronaves...................... 552 3.1.11. Infrações cometidas na divisa de duas ou mais comarcas....................... 553 3.1.12. Crimes previstos na Lei de Im prensa (ADPF ne 130)............................... 553 3.1.13. Crimes falimentares..................... 554 3.1.14. Atos infracionais........................... 554 3.2. Quanto aos crimes em espécie.............. 554 4. Competência territorial pela residência ou domicílio do réu ...................................................... 557 5. Competência territorial na Justiça Federal, na Justiça Militar (da União e dos Estados) e na Justiça Eleitoral........................................................ 559 CAPÍTULO V - COMPETÊNCIA DE JUÍZO............... 560 1. Determinação do juízo competente................... 560 2. Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher...................................................... 561 3. Juízo colegiado em primeiro grau de jurisdi ção para o julgamento de crimes praticados por organizações criminosas......................................... 566 3.1. Conceito legal de organizações crimino sas 566 3.2. Formação do juízo colegiado em primei ro grau.............................................................. 569 4. Competência do Juízo da Execução Penal.......... 575 5. Competência por distribuição............................ 579 6. Competência por prevenção.............................. 580 CAPÍTULO VI - MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA................................................................... 584 1. Conexão e continência.................................... 584 1.1. Introdução............................................. 584 18 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 1.2. Conexão..................................................... 586 1.3. Continência.............................................. 587 1.4. Efeitos da conexão e da continência........ 588 1.5. Foro prevalente........................................ 590 1.5.1. Competência prevalente do Tri bunal do Júri.............................................. 590 1.5.2. Jurisdições distintas........................ 590 1.5.2.1. Concurso entre a jurisdição comum e a especial.................................. 590 1.5.2.2. Concurso entre órgãos de juris dição superior e inferior........................... 591 1.5.2.3. Concurso entre a Justiça Fede ral e a Estadual......................................... 591 1.5.3. Jurisdições da mesma categoria..... 591 1.6. Separação de processos........................... 592 1.6.1. Separação obrigatória dos pro cessos ........................................................ 593 1.6.1.1. Concurso entre a jurisdição comum e a militar.................................... 593 1.6.1.2. Concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.............. 593 1.6.1.3. Doença mental superveniente à prática delituosa.................................... 594 1.6.1.4. Citação por edital de um dos corréus, seguida de seu não-compare- cimento e não-constituição de defensor .. 594 1.6.1.5. Antiga hipótese de ausência de intimação da pronúncia ou de não- -comparecimento do acusado à sessão de julgamento do júri, em se tratando de crime inafiançável............................... 594 1.6.1.6. Recusas peremptórias no júri...... 595 1.6.1.7. Suspensão do processo em re lação ao colaborador................................ 595 1.6.2. Separação facultativa de processos 595 1.6.2.1. Infrações praticadas em cir cunstâncias de tempo ou de lugar di ferentes ..................................................... 597 1.6.2.2. Excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão pro visória........................................................ 597 1.6.2.3. Motivo relevante pelo qual o juiz repute conveniente a separação....... 598 1.7. Perpetuação da competência nas hipó teses de conexão e continência...................... 598 2. Prorrogação de competência............................. 600 3. Perpetuação de competência............................. 601 TÍTULO 5 • PROVAS........................................................ 605 CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DAS PROVAS........ 605 1. Terminologia da prova..................................... 605 1.1. Acepções da palavra prova.................... 605 1.2. Distinção entre prova e elementos in formativos ........................................................ 606 1.3. Provas cautelares, não repetíveis e an tecipadas .......................................................... 607 1.4. Destinatários da prova............................. 609 1.5. Elemento de prova e resultado da prova.. 609 1.6. Finalidade da prova.................................. 610 1.7. Sujeitos da prova...................................... 610 1.8. Forma da prova........................................ 611 1.9. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova..................................... 611 1.9.1. Meios extraordinários de ob tenção de prova (técnicas especiais de investigação)............................................. 613 1.10. Prova direta e prova indireta.................. 613 1.11. Indício: prova indireta ou prova semi- plena................................................................. 614 1.12. Suspeita................................................... 615 1.13. Objeto da prova..................................... 616 1.14. Prova direta (positiva) e contrária (ne gativa); a contraprova..................................... 618 1.15. Prova emprestada.................................. 619 1.16. Prova nominada e prova inominada...... 622 1.17. Prova típica e prova atípica.................... 622 1.18. Prova anômala e prova irritual............... 623 1.19. Critérios de decisão (standards proba tórios) ............................................................... 624 1.20. Cadeia de custódia das provas............... 625 2. Ônus da prova..................................................... 627 2.1. Conceito.................................................... 627 2.2. Ônus da prova perfeito e menos perfeito. 627 2.3. Ônus da prova objetivo e subjetivo......... 628 2.4. Distribuição do ônus da prova no pro cesso penal....................................................... 629 2.4.1. Ônus da prova da acusação e da defesa........................................................ 629 2.4.2. Ônus da prova exclusivo da acu sação 631 2.5. Inversão do ônus da prova....................... 633 3. Iniciativa probatória do juiz: a gestão da prova pelo magistrado..................................................... 634 3.1. Iniciativa probatória do juiz na fase in- vestigatória....................................................... 634 3.2. Iniciativa probatória do juiz no curso do processo penal................................................. 635 4. Sistemas de avaliação da prova.......................... 637 4.1. Sistema da íntima convicção do magis trado................................................................. 637 4.2. Sistema da prova tarifada........................ 638 4.3. Sistema do convencimento motivado (persuasão racional do juiz)............................ 639 SUMÁRIO 19 5. Da prova ilegal..................................................... 641 5.1. Limitações ao direitoà prova................... 641 5.1.1. Provas ilícitas e ilegítimas............... 642 5.1.2. Tratamento da (in) admissibilida de das provas ilícitas e ilegítimas............. 644 5.2. Prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada)......................... 646 5.3. Limitações à prova ilícita por derivação.... 649 5.3.1. Da teoria da fonte independente.... 649 5.3.2. Teoria da descoberta inevitável..... 650 5.3.3. Limitação da mancha purgada (vícios sanados ou tinta diluída)............... 652 5.3.4. Exceção da boa-fé.......................... 654 5.3.5. A teoria do risco............................. 654 5.3.6. Limitação da destruição da men tira do imputado...................................... 655 5.3.7. Doutrina da visão aberta................ 655 5.3.7.1. Teoria do encontro fortuito de provas (serendipidade) e crime achado.... 656 5.3.8. Limitação da renúncia do interes sado 658 5.3.9. A limitação da infração constitu cional alheia.............................................. 659 5.3.10. A limitação da infração constitu cional por pessoas que não fazem parte do órgão policial....................................... 659 5.4. Inutilização da prova ilícita....................... 660 5.4.1. Inutilização da prova ilícita no Tribunal do Júri.......................................... 662 5.5. Descontaminação do julgado................... 663 6. Princípios relativos à prova penal...................... 663 6.1. Princípio da proporcionalidade................ 663 6.1.1. Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro reo.................................. 663 6.1.2. Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro societate......................... 664 6.2. Princípio da comunhão da prova............. 667 6.3. Princípio da autorresponsabilidade das partes............................................................... 667 6.4. Princípio da oralidade.............................. 667 6.4.1. Princípio da identidade física do juiz............................................................. 668 6.4.1.1. Magistrados instrutores e prin cípio da identidade física do juiz.............. 670 6.5. Princípio da liberdade probatória............ 671 6.5.1. Liberdade probatória quanto ao momento da prova................................... 672 6.5.2. Liberdade probatória quanto ao tema da prova........................................... 672 6.5.3. Liberdade probatória quanto aos meios de prova......................................... 672 6.6. Princípio do favor rei............................. 674 CAPÍTULO II - MEIOS DE PROVA E MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA EM ESPÉCIE................ 674 1. Exame de corpo de delito e outras perícias....... 674 1.1. Corpo de delito......................................... 674 1.2. Exame de corpo de delito e outras pe rícias ................................................................. 675 1.3. Laudo pericial............................................ 676 1.3.1. Momento para a juntada do lau do pericial.................................................. 677 1.3.2. Sistemas de apreciação dos lau dos periciais.............................................. 678 1.3.3. Laudo pericial e contraditório........ 678 1.4. Obrigatoriedade do exame de corpo de delito: infrações transeuntes e não tran seuntes............................................................. 678 1.5. Exame de corpo de delito direto e indi reto................................................................... 679 1.5.1. Casuística........................................ 680 1.6. Ausência do exame de corpo de delito.... 683 1.7. Peritos: oficiais e não oficiais................... 684 1.7.1. Número de peritos......................... 685 1.8. Assistente técnico..................................... 687 1.9. Autópsia e exumação para exame ca- davérico............................................................ 688 1.10. Laudo pericial complementar no crime de lesões corporais.......................................... 688 1.11. Exame pericial de local de crime............ 689 1.12. Perícias de laboratório........................... 689 1.13. Exame pericial para avaliação do pre juízo causado pelo delito................................. 689 1.14. Exame pericial nos casos de incêndio.... 690 1.15. Exame pericial para reconhecimento de escritos....................................................... 690 1.16. Exame pericial dos instrumentos do crime................................................................ 690 1.17. Exame pericial por meio de carta pre catória .............................................................. 690 2. Interrogatório judicial......................................... 691 2.1. Conceito................................................... 691 2.2. Natureza jurídica...................................... 691 2.3. Momento para a realização do interro gatório .............................................................. 692 2.4. Condução coercitiva................................. 694 2.5. Foro competente para a realização do interrogatório................................................... 696 2.6. Ausência do interrogatório....................... 696 2.7. Características do interrogatório.............. 697 2.7.1. Ato personalíssimo......................... 697 2.7.2. Ato contraditório............................ 697 20 MANUAL DE PROCESSO PENAL - Renato Brasileiro de Lima 2.7.3. Ato assistido tecnicamente............ 698 2.7.4. Ato oral........................................... 699 2.7.5. Ato individual................................. 699 2.7.6. Ato bifásico..................................... 700 2.7.7. Ato protegido pelo direito ao si lêncio 700 2.7.8. Liberdade de autodeterminação.... 701 2.7.9. Ato público..................................... 703 2.7.10. Ato realizável a qualquer mo mento, antes do trânsito em julgado....... 703 2.8. Local da realização do interrogatório....... 704 2.9. Nomeação de curador.............................. 705 2.10. Interrogatório por videoconferência...... 705 2.10.1. Breve histórico da Lei ne 11.900/09: a Lei paulista ne 11.819/05 705 2.10.2. A entrada em vigor da Lei n2 11.900/09............................................ 706 2.10.3. Finalidades do uso da videocon ferência...................................................... 708 2.10.4. Intimação das partes da realiza ção da videoconferência.......................... 709 2.10.5. Direito de presença remota do acusado aos demais atos da audiência una de instrução e julgamento................ 709 2.10.6. Direito de entrevista prévia e reservada com o defensor........................ 709 2.10.7. Da (in) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência........ 710 3. Confissão............................................................. 711 3.1. Conceito.................................................... 711 3.2. Classificação da confissão........................ 712 3.3. Características da confissão..................... 712 3.4. Valor probatório da confissão.................. 713 3.5. Circunstância atenuante da confissão...... 713 4. Declarações do ofendido.................................... 714 5. Prova testemunhai............................................. 715 5.1. Conceito de testemunha e sua natureza jurídica.............................................................. 715 5.2. Características da prova testemunhai...... 715 5.3. Deveres das testemunhas........................ 717 5.3.1. Dever de depor.............................. 717 5.3.2. Dever de comparecimento............. 718 5.3.3. Dever de prestar o compromisso de dizer a verdade.................................... 721 5.3.4. Dever de comunicar mudança de residência.................................................. 722 5.4. Espécies de testemunhas......................... 722 5.4.1. Testemunhas vulneráveis e de poimento sem dano (depoimento es pecial)........................................................724 5.5. Procedimento para a oitiva de testemu nhas.................................................................. 725 5.5.1. Apresentação do rol de testemu nhas 725 5.5.2. Intimação das testemunhas........... 726 5.5.3. Substituição de testemunhas......... 727 5.5.4. Desistência da oitiva de testemu nhas 727 5.5.5. Incomunicabilidade das testemu nhas 728 5.5.6. Retirada do acusado da sala de audiência................................................... 728 5.5.7. Assunção do compromisso de dizer a verdade.......................................... 729 5.5.8. Qualificação da testemunha.......... 729 5.5.9. Contradita e arguição de parcia lidade da testemunha.............................. 730 5.5.10. Colheita do depoimento: exa me direto (direct-examination) e exame cruzado (cross-examination).................... 730 5.5.11. Inversão da ordem de oitiva das testemunhas.............................................. 733 5.6. Direito ao confronto e produção de prova testemunhai incriminadora................... 734 5.6.1. Testemunhas anônimas e direito ao confronto.............................................. 736 5.6.2. Testemunhas ausentes e direito ao confronto.............................................. 738 6. Reconhecimento de pessoas e coisas................ 739 6.1. Conceito e natureza jurídica..................... 739 6.2. Procedimento............................................ 740 6.3. Reconhecimento fotográfico e fonográ- fico.................................................................... 740 7. Acareação............................................................ 741 7.1. Conceito e natureza jurídica..................... 741 7.2. Procedimento probatório......................... 742 7.3. Valor probatório........................................ 743 8. Prova documental............................................... 743 8.1. Conceito e espécies................................... 743 8.2. Produção da prova documental............... 744 8.3. Tradução de documentos em língua estrangeira........................................................ 746 8.4. Restituição de documentos...................... 746 9. Indícios................................................................ 746 10. Busca e apreensão............................................ 746 10.1. Conceito e natureza jurídica................... 746 10.2. Iniciativa e decretação........................... 747 10.3. Objeto...................................................... 748 10.4. Espécies de busca.................................... 750 10.4.1. Busca domiciliar........................ 750 10.4.1.1. Mandado de busca e apreensão 755 SUMÁRIO 21 10.4.1.2. Execução da busca domiciliar.... 756 10.4.1.3. Descoberta de outros elemen tos probatórios e teoria do encontro fortuito de provas..................................... 757 10.4.2. Busca pessoal............................. 758 11. Interceptação telefônica................................. 759 11.1. Sigilo da correspondência, das comu nicações telegráficas, de dados e das comu nicações telefônicas......................................... 759 11.2. Direito intertemporal e Lei n3 9.296/96.. 760 11.3. Conceito de interceptação..................... 762 11.4. Interceptação e escuta ambiental.......... 764 11.5. Gravações clandestinas (telefônicas e ambientais)....................................................... 766 11.6. Comunicações telefônicas de qualquer natureza............................................................ 769 11.6.1. Gerações de provas (trilogia Ol- mstead-Katz-Kyllo) e (des) necessidade de autorização judicial para a extração de dados e de conversas registradas em aparelhos celulares apreendidos.............. 771 11.6.1.1. Direito probatório de l 3 gera ção: o caso Olmstead............................... 771 11.6.1.2. Direito probatório de 23 gera ção: o caso Katz......................................... 772 11.6.1.3. Direito probatório de 33 gera ção: o caso Kyllo....................................... 772 11.6.1.4. (Des) necessidade de autori zação judicial prévia para a extração de dados e de conversas registradas em aparelhos celulares apreendidos............. 773 11.7. Quebra do sigilo de dados telefônicos.... 775 11.8. Finalidade da interceptação telefônica: obtenção de elementos probatórios em in vestigação criminal ou instrução processual penal................................................................. 776 11.9. Requisitos para a interceptação tele fônica................................................................ 778 11.9.1. Ordem fundamentada da auto ridade judiciária competente (teoria do juízo aparente)......................................... 779 11.9.1.1. Da fundamentação da decisão... 782 11.9.2 Indícios razoáveis de autoria ou participação.............................................. 783 11.9.3. Quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis........... 784 11.9.4. Infração penal punida com pena de reclusão (crime de catálogo)............... 785 11.9.5. Delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação............................................ 786 11.10. Sigilo profissional do advogado............ 787 11.11. Encontro fortuito de elementos pro batórios em relação a outros fatos delituo sos (serendipidade)......................................... 788 11.11.1. Encontro fortuito de diálogos mantidos com autoridade dotada de foro por prerrogativa de função e mo mento adequado para a remessa dos autos ao Tribunal competente................. 790 11.12. Procedimento....................................... 792 11.13. Decretação da interceptação telefô nica de ofício pelo juiz..................................... 793 11.14. Segredo de justiça................................ 794 11.15. Duração da interceptação.................... 794 11.16. Execução da interceptação telefônica... 796 11.17. Incidente de inutilização da gravação que não interessar à prova.............................. 799 11.18. Resolução n3 59 do Conselho Nacio nal de Justiça.................................................... 800 11.19. Caso Escher e outros (Corte Intera- mericana de Direitos Humanos)...................... 801 12. Quebra do sigilo de dados bancários, finan ceiros e fiscais......................................................... 801 13. Colaboração premiada..................................... 807 13.1. Origem e conceito.................................. 807 13.2. Distinção entre colaboração premiada e delação premiada (chamamento de corréu). 808 13.3. Ética e moral........................................... 810 13.4. Direito ao silêncio................................... 810 13.5. Previsão normativa................................. 811 13.5.1. Lei de proteção às testemunhas (Lei n3 9.807/99)...................................... 815 13.5.2. Nova Lei das Organizações Cri minosas (Lei n3 12.850/13)...................... 816 13.6. Voluntariedade e motivação da cola boração............................................................. 818 13.7. Eficácia objetiva da colaboração pre miada................................................................ 819 13.8. Prêmios legais........................................ 821 13.9. Natureza jurídica da colaboração pre miada................................................................ 827 13.10. Valor probatório da colaboração pre miada: regra da corroboração......................... 828 13.11. Acordo de colaboração premiada........ 830 13.11.1. Legitimidade para a celebração do acordo de colaboração premiada....... 832 13.11.2. Retratação do acordo................. 835 13.11.2.1. Distinção entre retratação, rescisão e anulação do acordo de cola boração premiada.................................... 836 13.11.3. Intervenção do juiz..................... 837 13.11.4. Momento para a celebração do acordo de colaboração premiada....... 841 13.11.5. Publicidade