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Universidade Federal do Paraná Victor José Nepomuceno – GRR 20215259 O que é Fluidoterapia? A fluidoterapia é a administração de lí- quidos ao paciente para corrigir desequi- líbrios fisiológicos. Pode ser feita de duas formas: ➢ Via enteral: administração pelo trato digestivo (via oral, sonda nasogástrica). ➢ Via parenteral: administração diretamente na corrente sanguí- nea (geralmente por via intrave- nosa). A taxa de administração dos fluidos é calculada em mL/Kg/min ou mL/Kg/h. ➢ Macrogotas: 1 mL = 20 gotas ➢ Microgotas: 1 mL = 60 gotas Exemplo: para infundir 1 mL por mi- nuto, deve-se regular o equipo para: ➢ 20 gotas/min (macrogotas) ➢ 60 gotas/min (microgotas) As principais soluções utilizadas são: ➢ Soluções cristaloides (Ringer Lactato, NaCl 0,9%) ➢ Soluções coloides (Hetastarch, Plasma) ➢ Água de torneira (apenas para reposição via enteral, nunca in- travenosa) Objetivos da Fluidoterapia A fluidoterapia tem quatro grandes obje- tivos: 1. Restaurar o volume circulante (corrigir hipovolemia). 2. Corrigir desequilíbrios eletrolí- ticos (sódio, potássio, cloro, etc.). 3. Ajustar alterações ácido-base (acidose, alcalose). 4. Manter um acesso venoso para administração de medicamentos ou transfusões. Indicações da Fluidoterapia Quando devemos indicar fluidoterapia para um cavalo? ➢ Reanimação emergencial (cho- que hipovolêmico, sepse). ➢ Reposição de fluidos (diarreia, refluxo gastrointestinal, sudorese excessiva) ➢ Atender necessidades diárias (quando o animal não ingere água suficiente) ➢ Tratamento específico para uma condição clínica. Importante: A fluidoterapia não é apenas "dar soro". Deve haver um objetivo bem definido para sua administração. Lembre-se: Fluido é uma droga e pode trazer tanto benefícios quanto malefícios se adminis- trado em excesso ou de forma er- rada. Fisiologia da Fluidoterapia Quando administramos fluidos, eles se distribuem pelo corpo de maneira espe- cífica: ➢ Trocas entre o vaso sanguíneo e o interstício → acontecem em 30-20 minutos. ➢ Trocas entre o espaço extrace- lular (EEC) e intracelular (EIC) → levam 24 horas para atingir equilíbrio. A Osmolalidade (quantidade de partícu- las dissolvidas no fluido corporal) influ- encia diretamente essa distribuição: ➢ Osmolalidade de um cavalo adulto: 281 mOsm/L ➢ Osmolalidade de um potro: 245- 267 mOsm/L A interação dos líquidos entre os com- partimentos segue a Lei de Starling, que descreve como os fluidos se movimen- tam entre os vasos e os tecidos. ➢ Net filtration = K [Pcap-Pcap) – (plasma-int) Cuidados específicos Cuidado com o volume e a velocidade da infusão! ➢ Potro recém-nascido com sepse → Fluido deve ser administrado com cautela, pois a distribuição da água corporal é diferente da de um adulto. ➢ Cavalo árabe desidratado após enduro → Necessita de fluidos para restaurar a homeostase, mas evitando sobrecarga cardíaca. Se infundir fluidos rápido demais → risco de edema pulmonar e sobrecarga circulatória! Se infundir fluidos devagar demais → o cavalo pode continuar desidratado e sem melhora clínica! Tipos de desidratação Desidratação Intracelular: Causada pela perda de água livre do corpo (fe- bre, respiração intensa, sudorese exces- siva) Desidratação Extracelular: Causada pela perda de líquido isotônico (hemor- ragia, diarreia intensa, refluxo gástrico). Sinais Clínicos Hipovolemia (Déficit de volume sanguí- neo circulante) ➢ Taquicardia (aumento da fre- quência cardíaca) ➢ Extremidades frias (má perfusão periférica) ➢ Taquipneia (respiração acele- rada) ➢ Pressão arterial reduzida / pulso fraco ➢ Enchimento jugular diminuído ➢ Correção deve ser imediata! Desidratação = Perda de líquido no espaço intersticial (fora dos vasos sanguíneos). Pode ou não afetar o volume circulante. Hipovolemia = Perda de volume sanguíneo circulante dentro dos vasos. Desidratação (Perda de líquido nos teci- dos, sem afetar necessariamente o vo- lume circulante) ➢ Elasticidade da pele diminuída (teste de turgor cutâneo) ➢ Mucosas secas (olhar gengivas e conjuntiva) ➢ Olhos profundos (globo ocular retraído devido à perda de lí- quido) ➢ Correção em 12-24h (trata- mento mais gradual) Fluidos corporais em Cavalos A água corporal total de um equino re- presenta: ➢ 60-70% do peso corporal → está distribuída entre os compar- timentos intra e extracelular. ➢ Volume aproximado: 0,55-0,77 L/kg. ➢ Importância: O equilíbrio hí- drico adequado é essencial para a função cardiovascular, digestiva e metabólica. Ciclo Enterossistêmico O ciclo enterossistêmico é um meca- nismo que envolve a absorção, redistri- buição e eliminação de substâncias no organismo equino. Esse processo pode influenciar fármacos, toxinas e metabóli- tos, afetando sua biodisponibilidade e excreção. Caminho da Substância pelo Corpo ➢ ST – Estômago: A substância en- tra no trato digestivo por inges- tão. ➢ SI – Intestino Delgado: Principal local de absorção de nutrientes, fármacos e toxinas. As substâncias atravessam a mucosa intestinal e entram na circulação pelo sistema porta hepático ➢ CE – Circulação Entero-Hepá- tica (Fígado): O fígado metabo- liza parte da substância e pode excretá-la na bile. Algumas substâncias conjugadas na bile podem retornar ao intestino e ser reabsorvidas, repetindo o ci- clo. ➢ LC – Lobo Ceco (Ceco e Cólon): Algumas substâncias sofrem fer- mentação bacteriana, gerando compostos absorvíveis (ex.: áci- dos graxos voláteis). ➢ SC – Sistema Circulatório Geral: A substância reabsorvida no in- testino retorna ao sangue, onde pode ser redistribuída para ór- gãos-alvo ou ser excretada. Esse processo se repete até que a subs- tância seja totalmente metabolizada e eli- minada! Quadro 1: Graus de desidratação (%) e si- nais clínicos associados à hipovolemia e de- sidratação em equídeos Grau (%) Mucosas TPC PT VG Outros Sinais Cálculo do volume a ser reposto Para calcular o volume total de fluido ne- cessário, deve-se considerar: ➢ Grau de desidratação (Déficit hí- drico) ➢ Perdas fisiológicas diárias (Ma- nutenção) ➢ Perdas patológicas (Refluxo, di- arreia, sudorese excessiva, etc.) Cálculo da manutenção (Perdas Fisiológicas) A manutenção diária de fluido é essen- cial para compensar fezes, sudorese, urina e perdas insensíveis (pele e pul- mões). ➢ Valores médios de manutenção: o Cavalo adulto: 40-60 mL/Kg/dia o Animal em jejum: ~10 mL/Kg/dia o Animal jovem: 100 mL/Kg/dia o Neonato: 150-250 mL/Kg/dia ➢ Fatores que aumentam a neces- sidade hídrica: o Dieta rica em sal e prote- ína o Forragens com alto teor de fibra o Transporte prolongado o Atividade esportiva intensa o Febre e lactação Obs.: A privação de comida reduz a perda de água em até 16% do valor de manutenção normal Cálculo do déficit de Desidratação A desidratação é calculada com base no percentual estimado de perda hídrica: Fórmula: Grau de desidratação x Peso/100 + Volume de manutenção + possíveis perdas ➢ Déficit (L) = (Grau de desidratação) x (peso corporal)/100 Cálculo das perdas patológicas Deve-se considerar refluxo enterogás- trico, diarreia, vômitos e sudorese anormal. Fórmula: ➢ Perdas Patológicas=(Vo- lume perdido por hora)×24h Exemplo de cálculo em um Cavalo Adulto Cavalo de 500 kg com 8% de desidra- tação e 2L de refluxo enterogástrico por hora Passo 1 – Cálculo do Déficit Hídrico ➢ 0,08x500=40L Passo 2 – Volume de Manutenção ➢ 0,05×500=25L (para 24h) Passo 3 – Perdas Patológicas ➢ 2L por hora×24h=48L Passo 4 – Volume total necessário ➢ 40L+25L+48L=113L/24hConclusão: Esse cavalo precisa de 113 litros de fluido nas próximas 24 horas para corrigir a desidratação, manter o equilíbrio e repor as perdas. Estágios da Fluidoterapia A fluidoterapia é dividida em quatro es- tágios principais, cada um com um ob- jetivo específico: 1. Ressuscitação Inicial a. Correção rápida de hipo- volemia e choque 2. Reidratação a. Reposição do déficit hí- drico estimado b. Normalização do volume intravascular e intersticial 3. Manutenção a. Suporte contínuo para atender às perdas fisioló- gicas diárias 4. Interrupção a. Redução gradual da taxa de fluidos para evitar efeitos adversos Protocolo ROSE na Fluidoterapia O protocolo ROSE ajuda a guiar a admi- nistração de fluidos com base no estado do paciente: ➢ R - Rescue (Resgate): Adminis- tração rápida de fluido para cho- que hipovolêmico; ➢ O - Optimization (Otimização): Administração contínua até a perfusão ser adequada ➢ S - Stabilization (Estabilização): Manutenção do equilíbrio de flu- idos e eletrólitos ➢ E - Evacuation (Evacuação): Descontinuação gradual para evi- tar sobrecarga hídrica Ressuscitação para Hipovolemia Grave (8-12% de Desidratação) ➢ Objetivo: Restauração rápida do volume circulante em 30-60 mi- nutos. ➢ Fluido recomendado: Solução cristaloide ➢ Dose inicial: o 20 mL/Kg (até 45-90 mL/Kg) ▪ Pode ser repe- tido até 5 vezes, conforme necessi- dade ➢ Monitoramento o Frequência Cardíaca (FC) o Tempo de preenchimento capilar (TPC) o Qualidade do pulso o Temperatura das extremi- dades o Níveis de lactato o Produção urinária o Pressão arterial Taxa de manutenção Após a ressuscitação, a manutenção dos fluidos deve ser ajustada: ➢ Taxa recomendada: 2-4 mL/Kg/h (equivalente a 1-3 mL/Kg/h em algumas condi- ções) Equilíbrio Ácido-Base O equilíbrio ácido-base é fundamental para a homeostase e deve ser monitorado na fluidoterapia. ➢ Acidose Metabólica (Excesso de Ácido no Sangue) o Principais causas: Hipo- natremia; Hipercloremia; Hiperproteinemia ➢ Alcalose Metabólica (Excesso de Base no Sangue) o Principais causas: Hipo- cloremia; Hipoalbumine- mia; ➢ Parâmetros laboratoriais para análise: o pH sanguíneo o Base Excess (BE) o Anion Gap (AG) o Strong Ion Difference (SID) o Eletrólitos (Na⁺, K⁺, Cl⁻, HCO₃⁻) o Pressão arterial de CO₂ (PaCO₂) Cálculo: Strong Ion Difference (SID) ➢ SID (Diferença de Íons Fortes) é um indicador do equilíbrio ácido-base do organismo ➢ Fórmula: SID=(Na++K++Ca2++Mg2+) − (Cl−+outros ânions) ➢ Interpretação: o SID alto (> 40 mEq/L): Tendência a alcalose o SID baixo (e retêm líquido no espaço intravascular. b. Tipos: i. Naturais: Plasma, sangue total, albumina ii. Sintéticos: Solu- ção de amido, dextrans, gelati- nas c. Indicação: i. Hipoproteine- mia grave ii. Casos de choque em que soluções cristaloides isola- das não são sufici- entes d. Contraindicações: i. Doença cardíaca congestiva ii. Oligúria ou anúria iii. Sepse grave e. Cuidado: Uso excessivo pode levar a coagulopa- tias e falência renal. Vias de Administração da Fluidoterapia 1. Intravenosa (IV) a. Indicação: i. Equinos com re- fluxo enterogás- trico (onde fluido- terapia oral não é possível) ii. Ressuscitação rá- pida em choque hipovolêmico iii. Necessidade de reposição rápida de eletrólitos b. Limitações: i. Alto custo ii. Necessidade de monitoração constante iii. Risco de trombo- flebite iv. Risco de embolia (ar, trombo) v. Risco de hiper-hi- dratação 2. Fluidoterapia Oral a. Utilizada como método complementar ou suple- mentar à terapia IV b. Vantagens: i. Estimula a motili- dade intestinal (reflexo gastrocó- lico) ii. Pode ser adminis- trada em grandes volumes c. Opções i. Soluções comer- ciais com sais mi- nerais ii. Soro caseiro (mistura de sais e glicose) iii. Apenas água d. Contraindicações: Equinos com refluxo gástrico ou comprometi- mento intestinal severo 3. Fluidoterapia Retal a. Pouco utilizada, mas pode ser uma alternativa quando a fluidoterapia oral e IV não são viáveis. b. Riscos: i. Perfuração retal ii. Absorção irregu- lar