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GLEIDSON JORDAN DOS SANTOS O VÍNCULO AFETIVO EM GRUPOS MUSICAIS AMADORES: ESTUDO NA CORPORAÇÃO MUSICAL SÃO SEBASTIÃO DE SANTA CRUZ DE MINAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA SÃO JOÃO DEL-REI 2013 GLEIDSON JORDAN DOS SANTOS O VÍNCULO AFETIVO EM GRUPOS MUSICAIS AMADORES: ESTUDO NA CORPORAÇÃO MUSICAL SÃO SEBASTIÃO DE SANTA CRUZ DE MINAS Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão do Curso de Licenciatura em Música com habilitação em Educação Musical, da Universidade Federal de São João del-Rei, tendo como orientadora a Profa. Maria Amélia de Resende Viegas. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA SÃO JOÃO DEL-REI 2013 GLEIDSON JORDAN DOS SANTOS O VÍNCULO AFETIVO EM GRUPOS MUSICAIS AMADORES: ESTUDO NA CORPORAÇÃO MUSICAL SÃO SEBASTIÃO DE SANTA CRUZ DE MINAS Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão do Curso de Licenciatura em Música com habilitação em Educação Musical, da Universidade Federal de São João del-Rei, tendo como orientadora a Profa. Maria Amélia de Resende Viegas. BANCA EXAMINADORA: _________________________________________________ Profa. Maria Amélia de Resende Viegas _________________________________________________ Profa. Liliana Botelho Pereira _________________________________________________ Profa. Mariana Rennó Jelen SÃO JOÃO DEL-REI, ________ de abril de 2013. Dedico este trabalho aos músicos e educadores que assim como eu acreditam na influência dos laços afetivos sobre a prática musical e no desenvolvimento psíquico e intelectual, e a todos que contribuíram para sua realização. AGRADECIMENTOS A Deus, a meus pais Antônio e Eunice, a meus irmãos e a meus amigos pelo suporte inestimável dado a mim durante minha trajetória até este momento. Aos membros da Corporação Musical São Sebastião de Santa Cruz de Minas por toda disponibilidade, carinho e atenção que contribuíram muito para a realização da minha pesquisa. Aos colegas e professores do Curso de Psicologia da UFSJ, em especial a Profa. Dra. Kety Valéria Simões Franciscatti e a aluna Sara Santos Caetano que muito contribuíram para a elaboração do projeto que deu origem a esta Monografia. Aos colegas e professores do Curso de Música da UFSJ pelo carinho e contribuições, em especial a minha orientadora Profa. Maria Amélia de Resende Viegas que abraçou junto a mim esta Monografia, à Profa. Mariana Rennó Jelen que contribuiu para o desenvolvimento da minha pesquisa e colaborou constantemente com sua experiência, e à Profa. Liliana Pereira Botelho pela atenção e disponibilidade concedida a mim. Toda a natureza pode estar adormecida, mas aquele que a contempla não dorme e a arte do músico consiste em substituir à imagem insensível do objeto, a dos movimentos que sua presença excita no coração do contemplador. Ela não somente agitará o mar, animará as chamas de um incêndio, fará correr os regatos, cair a chuva e engrossar as torrentes, mas pintará o horror de um deserto medonho, enegrecerá os muros de uma prisão subterrânea, acalmará a tempestade, tornará o ar tranquilo e sereno, e da orquestra derramará um frescor novo sobre o arvoredo. JEAN JACQUES ROUSSEAU RESUMO Esta Monografia aborda os vínculos afetivos criados por membros de grupos musicais durante sua prática cotidiana em conjunto, o que inclui as relações desenvolvidas com o professor e regente e as afinidades encontradas entre os participantes. Parte-se da Teoria do Vínculo e do Processo Grupal abordados por Enrique Pichón-Rivière, associado ao conceito de Integração no ensino e prática musical exposto por Hans-Joachim Koellreutter e apoiado por Stephen Nachmanovitch. A função social da banda de música civil e a pedagogia utilizada nas mesmas são especificadas para ilustrar os processos que contribuem para essa integração. A pesquisa foi realizada na Corporação Musical São Sebastião da cidade de Santa Cruz de Minas através do método de Observação Participante. Palavras-chave: Vínculo; Educação Musical; Processo Grupal; Corporação Musical; Função Social da Música. ABSTRACT This work addresses the emotional bonds created by members of musical groups during their daily practice together, which includes the relationships developed the between teacher and conductor and the affinities found among participants. It starts with the Binding Theory and Group Process approached by Enrique Pichón-Rivière, associated with the concept of integration in the teaching and practice of music exposed by Hans-Joachim Koellreutter and supported by Stephen Nachmanovitch. The social function of marching band and pedagogy used in the same are specified to illustrate the processes that contribute to this integration. The survey was conducted in the Corporação Musical São Sebastião of Santa Cruz de Minas city, through the method of Participant Observation. Keywords: Linking, Music Education; Group Process; Marching Band; Social Function of Music. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8 CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 12 1.1 INTRODUZINDO OS CONCEITOS DE VÍNCULO E RELAÇÃO GRUPAL DE PICHÓN-RIVIÈRE...............................................................................................................12 1.2 AS RELAÇÕES ENTRE ENSINO, PRÁTICA MUSICAL E INTEGRAÇÃO GRUPAL..............................................................................................................................15 1.2.1 Koellreutter e a universalização do ensino de música em promoção da integração social.................................................................................................................................. 15 1.2.2 A criação musical compartilhada segundo Stephen Nachmanovitch ....................... 17 1.3 A MOTIVAÇÃO, O ENSINO DE MÚSICA E SUA PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO.........................................................................................19 CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 23 2.1 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE AS BANDAS DE MÚSICA CIVIS..............23 2.2 A BANDA DE MÚSICA CIVIL....................................................................................25 2.2.1 A função da banda de música civil........................................................................... 25 2.2.2 O processo de aprendizagem na banda de música civil ........................................... 27 CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 33 3.1 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE APLICADA A PESQUISA NA CMSS...................................................................................................................................33 3.2 OBSERVAÇÕES REALIZADAS NA CMSS...............................................................34 3.3 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS APLICADOS NA CMSS...................................37 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 41 ANEXOS ..................................................................................................................................43 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 52 GLOSSÁRIO ............................................................................................................................ 55 8 INTRODUÇÃO A ideia de realizar este projeto surgiu da participação durante nove anos do pesquisador no grupo apresentado aqui como objeto de estudo, o que motivou seu interesse em estudar e compreender as relações interpessoais que acontecem dentro dos grupos musicais. A observação constante de aspectos relacionados aos vínculos estabelecidos dentro do grupo intrigou o investigador a se aprofundar na área ingressando em disciplinas da Universidade Federal de São João del-Rei que abordam a subjetividade. Pode-se destacar a influência da disciplina Método de Pesquisa Qualitativo do sétimo período do curso de Psicologia Integral, onde esta pesquisa teve seu apoio com base na leitura de autores dessa área. O caráter social da prática musical em grupos filantrópicos tem sido amplamente mencionado e influenciado diversos estudos (GONÇALVES et al., 2009; PENNA, 1990; PAREJO, 2001; entre outros) na área de Educação Musical. Todavia, a maioria foca-se mais nos processos socioculturais em si, sem relacioná-los às questões propriamente musicais ou do ensino musical. Através do interesse em aprofundar e compreender estas questões surgiu a ideia de realizar a presente pesquisa em um grupo musical, abordando aspectos relacionados ao vínculo interno do grupo, sua integração social, e como a música aí se insere. A convivência grupal fortalece os laços afetivos e a capacidade de interação social do indivíduo. Nesse contexto, podem-se citar os grupos musicais como um espaço em potencial que colabora com a comunicação e a interação grupal, estimulando o desenvolvimento das qualidades afetivas com base na prática e aprendizado musical, conforme será explorado ao longo deste trabalho. Os grupos musicais desenvolvem um vínculo em prol da obtenção dos seus objetivos: uma performance musical de sucesso e digna de apreciação. Para atingi-los, os membros desses conjuntos passam por um processo contínuo de interação envolvendo a aprendizagem, a colaboração mútua, o convívio regular, os processos de comunicação, dentre outras. Nesse contexto, desenvolve-se a capacidade de integração social dos indivíduos e as relações afetivas em níveis distintos. Para aprofundamento do conceito envolto no processo de integração grupal, foi utilizada a Teoria do Vínculo desenvolvida por Enrique Pichón-Rivière. O vínculo está relacionado aqui às relações interpessoais entre os indivíduos (comunicação, trabalho em 9 equipe, rivalidade, afinidade, semelhanças, diferenças e afins), e suas consequências para o grupo (companheirismo, amizade, integração e afins). Da educação musical, utilizamos algumas ideias do educador e compositor H.J Koellreutter, que defende que a Educação Musical deve adquirir um papel de construção social, promovendo a integração dos indivíduos. Como hipótese deste trabalho tem-se que a prática musical e o processo de aprendizagem da música são instrumentos facilitadores do processo de integração social e da construção de vínculos interpessoais, por tratar-se de um fenômeno que gera emoções, despertando diversos sentimentos relacionados à subjetividade. Na ausência destes aspectos, a prática musical em conjunto pode ser prejudicada, resultando em uma performance musical fraca, incapaz de atingir e explorar suas potencialidades, já que um músico está dependentemente integrado ao outro nessa atividade grupal. É importante ressaltar que o presente estudo foca-se em grupos musicais amadores e filantrópicos. Na cidade mineira de Santa Cruz de Minas, pode-se destacar o importante papel realizado pela Corporação Musical São Sebastião- CMSS, onde realizamos nossa pesquisa. A CMSS, conforme seu estatuto, é uma banda de música civil sem fins lucrativos com o objetivo de disseminar a arte musical. Esta entidade oferece aulas gratuitas de teoria musical e de instrumentos de sopro e percussão, além de manter uma Banda de Música tradicional mineira atuando em procissões, festividades e eventos diversos. As atividades realizadas por corporações musicais como esta desenvolvem a integração social dos seus membros fortalecendo o vínculo entre eles. A Corporação Musical São Sebastião de Santa Cruz de Minas, foi fundada em 1997 e inaugurada em janeiro de 2001, não possui nenhum cunho político ou religioso. Apresenta-se como uma entidade filantrópica privada mantendo-se com recursos próprios e donativos. Seu principal objetivo é o ensino de música e a manutenção de uma Banda de Música Civil. Através desta pesquisa, buscou-se identificar os aspectos da aprendizagem musical que se relacionam ao desenvolvimento dos vínculos, caracterizando de que forma estes influenciam na integração social de seus membros. E, consequentemente, como esses vínculos influenciam na performance musical do grupo. Partindo das reflexões de integração e da influência da música nesse contexto, sob a luz dos pensamentos de Hans-Joachim Koellreutter e Enrique Pichón-Rivière, buscou-se neste trabalho encontrar, dentre outros, fatores qualitativos que revelam a importância da 10 música para o grupo principalmente no que lhe concerne a integração e a performance musical. Pensou-se assim, em tratar os aspectos musicais, principalmente os da prática musical em conjunto, como ferramenta de integração entre os indivíduos neles inseridos. O primeiro capítulo deste trabalho apresenta o referencial teórico utilizado, sintetizando a Teoria do Vínculo e o Processo Grupal de Enrique Pichón-Rivière, bem como os temas relacionados à integração e à educação musical de Hans-Joachim Koellreutter. Além disso, busca-se contextualizar a motivação e sua importância para a experiência grupal. No segundo capítulo realizou-se uma revisão da literatura existente relativa às corporações musicais que tratam de temáticas afins a este trabalho. Abordaram-se também neste capítulo, a função da banda civil, a atividade pedagógica existente na mesma, e como ambos estão presentes na Corporação Musical São Sebastião de Santa Cruz de Minas. O terceiro capítulo revela a metodologia utilizada para a realização da pesquisa, demonstrando como a mesma foi aplicada. Apresentam-se também os dados coletados e os relaciona com as teorias presentes nos dois primeiros capítulos deste trabalho. Por fim, os resultados da pesquisa são analisados e levam à conclusão desta monografia. Ao final do trabalho, apresentamos um glossário para os termos que aparecem em itálico durante o trabalho. Dessa forma pretende-se esclarecer conceitos que podem levantar dúvidas ao leitor, principalmente os referentes ao campo de Psicologia. A Metodologia para a realização desta pesquisa se utilizou de instrumentais como a Observação Participante e entrevistas semiestruturadas e abertas. O pesquisador se inseriu no grupo foco da pesquisa, participando de todas as atividades realizadas durante cerca de oito meses, realizando as entrevistas com dezessete integrantes da banda, incluindo o regente e o presidente da Corporação Musical São Sebastião de Santa Cruz de Minas. O pesquisador foi membro efetivo da CMSS durante nove anos, onde obteve sua iniciação musical e instrumental. Após seu afastamento da entidade para dedicação aos estudos, esta pesquisa serviu como impulso para seu retorno à banda de música, se disponibilizando a contribuir com seus conhecimentos adquiridos durante a graduação em Música. O trabalho proposto nesta pesquisa torna-se relevante por ressaltar a importância dos grupos musicais no âmbito social e suas possibilidades de contribuição para o desenvolvimento cívico e das relações interpessoais do indivíduo. Com apoio desta pesquisa,pôde-se reforçar a característica civilizadora e integradora de um grupo musical filantrópico. A principal intenção ao pesquisar os vínculos nos grupos musicais foi a de conseguir identificar como eles surgem, como influenciam e como são influenciados pela prática 11 musical. É válido ressaltar a escassez de estudos relacionados a esse tema, havendo a necessidade de se realizar trabalhos de pesquisa nessa área pouco investigada. Buscou-se contribuir, dessa forma, para a sistematização de uma possível maneira de potencializar as relações grupais e amenizar conflitos futuros dentro desses grupos, servindo de referência para o desenvolvimento desses aspectos em grupos similares. 12 CAPÍTULO I 1.1 INTRODUZINDO OS CONCEITOS DE VÍNCULO E RELAÇÃO GRUPAL DE PICHÓN-RIVIÈRE As reflexões deste trabalho têm um alcance que extrapola o âmbito da educação musical ao relacionar o objeto de pesquisa a outras áreas do conhecimento. Sendo assim, para a sua realização foi necessário a compreensão dos conceitos relacionados às relações interpessoais, que são abordados pelo psicanalista de origem suíça, radicado na Argentina, Enrique Pichón-Rivière, que estudou e desvendou conceitos sobre o vínculo e o processo grupal. Este não estudou o homem como um ser isolado, mas sempre inserido em um grupo. De acordo com Pichón-Rivière (1988) existem três dimensões de investigação psíquica: a do indivíduo, a do grupo e a da sociedade. Esses três campos são interligados, integrando-se sucessivamente. O vínculo, como fruto das relações interpessoais, é apresentado como a maneira particular pela qual um indivíduo se relaciona com os demais. Segundo Pichón-Rivière (apud GONÇALVES et al., 2009) o conceito de vínculo está intimamente relacionado com o conceito de papel, status e de comunicação. Ele ainda afirma que existem vínculos individuais, estabelecidos entre pessoas, e vínculos grupais, estabelecidos entre grupos. Partindo dos pressupostos de Pichón-Rivière (1988) pode-se afirmar que dentro dos grupos é possível identificar diferentes patologias referentes aos vínculos, o que é trabalho para um profissional da área da psicologia social analisar. O grupo social no qual o indivíduo encontra-se inserido atua constantemente sobre a construção de um vínculo. O profissional que se dedica ao estudo do vínculo analisa o grupo investigado em suas dimensões, avaliando as tensões de um determinado indivíduo em relação aos demais membros do grupo, o grupo como uma totalidade em si e as funções internas do grupo. Estuda-se, dessa forma a influência que um indivíduo exerce sobre os outros com relação ao vínculo estabelecido por cada um. Conforme é afirmado por Pichón-Rivière (1988), para se compreender o vínculo é necessário partir das relações de independência e dependência entre os indivíduos de um determinado grupo. Quando um indivíduo depende do outro deposita partes internas suas nele, e quando acontece a retribuição do outro agindo da mesma forma, ocorre entre ambos um entrecruzamento de depósitos, criando em cada um, dificuldades para reconhecer o que é 13 propriamente seu. O autor cita um exemplo onde um casal de indivíduos totalmente diferenciados entre si teriam uma independência afetiva, social e econômica. Ao terem um filho, acontece a união simbiótica nessa estrutura de dois diferenciados. Ramalho (2010) afirma que para Pichón-Rivière o grupo é um espaço para o crescimento tanto individual quanto grupal. Elaborando-se e solidificando-se através das interações que ocorrem no grupo, se este se desenvolve, os seus membros se desenvolvem junto. Conforme Pichón-Rivière (1988) os indivíduos assumem papéis dentro do grupo em que se inserem. Esses papéis definem a maneira de ação do indivíduo perante os demais membros deste grupo. O nível de cooperação desses grupos pode ser operativo. Encontra-se um montante de vínculos dentro do grupo, e a modificação de um dos parâmetros dentro dessas relações acarreta a modificação do todo. A relação de interdependência entre os indivíduos de um grupo delega funções a cada um, ou seja, cada indivíduo assume um papel perante o grupo. Segundo Ramalho (2010) o grupo nasce de acordo com as necessidades e interesses comuns aos seus membros. Como cada indivíduo desse grupo é um ser histórico, além de social, muita carga individual é trazida por cada um. A interação pressupõe o contato com o outro. Muitas vezes os desejos e necessidades de cada um são transmitidos inconscientemente para os outros. Na medida em que os participantes interagem, tornam-se cada vez mais significativos entre si. A ligação mais duradoura e a reincidência e aprofundamento da interação entre os sujeitos constitui o vínculo, este que os liga, mas não os torna iguais. Eles possuem uma dependência entre si, mas mantêm sua unidade, sua história de vida, necessidades e expectativas particulares. Então, com base em Pichón-Rivière, pode- se afirmar que o vínculo seria, além da ligação entre sujeitos, a ligação das “cargas” pessoais que cada um traz estabelecendo um processo de comunicação em um determinado contexto. Ainda com base em Pichón-Rivière, Ramalho (2010) fala sobre a necessidade de o indivíduo realizar um descentramento, o que seria um desligar de si mesmo e ir em direção ao outro. Dessa forma o sujeito pode se reconhecer no grupo, com outras pessoas que também possuem necessidades e têm um objetivo a atingir em comum, apesar de suas próprias expectativas e histórias de vida diferenciadas. Ao descentralizar, as pessoas se abrem à interação e criação de vínculos que, uma vez internalizados, propiciam o desenvolvimento psíquico no que se refere ao trato com o outro, influenciando também na forma como cada um interpreta a realidade. Ao reconhecer o outro, mais afinidades podem ocorrer, gerando uma 14 rede mais segura no grupo. Pichón-Rivière, segundo a autora, acreditava que se o conhecimento da dinâmica do próprio grupo fosse atingido, os seus membros seriam mais participativos de forma criativa e crítica, pois seriam conscientes de suas ações transformadoras. Esse processo ocorreria em uma tarefa em comum, no qual todos estariam empenhados. O indivíduo leva para o grupo seus referenciais e, no contato com os outros, ocorre a confrontação entre esses dados subjetivos, possibilitando não só uma revisão dos conteúdos internalizados, como também a transformação e o enriquecimento dos mesmos. Nesse momento, coexistem o desejo e o temor: o outro é importante para a aprendizagem e a vivência do grupo, mas é desconhecido e pode incomodar. O incômodo existe porque, em contato com outro, o indivíduo passa a ver além do que suas fantasias permitem, constituindo-se uma ameaça ao narcisismo. Aos poucos, num movimento de progressão – regressão contínua, o indivíduo vai se despindo da primeira representação do outro, passando da dissociação para a integração dos aspectos positivos e negativos, numa mesma pessoa ou situação. O processo de compreensão das leis internas do grupo acontece quando este é vivenciado pelo grupo. Isso significa que o indivíduo deve colocar-se conforme sua história, seu estilo, pensamento, sentimento e ações. Quando as relações são estereotipadas ou congeladas e o indivíduo adota formas defensivas em seu posicionamento, distanciando-se demasiadamente, as ansiedades não são enfrentadas e não há possibilidade de aprendizagem (RAMALHO, 2010, p.25). Para Pichón-Rivière (apud RAMALHO,2010) a transformação do grupo, bem como a criatividade, só acontecem na relação do sujeito com o outro, fazendo com que os conteúdos individuais sejam dissolvidos, “perdendo-se” o individualismo. A aprendizagem traz a ruptura com outra experiência, com outros modelos, sendo constituída por momentos que se sucedem ou alternam. Quando ocorre o isolamentoe estereotipagens nesse processo, geram-se perturbações. Para o bom funcionamento de uma equipe, cada indivíduo deve estar oportunamente inserido em seu papel no processo total, de forma que o objetivo em comum possa ser alcançado. Conforme Pichón-Riviére (apud RAMALHO, 2010) os papéis no grupo operativo são muito importantes, pois surgem nos acontecimentos grupais, no relacionamento do indivíduo com os outros, conduzidos para satisfazer expectativas e necessidades individuais e do grupo. Cada papel tem seu significado, e é sempre complementar a outro. O que propulsiona o desenvolvimento grupal é o processo de aprofundamento das contradições de conhecimentos, dos desacordos, a luta dos contrários e da complementaridade que nunca 15 cessa. Da interação com outros membros, o mundo interno de um sujeito se encontra como conjunto de outras cenas, medos, personagens que constituem o mundo externo, gerando questionamentos que contrariam ou reforçam alguns aspectos já estabelecidos. Nesse processo, onde estão presente ansiedades de perda e ataque, as contradições entram em crise ao longo do tempo, fazendo o grupo buscar o novo, que futuramente se transforma em grupo, garantindo a continuidade do processo grupal. 1.2 AS RELAÇÕES ENTRE ENSINO, PRÁTICA MUSICAL E INTEGRAÇÃO GRUPAL 1.2.1 Koellreutter e a universalização do ensino de música em promoção da integração social Como ressalta Koellreutter (1997a), as atividades musicais podem desenvolver a integração grupal, contribuindo em diversas áreas sociais. Seja na área de educação, trabalho, no comércio e na indústria, nos setores de planejamento urbano, na terapia e reabilitações sociais, dentre outros, cada qual exige uma atividade sistematizada específica. Koellreutter (1997a) diz que não é útil a atividade dos professores de música que repetem fastidiosamente a lição do ano anterior. Segundo ele, não existem fórmulas ou regras que possam manter uma obra de arte a salvo das influências socioculturais e midiáticas; tanto alunos quanto educadores precisam compreender o valor histórico da obra de arte, mesmo que sob influências sociais ocorram modificações na mesma. Para a valorização da atuação artística é muito importante a formação da personalidade e do caráter, que influenciam essa atuação e que estão em constante movimento de modificação. A música é, em primeiro lugar, uma contribuição para o alargamento da consciência e para a modificação do homem e da sociedade. Entendo aqui como consciência a capacidade do homem de apreender os sistemas de relações que atuam sobre ele, que o influenciam e o determinam: as relações entre um dado objeto ou processo e o homem, o meio ambiente e o eu que o apreende (KOELLREUTTER apud FONSECA, 2005, p.56). Conforme Koellreutter (1997b), em meio à sociedade de massa moderna, o ensino de arte é uma ferramenta de preservação e fortalecimento da liberdade expressiva, pelo seu 16 caráter de desenvolvimento de qualidades humanitárias. É imprescindível a ampliação da esfera de consciência 1 para superar formas sociais restritivas. A prática musical contribui para o alargamento da consciência e para a modificação do homem e, consequentemente, da sociedade. A música, tendo em vista suas características de sensibilidade estabelecidas culturalmente, influencia o ouvinte em relação às manifestações sociais e culturais e, consequentemente, em relação a seu comportamento em determinadas condições sociais existentes. Podemos citar como exemplo a utilização da música em rituais religiosos, festividades ou mesmo para homenagens fúnebres. Os ouvintes estão predispostos a ter um sentimento em conjunto comum a todos os membros do grupo que estão inseridos, já que a música exprime uma determinada disposição de ânimo, contagiando-os. Há nesse momento um estado de integração social do psíquico. Koellreutter (1997d) afirma que socializando os sentimentos, a música torna-se um meio de comunicação muito eficaz. Para ele, a função da arte consiste no socializar, transmitir e disseminar sentimentos dentro do grupo. Cada indivíduo deve estar preparado para assimilar os valores de outras culturas e cultivar aqueles aspectos de sua personalidade que são essenciais para o todo. É abordada por Koellreutter (1997c) a necessidade de um mundo integrado, para que haja um processo de desenvolvimento individual, pessoal e social visando à integração em um todo. Com um mundo aberto, defronta-se com a tarefa de estabelecimento de relações mútuas de afeto, amizade e boa vontade entre os humanos, com a valorização do compartilhar o que se conquista e o que se cria por meio da cooperação planejada e da integração generosa em todas as esferas da vida. Isso implica na abertura da sociedade, e na mobilização de objetivos comuns, responsáveis pela coesão social. No processo de educação musical, conforme dito por Koellreutter (1997e) pode-se desenvolver e aprimorar consideravelmente, por treinamento sistemático da audição e visão, a faculdade de percepção, assim como a capacidade de discernimento e análise. A comunicação e o contato humano podem ser desenvolvidos por intermédio de práticas de improvisação musical em grupos, por exemplo. O autor ainda destaca que as atividades musicais desenvolvem autodisciplina, concentração, subordinação de interesses pessoais aos interesses do grupo, autocrítica, criatividade, desenvolvimento da sensibilidade relativa a valores qualitativos, além de agir na supressão de medos, de inibições e preconceitos. 1Koellreutter (apud FONSECA, 2005) define a palavra consciência como forma de percepção, apoiando-se principalmente na abordagem psicológica da Fenomenologia e na teoria da Gestalt. 17 Conforme afirma Fonseca (2005), Koellreutter (1984) acreditava que o homem, como indivíduo, ao longo de sua trajetória de vida, percorre as fases de desenvolvimento da consciência da civilização humana, distinguindo o comportamento e, consequentemente, os métodos de ensino para cada geração. Dessa forma, Koellreutter leva em consideração diversos fatores socioculturais que apoiam sua metodologia de ensino. Um exemplo é o fato de seu método de ensino não enfatizar competições e o individualismo já que, para o adolescente, por exemplo, o grupo tende a ser mais importante que a própria família. Todas as fases de desenvolvimento representam uma cultura com valores próprios, modo de pensar legítimos, vitalmente importantes, que devem ser incentivados, respeitados e nunca corrigidos. É fundamental termos em mente que esses valores se transformam, de acordo com a imagem do mundo (consciência) característica de casa fase (KOELLREUTTER, 1984, apud FONSECA, 2005, p.57). Koellreutter (apud FONSECA, 2005) estabeleceu como última fase de consciência, a “arracionalista”, referindo-se a superação ou transcendência da racionalidade, derrubando a limitação da liberdade e a percepção do indivíduo. Esse nível exige um alto grau de capacidade reflexiva. Apresentam-se, nessa fase, características de um pensamento integrador, multidirecional, capaz de transcender o dualismo, de buscar a complementaridade, onde tanto um quanto o outro indivíduo são importantes. Abre-se um espaço para a interpretação da realidade como sendo um sistema complexo de inter-relações. Há então a valorização da integralidade do ser humano, com a unidade do intelecto, dos sentimentos, das sensações, do corpo e das intuições. Nesse sentido, há uma valorização do convívio cooperador, a reintegração com a natureza, revalorização do elemento perceptivo, integração de linguagens e por fim a revalorização da arte. 1.2.2 A criação musical compartilhada segundo Stephen Nachmanovitch O autor, músico, artista de computador e educador estadunidense Stephen Nachmanovitch, escreve e ensina sobre abordagens deimprovisação, criatividade e sistemas em muitos campos da atividade. Em um de seus trabalhos, “Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte”, ele aborda a criação musical compartilhada. Apesar de haver pouca ou nenhuma prática criativa nas corporações musicais, os exemplos deste autor ilustram 18 as possibilidades existentes na prática musical em grupo com relação à interação promovida dentro desses grupos. A beleza de tocar junto com alguém é a possibilidade de encontrar a unidade. É surpreendente a frequência com que dois músicos de formação e escolas diferentes se encontram e, antes de trocar duas palavras, começam a improvisar, revelando uma totalidade, uma estrutura e uma perfeita comunicação (NACHMANOVITCH, 1993, p.91). Segundo Nachmanovitch (1993), a música não nasce exclusivamente de um ou de outro, apesar de as particularidades exercerem grande influência, mas sim da comunhão das partes. O autor ressalta a importância da comunicação, não apenas musical, mas também o diálogo com palavras. Estas que podem exercer uma enorme motivação no outro, ou desmotivá-lo, além de indicar por meio de críticas e conselhos a melhoria de determinados aspectos. Como dito por Nachmanovitch (1993) alguns trabalhos exigem a cooperação de vários indivíduos para serem realizados ou, dependendo da situação, é mais divertido realizá- los em meio aos amigos. Isso leva à colaboração, num processo em que os artistas, por exemplo, exploram outros aspectos relacionados aos seus limites pessoais e profissionais, podendo se apoiar no outro para superar suas diculdades individuais. Existe uma outra personalidade e estilo que precisam ser absorvidos e contidos num processo de internalisação, pois cada trabalhador traz consigo além de forças e inspirações, resistências a mudança. Deve -se então, colocar o objetivo final da criação musical como algo maior que as diferenças entre os indivíduos. Uma das grandes vantagens da colaboração, segundo Nachmanovitch (1993), refere-se ao fato de ser muito mais fácil aprender com o outro do que sozinho. A inércia existente no trabalho solitário, praticamente não existe em grupo. Um indivíduo instiga o outro, tornando o aprendizado multifacetado, renovador e revitalizante. Nachmanovitch (1993) ressalta que durante a exploração do ofício de músico e educador, vive-se em comunidade e um indivíduo reage aos outros graças à capacidade de ouvir, observar e sentir [percepção]. A realidade compartilhada, criada nesse trabalho oferece mais surpresas do que se o mesmo fosse feito individualmente. Nesse trabalho em grupo deve haver uma disciplina fundamentada pela mútua consideração, da consciência do outro, da disposição para a sutileza. Conforme o autor, desistir de algum controle em favor de outra pessoa ensina o sujeito a desistir de algum controle em favor do desenvolvimento do 19 inconsciente, este que é importantissímo na criação musical. O autor aborda os papéis dentro do grupo no processo criativo: A colaboração artística pode percorrer toda uma escala, desde uma hierarquia totalmente estruturada, como por exemplo a de uma equipe de cinema que trabalha a partir de um roteiro, até um grupo de artistas performáticos que , não tendo um diretor, partilham a responsabilidade por tudo o que acontece no espetáculo (NACHMANOVITCH, 1993, p.94). Conforme Nachmanovitch (1993), a livre improvisação coletiva nas artes performáticas como a música, dança e teatro, convida os envolvidos a participar de formas novas de relacionamento humano onde a estrutura, a linguagem e as regras são criadas pelos próprios participantes. Ao se expressarem em conjunto, os indivíduos constroem uma sociedade à parte, onde há um relacionamento direto entre eles, interligados por meio da imaginação de cada um. A prática musical em grupo é um potencializador de amizades fortes e especiais, pois existe uma intimidade que não pode ser alcançada com palavras ou deliberação. Nachmanovitch (1993) define o sincronismocomo a conjugação de dois ou mais ritmos numa só pulsação. Dessa forma, os ritmos fisiólogicos de um corpo podem entrar em ressonância com o de outro corpo. Esse fenômeno na prática musical coletiva é utilizado para que se possa respirar, pulsar e pensar juntos.Mas as vozes não estão rigidamente presas umas às outras, mas sempre escapando ligeiramente e voltando a se encontrar em determinados momentos. A harmonia perfeita pode ser um êxtase ou um tédio, é essa oscilação que a torna excitante. É ressaltado por Nachmanovitch (1993) que há em cada ambiente uma energia muito pessoal e particular das pessoas ali presentes em determinado momento. Durante a integração do grupo, os seres individuais desaparecem e cria-se uma espécie de cumplicidade. Cada um capta os sentimentos dos outros e as mentes vibram no mesmo ritmo, trazendo à tona o sentimento de unidade. 1.3 A MOTIVAÇÃO, O ENSINO DE MÚSICA E SUA PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO Como ressalta Araújo (2011), a motivação está presente em qualquer atividade humana, apresentando-se como responsável pelo direcionamento das ações e escolhas dos 20 indivíduos. Deci & Ryan (apud ARAÚJO, 2011) afirmam que as características de determinadas pessoas, somadas ao seu contexto social que resulta em um desenvolvimento pessoal, geram sujeitos mais automotivados e mais integrados em determinadas situações que outros. Em um grupo musical, por exemplo, onde há constante desenvolvimento de habilidades e crescimento pessoal e coletivo, encontram-se sujeitos mais motivados a buscarem seus objetivos. Deve-se retomar aqui que essa integração é um dos fatores para a criação do vínculo dentro de um grupo conforme especificado por PICHÓN-RIVIÈRE (1988). A motivação, segundo Araújo (2011) é considerada um elemento fundamental para o processo de aprendizagem musical. A possibilidade de interligação entre as áreas de psicologia, música e educação favorecem a aplicação das teorias que abordam a motivação. A autora apoiada nos estudos de Bzuneck (2001) afirma que pesquisas realizadas em áreas distintas (interdisciplinares) favorecem uma compreensão mais rica e lógica de uma determinada teoria, pois os resultados encontrados podem confirmá-la ou contrariá-la. O que reforça a justificativa para a realização do presente trabalho interdisciplinar. Dentre as diversas pesquisas apontadas por Araújo (2011), pode-se ressaltar a importante contribuição de Tsitsaros (1996) ao apresentar alguns dos elementos necessários para o ensino motivador de instrumento aos jovens. Segundo Tsitsaros (apud ARAÚJO, 2011), algumas estratégias para os professores tornarem o estudo prazeroso e divertido, incluem instigar a curiosidade dos alunos e atentarem-se às preferências dos mesmos, reforçando elementos e habilidades já desenvolvidos por cada um ao longo de sua formação particular, além de buscar capturar o interesse e o entusiasmo da criança. Essas formas de motivação do aluno colocam a sua curiosidade como fator motivador. Pichón-Rivière (1988) define o vínculo como uma relação particular com o outro. Essa relação é constituída por uma estrutura em constante movimento, funcionando acionada ou movida por motivações psicológicas. Ao tratar do processo grupal, o autor afirma que a aprendizagem e a comunicação apresentam-se como aspectos instrumentais da conquista do objeto e possuem uma subestrutura motivacional. O processo responsável por promover a motivação é o da recriação do outro, ou seja, o reconhecimento de suas características no outro bem como a abertura para aceitar suas particularidades, o que adquire em cada indivíduo uma determinação individual. Segundo Ramalho (2010), é através da interação, que as necessidades e os interesses individuais são compartilhados, e o conhecimento elaborado. Isso se dá pela 21 motivação e mobilização presentes no grupoe em cada um de seus membros a partir de seus objetivos comuns e individuais. Paralelo a isso, o grupo é um lugar propício à formação do conhecimento por seu significado histórico. Muitos dos conhecimentos existentes, científicos e culturais, foram elaborados através das relações entre indivíduos, e através deles nos tornamos sujeitos. Nesse sentido, a autora afirma que Pichón-Rivière adverte que o grupo é essencial para o desenvolvimento do psiquismo. Pichón-Rivière (apud RAMALHO,2010) revela que se deve ter sempre em mente o aspecto das contradições eminentes ao grupo, ao buscar compreender um grupo em formação. Os membros do grupo, ao mesmo tempo querem e não querem estar inseridos nele. O grupo, em seu início desencadeia resistências à integração, o medo surge por ser algo inexplorado, desconhecido. Um passo importante a ser seguido por seus membros é descobrir quais os interesses e necessidades os levaram à inserção nessa relação grupal. É importante em um grupo operativo saber por que este foi formado, como a tarefa estabelecida pelo grupo será executada e por que ela será feita dessa forma. Ramalho (2010) indica a afirmação de Osório (2000) que, para um grupo tornar- se operativo deve haver nele motivação para a realização da tarefa, mobilidade nos papéis a serem desempenhados ao longo da execução da tarefa, e a disponibilidade para as mudanças que são necessárias. A autora afirma que para Pichón-Riviére o processo grupal se caracteriza por uma dialética, por ser permeada de contradições, num movimento contínuo de estruturação, desestruturação e reestruturação. Com base em Pichón-Rivière, Ramalho (2010) ressalta que em um grupo operativo, a realização da tarefa não é um objetivo único, mas anteriormente a isso, propõe-se a observação de como o conhecimento é desenvolvido. Sendo assim, é necessário que as relações estejam concretizadas dentro do grupo, cada membro deve vivenciar a experiência grupal em nível emocional, relacional, conceitual e na execução da tarefa. Ou seja, cada membro deve se situar na tarefa, conciliando ação e reflexão na vivência grupal, na busca da realização grupal e da consciência da dinâmica do grupo. Pichón-Riviére (apud RAMALHO, 2010), trata a aprendizagem com o pressuposto de uma integração, seja entre pessoas ou entre um indivíduo e a natureza. É indispensável que haja comunicação com o outro, dessa forma, a aprendizagem só ocorre em meio à interação. É através do contato com o outro, do questionamento, que o conhecimento é fundamentado, sendo constituído nas relações. Pichón-Riviére define a aprendizagem como uma apropriação instrumental da realidade em busca de sua transformação. O mesmo ocorre 22 na comparação entre as novas experiências com as anteriores. Assim o sujeito é aquele que está sendo criado em cada contato com o outro e pelo que absorve daquilo que lhe é significativo. Para avaliar a interação em um grupo Pichón desenvolveu alguns critérios ou vetores. São eles: a) afiliação e pertença: apontam o maior ou menor grau de identificação com a tarefa, de responsabilidade ao assumir a tarefa; b) cooperação: verifica o desenvolvimento de papéis diferenciados e complementares, o que se evidencia no grau de eficiência na tarefa; c) pertinência: capacidade de centrar-se na tarefa, verificada na produtividade do grupo; d) comunicação: refere-se às conexões, codificações e decodificações das mensagens; e) aprendizagem: se caracteriza pelo acréscimo da informação, por meio da participação de cada integrante de um grupo, constatada pela adequação à realidade; f) tele 2 : pode ser um fator positivo ou negativo, implica num reencontro realista e verdadeiro entre os participantes do grupo, sem as projeções e distorções transferenciais (RAMALHO, 2010, p.27). Araújo (2011) aponta elementos que os mesmos trazem para o estudo das relações entre o ensino de música e a motivação. Dentre eles estão a busca para adequar o estudo às expectativas e interesses do aluno, contando com o apoio do meio ao qual ele está inserido, principalmente a família. Cita-se também a importância da construção de metas com o intuito de facilitar a prática musical por estabelecer um sentimento de realização ao se alcançar cada meta. Apresenta-se aqui mais um importante fator para a justificativa do bom desempenho da performance musical de um determinado grupo onde estas práticas são desenvolvidas completamente ou em parte. Araújo (2011) aponta também a importância do reconhecimento das expectativas e valores que os estudantes dão às suas práticas musicais. A mesma finaliza seu artigo reforçando a necessidade de investimento mais intenso nas pesquisas nesta área de motivação em educação musical, tendo em vista a relevante importância que a mesma exerce para o fortalecimento do desenvolvimento musical. 2 Fator tele, segundo RAMALHO (2010), é um conceito de J.L. Moreno apropriado por Pichón-Rivière e refere-se à capacidade de distinção de objetos e pessoas sem distorcer seus papéis essenciais. 23 CAPÍTULO II 2.1 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE AS BANDAS DE MÚSICA CIVIS Como o grupo musical escolhido como objeto desta pesquisa configura-se como uma banda de música civil, fez-se necessário o levantamento bibliográfico referente a este assunto. Os trabalhos citados aqui foram encontrados durante a elaboração desta monografia e tratam de assuntos pertinentes a elaboração da mesma. Segundo Fernandes (apud NASCIMENTO, 2003), existe um aumento na produção de trabalhos na área de Educação Musical em cursos de pós-graduação. No entanto, após uma análise quantitativa do autor, concluiu-se que há pouca produção significativa voltada para os instrumentos musicais em conjunto, englobando também pesquisas referentes às bandas e orquestras. Nascimento (2003) reforça a importância desses grupos na formação musical e cívica dos seus envolvidos, apoiando a necessidade e possibilidades de pesquisas nesta área: Após a constatação do desinteresse de pesquisadores na especialidade de Práticas Instrumentais relacionadas a conjuntos, verificou-se que um grande número de músicos profissionais recebe alguma influência por meio da banda de música em sua formação musical. Tal influência é causada, muitas vezes, pelo contexto social da banda, que participa de eventos sociais de naturezas diversas como missas, procissões, festas, retretas, desfiles cívico- militares, eventos esportivos etc., encantando o público pela sua música. Há de se lembrar que, até pouco tempo atrás, a banda de música era um dos mais populares veículos de acesso à cultura musical para a sociedade, encerrando nas apresentações não somente a oportunidade do entretenimento musical, mas importante estímulo ao talento musical do indivíduo, levando-o a participar da banda de música e a aprender a tocar um instrumento musical (NASCIMENTO, 2003,p 94). A informação sobre a falta de trabalhos específicos sobre o ensino coletivo de instrumentos musicais é reforçada por Souza (2012). A autora buscou realizar um levantamento bibliográfico envolvendo dissertações de pós-graduação relacionadas a este tema. Como especificado por Nascimento (2006) há uma lacuna no que concerne ao estudo dos grupos musicais, o que gera uma deficiência na produção de material e conhecimento específico para o trabalho pedagógico dentro destes grupos. A maioria dos trabalhos encontrados não tem relação direta com o ensino e a prática musical em conjunto, por isso não 24 serão apresentados aqui. A temática mais comum é o trabalho pedagógico dentro das corporações e a função social que estas exercem. No âmbito pedagógico, Alves da Silva (2011) analisou o desenvolvimento de alunos de quatro bandas de música nas atividades de composição, apreciação e execução através do Modelo C(L)A(S)Pproposto por Swanwick (1979) para sugerir uma metodologia de ensaio voltada aos mestres de banda. Este trabalho teve como foco principal o processo didático realizado pelo professor regente de cada grupo. Campos (2008) aprofundou-se no aspecto pedagógico das bandas e fanfarras, focando-se nas práticas e no aprendizado proporcionado por elas. Ambos os autores serão revisitados mais à frente ao discorrer sobre os processos de ensino em uma banda de música civil. Com relação às metodologias de ensino nas corporações musicais, tanto Nascimento (2003), quanto Vecchia (2008) elaboram um trabalho baseado na análise da utilização do método em livreto intitulado ‘DA CAPO’3 ao abordar o ensino instrumental coletivo. Ambos buscam conhecer os processos de ensino-aprendizagem em bandas de música. O foco das pesquisas são professores regentes que utilizam o referido método, buscando compreender quais aspectos eles ensinam e como esse processo pode ser aprimorado. Os dois autores focaram-se em naipes de sopros isolados. Um dos assuntos mais recorrentes no que se refere às bandas de música é a sua função social. Nesse contexto pode-se citar o estudo realizado por Gonçalves et al. (2009) que se aprofunda nessa questão do ponto de vista da psicologia, assim como Granja et al. (1985) que aborda a organização, o significado e as funções da banda de música civil. Ambos os estudos foram utilizados para a elaboração desta monografia. Seguindo este campo de pesquisa, Gonçalves (2007) em sua tese propôs investigar e compreender como estava constituída uma sociabilidade pedagógico-musical em espaços de ensino musical na cidade mineira de Uberlândia nas décadas de 1940 a 1960. Seu estudo contemplou duas bandas de música. Ao considerar que cada espaço possuía suas particularidades, afirmou-se que cada um deles tinha uma produção e divulgação de sua metodologia de ensino mantendo suas especificidades, não deixando de lado a função social das corporações musicais. Pode-se constatar que todas as fontes de pesquisa consultadas não englobam os objetivos desta monografia em sua totalidade. Parte das fontes trata a banda de música apenas do ponto de vista social, enquanto outros apenas dos métodos de ensino destas corporações. O 3Da Capo - Método elementar para o ensino coletivo ou individual de instrumentos de banda de Joel Luís da Silva Barbosa. – Belém: Fundação Carlos Gomes, 1998. 25 que demonstra a escassez de estudos que tratam a relação entre as funções da banda de música civil e a prática e ensino de música utilizando uma abordagem da Educação Musical. 2.2 A BANDA DE MÚSICA CIVIL 2.2.1 A função da banda de música civil Granja & Tacuchian (1985) afirmam que diante dos meios de comunicação de massa e tecnologias atuais, é questionável se não teria a banda de música perdido sua função social. Todavia, a banda ainda possui um espaço que é só seu e que nenhum meio de comunicação moderno consegue tomar. Conforme os autores, o aumento do número de corporações musicais em atividade, o ingresso de grande contingente de jovens e o aumento do interesse das comunidades, reforça a vitalidade dessas instituições. Os trabalhos apresentados ao longo deste tópico referem-se a grupos musicais de sopro e percussão amadores e filantrópicos, cujas atividades seguem um roteiro centenário. A banda de música preserva aquele sentido de coerência essencial ao homem do interior que vê, no ritual da sua banda comunitária, no seu desfile processional, nos seus parâmetros solenes, nos seus símbolos totêmicos, um referencial seguro de sua cultura, num mundo em constante metamorfose. A banda preenche o tempo, enobrece o momento, decora o espaço, exprime o anseio estético do grupo social. Ela resiste ao progresso tecnológico ao tráfego, aos novos meios de comunicação, aos instrumentos eletrônicos, através de mecanismos endógenos que a fazem parecer como uma grande família (GRANJA & TACUCHIAN, 1985,p.39). A tradição das bandas de música no Brasil, segundo Granja & Tacuchian (1985), vem da época da colonização, o que inclui grupos compostos por negros escravos dirigidos por mestres europeus em várias fazendas do interior já no século XVII. A intensidade dessa tradição ao longo da história do país penetrou na consciência cultural do brasileiro, principalmente nas cidades do interior que não sofreram um processo desenfreado de metropolização. Estes mesmos autores afirmam que sem o sentimento de paixão não existe banda de música, chegando ser algo hereditário, passando de pai para filho. Os ingredientes que fazem parte do surgimento, das lutas, conquistas e glórias das corporações musicais incluem a origem humilde dos músicos, os métodos de aprendizagem, a organização, a solidariedade, a 26 integração nas festas comunitárias e a tradição. A banda participa dos momentos mais significativos das comunidades, seja nas retretas ou tocatas, desfilando nas ruas, tocando sobre um tablado ou em um coreto na praça. Apesar das formas diferentes de dizer e o dos diferentes enfoques nos relatos, as motivações parecem convergir para os mesmos pontos, como o vínculo afetivo, o amor à música e o prazer de projeção que o trabalho traz, justificando o interesse e a permanência dos alunos nesses grupos. Nesse sentido, Duarte (2002, p. 127) infere que “ao elaborar e comunicar suas representações, o sujeito recorre às suas próprias experiências cognitivas e afetivas, mas se serve de significados socialmente constituídos no âmbito dos grupos nos quais está inserido” (CAMPOS, 2008, p.107). Dentro das corporações musicais segundo Granja & Tacuchian (1985), as relações entre diretoria, mestre (regente e professor) e músicos são bastante autoritárias, salvo algumas exceções. Os músicos são pouco consultados para a tomada de decisões referentes à administração da banda. Os autores explicam que as bandas de música representam uma prática ritualística. Na dramatização deste processo, determinados aspectos, elementos ou relações são destacados e adquirem um significado, diferente do contexto cotidiano. Um exemplo disso dentro das corporações é apresentado por meio da utilização do uniforme que iguala todos os indivíduos, que deixam de ser neste momento um único sujeito e passam a ser parte de um grupo respeitado pelo público que o aplaude. Os grupos musicais parecem se justificar por sua função socializadora, imprimindo à cidade traços culturais importantes para a manutenção de determinadas festas e rituais (CAMPOS, 2008, p.106). Granja & Tacuchian (1985) afirmam que em determinadas cidades a banda de música é a única forma de o povo conhecer a música. A grande maioria das corporações mantém escolas livres de música como alternativa, muitas vezes única, de atendimento aos interessados em aprender música. O aprendizado acontece por meio do convívio com os músicos e a frequência aos ensaios e, formalmente, em aulas teóricas e de solfejo. Diante da carência de incentivos à educação musical no âmbito escolar e do alto custo de manutenção e aquisição do instrumental, as bandas civis vão suprindo as necessidades da iniciação instrumental. A semântica da banda de música, conforme Granja & Tacuchian (1985) é um tripé comunitário, cultural e educativo. Ela está presente nos momentos de solenidade e de lazer, preservando o patrimônio musical do seu povo e se mantendo como uma escola de portas 27 abertas para sua comunidade. Novas expressões sociais surgem ao longo do tempo, mas não excluem as antigas, desde que estas guardem sua função social. 2.2.2 O processo de aprendizagem na banda de música civil A manutenção da banda de música e dos seus hábitos que marcam sua presença na sociedade depende do processo de ensino-aprendizagem que seja rápido e eficaz, como afirma Conde & Neves (1985).A metodologia de ensino de técnica instrumental nas bandas é aquela empregada pelo seu “Mestre4” (regente/maestro), que possui uma eficácia relativa em termos mais imediatos. Não é possível gastar muito tempo para preparar um músico para ingresso no grupo, pois a perda de integrantes é algo imprevisível e frequente, sendo necessária uma constante inserção de novos membros para cobrir esses imprevistos e evitar que a corporação interrompa suas funções por um determinado período. Campos (2008) ressalta que, nessas condições, por mais que o regente estabeleça uma dinâmica de ensaio, os elementos da linguagem musical não são prioridade, considerando que as apresentações são constantes e os ensaios não são suficientes para privilegiar teoria e prática. A preparação dos músicos nas corporações musicais, segundo Conde & Neves (1985), faz-se através do contato direto com o instrumento e com o repertório. O aprendiz recebe noções teóricas simplificadas em métodos disponíveis em formato de pequenos livros impressos e trabalha o básico da técnica para tocar um instrumento. Em pouco tempo, o aluno consegue tocar músicas simples e já é incorporado ao conjunto. A partir daí ele se depara com trechos mais difíceis e se esforça para tocar o que consegue, sendo as dificuldades muitas vezes estimulantes, assim como o fato de estarem se apoiando em outros músicos, o que o faz buscar superar os obstáculos encontrados. Conforme Campos (2008) o aprendizado musical torna-se apenas um dos aprendizados possíveis. Vínculos são formados a partir das relações estabelecidas entre os músicos e com a música baseados na amizade, no reconhecimento, na disciplina e no prazer proporcionado pela prática musical. Segundo Campos (2008) a inclusão social, devido à gratuidade do ensino nas corporações musicais e as possibilidades de ocupação e profissionalização, é de grande importância se for considerada a falta de oportunidade que determinados alunos possuem. Na maioria dos casos, as famílias não possuem condições de comprar um instrumento ou investir 4 ‘Mestre de banda’ é um termo utilizado para nomear os regentes de banda que atuam também como professores e têm um papel importante na liderança e na tomada de decisões frente ao grupo. 28 em aulas de música. As corporações contam com a oportunidade de emprestar um instrumento ao aluno. Esse contato direto com o instrumento é ressaltado por ALVES DA SILVA (2011): A importância do instrumento musical na musicalização - o primeiro fator consiste no fato de que as atividades que envolvem contato direto com o instrumento musical são melhor recebidas pelos alunos. Ou seja, a apreciação musical muitas vezes não é considerada pelos alunos, e até pelos mestres, como uma atividade de relacionamento direto com a música, já que não há a reprodução do som através do instrumento. É importante destacar que o parâmetro literatura musical sofre o mesmo problema, dificultando ao aluno, inclusive, a verbalização do conhecimento musical (p.147/148). Conde & Neves (1985) apresentam dados importantes encontrados nessa situação que incluem: o desafio colocado de maneira sistemática no processo de aprendizagem, a colocação lado-a-lado de pessoas mais experientes e de principiantes, o que exige a integração destes, o trabalho feito basicamente sobre o repertório da banda, e a prática mais frequente e longa em situações de ensaio em conjunto. Segundo Conde & Neves (1985), apesar das deficiências em termos técnicos existentes na formação dos músicos de banda, o resultado sonoro e musical que esta alcança com seus recursos limitados justifica sua atividade. Pode-se perceber que esta apresenta características de participação comunitária, vivência prática, descompromisso com os aspectos estéticos dos resultados obtidos pelo respeito ao tempo próprio de aprendizado de cada indivíduo, verdadeiro clima de socialização e não delimitação de espaços rígidos da aprendizagem. 2.3 A CORPORAÇÃO MUSICAL SÃO SEBASTIÃO DE SANTA CRUZ DE MINAS: HISTÓRICO E FUNÇÃO Em meados da década de 1990, o então Pároco da cidade de Santa Cruz de Minas, junto aos colaboradores da comunidade teve a ideia de montar uma banda de música na cidade, uma vez que eram necessárias contratações de corporações musicais de outras cidades e distritos para abrilhantar as festividades religiosas do município. 29 A Corporação Musical São Sebastião da cidade de Santa Cruz de Minas (MG), onde tem sede e foro, foi constituída em 17 de fevereiro de 1997, conforme consta em seu Estatuto. É uma sociedade civil, sem nenhuma finalidade econômica, política ou religiosa. Tem por principal objetivo a disseminação da arte musical por meio de aulas de teoria e instrumento gratuitas e manutenção de uma Banda de Música. No ano de 2000, com a iniciativa de alguns dos fundadores, contratou-se um Mestre para a criação definitiva da banda. Com poucos recursos e instrumentos bastante danificados, formou-se uma escolinha com trabalho intenso. Em 20 de janeiro de 2001,a Banda fez sua primeira apresentação na festa do padroeiro da cidade, São Sebastião, o qual dá nome à Corporação. Seguindo em frente, a Corporação elege uma nova diretoria, que luta para conseguir benefícios para manter a Banda de música e melhorar seu instrumental. Com as dificuldades eminentes, a entidade se vê obrigada a pedir uma gratificação pelas tocatas que faz. Mas, com a mudança de Pároco na cidade, a banda perde o apoio da Igreja. A atual sede da Banda foi construída inicialmente por um mutirão com o apoio do antigo pároco e pessoas da comunidade, a partir de doações arrecadadas para este fim. Em 2003,a Banda muda para sua nova sede, mas de maneira precária, com mobiliário emprestado e ainda sem acabamento. A construção dessa sede gera mais dívidas, e, no mesmo ano, uma tempestade destrói o telhado da mesma aumentando os prejuízos, porém a corporação segue em frente realizando eventos diversos, participando de tocatas e ganhando reconhecimento entre as bandas da região. Realizando um bom trabalho, os membros da Corporação conseguem aliviar suas dívidas, adquirindo também novos kits de instrumentos através de incentivos culturais do estado e município, porém o que continua mantendo-a de fato são as gratificações advindas de tocatas e da realização de eventos. Novas diretorias são eleitas e o trabalho de ampliação e término da sede da Corporação continua até hoje. A localização da nova sede no centro da cidade e a falta de recursos para o isolamento acústico da mesma torna a banda também alvo de processos judiciais de vizinhos, todavia estes foram arquivados, uma vez que a banda comprovou sua função social e que o volume de som produzido está dentro dos limites estabelecidos pela Legislação Brasileira. A Corporação Musical São Sebastião passou por mudanças em sua regência por cinco vezes, sendo todos os regentes da própria entidade. O Mestre assume a regência e a escolinha da banda, e sempre enfrenta as dificuldades referentes principalmente à falta de 30 apoio moral e financeiro da comunidade e de seus representantes. É válido ressaltar que o atual regente não recebe nenhum apoio financeiro. Malgrado a juventude no que concerne a seu tempo de existência, a Corporação já formou dezenas de músicos que atuam em diferentes bandas da região, incluindo bandas centenárias, bandas militares e bandas municipais, além de graduandos em música e membros de grupos instrumentais reconhecidos. Atualmente a CMSS participa de tocata sem qualquer área que for solicitada, sem discriminação de credo ou status social. Atende a toda sociedade sem restrições. Integra o setor social da cidade de Santa Cruz de Minas, participando do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e em atividades promovidas pela Assistente Social e Associaçõesvoltadas para a contribuição social e cultural da cidade. Possui sede própria, recentemente ampliada, localizada à Rua Ana Maria de Jesus, número 73, no Centro de Santa Cruz de Minas. Conta também com um pequeno acervo musical em constante expansão. A atual banda conta com cerca de quarenta integrantes, com idade entre oito e setenta e um anos. Ao abranger uma faixa etária tão ampla, apresenta-se como uma alternativa para inclusão social e afastamento de jovens e adultos do envolvimento com as drogas e a criminalidade. Em Santa Cruz de Minas, como os jovens não têm muita opção quando o assunto é lazer e cultura, a Corporação Musical São Sebastião tem importante função social ao oferecer, além de um ambiente saudável, lazer e cultura aos jovens, contribuindo de forma significativa na formação daqueles que têm a oportunidade de fazer parte do seu quadro de músicos e aprendizes. Assim como outras entidades que se dispõem a essa importante função socializadora e educadora, à Corporação Musical São Sebastião também falta recursos e incentivos, sobretudo governamentais, para a prestação de um serviço social mais amplo à comunidade. A CMSS segue uma tradição das bandas de música civis onde o Mestre de banda, além de reger, é responsável por dar aulas de iniciação à teoria musical e ao instrumento. O atual regente e professor iniciou seus estudos na própria Corporação e está presente nela desde o início trabalhando voluntariamente. As aulas de teoria seguem o principio do método ‘Bona5’ tradicional nas bandas de música. Os alunos têm também breves momentos de apreciação musical através da utilização de mídia audiovisual para que possam reconhecer os 5 Método de leitura e divisão rítmica tradicionalmente utilizado para a iniciação à teoria musical nas corporações musicais. Seu objetivo é proporcionar ao músico domínio em leitura métrica, rítmica e solfejo, além de habilidade na execução do instrumento. 31 gêneros e sonoridade das músicas executadas pela banda de música. Os alunos são bem disciplinados e a maioria responde bem ao método de ensino, e quando chegam a um bom nível de leitura musical, passam ao aprendizado do instrumento que tocarão na banda de música. Devido à urgência de formação dos novos músicos, muitos aspectos teóricos são deixados de lado ou simplificados ao máximo, priorizando-se a leitura musical das partituras tradicionais, como abordado no tópico anterior a este. A iniciação ao instrumento se dá logo que o aluno chega a um nível de leitura razoável. São passadas técnicas básicas de execução e é ensinada a digitação do instrumento. Aos poucos o aluno desenvolve o estudo da digitação básica do instrumento e é inserido em meio aos demais músicos na banda para que seu aprendizado aconteça junto ao grupo. São separados dois dias de ensaio extra para os músicos menos experientes, onde o Mestre da banda e ajudantes conseguem dar mais atenção às dificuldades dos mesmos. Estes ajudantes são membros da banda com mais experiência musical. O professor dedica-se bastante aos alunos, e busca sempre aprimorar seus conhecimentos para passar a eles, mantendo uma postura rígida tradicional das bandas de música civis, porém sem deixar que isso atrapalhe a amizade que desenvolve com seus alunos. O professor, além de ser auxiliado por alguns músicos da banda, sempre que julgou necessário, convidou o pesquisador a ajudá-lo durante suas observações. O objetivo principal dos ensaios e aulas é de preparar os alunos músicos para execução de repertório estabelecido de acordo com a finalidade da performance musical a ser realizada. São constantemente trabalhados os aspectos da prática musical em conjunto durante os ensaios, bem como aspectos técnicos que incluem leitura, divisão rítmica e noções básicas de teoria musical, sempre tendo como foco a execução de repertório. O Mestre procura transmitir ao grupo informações sobre o repertório, realizando atividades de aquecimento frequentemente. Procura manter uma boa relação com os membros da corporação e se dedica bastante a seu trabalho como regente, mesmo não havendo remuneração, por se tratar de uma entidade filantrópica. Geralmente os ensaios seguem este padrão: os músicos montam os instrumentos, o maestro dá alguns avisos necessários, faz exercícios de aquecimento e afinam-se os instrumentos. Em seguida parte-se para o ensaio do repertório, havendo interrupções e repassagem de diversos trechos com cada naipe para aplicação das correções. O diálogo entre o regente e os músicos é consistente e a interação entre os músicos para a correção e auxílio 32 aos demais no que concerne a aspectos técnicos é uma prática constante, tornando os ensaios bastante produtivos. Os ensaios são bem disciplinados e organizados, acontecendo em um tempo total de cerca de duas horas, com um intervalo após uma hora do início das atividades. A afinação é realizada atenciosamente respeitando o nível técnico do aluno e o mesmo é possível dizer a respeito das atividades técnicas utilizando exercícios com escalas. O regente realiza um trabalho detalhado com cada um dos naipes e em alguns momentos pede para que os alunos toquem individualmente. O rigor disciplinar ajuda muito no andamento do ensaio, favorecendo o desenvolvimento dos conteúdos planejados. É incomum o receio de alguns alunos em se manifestar no decorrer do ensaio, a maioria sente-se à vontade para manifestar suas dúvidas e dar sugestões que são bem recebidas pelo Mestre. Há pouca ou quase nenhuma atividade de criação musical feita nos ensaios e os alunos não cogitam fazer nenhum tipo de improvisação. O regente sempre convida os músicos dos demais naipes a apreciarem enquanto um determinado naipe executa um trecho. Os músicos estão sempre em comunicação por gestos ou por sussurros onde um ajuda o outro tirando dúvidas técnicas do instrumento e de execução e leitura do repertório. 33 CAPÍTULO III 3.1 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE APLICADA A PESQUISA NA CMSS A técnica de pesquisa escolhida para essa investigação foi a Observação Participante. Correia (2009) ressalta que essa metodologia é realizada em contato direto, frequente e prolongado do investigador com seus atores sociais, inclusos em seu contexto cultural. A Observação se constitui como uma técnica de investigação, e pode ser complementada com a realização de entrevistas semiestruturadas ou livres, e análise documental. Segundo Correia (2009), a observação participativa é envolvente e o investigador é um instrumento no processo de recolhimento dos dados. A autora deixa explícito como é essencial que o observador esteja consciente dos estereótipos culturais, principalmente os relacionados ao campo que ele pretende adentrar, para que ele possa desenvolver sua capacidade de discernimento. Dessa forma ele se torna apto a compreender o significado das ações e interações de um grupo num determinado contexto em estudo. Como especificado por Correia (2009), em qualquer trabalho de observação, indiferente de sua duração, haverá variáveis. É necessário que inicialmente o pesquisador busque uma visão geral do que acontece no campo de pesquisa com observações descritivas e, depois de analisar os primeiros dados obtidos, se dará início às observações mais focalizadas. Por último, o investigador, após retornar ao campo, volta a novas observações e análise das notas de campo, podendo definir a necessidade de observações mais seletivas. É indispensável ressaltar a importância de se manter uma postura sempre ética como pesquisador, sabendo-se que o observador estará em constante contato e interação com o grupo a ser observado. Como explica Correia (2009), a observação participante é descritiva e simples, sendo também usual em estudos exploratórios, no levantamento de elementos paraa melhor definição do problema a estudar e/ou na construção da questão de investigação. O método especificado exigiu a participação ativa do pesquisador no campo de pesquisa. A inserção no grupo musical escolhido para esta pesquisa foi o primeiro passo para o processo de investigação e compreensão dos aspectos essenciais para obtenção dos objetivos especificados nesse trabalho. Com a constante observação participativa, se buscou 34 decifrar os conceitos teóricos que apoiam esta pesquisa implicados ao campo pesquisado e a aplicabilidade dos mesmos ao grupo. A Corporação São Sebastião do município de Santa Cruz de Minas possibilitou, enquanto grupo musical, a execução integral desta pesquisa. De forma mais específica, o processo de compreensão e aplicação deste trabalho se deu da seguinte maneira: a) Inserção do pesquisador no grupo musical especificado durante oito meses; b) Participação efetiva nas atividades da corporação musical referentes à prática musical em conjunto; c) Observação contínua dos processos grupais durante os ensaios, aulas e apresentações; d) Integração com os membros do grupo através de diálogos informais e aplicação de entrevistas semiestruturadas; e) Produção de diários de campo; f) Registro fonográfico das atividades mais comuns e das performances musicais do grupo; g) Reunião dos dados e informações adquiridas para elaboração de relatórios utilizados como base para elaboração deste trabalho. Foram entrevistados dezesseis membros escolhidos aleatoriamente de acordo com a disponibilidade dos mesmos, abrangendo idades variadas, incluindo o Mestre da banda e o Presidente. Os participantes tiveram a opção de responder a pesquisa oralmente, tendo a fala gravada, ou por escrito, através de um formulário impresso. Nenhum dos músicos convidados a participar das entrevistas se recusou a fazê-lo. 3.2 OBSERVAÇÕES REALIZADAS NA CMSS Foram feitas observações de ensaios extras e semanais, além da participação nas atividades da Corporação, incluindo participação em procissões, apresentações e retretas. O pesquisador se incluiu no grupo como instrumentista, além de auxiliar o Mestre de Banda quando solicitado na regência da Banda de música e como monitor das aulas de iniciação musical e instrumental. Observamos que quando o ensaio começa com muita cobrança, necessária para disciplina, o ensaio fica um pouco tenso. Os músicos demoram a tomar a música como algo prazeroso, ficando temerosos às repressões do Mestre da Banda e pouco receptivos à 35 mensagem principal da música. Porém no decorrer do ensaio, e do desenvolvimento do estudo em conjunto dos músicos com o regente, essa relação vai melhorando e quando se consegue uma harmonia entre os músicos de sopro, percussão e o regente, o trabalho começa a fluir melhor. O grupo estabelece uma interação em prol da realização da tarefa estabelecida durante o ensaio. Quanto mais integrados estão, mais motivados eles ficam para desenvolverem o repertório. Para esse desenvolvimento do repertório é necessário que estejam dispostos a desempenhar suas funções como instrumentista individualmente sem desrespeitar a dinâmica do grupo, e estarem em constante diálogo com os demais integrantes. A percepção do que os outros estão tocando, bem como a atenção à regência e aos aspectos técnicos estabelecidos por consenso entre o grupo, estão presentes nessas práticas e, juntamente com os demais aspectos de interação, são a essência para o estabelecimento do vínculo grupal. Têm-se aqui a exemplificação do vínculo conforme especificado por Pichón- Rivière (1988). O Mestre da banda se esforça para manter um diálogo constante com os músicos, buscando com a interação uma melhor receptividade e retorno do músico em relação ao seu trabalho de regência. Cria-se também durante os ensaios uma constante relação entre os músicos ao se trabalhar aspectos que necessitam do diálogo musical propriamente dito; estamos nos referindo às questões como acompanhamento e melodia, pergunta e resposta, canto e contracanto/ponto e contraponto e demais aspectos afins. Estes aspectos exigem de cada individuo atenção aos outros participantes, bem como controle ou mesmo retenção de suas particularidades em prol do conjunto. A performance musical coletiva não é fruto de apenas um instrumento, mas do encontro entre o conjunto de instrumentos. É a união entre o ritmo executado pela percussão e estabelecido pelo regente junto à expressividade, bem como a melodia de cada instrumento e a harmonia resultando no encontro entre as várias vozes que produz música e a diferencia dos ruídos eminentes da poluição sonora cotidiana. Fica evidenciado a presença do ‘descentramento’ citado por Ramalho (2010) ao abordar as características do vínculo conforme Pichón-Rivière. O Regente ao tomar a batuta frente à banda assume um papel de liderança, e tende a manter uma postura mais séria e rigorosa para manutenção da ordem. Em alguns momentos permite alguma descontração, mas busca sempre manter o controle para não haver distanciamento do objetivo primeiro dos ensaios que é o estudo do repertório. Constantemente o Mestre da banda busca não deixar que a amizade que possui com a maioria dos músicos interfira no seu papel como Regente e professor. Ou seja, os papéis desempenhados por cada 36 participante da banda não podem fugir às especificações determinadas pela tarefa estabelecida durante o ensaio, do contrário, haveria um prejuízo na execução desta, e, consequentemente, na obtenção dos resultados pretendidos. Fora da Banda a relação do regente com a maioria dos músicos é de amizade, tendo, com alguns, vínculos mais fortes que os leva ao constante diálogo e companhia. A grande maioria dos músicos da CMSS também mantém amizade entre si fora da Banda, dividindo-se em grupos diversos de amizade, de acordo com o bairro em que moram ou a escola onde estudam, ou mesmo para a realização de atividades de diversão e entretenimento entre amigos. Nesse contexto podemos nos remeter a Stephen Nachmanovitch (1996) que fala da importância do prazer promovido ao realizar uma atividade em meio a amizades. Dessa forma o ensino e a prática musical dentro desses grupos são motivados e adquirem também uma função de lazer. A Corporação teve um pequeno recesso de vinte dias em dezembro de dois mil e doze. Nesse intervalo alguns integrantes antigos que estavam afastados por meses ou anos da Corporação foram convidados a retornar, dos quais dez atenderam ao convite. Após esse período e com o retorno dos referidos músicos, a Banda voltou a se reunir e se preparou para sua próxima apresentação. Demorou para que os músicos recuperassem a sincronia por terem ficado algum tempo sem ensaiar com a banda toda. De certo modo era perceptível o receio dos membros em relação ao resultado sonoro que o grupo estava atingindo durante o ensaio, tendo em vista que havia uma apresentação marcada logo em seguida. No dia primeiro de janeiro de dois mil e treze a banda tocou na posse da Prefeita de Santa Cruz de Minas e o resultado foi surpreendente. A vontade dos músicos em atingir um bom resultado musical fez com que unissem forças em conjunto, atentando-se mais às suas funções como instrumentista, cada um buscando dar o seu melhor e suprindo suas responsabilidades em cada música. O desejo de atingir o objetivo comum de uma boa performance perante o público, fez com que cada indivíduo assumisse com dedicação máxima seu papel no grupo para a realização da tarefa, o que motivou a obtenção de um resultado satisfatório. Isso indica que o grupo se configura como operativo na visão de Enrique Pichón- Rivière. A relação que temos desenvolvido com os músicos tem sido muito proveitosa, muitos buscam o pesquisador para pedir auxílio e tirar dúvidas, pelo fato do mesmo estar se graduando em música. É frequente o convite de membros da Corporação
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