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1206 Xavier et al.
Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
Ciência Rural, Santa Maria, v.37, n.4, p.1206-1211, jul-ago, 2007
ISSN 0103-8478
RESUMO
O aldicarb (Temik®), um agente anticolinesterásico
carbamato vulgarmente conhecido como “chumbinho”, é
considerado um dos praguicidas mais tóxicos disponíveis
comercialmente. No Brasil, embora seja registrado para uso
agrícola exclusivo, tem sido freqüentemente apontado como o
responsável por diversos casos de intoxicação em seres humanos
e em animais. Desta forma, o presente estudo faz uma
abordagem da toxicologia deste agente, enfocando as
propriedades químicas, a toxicocinética, a toxicodinâmica, o
diagnóstico e os aspectos clínicos e terapêuticos da intoxicação
em cães e gatos.
Palavras-chave: aldicarb, carbamatos, toxicidade,
intoxicação, cães, gatos.
ABSTRACT
Aldicarb (Temik®), an anticholinesterase inhibitor
of the carbamate group known as ‘chumbinho’, is one of the
most toxic of registered pesticides, and has its use restricted to
agriculture in Brazil. In spite of it, aldicarb is being very often
involved in severe intoxication in humans and animals. It is
largely and illegally sold as rodenticide and often used in baits
for intentional poisoning of companion animals. Because of
this the aldicarb toxicology was reviewed empathizing its
chemical properties, toxicokinetic, toxicodynamic, diagnostic
and the clinical and therapeutics aspects in dogs and cats.
Key words: aldicarb, carbamates, toxicity, poisoning, dogs,
cats.
INTRODUÇÃO
A ampla utilização dos praguicidas tem
resultado em aumento do número de intoxicações
humanas e animais, principalmente em países em
desenvolvimento. São relatadas cerca de 3 milhões de
vítimas anualmente e mais de 220 mil mortes no mundo
todo (TALCOTT & DORMAN, 1997; GARCIA-
REPETTO et al., 1998; KALKAN et al., 2003). No Brasil,
dados mais recentes do Sistema Nacional de
Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX)
mostram que, no ano de 2003, os praguicidas em geral
foram responsáveis por 12.788 (15,47%) casos de
intoxicação no homem e 565 (40,91%), em animais
(FIOCRUZ, 2006).
Dentre os praguicidas, os organofosforados
e carbamatos estão entre as principais causas de
intoxicação aguda, em situações acidentais ou não. Isto
pode ser atribuído à alta toxicidade de alguns destes
compostos, à facilidade de aquisição de produtos
registrados para uso agrícola, veterinário ou doméstico
contendo estas substâncias e também ao fato de que a
fiscalização da comercialização dos praguicidas de uso
proibido ou restrito é ineficiente. Em especial, cabe
destacar o caso do aldicarb, um carbamato de alta
toxicidade, que é vendido de forma clandestina e usado
ilegalmente como raticida doméstico e no extermínio
sobretudo de animais de companhia.
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
IDepartamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade de São Paulo (USP). Av. Prof.
Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: fgxavier@usp.br. Autor para correspondência.
IIDepartamento de Patologia, FMVZ, USP, São Paulo, SP, Brasil.
Toxicologia do praguicida aldicarb (“chumbinho”): aspectos gerais, clínicos e terapêuticos
em cães e gatos
Fabiana Galtarossa Xavier1 Dario Abbud RighiII Helenice de Souza SpinosaII
Aldicarb toxicology: general, clinic and therapeutic features in dogs and cats
Recebido para publicação 25.01.06 Aprovado em 20.02.07
1207Toxicologia do praguicida aldicarb (“chumbinho”): aspectos gerais, clínicos e terapêuticos em cães e gatos.
Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
De acordo com a Delegacia de Proteção
ao Meio Ambiente do Rio de Janeiro, o tráfico de
aldicarb é tão ou mais lucrativo quanto o de
entorpecentes, chegando a movimentar, somente no
Estado do Rio de Janeiro, cerca de R$ 3 milhões por
ano. Além disso, em muitos casos, ocorre adulteração
do produto, que é misturado a grafite, milho moído,
farinha de trigo ou areia, além da associação com
organofosforados e anticoagulantes, agravando o
quadro de intoxicação e dificultando o tratamento
médico no caso de ingestão acidental (FERNANDES,
2003).
Em Medicina Veterinária, dados nacionais e
internacionais mostram a participação do aldicarb como
agente tóxico utilizado para exterminar animais de
companhia ou silvestres, estando este problema sempre
relacionado ao seu uso ilegal e criminoso (DELAUNOIS
et al., 1997; FRAZIER et al., 1999; GUITART et al., 1999;
MOTAS-GUZMÁN et al., 2003; XAVIER, 2004). No
Brasil, um estudo realizado em 1.633 cães e gatos
recebidos por um Serviço de Necroscopia Veterinário
mostrou que, dos 234 (14,3%) casos relacionados à
intoxicação exógena, o aldicarb foi o agente tóxico mais
comum, sendo responsável por 89% dos casos de
intoxicação em cães e 94,4% dos casos em gatos
(XAVIER, 2004). No mesmo sentido, outros trabalhos
destacaram a participação deste carbamato nas
intoxicações animais no Brasil (SPINOSA & FLÓRIO,
1993; LOBO JR., 2003; GUIMARÃES et al., 2004;
ALMEIDA et al., 2005). Estes dados reforçam a
importância do conhecimento da toxicologia deste
agente, facilitando o reconhecimento precoce dos
sinais clínicos e o tratamento mais adequado dos
pacientes, bem como a necessidade da instituição de
medidas mais eficientes de fiscalização e punição dos
responsáveis por qualquer operação de distribuição e
uso não permitido do produto.
Aldicarb: propriedades químicas, toxicocinética e
toxicodinâmica
O aldicarb ou 2-metil-2(metiltio)-
propionaldeído O-(metilcarbamoil) oxima, um metil-
carbamato, foi introduzido na agricultura na década de
60 com o objetivo de controlar uma ampla variedade de
insetos, ácaros e nematódeos (TRACQUI et al., 2001).
No Brasil, ele é manufaturado na forma de pequenos
grânulos pretos, com 15% de princípio ativo (Temik
150®), e é popularmente conhecido como “chumbinho”.
O aldicarb é um praguicida sintético solúvel
em água e na maioria dos solventes orgânicos, estável
em condições ácidas, degradável em meios alcalinos
concentrados, não-inflamável e não-corrosivo
(RAGOUCY-SENGLER et al., 2000). Além disso, é
relativamente persistente no ambiente, com meia-vida
variando de 9 a 60 dias, dependendo do tipo de solo e
das condições climáticas. Todavia, há relatos da
presença de resíduos 100 a 400 dias após a sua aplicação
(MOTAS-GUZMÁN, 2003). O aldicarb é usado
diretamente no solo e, após a aplicação, é absorvido
pela raiz e distribuído por todo vegetal, de forma que a
simples lavagem da planta não é suficiente para eliminar
o praguicida. Sendo assim, o consumo de certos
produtos inadequadamente tratados pode resultar em
exposição ao aldicarb, como este ainda pode haver de
contaminação de águas subterrâneas (FARLEY &
MCFARLAND, 1999).
O aldicarb é altamente tóxico por via oral e,
qualquer que seja sua apresentação, a absorção no
estômago é rápida e praticamente completa, sendo que
os sinais clínicos da intoxicação podem se iniciar cinco
minutos após a ingestão. A elevada lipofilicidade deste
composto resulta em toxicidade dérmica
aproximadamente mil vezes maior que a dos outros
carbamatos, podendo ser absorvido rapidamente pela
pele íntegra, se na forma líquida (TRACQUI et al., 2001).
Além da alta toxicidade do aldicarb pelas
vias oral e dérmica (KERR et al., 1991), estudos em
camundongos, ratos e cobaias mostraram que a inalação
do aldicarb por cinco minutos é extremamente tóxica
para estas três espécies (GRENDON et al., 1994). A
Environmental Protection Agency (EPA) classificou
o aldicarb na categoria 1, que é a de mais alta toxicidade
(RAGOUCY-SENGLER et al., 2000).
Após ser prontamente absorvido por
qualquer uma das vias de exposição, o aldicarb é
rapidamente oxidado a aldicarb sulfóxido (ASX) e uma
porção deste é lentamente degradada a aldicarb sulfona
(ASN), antes de ser hidrolisado a agentes não-
colinérgicos (BARON, 1994; HARPER et al., 1998). O
aldicarb e seu metabólito ASX possuem toxicidade
aguda semelhante para mamíferos, embora este último
sejaum inibidor mais potente da acetilcolinesterase,
apresentando DL
50
 oral para ratos de 0,49 a 1,41mg kg-1;
o ASN é menos ativo que o aldicarb, com DL
50
 oral para
ratos de 20,0 a 27,0mg kg-1 (BURGESS et al., 1994). Estes
compostos têm sido apontados como indicadores da
exposição ao aldicarb, embora sejam estáveis por, no
máximo, dois dias em animais vivos ou mortos (HARPER
et al., 1998; COBB et al., 2001).
O aldicarb e seus metabólitos são
distribuídos em vários tecidos, mas não há evidências
de acúmulo destas substâncias em nenhum deles e
nem mesmo da presença de resíduos após cinco dias
da exposição. Por outro lado, a presença do aldicarb
em tecidos fetais foi observada em ratos, indicando
que há a possibilidade de passagem transplacentária
em mães expostas (WEXLER, 1998).
1208 Xavier et al.
Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
Como a maioria dos carbamatos, o aldicarb
possui meia-vida curta e, em 24 horas, 80 a 90% da
dose ingerida é excretada na urina (RISHER et al., 1987;
RAGOUCY-SENGLER et al., 2000) na forma de aldicarb
sulfóxido e oxima sulfóxido (WEXLER, 1998).
Os carbamatos exercem sua toxicidade por
meio da inibição da atividade da acetilcolinesterase
(carbamilação) e, conseqüentemente, da estimulação
excessiva dos receptores nicotínicos e muscarínicos.
Nestas condições, a enzima pode ser pronta e
espontaneamente hidrolisada à sua forma original, com
rápida recuperação da atividade da acetilcolinesterase
frente a doses subagudas, sem a ocorrência de
intoxicação acumulativa (KERR et al., 1991; BARON,
1994). Apesar da ação geralmente transitória dos
agentes carbamatos sobre a acetilcolinesterase, cuja
atividade em mamíferos tende a retornar ao normal
dentro de 6 horas após a exposição aguda ao aldicarb
(RISHER et al., 1987), encontram-se na literatura relatos
de inibição prolongada (mais de 60 horas) em seres
humanos intoxicados com este praguicida (BURGESS
et al., 1994). Ademais, a reativação espontânea da
colinesterase é muito lenta em gatos jovens e
inexistente em gatos idosos (NORSWORTHY, 2004).
Na intoxicação por aldicarb, a inibição da
acetilcolinesterase é dose-dependente, podendo haver
sintomatologia severa e morte rápida (RAGOUCY-
SENGLER et al., 2000). Em estudos realizados em cães,
esta inibição foi observada em doses superiores a 0,1mg
kg-1 (BARON, 1994).
O aldicarb como agente de toxicose
Apesar de os praguicidas manufaturados
sob a forma de grânulos serem considerados como os
de menor risco de exposição (quando aplicados
corretamente no trabalho agrícola e não empregados
em outras finalidades que não seu uso inicial),
compostos granulares altamente tóxicos, como o
aldicarb, são mais facilmente acrescentados em iscas
para roedores ou misturados em alimentos e bebidas
com a finalidade criminosa de intoxicar animais ou até
mesmo pessoas (FRAZIER et al., 1999; RAGOUCY-
SENGLER et al., 2000).
Em alguns países onde existe a caça
esportiva, o aldicarb é também utilizado ilicitamente
para matar predadores, como coiotes e lobos, colocando
em risco outros animais silvestres, dado seu efeito
tóxico potente sobre várias espécies de mamíferos,
pássaros, peixes e invertebrados (FRAZIER et al., 1999;
MOTAS-GUZMÁN et al., 2003).
Nenhum efeito crônico tem sido atribuído à
exposição ao aldicarb em animais, embora alterações
de comportamento tenham sido observadas após a
administração subaguda ou crônica de diferentes
carbamatos, além da possibilidade de indução de
neuropatia periférica (GRENDON et al., 1994; WEXLER,
1998). MCENTEE et al. (1994) apresentaram um caso
envolvendo um cão intoxicado pelo aldicarb e que, no
segundo dia pós-exposição, desenvolveu sinais de
polimiopatia, com hipertonicidade muscular, mialgia,
mioglobinúria e aumento significativo da atividade
sérica das enzimas musculares. A polimiopatia aguda
foi confirmada através dos resultados da
eletromiografia.
De maneira geral, sabe-se que as lesões
macro e microscópicas associadas a intoxicações
agudas pelos praguicidas anticolinesterásicos são, per
se, escassas e, na maioria das vezes, inespecíficas. Em
um estudo envolvendo 214 casos de intoxicação pelo
aldicarb em cães e gatos, as alterações mais freqüentes
foram encontradas nos pulmões (91,1% - hemorragia,
edema e congestão), fígado (64,0% - congestão) e rins
(43,4% - congestão). Em todos os animais
necropsiados, foram encontrados grânulos de
coloração enegrecida no conteúdo estomacal, fato este
que levou à suspeição da presença deste agente tóxico
e auxiliou na escolha das amostras a serem colhidas
para fins diagnósticos (XAVIER, 2004).
Diagnóstico das intoxicações por aldicarb
De maneira geral, a toxicose por aldicarb
resulta em sintomatologia severa, com sinais clínicos
iniciando-se dentro de 15 a 30 minutos (RAGOUCY-
SENGLER et al., 2000), de forma que o rápido
reconhecimento da intoxicação e seu tratamento
adequado são essenciais para um prognóstico
favorável (TALCOTT & DORMAN, 1997).
Sendo assim, quando a suspeita é de
intoxicação por carbamatos, amostras de sangue
(heparinizado) e de cérebro devem ser colhidas o mais
rápido possível e mantidas em refrigeração (sangue)
ou congeladas (cérebro) para a determinação da
atividade da acetilcolinesterase (KERR et al., 1991;
BLODGETT, 2006). As atividades da acetilcolinesterase
eritrocitária e da pseudocolinesterase plasmática são
os marcadores biológicos geralmente utilizados nos
casos de intoxicação por aldicarb e outros
anticolinesterásicos (RAGOUCY-SENGLER et al., 2000;
GUIMARÃES et al., 2004). De maneira geral, a redução
em mais de 50% da atividade destas enzimas em
amostras de sangue e cérebro é altamente sugestiva
da exposição a anticolinesterásicos (GFELLER &
MESSONNIER, 2006). Porém, a determinação dos níveis
séricos da acetilcolinesterase em gatos não é precisa
devido à presença de pseudocolinesterase nos
eritrócitos felinos (NORSWORTHY, 2004).
1209Toxicologia do praguicida aldicarb (“chumbinho”): aspectos gerais, clínicos e terapêuticos em cães e gatos.
Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
O conteúdo estomacal de animais de
companhia constitui excelente matriz para a
identificação laboratorial de aldicarb (XAVIER, 2004)
em virtude da alta solubilidade dos grânulos no fluido
gástrico, intervalo extremamente curto entre a ingestão,
início dos sinais clínicos e morte, além do efeito
estabilizante do pH ácido estomacal de monogástricos
sobre o aldicarb (FRAZIER et al., 1999). A
administração deste conteúdo por intubação gástrica
em camundongos é um método utilizado com finalidade
diagnóstica, pois produz quadro clínico clássico, com
intervalo de latência de 5 a 15 minutos e início de
episódios de convulsões clônicas intensas e óbito
(MOTAS-GUZMÁN, 2003).
Além das provas anteriores, a cromatografia
em camada delgada (CCD) tem sido utilizada com
bastante sucesso em animais para o diagnóstico
qualitativo dos casos de toxicose por aldicarb. Para
isto, amostras de conteúdo gástrico ou de alimentos
suspeitas devem ser mantidas congeladas até o
momento da análise (XAVIER, 2004). O emprego da
cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) também
pode ser útil na identificação e quantificação do aldicarb
em amostras biológicas (GUIMARÃES et al., 2004;
MELITO, 2004)
Aspectos clínicos e terapêuticos da intoxicação por
aldicarb em cães e gatos
O quadro de intoxicação por aldicarb é
semelhante ao promovido pelos demais praguicidas
anticolinesterásicos, mas, por se tratar de um agente
extremamente tóxico, tende a iniciar seus efeitos
rapidamente, podendo levar o paciente ao óbito em
poucos minutos após a exposição oral. Portanto, o
prognóstico vai depender principalmente da dose
ingerida e do tempo decorrido entre a exposição e o
primeiro atendimento.
Em cães e gatos, a intoxicação por
organofosforados e carbamatos evolui progressivamente,
iniciando-se com um quadro de agitação
(movimentação compulsiva com ou sem interação com
o meio ambiente), evoluindo para hipoexcitabilidade
(estado de prostração e apatia, mesmo perante a
estímulosexternos) ou hiperexcitabilidade (estado geral
de excitação excessiva, inclusive frente a estímulos
externos). É comum a ocorrência de sialorréia,
observada em maior intensidade nos gatos, e tremores
musculares; segue-se a miose, micção freqüente,
diarréia, bradicardia, dor abdominal e êmese. A
ocorrência de bradicardia é mais comum, mas pode
haver taquicardia pela liberação de catecolaminas pelas
adrenais. Em casos severos, observa-se cianose e
dispnéia, em virtude do acúmulo de secreções
respiratórias e de broncoconstrição, além de depressão
acentuada do SNC; a morte advém da hipóxia resultante
das alterações respiratórias e da bradicardia (MCENTEE
et al., 1994; NORSWORTHY, 2004; GFELLER &
MESSONNIER, 2006).
Os praguicidas anticolinesterásicos estão
associados também à ocorrência de neuropatia periférica
tardia (dores musculares, fraqueza muscular
progressiva e diminuição dos reflexos tendinosos que
ocorrem após duas a três semanas ou até meses após a
exposição) e à síndrome intermediária (paralisia da
musculatura proximal dos membros, da musculatura
flexora do pescoço e da musculatura respiratória que
ocorre 24 a 96 horas após a crise colinérgica aguda),
alterações bastante descritas para organofosforados e
menos freqüentemente para carbamatos (LEON et al.,
1996; ANDRADE FILHO & ROMANO, 2001).
Em um estudo clínico realizado com 11 cães
e 5 gatos intoxicados por aldicarb, diversas alterações
eletrocardiográficas foram encontradas, destacando-
se aquelas observadas no segmento ST, e distúrbios
de condução no ramo descendente da onda R em cães
e a ocorrência de arritmias graves em gatos (LOBO JR.,
2003). Em três cães, sinais clínicos compatíveis com a
síndrome intermediária foram observados 2 a 4 dias
após a exposição, sendo representados principalmente
por ptose palpebral, hiporreflexia e flacidez da
musculatura do pescoço. Achados semelhantes são
descritos na espécie humana em indivíduos que
desenvolveram a síndrome intermediária após a
exposição a organofosforados (HE et al., 1998).
Nos casos de intoxicação aguda oral por
anticolinesterásicos, as medidas emergenciais mais
importantes são a interrupção da absorção do agente
tóxico, obtida através da indução da êmese ou da
lavagem gástrica (até duas horas após a exposição) e a
administração do sulfato de atropina em doses
suficientes para o controle dos sinais muscarínicos
(HANSEN, 1995; RAGOUCY-SENGLER et al., 2000). O
xarope de ipeca pode ser utilizado pela via oral (VO)
para induzir êmese em pacientes conscientes e alertas
(BLODGETT, 2006), devendo ser administrada em cães
na dose de 1 a 2,5ml kg-1(máximo de 15ml no total) e na
dose de 1 a 3,3ml kg-1, em gatos (BEASLEY &
DORMAN, 1990; DORMAN 1995; GFELLER &
MESSONNIER, 2006). Como adsorvente, recomenda-
se o carvão ativado (1 a 2g kg-1, VO), juntamente com
um catártico (caso o paciente não esteja apresentando
diarréia), como o sulfato de sódio (0,25g kg-1, VO, diluído
em 5 a 10 volumes de água), durante pelo menos 12
horas (BLODGETT, 2006; GFELLER & MESSONNIER,
2006). O uso do catártico tem como finalidade a
promoção da passagem do carvão ativado pelo trato
1210 Xavier et al.
Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
gastrointestinal e a eliminação da toxina adsorvida
através das fezes (BUCK & BRATICH, 1986). Catárticos
contendo magnésio devem ser evitados caso os sinais
neurológicos estejam presentes (GFELLER &
MESSONNIER, 2006).
Em cães e gatos intoxicados por
anticolinesterásicos, recomenda-se a administração do
sulfato de atropina na dose de 0,1 a 0,5mg kg-1
(HANSEN, 1995; BLODGETT, 2006), sendo que um
quarto da dose deve ser administrada pela via IV e o
restante pela via subcutânea (SC) ou intramuscular
(IM). Recomenda-se a utilização da menor dose efetiva
possível, dada a possibilidade de que sejam necessárias
várias repetições, baseadas no reaparecimento ou na
persistência dos sinais respiratórios. Neste caso,
preconiza-se a administração da metade da dose inicial.
Além disso, quando houver dispnéia severa, a
oxigenoterapia deve ser realizada, a fim de prover a
demanda aumentada de oxigênio exigida pelo miocárdio
(GFELLER & MESSONNIER, 2006).
É possível a ocorrência de convulsões neste
tipo de toxicose, sendo necessária a administração
cautelosa de benzodiazepínicos, como o diazepam, na
dose de 0,5 a 1,0mg kg-1, IV (ALLEN, 1998). Além disso,
é importante o tratamento da acidose, caso seja
apontada na gasometria, por meio da fluidoterapia e da
administração do bicarbonato de sódio (GFELLER &
MESSONNIER, 2006).
Para o controle dos tremores musculares,
alguns autores recomendam o uso de anti-histamínicos,
como a difenidramina (dose de 1 a 4mg kg-1, IM ou VO,
cada 8 horas), embora isto seja bastante controverso,
principalmente por não ser reconhecida a ação
antinicotínica destes medicamentos e pelo risco de
agravamento dos efeitos neurológicos (CLEMMONS
et al., 1984; FIKES, 1990; BLODGETT, 2006).
O uso das oximas no tratamento da
intoxicação por organofosforados é amplamente aceito,
mas seu papel na intoxicação por carbamatos é ainda
bastante controverso (TALCOTT & DORMAN, 1997),
já que formam um complexo enzima-praguicida
reversível espontaneamente, além de ligarem-se em
ambos os centros ativos da enzima, impedindo sua
reativação pela oxima. Experiências clínicas em seres
humanos não confirmaram o valor do uso destas
substâncias, mas estudos em animais utilizando a
pralidoxima sozinha ou em conjunto com a atropina
mostraram aumento da toxicidade aos carbamatos,
contribuindo para a contra-indicação de seu uso em
um quadro de intoxicação por este tipo de praguicida
(RAGOUCY-SENGLER et al., 2000; ANDRADE FILHO
& ROMANO, 2001; BLODGETT, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Devido ao seu baixo custo, às facilidades
de aquisição e a sua alta toxicidade, o aldicarb tem sido
amplamente utilizado de forma ilegal como raticida
doméstico e como agente de escolha para exterminar
animais de companhia, criando um cenário que coloca
em risco também a saúde humana. Sendo assim, a
divulgação de informações a respeito deste tema,
incluindo o estudo da toxicologia do aldicarb, é
altamente relevante não somente por fornecer auxílio à
rotina do médico veterinário, mas também por servir
como um novo documento que torna público a
gravidade do problema no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
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