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Os grandes desafios do controle da Administração Pública*
Floriano de Azevedo Marques Neto
 
Palavra­chave: Controle (Administração Pública).
Sumário:  I Introdução ­ I.1 Experiências recentes no direito estrangeiro ­ II Premissas do
controle ­ II.1 O Estado Moderno e a ideia de controle da Administração ­ II.2 Controle do poder e
controle da atividade ­ II.3 Tripla dimensão do controle ­ II.4 Controle e consequencialismo (a
necessidade de uma prática responsiva) ­ II.5 A relação entre controle e eficiência da
Administração ­ II.6 Diferentes acepções de controle ­ III Controle: vertente funcional ­ III.1
Objetivos do controle da Administração ­ III.2 Classificações do controle ­ III.2.1 Quanto ao
método de controle ­ III.2.2 Quanto ao momento do controle ­ III.2.3 Quanto ao vetor de
controle ­ III.3 Diagnósticos sobre a vertente funcional do controle administrativo ­ IV Controle:
vertente estrutural ­ IV.1 A atividade de controle exercida pelos três Poderes ­ IV.2 Modalidades
de controle ­ IV.2.1 Controle hierárquico ou tutelar ­ IV.2.2 Controle articulação e controle
fiscalização ­ IV.2.3 A regra do artigo 13 do Decreto­Lei nº 200/67 ­ IV.2.4 Autocontrole ­
IV.2.4.1 O controle interno ­ IV.2.4.2 O controle correicional ­ IV.2.5 O controle das empresas
estatais ­ IV.2.6 O controle social ­ IV.2.6.1 O controle social participativo ­ IV.2.6.2 Os comitês
de fiscalização de atividades ­ IV.2.6.3 O controle social reativo ­ IV.3.7 Diagnósticos sobre a
vertente estrutural do controle administrativo: a "autonomização" do controle ­ V Desafios, críticas
e autocríticas ­ Referências
 
I Introdução
1 Ninguém pode desconsiderar a importância do tema do controle da Administração Pública. Uma
adequada e eficiente estrutura de controle (em todas as suas dimensões) é pressuposto para a boa
administração, o que em última instância constitui direito de todo administrado.1 O tema do
controle da Administração Pública desperta por si mesmo um crescente interesse, suscitando nos
últimos tempos um debate não apenas nos meios jurídicos, mas especialmente no âmbito político e
institucional. Mais do que uma questão de limites de competências ou de busca da eficiência, a
reflexão sobre o controle remete ao debate em torno do poder público. Os limites do poder da
Administração se imiscuir na esfera de direitos dos indivíduos (o controle da legalidade ou do abuso
de poder); o controle entre entes estatais para invalidar atos e decisões de outros entes (o
controle judicial ou parlamentar dos atos administrativos, por exemplo); ou ainda os limites de
invasão da seara da discricionariedade administrativa por parte dos entes incumbidos do controle
(interno, externo, inclusive judicial, como demonstra o intrincado tema da sindicabilidade das
políticas públicas pelo Judiciário).
Diante da perspectiva de uma revisão e atualização das normas disciplinadoras da estrutura da
Administração Pública,2 colocou­se necessário repensar novas formas de organização de sua
estrutura, em razão da introdução de novas modalidades de entidades estatais, que estão surgindo
em profusão ao longo dos últimos anos. Além disso, faz­se necessário também refletir sobre as
alternativas para o aprimoramento do funcionamento da máquina estatal, com a utilização de
instrumentos destinados a avaliar desempenho institucional, a incentivar a boa gestão e resultados
satisfatórios, a prevenir e combater a corrupção. E aqui o tema do controle, além da relação direta,
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Belo Horizonte,  ano 9,  n. 100,  abr. 2010 
 
 
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tem importância significativa. As transformações por que vem passando o Estado nos dão a
possibilidade de refletir e colocar em prática mecanismos que o tornem mais democrático, que
proporcionem mais transparência ao exercício do poder decisório.
Há contudo um desafio: como enfrentar o tema do controle num ambiente em que desmandos e
despautérios administrativos se multiplicam, em que escândalos se sucedem num fluxo
inacreditavelmente intenso. Mais do que isso, estes últimos tempos demonstram que qualquer
proposta de revisão ou mudança (mesmo que visando ao seu aperfeiçoamento) do controle sempre
pode ser recebida como uma tentativa ardilosa de enfraquecer os controles e, portanto, favorecer a
bandalheira. Porém, a desconfiança quanto aos propósitos das mudanças cede lugar quando sem
paixões verificamos que o sistema de controle hoje existente, a despeito de seus méritos e de suas
falhas, também não tem sido eficiente para coibir desvios ou para impedir os desregramentos que
ora e vez surgem à vista dos cidadãos. Assim, pois, nos convencemos de que aperfeiçoamentos são
necessários e que mudanças não devem ser vistas com preconceito, como tentativas de aniquilar
conquistas obtidas desde a Constituição de 1988.
I.1 Experiências recentes no direito estrangeiro
Sem desconsiderar a crescente e necessária busca de ética na Administração Pública, a
multiplicação de escândalos nos lega um diagnóstico de que grande parte dos mecanismos de
controle atualmente existentes são marcadamente formais e custosos. Deve­se buscar como meta
a estruturação de um sistema de controle eficiente, no sentido de ser efetivo, aproximando o poder
político dos seus destinatários, sem, no entanto, engessar a máquina administrativa. Os
mecanismos de controle devem ser concebidos para que sejam eficientes e que permitam aferir,
não apenas mas de forma determinante, o quanto a atividade administrativa está revertendo em
benefício do administrado (seja com resultados concretos das políticas públicas, seja mesmo com
probidade, economicidade e eficiência). Para isso deve­se evitar que o excesso de regras e
procedimentos e a sobreposição de controles acabe por se constituir em entrave ao bom
funcionamento da Administração.
2 O tema mereceu recentemente reflexão no âmbito dos trabalhos da Comissão encarregada da
elaboração de Anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública Federal e Entes de
Colaboração, dentro da perspectiva de reformulação do Decreto­Lei nº 200, de 1967,3 que ainda
hoje dá as bases para a organização da Administração Pública em âmbito federal. No Direito
comparado ­ e aqui nos referimos especialmente à União Europeia ­ o tema tem merecido
constante debate. A busca do avanço para a modernização da União Europeia tem levado a
Comissão Europeia a realizar, desde 2000, uma reforma não apenas na gestão financeira, como
também nas formas de controle lá existentes.
Aqui, como cá, também a discussão em torno do tema assume características de polêmica para
além dos limites do Direito. Nos últimos anos, passou­se a questionar o chamado déficit
democrático da União Europeia, relacionado à noção de accountability, entendida como prestação
de contas, responsabilização. Buscando alterar esse panorama, passou­se a implementar reformas
na Administração Pública Europeia e, nessa perspectiva, alguns autores4 passaram a considerar
que a União Europeia está em vias de criar um novo modelo de democracia, fundado em
mecanismos de controle das autoridades públicas.
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A reforma tem impactado diretamente no controle interno e, em alguma medida, pode ser
percebida no controle externo, embora em sua organização não tenha sido feita nenhuma
modificação substancial. O processo de reforma do sistema de controle interno da Comissão foi
iniciado em abril de 2000 com a publicação pela Comissão de um Livro Branco estabelecendo um
calendário do processo e as medidas a serem implantadas. Os anos 2000 e 2001 marcaram um
período de transição na reforma. Durante esse período5 foi adotado o novo Regulamento
Financeiro, houve o reforço da Auditoria Interna, foi efetuada a descentralização do controleinterno e implantada a declaração anual dos Diretores Gerais.6 Há um debate rico não apenas
relacionado à implementação de estruturas de controle interno, como também à forma como os
mecanismos de controle estão trabalhando efetivamente na prática.
3 A ideia deste texto não é fazer uma compilação do debate no Brasil ou na União Europeia. O
intuito é meramente percorrer alguns pontos de reflexão sobre o controle e assim agregar algo
sobre como o controle vem sendo exercido na prática, assinalando pontos que a nosso ver
constituem seus desafios contemporâneos. Partiremos das premissas do controle (item II), para
então tratá­lo sob a perspectiva de dois ângulos de análise, a partir de sua vertente funcional
(item III), e a partir de sua vertente estrutural (item IV), assinalando quais são os diagnósticos de
cada uma delas. Em seguida, procuraremos pontuar o que a nosso ver constitui seus desafios
contemporâneos (item V). No último tópico cumprirá enfrentar algumas críticas que a proposta
apresentada pela Comissão vem enfrentando (item VI).
II Premissas do controle
II.1 O Estado Moderno e a ideia de controle da Administração
4 O controle da Administração Pública transcende em muito o debate em torno do controle interno
ou externo da atividade administrativa, a delimitação das competências das Cortes de Contas ou
mesmo os procedimentos voltados a coibir desvios e desmandos na ação dos agentes públicos
(servidores ou agentes políticos). A dimensão do controle envolve mesmo a própria configuração
do Estado Moderno.
Dois foram os eixos centrais da noção de Estado Moderno, que acabaram por conduzir à efetivação
e legitimação do poder político: a concentração do poder (com a afirmação da soberania), e sua
delimitação (a separação e demarcação das esferas pública e privada).7 Os dois vetores
propiciaram a centralidade do poder decisório (primeiro nas mãos do Rei e posteriormente do
Estado enquanto espaço público autônomo e desvencilhado das prerrogativas pessoais do
soberano), a concentração do poder de coordenar e conduzir a sociedade num espaço decisório
apto ao estabelecimento de uma relação de governo (daí por que a necessidade de demarcação da
esfera de ação estatal). Ao mesmo tempo que se construiu a unidade do poder político, limitou­se
este poder, dentro de uma perspectiva de que o Estado seria o espaço onde seriam adotadas as
decisões voltadas a controlar, coordenar, dirigir ou incentivar a sociedade, um espaço onde se
desenvolveria o poder decisório e seriam efetivados os fins coletivos de uma dada sociedade.
Nesse contexto o Direito Administrativo surgiu atrelado à centralidade do poder decisório e
dependente de uma concepção de interesse público voltada a justificar a existência do poder
político soberano e restrito à esfera pública. Ao mesmo tempo que a outorga de um poder ao
Estado precisava de uma legitimação, era necessário implementar um arcabouço de regras e
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princípios que o limitassem, um campo do Direito que assegurasse um intervencionismo estatal
aceitável, como proteção contra o risco de exercício arbitrário do poder político.
5 A relação é direta com a própria noção de Estado de Direito.8 Este Estado, em contraposição ao
Estado­Polícia característico do absolutismo, não apenas impõe normas jurídicas aos indivíduos. A
lei subordina também a própria atuação do Estado, pois seus agentes a ela devem obediência.
Quando a vontade individual dos governantes é substituída pela autoridade da norma geral, e o
Estado passa a se submeter à ordem jurídica, o poder estatal passa a ser limitado e pode então ser
controlado pelos seus destinatários. Vistas antes apenas como forma de se exigir obediência das
pessoas às determinações do poder político, já agora na Idade Contemporânea ­ especialmente a
partir dos marcos históricos das Revoluções Americana e Francesa ­ as normas jurídicas
possibilitam disciplinar a organização e o funcionamento da máquina estatal. A ideia de controle da
Administração Pública é então intrínseca a essa necessidade de proteger os delegatários do poder
estatal contra o risco do seu exercício arbitrário.
6 O problema comum de se controlar o poder estatal foi solucionado ao menos por duas maneiras
nos vários ordenamentos jurídicos. Fazemos referência aqui à solução francesa e à solução
americana, que criaram sistemas de controle jurisdicional da Administração,9 posteriormente
adotados em outros países.
Na França adotou­se um sistema de jurisdição que se caracteriza por uma dualidade: em paralelo à
jurisdição ordinária ou comum funciona uma jurisdição administrativa, destinada a julgar litígios
que envolvem a Administração Pública. Veja que aqui ao lado e de forma independente da
jurisdição ordinária comum cabe a uma jurisdição especial, formada por um conjunto de juízes ou
tribunais administrativos, o controle dos atos do Poder Executivo (atos administrativos em
essência). Estas Cortes Administrativas são encabeçadas por um órgão superior em regra
denominado Conselho de Estado. Esse sistema de jurisdição dupla foi também adotado em países
como a Alemanha, a Suécia e Portugal.
Em países anglo­saxônicos e em muitos países latino­americanos, como a Argentina e o Brasil, por
sua vez, a solução encontrada foi outra. Neles há um sistema de jurisdição una, na qual também
os julgamentos dos litígios em que a Administração é parte competem aos juízes e tribunais
comuns, admitindo­se varas especializadas, inseridas entre os órgãos de uma única ordem de
jurisdição.
7 Bem é verdade que esses sistemas, ao se relacionarem com o controle jurisdicional da
Administração, não são as únicas formas de controle hoje existentes. Do ponto de vista estrutural,
veremos que o controle não é adstrito ao exercido pelo Judiciário. Cumprem um papel importante
no exercício do controle também os Poderes Legislativo e mesmo pelas instâncias internas ao
Executivo, mediante mecanismos de autocontrole. Também a própria sociedade, através dos
mecanismos que lhe são atribuídos, exerce formas de controle sobre a Administração. Mas toda a
estrutura de controle é formada com a intenção de preservar o equilíbrio entre a tensão da
autoridade (poder extroverso) atribuída aos agentes estatais e a liberdade que se quer garantir aos
indivíduos, sua proteção contra o arbítrio, o desvio ou o abuso no manejo deste poder.
8 Os fenômenos econômicos, sociais e políticos a que se assistiu nas últimas décadas conduzem a
um processo de redefinição do Estado,10 marcado pela superação dos eixos centrais da noção de
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Estado Moderno. De um lado, vê­se a impossibilidade de permanência do caráter autoritário,
monopolista e unilateral que o Estado tinha para estabelecer o que vinha a ser, no caso concreto, o
interesse público. De outro, a superação da dicotomia direito público/direito privado acarreta a
aproximação entre Estado e sociedade e o afastamento da ideia de que o público corresponderia
exclusivamente à estatal. A superação dos dois vetores estruturantes do Estado Moderno, nos
quais o Direito Administrativo assentou suas bases, e o processo em curso conduzem a que se
pense na reconfiguração de um núcleo de poder político mais transparente e eficiente na tutela e
consagração de interesses públicos. Nesse sentido, a reflexão sobre os mecanismos de controle e
seu aprimoramento é tarefa imprescindível para avançarmos na estruturação ­ em sentido largo ­
do Estado.
II.2 Controle do poder e controle da atividade
9 Na medida em que se faz necessário atribuir poder a um aparelho decisório estatal para se
garantir o próprio convívio social e assegurar o atendimento de necessidadescoletivas, atribui­se
ao Estado uma ampla gama de ingerências na vida social. Baseando­se no uso da força, o qual
detém com exclusividade, o Estado não reconhece poder interno ou externo superior ao seu,11  e
atua por meio de diversas dimensões. Podemos enfocar o Estado como detentor do monopólio da
violência legítima, como formulador de políticas públicas ou mesmo seu executor. Podemos ainda
entendê­lo como aparelho decisório detentor de um poder vinculante dos indivíduos, um espaço
onde se desenvolveria o poder decisório no processo de controle político e de efetivação de fins
coletivos de uma dada sociedade.12 Qualquer uma dessas dimensões do Estado remete ao poder
político que lhe é atribuído. A necessidade de frear esse poder, de modo a contê­lo e preservar os
direitos fundamentais, nos remete ao tema do controle.
10 Para que possa colocar em prática essas atribuições, atuando concretamente, os agentes
públicos são encarregados de concretizar, dentro dos marcos legais, as funções de manejo do poder
conferido pelo Estado. Chegamos então à ideia de atividade administrativa, um conjunto
organizado de atos que visam à realização de um determinado objetivo que interessa a toda a
coletividade.
Dito de outro modo: o controle da Administração não se presta apenas para evitar o desvio de bens
ou recursos públicos. O controle deve envolver também a verificação de que o poder atribuído ao
Estado está sendo manejado eficientemente para cumprir as finalidades que justificam e legitimam
a sua atribuição ao agente público ou se o sacrifício de direitos individuais inerente à ação estatal
está correspondente ao proveito efetivo auferível pela coletividade. O controle dos bens e recursos
públicos é importante, mas ele se cinge à aferição da regularidade do exercício das atividades­meio
da Administração. Antes ou independente dele há que se controlar o adequado uso do poder
extroverso e o resultado do manejo deste poder. Aqui podemos falar em controle do poder e
controle da atividade.
II.3 Tripla dimensão do controle
11 Adentramos com isso uma tripla dimensão do controle, voltada ao poder, aos meios e aos
objetivos.
11.1 O controle do poder visa a garantir a liberdade, a proteger os indivíduos contra o arbítrio.
Relaciona­se à ideia de Estado de Direito e ao próprio surgimento do Direito Administrativo,
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enquanto campo do Direito voltado a implementar um arcabouço de regras e princípios que limite o
poder estatal e proteja os indivíduos contra o risco de exercício arbitrário do poder político.
11.2  O  controle dos meios volta­se à busca da racionalização da atividade administrativa, de
maneira a que ela seja orientada pela economicidade e probidade. Esse controle deve orientar­se
pela otimização da gestão do patrimônio público. A ele deve ser dada a melhor utilização possível,
que possibilite inclusive uma aplicação econômica condizente com suas finalidades públicas. Ao
mesmo tempo, o controle dos meios deve propiciar o controle do desvio de finalidade na gestão da
coisa pública.
11.3 O controle dos objetivos volta­se a consagrar a estabilidade e a permanência na consecução
das políticas públicas que, como programas de ação, instrumentos de consecução de finalidades,
devem ser concebidas num prazo longo, visando não a objetivos imediatos, influenciados pelo jogo
político­eleitoreiro, mas por um viés de planejamento e ordenação da Economia e da sociedade.13
Esse controle volta­se também a assegurar o agir administrativo orientado a prontamente suprir as
demandas dos administrados, de modo a obrigar que a organização administrativa homenageie
sempre o bom exercício da função pública que toda prestação estatal deve perseguir no interesse
geral do cidadão.
II.4 Controle e consequencialismo (a necessidade de uma prática responsiva)
12 Uma das vertentes que deve ser sempre considerada quando tratamos do tema do controle é a
que diz com suas consequências. O controle não é um fim em si mesmo. Ele é um instrumento
para o aperfeiçoamento da Administração e para a busca de eficiência e efetividade. A presunção
de que o controle valha por si só, como se a mera existência de estruturas de controle seja
suficiente para a Boa Administração trai uma visão formalista do controle. A Administração Pública
somente é eficiente se além de não desperdiçar recursos públicos (evitando o desvio ou o
desperdício) ela logra atender às necessidades coletivas que correspondem à finalidade do agir
administrativo. Qualquer controle que, sob o pálio de coibir o desvio ou o desperdício impede a
consecução de uma ação administrativa acaba por produzir um efeito contrário àquele que justifica
a existência do controle. Para impedir que a Administração gaste mais do que o devido numa obra
ou numa compra, não se deve predicar que ela seja impedida de executar a obra ou adquirir o
insumo. O entrave da Administração pelo controle acaba por causar malefício comparável àquele
gerado pelas condutas ímprobas. Uma Administração pia, proba e impródiga não é necessariamente
uma Boa Administração. Será se conciliar lisura e economicidade com eficiência e efetividade. Do
mesmo modo, um sistema de controle que só pune, invalida e impede não será um controle
conforme aos cânones do Estado Democrático de Direito. Será se conseguir combinar rigor no
combate aos despautérios com a verificação ponderada das consequências das medidas de coibição
a seu alcance. Ademais, será um bom sistema de controle se aferir também os resultados das
políticas públicas e das ações administrativas, verificando o quanto elas estão a reverter para a
sociedade.
Neste sentido é que se diz que o controle deve ser responsivo14 ou que deve ter um viés
pragmático ou consequencialista. Em uma palavra, qualquer órgão ou agente incumbido do
controle (Tribunal, órgão administrativo ou Corte de Contas) deve sempre perquirir e avaliar as
consequências da medida de controle antes de adotá­la. Não para tornar o controle mais lasso, mas
para modular as medidas corretivas ou acautelatórias no sentido de que elas tenham o menor
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impacto para o interesse público mais denso envolvido no caso. Vendo um exemplo de controle não
responsivo fica mais fácil de identificar os contornos desta necessária vertente do controle.
É comum órgãos de controle interno ou externo inquinarem por irregulares contratações diretas
por dispensa de licitação com base no art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93 (contratação por emergência)
nas hipóteses da assim chamada emergência ficta ou seja aquela que advém da incúria, omissão ou
mesmo imprevisão inescusável do administrador. Nestas situações é forte a tendência de
considerar descabida a dispensa de licitação pois a situação de urgência não veio do incontornável,
mas da ação ou omissão do agente público. Contudo, o fato de a situação emergencial ter sido
fruto de incúria ou ardil não elide o fato de existir situação apta a comprometer a segurança de
pessoas ou bens. Ora, simplesmente manejar competência de controle para impedir o afastamento
da licitação e interditar a contratação direta terá como consequência concorrer para o risco à
incolumidade da saúde ou do patrimônio dos administrados. O doente da rede pública que precisa
da medicação em falta no almoxarifado não pode sofrer as consequências do agir negligente do
responsável pelos suprimentos do hospital. Simplesmente obstar a compra do medicamento
alegando que a emergência é fabricada significa desconsiderar os impactos da decisão de controle.
Uma prática responsiva apontaria por autorizar a dispensa, determinar a punição dos responsáveis
e, previamente, forcejara introdução de mecanismos mais aptos e eficientes para gestão de
suprimentos, inclusive introduzindo o monitoramento de estoques se o caso. A postura de
simplesmente invalidar a dispensa ou mesmo atuar ex ante impedindo a aquisição do medicamento
neste caso constitui exemplo de prática não responsiva, que não considera os impactos da medida
de controle, sendo típico exemplo de controle autorreferenciado e incompatível com as finalidades
públicas da atividade.
II.5 A relação entre controle e eficiência da Administração
13 Desde 1998, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19 ao caput do art. 37 da
Constituição Federal, a eficiência está entre o rol de princípios a orientarem as atividades da
Administração Pública. Trata­se de uma sinalização clara do dever (agora constitucionalizado) de
que a atuação e organização administrativas se voltem a eficazmente satisfazer as finalidades
públicas. Mas o dever de eficiência ainda cumpre um segundo objetivo: deve ser entendido como
parâmetro de controle, de aferição permanente do atendimento das finalidades na atuação do
poder público, refletindo um direito subjetivo ao recebimento da boa prestação administrativa.15
14 A busca de eficiência da Administração Pública, no entanto, e ao contrário do que consta do
senso comum, não implica necessariamente aumentar o controle. Ao menos por três motivos nem
sempre é verdadeira a correlação de quanto mais controle, mais eficiente será a Administração: (i)
a multiplicidade de controles pode levar à ineficiência do próprio controle; (ii) os procedimentos de
controle têm custos; e (iii) o controle pelo controle pode levar ao déficit de responsividade acima
enunciado.
Quando uma mesma ação administrativa se submete a uma miríade de múltiplas instâncias de
controle, para além da inócua multiplicação de procedimentos, corre­se o risco de controlar várias
vezes um aspecto e de se deixar de ter em conta outro, criando a falsa impressão de rigor quando
na verdade há ociosidade e omissão em controlar o efetivamente relevante.
A atividade de controle é em si uma atividade administrativa. Ela também deve se submeter ao
cânone da economicidade e eficiência. Estruturas duplicadas ou superdimensionadas ou o
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desperdício de recursos com procedimentos de controle inócuos é em si um desvio a ser também
ele coibido e controlado.
Por fim o já visto acima. A lógica autorreferenciada do controle leva à tendência de se justificar o
controle por si só. Sua legitimidade passa a se basear na contundência das medidas de controle e
não na sua consequência ou consistência. Invalidar todo um programa de melhorias com proveitos
à coletividade por um defeito menor ou por uma falha formal, em exemplo extremo, não é sinal da
efetividade do controle, mas prova da sua falta de responsividade. É a negação da lógica da
eficiência.
15 Nesse sentido, mais do que buscar regras e controles em excesso, o desafio é perseguir um
sistema de controle que seja eficiente, sem constituir, no entanto, entrave ao bom gerenciamento
da máquina administrativa.
Nessa linha, o próprio Decreto­Lei nº 200/67, ao dar tratamento ao tema do controle, prevê em
seu art. 14 a racionalização do trabalho administrativo mediante a simplificação de processos, a
supressão de controles meramente formais e o afastamento de mecanismos de controle cujo custo
seja evidentemente superior ao risco.
II.6 Diferentes acepções de controle
16 Antes de tratarmos das vertentes funcional e estrutural do controle, é importante notar que
controle, além de ter diferentes dimensões (podendo se relacionar ao poder, aos meios e aos
objetivos, cf. item II.3 acima), tem diferentes acepções, cada qual com suas notas características.
O tema será aprofundado em tópico próprio (item IV.3.2, a seguir).
Podemos tomar o controle a partir da ideia de que toda atividade administrativa se submete, pelo
seu próprio funcionamento, a algum tipo de controle na medida em que a atuação do agente
público é submetida a normas e procedimentos dentro dos quais o plexo de competências (superior
hierárquico, sistemática de recursos, participação dos interessados, dever de publicidade etc.)
significa por si só um método de ação que denota mecanismos de controle procedimental. É o que
ocorre com a estrutura e os requisitos do ato administrativo, com a processualidade, com a tutela
jurisdicional, com a publicidade etc.
São também manifestação do controle os mecanismos de articulação administrativa, a qual é
efetuada de maneira permanente dentro dos diversos órgãos e entidades que compõem a
Administração e objetiva uniformização, alinhamento, direção. Por fim, uma terceira dimensão é a
do controle enquanto fiscalização ou correção; nesta vertente, o controle realiza­se de forma
permanente e objetiva o monitoramento, verificação, e adoção de providências em face de
condutas indevidas, com vistas a invalidá­las ou escoimá­las de falhas ou vícios.
III Controle: vertente funcional
III.1 Objetivos do controle da Administração
17 Analisamos o controle sob diversos ângulos. Mas, afinal, qual é sua função? Quais objetivos são
perseguidos ao se controlar a Administração?
17.1 Um primeiro objetivo que parece advir claro da própria ideia de controle é a defesa do
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patrimônio público. Como proprietário que é de todos os bens que integram seu patrimônio (tudo o
quanto economicamente valorável ­ bens, direitos e receitas ­ integrantes dos entes públicos), o
Estado tem não o poder, mas sim o dever de defender seu patrimônio. Dizemos aqui dever em
razão da própria relação entre a propriedade estatal e a necessidade de cumprimento permanente
da função social (que incide com ainda maior rigor por ser pública a propriedade). É ela condição
de legitimação permanente de um patrimônio público.
17.2 Relacionado a esse objetivo, temos um segundo: a adequada aplicação dos recursos públicos.
Como proprietário que deve cumprir uma função social, o Estado deve se preocupar com gestão
orçamentária, com a organização e gestão de seus orçamentos, alocando os recursos disponíveis
nas atividades que sejam prioritárias e necessárias ao bom exercício de suas atividades. Mais: na
medida em que os recursos de que dispomos se tornam cada vez mais escassos, mais se faz
necessário refletir sobre as regras e os limites postos para o poder público gerir os bens que lhe
são atribuídos. Cada vez mais é necessário verificar se o emprego dado a um bem do patrimônio
público corresponde à melhor utilidade que dele se pode extrair. Assim é que a adequada aplicação
dos recursos públicos se relaciona não apenas com gestão orçamentária, como também com
responsabilidade civil, economicidade (eficiência alocativa)16 e probidade.
17.3 Um terceiro objetivo a ser perseguido pelo controle é o cumprimento das finalidades da
atuação administrativa. Para isso, é importante que o controle seja exercido sobre políticas públicas
(o que tem se chamado de "sindicabilidade" ou mesmo de juízo de constitucionalidade de políticas
públicas),17 que se efetive de forma a coibir o abuso e o desvio de poder e em prol da
implementação de direitos fundamentais. É também importante que se efetue um controle de
eficiência administrativa (cf. item II.5 acima).
17.4 Por fim, o controle tem por objetivo a adstrição à legalidade. Sendo a lei a base da atuação
administrativa, a sujeição da Administração à legalidade tem caráter preventivo e reativo. Sob o
viés preventivo, o controle objetiva impedir que a atuação administrativa seja praticada de forma
ilegal. Sob a perspectiva reativa, é forma de verificar se, ao desempenharsuas atividades, a
Administração Pública respeitou a ordem jurídica. Sob ambas as perspectivas (preventiva e
reativa), o controle da legalidade pode ser visto como instrumento para aplicação de políticas
gerais uniformes, de decisões coerentes no âmbito da Administração Pública.18
Nos últimos anos, o controle sobre a legalidade da atividade administrativa tem despertado muita
atenção. Não apenas pela dificuldade em si de a conduta administrativa ­ concreta e para situações
específicas ­ ser estritamente determinada pela lei ­ preceito geral e abstrato ­ mas também
porque a lei já não consegue mais prever de maneira precisa e a priori os limites da atuação da
Administração, o que faz com que cresça a margem de controle da atuação administrativa,
inclusive da discricionariedade.19 Relacionado a esse processo, hoje chama a atenção o fato de que
a adstrição do controle à mera verificação formal do cumprimento de prescrições legais pode gerar
um déficit de responsividade, ou seja, um distanciamento em relação aos objetivos e efeitos
alvitrados pela sociedade e perseguidos pela atuação administrativa. A isto retornaremos (itens
IV.3.9 e V).
III.2 Classificações do controle
III.2.1 Quanto ao método de controle
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18 Fizemos referência linhas atrás à tripla dimensão do controle (II.3), praticado que pode ser em
relação ao poder ou aos meios e aos objetivos. Os meios e os objetivos nos levam a pensar no
método de controle. Em relação aos meios e processos, efetivam­se controles formais. Em relação
às metas e resultados, realizam­se controles materiais.
Os controles formais se pautam na verificação da atenção aos procedimentos e requisitos previstos
em lei como condição para a prática de um ato. A presunção, que deve ser respeitada, é a de que
se a lei exige uma condição formal para a prática de um ato, isso tem uma razão, um fundamento.
Tanto é assim que a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65, art. 2º, "b") prevê que o vício de forma
é causa da anulação de um ato administração em sede do controle judicial provocado por qualquer
cidadão. É certo que os requisitos formais são de observância obrigatória e que o controle da forma
não é irrelevante, pois coíbe desvios e reforça a segurança jurídica.
Contudo o controle exclusivamente formal é insuficiente. A ele devem ser associados mecanismos
de controle material, assim entendidos aqueles que se voltam a aferir o resultado de um ato ou
ação administrativa. São várias as formas de exercer um controle matéria da ação administrativa.
A verificação da efetividade de uma política pública é uma maneira. Outra, cada vez mais comum,
é aquela adotada pelas Cortes de Contas no sentido de analisar a economicidade das contratações
administrativas. Desconsiderando aspectos atinentes à proteção constitucional da incolumidade da
proposta econômico­financeira advinda de uma licitação (art. 37, XXI, CF), quando um fiscal de
contas analisa a adequabilidade de preços globais ou unitários resultantes de processo licitatório
formalmente regular está exercendo controle material para além do controle meramente formal. O
controle material nem elide o controle formal, na verdade com ele deve ser combinado, nem se
traduz necessariamente na legitimação pelo resultado (é comum uma crítica bizarra a essa
modalidade de controle alegando­se que por ela a maior falcatrua teria de ser admitida se dela
resultasse proveito à coletividade; assim não é pois se falcatrua houve, o proveito não foi o maior
possível de ser auferido pela sociedade).
O que se destaca no contraponto com o controle formal é que este tende a manter os órgãos de
controle numa certa zona de conforto e favorecer a falha de responsividade. Em suma o controle
meramente formal é pouco dado à verificação de consequências. Daí a necessidade de ser
privilegiada a dimensão do controle material, inclusive como mecanismos de complementação e
aperfeiçoamento do controle formal.
III.2.2 Quanto ao momento do controle
19 O controle pode se realizar antes da atuação administrativa (controle ex ante, que objetiva
impedir que um ato ilegal ou contrário ao interesse público seja praticado), simultaneamente à sua
realização (controle concomitante) ou mesmo posteriormente (controle ex post, que tem por
finalidade rever os atos já praticados, com vistas a corrigi­los, desfazê­los ou apenas confirmá­los,
abrangendo atos como de aprovação, homologação, anulação, revogação e convalidação).20
A discussão em torno do controle prévio ou a posteriori demanda sempre que se delimite o marco
temporal demarcador do que seja o antes e o depois. Em princípio o controle é prévio quando é
exercido antes da prática do ato; é feito a posteriori quando analisa um ato ou procedimento que já
esteja a produzir efeitos. Traçando um paralelo com o controle de constitucionalidade das leis, há o
controle prévio que se exerce nas instâncias de tramitação legislativa ou no momento de sanção ou
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veto. Há o controle ex post que nesta senda será exercido em caráter difuso ou concentrado pelas
instâncias judiciais competentes (pressupondo incabível a negativa de cumprimento administrativa
de lei por declaração não judicial de inconstitucionalidade).
Muitos afirmam que o controle ex post se aproxima da atuação do médico legista, que só é
chamado para examinar a vítima, o morto, quando já defunta. Afora o mau gosto da figura
retórica, a metáfora pressupõe que o marco temporal do antes e do depois seja a consumação dos
efeitos deletérios do ato irregular. Não é disso que se trata. A concomitância ou tempestividade do
controle não pode implicar a antecipação da ingerência controladora ao momento prévio à pratica
do ato ou do procedimento de tal sorte que a atuação do controlador se confunda com a atuação do
gestor. Se o controlador antecipa­se à prática do ato de tal modo que ele passa a interagir e
cooperar com o administrador na prática de um ato, na definição de uma política pública ou na
condução de um procedimento, o agente do controle perde a condição de controlador e passa à
condição de partícipe da atividade a ser controlada. Deslegitima a atividade de controle.
De outro lado, o controle a posteriori não pressupõe que os efeitos sejam irreversíveis. Porém,
presume que para um efetivo controle deve haver separação entre a atividade controlada
(realizada antes) e a atividade de controle (que deve se basear num ato ou procedimento já
efetivados, sem o que o controle se imiscuirá na atividade administrativa, perdendo­se a fronteira
entre gestão e controle).
III.2.3 Quanto ao vetor de controle
20 O controle pode advir de uma relação de hierarquia, de uma relação institucional ou decorrer
de um vínculo contratual.
20.1 Numa estrutura hierarquizada, com escalonamento de poderes, o controle é exercido pelos
superiores. Como consequência lógica da hierarquia, decorre, para o superior, o poder de dar
ordens, de expedir instruções, circulares, ordens de serviço, de avocar, organizar serviços,
comandar a execução de atividades, fiscalizar atos e atividades dos subordinados (inclusive
revogando ou anulando decisões que por esses tenham sido tomadas).21 É o controle que se
exerce internamente a um órgão público, mediante a ascendência do superior hierárquico sobre
seus subordinados.
20.2 O vetor institucional do controle é aquele que se exerce mediante a tutela de um ente por
outro. Nele não há propriamente hierarquia, mas verificação do cumprimento dos objetivos
institucionais que justificam a criação do ente. Normalmente o controle institucional se exerce nos
termos da lei e por meio dos órgãos de governança do entecontrolado. É pelo vetor institucional
que se exerce a maior parcela das modalidades de controle. Nela se situa a tutela exercida pelos
órgãos da Administração central sobre os entes da Administração indireta. É também institucional,
balizada pela Constituição ou pela Lei, o controle externo exercido pelo Legislativo ou pelas Cortes
de Contas. Também é institucional o controle exercido pelos órgãos correicionais, como é o caso da
CGU no âmbito da Administração federal.
20.3 O controle, por sua vez, pode decorrer de uma relação contratual. Fazemos referência aqui
aos mecanismos de controle que são exercidos nos termos de uma relação "contratualizada", ou
seja, não por relação hierárquica, nem por vínculo institucional. Nestes casos podemos situar a
fiscalização exercida pela Administração sobre os particulares contratados no bojo das chamadas
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cláusulas exorbitantes (art. 58, III, Lei nº 8.666/93); o controle exercido sobre as atividades das
Organizações Sociais que travem Contrato de Gestão com órgãos públicos ou o controle sobre as
atividades dos delegatários da prestação de serviços públicos no âmbito da atividade regulatória
estatal.
III.3 Diagnósticos sobre a vertente funcional do controle administrativo
21 Diante dos objetivos que devem ser buscados através dos mecanismos de controle, das
classificações propostas, e do quadro atual da Administração Pública, parece claro que o
aperfeiçoamento dos instrumentos e das estruturas de controle passe por três vertentes: (i)
redução dos mecanismos de controle meramente formais; (ii) conferência de maior peso ao
controle dos resultados; (iii) busca de maior eficiência da atuação dos órgãos de controle com a
redução de sobreposições, otimização de procedimentos e supressão de controles cujo custo seja
maior do que o efetivo benefício.
IV Controle: vertente estrutural
IV.1 A atividade de controle exercida pelos três Poderes
22 A Administração Pública se sujeita a controle por parte dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
22.1 O controle pelo Executivo se efetiva por mecanismos de controle interno (em sentido amplo),
pelo qual a Administração Pública exerce controle sobre sua própria atuação, em relação aos atos e
atividades de seus órgãos e entidades descentralizadas que lhe são vinculadas.22
Esse controle poderá ser hierárquico ou tutelar. É o que vemos prescrito, por exemplo, no art. 84,
II, da Constituição Federal, que prevê competir privativamente ao Presidente da República exercer,
com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da Administração federal. Ao exercerem a
direção superior, estarão eles exercendo controle sobre a Administração, dando um norte, as
orientações da macropolítica governamental.
Poderá ser interno (em sentido estrito), ou externo. O controle interno normalmente é realizado
pelo sistema de auditoria.23  O  caput art. 70 da Constituição Federal, por exemplo, confere ao
sistema de controle interno de cada Poder estatal a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração direta e indireta, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia das receitas. Em
sentido assemelhado, o art. 74 da Constituição afirma que os Poderes estatais manterão, de forma
integrada, sistema de controle interno.
O controle interno poderá também ter caráter correicional, que é aquele que se exerce para
corrigir e punir atuações que ferem os padrões de conduta desejáveis.
22.2 O controle externo exercido pelo Legislativo pode se efetivar diretamente pelo Parlamento,
como se vê das previsões constitucionais que conferem ao Congresso Nacional a competência
exclusiva para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar
ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V), para julgar anualmente as contas prestadas
pelo Presidente da República e dos Ministros de Estado, observados preceitos constitucionais (art.
49, IX), fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder
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Executivo, incluídos os da Administração indireta (art. 49, X). O art. 70, caput, da Constituição
também confere ao Congresso Nacional, mediante controle externo, a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração
direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia das receitas.
De outro lado, o controle pelo Legislativo pode ser exercido pelos Tribunais de Contas.   A
Constituição atribui expressamente competências ao Tribunal de Contas da União para que auxilie
no controle externo, a cargo do Congresso Nacional. O rol de competências constitucionais está
previsto no art. 71.
22.3 O controle externo exercido pelo Judiciário efetiva­se independentemente de eventual
apuração do ocorrido em sede de processo administrativo.
22.3.1 Em razão da inércia da jurisdição, sempre será exercido por provocação do interessado.
Nesse sentido a Constituição prescreveu a impossibilidade de a lei excluir da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV), e a possibilidade de utilização dos
instrumentos do habeas corpus, do mandado de segurança, do mandado de segurança coletivo e do
mandado de injunção (nos termos do previsto no art. 5º, LXVIII, LXIX, LXX e LXXI,
respectivamente).
Poderá o controle judicial ser exercido de maneira difusa, pelos entes legitimados para tanto. É o
que a Constituição faz, por exemplo, ao legitimar os cidadãos a propor ação popular (nos termos do
que prevê o art. 5º, LXXIII), e o Ministério Público a promover o inquérito civil e ação civil pública
e a exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, III e VII).
O controle exercido pelo Judiciário poderá também incidir sobre a constitucionalidade de ato
normativo, pelos mecanismos da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade, previstas no art. 103 da Constituição.
22.3.2 Bem é verdade que os doutrinadores costumam ver com bons olhos o exercício do controle
da Administração pelo Judiciário,24 mas segue sendo bastante discutido o alcance que esse
controle pode ter. Embora não se discuta caber ao Judiciário a análise da legalidade em sentido
estrito,25 ainda é bastante polêmico o cabimento de um controle mais amplo pelo Judiciário, que
adentre o campo da discricionariedade do administrador público.26 Nesse sentido, hoje em dia é
fértil a discussão do tema do ativismo judicial, objeto de posições críticas da doutrina mais
recente.27
Ao longo do tempo, algumas teorias vêm sendo elaboradas para fixar limites ao exercício do poder
discricionário, de modo a ampliar a possibilidade de sua apreciação pelo Poder Judiciário. Assim é
que, de modo a controlar o mau uso da discricionariedade, foram desenvolvidas as teorias do
desvio de poder28 (quando a autoridade se utiliza do poder discricionário para atingir fim diverso
daquele que a lei fixou cabe apreciação judicial) e a teoria dos motivos determinantes (pela qual é
dada ao Poder Judiciário a possibilidade de apreciar a validade dos motivos que levaram a
Administração a praticar determinado ato se ela os tiver indicado). É fato que hoje assistimos a
uma ampliação ainda maior do controle judicial da Administração,29 o que, se, de um lado, pode
ser muito positivo, não pode, no entanto, ensejar a substituição da discricionariedade do
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administrador pela do juiz.
23 O exercício do controle, no entanto, não se restringe apenas ao controle por parte dos Poderes
estatais. É conferido também aos participantes da sociedade civil, o que acarreta maior legitimação
à governança, maior transparência à atuação da máquina administrativa e, fundamentalmente,
maior controle sobre suas atividades. Voltaremos ao tema do controle social em tópico específico
(item IV.3.8, a seguir).
IV.2 Modalidades de controle
IV.2.1 Controle hierárquico ou tutelar
24 Nos últimos anos, a estrutura "piramidal" da Administração Pública, fundamentalmente baseada
no vetor da hierarquia e na ideia de existência de um centro único de controle político relacionado
à autoridade sobre as diferentes estruturas administrativas (sobre os variados órgãos e entidades
estatais), vem dando lugar a uma Administração que podemos chamar de "matricial" ou
"policêntrica", caracterizada, sobretudo, pelo exercício do controle de forma diferente ao que
costuma ser concebido para a atividade estatal.30
25 O processo de convergência para uma Administração matricial é bem sinalizado pela
emergência e profusão das agências reguladoras. Ao se revestirem de independência em face do
poder político, elas acabam por quebrar o vínculo de unidade no interior da Administração,
rompendo com o modelo tradicional pelo qual todas as ações administrativas são diretamente
reconduzidas ao governo.31
Dotar os órgãos reguladores de autonomia implica, por exemplo, garantir estabilidade aos seus
dirigentes que, investidos de mandato, são, durante esse período, inamovíveis. Implica também
dotá­las de autonomia de gestão e financeira, através das quais se procura atribuir à agência
capacidade de organizar e gerir seus orçamentos, interditando contingenciamentos ou cortes
orçamentários, e garantir que os recursos financeiros necessários à sua atividade sejam
independentes em relação ao poder central. Acarreta também sobre elas não incidirem os
mecanismos típicos de controle hierárquico, pelo que os dirigentes do órgão da Administração
central aos quais os órgãos reguladores são institucionalmente vinculados não podem anular,
revisar ou revogar os atos praticados pelas agências.
A alteração do desenho piramidal de Administração para um arranjo em que o controle não é
exercido quase que exclusivamente por órgãos integrantes do aparelho do Estado não acarreta, no
entanto, a sujeição a mecanismos de controle. Implica sim se repensar o controle da atividade
estatal tal como ele vem sendo exercido.
26 Se o eixo estruturante da estrutura piramidal de Administração é a hierarquia, numa
Administração matricial, o vetor hierárquico é relativizado. Daí por exemplo a impropriedade do
controle hierárquico exercido pelo Executivo sobre as agências.32
27 Isso nos coloca diante da necessidade de apartar o controle hierárquico intrapessoa do
extrapessoa jurídica.
27.1 O controle intrapessoa jurídica tem como vetor a hierarquia. Dentro da pessoa jurídica dotada
de autonomia, é pressuposto do escalonamento de poderes, o controle exercido pelos superiores
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sobre os seus subordinados. O Anteprojeto de Lei Orgânica dá tratamento ao tema ao cuidar da
supervisão hierárquica (item 24.1, abaixo).
27.2 De maneira diversa, o controle extrapessoa jurídica tem como estruturante o vetor
institucional, exercido mediante a tutela de um ente por outro. Está­se aqui diante do exercício da
supervisão por vinculação, aquela que incide sobre entidade da Administração indireta (item 24.1,
abaixo).
28 Outra forma de controle deve ser exercida em face dos entes administrativos autônomos. Aqui
não se está diante propriamente de hierarquia ou tutela exercida dentro de uma pessoa jurídica ou
em sua relação com outro ente estatal. Não faz sentido submeter estes entes, aos quais a lei
confere autonomia, outros mecanismos de controle aplicáveis aos entes administrativos em geral,
mecanismos de ingerência sobre a nomeação de seus dirigentes ou de fiscalização de limites e
critérios para despesas com pessoal.
IV.2.2 Controle articulação e controle fiscalização
29 Em linha com as diferentes acepções de controle anteriormente apresentadas (item II.6),
repartimos o controle articulação do controle fiscalização. Esta é a diretriz adotada no Anteprojeto
de Lei Orgânica, que em seções próprias cuida do tema da articulação administrativa (Seção II,
arts. 38 a 49) e do controle stricto sensu (Seção III, arts. 50 a 68).
29.1 Como articulação, já o dissemos, o controle é exercido de forma permanente, objetivando
uniformização, alinhamento, direção. Entendido como articulação, o controle busca assegurar a
uniformidade, a racionalidade e a coesão política no exercício das competências dos diferentes
órgãos e entidades estatais, bem como no relacionamento com os entes de cooperação e de
colaboração. A articulação é exercida através dos mecanismos de coordenação e supervisão.
29.1.1 A coordenação, a ser exercida em todos os níveis da Administração, destina­se a
simplificar, integrar e unificar a ação administrativa. Sua promoção busca promover o
compartilhamento de informações em rede, a racionalização no uso de recursos e a unificação de
procedimentos, de modo a evitar­se a sobreposição de competências e a duplicação de níveis
decisórios.
Respeitadas a autonomia e as competências do órgão ou entidade estatal, deve ser exercida
mediante a atuação dos superiores hierárquicos, com participação das chefias subordinadas e a
instituição e funcionamento de comissões de coordenação. Caberá a estas a promoção da
racionalização de meios e o intercâmbio de informações relativas aos programas e iniciativas de
cada órgão ou entidade envolvida. Com vistas a, de fato, promover a unificação da ação
administrativa, o Anteprojeto confere ao Chefe do Executivo, no exame de matéria que envolva
diferentes interesses setoriais, a possibilidade de convocar conferência de serviço, que reúna os
órgãos e entidades competentes para decisão célere e concertada. Ainda objetivando a integração,
o Anteprojeto prevê o dever de as entidades estatais buscarem a composição de conflitos com
outras entidades estatais.
29.1.2 Já a supervisão, à qual se submetem os órgãos e entidades estatais, pode ser exercida a
partir da hierarquia ou da vinculação.
29.1.2.1 A supervisão hierárquica, exercida no âmbito da Administração direta (v.g., sobre
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órgãos), compreende a nomeação de dirigentes, a emissão de atos normativos, ordens, o
estabelecimento e avaliação de objetivos e metas, o monitoramento das ações, o exercício do
poder disciplinar, bem como a cobrança permanente de informações e resultados. É exercida pelo
Chefe do Executivo em relação aos órgãos que lhe são diretamente subordinados, pelos Ministros
de Estado (e equivalentes, nos demais entes políticos) e pelos dirigentes das pessoas jurídicas
administrativas.
29.1.2.2 A supervisão por vinculação, exercida não a partir da hierarquia, mas do vínculo jurídico
existente entre entidade supervisionada e supervisor, por sua vez, efetua­se sobre a entidade da
Administração indireta (pelo órgão a que ela se vincula) e se relaciona à verificação periódica do
atendimento de diretrizes governamentais e dos objetos fixados nos atos constitutivos e nos
instrumentos ampliadores de autonomia; à prestação de informações administrativas, operacionais
e financeiras; à submissão às normas de elaboração, encaminhamento e execução orçamentária e
responsabilidade fiscal; à fiscalização de limites e critérios para despesascom pessoal; e à fixação
de limites e critérios de despesas com publicidade.
A ideia aqui foi estabelecer uma supervisão mais intensa, constante e intrusiva no âmbito da
Administração direta (v.g., cobrança de metas e resultados fixados a priori), e uma supervisão
menos invasiva e muito mais centrada na ideia de resultados no âmbito da Administração indireta.
29.2 De maneira diversa, como fiscalização, o controle, exercido sobre as atividades dos órgãos e
entidades estatais, realiza­se de forma permanente e objetiva monitoramento, verificação. Essa
vertente relaciona­se ao exercício do controle stricto sensu, de natureza predominantemente
corretiva. Como fiscalização, o controle se revela tanto pelo monitoramento das atividades
reguladas (de modo a manter­se permanentemente informado sobre as condições econômicas e
técnicas do setor controlado), quanto na aferição das condutas dos controlados, de modo a impedir
o descumprimento de regras e objetivos voltados à implementação de pautas de políticas públicas.
O controle fiscalização abarca os aspectos repressivo e reparador. Como correição, é praticado  a
posteriori e objetiva punição ou saneamento. Como reparação, é desempenhado a posteriori  e
objetiva ressarcir danos (recompor direitos).
IV.2.3 A regra do artigo 13 do Decreto­Lei nº 200/67
30 O Decreto­Lei nº 200/67 contém regra própria (art. 13) por meio da qual sinaliza que o
controle, a ser exercido em todos os níveis e órgãos da Administração, compreenderá: (i) o
controle, pela chefia competente, da execução dos programas e da observância das normas que
governam a atividade específica do órgão controlado; (ii) o controle, pelos órgãos próprios de cada
sistema, da observância das normas gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares; e (iii)
o controle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União pelos órgãos próprios
do sistema de contabilidade e auditoria.
Para além do fato de a regra prever objetos diversos sobre os quais pode incidir (programas,
normas que governam atividades específicas e auxiliares, aplicação dos dinheiros públicos, guarda
de bens), ela demarca o exercício do controle stricto sensu. Busca monitorar a execução dos
programas, a observância das normas, a aplicação dos dinheiros públicos e a guarda de bens.
Objetiva­se averiguar seu exercício e atribuir providências em face de condutas indevidas. A regra
do Decreto­Lei nº 200/67 nos remete ainda a diferentes esferas de controle: a chefia competente,
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os órgãos próprios de cada sistema e do sistema de contabilidade e auditoria.
IV.2.4 Autocontrole
31 O que convencionamos chamar de autocontrole é aquele exercido endogenamente no âmbito da
Administração Pública. Ele pode ser dividido em controle interno e controle correicional. Embora
ambos sejam exercidos dentro da estrutura da Administração, sem envolvimento de outro Poder,
eles são distintos.
O controle interno deve ser exercido no âmbito interno ao órgão ou entidade, pela atuação de
agentes ou segmentos orgânicos dedicados a exercer atividade de controle. É aquele controle a que
se refere o art. 74 da Constituição Federal, e que deve se articular com os órgãos de controle
externo. Os diversos órgãos setoriais de controle interno (existentes em cada órgão ou entidade
componente da Administração Pública) devem se articular entre si e com o órgão central de
controle interno, formando assim o sistema de controle interno.
Já o controle correicional é aquele exercido pelos órgãos especializados de auditoria e corregedoria,
órgãos estes que têm como atividade­fim exclusivamente controlar a ação administrativa de outros
órgãos públicos e de seus agentes. Porém, não é correto que o controle correicional se sobreponha
ou some, sem clareza de atribuições, com os órgãos do sistema de controle interno. Neste sentido
é fundamental que se demarquem nitidamente as competências dos órgãos correicionais, as quais
devem se ater às situações em que seja necessária uma apuração específica quanto a alguma
conduta. Daí a proposta de sua ação ser fundamentalmente reativa, não ex officio, dependente de
provocação interna ou externa aos quadros da Administração. Além disso, de modo a permitir uma
maior racionalidade e eficiência na atividade correicional de controle, é também importante
instituir oportunidades institucionais de verificação e auditagem dos atos e processos, para fins de
identificação de indícios de irregularidades. Para tanto, por exemplo, uma alternativa é se
permitirem investigações de ofício quando da divulgação dos relatórios de contas anuais de um
órgão.
Estas são formas de controle que vêm previstas no Anteprojeto de Lei Orgânica para o exercício do
autocontrole dos órgãos e entidades estatais (art. 58). Seu objetivo é avaliar a ação
governamental e a gestão dos administradores públicos, e apoiar o controle externo (art. 59). O
autocontrole, por seu turno, vem tratado nos artigos 58 a 61.
IV.2.4.1 O controle interno
32 No passado o controle interno era fundamentalmente exercido por um sistema de Secretarias
de Controle Interno, as CISETs, que o exerciam de maneira centralizada.
33 As CISETs antigas foram absorvidas na estrutura da Controladoria­Geral da União (CGU), órgão
do Poder Executivo Federal criado em 2001. Com isso, o controle atualmente está centralizado na
CGU. A CGU, no entanto, não centraliza todo o controle, apenas o exercido sobre atividades­meio,
relacionadas à gestão. Sobre elas, a CGU exerce atividades de fiscalização, aprovação, análise etc.
No entanto, sobre estas atividades, o controle é exercido de maneira ampla, a priori e a posteriori,
o que acaba por conferir ao sistema centralizado um amplo rol de ingerência, seja em relação ao
uso do orçamento, à verificação da boa utilização dos recursos, à contratação de pessoal de
maneira adequada etc.
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Nesse bloco de controle de gestão há ainda um outro conjunto de instâncias de controle,
centralizadas em relação a áreas específicas. Assim é que, por exemplo, o Ministério do
Planejamento centraliza o controle de gestão de pessoal (através da Secretaria de Gestão ­
SEGES), do orçamento (por intermédio da Secretaria de Orçamento Federal ­ SOF) e do tesouro
(por meio da Secretaria do Patrimônio da União ­ SPU).
34 De maneira diversa, o controle sobre atividades­fim, que recai sobre políticas públicas
específicas, é exercido de maneira descentralizada, por cada Ministério supervisor.
35 Buscando uniformizar os procedimentos de controle, e atento aos problemas práticos que foram
verificados na utilização do sistema atual, o Anteprojeto de Lei Orgânica prevê mecanismos de
descentralização não apenas das atividades­fim, como também de parte das atividades­meio,
aquelas exercidas de forma preventiva. O exercício do controle preventivo sobre estas passa a não
mais ser centralizado na CGU, sendo desconcentrado para os Ministérios. Nesse sentido é que o
Anteprojeto estabelece o exercício do controle interno por um órgão central, ao qual compete a
normatização e a coordenação das atividades de controle interno, e por órgãos setoriais, aos quais
cabem as atividades de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e
o apoio ao controle externo (art. 60).
De outro lado, mantém uma instância centralizada de controle repressivo. A CGU permanece com a
competência correicional, cabendo a ela apurar denúncias e irregularidades.
IV.2.4.2 O controle correicional
36 O controle correicional centralizado pela CGU em âmbito federal engloba as atividades de
correição propriamente dita, a apuração de possíveisirregularidades cometidas por servidores
públicos e à aplicação das devidas penalidades, e as de auditorias, que busca assegurar a gestão
adequada dos recursos públicos federais. As atividades relacionadas à correição stricto sensu são
exercidas pela Corregedoria­Geral da União (CRG) e as relacionadas à auditoria são da atribuição
da Secretaria Federal de Controle Interno.
37 No cenário atual de controle, em que a CGU exerce não apenas o controle reativo, como
também o controle concomitante e proativo, acaba por haver sobreposição com as demais
instituições de controle. Por conta disso, o Anteprojeto de Lei Orgânica a ela confere apenas o
controle reativo. Se o interessado faz uma denúncia, ela atua, pelos órgãos de auditoria ou
corregedoria, agindo por representação em reação. Deverá ele ser acionado por provocação interna
ou externa aos quadros da Administração, não podendo os órgãos de controle correicional instaurar
processo de auditoria ou investigação de ofício (art. 61).
Para além de com isso evitar­se a sobreposição, afasta­se a possibilidade de bloqueio de ações
governamentais, em razão de o exercício do controle muitas vezes pautar­se numa perspectiva
autonomista e confrontacionista em relação aos instrumentos de ação do Estado. Isso denota uma
preocupação com o risco das atividades correicionais intrusivas, que acabam gerando a captura das
políticas públicas pelo controlador. Exceção ao exercício do controle de maneira reativa é feita
apenas se da análise dos relatórios de atividades que devem ser publicados anualmente pelos
órgãos e entidades estatais, indicando as metas e os resultados institucionais alcançados e
circunstanciando os obstáculos encontrados (art. 53), surgirem indícios de irregularidades.
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IV.2.5 O controle das empresas estatais
38 Nas últimas décadas, acompanhando o fenômeno de reestruturação dos Estados, tem­se
assistido a um redimensionamento da atuação das empresas estatais, acompanhado basicamente
de dois processos: ora o poder público tem optado por retirar­se da exploração direta de atividade
econômica ou da prestação de serviços públicos, com a privatização típica mediante a venda do
controle de empresas estatais; ora o poder público tem optado por incrementar sua atuação e
flexibilizar a gestão das empresas estatais, mediante a adoção de sofisticados mecanismos
empresariais (v.g., fusão e incorporação empresarial, joint ventures, acordos de acionistas,
contratos de gestão, propriedades cruzadas, grupos societários), caracterizando uma privatização
atípica.33
39 O incremento da atuação das empresas estatais e a flexibilização de sua gestão são
fundamentais para que elas possam seguir como importantes mecanismos de atuação do Estado na
Economia. Mas é necessário que esse processo seja acompanhado do aprimoramento dos
mecanismos de controle dessas empresas, em razão de sua importância em prol do atingimento de
sua função social (ainda que possa ela ser de obtenção de recursos econômicos ao Estado), e do
papel expressivo que elas desempenham na Economia (por exemplo, em razão das muitas compras
que realizam por licitação). A necessidade de controle ainda atrela­se à utilização pelas estatais de
recursos públicos e pelo fato de muitas dessas empresas ora e vez serem atreladas à corrupção que
muitas vezes acomete a sociedade brasileira.
Bem assim é que, como entidades da Administração indireta, as empresas estatais deverão se
submeter à supervisão por vinculação a que dá tratamento o Anteprojeto de Lei Orgânica. A
supervisão por vinculação é aquela que se dá não pela  ingerência hierárquica, mas
fundamentalmente pelo e nos termos do vínculo existente entre a empresa estatal e seu
controlador (direta ou indiretamente a Administração Pública). É nos termos deste vínculo
(estatuto, contrato etc.) que deverá ser realizada a supervisão. Também sobre elas recairão os
mecanismos de controle público (sob a forma de autocontrole e controle externo) e de controle
social.
40 De outro lado, porém, um sistema de controle que parta da ideia de estatal competitiva, o que
a nosso ver é fundamental, deve ser orientado pela modulação do controle, de modo a que ele não
passe a ser entrave ao incremento de sua atuação e flexibilização de sua gestão, para que elas de
fato consigam ser competitivas no mercado.
A ideia foi a nosso ver muito bem equacionada no Anteprojeto de Lei Orgânica, que prescreve a
necessidade de o controle ser compatível com a natureza do órgão ou entidade controlados e com a
especificidade da atividade exercida (art. 51). E vai além ao prever regra de controle específica
para as estatais (art. 52), que estabelece que o controle das estatais a que se refere o §1º do art.
173 da Constituição (portanto, as que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços) deve ser feito preferencialmente (e, por
óbvio, não exclusivamente) por suas instâncias de governança corporativa, observadas as
peculiaridades decorrentes da necessidade de concorrência com empresas privadas.
IV.2.6 O controle social
41 Em paralelo ao controle exercido pelos Poderes estatais, a atividade da Administração Pública
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se sujeita ao controle social, conferido aos participantes da sociedade civil (cf. item IV.2, acima).
Atrelada à permeabilidade de instrumentos jurídicos voltados à transparência da atividade da
Administração, nos últimos anos o controle social tem ganho importância significativa, como forma
de os administrados exercerem seu direito subjetivo público à fiscalização adequada das atividades
exercidas na Administração.
Esse processo de conferência de maior transparência à atuação administrativa vem sendo
acompanhado da abertura aos administrados de canais institucionais, espaços que possibilitam sua
interlocução com as entidades e órgãos controladores, que atuam buscando representar os
cidadãos. Com isso, temos assistido à profusão de mecanismos de participação popular nas
atividades estatais (como as audiências públicas, consultas públicas, o direito de petição e a
utilização de canais de comunicação, como as ouvidorias) e à institucionalização de organismos de
representação da sociedade no cumprimento das funções do ente estatal (como os comitês de
fiscalização de atividades). Afora esses mecanismos, o controle social também pode ser exercido de
forma reativa, através do mecanismo da ação popular.
42 O texto do Anteprojeto de Lei Orgânica dá tratamento específico ao tema do controle social
(arts. 66 a 68), quando então especifica (i) seus objetivos: de aperfeiçoamento da gestão pública,
legalidade, efetividade das políticas públicas e eficiência administrativa; (ii) a forma como será
exercido pela sociedade civil: por meio da participação nos processos de planejamento,
acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações da gestão pública e na execução das
políticas e programas públicos; e (iii) os meios pelos quais se efetivará: participação em consulta
pública ou audiência pública; exercício do direito de petição ou de representação; denúncia de
irregularidades; atuação do interessado nos processos administrativos; e participação em órgãos
colegiados, na forma da lei. Ainda com vistas ao incremento da participação popular, estabelece
que as entidades estatais devem manter ouvidorias ativas (art. 68).
IV.2.6.1 O controle social participativo
43 O incremento da participação popular na atividade da Administração Pública34 tem sido
exercido em grande parte pelos mecanismos das audiências públicas, das consultas públicas, do
direito de petição e das ouvidorias.
43.1 Na legislaçãobrasileira a utilização das audiências públicas vem se firmando ao longo do
tempo como forte instrumento de participação popular. Não há propriamente um regime jurídico
perfeitamente delimitado, mas alguns regramentos gerais foram dados pela Lei de Processo
Administrativo (Lei nº 9.784/99) e por diplomas legais que preveem sua utilização, como a Lei nº
8.666/93 (na fase preparatória do procedimento licitatório para contratações de grande valor e
para os contratos de concessão e permissão de serviço público, por força do art. 14 da Lei nº
8.987/95), a Lei nº 8.689/93 (na gestão do Serviço Único de Saúde), a Lei nº 9.478/97 (no
processo decisório da Agência Nacional de Petróleo), a Lei nº 9.427/96 (nos processos decisórios
da Agência Nacional de Energia Elétrica), a Lei nº 10.257/01 (na definição das políticas públicas)
etc. Tem sido forte também o tratamento dado ao tema pelas Constituições estaduais e leis
municipais.
Trata­se de instrumento de participação popular utilizado na fase instrutória do processo decisório,
uma sessão pública de caráter não vinculante aberta a todos os interessados na qual se discutem
os problemas envolvidos em uma determinada decisão administrativa.
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43.2 O procedimento de consulta pública, em termos gerais, diferencia­se do da audiência pelo
fato de nele inexistirem sessões públicas de debates orais. Trata­se de procedimento mais simples,
em que, após a divulgação prévia de minutas de atos normativos, abre­se um prazo determinado
pela Administração para que os eventuais interessados ofereçam críticas, sugestões de
aperfeiçoamento ou peçam informações e resolvam dúvidas. Antes de tomar sua decisão e de modo
a fundamentar o processo decisório, a Administração documenta as consultas e as responde
publicamente.
Na legislação, a regra geral foi dada pela Lei nº 9.784/99, que faculta à Administração a
convocação de consulta pública em casos de motivado interesse geral. Há ainda regramentos
específicos dados, por exemplo, pela Lei nº 9.472/97 (que estabelece a obrigação da Agência
Nacional de Telecomunicações em submeter à consulta pública os atos normativos que vier a
produzir) e pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
43.3 Dentro do que denominamos de direito de petição englobamos as representações, os recursos
(tais como a reclamação administrativa, o pedido de reconsideração, o recurso hierárquico e a
revisão) e as denúncias de irregularidades.
43.4 Tem crescido também a utilização do instrumento das ouvidorias como canais de comunicação
que possibilitam a mediação entre os cidadãos e os entes da Administração, um espaço para
recebimento de reclamações, sugestões e elogios. Nesse sentido é que o Anteprojeto de Lei
Orgânica estabelece que as entidades estatais devem buscar mantê­las (art. 68). O ouvidor terá
acesso a todos os assuntos e contará com o apoio administrativo de que necessitar, e produzirá
anualmente ou, quando oportuno, relatório contendo apreciações críticas sobre a atuação estatal,
publicando­o por meio eletrônico e encaminhando­o à autoridade superior.
IV.2.6.2 Os comitês de fiscalização de atividades
44 Recentemente, com o objetivo de difundir e incentivar a criação na sociedade de agrupamentos
voltados à participação da comunidade na atividade administrativa, com o intuito de fiscalizá­la,
vêm sendo criados (por leis específicas, resoluções etc.) comitês de fiscalização, com atribuições e
papéis diferenciados, dependendo do serviço.
No setor de telecomunicações, por exemplo, o Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado 35
prescreve o dever de a prestadora com poder de mercado significativo organizar e manter em
permanente funcionamento conselho de usuários (art. 15), formado por representantes de
organizações das diversas classes de usuários e órgãos oficiais de defesa do consumidor. Com
caráter consultivo, devem eles se voltar para orientação, análise e avaliação dos serviços e da
qualidade do atendimento pela prestadora, e para formulação de sugestões e propostas de
melhoria dos serviços.
No setor de saúde, a Lei nº 8.080/90 estabelece que as ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde devem
obedecer ao princípio da "participação da comunidade" (art. 7º, VIII),36 e nessa linha hoje existem
nas três esferas governamentais órgãos permanentes e deliberativos, que reúnem representantes
do Governo e dos prestadores de serviços de saúde, profissionais de saúde e usuários do SUS.37
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IV.2.6.3 O controle social reativo
45 O grande instrumento para o exercício do controle social de maneira reativa é a ação popular,
prevista no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. Na medida em que por meio dela qualquer
cidadão pode pleitear a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade e ao patrimônio histórico e cultural, ela acaba por conferir ao
cidadão o poder de controlar a Administração, de maneira reativa. Dizemos de maneira reativa em
razão da reação do cidadão (pedindo a prestação jurisdicional), em defesa de seu direito subjetivo
a ter um governo honesto.
Isso não se confunde com o momento em que poderá ser ajuizada a ação, que poderá ser antes da
consumação dos efeitos lesivos (pleiteia­se a tutela preventiva), ou após ter ocorrido a lesão, de
maneira repressiva (visando à anulação do ato e à responsabilização patrimonial do causador do
dano).
IV.3.7 Diagnósticos sobre a vertente estrutural do controle administrativo: a
"autonomização" do controle
46 Ainda que considerada a importância da atuação dos órgãos de controle, a experiência recente
permite que sejam feitos alguns diagnósticos em relação ao seu funcionamento.
Assistimos hoje a um processo de crescente autonomia do controle, que se manifesta ao menos por
dois fatores: (i) o controle tende a ser visto como um fim em si mesmo; e (ii) tem­se verificado,
em linha com uma tendência expansionista dos mecanismos de controle, a articulação das esferas
de controle (CGU, TCU, MP, SCI e AGU). 38 Assim é que, em paralelo a esse processo, advém o
seguinte questionamento: seria o controle uma instância autônoma de governo?
Se, de um lado, refletir sobre o processo de "autonomização do controle" denota uma maior
preocupação com o reforço dos mecanismos de controle e com a responsabilização perante o órgão
controlador, o que é fundamental para a eficácia de qualquer sistema que se procure adotar; de
outro, leva à percepção de que, tal como vem sendo exercido, o controle pelo controle acaba por se
afastar do compromisso com seus efeitos, com a responsabilidade política que as instituições de
controle devem objetivar. O instrumento de gestão é desconectado da cobrança de resultados, de
modo que quem determina como será feita a gestão não tem qualquer compromisso ou
responsabilidade com o resultado. Atribui­se ao agente de controle um enorme poder, mas ele não
responde pela ineficácia da atividade­fim.
Assim é que o processo de "autonomização do controle" vem acompanhado de alguns problemas,
bastante relacionados entre si.
46.1 Primeiro, o déficit de responsividade. O controle hoje se volta mais ao processo e à verificação
formal do cumprimento de prescrições legais em detrimento da análise do impacto das medidas
adotadas, da efetividade dos resultados. A receptividade ou a frustração das expectativas dos
atores sociais em relação à ação administrativa assume importância menor. A defesa da
moralidade e do patrimônio público (inegavelmente valores da maior relevância) passa a ser
objetivo bastante e suficiente.Evitar o descalabro torna­se a única meta a alcançar, ainda que isso
leve à total inoperância da Administração.
A percepção dessa falha no sistema fez com que o Anteprojeto de Lei Orgânica atentasse para a
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necessidade de controle finalístico, refletido no art. 53, que prescreve o dever de os órgãos e
entidades estatais anualmente fazerem publicar, em meio eletrônico, em linguagem acessível ao
cidadão, seu relatório de atividades, indicando as metas e os resultados institucionais alcançados e
circunstanciando os obstáculos encontrados. A fim de que os problemas encontrados sejam
solucionados, o relatório será analisado pelo órgão central de planejamento, que verificará a
observância dos planos e publicará a síntese de suas conclusões.
46.2 Segundo, a multiplicidade de instâncias. Nos últimos anos, assistiu­se a uma fragmentação do
quadro normativo e institucional das atividades de controle, o que muitas vezes faz com que as
competências sejam exercidas de maneira sobreposta e excessiva. Nem sempre, no entanto, a
multiplicidade de controles gera eficiência, podendo mesmo, se exercido de maneira randômica e
sobreposta, constituir entrave ao bom funcionamento da máquina estatal.
46.3 Terceiro, a captura das políticas públicas pelo controlador. A partir do momento em que se
passa a exercer o controle pelo controle, sem preocupação com propósitos e finalidades, bem como
com resultados, o controlador acaba por se apropriar da pauta das políticas públicas que se
intenciona implementar. Isso acaba por tornar tais políticas vulneráveis a serem capturadas por
outros interesses que não aqueles sinalizados no âmbito governamental (envolvendo Executivo e
Legislativo), espaço em que devem ser estabelecidas, conjugando­se os objetivos e princípios das
políticas de Estado ­ previstas em lei ou na Constituição ­ com as metas e orientações de políticas
governamentais.
46.4 Quarto, o deslocamento da discricionariedade. Se o controle é exercido sobremaneira ex ante,
com a intrusão dos órgãos de controle nas decisões dos gestores, o exercício da discricionariedade
pelo administrador público passa a ser substituído pela opção discricionária do controlador, muita
vez apresentada sob a roupagem da expertise técnica ou da legitimação apriorística, decorrente do
processo de seleção e investidura em cargo público dentro do sistema de controle. Se bem é
verdade que as burocracias integrantes do sistema de controle mostram­se extremamente
qualificadas e capacitadas, o que nem sempre ocorre ­ inclusive pela estrutura das carreiras e
contexto remuneratório ­ com outras burocracias da Administração, imputar ao controlador a
prerrogativa de fazer opções sobre qual seja a melhor ação administrativa ou a política pública
mais adequada apresenta dois graves problemas: de um lado, o déficit democrático, pois tal
decisão deve caber a quem é democraticamente legitimado para isso, e não a quem é
funcionalmente responsável por verificar a conformidade de tal opção; o segundo problema é ainda
pior, pois, assumindo o papel de dizer a melhor opção dentre aquelas facultadas pela margem de
discricionariedade, o controlador se desqualifica para controlar tal decisão e sua implementação.
46.5 Quinto, a falta de uniformidade das orientações. A multiplicação de instâncias que exercem
atividades de controle assist ida nos últ imos anos nem sempre é acompanhada pela
complementariedade de sua atuação. O exercício da atividade de controle muitas vezes de maneira
sobreposta e excessiva faz com que inexista uma uniformidade das orientações veiculadas pelos
órgãos de controle, o que acaba por propiciar um desenho complexo do arcabouço de controle, mas
sem a devida sistematização e definição das atividades desenvolvidas por cada instituição.
46.6 Sex to ,  a "judicialização" das políticas. Dissemos linhas atrás que para assegurar o
cumprimento das finalidades da atuação administrativa é importante que o controle seja exercido
sobre políticas públicas, de forma a coibir o abuso e o desvio de poder. Esse controle, no entanto,
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não pode ser tal que impeça as margens decisórias da Administração Pública na definição das
políticas a serem adotadas.
46.7 Sétimo, a apropriação corporativa da pauta de controle. Da forma como vem sendo feito o
desenho institucional do controle, abre­se uma porta para a apropriação corporativa da pauta de
controle, com todas as implicações que disso decorrem, como o risco de sujeição institucional e de
oportunismo.
V Desafios, críticas e autocríticas
47 Diante dos diagnósticos levantados a respeito do modo como vem sendo exercido o controle no
dia a dia da Administração, as diretrizes adotadas no Anteprojeto de Lei Orgânica (art. 50) bem
pontuam as balizas que a nosso ver devem orientar um regime geral para o controle da
Administração Pública: (i) a supressão de controles meramente formais ou cujo custo seja
evidentemente superior ao risco (diretriz já constante do Decreto­Lei nº 200); (ii) o controle a
posteriori, constituindo exceção o controle prévio ou concomitante, que predomina atualmente;
(iii) o predomínio da verificação de resultados (ao invés da vertente de gestão hoje prevalecente);
(iv) a simplificação dos procedimentos; (v) a eliminação de sobreposição de competências e de
instrumentos de controle, a fim de que a multiplicidade de mecanismos de controle não acarrete a
sobreposição e, com ela, a ineficiência; (vi) o dever, para os órgãos ou entes de controle, de
verificação da existência de alternativas compatíveis com as finalidades de interesse público dos
atos ou procedimentos que sejam por eles impugnados; e (vii) a responsabilização pessoal do
agente que atuar com incúria, negligência ou improbidade, ou seja, a responsabilização do próprio
gestor.
48 Após a divulgação do Anteprojeto em Consulta Pública, sobreveio um manancial de críticas e
objeções, a grande maioria enfocando o capítulo do controle. Não era de se imaginar que o tema
ensejasse tão apaixonadas manifestações, ainda que considerássemos o ambiente político em que
tais críticas se inseriam. Algumas dessas reações cuidaram de virulenta desqualificação à proposta
e aos seus proponentes. Outras, porém, cuidaram de oposições ponderadas e consistentes,
merecedoras de nossa reflexão. Tomemos como exemplo destas últimas as críticas equilibradas
constantes da Nota Conjunta elaborada pela Secretaria Federal de Controle Interno da CGU.
Tomemos algumas destas objeções de modo a aclarar pontos da proposta.
48.1 Um primeiro ponto se refere a uma suposta inconstitucionalidade DAC proposta diante do fato
de a organização do controle interno de Estados e Municípios ser matéria de competência
legislativa destes entes e não objeto de lei nacional. Esta crítica poderia ser aplicável a vários
outros pontos do Anteprojeto. Porém, na esteira do que hoje já ocorre com o próprio Decreto­Lei
nº 200, a proposta não tem o condão de conter normas de aplicação mandatória a Estados e
Municípios. Como norma de organização, busca­se dar um norte para a estruturação da
Administração Pública nas demais esferas, incluindo aí as normas gerais e axiológicas do controle
(como já se vê nos artigos 13 e 14 do Decreto­Lei nº 200). Na não percepção desta natureza de
norma de organização, aliás, residem diversos outros equívocos residentes em críticas ao
Anteprojeto. Frise­se que a inconstitucionalidade apontada inexiste exatamente pelo fato de que
não pretende o Anteprojeto impor uma estrutura de órgãos ou instrumentos de controle a ser
obrigatoriamente observada para as administrações estaduais ou municipais.
48.2 Da mesma espécieé a crítica ao conteúdo da Subseção I, ou seja das chamadas regras gerais.
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Há que se perceber que estas normas em sua grande maioria contêm princípios a balizar a
atividade de controle. Algumas destas normas (por exemplo, o contido no art. 50, I e V) já existem
de uma forma ou de outra no ordenamento (leia­se o art. 14 do Decreto­Lei nº 200) há mais de
quarenta anos, sem suscitar ódios ou aversões. Pode ser que alguns dois princípios gerais listados
no art. 50 mereçam uma modulação quando da sua aplicação para o controle interno ou o controle
externo, como ocorre, por exemplo, com a determinação do marco temporal que definirá o controle
prévio ou ex post, consoante acima exposto. Isso, porém, não invalida a nosso ver o cabimento
deste rol principiológico.
48.3 Não se deve desconsiderar, outrossim, as diferenças entre controle interno e controle
externo. Tampouco se deve olvidar que tais estruturas de controle devam ser regidas por
legislação própria. Aliás, cremos haver espaço para discussão de uma nova lei orgânica definindo
melhor competências, instrumentos e procedimentos para atuação dos órgãos de controle, ao
menos no âmbito federal. Não é esse, contudo, o objeto de uma lei geral da Administração Pública.
Repise­se que, no tocante ao capítulo do controle, o Anteprojeto constitui verdadeira lei­quadro,
que não tem a pretensão de revogar normas constantes da legislação específica, nem muito menos
de disciplinar matéria hoje constante de lei complementar.
48.4 O ponto nodal, presente em praticamente todas as críticas assacadas, diz com a prescrição
constante do art. 50, II, do Anteprojeto. Nele vemos o já comentado preceito de dar preferência ao
controle a posteriori em detrimento do controle prévio. Acima já expusemos que a demarcação do
que seja controle ex ante ou ex post depende de se definir o momento de incidência. É dizer, as
críticas pressupuseram que o antes ou depois seriam definidos pela consumação do ato (e, por
conseguinte, da prática irreversível da ilegalidade ou do dano ao patrimônio). Daí a infeliz imagem
do médico legista, cuja competência depende da ocorrência de morte da vítima. Nada mais
preconceituoso. O que se quer com tal preceito é evitar o controle intrusivo na decisão
discricionária do agente público, elidir que o controlador assuma para si o papel de fazer opções
discricionárias, atuando quase como consultor para prática do ato. Isso não deve ser impeditivo a
que se tomem, com o devido sopesamento e cautela, medidas aptas a obstar a consumação de uma
ilegalidade ou de um dano ao patrimônio. Dada a leitura feita por diversos críticos, é de se
reconhecer que a redação mereça ser aperfeiçoada, sem porém descaracterizar o acerto da
proposta.
48.5 Outro ponto criticado à basta, na exata medida em que mal compreendido, diz com o controle
de resultados. Aqui surpreende a verdadeira aversão que os agentes de controle têm com qualquer
vinculação ao pragmatismo ou compromisso consequencialista. Porém é descabida a crítica de que
este princípio serviria para legitimar qualquer desvio ou ilegalidade que resultasse em proveito
para a coletividade. Muitos leem o dispositivo constante do art. 50, III, quase como uma
reapresentação do nefasto corolário do "rouba mas faz". A crítica não procede. Verificar o resultado
é a um só tempo (i) ampliar o escopo de atuação dos órgãos de controle que devem trabalhar
também com a análise de custo­benefício da ação administrativa (controle de eficiência e
efetividade) e (ii) dotar a atividade de controle de alguma responsividade, obrigando a que cada
medida adotada no controle seja precedida de um relatório de impacto, no qual sejam perquiridos
os efeitos e consequência de sua adoção. Ter compromisso com os resultados (e não pressupor
aceitável qualquer ato irregular porque efetivo) é na verdade tirar o controle do autismo
institucional e, por conseguinte, fortalecê­lo. De mais a mais, não se pode atribuir a este
dispositivo uma cláusula de tolerância com a ilegalidade, quando mais não fosse porque nosso
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ordenamento constitucional isso não admite e a densidade normativa do princípio jamais albergaria
estes efeitos. Portanto, tal crítica pode ter apelo de mídia, mas juridicamente não tem consistência.
48.6 A eliminação de competências sobrepostas e de instrumentos de controle redundantes é
diretriz bastante clara e objetiva. Tal regra, ademais, é decorrência direta dos princípios
constitucionais da eficiência e da economicidade. Detalhar mais o preceito transformaria, aí sim, a
norma­quadro numa regra mandatória, algo incabível para os propósitos do Anteprojeto. Neste
passo, parte das críticas se mostram contraditórias. Foi muito comum nos comentários o
argumento de que o Anteprojeto desconsidera o fato de existir um sistema de controle. Ora. É
exatamente por ter caráter sistêmico, que não deve haver sobreposições, duplicações e atuação
desconexa dentre os entes e órgãos que o compõe. Se algo é conceitualmente equivocado é
defender a existência de um sistema cujos entes integrantes sejam desarticulados, atuem de forma
randômica e se marcada por um agir autista. Isso pode ser tudo: corporação, agregado,
ajuntamento de órgãos. Nunca um sistema.
48.7 Diz­se que a natureza do controle interno é preventiva. Há um certo sofisma nisso. A
característica essencial do sistema de controle interno é ser permanente. Porém no seu âmbito
existem competências de monitoramento e fiscalização (que pressupõe um agir concomitante como
ocorre, por exemplo, no acompanhamento da execução orçamentária ou no acompanhamento da
consecução de programas). Mas há também competências corretivas, como sói com as atividades
de auditoria e correicionais. Portanto, se bem é verdade que o controle interno não é tão reativo
quanto o controle externo, também não é correto dizer que o controle intestino deva ser sempre
prévio, como que a substituir o administrador público. Aqui parece que a crítica padeceu de uma
certa confusão entre preventivo (função de orientação) e prévio (função de antecipação).
48.8 Outra crítica que de início causou espanto é aquela que se voltou ao parágrafo único do art.
50. Espanto, pois o conteúdo desta proposta de norma nos parecia de uma obviedade acaciana.
Dizer que o controlador não pode se substituir aos agentes ou órgãos controlados no exercício das
competências que lhes são próprias parece uma verdade incontendível. Não obstante, causou
celeuma e reação. Ora, se o controlador substitui o controlado naquilo que é seu dever, estará
havendo avocação indevida de competências e confusão de funções, pois quem participa do
processo de decisão sobre um ato ou medida administrativos não poderá, ao depois, controlar esta
mesma ação. Note­se que não é correto dizer que os órgãos do sistema de controle interno dão
suporte à formulação de políticas públicas. A avaliação feita pelo Controle Interno acerca dos
programas e de tais políticas (avaliação justamente e resultados, perquiridora de sua efetividade)
deve ser considerada pelos gestores quando da revisão das políticas públicas. Porém isso nunca
deve levar ao envolvimento destes órgãos nas decisões políticas de cada órgão controlado.
48.9 Ponto bastante interessante diz com o art. 52, no particular que procura dar caráter
preferencial ao controle exercido pelos órgãos de governança corporativa das empresas estatais
que concorrem no mercado. Aqui cabe uma autocrítica, no sentido de que tal prescrição é
descabida no que toca ao controle externo, sendo melhor o deslocamento deste artigo para fora da
subseção das regras gerais. Contudo, não é pertinente a críticaque diz ser irrazoável priorizar o
papel das instâncias de governança interna às companhias. Ora, se a lei prevê todo um sistema de
controle interno às estatais (conselho fiscal, auditorias, conselho de administração, minoritaristas),
não faz sentido não prestigiar estes mecanismos, deixando­os em segundo plano em favor de
outras instâncias de controle existentes na Administração direta. Isso é, para mais de fomentar a
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duplicação de instâncias e mecanismos de controle, caminhar em sentido contrário da autonomia
que tais entes estatais precisam ter.
48.10 O artigo 54 não tem a pretensão de atribuir a exclusividade do controle prévio somente aos
órgãos de consultoria jurídica. Apenas se está a dizer que estes órgãos devem fazer exame prévio
de legalidade e, ao fazê­lo, não devem se limitar a inquinar de ilegal o ato, mas contribuir para
que a ilegalidade seja escoimada e indicar alternativas dentro da lei para tornar efetiva a ação
administrativa. Por outro lado, busca­se precisar os limites da responsabilidade destes órgãos e
agentes. E o faz em sentido absolutamente deferente à posição mais hodierna do Supremo
Tribunal Federal. Dizer, assim, que a responsabilidade deve recair também nas hipóteses de
pareceres não vinculantes e ir contra a posição da Suprema Corte.
48.11 A crítica à introdução do conceito de autocontrole é desproporcional e descabida. A
denominação é nova justamente para permitir tratar na mesma Subseção dois aspectos distintos
do controle intestino (esta palavra seria inapta para um texto legal): o controle interno e o
controle correicional. Justamente por serem coisas distintas é que não caberia denominar tudo de
controle interno, daí a inovação terminológica. Doutro lado, fortalecer as instâncias não só
centrais, mas sim ensejar que existam núcleos de controle interno no âmbito de cada ente da
Administração direta. Basta ler o texto proposto para restarem afastados os fantasmas de que o
Anteprojeto proporia extinguir os órgãos centrais de controle. A noção sistêmica, tão reclamada,
aliás, vem forte no teor do art. 60 proposto. Fica­se assim sem entender a razão de propostas que
pretendem ver suprimida toda a seção do autocontrole, pois que de inovação nela há muito pouco.
49 A adoção dessas diretrizes num regime geral de controle constitui por si só um desafio
contemporâneo. Mas ainda outros são os desafios a serem enfrentados para o aperfeiçoamento do
sistema de controle hoje existente, de forma a torná­lo mais eficiente e eficaz.
49.1 Um primeiro desafio relaciona­se ao controle do controlador. Afinal, quem controla o
controlador? Como saber se ele está atuando de maneira adequada ou se está tendo um
comportamento oportunista?
49.2 Um segundo desafio é a por vezes existente contraposição entre legalidade e moralidade. Por
certo um dos objetivos do controle é a adstrição à legalidade, de modo a impedir que a atuação
administrativa seja praticada de forma ilegal e a verificar se ao desempenhar suas atividades a
Administração respeitou a ordem jurídica. Por outro lado, no entanto, em razão da crescente
dificuldade de a conduta administrativa (concreta e para situações específicas) ser determinada
pela lei (preceito geral e abstrato), o controle da legalidade não deve ser efetuado de maneira
estanque. Deverá ser verificado se o administrador, a partir do comando legal que lhe atribuiu o
poder de agir no caso concreto, soube avaliar, pautado na moralidade, entre as várias opções que
lhe foram conferidas, quanto ao se, como, quando e em que intensidade manejar os poderes
inerentes à sua competência.
49.3 Um terceiro desafio relaciona­se à garantia da autonomia orgânica e à busca do controle
finalístico. Se o controle for exercido de tal forma que retire a autonomia dos entes que integram a
Administração, acaba por engessar a máquina administrativa, e o excesso de regras e controles
passa a se constituir em entrave ao bom funcionamento da Administração. Por outro lado,
assegurando­se a autonomia orgânica do ente estatal, o controle deve se deslocar de um olhar
prioritariamente voltado para o processo e focado na verificação formal do cumprimento de
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prescrições legais para um olhar voltado para a análise dos resultados, comprometido com
objetivos e efeitos e com a análise do impacto das medidas adotadas.
49.4 Um quarto desafio relaciona­se ao controle das empresas estatais, que deve ser modelado de
forma que elas consigam ser competitivas no mercado, dentro de um contexto de aumento da
atuação dessas empresas e flexibilização de sua gestão.
50 Analisar como o controle vem sendo exercido na prática, refletir sobre diretrizes e estratégias
de combate aos problemas identificados e sobre os desafios para o aperfeiçoamento das práticas do
sistema foram os objetivos que intencionamos alcançar ao longo do presente texto. Cremos que, se
adotado, o regime jurídico geral de controle da Administração que intenciona instituir o
Anteprojeto de Lei Orgânica que atualmente está em discussão pública constituirá um importante
instrumento de aperfeiçoamento do sistema atual de controle.
Trata­se de uma contribuição para a "nova" reforma da Administração Pública. A bem da verdade,
"nova" apenas do ponto de vista legal. Na prática, o Decreto­Lei nº 200/67, já há tempos
superado, incapaz que é hoje de refletir a organização administrativa e mesmo as necessidades e
demandas do Estado atual, imaginado que foi para dar as bases da estrutura administrativa do
início da segunda metade do século passado, época em que teve importância significativa. Da
contribuição, só o tempo dirá quais foram seus acertos e desacertos. Se, tal como as instituições,
as prescrições legais também não são cristalizadas ou imutáveis, havendo problemas, sempre
existe a possibilidade de implantarem mecanismos de correções e ajustes.
 
Referências
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Acesso em: nov. 2008.
 
* Agradeço a contribuição de Clarissa Ferreira de Melo Mesquita, advogada e mestranda do
Programa de Pós­Graduação da Universidade de São Paulo, sob minha orientação. A primeira
versão deste texto não teria sido possível sem seu auxílio na pesquisa e na sistematização,
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organização e desenvolvimento de ideias já desenvolvidas por mim em outras oportunidades.
Nesta segunda versão do texto, incorporei novas reflexões trazidas no intenso debate que se
seguiu à publicação do trabalho da Comissão. A todos que, com críticas ou apoios, somaram neste
processo público de discussão, vai também meu agradecimento.
Este artigo fará parte da obra MODESTO, Paulo (Coord.). Nova organização administrativa
brasileira. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010. No prelo.
 
 
1 O que leva autores como Juarez Freitas a defenderem a ideia de Direito Fundamental à Boa
Administração. Por todos, ver: FREITAS, Juarez. Direito fundamental à boa administração pública e
o direito administrativo brasileiro do século XXI. Belo Horizonte: Del Rey Jurídica, 2008. v. 19, p. 5­
7.
2 O Decreto­Lei nº 200/67 procurou à sua época alterar o perfil até então existente da
Administração Pública, sancionando novos instrumentos jurídicos para auxiliarem a atuação
estatal. Sua importância em dar um quadro de organização da Administração Pública foi tão grande
que costuma ser lembrado como base para uma Reforma Administrativa (uma segunda reforma da
Administração Pública brasileira, nos termos do que nos fala Bresser­Pereira, ou mesmo de uma
quarta reforma, como nos dá conta Themistocles Cavalcanti) (Cf. BRESSER­PEREIRA. Da
administração pública democrática à gerencial. In: BRESSER­PEREIRA; SPINK (Org.). Reforma do
estado e administração pública gerencial, p. 237). Cf. também CAVALCANTI. A emprêsa pública no
direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo, p. 4. Era essa, aliás, sua intenção, como se vê
da redação de seu objetivo: "Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece
diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências".
3 A Comissão, instituída pela Portaria nº 426, de 6 de dezembro de 2007, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, foi formada pelo seguinte grupo de trabalho: professores
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Almiro do Couto e Silva, Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo
Marques Neto, Maria Coeli Simões Pires, Paulo Eduardo Garrido Modesto e Sergio de Andréa
Ferreira.
4 A esse respeito, ver GARCÍA. Rendición de cuentas y control externo. Disponível em:
<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=981664>. Acesso em: nov. 2008.
5 VALLÉS. Articulación organizativa de los diferentes niveles de control en la Unión Europea.
Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=867486>. Acesso em: nov.
2008.
6 Além do Livro Branco sobre a Reforma, têm sido importantes no processo de estruturação de um
novo modelo de controle na União Europeia a filosofia de controle apresentada pelo Informe de
1992 de COSO (Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission), e o plano de
ação adotado pela União Europeia em 2006, denominado Public Internal Financial Control.
7 Para um aprofundamento da análise, ver MARQUES NETO. Regulação estatal e interesses
públicos.
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8 Para um aprofundamento do tema, ver SUNDFELD. Fundamentos de direito público.
9 MEDAUAR. Direito administrativo moderno.
10 A que denominamos em outro texto de republicização. Cf. MARQUES NETO. Regulação estatal e
interesses públicos.
11 SUNDFELD. Fundamentos de direito público, p. 21­22.
12 Cf. MARQUES NETO. Regulação estatal e interesses públicos, p. 26­27.
13 Cf. MARQUES NETO. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurídico,
p. 94. Para um aprofundamento do tema, ver também COMPARATO. Ordem econômica na
Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Público, p. 263­276; e BUCCI. O conceito de
política pública em direito. In: BUCCI (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico,
p. 1­49.
14 Sobre o tema do direito responsive, ver: NONET; SELZNICK. Law and society in transition:
toward responsive law, p. 73­78.
15 Sobre o duplo papel que cumpre o princípio da eficiência com sua explicitação no texto
constitucional, cf. MARQUES NETO. O regime jurídico das utilidades públicas: função social e
exploração econômica dos bens públicos.
16 A ideia de eficiência alocativa, cara à Economia, diferencia­se de uma eficiência considerada
estática na medida em que, partindo do pressuposto de que os recursos podem estar nas mãos de
quem faz melhor ou pior uso, busca uma alocação dos recursos de maneira eficiente, de forma que
seja dada a eles a melhor destinação possível (ficando eles nas mãos de quem fizer melhor uso).
17 A respeito da possibilidade de as políticas públicas se submeterem ao crivo Judiciário para
aferição de sua constitucionalidade, ver COMPARATO. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade
de políticas públicas. In: BANDEIRA DE MELLO (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba:
direito administrativo e constitucional, p. 343­359. Ver também BUCCI. O conceito de política
pública em direito. In: BUCCI (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, p. 1­49,
p. 22 et seq.
18 Cf. MEDAUAR. Controles internos da administração pública. Boletim de Direito Administrativo, p.
363­364.
19 Sobre a ampliação do controle judicial da Administração, ver MEDAUAR. Direito administrativo
moderno, p. 396; DI PIETRO.Direito administrativo, p. 709; MARQUES NETO. Discricionariedade
administrativa e controle judicial da administração. In: SALLES (Org.). Processo civil e interesse
público, p. 191­198.
20 Cf. DI PIETRO. Direito administrativo, p. 691.
21 Cf. MEDAUAR. Controles internos da administração pública. Boletim de Direito Administrativo, p.
366. Por meio das instruções, os superiores expedem normas gerais e abstratas de orientação
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interna das repartições públicas, prescrevendo a forma pela qual os subordinados devem dar
andamento aos seus serviços. As circulares veiculam regras concretas, a fim de que sejam
transmitidas ordens uniformes a funcionários subordinados encarregados de determinadas
atividades. As ordens de serviços, por sua vez, são utilizadas para se transmitirem aos
subordinados determinações relacionadas à maneira como devem conduzir determinado serviço
(Cf. BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 408­409).
22 Cf. MEDAUAR. Controles internos da administração pública. Boletim de Direito Administrativo, p.
364.
23 "[O sistema de auditoria] acompanha a execução do orçamento, verifica a legalidade na
aplicação do dinheiro público e auxilia o Tribunal de Contas no exercício de sua missão
institucional" (DI PIETRO. Direito administrativo, p. 692).
24 Vejam­se a esse respeito as palavras de MEDAUAR, Odete: "O controle jurisdicional continua a
ser o mais importante instrumento de controle da Administração (...)" (Direito administrativo
moderno. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 393). Em sentido aproximado, Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, ao considerar que juntamente com o princípio da legalidade o controle
judicial constitui um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito, afirma: "De nada
adiantaria sujeitar­se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por
um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos
por ela praticados" (Op. cit., p. 708).
25 Ver a respeito ARAÚJO. Curso de direito administrativo, p. 1152.
26 Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, discricionariedade administrativa é "(...) a faculdade
que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto segundo critérios de oportunidade
e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito"
(Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 66).
27 Cf .  RAMOS, El ival  da Si lva.  Parâmetros dogmáticos do ativismo judicial em matéria
constitucional. 289 f. Tese (Titularidade em Direito) ­ Faculdade de Direito, Departamento de
Direito do Estado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
28 Importantes para a ampliação do controle jurisdicional foram as posições marcantes de Seabra
Fagundes, Victor Nunes Leal e Caio Tácito (a esse respeito, ver MEDAUAR, op. cit., p. 396).
Registre­se aqui célebre voto de Seabra Fagundes (então desembargador do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Norte), em caso que se tornou um marco na atuação do Judiciário sobre atos
discricionários e no controle contra o desvio de poder. Indo na contramão da praxe dos Tribunais,
que costumeiramente declaravam os atos discricionários insuscetíveis de apreciação judicial, o
julgado impediu que a Administração Pública, a pretexto de seu poder discricionário em fixar os
horários de tráfego de veículos, utilizasse critério arbitrariamente discriminatório para proteger
uma empresa de transporte em prejuízo da empresa concorrente e dos usuários do serviço
autorizado (Apelação Cível nº 1.422, RDA, v. 14, out./dez. 1948, p. 53­82).
29 MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 396; DI PIETRO. Direito administrativo, p. 709.
Sobre o tema, ver também MARQUES NETO. Discricionariedade administrativa e controle judicial
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da administração. In: SALLES (Org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 191­198.
30  Cf. BINENBOJM. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização, p. 241.
31 O fenômeno é também bem captado por Alexandre Aragão, que, ao tratar da emergência de
aparatos administrativos setoriais, chama a atenção para o fortalecimento de corpos intermediários
entre o Estado central e os indivíduos, o que teria levado à transformação do Estado em pluralista,
caracterizado pela substituição do aparelho estatal central fechado por maiores centros de decisão
política (Cf. ARAGÃO. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, p.
182 et seq.).
32 Cf. MARQUES NETO. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurídico,
p. 125.
33 Cf. MARQUES NETO. Regulação estatal e interesses públicos, p. 137­138.
34 A esse respeito, ver PEREZ. A administração pública democrática: institutos de participação
popular na Administração Pública. Especificamente sobre os instrumentos de audiência e consulta
públicas, ver p. 68­178.
35 Anexo à Resolução nº 426/05.
36 A Lei nº 8.080/90 ainda contempla a participação da sociedade civil, por intermédio de entidade
representativa, na articulação de políticas e programas de interesse para a saúde não
compreendidos no âmbito do SUS (art. 12, caput e parágrafo único), e o direito de as populações
indígenas participarem dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das
políticas de saúde (art. 19­H).
37 Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1036>.
Acesso em: set. 2009.
38 Ao longo do presente texto demos tratamento ao exercício do controle por cada uma dessas
entidades, faltando, no entanto, demarcar as atribuições que são conferidas no sistema de controle
à Advocacia­Geral da União (AGU). Dentre suas funções, está a de assistir o Presidente da
República no controle interno da legalidade dos atos da Administração (Lei Complementar nº
73/93, art. 4º, VIII; Lei nº 10.683/03, art. 12). Um dos problemas a que se tem assistido
atualmente relaciona­se à dificuldade, quase paralisante dentro da Administração, de ter­se, por
exemplo, agentes da AGU como órgãos de assessoramento jurídico dos Ministérios desconectados
das obrigações de cumprimento de suas políticas finalísticas, o que por vezes acaba por acarretar a
elaboração de uma sucessão de pareceres de que "não pode", sem a possibilidade de os órgãos
internos aos Ministérios contra­argumentarem. O Anteprojeto de Lei Orgânica procurou solucionar
essa situação prevendo um controle prévio de legalidade (hoje inexistente), feito pelos órgãos de
assessoria jurídica da Administração, independentemente da análise dos órgãos jurídicos centrais
da AGU (art. 54).
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Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública.
Fórum de Contratação e Gestão Pública ­ FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 100, abr. 2010.
Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=66621>. Acesso em: 29
jun. 2015.
Como citar este conteúdo na versão impressa:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:
MARQUES NETO,Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública.
Fórum de Contratação e Gestão Pública ­ FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 100, p. 7­30, abr. 2010.
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Poder de coerção e poder de sanção dos tribunais de contas ­ competência
normativa e devido processo legal*
Luciano Ferraz
 
1 Considerações inicias
Para Otto Mayer, o direito administrativo é o direito da administração pública 1. A expressão
administração pública ­ administração para o público ­ reflete a superação do spoil system típico
dos regimes absolutistas, nos quais se verificava a confusão entre propriedade (e poder) estatal e
pessoal do soberano. No Estado absoluto, com efeito, "não se conhece a administração pública
como atividade distinta; a divisão de poderes é que a faz aparecer com tal feição perante o direito
público, pelos limites que lhe põe o Poder Legislativo e pela proteção ou reação que lhe oferece o
Poder Judiciário"2.
O princípio da divisão dos poderes, ou melhor, da separação das funções estatais 3, é, portanto, o
pressuposto político para a existência do direito administrativo, ao passo que o Estado de Direito é
seu pressuposto jurídico4.
O direito administrativo como ramo autônomo constitui disciplina típica do Estado Moderno, reflexo
das revoluções dos Séculos XVII e XVIII ­ sobretudo da Declaração francesa dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Com efeito, em todos os Estados que assumiram essa
configuração, admite­se que a administração está vinculada pela regra de direito5. Impõem­se
limites ao poder estatal, de modo a assegurar o exercício das garantias e liberdades individuais.
A busca de uma noção­chave para o direito administrativo ocupou, sistema ticamente, os
doutrinadores, em especial os juristas franceses. Prestaram­se ao desiderato integrantes das
Escolas da puissance publique (Barthélemy), do "serviço público" (León Duguit e Gastón Jéze), do
"interesse geral" (Marcel Waline).
Entretanto, consoante observa Rivero6, a sistematização do direito administrativo não pôde se dar
a partir de uma noção única; esta tendência reducionista somente se explicava pela necessidade de
determinar um critério prático para a delimitação da competência do juiz administrativo em
França.
Deveras, para se conceber o direito administrativo como um sistema lógico e coerente é necessário
gravitar em torno de duas noções basilares ­ prerrogativas da Administração e direitos dos
administrados (cidadãos) ­, as quais, não obstante aparentemente contrapostas, servem de edifício
único à construção metodológica da disciplina, sustentando o que se convencionou denominar
regime jurídico­administrativo7.
No regime jurídico­administrativo, as prerrogativas da Administração lhe são outorgadas em nome
da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. As sujeições matizam­se na
indisponibilidade do interesse público pelo administrador, a quem não é dado escolher livremente
os caminhos de sua atividade. A relação entre o administrador e o público configura típica relação
de administração, estruturando­se "ao influxo de uma finalidade cogente". De fato, administração e
propriedade exprimem conceitos antagônicos. Na última, predomina a vontade; naqueloutra,
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predominam o dever e a finalidade. "O fim e não a vontade domina todas as formas de
administração"8.
Quando a atividade a ser desempenhada pelo administrador relaciona­se com a aplicação dos
recursos públicos, os balizamentos do regime jurídico­administrativo assumem importância
elementar, afinal desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 ­ regra matriz
do Estado de Direito ­, está previsto que "a sociedade tem direito de pedir conta a todo agente
público de sua administração" (art. 15).
 
2 Natureza jurídica do dever de prestar contas
As incursões propedêuticas acerca do direito administrativo e do regime jurídico­administrativo, é
fácil perceber, hão de considerar­se úteis à análise do tema central da exposição. "Acredita­se que
o progresso do Direito Administrativo e a própria análise global de suas futuras tendências
dependem, em grande parte, da identificação das idéias centrais que o norteiam na atualidade,
assim como da metódica dedução de todos os princípios subordinados e subprincípios que
descansam, originariamente, nas noções categoriais que presidem sua organicidade"9.
Ao Estado, entidade suprema responsável pela regulação e coordenação das atividades essenciais à
vida em coletividade, a quem cumpre prover às condições de coexistência de direitos e interesses
individuais, coletivos e difusos, nem sempre é dado obter volitivamente condutas positivas ou
negativas das pessoas com quem se relaciona.
Por esta razão, valendo­se do ordenamento jurídico, o Estado mune­se de meios e recebe
prestações, estabelece ônus e prescreve restrições com que grava o patrimônio e a ação dos
indivíduos. Tais ônus e restrições, mediante os quais o Estado obriga o administrado impondo­lhe
dever de obediência, dão origem a obrigações públicas, em que ele ­ o Estado ­ é o sujeito ativo e
este ­ o administrado ­ é o sujeito passivo10.
Nas obrigações públicas em geral ­ nas prestações negativas como regra ­, há caso s em que elas ­
as obrigações ­ nascem unicamente da lei. Noutros casos, que constituem a grande maioria,
conquanto a fonte mediata seja a lei, a fonte direta é um ato administrativo que vem determinar
ou definir as situações individuais, compreendidas nos termos genéricos dessa lei11.
Metaforicamente, é como se a lei gerasse a obrigação e o ato administrativo a registrasse em
cartório.
O dever de prestar contas afigura­se, pois, uma espécie de obrigação pública12 imposta a todo
sujeito, pessoa física, jurídica, pública ou privada, que, na qualidade de agente público, tem a seu
cargo a gestão de recursos do erário.
É este o sentido que se extrai do parágrafo único do art. 70 da Constituição, o qual, como
dispositivo legal de primeira grandeza, atende à exigência (também constitucional) de que as
obrigações públicas tenham a lei como fonte primária (art. 5º, caput, da Constituição), bem assim
dos arts. 71 a 75, que elevam os Tribunais de Contas à condição de principal controlador das
finanças públicas.
 
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3 Competência normativa dos Tribunais de Contas
As competências dos Tribunais de Contas estão dispostas, basicamente, nos arts. 71 e 72 da
Constituição. Estas competências, conquanto não possam ser mitigadas pela legislação
infraconstitucional, podem ser ampliadas por esta via13.
Com efeito, ao legislador ­ desde que respeitados os limites da competência ratione materiae ­ é
possível alargar as atribuições das Cortes de Contas, em ordem a que possam melhor desempenhar
suas funções. As leis orgânicas dos Tribunais de Contas em geral prescrevem­lhes atribuições
genéricas para o exercício da parcela que lhes cabe no controle externo da Administração14.
Contudo, hipóteses há em que as leis orgânicas não estabelecem minuciosamente todos os
detalhes para que a obrigação pública de prestar contas seja adimplida pelo responsável (v.g.,
prazo, forma, modo, rotinas). Quando isso acontece, tem cabimento a edição de um ato normativo
subseqüente15. Assim, os regimentos internos e instruções normativas dos Tribunais de Contas são
atos que cumprem o desiderato de estabelecer as situações concretas que dão lugar à obrigação
pública de prestar contas. Nesse sentido, pode­se falar em competência normativados Tribunais de
Contas.
Aliás, as leis orgânicas destes órgãos são uníssonas em prescrever dispositivos semelhantes ao art.
3º da Lei Federal n° 8.443, de 16 de julho de 1992 (LOTCU), que outorga competência normativa
ao TCU, quando dispõe:
"Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste
o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções
normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos
que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de
responsabilidade."
 
4 Limites ao exercício da competência normativa dos Tribunais de Contas
Os limites para o exercício da competência normativa atribuída a qualquer órgão da administração
­ entre os quais os Tribunais de Contas ­ estão na própria lei a ser regulada. Os atos normativos no
Direito brasileiro não possuem vida autônoma, dependem da lei, sendo­lhes vedado dela
desbordar, sob pena de ilicitude.
O que se quer significar é que lei e ato normativo diferenciam­se não só pela origem (órgão
produtor) e pela posição de supremacia da primeira (diferença de grau hierárquico), mas,
sobretudo, porque a lei tem o condão de inovar no ordenamento, estabelecendo, alterando ou
extinguindo relações jurídicas (desde que acorde com a Constituição). O ato normativo, ao
contrário, como fonte secundária do Direito, depende da lei; se inova na ordem jurídica, há invasão
de competência, abuso de poder.
As hipóteses em que a regulamentação, por intermédio de atos normativos, têm lugar se
apresentam quando o texto da lei se mostra insuficiente, incompleto, sendo necessário: a)
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desdobrar seu conteúdo sintético; b) limitar a discricionariedade administrativa, definindo regras
procedimentais para a Administração ou caracterizando fatos, situações ou comportamentos
enunciados na lei, mediante conceitos legais vagos, os quais, para a exata definição, envolvam
critérios técnicos ("normas administrativas em branco")16.
Serão estas as hipóteses em que o Tribunal de Contas poderá exercer competência normativa,
destacando­se como a mais importante a possibilidade de definir regras procedimentais. É onde se
enquadram os atos que obrigam os administradores submetidos ao controle dos Tribunais de
Contas a enviar periodicamente relatórios, comprovantes, documentos, segundo critérios e prazos
determinados.
O descumprimento dessas determinações poderá dar ensejo à aplicação de penalidades, conforme
será desenvolvido no tópico seguinte, por se tratar de infringência a obrigação pública nascida da
lei, mas "registrada em cartório" pelo ato normativo da Corte de Contas.
 
5 Descumprimento dos deveres e poder cominatório dos Tribunais de Contas
Quando a conduta do sujeito passivo da obrigação pública se amolda ao inteiro teor da norma que
a define, dá­se a execução voluntária da vontade do Estado. Todavia, "quando se dá o choque
entre a Administração e o indivíduo, na aferição prática dos pontos em que confinam o poder
estatal de exigir e o dever individual de prestação, recusando­se o administrado a cumprir suas
obrigações públicas, torna­se preciso coagi­lo à obediência. Não seria possível admitir que a ação
realizadora do direito, confiada à Administração Pública, ficasse sumariamente entravada pela
simples oposição do indivíduo. Tem assim lugar a execução coativa da vontade do Estado"17.
O legislador, nesse passo, outorga à autoridade administrativa medidas coercitivas para forçar os
destinatários ao cumprimento da obrigação. Tais medidas, imprescindíveis ao desiderato,
classificam­se em meios diretos de coerção ­ que coíbem o sujeito à realização da prestação em
espécie ­ e meios indiretos de coerção ­ que o oneram, sobrecarregando a prestação primeva ou
criam para ele o dever de outras prestações pela instituição de novas obrigações (v.g., imposição
de multa). "Revestem­se, assim, um caráter apenas intimidativo"18.
Para o inadimplente no dever de prestar contas ou na remessa de documentações segundo as
determinações do órgão de controle, diversos diplomas legais (v.g., leis orgânicas dos Tribunais de
Contas e Lei 10.028/00, art. 5º) prescrevem medidas de coação direta e indireta.
Há coação direta, por exemplo, na instalação do procedimento de tomada de contas especial, de
competência da autoridade administrativa e, excepcionalmente, do Tribunal de Contas (art. 8º da
Lei 8.443/92). Há coação indireta na aplicação de multas pecuniárias, que ficam a cargo da própria
Corte (v.g., art. 58, II, IV, V, VI, VII, da Lei 8.443/92).
Note­se que as leis orgânicas dos Tribunais de Contas (v.g., art. 57, § 3º, da Lei 8.443/92)
remetem a gradação das penas pecuniária aos respectivos regimentos internos. A definição dos
valores dessas penalidades é outra forma de exercício de competência normativa pelo órgão
controlador.
 
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6 Poder de coerção e poder de sanção dos Tribunais de Contas
A possibilidade de aplicação de penalidades pecuniárias pelos Tribunais de Contas não se esgota na
ação coercitiva que tenciona obrigar os sujeitos, administradores de recursos públicos, ao
cumprimento de obrigações públicas impostas por lei (multa­coerção).
Há multas previstas nas leis orgânicas e nos regimentos internos destes órgãos que se dirigem
mesmo à punição dos infratores (multa­sanção). É o que se verifica nas hipóteses de julgamento
de contas irregulares, com ou sem determinação de ressarcimento, nos termos dos arts. 71, VIII,
da Constituição e 57 e 58, I e III, da Lei 8.443/9219.
Distinguir as hipóteses em que uma e outra, multa­coerção e multa­sanção, têm lugar é
imprescindível. Os fundamentos são diversos e as repercussões no âmbito dos Tribunais de Contas,
sobretudo no que respeita ao princípio do devido processo legal, são distintas.
As primeiras (multas­coerção), repita­se, são aplicadas no intuito de forçar o cumprimento do
ordenado, aproximando­se, na essência, das infrações impostas de Poder Público pelo
descumprimento das medidas de polícia administrativa (v.g., multas de trânsito, posturas
municipais, meio ambiente); as segundas (multas­sanção) possuem nítido caráter reparador do
dano, com viés estritamente sancionatório20.
 
7 O Princípio do devido processo legal e a imposição de cominações pecuniárias pelos
Tribunais de Contas
A Constituição de 1988, ao garantir que ninguém será privado da liberdade ou dos bens sem o
devido processo legal, sendo assegurado, ainda, aos litigantes em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meio s e recursos
a ela inerentes (art. 5º, LIV e LV), alçou ao nível de garantia fundamental o princípio do due
process of law em sua face material21.
A ampla defesa e o contraditório são corolários da garantia do devido processo legal. Completam­
se. A ampla defesa sugere a extensão em que deve ser concebido o direito: o adjetivo ampla não
quer significar irrestrita, mas indica que ao interessado é dado manifestar­se, desde que de
maneira lícita, com plenitude no transcorrer do processo. O contraditório apresenta o meio, a
forma com que se deve dar a manifestação da defesa, demonstrando a estrutura dialética das
situações ativas e passivas em que se vê inserido o interessado ao longo do processo22.
Dentro dessa perspectiva, deve ser analisada a possibilidade de imposição de cominações que
afetam a ação e o patrimônio dos indivíduos pelos Tribunais de Contas. No particular, o órgão de
controle, conquanto detentor de prerrogativas especiais, participa de sujeições impostas pelo
regime jurídico­administrativo.
Com efeito, o processo que peranteeles ­ Tribunais de Controle Externo ­ se desenrola se nos
afigura, para todos os efeitos, típico processo administrativo, tornando inevitável o respeito às
garantias do contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição23.
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Contudo, pode­se estabelecer, no que tange à garantia do contraditório, distinção entre multas­
coerção e multas­sanção. As primeiras, por tutelarem o cumprimento de obrigações públicas,
assemelhando­se às medidas de polícia, permitem o diferimento do contraditório, vale dizer,
autorizam a sua instalação depois de consumada a coação. Já as segundas reclamam prévio
contraditório para que a sanção a ser imposta seja legítima24.
Aos Tribunais de Contas, portanto, é recomendável que, valendo­se da competência normativa que
se lhes outorgam
as leis orgânicas, normatizem, mediante atos administrativos próprios, a imposição das aludidas
cominações (multas­coerção e multas­sanção), garantindo o contraditório prévio ou posterior,
quando se trate de um ou outro tipo.
Procedendo dessa forma, exercerão, de um lado, as prerrogativas que lhes são inerentes, enquanto
órgãos curadores dos recursos da sociedade, garantindo, de outro, os direitos fundamentais do
indivíduo prestador.
 
* Adaptação da conferência proferida no Tribunal de Contas do estado da Paraíba, em 01 de março
de 2002.
1 Mayer, Otto. Derecho administrativo alemán, t.1, Buenos Aires : Depalma, 1949, p. 17.
2 Lima, Ruy Cirne. Princípio de direito administrativo, 3.ed., Porto Alegre : Sulina, 1954, p. 21.
3 Conforme destaca Karl Lowenstein: "Lo que corrientemente, aunque erróneamente, se suele
designar como la separación de los poderes estatales, es en realidad la distribuición de determinadas
funciones estatales a diferentes órganos del Estado. El concepto de 'poderes', pese a lo
profundamente enraizado que está, debe ser entendido en el contexto de una manera figurativa.
En la seguinte exposición se preferirá la expressión 'separación de funciones' a la de 'seraparación
de poderes" (Lowenstein, Karl. Teoría de la Constituitión. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte,
Barcelona : Ariel, 1964, p. 55).
4 Cuesta, Rafael de Entrena. Curso de derecho administrativo, v.1, 11.ed., Madrid : Tecnos, 1995.
5 Rivero, Jean. Direito administrativo, Coimbra : Almedina, 1981, p. 19.
6 Idem, p. 37­42.
7 Cf., por todos, Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 11.ed., São
Paulo : Malheiros, 1999, p. 28.
8 Lima. Op. cit. p. 20­23.
9 Mello, Op. cit., loc. cit.
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10 Fagundes, Miguel Seabra. Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 6.ed., São
Paulo : Saraiva, 1984, p. 174.
11 Cf. Fagundes. Op. cit., p. 177.
12 A toda obrigação pública corresponde um direito público subjetivo. No caso em tela, o direito
público subjetivo de a sociedade obter a prestação de contas do responsável.
13 Ferraz, Luciano. Controle da administração pública, Belo Horizonte : Mandamentos, 1999, p.
142.
14 Sobre o assunto, cf. Ferraz. Op. cit., p. 108 e 142, onde se lê: "O constituinte de 1988 repartiu
a competência para o controle contábil, financeiro, orçamentário, patrimonial e operacional da
Administração Pública por dois órgãos estatais: o Poder Legislativo e o Tribunal de Contas. Quando
o Poder Legislativo atua nesta seara, o faz com o auxílio do Tribunal de Contas, que, por sua vez,
recebeu do constituinte competências que lhe são próprias e exclusivas"
15 Do ponto de vista lógico, é cogente falar­se em poder normativo da Administração Pública, em
vez de poder regulamentar. É que o poder regulamentar é a faculdade conferida aos Chefes do
Executivo de expedirem normas gerais e abstratas baseadas em lei, que não esgota a possibilidade
de haver outros órgãos na Administração com competência para a edição de normas com as
mesmas características. Em suma: o poder regulamentar é espécie do gênero poder normativo da
Administração.
16 Cf. Mello. Op. cit., p. 255­260.
17 Fagundes. Op. cit., p. 180­181.
18 Idem.
19 Nesse sentido, STF ­ RE n° 190.985­4/SC, Relator Ministro Néri da Silveira, DJ de 24.08.2001.
20 Cf. Rodrigues, Edgar Camargo. Tribunal de Contas e o poder sancionador, Revista do Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo, n.65, jan./jun., 1991.
21 Sobre o tema, cf. Dantas, San Tiago. Igualdade perante a lei e due process of law, Revista
Forense, abr. 1948, p. 359; Figueiredo, Lúcia Valle.  Estado de direito e devido processo legal,
Revista Diálogo Jurídico, n.11., fev. 2002, no site  www.direitopublico.com.br; ver, ainda, o nosso
Due process of law e parecer prévio das Cortes de Contas, Revista Interesse Público, n.6, abr./jun.,
2000; BDA, n.4, abr., 2001; Revista Diálogo Jurídico, n.9, 2001.
22 Cf. Ferraz, Luciano. Due process of law..., cit.
23 Sobre o processo administrativo no âmbito dos Tribunais de Contas, cf. Ferraz. Due process of
law..., cit.
24 Nesse sentido, cf. Ferreira, Daniel. Sanções administrativas, São Paulo : Malheiros, 2001, p. 22­
23.
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Novo referencial no Direito Administrativo: do controle da vontade ao do
resultado. A juridicização dos resultados na Administração Pública
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
 
Palavras­chave: Políticas públicas. Juridicização. Administração pública. Administração de
resultado. Eficiência administrativa. Sumário:  1 Introdução ­ 2 Aperfeiçoando o controle da
vontade ­ 3 Introduzindo o controle de resultado ­ 4 Da referência ao Estado de Direito à
referência ao Estado Democrático de Direito ­ 5 O aperfeiçoamento da legitimidade pela
administração de resultado e pelo seu controle, a que se segue breve conclusão ­ Breve conclusão
­ Referências
1 Introdução
A juridicização da política  da Administralção Pública.
A indagação que não cala nas sociedades contemporâneas é como o Direito deverá tratar a
irresponsabilidade na direção político­administrativa da formulação e da execução das políticas
públicas, ou seja, como o Direito, a velha ciência e arte da convivência pacífica e segura, poderá
contribuir para que a política seja efetivamente a verdadeira arte do bem­estar dos povos e não um
jogo de poder de tiranos, oligarcas, burocratas ou, mesmo, de maiorias radicais.
A resposta, embora tardiamente para algumas gerações que viveram as incertezas do século vinte,
está chegando com a paulatina juridicização da política, um fenômeno xifópago do fenômeno da
politização do direito, como resultado de um longo processo de duas mãos, que só se tornou
evidente e ganhou universalidade recentemente, graças à disseminação da informação e ao reviver
da democracia, esta, depois de duramente questionada pelas ideologias e pelos governos ditatoriais
que dominaram a cena política durante esse "século curto" de Hobsbawn.
O dado auspicioso é que, como se pretende apontar neste breve ensaio exploratório, os frutos
dessa reversão de expectativas para a política e para a administração já estão começando a
beneficiar as sociedades de vanguarda neste início de século, amadurecidos aos ventos outonais
das mudanças, destacando­se, particularmente, como consectários e respostas à indagação retórica
acima lançada, esses três fenômenos entrelaçados: a constitucionalização dos resultados das
atividades administrativas do Estado,   a  juridicização do desempenho dos agentes político­
administrativos,institucionalmente incumbidos da satisfação dos interesses públicos confiados pela
ordem jurídica às entidades estatais, e a conseqüente judicialização do controle de resultados.
A ética e a administração de resultados
A ética gira em torno de um dilema: o que é bom e o que é mau. Mas o bom pode ser tão somente
um pré­conceito pessoal, como, também, um fato concreto ­ o resultado de uma ação. Na política,
coube a Max Weber1 equacionar adequadamente esse dilema, sobre qual seria a justa postura
moral do agente público que devesse tomar decisões e administrar interesses de terceiros, ou seja:
se lhe bastariam apenas suas boas intenções para justificar­se­lhe a conduta ­ e ter­se­ia uma
ética da intenção ­ ou se seria necessário que efetivamente ele atingisse os resultados dele
esperados ­ e ter­se­ia uma ética do resultado.
Não obstante, como é de geral sabença, os agentes políticos e administrativos, aqui e alhures,
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insistem em proclamar com destaque os acertos de suas intenções para encobrir os desacertos e a
miséria dos resultados de suas ações... não obstante, weberianamente, a ética que se lhes deva
aplicar só possa ser a ética dos resultados ­ pois a ninguém se obriga assumir responsabilidades de
zelar e de promover o bem de todos ­ de modo que, se alguém a tanto se abalança por sua livre
vontade, decidindo e administrando interesses alheios, é justo que, perante todos os comitentes,
este agente responda pela eficiência de seus atos, tal como na vida privada se exige de um
procurador ou de um gestor de negócios, que, do mesmo modo, empregam em confiança recursos
alheios para satisfazer interesses igualmente alheios.
Assim se chega à conclusão de que, nessas condições, se no plano moral o bom resultado é exigível
e, do mesmo modo o é no plano do direito privado, com muito mais razão deverá sê­lo no plano do
direito público, em que os recursos empregados e os interesses a serem satisfeitos não são os do
agente e, nem mesmo, dos particulares, mas são os da sociedade, ao que se acresce que as
investiduras públicas, que têm os ônus de sua satisfação a seu cargo, tampouco a ninguém são
impostas, senão que, voluntariamente assumidas.
Desponta a administração de resultado
Há algum tempo se vem tratando desse tema, já não mais circunscrito apenas ao plano ético, mas,
de um modo ampliado e especializado, em suas aplicações sociológicas, políticas, econômicas e,
mais recentemente, jurídicas e jusadministrativas, como, nesta Discipl ina, destacada e
proficientemente o tem feito Lucio Iannotta,2 Professor de Direito Administrativo da Escola
Superior de Economia e Finanças da Universidade La Sapienza de Roma, apontando,
especificamente, na origem das considerações sobre a administração de resultado no Direito
Administrativo, as especulações iniciadas na new economy anglo­saxônica, entendida como "um
modelo... que põe as administrações como fatores potenciais do desenvolvimento econômico",
sempre que os governos desempenhem eficientemente os seus cometimentos constitucionais.
É trabalhando nesta linha de vanguarda, que expõe, em síntese, aquele autor, que  os elementos
básicos do Direito Administrativo se encontram em perfeita coerência com as exigências atuais do
mundo econômico,  pois que um dos pressupostos comuns,  fundamentais à teor ia do
desenvolvimento, às reformas administrativas empreendidas e ao Direito, é a certeza de bons
resultados, notadamente em se sabendo que a implementação das decisões políticas demanda, cada
vez mais, um altíssimo grau de competência e de especialização, daí a necessidade de se dispor sob
nova forma essa missão pública de tutela jurídica dos interesses das pessoas, como destinatárias,
que são, de seus esperados resultados, uma vez que o escopo da justiça no campo do Direito
Administrativo não se pode apartar da realização dos direitos humanos fundamentais.3
A primeira visão que se oferece é, portanto, a de que, com a administração de resultado, se trata
de ampliar o enfoque de controle de juridicidade, que ultrapasse os clássicos controles políticos de
legalidade, instituídos nos processos da democracia representativa, assim como os tradicionais
controles jurídicos de legalidade, consolidados nos processos do Direito administrativo, penal e civil,
para compreender um amplo controle jurídico de legitimidade ­ com definição constitucional e
processamento administrativo.
Especula­se, portanto, como os novos referenciais do Direito Público, hoje aplicados ao campo do
Direito Administrativo, estão abrindo a auspiciosa oportunidade de se encerrar mais um ciclo
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histórico de controle da Administração Pública e de se iniciar um novo, que superará a longa
fase em que seu objeto era apenas a juridicidade da manifestação da vontade na ação
administrativa para endereçar­se também ao controle, mais extenso, da juridicidade do resultado
da ação administrativa.
Tal superação é, seguramente, o grande salto de qualidade da Política e do Direito contemporâneos
no que concerne à concreta satisfação dos interesses da sociedade cometidos ao Estado, entendida,
esta contingência do princípio da eficiência, como uma necessária e inafastável implicação da
transformação em curso do Estado moderno ­ o Estado de Direito ­ para o Estado pós­moderno ­ o
Estado Democrático de Direito.
Esse notável avanço, que se registra, desde logo, na hermenêutica constitucional contemporânea,
como implícito na vocação de bem servir ­ que é própria e indissociável da função administrativa
cometida ao Estado4 ­ vem aparelhando as sociedades para terem acesso a um tipo ultimado de
controle, que não se cinge à mera tutela dos valores contidos no conceito da legalidade tradicional,
senão que, indo mais além, se estende aos valores que se compreendem no conceito da
legitimidade democrática pós­positivista.
Resulta, portanto, essa nova postura do controle, do amadurecimento da própria idéia do Direito,
tal como brilhantemente empreendida por uma plêiade de grandes juristas do final do século vinte,
que, superando o positivismo, que tinha na lei o único referencial ético­jurídico e se esgotava no
conceito de legalidade, caminhou em direção a um pós­positivismo, ainda hoje em construção, que
amplia este referencial por obra de uma nova hermenêutica, alcançando, com o conceito de
legitimidade, uma visão estendida e integrada da juridicidade.
A expansão constitucional no domínio administrativo
Essa renovada concepção de legitimidade, operada pela benéfica expansão constitucional das
décadas finais do século passado sobre os domínios até há pouco tempo reservados a uma
destacada e quase estanque atuação da Administração Pública, então entendida como um "Poder do
Estado", nada mais representa que uma conseqüente expansão infraconstitucional aplicativa dos
direitos fundamentais, um fenômeno que se vem celeremente disseminando no campo do Direito
Administrativo, para fazê­los valer como uma coerente extensão do tradicional poder­dever do
Estado para realizá­los concreta e materialmente.
Este renovado e especial aspecto do clássico conceito de poder­dever, já havia sido observado e
destacado por Peter Häberle5 ao identificar o que denominou de duplo caráter dos direitos
fundamentais: de um lado, o aspecto de direito institucional (institutionelle Seite), de consideração
mais antiga, como a "garantia constitucional de esferas de vida reguladas e organizadas segundo
princípios de liberdade, que por causa de seu sentido objetivo­institucional, não se deixam
enclausurar no esquema `liberdade individual ­ limite à liberdade individual', se revelam à relação
unidimensional indivíduo­Estado e não se deixamfundar apenas sobre o indivíduo." E, de outro,
"um aspecto de direito individual: são `direitos da pessoa'."
Esse aspecto de direito individual já havia sido prenunciado por Maurice Hauriou, em seus
Princípios, ainda no começo do século passado, como nos dá conta a extensa pesquisa
empreendida por Norbert Foulquier, 6 vazada em erudita tese sobre os direitos públicos subjetivos
dos administrados, intitulando, provocativamente, o Capítulo em que trata do tema, de "O poder
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público: uma prerrogativa necessariamente no comércio jurídico".
Mas esse renovado conceito, que se derivou do princípio da centralidade da pessoa no complexo
juspolítico e como sua própria razão de existência, põe hoje em destacada evidência a função de
serviço, que lhe é imanente, anunciada em doutrina sob a designação de Estado de Serviço  e
sintetizada por Umberto Allegretti em duas expressões: "dever do Estado é o serviço dos
direitos" e, por isso, "dos direitos dos cidadãos derivam os deveres do Estado e a missão da
administração".7
Alcançam­se, destarte, novas e épicas culminâncias nessa histórica "luta contra as imunidades do
poder", na feliz expressão de Eduardo García de Enterría,8 cunhada há mais de quatro décadas,
como título de sua clássica conferência, pronunciada na Faculdade de Direito da Universidade de
Barcelona, em 2 de março de 1962, na qual, com sua habitual mestria, narra esse longo e heróico
processo que, em verdade, se desenrola há duzentos anos: praticamente desde o nascimento do
Direito Administrativo.
É nesse importante ensaio que Enterría aponta como os campos de embate nessa luta, três blocos
de atos nos quais se encastelavam os amplos poderes insindicáveis da Administração, como
anacrônicos e renitentes remanescentes do poder real ­ os atos discricionários, os atos políticos e os
atos normativos ­ e em que afirma em conclusão, à época como voz peregrina, mas hoje já não
suscitando maior espanto, que "O poder administrativo é, por si, um poder essencial e
universalmente sindicável... mas não é um poder soberano".9
A proposta deste ensaio
Portanto, sem pretensões de aprofundamento, embora com a sempre necessária preocupação
sistemática, passa­se a examinar, sob outro ângulo ­ o que se propõe  a partir da eficácia
constitucionalmente reconhecida aos direitos fundamentais ­ o desdobrar das duas fases dessa
"luta", sintetizadas em dois termos destacados no próprio título deste trabalho em que se procurou
apresentar o tema, partindo do controle da vontade na ação da Administração Pública para chegar
ao controle do resultado da ação da Administração Pública, ou seja, em última análise: trata­se da
derrubada da última barreira de injuridicidade na gestão dos interesses públicos e da conseqüente
abertura à garimpagem do mais novo filão de controle de responsabilidade na ação político­
administrativa de seus agentes.
Assim, em prosseguimento, discorrer­se­á, primeiramente, sobre o longo caminho em que se foi
procurando aperfeiçoar, do ponto de vista do direito, a manifestação da  vontade na ação da
Administração Pública e atingido o seu amplo controle, para, em seqüência, estudar a promissora
introdução do conceito de resultado da ação da Administração Pública e de como se lograr a partir
dele o respectivo controle.
2 Aperfeiçoando o controle da vontade
Esta primeira fase, portanto, para manter a feliz expressão de Enterría, corresponde à "luta" contra
a  imunidade do poder travada nos seus três círculos infensos ao controle externo ­ no ato
discricionário, no ato político e no ato normativo ­ e superada com a universal consagração de sua
ampla sindicabilidade judicial, especificamente dirigida contra a imunidade do poder no exercício da
escolha político­administrativa, assim considerada, a priori, como aquela apropriada e capaz de
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satisfazer a fundamental missão estatal de cura dos interesses da sociedade.
Nesta fase, o que sobreleva é, pois, a importância de que essa escolha seja teoricamente eficaz,
ou, em outras palavras: bastando que se apresente apta para produzir a eficácia jurídica que dela
se espera, o que vem a ser, assim, a  capacidade de gerar os efeitos a que se destina no plano do
direito, o que se dará desde que integralmente satisfeito o iter do devido processo da lei para
expressar a manifestação válida da vontade.
A esta altura, o direito substancial que possa ter o cidadão à efetividade da ação administrativa,
ainda não tem como ser concretamente conotado à ação da Administração, limitando­se, por isso, o
seu controle, apenas à legalidade da formação e da expressão da vontade administrativa, tal como
esta vem manifestada nos atos, contratos  e  atos administrativos complexos, bem como nos
processos que os organizem com finalidades determinadas. Tem­se­no, portanto, assim voltado a
um conceito referido notadamente à forma: um controle preponderantemente de legalidade formal.
Em outros termos: toda conquista do Direito Público na linha da juridicização da vontade da
Administração considerava, então e tão­somente, o quem pode (competência), o para quê pode
(finalidade), o como pode (forma), o porquê pode (motivo) e o quê pode (objeto) na manifestação
da vontade estatal.
Assim é que o Direito Administrativo clássico se desenvolveu vinculado a esses cinco elementos
volitivos, produzindo uma rica dogmática do ato administrativo, como a expressão síntese do
Estado­administrador, que se sistematizou nos conhecidos elementos essenciais dessa
manifestação da vontade: a competência, a finalidade, a forma o motivo e o objeto.
Em suma: só o controle da manifestação da vontade ficava, então, juridicizado nessa primeira
f a s e   da   "luta" ,   d e  m o d o   q u e   o s  agentes públicos respondiam apenas pela satisfação
preponderantemente formal desses cinco elementos ­ embora olimpicamente distantes e
juridicamente irresponsáveis no que respeita à efetiva satisfação, material e concreta, dos
interesses da sociedade , ou seja, a própria substância dos interesses que teoricamente eles se
dispuseram a atender desenvolvendo sua ação administrativa.
Em suma: como preponderava o que se poderia denominar de uma legalidade formal, não se
suscitava, por isso, mais do que uma tutela jurídica fraca, em vez de uma desejável legalidade
substantiva, a que seria, esta sim, o objeto de uma tutela jurídica forte, para empregar a
expressiva nomenclatura, marcadamente pós­moderna, de Rosario Ferrara.10
3 Introduzindo o controle de resultado
A segunda fase corresponde à "luta" contra a imunidade do poder no desempenho administrativo,
entendido como o resultado da atividade voltada a atender efetivamente a qualquer das missões
que hajam sido constitucionalmente cometidas ao Estado para a cura dos interesses da sociedade,
entendidos tais interesses, não importando se difusos, coletivos ou individuais, como uma
expansão infraconstitucional aplicativa dos direitos fundamentais.
Nos termos de Sorrentino, trata­se da avaliação do desempenho dos órgãos do Poder Público
destinado a atender "à centralidade da pessoa na constituição" e a satisfazer "o papel de serviço da
administração à tutela dos direitos das pessoas", ou seja: ante um revisado conceito de missão
estatal, que confere à Administração pósmoderna, nas palavras de Giancarlo Sorrentino,"a
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dimensão organizativa da solidariedade".11
Nesta segunda fase, portanto, distintamente da anterior, em que a ênfase estava na  eficácia,
sobreleva agora a importância de que esse desempenhoseja realmente eficiente, vale dizer: que
haja efetivamente produzido os resultados visados quando da escolha político­administrativa  e ,
desse modo, cabalmente exaurida a finalidade do ato, contrato ou processo em que tal escolha foi
decidida.
Parte­se, portanto, da existência de um direito cidadão, de natureza constitucional, não apenas à
rigorosa observância da legalidade estrita, mas à satisfação da legitimidade da pretensão juspolítica
garantida que têm as pessoas à eficiência; em síntese ­ a uma boa administração.
Realmente, como efeito da imanente efetividade reconhecida às normas constitucionais, o antigo
conceito de legalidade pode ser hoje entendido com uma dupla referência: primo, à lei, no sentido
rousseauniano, que vem a ser a observância da vontade geral emanada das assembléias
legislativas e parlamentos, e, secundo, à constituição, como lei das leis e fonte primária, dotada de
supremacia, como vontade condicionadora da vontade geral das assembléias e dos parlamentos.
Tem­se, assim, como direta aplicação dessa dúplice referência, que a concepção "legalista" da
legal idade não poderia conduzir senão a uma legalidade fraca, enquanto a concepção
"constitucionalista" de legalidade, que encompassa a legitimidade própria dos direitos
fundamentais, estará apta a definir uma legalidade forte para controlar a ação administrativa,
voltando a empregar as expressões de G. Ferrara.
Esta legalidade, assim constitucionalmente referida, ou, simplesmente, a legalidade constitucional,
vincula toda a ação político­administrativa dos agentes públicos ­ aos quais cabe definir a escolha e
executá­la concretamente ­ destinada à realização dos fins da ação administrativa, daí se poder
denominá­la, indiferentemente, de legalidade finalística ou de legalidade de resultado.
É, pois, desta concepção de legalidade de resultado que se retira a expressão chave deste ensaio ­
administração de resultado ­ que exprime, na síntese de Lucio Iannotta,12  um de   seus
monografistas apontado entre os mais destacados, que "o princípio de legalidade implica a
aplicação indefectível das normas que dão vida aos bons resultados " (n/grifo); "mas implica,
outrossim, a impossibilidade de aplicar normas que dêem vida a maus resultados, isto é, que
sacrifiquem bens jurídicos delimitados e definidos, em contraste com aqueles mesmos bens
objetivados pelo legislador ou com os protegidos pala Constituição escrita ou, ainda mais
profundamente, da instituição republicana" (n/destaques).
Como conseqüência, a evolução do controle também avança historicamente nessa linha: partindo
dos instrumentos da ação ­ os atos  e  procedimentos da Administração Pública ­ para alcançar a
substância da ação ­ os resultados efetivamente por ela alcançados. E, neste sentido, poder­se­ia
até falar de um controle fraco, de legalidade moderna, e de um controle forte, de juridicidade pós­
moderna.
Sob outro enfoque, o que se amplia são os critérios de aferição da juridicização do resultado da
administração, ao se considerar, portanto, em acréscimo aos critérios referidos da legalidade fraca,
mais os seguintes: quem deve, quando deve e como se deve responder pela efetiva execução da
vontade estatal, de assento constitucional.
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Na vertente anglo­saxônica dedicada aos estudos da administração pública, notadamente a
conotada à, assim denominada, new economy, esse específico aspecto tem sido tratado como um
dever de resposta adequada do gestor público às legítimas demandas dos administrados ­ o que
naqueles trabalhos se designa como responsiveness,13 entendida como o atendimento adequado da
juridicamente esperada legitimidade da ação do poder público, em complemento da tradicional, mas
insuficiente, responsability, que é apenas a regular satisfação da legalidade da ação pública.
Com efeito, sobre esta idéia de expectativa dos administrados a uma legitimidade de resultados,
produziu­se uma ampla literatura sobre o conceito da responsiveness, que a guindou a uma
perfeita inserção no contexto mais amplo da administração gerencial, tal como desenvolvida nos
Estados Unidos da América a partir dos anos noventa, desdobrando­se em novas e criativas
considerações sobre a participação do administrado no iter administrativo, notadamente no controle
social possível desse desempenho finalístico da Pública Administração.
4 Da referência ao Estado de Direito à referência ao Estado Democrático de Direito
A referência original novecentista ao Estado de Direito pressupõe a observância da lei, com todo o
conteúdo de juridicidade quanto à substância ­ os valores positivamente assentados da sociedade a
serem efetivamente satisfeitos ­ e quanto à forma  ­  os valores instrumentais de que o direito se
vale para fazer prevalecer os valores substantivos.
Para aplicar os valores substantivos há não mais que um crivo e uma vontade a considerar ­ a
política, daí desenvolver­se toda a tarefa nomopoiética a cargo dos governos, em variadas
combinações de poder legiferante positivadas entre seus órgãos parlamentares e executivos, nada
mais restando ao aplicador, administrativo ou judiciário, que exclusivamente a eles se ater, sem
redução ou acréscimo, operando através da lógica do racional para subsumir o fato na norma legal,
tal como recebida da fonte estatal.
Distintamente, a referência contemporânea ao Estado Democrático de Direito pressupõe
conceituação mais extensa que a da lei ­ ou seja, uma concepção do Direito ­ pois que amplia o
conteúdo de juridicidade ao expandir o conceito de legalidade estrita do positivismo, de modo a
possibilitar a inserção de novos valores dinâmicos da sociedade em sua aplicação.
Dá­se, pois, nitidamente, uma extraordinária expansão e enriquecimento de referenciais com a
ampliação do crivo jurídico de valores, claramente observável na evolução da hermenêutica dos
princípios, que, partindo da exclusiva e original tarefa governamental, própria da democracia
formal, chega à ampliada e derivada contribuição societal, própria da democracia substancial, que
passa a perfazer uma complexa tarefa de integração da norma legal.
Essa tarefa societal, jurídica e não mais política, está constitucionalmente cometida a toda a
comunidade de intérpretes autorizados, ainda que estes possam ser formalmente estatais, como o
são, tanto os que desempenham funções essenciais à justiça, quanto, os que, com a prerrogativa
da definitividade da dicção do direito, desempenham as funções jurisdicionais.
É essa dramática ampliação do conteúdo normativo da lei em busca da norma justa ­ que se realiza
com sua integração aplicativa para que se alcance o conteúdo normativo do direito ­ a que deve ser
considerada como uma tarefa própria da democracia substantiva.
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Com isso, transcendeu­se a herança da democracia moderna, do modelo de Westminster, que
cometia apenas aos parlamentos o monopólio da legitimidade da dicção de valores, devendo­se ao
modelo constitucional de Bonn essa concepção extensiva da democracia pós­moderna, que, ao
flexibilizar o antigo monopólio, de antigas origens regalengas, passou a reconhecer na comunidade
dos intérpretes e aplicadores do Direito a legitimidade necessária para que estes considerem e
invoquem novos valores incidentes, bem como os ponderem, quando de sua aplicação, operando,
assim, não apenas com a lógica do racional, mas com a lógica do razoável, com a finalidade de se
produzir uma final e renovada subsunção do fato à justa norma aplicável, assim obtida pela
integração e pela reconstrução processualizada, a partir da sua originária fonte estatal.
Como se observa, em razão dessa mudança, o dever de resultado do Estado torna­se ajusta
contrapartida do direito subjetivo público do cidadão, cuja definição valorativa finalística já não se
esgota na formulação das normas legais que expressam políticas públicas em sede parlamentar,
nem na sua execução, em sede administrativa, mas passam a exigir a aplicação legitimatória, a ser
provida pela comunidade dos intérpretes do Direito, pouco importando se os aplicadores pertençam
ou não formalmente, como acima se expôs, ao estamento estatal, porque, enquanto aplicadores
autorizados, atuam como intérpretes da própria sociedade.
E, do mesmo modo, como se constata, graças a essa ampliação do específico controle finalístico das
políticas públicas, ao introduzir um controle jurídico substantivamente societal, hoje se está em vias
de superar o tradicional ciclo político­administrativo de controle estatal genérico, permitindo,
inovativamente, levar a ordem jurídica a alcançar e a sancionar os sempre recorrentes, mas, por
tanto tempo, incorrigíveis abusos de poder por omissão de eficiência, de que resultam o baixo
desempenho, o desbaratamento e o desvio de recursos públicos e, talvez com maior gravidade
social, a imensa frustração dos cidadãos com os políticos, com os governos e quiçá com a própria
democracia.
Enfim, essa expansão do controle de resultados, tal como aqui apresentada, acrescerá  à s
possibilidades já existentes e atuantes de cada um dos instrumentos de controle da Política e da
Administração Pública ­ e, ademais, sem quaisquer ônus para o Estado ­ uma imensa multiplicação
de controles substancialmente societais, a serem capilarmente exercidos por inumeráveis cidadãos
e intérpretes do Direito.
Este, portanto, é o passo adiante que se fazia necessário ­ o controle de resultados, um controle de
legitimidade da ação político­administrativa ­ que poderá dar um tão esperado basta aos gastos
demagógicos dos governos, aos investimentos inúteis, às obras paralisadas, aos projetos
mirabolantes, às benesses com recursos públicos, ao assistencialismo inconseqüente, que vicia e
estimula a indolência, e a tantas outras formas de implantar falsas e enganosas políticas públicas,
que malbaratam os insuficientes recursos a duras penas retirados impositivamente da sociedade.
5 O aperfeiçoamento da legitimidade pela administração de resultado e pelo seu controle,
a que se segue breve conclusão
Parta­se da contribuição italiana, que se inicia nos anos sessenta com as primeiras menções
aportadas pela pena fértil do extraordinário Massimo Severo Giannini,14 a que se seguiram, além
de outros monografistas, alguns já citados, os da resenha oferecida na obra de G. Sorrentino,15
que fazem expressa referência ao papel de serviço desempenhado pela Administração.
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Releva ainda, nessa contribuição peninsular, o trabalho na  linha democrática, de G. Pastori,16 e,
identificando a administração de resultado com a sua contraparte anglo­saxônica, a "performance­
oriented administration", o de M. Cammelli,17 culminando este processo, no ano de 1990, com a
edição das leis italianas nº 142, de 8 de junho, e nº 241, de 7 de agosto: duas legislações
importantes para, na avaliação que lhes faz Sorrentino, delimitarem no tempo o direito dos
cidadãos à satisfação de suas necessidades protegidas, o que vale dizer: radicando "a administração
no plano concreto da realidade material".18
Deve­se, ainda, a essa intensa produção italiana sobre o tema, a explicitação de parâmetros
principiológicos próprios para a aferição da juridicidade de resultado, sem os quais a tarefa perde a
objetividade desejada para o trabalho de identificação da ausência ou da carência de bons
resultados, como os constitucionalmente legítimos.
Esses critérios principiológicos tanto podem ser introduzidos pelo enunciado da própria norma legal,
como pela interpretação aplicativa, podendo arrolar­se, além dos já examinados, como a eficácia e
a eficiência, vários outros, em elenco exemplificativo, tais como: a pertinência, a adequação dos
meios, o mínimo sacrifício, a funcionalidade, a flexibilidade, a pontualidade, a qualidade, o
profissionalismo, o pluralismo, a solidariedade e a razoabilidade.
Está implícito, portanto, que a chave do êxito do controle de resultado, na linha do que se expôs,
está preponderantemente na participação, pois a sintonia fina da legitimidade dela necessita para
que se não pratique uma "justiça" genérica, abstrata e distante, mas uma justiça administrativa,
concreta e bem próxima das necessidades das pessoas, daí a observação emprestada de
Habermas19 "sobre a necessidade de a administração experimentar e praticar formas comunicativas
e processuais capazes de satisfazer as condições legitimatórias do Estado de Direito".
É a inda a participação, disciplinada pelo procedimento adequado ­ e por isso, um elemento
essencial da assim chamada democracia processual ­ que concorre para reestruturar o direito pela
renovação da relação entre as normas e as pessoas, para que não seja mais caracterizada por
"uma atitude subalterna e passiva, mas uma atitude referida ao ativismo, à instrumentalidade, para
saber ler na norma possibilidade e oportunidade, antes que vinculação e sanção", na expressão de
M. R. Ferrarese.20
E, se no passado, no processo administrativo decisório, como bem observou Mário Chiti, a
discricionariedade tornava supérflua a participação, atualmente, os termos se inverteram e passa a
ser a própria discricionariedade que, para ser adequadamente exercida com o máximo de
legitimidade, impõe a participação.21
Finalmente, e como reforço da tese da ampla participação legitimatória do controle da
administração de resultado e de sua importância no Direito Público do século que se inicia, vale
lembrar que a doutrina acrescenta­lhe duas outras preciosas vantagens: a primeira, por ser um
antídoto ao despotismo da maioria22 e a segunda, por inaugurar um novo modo de tomada de
decisões nas sociedades pós­modernas, notadamente naquelas ainda em vias de desenvolvimento,
em que os reclamos de legitimidade são mais prementes, embora menos auscultados.
Com efeito, tanto a democracia deliberativa a que se deve acrescentar, em complemento, a
democracia controladora, poderão encontrar, nas amplas oportunidades que se abrem com a
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introdução da administração de resultado, o seu mais promissor campo de expressão pós­moderna,
reduzindo e até eliminando o distanciamento entre administração e administrado ­ que a natural
incapacidade burocrática daquela de operar solitariamente tende sempre a ampliar, com a
inevitável distorção dos fatos em causa, das interpretações possíveis e, o que é mais dramático,
dos valores em questão.
Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, parecer inconteste que, depois da explicitação do
princípio da eficiência no texto da Carta Magna,23 há mais do que suficiente fundamento
constitucional para afirmar­se o dever do bom resultado na atividade administrativa pública.
Com efeito, o faltar a esse dever, desatendendo ao que, em contrapartida, se tem como o nítido
direito da cidadania à satisfação de seus interesses públicos pelos órgãos do Estado, caracterizaria
improbidade administrativa do agente responsável, tal como posto nos artigos 10 e 11 da Lei n°
8.429, de 2 de junho de 1992,24 uma vez que, mesmo tendo sido editada antes da Emenda
Constitucional n° 19, a remissão que expressamente se contém ao princípio da eficiência, nela
introduzido, passa a integrar a conceituação dos atos de improbidade administrativa por atentarem
contra os Princípios da Administração Pública, como se dispõe no próprio título da Seção III do
Capítulo II, que trata da definição dos atos de improbidade administrativa.Jessé Torres Pereira Júnior, jurista atento às mutações em curso, ressalta esta peculiaridade 25
observando que o art. 4° da referida Lei (sic) ­ "Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia
são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos" ­ deve ser relido pelo
hermeneuta de modo que se lhe inclua o dever de eficiência, o que vem a ser o dever do bom
resultado.
Breve conclusão
Parece intuitiva a conclusão que se retira dessa simples resenha, em que se procurou fazer uma
sumária apresentação da administração de resultado e de seu controle, tal como se apresentam no
Direito Administrativo pós­moderno, com especial referência feita à adiantada experiência italiana.
Assim, sem mais insistir nem acrescentar, mas à guisa de orientação para lastrear uma desejável
experiência brasileira em busca de uma disciplina legal de resultados constitucionalmente devidos
e, por isso, da ação constitucionalmente legítima dos agentes encarregados de promovê­los, pende­
se da iniciativa de algumas ações em curto e médio prazo.
Em curto prazo, desde logo, impende continuar a definir e a aperfeiçoar os parâmetros para a
aferição objetiva da eficiência administrativa; uma tarefa que parte de seu explícito fundamento
constitucional, para que difunda o seu regular emprego por todas as entidades e órgãos
administrativos do País.
Ainda em curto prazo, cumpre programar e realizar encontros, simpósios, seminários e congressos
dedicados ao aprofundamento do tema da administração de resultado  e   d e   s e u  controle,
notadamente com a convocação de especialistas multidisciplinares, em direito, economia e
administração pública, interessando­os e engajando­os nessa obra que tem tudo para ser uma
revolução branca do Direito Administrativo neste século.
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Em médio prazo, é necessário pensar afincadamente na produção da legislação aplicativa desses
temas ­ para todos os entes públicos da Federação ­ definindo os elementos legitimatórios
essenciais desse processo: na abertura de controles nos mais variados processos administrativos e
na correlativa abertura da participação controladora da sociedade; tudo, enfim, para que um
almejado futuro controle de qualidade de resultado na administração pública nos esteja cada vez
mais próximo do presente.
Teresópolis, inverno de 2006.
Referências
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CAMMELLI, M. Amministrazione di resultato. In: Annuario apud SORRENTINO, Giancarlo. Diritti e
partecipazione nell'amministrazione di resultato. Napoli: Ed. Scientifica, 2003.
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CHITI, Mario. Partecipazione popolare e pubblica amministrazione. Pisa: Facoltà di scienze politiche
della Università di Pisa, 1977.
FERRARA, Rosario. Introduzione al diritto administrativo: le pubbliche amministrazione nell'era
della globalizzazione. Roma: Laterza, 2002.
FERRARESE, M. R. Le istituzioni della globalizzazione: diritto e diritti nella società transnazionale
apud SORRENTINO, Giancarlo. Diritti e partecipazione nell'amministrazione di resultato. Napoli: Ed.
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FOULQUIER, Norbert. Les droits publics subjectifs des Administrés: emergence d'un concept en droit
administratif français. Paris: Dalloz, 2003.
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lucha contra las inmunidades del poder. 3. ed. Madrid:
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HÄBERLE, Peter.  La libertad fundamental en el Estado constitucional. Tradução de: Jürgen
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HABERMAS, J. apud SORRENTINO, Giancarlo. Diritti e partecipazione nell'amministrazione di
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IANNOTTA, Lucio. Economia, diritto e politica nell'amministrazione del risultato. Rivista on line,
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<http://www.rivista.ssef.it/site.php?page=20050110084856 123&edition=2006­05­01>.
IANNOTTA, Lucio. Previsione e realizzazione del resultato nella pubblica amministrazione: dagli
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de
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PASTORI, G. Pluralità e unità dell'amministrazione. In: DEMOCRAZIA e amministrazione. p. 99 et
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Cassetta. Nápoles: Jovene, 2001. v. 2.
SORRENTINO, Giancarlo. Diritti e partecipazione nell'amministrazione di resultato. Napoli: Ed.
Scientifica, 2003.
 
1 A remissão, aqui é à obra clássica de MAX WEBER, Politik als Beruf, enfocando a política como
profissão, na qual é feita essa distinção da ética própria do político profissional.
2 IANNOTTA, 2006, p. 1.
3 IANNOTTA, 2006, p. 1­2.
4 Giancarlo Sorrentino (2003, p. 65­66) sintetiza essa premissa com mestria na seguinte
passagem:
"L'attenzione verso le persone e i loro concreti bisogni... alla luce della contituzione adeguata
ai tempi e alle moderne esigenze di uma società sempre più complessa e articolata ­ impegna sul
piano istituzionale la funzione amministrativa a rinovati (e crescenti) compiti di servizio,
costituisce per così dire uma costante della pur eterogenea produzione normativa (legislativa e
non) che a partir dall'ultimo decennio del secolo scorso ha profundamente inciso sulla
configurazione dei raportti tra cittadino e pubblica amministrazione, portando la più
avvertita dottrina ad individuare nelle realizzazione di resultati concreti e materiali... il
proprium della funzione amministrativa." (nossos destaques).
5 HÄBERLE, 2003, p. 163­164.
6 FOULQUIER, 2003, p. 413.
7 ALLEGRETTI, 1996, p. 11­12, n/destaque.
8 GARCÍA DE Enterría, 2004.
9 GARCÍA DE Enterría, 2004, p. 107, n/destaque.
10 FERRARA, 2002, p. 19.
11 SORRENTINO, 2003, p. 27.
12 IANNOTTA, 1999, p. 101.
13 Em minhas (Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p. 60) traduzi a expressão inglesa responsiveness por responsividade.
14 Como recorda ROMANO TASSONE, 2001, p. 813 et seq.
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15 ROMANO TASSONE, 2001, p. 107 et seq.
16 PASTORI, p. 99 et seq. apud SORRENTINO, 2003.
17 CAMMELLI, p. 107 apud SORRENTINO, 2003.
18 SORRENTINO, 2003, p. 70.
19 HABERMAS, J. apud SORRENTINO, 2003, p. 197.
20 FERRARESE, p. 201 apud SORRENTINO, 2003, p. 194.
21 CHITI, 1977, p. 162.
22 CASSESE, 2002, p. 331­332.
23 Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998.
24 "Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer
ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei,
e notadamente:" (n/destaque, seguindo­se rol exemplificativo). "Art. 11. Constitui ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:" (n/destaque, seguindo­se rol exemplificativo).
25 Em participação no FÓRUM DE CONTROLEDA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 3, 2006, Rio de
Janeiro.
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novo referencial no Direito Administrativo: do controle da
vontade ao do resultado: a juridicização dos resultados na Administração Pública.  Fórum
Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 67, set. 2006. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=37401>. Acesso em: 29 jun. 2015.
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O controle de constitucionalidade pelo Estado­Administração
Juarez Freitas
 
Resumo: A Administração Pública tem o dever prioritário de proteger os direitos constitucionais.
Tal dever supõe ampliação do autocontrole, respeito às decisões judiciais consolidadas e favorece a
afirmação do princípio da deferência. A tarefa de evitar a ação ou omissão inconstitucional é de
todos os agentes de Estado e, de acordo com as suas atribuições, representa aspecto crítico do
novo Direito Administrativo. Por outras palavras, a constitucionalidade ­ além da conformidade com
as regras legais ­ precisa ser assegurada e garantida pelo Estado inteiro, incluída a Administração
Pública.
 
Palavras­chave: Controle de constitucionalidade. Administração Pública. Direitos constitucionais.
 
Sumário: 1 Introdução ­ 2 Da obrigatoriedade de o Estado­Administração realizar uma espécie de
controle da constitucionalidade: implicações ­ 3 Conclusões
 
1 Introdução
As práticas da gestão pública, à vista da cogência do direito fundamental à boa administração
pública, precisam ser sindicadas numa perspectiva propriamente constitucional, isto é, examinadas
sob a ótica da conformidade não apenas com o princípio da legalidade, mas com a íntegra dos
princípios, dos objetivos e das regras da Constituição.
Lógico: tal  controle é tecnicamente dist into do controle (di fuso e concentrado) de
constitucionalidade exercido pelo Estado­Juiz. Com essa ressalva expressa, tudo recomenda, até
para que se respeite o princípio da deferência, que a guarda da constitucionalidade seja entendida
como tarefa prioritária do Estado­Administração, sob pena do alheamento deflacionário das
exigências do constitucionalismo de ponta.
Desde logo, para evitar mal­entendido: não se preconiza o controle destemperado da
constitucionalidade, empreendido pelo guarda de trânsito, a quem incumbe, antes de mais, cumprir
zelosamente as regras, ainda que sem atentar contra os princípios. O que se colima, nesse estudo,
é acentuar que, observados os limites intransponíveis das atribuições específicas, a guarda da
Constituição não se cinge às Cortes judiciais, embora a elas incumba o controle "último", não
necessariamente em sentido cronológico.
Imperativo tecer uma rede de controle sinérgico e proativo da constitucionalidade, a cargo do
Estado inteiro (hábil a realizar a sindicabilidade sistemática ­ externa, interna, jurisdicional e social
­ da gestão pública, isto é, um controle apto da juridicidade constitucional das decisões
administrativas, simultaneamente avesso a automatismos rígidos e à discricionariedade pura).1
Tudo no desiderato de filtrar e, não raro, substituir errôneos condicionamentos omissivistas,
arraigados no terreno das relações administrativas. Dito de outro modo, força que o Estado­
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Administração coopere, incisa e integradamente, para o bom êxito do controle da legalidade, mas
não só. Respeitadas as esferas competenciais, urge que promova, em lugar do culto timorato à
obediência, o ensejo de que a Constituição, por assim dizer, administre. Não se trata, está claro, de
propor a insurgência usurpatória de qualquer matiz, mas de vivamente realçar que:
(a) ao Estado­Administração incumbe realizar mais do que o controle da legalidade, pois, para
ilustrar, nos termos do art. 74 da CF, o controle deve ser de eficiência e de eficácia, o que
acarreta novo complexo de deveres fundamentais impostos diretamente pela Constituição,
assim os relacionados às áreas de saúde, da educação e do tratamento prioritário às crianças
e aos adolescentes (c/c CF, art.227);
(b) ao Estado­Administração cumpre realizar de ofício, nas fronteiras constitucionais, por meio
de agentes especialmente qualificados e investidos para tanto, máxime os integrantes das
Carreiras de Estado, uma espécie de controle da higidez constitucional dos processos e atos
administrativos. Controle que permita, motivadamente e em determinados contextos, até a
inaplicabilidade de lei ou de ato administrativo normativo, como decorrência da vinculação
maior ao compromisso de tutela da Constituição;
(c) ao Estado­Administração resta incontornável preservar, no âmbito do controle sistemático
dos atos administrativos "lato sensu", a ponderada eficácia do direito fundamental à boa
administração pública, com a correspondente e proporcional sindicabilidade. Naturalmente,
levada na devida conta, sem qualquer emotivismo retórico, a totalidade dos princípios
regentes das relações administrativas, aí abrangidos os emergentes princípios da prevenção e
da precaução.
Nesses precisos e insofismáveis termos, intenta­se lançar luzes sobre a "guarda da Constituição"
fora das armadilhas da "concepção unicêntrica de Estado"2 ou da "constitucionalização
exacerbada",3 envolvendo todos os Poderes e a sociedade. Tudo sem prejuízo da persistência do
Poder Judiciário, em nosso modelo, na condição de controlador "último,"4 alicerçado em "cláusula
pétrea" (CF, art. 5º, XXXV), da qual emanam consequências de vulto, a saber:
(i) o controle judicial "último" (nem sempre no sentido cronológico, uma vez que a ameaça à
lesão deve ser coibida cautelarmente) faz as vezes de "legislador negativo", contudo em face
da inércia inconstitucional (omissão imotivada e injustificável) dos outros Poderes, pode
adicionar normatividade ao sistema até o que o outro Poder desempenhe o seu papel
constitucional (em boa hora, o Poder Judiciário resolveu, por exemplo, empregar o mandado
de injunção para tal fim);
(ii) o controle judicial "último" faz as vezes de "administrador negativo", com a missão de
escoimar, em tempo útil, todos os vícios administrativos insuscetíveis de convalidação, não
obstante a admissibilidade de hierarquização axiológica fundamentada que preserve efeitos
até de atos inconstitucionais, à condição rigorosa de que a exceção sirva à efetivação
(aparentemente paradoxal) dos objetivos fundamentais da República. Todavia, no caso de
omissão desproporcional (antijurídica, por definição) do Estado­Administração, isto é, perante
inércia objetivamente descumpridora dos deveres administrativos, ao Poder Judiciário cumpre
diligentemente tomar todas as medidas necessárias para que a tutela seja acatada. A ponto
de ­ em situação­limite ­ paralisar transitoriamente os efeitos de determinada regra
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constitucional, como a do precatório, com o bloqueio de recursos públicos, consideradas as
exigências do caso. Por idênticas razões de fundo, o Estado­Juiz pode­deve conceder a
antecipação de tutela contra o Poder Público, em prol do princípio da dignidade ou de outro
princípio de idêntica estatura. Ainda: pode­deve determinar, sem permitir a alegação da
simples discricionariedade administrativa ou da reserva do possível sem prova, a matrícula de
criança em crechemunicipal,5 haja vista o caráter obrigante, direta e imediatamente
aplicável, do direito fundamental à educação. Trata­se de o Estado­Juiz emprestar
efetividade, sem protagonismo desmedido, ao direito fundamental à boa administração
pública, entendido como o direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz,
proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e
respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas
omissivas e comissivas;6
(iii) o controle judicial "último" deve, ao máximo, respeitar as decisões dos demais Poderes (em
função do princípio da deferência, bem entendido), salvo se insanáveis e claramente7
incompatíveis com o todo do sistema constitucional, assumido o pressuposto ("juris tantum")
de que os demais Poderes cuidam (e deveriam cuidar), enérgica e zelosamente, da dignidade
do sistema constitucional. Naturalmente sem empregar, em nenhum momento, a deferência
como atitude frouxa ou condescendente em face do arbítrio por ação ou omissão
relativamente às tarefas impostergáveis do Estado­Administração.
Importa remarcar: a Constituição Federal, entendida sem a falácia (assaz comum) da
desintegração,8 deve ser lida como inclusiva em matéria de controle da constitucionalidade, ao
estabelecer (CF, art. 23, I) a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios para zelar pela "guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas." Por
certo, ao assim prescrever, não almeja que tal tarefa se resolva, com exclusividade, no Poder
Judiciário, mas no controle de juridicidade constitucional extenso e intenso, eficiente e eficaz, de
molde a favorecer, ao menos em tese, resultados legislativos e administrativos em consonância
com os objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º), isto é, com o pleno resguardo, sem
retrocessos, dos direitos "entrincheirados".9
A última assertiva, por suposto, merece acolhida sem os entraves das pré­compreensões
demasiado rígidas ou hiperinflacionadas quanto a riscos de desvios usurpatórios. Com efeito, nada
há a estranhar que, numa leitura tópico­sistemática,10 o Estado­Administração exerça o poder­
dever de controlar a conformidade dos atos administrativos, acima de tudo, em linha com a
Constituição, de sorte a imprimir, na vida real, a eficácia direta e imediata do direito fundamental
à boa administração pública.11
Há, por outras palavras, expressivo e relevante desafio (ao mesmo tempo, pragmático e
deontológico),12 qual seja o de, preservado o papel de controlador "último" do Poder Judiciário,
expandir  e costurar o movimento de  luta13 pela redef inição das funções do Estado
Constitucional.14
Eis os acordos semânticos propostos para o presente estudo, concernente à expansão do controle
da constitucionalidade, nos limites competenciais, a ser efetuado também pela própria
Administração Pública, sem prejuízo do caráter derradeiro, cautelarmente ou não, do controle
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jurisdicional,15 nem do controle a cargo do Poder Legislativo e da sociedade.16 O que preconiza é
tão só a serena reelaboração daquelas categorias descendentes do tradicional e ultrapassado
modelo fixista de controle da constitucionalidade.
 
2 Da obrigatoriedade de o Estado­Administração realizar uma espécie de controle da
constitucionalidade: implicações
O exercício sistemático do controle constitucional dos atos administrativos17 demanda assimilar,
com ousadia racional, vez por todas, que o ordenamento constitucional não se reduz ao império
das leis, e se concretiza em nome da sociedade que o legitima.
Além do Poder Judiciário, outras esferas estatais de controle mostram­se imprescindíveis,
conquanto se encontrem demasiado tímidas no mister de combater, no nascedouro, a urdidura
fatigante das inconstitucionalidades "dolosas" ou "culposas". Com efeito, romper com esse quadro
patológico supõe, como uma das profilaxias relevantes, reduzir os conflitos derivados da
antijuridicidade habitual da Administração Pública. Conflitos que produzem torrentes de processos
judiciais, às vezes sem duração razoável, agravados pela falta de acatamento, em tempo útil, dos
ditames judiciais pelo Estado­Administração.
Nessa medida, assimilada com boa­fé, a noção alargada de controle da constitucionalidade não
implica excesso nem invasão, senão representa avanço potencialmente corretivo da performance
estrutural da "maquinaria" do Estado brasileiro. Reconhece que todos os Poderes possuem a missão
de realizar (por exemplo, por meio de súmulas administrativas vinculantes ­ como no caso do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), com temperamentos e nos limites das respectivas
atribuições, a proteção firme e ativa da Constituição contra os lamentáveis expedientes da burla
frontal ou oblíqua.
Para i lustrar, tome­se, de início, o papel do Estado­Administração no resguardo da
constitucionalidade no bojo do processo administrativo fiscal. Certo, norma federal de regência,
Decreto nº 70.235/72 (com as significativas alterações em 2009, notadamente pela inclusão do
art. 26­A) estatui, "prima facie", que se encontra vedado aos órgãos de julgamento afastar a
aplicação ou deixar de observar lei, tratado ou decreto, sob o fundamento da inconstitucionalidade.
Contudo, não é menos certo, como se constata no §6º do mesmo dispositivo,18 que tal vedação
não se aplica aos casos de lei ou ato normativo que já tenham sofrido declaração de
inconst i tucional idade por decisão def in i t iva plenár ia do Supremo Tr ibunal Federal
(independentemente da existência de súmula vinculante do STF). Tampouco se aplica a vedação
quando se trata de crédito tributário objeto de dispensa legal de constituição ou de ato declaratório
do Procurador­Geral da Fazenda Nacional,19 súmula da AGU20 ou, ainda, pareceres do Advogado­
Geral da União, aprovados pelo Presidente da República.21
Quer dizer, da boa leitura do texto normativo emerge, cristalina, a inferência de que não é boa a
pré­compreensão de que não se tolera julgamento, no processo administrativo fiscal, com base em
inconstitucionalidade. Há expressas exceções. De mais a mais, imperioso até que o Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais expeça súmulas vinculantes, que contemplem as situações
aludidas, no desiderato da tutela administrativa benigna, econômica e improtelável da
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Constituição.
Resta ou deveria restar acima de dúvida razoável, nas hipóteses estampadas no art. 26­A, que, "a
contrario sensu", faz­se obrigatório o julgamento administrativo que proteja, "ex officio", o sistema
constitucional via afastamento da aplicação ou inobservância de determinadas regras havidas como
categoricamente incompatíveis com a Constituição, observadas as cautelas da maturidade. No
entanto, sem leniência.
Desse modo, ainda que em face da ausência de súmula vinculante do STF a respeito,
inquestionável a vinculação do Estado­Administração às decisões definitivas plenárias do STF
(salvo resistência devidamente motivada) e, simultaneamente, o dever de produzir súmulas
administrativas e pareceres que disponham sobre matéria de constitucionalidade, nos moldes e
limites traçados.
Ora bem, qual o nome disso? Controle da constitucionalidade, por meio de juízo emitido pelo
próprio Estado­Administração no bojo de processo administrativo, no qual se impõe, com reserva e
comedimento, a inaplicação de lei ou decreto por vício de estridente afronta à Lei Maior.
Portanto, tem­se, como deflui do elucidativo exemplo, de intensificar, com translucidez, a guarda
da constitucionalidadepela própria Administração Pública, em sentido lato. O que supõe o fim da
omissão lesiva, no tocante à consecução daqueles atos de defesa imunológica dos princípios, dos
objetivos e dos direitos fundamentais, inclusive na intimidade do organismo administrativo.
Nessa trilha, convém trazer outro exemplo esclarecedor: por se tratar de uma das carreiras de
Estado, a Advocacia Pública da União não deve defender ato normativo incorrigível e
insanavelmente inconstitucional (esgotadas as tentativas de "interpretação conforme"), ao se
manifestar, obrigatoriamente, no processo objetivo de controle da constitucionalidade.
Bem verdade que a dicção literal do art.103, parágrafo 3º da CF, estabelece: "Quando o Supremo
Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo,
citará, previamente, o Advogado­Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado."
Entretanto, para além do literalismo e do originalismo estrito,22 a melhor intelecção do dispositivo
corre no sentido de que o Advogado­Geral da União defenderá o ato impugnado somente quando o
ato for defensável, à base da Constituição. Do contrário, correria o risco de resvalar
irracionalmente para o inaceitável servilismo a propósitos secundários, num fluxo ruinoso de
desprestígio dos desígnios constitucionais.
Tal exemplo corrobora, de modo robusto, a obrigatoriedade do compromisso estratégico dos
agentes de Estado com a precípua "guarda da constitucionalidade", com independência em face dos
apelos políticos imediatos, eventualmente interessados na produção ou na mantença de
dispositivos viciados.
Não por acaso, em sintonia com essa visão expansiva do controle da constitucionalidade, útil
recordar que o próprio veto presidencial a projeto de lei pode/deve ocorrer também por razões
eminentemente constitucionais (CF, art. 66, par. 1º). Trata­se de modalidade do controle
preventivo de constitucionalidade, a ser responsavelmente incrementado. Serve de argumento
adicional de que incumbe a todos os Poderes a decidida tutela da constitucionalidade, em respeito
ao art. 78, da CF, ao determinar que o Presidente e o Vice­Presidente da República, na posse,
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prestem o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, além de observar as leis.
Consolidando: o controle "lato sensu" de constitucionalidade não é, tampouco seria plausível
cogitar que fosse, uma exclusividade das Cortes judiciais. Nesse horizonte, impõe­se, sem titubeio
e meias palavras, cristalizar, a pouco e pouco, uma nova cultura (cognitiva e volitiva) propícia ao
desenvolvimento das instituições republicanas de Estado, responsáveis pelo combate ao cortejo dos
vícios ligados ao passivismo inconstitucional.
Para além disso, a opção do constituinte pelo "controle externo" quanto à legitimidade e à
economicidade dos atos administrativos, em vez de adstrito à legalidade, representa outro
incontestável argumento a favor da necessidade de dilatação do controle da constitucionalidade, no
sentido aqui esposado (CF, art. 70). No mesmo diapasão, na seara do "controle interno", consoante
os ditames do art. 74, II, da CF, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma
integrada, sistema de controle teleologicamente orientado, não apenas para comprovar a
legalidade, mas para "avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária,
financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação
de recursos públicos por entidades de direito privado". Vale dizer, a Constituição, com nitidez,
determina integração na tutela eficiente e eficaz da sanidade constitucional dos atos
administrativos. Vigilância larga a ponto de abarcar os princípios constitucionais da eficácia e da
eficiência, da prevenção e da precaução.
Dito em outros termos, aos controles (interno, externo e jurisdicional) impõe­se a observância do
princípio constitucional da eficácia, não propriamente no sentido de aptidão para produzir efeitos
no mundo jurídico, senão para determinar resultados compatíveis com os objetivos fundamentais
da República (CF, art. 3º). Dito numa sentença: quer­se a instauração do controle eficacial da
constitucionalidade dos atos administrativos, acima (não em detrimento) da legalidade.
Bem pensadas as coisas, uma abordagem includente em termos de tutela da constitucionalidade
deriva de relevantes pressupostos de fundo, designadamente:
(a) a omissão no cumprimento diligente da guarda eficacial direta e imediata da Carta pelo
Estado­Administração pode ocasionar danos juridicamente injustos, ainda quando não
configure violação às regras infraconstitucionais;
(b) se e quando todos os Poderes de Estado, sem exceção, observarem os deveres respectivos
de guarda da constitucionalidade, estima­se provável a observância concreta do princípio da
deferência, segundo o qual as decisões de cada Poder devem ser respeitadas, desde que não
colidam, direta ou indiretamente, com a Constituição;
(c) força perceber que, precisamente por efetuar espécie de controle da constitucionalidade, nos
limites de suas atribuições, o Estado­Administração (em sentido lato) tem de acatar,
prontamente, as decisões definitivas ou pacificadas do Poder Judiciário, mormente em sede de
pronunciamentos concentrados ou objetivos, nos quais inexiste, a rigor, a clássica
contraposição das partes. Todavia, igualmente se vincula ao decidido, em definitivo, em sede
de controle difuso, isto é, quando houver decisão plenária definitiva do STF (independente da
sustação da execução da lei pelo Senado).23
Quadra sublinhar que o pressuposto (c) afigura­se consectário da ideia­guia de que o Estado­
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Administração, não obstante a independência dos poderes, encontra­se vinculado à orientação do
controlador "último", não apenas na hipótese da súmula de que fala o art. 103­A da CF, que
ostenta o "efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".
É que, apesar de tal súmula ter, entre os seus objetivos, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas (acerca das quais haja controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a
Administração Pública, de molde a acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação
de processos sobre questão idêntica), verdadeiramente ela não exaure as hipóteses de vinculação.
Ainda mais ao se assumir o imperativo de guarda da constitucionalidade pela própria Administração
Pública.
Com efeito, uma das hipóteses de vinculação, independentemente dessa súmula, reside
expressamente no art. 102, da CF, §2º, segundo o qual as decisões definitivas de mérito,
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal.24
Naturalmente, na seara concentrada de controle judicial da constitucionalidade, o afastamento do
mundo jurídico da norma considerada nula é, regra geral, imediato, em face de mácula fulminante.
Cumpre ser escoimada, por inteiro, pelo "legislador negativo", tirante as exceções de modulação,
diferimento ou mitigação dos efeitos declaratórios da inconstitucionalidade. Modulação, contudo,
que, diga­se de passagem, pode acontecer, justificadamente, em todo e qualquer processo de
controle da constitucionalidade, não apenas no concentrado.Então, notadamente à vista dos princípios da confiança legítima e da segurança das relações
jurídicas, a Administração Pública não pode praticar atos com arrimo numa regra considerada
inconstitucional pelo STF, toda vez que, em definitivo e de modo plenário, suceder uma decisão
declaratória do vício, ressalvadas as modulações.
Impende registrar que a vinculação jurisprudencial, no Brasil, é fenômeno indesmentível. Note­se,
novamente com o desiderato ilustrativo, que:
(a) a teor do art. 741, parágrafo único, do CPC, na execução contra a Fazenda Pública, os
embargos poderão versar sobre inexigibilidade do título, considerado também inexigível o
título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação das leis (ou dos atos normativos)
tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal;25
(b) nos termos do art. 475, parágrafo 3º, do CPC, não se procede o reexame necessário da
sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas
autarquias e fundações de direito público, que julgar procedentes, no todo ou em parte, os
embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI, do CPC). O que
importa realçar: segundo o §3º, também não se aplica o disposto neste artigo quando a
sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em
súmula deste Tribunal ou do Tribunal Superior competente;
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(c) na linha do ineliminável caráter vinculante da jurisprudência superior pacificada (embora
diverso, em alguns dos seus efeitos, quando houver súmula vinculante),26 cumpre citar o art.
518 do CPC, consoante o qual interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a
recebe, mandará dar vista ao apelado para responder, porém não receberá o recurso de
apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula (não necessariamente
vinculante) do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Tais ilustrações, somadas ao exemplo do art. 26­A, introduzido pela Lei nº 11.941/09, são mais do
que suficientes para provar que existe efeito vinculante da jurisprudência, mesmo nos casos em
que não se verifica o ensejo à reclamação. E mais: mister acatar esse caráter vinculante, exceto
quando manifesta e teratologicamente equivocada a senda pretoriana e, se tal se configurar,
consentida a resistência devidamente motivada.
Por outras palavras, o Estado­Administração, ao acatar, avisadamente e em tempo útil, as decisões
"últimas" do Poder Judiciário, deixa de engendrar o pesadelo de custosos conflitos intertemporais,
provocados pelo excesso de litigiosidade no trato dos assuntos administrativos. Erro grave que
conspira contra o estável e isonômico Estado Democrático, o qual supõe, vez por todas, o domínio
sobre impulsos particularistas e subalternos. Nessa linha, merece registro, de passagem, Parecer
da Procuradoria da Fazenda Nacional,27 no qual se consigna: "O precedente judicial, oriundo do
STF/STJ, formado nos moldes dos arts. 543­B e 543­C do CPC ostenta uma força persuasiva
especial e diferenciada, de modo que os recursos interpostos contra as decisões judiciais que os
aplicarem possuem chances reduzidas de êxito. Assim, critérios de política institucional apontam no
s e n t i d o   d e   q u e   a   p o s t u r a   d e   n ã o  ma i s   a p r e s e n t a r   q u a l q u e r   t i p o   d e   r e c u r s o
(ordinários/extraordinários), nessas hipóteses, é a que se afigura como a mais vantajosa, do ponto
de vista prático, para a PGFN, para a Fazenda Nacional e para a sociedade. Nessa mesma linha,
também não há interesse prático em continuar contestando pedidos fundados em precedentes
judiciais formados sob a nova sistemática."
Nesse caso, é como se a guarda da juridicidade constitucional, efetuada pela própria
Administração, colaborasse para a tarefa de dizer não aos apelos contrários à racionalidade e à
funcionalidade do sistema jurídico.
Decerto, isso não significa endosso à imposição autoritária, de cima para baixo, da jurisprudência
dominante. Não se confunda, por obséquio, o até aqui sustentado com a defesa acrítica e cega do
efeito coativo dos precedentes judiciais. Não é nada disso que se propõe.
O conteúdo dos precedentes restará, sempre e sempre, submetido ao inafastável controle judicial e
à revisão cabível, sob provocação, exatamente como sucede em relação às leis. Mais: em nosso
sistema, todo juiz é juiz constitucional. Não se pode jamais cercear o julgador no razoável
desempenho da sua missão de controle da constitucionalidade. Com efeito, a mantença do controle
difuso revela­se imprescindível à formação da ambiência de internalização dos princípios
fundamentais da Lei Maior, em lugar do carcomido e servil legalismo estrito.
Depois, força sublinhar que o ato de interpretar e de aplicar os precedentes requer, acima de tudo,
uma permanente hierarquização axiológica, de sorte que não subsiste plausibilidade para qualquer
gélida subsunção estatutária ou axiomático­determinística, justamente porque aos juízes
permanece conferido o dever de, fundamentadamente, culminar a positivação do Direito vigente.
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Nesse ponto específico, aliás, não se consubstancia diferença nuclear entre os sistemas da
"common­law" e o romanístico­continental,28 a despeito de outras diferenças óbvias.
De maneira que o "precedente vinculante" é sempre, no mínimo, questionável, pois o juiz mantém
a liberdade para dizer acerca da incidência, ou não, daquele enunciado ao caso vertente, embora
observe os precedentes, na maioria das vezes. Em nosso modelo, cada juiz está livre para
motivadamente questionar, se entender adequado, a constitucionalidade das decisões judiciais
pacificadas. No entanto, a postura consequencial esclarecida (dos juízes e, por suposto, dos
administradores), como regra, deliberará a favor do precedente, isto é, da previsibilidade do
sistema contra a volatilidade que debilita a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais e a
guarda efetiva da Constituição.
Tudo considerado, a vinculação do administrador público às orientações constitucionais precisa
acontecer, acima de outras considerações, como resultado do burilamento das mentalidades 29  e
com vistas a ganhos reais na qualidade eficacial da gestão pública.
Por uma gama considerável de motivos. Oportuno retomá­los, nesse passo.
Em primeiro lugar, (a) para que se crie um clima cultural favorável à dimensão civilizatória da
Carta e do próprio fortalecimento esclarecido do "judicial review,"30 a serviço dos direitos
fundamentais, numa firme contraposição ao alastramento das poluentes inconstitucionalidades
dolosas ou culposas.31
A seguir, (b) porque se revela imprescindível reduzir a litigiosidade, não raro, fundada contra o
Estado­Administração, que congestiona a pauta judicial. De mais a mais, no plano das ponderações
de ordem sociológica, indispensável reconhecer que o resoluto acatamento das decisões judiciais
pela Administração Pública, por si, já desafogaria, sem celeuma, os nossos Tribunais. De fato, a
Administração Pública converteu­se numa gigantesca e tentacular demandante ou demandada,
com a correlacionada erosão da confiabilidade dos agentes públicos.
Depois, (c) porque o laço voluntário e de ofício com a Constituição abre espaço para o redesenho
do Estado­Administração menos conflitivo e mais predisposto a adentrar no campo do Direito
Administrativo guiado pelo direito fundamental à boa administração pública. Vale dizer, voltadoa
resolver os conflitos, preferencialmente na seara administrativa, sem desperdiçar valiosas energias
que melhor estariam destinadas à arrecadação, à cobrança da dívida ativa e, sobretudo, às tarefas
prestacionais e ao equipado cumprimento das tarefas regulatórias.
Ainda: porque (d) o Estado­Administração, desde que engajado legitimamente na salvaguarda da
constitucionalidade, tende a respeitar e a ver respeitado o princípio da deferência, no sentido de,
sobretudo em matéria de regulação (atividade administrativa mais de Estado do que de governo),
afirmar o acolhimento, na prática, da presunção qualificada de legitimidade constitucional dos atos
administrativos. Algo relevante, porquanto hoje, a despeito do que reza a técnica, habita nas
mentes a inconsciente recusa dessa presunção. Recusa, até certo ponto, compreensível, mas que
gera pleonasmos viciosos em matéria de controle. Deveras, uma vez conquistada e erguida a
harmonia entre os Poderes ­ em concerto no qual inexista lugar para superioridades (apenas
distinções funcionais) e em que todos estejam, a seu modo, igualmente compromissados com a
guarda da Constituição32 ­ reunir­se­ão as condições mínimas para instaurar a vivência alargada
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do discurso constitucional.33
Ademais, (e) a tardança em respeitar a Carta mostra­se contrária à duração razoável dos
processos administrativos e judiciais, e se revela tenebrosa, especialmente para os cidadãos
vitimados pela síndrome das vitórias com sabor amargo. Vencem e não levam, em tempo útil.
Nesse aspecto, a calhar, os eventuais atos praticados pela Administração Pública em juízo, em
linha discrepante com a boa­fé processual, configuram inaceitável abuso de defesa ou se revelam
inadmissível tática protelatória (art. 273, II, do CPC), sem embargo do enquadramento possível na
hipótese de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I). Em quaisquer das hipóteses,
pode­se cogitar até da antecipação da tutela contra o Poder Público,34 injustificável qualquer
estreiteza na intelecção das restrições normativas.35
Por fim, importa assimilar e difundir que (f) a vinculação jurisprudencial dos agentes públicos
aparece, ao mesmo tempo, em face das "definitivas" decisões tomadas no controle difuso e no
controle concentrado, uma vez que a jurisprudência representa, também entre nós, o momento
culminante da positivação do Direito. Justamente por isso, impende reiterar que a jurisprudência
iterativa dos Tribunais ­ fonte material do Direito Administrativo, por excelência (desde os seus
primórdios) ­, vincula o administrador público, e não somente as súmulas vinculantes. Tampouco é
ocioso assinalar que o princípio da moralidade exige que a Administração Pública atue de modo a
fazer universalizável a conduta de respeito à confiança legítima nas instituições. Não se admite
que o Estado­Administração dê o péssimo exemplo de litigância de má­fé ou de maneirista descaso
pelas decisões do Poder Judiciário, "em definitivo", seja no controle incidental, seja no controle
concentrado. Tal descaso representa franco e procrastinatório manejo de expedientes destinados a
não honrar os ditames da lealdade e da boa­fé. Trata­se, em várias situações, de lastimável e
explícita ofensa à dignidade da jurisdição (CPC, art. 14: Contempt of Court).36 Prática que só tem
feito onerar, ainda mais, o erário e aumentar a percepção dos riscos associados às relações de
administração, algo que intoxica o ambiente dos negócios e inibe o crescimento sustentável.
Operam, em amálgama, tais argumentos ­ (a) a (f) ­ nada antinômicos, designadamente para
quem compreende o modo de operar e de aplicar o Direito Administrativo, cuja vinculação direta e
imediata ao direito fundamental à boa administração pública implica a incidência plena do plexo de
princípios constitucionais regentes das relações de administração. De conseguinte, sem
negligenciar em nada os afazeres do servidor público, indispensável reservar preciosa e diligente
atenção para aquilo que merece o seu cuidado primordial, ou seja, a proteção simultânea do
interesse público e dos direitos fundamentais (notadamente do direito fundamental à boa
administração). Afinal, o cidadão tem o direito à administração eficiente, eficaz e prestada em
tempo hábil, até para que ­ seja permitido grifar ­ os direitos fundamentais não se convertam em
miragens ou promessas remotas e quiméricas.
Assumido, portanto, o anelo de fazer com que a Constituição administre, resulta nítido que o
legislador infraconstitucional equivocou­se, na formulação do art. 77 da Lei nº 9.430/1996,37 ao
apenas facultar ao Poder Executivo a disciplina das hipóteses em que a Administração Tributária
federal, relativamente aos créditos baseados em dispositivo declarado inconstitucional por decisão
definitiva do STF, possa abster­se de constituí­los, bem como retificar o seu valor ou declará­los
extintos, de ofício, mesmo que inscritos em dívida ativa, e, ainda, formular desistência de ações de
execução fiscal ajuizadas, além de deixar de interpor recursos judiciais. Ora, o real significado
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desse comando, à base do prisma da guarda prioritária da constitucionalidade pela própria
Administração Pública, soa distinto do extraído da mera literalidade. Exige­se não ceder às
costumeiras atecnias do legislador ordinário. De fato, não se está perante uma mera faculdade do
agente público, mas de rigoroso e indeclinável dever. A discrição, nesse ponto, resulta vinculada à
decisão definitiva ou indisputável do Poder Judiciário, salvo motivação consistente em contrário.
Em igual senda e por idênticas razões de fundo, não se mostra minimamente adequada uma
compreensão literal do art. 4º da Lei nº 9.469/1997.38 Ali se diz que, não havendo a referida
Súmula da Advocacia­Geral da União, o Advogado­Geral poderá dispensar a propositura de ações
quando a controvérsia tiver sido iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos
Tribunais Superiores. Observe­se que se trata, tirante casos excepcionalíssimos, de poder­dever.
Há uma vinculação intensa ao pronunciamento derradeiro ou indisputável. Quer dizer, a dispensa
da propositura não é singela faculdade do ocupante do topo dessa Carreira de Estado,
comprometido que deve estar, às inteiras, com a guarda da constitucionalidade.
Note­se que, ao se sustentar tal dever, não se propugna servilismo, nem subserviência ou ímproba
prevaricação. Afinal, em situações­limite, se constatado razoável convencimento do desacerto da
posição jurisprudencial, revela­se perfeitamente legítimo e obrigatório procurar alterá­la, com a
devida motivação39 e percorridas as vias apropriadas. Jamais pelo bafejo da singela tese da
"reserva do possível". O ônus de provar a impossibilidade orçamentária, a propósito, será
invariavelmente do Estado.
Sublinhe­se que tal posicionamento hermenêutico supera conflitos entre a sociedade e o Poder
Público, promove a deferência e valoriza as Carreiras de Estado, sem fomentar hostilidades que
minam o sutil tecido do Estado brasileiro. De fato, a vinculação do agente público é à lei e ao
Direito. Este e aquela têm os seus conteúdos determinados, plasticamente, pelo positivador
derradeiro que é o Poder Judiciário, que tem o dever de exercitar o papel de partejar o Direito
objetivo, numa perspectiva tópico­sistemática (naturalmente, sem sucumbir a subjetivismos
arbitrários ou a decisionismos irracionais). Tal vinculação restringe a discricionariedade aos limites
da Constituição.
De tudo, brota como inarredável o dever de acatamento pela Administração Pública das pacificadas
decisõesdos Tribunais Superiores, notadamente das declarações de inconstitucionalidade por
decisão definitiva do Plenário do STF. O maior beneficiário de semelhante postura não será,
apenas, aquele que litiga atomiza ou coletivamente contra o Poder Público, mas o contribuinte e,
assim, o genuíno interesse público.
Em suma, o controle da constitucionalidade deve ser praticado, de ofício, também pela própria
Administração Pública, no intuito de ampliar o controle da conformidade administrativa, mais do
que em relação às regras, com a Constituição e os seus objetivos fundamentais. Controle de
eficácia, de eficiência, de imparcialidade, de prevenção, de precaução e de economicidade. Controle
que implica responsável (jamais omissiva) inteligência das regras (e das lacunas legais), sob a
ótica inegociável dos princípios e dos direitos fundamentais, especialmente do direito fundamental
à boa administração pública.
 
3 Conclusões
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Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Do articulado, presente a ideia­chave do controle ampliado da constitucionalidade dos atos
administrativos em geral (não apenas dos atos normativos), impõe­se, em sede conclusiva, deixar
sulcado que:
(a) O pronto acatamento das decisões judiciais iterativas pela Administração Pública é uma
decorrência teleológica do primado dos princípios, direitos e objetivos fundamentais que a
regem. Bem por isso, a Administração Pública precisa, exemplarmente, acatar os
pronunciamentos irrecorríveis do Poder Judiciário (notadamente as decisões definitivas do
Plenário do STF, não apenas em sede concentrada), sob pena de fazer perecer a credibilidade
do sistema de controle, dele subtraindo o hálito vital do respeito mútuo e da interdependência
dos Poderes (arts. 2º, e 60, §4º, III, da CF). Por isso, seria desproporcional formalismo40 não
acatar os pronunciamentos em sede difusa, sob o pretexto da carência de manifestação
suspensiva do Senado, quando, sobre a matéria, o Poder Judiciário já houver consolidada
posição. Ainda aí, desde que largamente pacificada a orientação jurisprudencial superior,
afigura­se lógico o dever, menos intenso em grau (mas, ainda assim, dever), de acatamento ­
de ofício ­ dos precedentes judiciais e da emissão célere dos atos declaratórios, pareceres
normativos e súmulas administrativas confortadoras de tais diretrizes. Como assinalado, em
função desse acatamento de ofício, resultará provavelmente fortalecido o princípio da
deferência, segundo o qual só se anula ou se considera viciado, por omissão ou excesso, o ato
estatal insanável e manifestamente violador da juridicidade.
(b) Por motivos de produtividade funcional do discurso da Carta e sem menosprezar o papel da
autoridade administrativa (justamente, ao revés), mister entender que o legislador fecunda o
preceito jurídico, porém incumbe ao Estado­juiz efetivar o controle definitivo e cabal de
adequação à Carta. Do entendimento e da aceitação da intangibilidade desse ciclo (o
intérprete­juiz como positivador derradeiro, por assim dizer), surgirá o melhor controle da
juridicidade constitucional, especialmente preventivo, a ser efetuado também pelo Estado­
Administração. Eis um avanço decisivo para que a Administração Pública aja, de ofício, como
parte do Estado Constitucional que é, não como vontade particularista que faz cálculos
segundo a lógica do adiamento da improtelável responsabilidade, inclusive fiscal. Paga­se ­ o
contribuinte, bem entendido ­ para compensar a resistência indevida à Carta, sobremodo
quando se configura o caráter protelatório ou a litigância de má­fé.
(c) Quando o Estado­Administração absorve a vinculação primeira à juridicidade constitucional,
reúne as condições para assegurar a eficácia dos objetivos constitucionais no seio das
relações administrativas. Além disso, como o agente público tem o dever de recusar o
cumprimento de ordem manifestamente ilegal, "a fortiori", com a devida motivação, tem o
dever de resistir à ordem manifestamente inconstitucional. Com essa mentalidade nova, a
Administração Pública apresentará aquela atitude que faz tranquila a justa deferência, com a
bl indagem da presunção (tão chamuscada, na v ida real)  da  legit imidade e da
constitucionalidade dos atos administrativos.
(d) Ao valorizar, de modo célere, as orientações jurisprudenciais iterativas (fonte material, por
excelência, do Direito Administrativo), não está a Administração Pública deixando de ser
zelosa e independente, mas reservando energias para os embates verdadeiramente
prioritários.
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(e) A guarda da constitucionalidade, uma vez adotado o acordo semântico proposto, pode ser
traduzida, no âmbito do escrutínio e da sindicabilidade dos atos administrativos, como o
controle de conformidade não apenas com o princípio da legalidade, mas com todos os
princípios e todas as regras da Constituição. Adotada uma acepção desse perfil, persistirá o
Poder Judiciário, na condição de controlador "último", alicerçado em "cláusula pétrea" (CF,
art. 5º, XXXV).
(f) Estabelecidas as coisas nesses precisos termos, não é demasiada ousadia reconhecer que
todos os Poderes de Estado precisam realizar a tutela sistêmica da constitucionalidade. Desse
modo, o Estado­Administração também deve, de maneira consistentemente motivada,
realizar a defesa, de ofício, da constitucionalidade, no intuito de promover o reconhecimento
da eficácia direta e imediata do direito fundamental à boa administração pública.
(g) Constata­se, em última instância, o expressivo desafio de erguer o renovador e precípuo
compromisso com a constitucionalidade pelo administrador público. O que implica tecer e
expandir uma rede sinérgica e cooperativa do controle da constitucionalidade. Rede que
aperfeiçoa, nos limites das respectivas atribuições, a incidência obrigatória dos princípios, dos
direitos e dos objetivos fundamentais no campo das relações de administração.
 
The Review of Constitutionality by the State­Administration
Abstract: The Publ ic Administrat ion has the primary duty of protect ing
constitutional rights. Such duty presumes amplification of selfcontrol, respect of
consolidated judicial decisions and favors the assertion of the deference principle.
The task of avoiding the unconstitutionality is for all State agents and, according to
their attributions, represents a crucial aspect of the new Administrative Law. In
other words, the constitutionality ­ besides their compliance with legal rules ­ needs
to be insured and guaranteed by the whole State, including Public Administration.
Key words: Review of constitutionality. Public Administration. Constitutional rights.
 
Recebido em: 03.05.10
Aprovado em: 25.05.10
 
1 Sobre o   tema,  vide Juarez Freitas (O controle dos atos administrativos e os princípios
fundamentais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 1, p. 48). Ainda: "A tarefa mais produtiva
do controle sistemático das relações administrativas consiste em bem hierarquizar as escolhas
administrativas, com eficiência, economicidade, eficácia, prevenção e precaução, de maneira que a
Constituição administre" (p. 151).
2 Na observação de Norberto Bobbio (O filósofo e a política. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. p.
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270): "A ideia de supremacia da lei foi a conclusão necessária de uma concepção unicêntrica de
Estado, que encontrou sua formulação mais acabada no Leviatã de Hobbes. Esta concepção, por
sua vez, decorria da convicção deque o Estado estava destinado a dominar, e até mesmo suprimir,
os sistemas inferiores (Hobbes) as sociedades parciais (Rousseau) e os órgãos intermediários.
Todavia o desenvolvimento político seguiu um caminho oposto (...) quanto mais desenvolvidos
econômica e socialmente são os Estados contemporâneos tanto mais se tornam policêntricos (...)".
3 Pertinente referir Luís Roberto Barroso, para quem, não sem antes identificar o "efeito expansivo
das normas constitucionais" como "fenômeno positivo", manifesta preocupação com os riscos da
constitucionalização excessiva (Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 391).
A defesa da guarda da constitucionalidade por todos os Poderes e pela sociedade, como defendida
aqui, afirma, com ponderação, somente a dimensão positiva do fenômeno e, deliberadamente,
encarece a importância do princípio da deferência.
4Sem que a presente abordagem represente endosso, portanto, à posição extremada de Mark
Tushnet contra "judicial review", numa aposta, temerária ao menos por ora, em "legal restraints
on government whithout having constitutional ones" e no populismo constitucional (Taking the
Constitution Away from the Courts. Princeton: Princeton University Press, 1999. Especialmente
cap. 7 e 8). Aqui, propõe­se ampliar a guarda da constitucionalidade, não debilitar ou esvaziar o
controle judicial. Para refletir, adicionalmente, sobre o tema,  vide Michael Perry (Protegendo
direitos humanos constitucionalmente entrincheirados: que papel deve a Suprema Corte
desempenhar?. In: TAVARES, André Ramos (Org.).  Justiça constitucional. Belo Horizonte: Fórum,
2007. p. 83­151).
5 Vide RE­AgR nº 410715­SP. Rel. Min. Celso de Mello, em cuja ementa se lê: "Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela­se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição,
sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão ­ por importar em
descumprimento dos encargos político­jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório ­
mostra­se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados
de estatura constitucional".
6 Sobre o conceito brasileiro de direito fundamental à boa administração, vide Juarez Freitas
(Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 22 et seq.).
7 A propósito, útil evocar, sem adotar a sua noção hermenêutica de clareza, a observação clássica
de James Bradley Thayer (The Origin and Scope of the American Doctrine of Constitutional Law.
Harvard Law Review, v. 7, p. 129­156, 1893­94), com especial destaque para as seguintes
considerações (p. 144): "There remains a question ­ the really momentous question ­ whether,
after all, the court can disregard the act. It cannot do this as a mere matter of course, ­ merely
because it is concluded that upon a just and true construction the law is unconstitutional. (...) It
can only disregard the Act when those who have the right to make laws have not merely made a
mistake, but have made a very clear one, ­ so clear that it is not open to rational question. That is
the standard of duty to which the courts bring legislative Acts; that is the test which they apply, ­
not merely their own judgment as to constitutionality, but their conclusion as to what judgment is
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permissible to another department which the constitution has charged with the duty of making it.
This rule recognizes that, having regard to the great, complex, ever­unfolding exigencies of
government, much which will seem unconstitutional to one man, or body of men, may reasonably
not seem so to another; that the constitution often admits of different interpretations; that there is
often a range of choice and judgment; that is such cases the constitution does not impose upon the
legislature any one specific opinion, but leaves open this range of choice; and that whatever choice
is rational is constitutional." Michael Perry (op. cit., p. 150­151) pondera: "talvez existam razões
para se pensar que a deferência thayeriana é adequada nos casos nos quais certos direitos
humanos estão em questão, mas inapropriada para casos em que outros direitos humanos estão
em questão ­ o direito à liberdade de expressão, por exemplo, ou o direito de não ser discriminado
com base em uma visão degradante sobre um aspecto particular de alguém."
8 Sobre a falácia de "dis­integration", vide Laurence Tribe e Michael Dorf (On Reading the
Constitution. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p. 20).
9 Sobre "entrechment," entendido como proibição de retrocesso e tutela mínima dos direitos
fundamentais, vide Walber Agra (O entrechment como condição para a efetivação dos direitos
fundamentais. In: Justiça constitucional, op. cit., p. 23­41).
10 Vide Juarez Freitas (A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010),
ao propor a essencial identidade do pensamento sistemático e da tópica, não conferindo a esta
papel apenas auxiliar, bem como a solução de equilíbrio dialético entre as exigências formais e
aquelas oriundas do realismo, respeitada a Constituição em sua abertura dialógica e em seus
desafios hermenêuticos, sobretudo os de combate à inércia causadora de danos.
11 Vide FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa
Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
12 Sobre os modelos deontológico e consequencialista, como não reciprocamente excludentes, vide
Riccardo Guastini (Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 239).
13 Sobre a Constituição vista como "processo e como espaço de luta", importa lembrar Clèmerson
Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 23).
14 Sobre a redefinição funcional do Estado, vide Jacques Chevallier (O Estado pós­moderno. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. p. 59): "se o Estado permanece fortemente presente na vida social, tal se
dá sob modalidades diferentes daquelas do passado: vê­se perfilhar uma nova concepção do papel
do Estado, o esboço de um novo modelo de Estado."
15 A propósito de alterações conceituais, um sinal de mudança em matéria de controle da
constitucionalidade das leis vem da França, após longa resistência. Vide Loi Organique 2009­1523.
16 Sobre o ponto, vide Peter Häberle (Jurisdição constitucional como força política. In: Justiça
constitucional,  op. cit., p. 81): "Não apenas a jurisdição constitucional, mas todos nós somos,
politicamente, 'guardiões da Constituição.'"
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17 Vide Juarez Freitas (O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. cap.1), que, além de estabelecer a tábua dos princípios constitucionais que
devem reger tal controle, reflete sobre as transformações paradigmáticas do Direito
Administrativo, inclusive em suas fontes. A propósito, vide, também, as reflexões de Juarez Freitas
(ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Org.). Direito
administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008).
18 Inserido pela Lei nº 11.941, de 2009.
19 Nos termos dos arts. 18 e 19 da Lei nº 10.522/2002.
20 Nos termos do art. 43 da Lei Complementar nº 73/93.
21 Nos termos do art. 40 da Lei Complementar nº 73/93.
22 Vide,ao veicular argumentos contrários ao textualismo e ao originalismo estrito, Juarez Freitas
(A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. cap. 9).
23 A propósito, observa o Min. Gilmar Mendes (A reclamação constitucional no Supremo Tribunal
Federal. In: Justiça constitucional, op. cit., p. 297): "é difícil de admitir que a decisão proferida em
ADI ou ADC e na ADPF possa ser dotada de eficácia geral e a decisão proferida no âmbito do
controle incidental ­ esta muito mais morosa porque em geral tomada após tramitação da questão
por todas as instâncias ­ continue a ter eficácia restrita entre as partes."
24 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
25 Min. Teori Zavascki bem historia a evolução legislativa no rumo de vários precedentes
vinculantes (inclusive no sistema difuso), além dos aqui citados. Com razão, considera (Ação
rescisória: a Súmula 343 do STF e as funções institucionais do Superior Tribunal de Justiça.
Revista de Doutrina do STJ, Brasília, STJ, p. 87, 2009. Comemorativa dos 20 anos), que o art. 741,
parágrafo único, do CPC, "passou a atribuir a decisões do STF sobre a inconstitucionalidade de
normas (mesmo em controle difuso), a eficácia de inibir a execução de sentenças a ele contrárias
(verdadeira eficácia rescisória), o que foi reafirmado em 2005, pelo art. 475­L, par. 1º, do CPC."
26 Sobre súmula vinculante, vide Lei nº 11.417/2006. Tal diploma acrescentou parágrafo ao art.
56 da Lei nº 9.784/99 (Lei de Processo Administrativo).
27 Parecer PGFN/CRJ/Nº 492/2010.
28 Além disso, tem razão Michel Rosenfeld (O julgamento constitucional na Europa e nos Estados
Unidos: paradoxos e contrastes. In: Justiça constitucional,  op. cit., p. 228): "O julgamento
constitucional tanto no direito romanístico­germânico quanto no common­law compreende um
componente legal e um componente político ­ onde legal significa a aplicação de normas ou
entendimentos pré­existentes e 'político' significa escolher um dentre vários princípios ou políticas
aplicáveis com o propósito de resolver uma questão constitucional."
29 Com propriedade, arrola Howard Gardner (Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed,
2007), as "mentes" de cultivo crucial: a disciplinada, a sintetizadora, a criadora, a respeitosa e a
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ética. Fora de dúvida, todas configuram "tipos de mente" indispensáveis à ampliação preconizada
de guarda da constitucionalidade na esfera administrativa.
30 Sobre o tema, vide Richard Fallon Jr. (The Core of an Uneasy Case for Judicial Review.  Harvard
Law Review, v. 121, n. 7, 2008), ao concluir (p. 1735):"I have advanced parallel, substantially
overlapping negative and positive theses. The negative thesis is that Jeremy Waldron's provocative
arguments in The Core of the Case Against Judicial Review do not succeed. The positive thesis is
that judicial review is reasonably defensible within the terms of liberal political theory, even for
nonpathological societies, if, but only if, a number of assumptions are valid. Waldron's core case
against judicial review rests heavily on premises and arguments suggesting that courts may be no
better than legislatures at resolving disputes about individual rights correctly. But the best
outcome­based reason to support judicial review is one that Waldron overlooks. The affirmative
case for judicial review need not depend on the assumption that courts can identify rights more
accurately than legislatures. Rather, the most persuasive case maintains that both institutions
should be enlisted in the cause of rights protection because it is morally more troublesome for
fundamental rights to be underenforced than overenforced. Waldron's affirmative case that judicial
review is unfair and politically illegitimate also fails, and the arguments so demonstrating point
once again to grounds of fairness and legitimacy on which judicial review can be affirmatively
defended. The fairness and political legitimacy of procedural mechanisms depend on the ends that
they serve. If judicial review is reasonably designed to improve the substantive justice of a
society's political decisions by safeguarding against violations of fundamental rights, then it is not
unfair, nor is it necessarily politically illegitimate. Political legitimacy can flow from multiple
sources. Even insofar as judicial review lacks specifically democratic legitimacy, the democratic
character of other elements of a political regime can partly compensate for this deficiency".
31 Sobre o tema, vide Juarez Freitas (A interpretação sistemática do direito, op. cit., cap. 9).
32 Antes de seguir no exame do papel de guarda da Constituição do Estado­Administração, impõe­
se mencionar que, identicamente, ocorre o fenômeno da guarda da constitucionalidade pelo
Parlamento, dada a interdependência dos poderes (CF, art. 2º). Sim, por exemplo, o Parlamento
pode fazê­lo por meio da Comissão de Constituição e Justiça, que pode­deve arquivar uma PEC que
admita o terceiro mandato presidencial, por ofensiva ao princípio republicano, que supõe
alternância periódica dos ocupantes do poder, em mandatos não demasiado longos. Ao fazê­lo,
poupa o Supremo Tribunal Federal de ter de enfrentar o tema. Ainda no tocante ao Parlamento:
como mencionado, nos termos do art. 52, X, cabe ao Senado suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, em controle incidental ou
difuso. Tal competência privativa do Senado comporta revisão hermenêutica, como referido. Mais
um exemplo: a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das
medidas provisórias depende de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos
constitucionais (parágrafo 5º do art. 62, incluído pela EC nº 32/2001). São suficientes tais
ilustrações sobre o controle de constitucionalidade exercitável pelo Poder Legislativo. A propósito,
ainda, sobre o poder congressual de sustar atos do Poder Executivo como controle político de
constitucionalidade, vide Anna Cândida da Cunha Ferraz (Conflito entre Poderes. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994. p. 206).
33 Com acerto, no ponto, Cass Sunstein, ao dizer que "é fundamental reviver esse entendimento
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mais amplo da Constituição, que se tornou uma parte indissolúvel do compromisso originário para
a democracia deliberativa" (A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 2).
34Vide, a propósito, RE nº 495740. Rel. Min. Celso de Mello.
35 Não se ignora, portanto, o julgamento da ADC nº 4, pelo STF. Tampouco o art. 7º da nova Lei
de Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009).
36 Nos termos do art. 14 do CPC. Ressalvados os advogados, inclusive públicos, que se sujeitam
exclusivamente aos estatutos da OAB. A violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato
atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a
gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo
estabelecido,  contado  do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita
sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
37 Dispõe o art. 77. Fica o Poder Executivo autorizado a disciplinar as hipóteses em que a
administração tributária federal, relativamente aos créditos tributários baseados em dispositivo
declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, possa: I ­ abster­se
de constituí­los; II ­ retificar o seuvalor ou declará­los extintos, de ofício, quando houverem sido
constituídos anteriormente, ainda que inscritos em dívida ativa; III ­ formular desistência de ações
de execução fiscal já ajuizadas, bem como deixar de interpor recursos de decisões judiciais.
38 Assim dispõe: "Não havendo Súmula da Advocacia­Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da
Lei Complementar n. 73, de 1993), o Advogado­Geral da União poderá dispensar a propositura de
ações ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo
iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores". Não se
trata, como sustentado, de simples faculdade, mas, como regra, de um dever.
39 A teor do art. 50, VII, da Lei nº 9.784, a motivação deve ser "explícita, clara e congruente"
sempre que o administrador público deixar de "aplicar jurisprudência firmada sobre a questão".
40 Recorde­se Giorgio Berti (Interpretazione Costituzionale. Padova: CEDAM, 2001), no ponto
específico em que assinala que "il sistema delle fonti formali deve integrarsi constantemente con la
normatività sostanziale" (p. 89).
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FREITAS, Juarez. O controle de constitucionalidade pelo Estado­Administração. A&C ­  Revista de
Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 10, n. 40, abr./jun. 2010. Disponível
em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=67726>. Acesso em: 29 jun. 2015.
Revista de Direito Administrativo e Constitucional ‐ AeC
Belo Horizonte,  ano 10,  n. 40,  abr. / jun.  2010 
 
 
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Controle judicial de políticas públicas: possibilidades e limites1
Maria Paula Dallari Bucci
 
Palavras­chave: Controle judicial (políticas públicas). Controle judicial (limites). Controle judicial
(objeto).
Sumário: Parte 1 ­ O controle judicial como instrumento da força normativa da Constituição e das
leis ­ a) Possibilidades ­ b) Limites ­ b.1) Papel subsidiário do Poder Judiciário em matéria de
iniciativas para concretização de direitos ­ b.2) Argumentos doutrinários sobre os limites do
controle judicial ­ b.3) Examinando mais de perto o objeto do controle judicial ­ Parte 2 ­ Alguns
exemplos concretos ou "o que você faria se fosse o gestor público?" ­ a) Possibilidades ­ Política de
prevenção da Aids ­ b) Limites ­ Vagas em creches ­ Conclusão ­ Conjugando possibilidades e
limites
 
Parte 1 ­ O controle judicial como instrumento da força normativa da Constituição e das
leis
a) Possibilidades
A possibilidade de controle judicial para a garantia do exercício é o que faz das normas de direitos
fundamentais prescrições obrigatórias, no sentido fático. Como se sabe, o direito subjetivo é aquele
dotado de ação para exigir o seu cumprimento. Essa possibilidade, alçada à Corte Suprema do país,
aparelhada dos mecanismos processuais necessários, garante a força normativa de uma
Constituição, de modo que essa supere a condição de mera folha de papel.
A grande inovação do constitucionalismo europeu do pós­guerra, que se irradiou para toda sua
área de influência, é a existência desse aparato institucional de garantia de cumprimento, com a
atuação dos Tribunais Constitucionais. Mesmo chegando mais tarde em alguns países, a diretriz
relativa à obrigatoriedade da existência de uma corte independente para o julgamento da matéria
constitucional, assimilada oficialmente pelas instâncias dirigentes da União Européia, levou à
quebra de paradigmas, de que é exemplo eloqüente a decisão sobre a criação da Corte
Constitucional na Inglaterra, pelo Constitutional Reform Act, aprovado no governo trabalhista em
2005.2
A superação do positivismo formalista, com a introdução da dimensão axiológica nas normas, e o
desenvolvimento de padrões de interpretação e aplicação baseados na coexistência de princípios e
regras igualmente impositivos, confere à jurisdição papel mais ativo na efetivação dos direitos
prescritos na Constituição e na legislação. Em que pese a percepção de um certo exagero ou
"euforia principiológica",3 a demandar a busca por um ponto de equilíbrio, é certo que a prática e a
cultura jurídica de um país de dimensões continentais como o Brasil civilizam­se com a existência
de referenciais de sentido axiológico­normativo cogentes em qualquer tempo, lugar e
circunstância, em face das pessoas ou dos poderes instituídos, sejam eles públicos ou privados.
Que os tribunais — e os atores da cena jurídica, partes, advogados, Ministério Público, associações
e organizações — se dediquem a explorar ao máximo as fronteiras para a tutela dos direitos
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fundamentais no âmbito do processo judicial, é não apenas meritório, mas um eixo importante da
evolução do significado concreto das prescrições jurídicas para os agentes do processo político,
governantes, parlamentares e grupos de interesse. Que a teoria jurídica se debruce sobre esse fato
e procure alargar as fronteiras de aplicação de seus conceitos fundamentais, à luz desse novo
papel, como tem acontecido no direito constitucional mais recente no Brasil, é bastante auspicioso.
 
b) Limites
b.1) Papel subsidiário do Poder Judiciário em matéria de iniciativas para concretização
de direitos 
No entanto, nos países periféricos, que receberam por inspiração o modelo constitucional da
reconstrução da Europa no pós­guerra, a percepção da importância dessa inovação e a abertura de
possibilidades antes inéditas no campo da interpretação constitucional têm ofuscado a consciência
de que a elevação do patamar da cidadania depende mais de alterações estruturais na organização
e no funcionamento do Estado e do sistema econômico do que das decisões do Poder Judiciário,
cujo papel é subsidiário, em matéria de políticas públicas.
A evolução recente do tema revela, a meu ver, uma certa hipertrofia do olhar focado na atuação
judicial para concretização dos direitos, em especial os direitos sociais. E não se dá conta da
insuficiência da prescrição constitucional do catálogo de direitos para as tarefas necessárias à
implementação da igualdade social.
Os desafios do desenvolvimento, que podem levar à superação das desigualdades de renda e
oportunidades, reclamam a modificação de estruturas econômicas, políticas e sociais produtoras e
reprodutoras de desigualdade e exclusão. A minimização desse fato, mais significativa no contexto
acadêmico que no judicial, desvia atenção de questões mais centrais para o tema, como a
persistência da desigualdade de renda, num cenário de crescimento econômico, no qual seria
possível, em certa medida, a outorga de prestações sociais, sem a modificação das estruturas
geradoras da pobreza.
Cria­se uma sobrecarga de expectativas em relação às reais possibilidades da enunciação
constitucional dos direitos, em detrimento das condicionantes — também constitucionais — ligadas
ao processo político, às estruturas regionais do poder, à permanência das condições de exercício
das forças econômicas dominantes etc.
Os direitos fundamentais constituem, inequivocamente, a referência normativa principal de um
patamar mínimo de civilidade, ponto de partida e de chegada. Entretanto, o enfrentamento dos
mecanismos sociais, políticos e econômicos geradores da exclusão requer a compreensão mais
alargada dos elementos e processos pelos quais se exercem a dominação e a privação de direitos
na sociedade brasileira, inteiramente permeados de institucionalização jurídica.
A experiência pós­constitucional mostra que é necessária nova superação, de modo que não nos
limitemos à interpretação jurídica e nãonos atenhamos ao direito posto, seja o texto constitucional
sejam a legislação e normas infra­legais. Isso não significa, evidentemente, a defesa do direito
alternativo, a interpretação contra lei, mas, ao contrário, a ocupação de vazios existentes nos
espaços tradicionais e legítimos de criação do direito.
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O papel da norma e o significado do processo legislativo são temas que, salvo raras exceções, não
vêm sendo contemplados pelo constitucionalismo nacional mais recente. A desproporção entre o
número de trabalhos sobre interpretação constitucional e sobre as condições do exercício do poder
político é bastante elevada e faz pensar. Numa pauta européia de pesquisa em direito público,
talvez se explicasse essa opção, vez que o processo político está relativamente estabilizado e
maduro.
Entre nós, contudo, o processo de elaboração da norma, seja legislativo, em sentido estrito, seja o
que compreende a formação dos projetos de lei e normas infra­legais no âmbito do Poder
Executivo, tem merecido pouca atenção sistemática nos estudos do direito público. E esse
conhecimento é necessário quando se deseja passar de um olhar retrospectivo do fenômeno
jurídico a um olhar prospectivo.
A presença dos profissionais jurídicos nos processos de renovação do direito tem se dado, com mais
freqüência, por meio das representações de classe, entidades de magistrados, membros do
Ministério Público ou advogados. A contribuição da ciência jurídica mais qualificada como subsídio
para a elaboração normativa e como caixa de ressonância dos seus efeitos sobre o sistema jurídico
tem se revelado um tanto acanhada. Pode­se dizer, com certo exagero, em relação ao tema da
efetivação dos direitos sociais, que os juristas se desinteressaram das tarefas de entender, explicar
e orientar — por que não? — a organização do Estado e suas injunções jurídicas, preferindo armar­
se para as batalhas judiciais em torno da questão.
É possível que essa abordagem se explique em razão da crise de legitimação do poder e da
representação políticos, cujos loci são o Poder Executivo e o Poder Legislativo. O exercício do poder
político entre nós está muito longe de um padrão racional, apreensível pelo direito. A política
brasileira, dizia um professor de direito familiarizado com o ambiente parlamentar, está mais perto
de ser explicada pela antropologia, com seus conhecimentos sobre tribos, clãs e famílias no poder.
Mas é forçoso reconhecer que o período que se segue à promulgação da Constituição de 1988 tem
visto um amadurecimento institucional, esse sim, sem precedentes na história do país. E uma
expressão desse amadurecimento há de se traduzir no enfrentamento mais sistemático do uso dos
meios à disposição do Estado para a implementação da cidadania e dos direitos sociais.
 
b.2) Argumentos doutrinários sobre os limites do controle judicial
Alguma coisa se tem escrito sobre as limitações do processo judicial para o controle de políticas
públicas.4 Os argumentos encontrados com maior freqüência são de duas grandes ordens, a
primeira, de cunho político­institucional, e a segunda, de cunho econômico­financeiro, e essas, por
sua vez, se subdividem da seguinte maneira:
I) Argumentos de ordem político­institucional:
­ Separação de poderes, com base no art. 2º da Constituição Federal;
­ Déficit democrático do Poder Judiciário;5
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­ Limitações técnicas do Poder Judiciário para apreciação das políticas públicas em toda
sua complexidade;
­ Discricionariedade administrativa;
II) Argumentos de ordem econômico­financeira: "reserva do possível":
­ Questão da iniciativa das políticas públicas: Poder Executivo (CF, art. 61, §1º, II, a e
b) e Poder Legislativo.
Quanto ao primeiro grupo de argumentos, a matriz da separação de poderes sintetiza o problema
político. O então juiz federal, hoje deputado, Flavio Dino de Castro examinou a questão a partir da
indagação sobre o caráter absoluto de limites impostos à função de julgar, exercida pelo Poder
Judiciário. E conclui refutando a tese, uma vez que "não há incompatibilidade principiológica entre
o exercício do controle jurisdicional sobre a atuação sobre os demais Poderes e o postulado inscrito
no art. 2º da nossa Constituição".6 Na verdade, entendo que a invocação desse argumento, tout
court, como obstáculo para apreciação de atos do Poder Executivo pelo Poder Judiciário faz parte
de uma tradição anterior à Constituição de 1988. Essa abordagem, contemporânea à figura dos
"atos de governo", insuscetíveis de controle judicial, encontra­se, como aquela, em grande medida
superada na prática e na teoria pelo exercício de controles judiciais, que se dá em relação ao
processo de produção dos atos e decisões do Poder Público, à motivação e até mesmo em relação à
razoabilidade de seu teor. No mesmo sentido evoluiu a doutrina das questões políticas, que
impunha ao Supremo Tribunal Federal autocontenção em assuntos vinculados à vida político­
institucional do país. "A regra agora é o controle judicial das questões políticas; a exceção, o
exercício pelo Tribunal de sua autocontenção."7
Caíram, portanto, os círculos de imunidade absoluta do poder político ao controle jurisdicional. O
que, todavia, torna o problema mais complexo, na medida em que se faz necessário definir
parâmetros e critérios dentro dos quais o exercício do controle é legítimo. A atuação judicial
revisora dos atos do Poder Executivo ou Legislativo, a toda evidência, não pode usurpar as
atribuições próprias daqueles Poderes, cujos titulares neles foram investidos por força do voto.
E daí se passa ao problema do déficit democrático do Poder Judiciário. A não responsabilização
política do juiz pelo teor da decisão, no sentido de sua não exposição à fonte de legitimação do
poder, pelo exercício do voto, debilita, em certa medida, a legitimidade da atuação judicial no
controle de políticas públicas. O juiz não conhece os ônus subjacentes a cada escolha que resultou
naquele arranjo complexo, nem a composição de interesses que sustenta a decisão política,
tampouco assumirá conseqüências pela interferência sobre a estratégia que orientou a adoção de
um ato ou outro (a qual pode ter conexões, meritórias ou perversas, com outras estratégias,
pertinentes a outras políticas do governo). Nesse sentido é que se fala da irresponsabilidade
política do Judiciário.
Esse problema se conecta a um outro, ao mesmo tempo técnico e político, relativo à
impossibilidade de o juiz se assenhorear das circunstâncias mais amplas nas quais se insere o
pedido individualizado na ação. Nessa linha, algumas pesquisas têm demonstrado que se pode
manipular os recursos ao Poder Judiciário, de forma a proteger interesses distintos do apregoado
interesse público.8 Ocorre, não poucas vezes, com a assunção de posição pouco informada no
processo, considerando que o universo da política pública é multifacetado e muito mais cheio de
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nuances do que aparenta.
A hipótese de criação de uma estrutura técnica de suporte ao juiz nesse sentido, aventada por
alguns, responderia de forma parcial e provavelmente insatisfatória a esse problema. Isso porque a
lógica da atuação judicial é essencialmente atomizada, baseada nos conflitos explicitados, sejam
eles individuais ou coletivos. A lógica das políticas públicas é, ao contrário, ampla, aglutinadora de
perspectivas e informações, as quais se enfeixam na estratégia de decisão e implementação
finalmente adotada.
O argumento da proteção à esfera de discricionariedadeadministrativa é evidentemente conexo ao
da separação de poderes e bastante familiar ao leitor, razão pela qual me permito recorrer, mais
uma vez, à conclusão sumariada por Flavio Dino, de que não mais prevalece a doutrina da
imunidade absoluta dos atos discricionários ao controle judicial. A uma, em vista do dever de
motivação, hoje positivado no art. 50 da Lei do Processo Administrativo, Lei nº 9.784, de 1999,
sucedendo a doutrina dos motivos determinantes e do desvio de finalidade, que assegura, em
qualquer circunstância, a possibilidade de cotejo dos fundamentos do ato atacado com a motivação
apresentada, além dos aspectos formais, nunca afastados da sindicabilidade judicial. A duas, em
vista da possibilidade de confrontação do mérito administrativo do ato que compõe a política, ainda
que de forma excepcional e limitada, em relação aos seus pressupostos, o que a doutrina francesa
mais recente chama de controle da qualificação jurídica dos motivos.
Dos argumentos relacionados como objeções à intervenção do Judiciário em matéria de políticas
públicas, o mais perturbador é o das limitações econômico­financeiras, uma vez que se trata,
claramente, de matéria que escapa ao domínio pleno do direito. Em que pese a existência da
disciplina orçamentária, ângulo pelo qual se tem discutido a questão, no âmbito do direito, a
escassez de recursos para fazer face às necessidades de investimento e custeio relativas aos
serviços e prestações que concretizam direitos sociais é um fato incontornavelmente econômico.
Os limites são dados pelos recursos efetivamente existentes e ainda que se trabalhe com a idéia de
produção de déficits pelo Estado que amenizem condições adversas, movimentando a economia em
direção ao crescimento, é fato que também esses recursos são limitados. A superação das
condições que impedem o pleno desenvolvimento é bastante complexa e depende da adoção de
estratégias pactuadas pelas diversas forças políticas, sociais e econômicas de um país, para que se
conjuguem os vários fatores envolvidos no processo. A presença atuante do Poder Judiciário será
um desses fatores, mas é preciso não superestimá­la e concentrar esforços e atenções em tópicos
que concretamente atuam como obstáculo a esse movimento.
Outro aspecto a considerar, nesse ponto, diz respeito à possibilidade de que a escassez de
recursos, tratada por um ângulo particularizado, desencadeie uma corrida entre direitos, que
concorrerão por recursos escassos, dilema que só pode ser resolvido pela adoção de estratégias
mais gerais, que modulem no tempo as etapas de atendimento dos direitos em seu conjunto,
estabelecendo compromissos do governo, explicitados nos seus planos e leis orçamentárias. Essa é
a razão pela qual recai sobre o Poder Executivo a iniciativa de projetos de lei que criem despesas
diretas ou serviços públicos que suportam a realização das políticas públicas.9
 
b.3) Examinando mais de perto o objeto do controle judicial
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Passei de forma aligeirada pelos argumentos que vêm sendo apontados em decisões judiciais e nos
comentários teóricos, porque me interessa explorar uma outra perspectiva. O que me parece é que
a abordagem das políticas públicas instrumentaliza um outro modo de ação, mais adequado às
demandas de efetivação constitucional, visto que mais apto a combinar, em um único conjunto
cognitivo, várias dimensões que compõem o agir governamental. As políticas públicas são
esquemas de aglutinação de conhecimentos e ações.
As decisões usualmente associadas ao controle de políticas públicas, na verdade tratam do
cumprimento de direitos, na ausência dessas, e não propriamente da formulação ou implementação
de políticas públicas. Cumpre ilustrar com alguns exemplos: ação do Ministério Público para
compelir um hospital público a contratar pessoal, ação em face de escola pública determinando a
criação de programa especial para deficientes visuais, ação exigindo o aumento da oferta de vagas
no ensino noturno em universidade pública etc. Essas decisões manejam, a rigor, categorias já
estabelecidas no direito, de forma alargada, vez que a questão contenciosa predominantemente diz
respeito a obrigação de fazer pelo Poder Público.
A grande inovação que elas trazem é imputar conseqüências, dentro de determinados parâmetros
— ainda não estabilizados e definidos de forma sistemática (e aí está o problema) —, para a inércia
ou a incúria dos governos em implementar as políticas públicas ou medidas necessárias para a
efetivação dos direitos.
Pesquisando as características peculiares das políticas públicas, explicitam­se alguns traços, que
podem ser úteis ao aprofundar a compreensão sobre o modo de incidência do controle judicial.
Evoluindo em relação a reflexões que venho empreendendo,10 tomo como ponto de partida da
noção de política pública o processo decisório governamental. As políticas públicas devem ser
compreendidas como arranjos institucionais complexos, expressos em estratégias formalizadas ou
programas de ação governamental, visando coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados, e resultam de processos conformados juridicamente.
Nesse sentido, são próprias da ação governamental, isto é, dos poderes dotados de iniciativa de
ação e, portanto, predominantemente o Poder Executivo, dentro dos marcos legais definidos pelo
Poder Legislativo.
Como arranjos complexos (ou outputs da ação governamental, se não quisermos frisar a forma que
essa externalização da ação assume), agregam elementos políticos, econômicos, sociais,
organizacionais, relativos à gestão pública e legais, numa combinação peculiar que resulta de
processos, juridicamente disciplinados.
As políticas públicas não se confundem com os direitos. Por essa razão, salvo excepcionalmente, a
Constituição não contém políticas públicas, mas direitos, cuja efetivação, especialmente no caso
dos direitos econômicos, sociais e culturais, ditos, elipticamente, sociais, depende das políticas
públicas.
A noção de política pública é útil, para o direito, na medida em que permita compreender, analisar
e tratar fenômenos que a teoria jurídica tradicional não logra fazer, organizando a compreensão,
com base no diálogo interdisciplinar, de fenômenos econômicos, políticos, sociais e da gestão
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pública que influenciam na formação de decisões conformadas pelo direito e geram efeitos
jurídicos.
Os direitos sociais não são políticas públicas nem devem ser confundidos com elas. São direitos
fundamentais, cuja satisfação integral requer programas, recursos públicos, os quais, em
circunstâncias de escassez, são alocados segundo a dinâmica política, que combina tempo e
definição de prioridades.
Resultando de processos juridicamente regulados (eleitoral, administrativo, legislativo,
orçamentário, e também, em certa medida, judicial) as políticas públicas são conformadas pelo
Direito, embora não redutíveis a ele. E esse é um ponto importante quando se discute o controle
judicial, em vista da necessidade de identificar que componente da política pública se põe sob o
foco da ação judicial. Proponho, portanto, uma abordagem mais restritiva, a fim de ganhar em
precisão, retirando do campo da análise casos abrangidos dentro do leque da "judicialização da
política", cuja solução se dá com base na leitura política de aspectos sedimentados na teoria
jurídica. Não é disso que cuida a noção de política pública em meu modo de abordar.
A noção de política pública agrega vantagens analíticas importantes tanto para a compreensão da
atuação do poder público como para a prescriçãode modelos de ação. Por essa razão cabe enfatizar
a tônica prospectiva do trabalho com políticas públicas, distinto da atividade jurisdicional típica,
cujo olhar é retrospectivo. As decisões judiciais não se pautam, primordialmente, pelos efeitos que
a jurisprudência, como fonte de direito, irá gerar sobre outros casos não submetidos a julgamento,
mesmo que saibamos que essa circunstância pode se apresentar (e geralmente se apresenta) entre
as considerações do juiz.
Já a política pública é, por definição, prospectiva, resultando de uma atividade programada, de
escala ampla. Nesse ponto reside uma diferença essencial entre o provimento jurisdicional e a ação
governamental. O objeto de uma política pública é, sempre, não apenas plúrimo, mas abrangente
de uma coletividade previamente definida, e.g., as crianças do Município, os doentes com
determinada moléstia, os habitantes do Estado, as empresas exportadoras do produto tal ou qual e
assim por diante. A questão da escala opõe o processo judicial ao processo administrativo em
sentido amplo.
Se adotarmos a dualidade sistema/problema, veremos que as políticas públicas são instrumentos
mais adequados ao tratamento sistemático de questões jurídicas. Nesse sentido, são úteis como
esquemas de construção de relações. O manejo das políticas públicas representa atividade
fragmentada de planejamento e execução de decisões pelo poder público e particulares. É meio,
portanto, de organizar um conjunto de ações e relações, em direção a um sentido comum.
Já o controle jurisdicional se dá sob a forma de ações judiciais, cada uma delas expressando um
conflito atomizado. Na dualidade proposta, apresentam­se como problemas.
Não por acaso, o processo judicial moderno tem evoluído no sentido de buscar a agregação de
interesses, seja sob a forma dos direitos individuais homogêneos, ou direitos coletivos ou difusos.
Por essa razão, as ações coletivas e as ações cujas decisões têm efeitos contra todos são mais
afeitas ao controle judicial das políticas públicas ou das obrigações de fazer subjacentes a políticas
públicas idealmente concebidas.
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Seria de se cogitar de um regime processual específico de prestação de informações pelo Poder
Público legitimado no pólo passivo, ao qual se seguiria a concessão de prazos escalonados para
obrigações de fazer que, se não correspondessem ao implemento integral da obrigação,
consolidariam passos irreversíveis em direção a tal, segundo a dinâmica a que é induzido o próprio
ente público.
Quanto mais a atividade jurisdicional de controle compreender o processo de formação e execução
das políticas públicas na dinâmica própria da atividade política, mais eficaz tende a ser o controle.
Segundo a teoria política, o ciclo de formação de uma política pública se dá em cinco etapas: I)
inclusão do tema na agenda; II) formulação de alternativas; III) decisão; IV) implementação da
política; e V) avaliação. Eduardo Appio entende que o controle judicial é admissível sobre o
momento da execução e não da formulação da política.11
Esse conjunto de critérios e balizas para enfrentamento das omissões há de se estabelecer,
predominantemente com base em regras processuais que permitam7 o contraditório entre a
medida governamental reclamada pelo autor (que a coerência recomenda seja um legitimado pela
coletividade) e a ação desempenhada — dentro dos limites do possível ou abaixo desse, caberá ao
juiz decidir — pelo ente governamental responsável.
 
Parte 2 ­ Alguns exemplos concretos ou "o que você faria se fosse o gestor público?"
Essa exposição seria incompleta se não explorássemos a perspectiva própria da Administração
Pública. Com a consolidação do processo democrático no Brasil, o poder político encontra­se,
concreta ou potencialmente, em mãos diversas no País, o que enfraquece o discurso teórico
produzido sob o influxo da resistência. Impõe­se reorganizar os fundamentos jurídicos da ação
propositiva.
O teste relativo a essa perspectiva, a ser aplicado em cotejo com o controle judicial aqui
examinado, é formular­se a pergunta: "o que você faria se fosse o gestor público?"
Passarei a examinar dois casos concretos, objeto tanto de processos judiciais como de medidas
governamentais, em que a diferença de perspectivas se faz muito nítida e, assim, útil para
conhecimento das peculiaridades do processo judicial que se pretende estudar.
 
a) Possibilidades ­ Política de prevenção da Aids
O histórico da política brasileira de controle da AIDS, mundialmente festejada como estratégia de
salvação de vidas humanas com base na prevenção, a um custo muito mais reduzido que seria o do
tratamento, é associado à existência de demandas judiciais postulando a distribuição de
medicamentos. De fato, no início dos anos 90 houve uma série de ações judiciais exigindo o
fornecimento de medicamentos, em alguns pontos semelhantes às que hoje se intentam em
relação às mais diversas doenças.
Ao cabo de sucessivas decisões judiciais concessivas dos pleitos, firmou­se jurisprudência favorável
ao fornecimento de medicamentos. O Supremo Tribunal Federal, pela relatoria sempre lúcida do
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eminente Ministro Celso de Mello, decidiu o Recurso Extraordinário nº 267.612, vinculando a
proteção ao direito fundamental à saúde ao fornecimento concreto das prestações requeridas, cuja
ementa sintetiza o argumento essencial sobre a matéria:
 
Medicamentos para Pacientes com AIDS. Pacientes com HIV/AIDS. Pessoas destituídas
de recursos financeiros. Direito à vida e à saúde. Fornecimento gratuito de
medicamentos. Dever constitucional do Estado (CF, arts. 5º, caput, e 196). Precedentes
(STF).
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art.
196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve
velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e
implementar — políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o
acesso universal e igualitário à assistência médico­hospitalar. ­ O caráter programático
da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os
entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro — não pode converter­se em promessa constitucional inconseqüente, sob
pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável
dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a
própria Lei Fundamental do Estado. (...)
 
Se nos detivermos na análise do objeto da ação, veremos que a questão posta em julgamento era,
como não poderia deixar de ser, tópica, versando sobre o direito à obtenção de medicamentos
fornecidos pela rede pública de saúde, e, nesse sentido, mais restrita que o que veio a se
consubstanciar no Programa de AIDS do Ministério da Saúde, esse sim, a política pública na
acepção mais precisa da expressão.
A distinção é o que explica que se tenham incontáveis decisões determinando o fornecimento de
medicamentos a particulares — para diabetes, câncer, doenças coronarianas etc. —, sem que delas
resultem, necessariamente políticas públicas tal como se conhece em relação à AIDS. Em alguns
casos ocorre mesmo o contrário, as decisões judiciais produzem um efeito de desorganização de
políticas existentes, na medida em que o fornecimento de medicamentos em demandas individuais,
amplificadas pela repetição de demandas, pode comprometer o funcionamento de determinadosserviços de atendimento coletivo.
Uma política pública de saúde, mesmo se estruturada sobre a distribuição de medicamentos,
necessariamente se insere numa estratégia mais abrangente, que deve ser constantemente
reafirmada, uma vez que se desdobra na existência de medidas necessárias como apoio e
confirmação do núcleo central da política, tais como a estruturação de serviços de referência, a
renovação da destinação de recursos e uma série de outras. O relato oficial do Programa da AIDS,
inserido na página eletrônica do Ministério da Saúde, é ilustrativo dessa abrangência:
 
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É em 1996, contudo, com o advento de uma nova classe de fármacos, os inibidores da
protease, e uma nova abordagem terapêutica, com a utilização simultânea de múltiplas
drogas, que uma importante vitória na luta contra a doença é alcançada. A combinação
de medicamentos detém a progressão da doença e evita a progressão da deterioração do
sistema imunológico. A mortalidade pela AIDS cai drasticamente com a nova
terapêutica. Amparado pela aprovação naquele mesmo ano de legislação garantindo o
acesso aos medicamentos, mesmo contra recomendações e advertências do Banco
Mundial, o Brasil adota uma política de distribuição da medicação, via SUS, para todas
as pessoas acometidas pela doença. Com o passar do tempo, esta estratégia mostra­se
não apenas eficaz, do ponto de vista da redução da mortalidade, mas também
poupadora de recursos, na medida em que os gastos com o tratamento da aids em seus
estágios iniciais consomem menos recursos que as repetidas internações dos pacientes
em estado grave.
(...) A mera distribuição dos medicamentos, contudo, não garante a qualidade do
tratamento; é necessário monitorar a resposta dos pacientes à medicação, para que se
possa avaliar sua eficácia. Dois exames, em particular, a contagem de linfócitos CD4
(...) e o teste de carga viral, que identifica a quantidade de vírus circulando no
organismo (ao contrário dos testes sorológicos, que assinalam a presença de anticorpos
para o HIV), são relativamente sofisticados e caros, e estariam fora do alcance da
maioria da população brasileira, por um lado, e a ausência de um controle da qualidade
de sua realização poderia ter resultados catastróficos no acompanhamento de pacientes
em uso da medicação. Para enfrentar estes problemas, não só se estimulou a
implantação destas técnicas em laboratórios ligados ao SUS em todo o país, como em
1997 foi criada a Rede Nacional de Laboratórios para Realização de Exames de Carga
Viral e Contagem de CD4+/CD8+. (...)
O Brasil tem enfrentado as pressões da indústria farmacêutica multinacional, que,
amparada na legislação internacional sobre patentes, pratica preços francamente
abusivos para as novas drogas, como é o caso dos antiretrovirais.12
 
Com base no relato oficial, o papel das ações judiciais é relativizado, em vista da disposição
legislativa e da existência de um conjunto de medidas, de ordem administrativa, tipicamente
caracterizadas como serviço público, a cargo de diversos entes governamentais. Mais importante,
esse conjunto de iniciativas se orienta segundo uma estratégia, cuja efetivação depende de
racionalidade, coerência, além da apreensão fiel dos elementos históricos e organizacionais
envolvidos na formulação e implementação da política. Isso permite entender de que forma o
controle judicial atua sobre elemento ou parte da política ou ainda se ele opera como fator de
pressão pela formulação da política pública.
 
b) Limites ­ Vagas em creches
Uma decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez sob a relatoria corajosa do
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Ministro Celso de Mello, nos oferece oportunidade de explorar o problema dos limites da decisão
judicial em matéria de políticas públicas.
A decisão tem a maior importância, no sentido de afirmar o caráter obrigatório dos direitos
referidos na Constituição. O argumento da fundamentalidade nesse caso é preponderante, pois o
caso trata da educação infantil, compelindo o Município a ofertar vagas em creches e pré­escolas,
de modo a assegurar a formação e proteção das crianças de idade mais tenra. A decisão dá corpo a
algo que é consenso entre pedagogos, o caráter determinante da educação nos primeiros anos de
vida em relação às possibilidades de evolução pessoal e social do indivíduo.
A decisão no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público do
Estado de São Paulo em face do Município de Santo André, RE­AgR nº 410.715, tem a seguinte
ementa:
 
Recurso Extraordinário – Criança de até seis anos de idade – Atendimento em creche e
em pré­escola – Educação infantil – Direto assegurado pelo próprio texto constitucional
(CF, art. 208, IV) – Compreensão global do direito constitucional à educação – Dever
jurídico cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao Município (CF, art.
211, §2º) – Recurso Improvido. ­ A educação infantil representa prerrogativa
constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de
seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o
atendimento em creche e o acesso à pré­escola (CF, art. 208, IV). ­ Essa prerrogativa
jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que
se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas
que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de
idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré­
escola, sob pena de configurar­se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar,
injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação
estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. ­ A educação infantil, por
qualificar­se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo
de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem
se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. ­ Os Municípios — que
atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211,
§2º) — não poderão demitir­se do mandato constitucional, juridicamente vinculante,
que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que
representa fator de limitação da discricionariedade político­administrativa dos entes
municipais, cujas opções, tratando­se do atendimento das crianças em creche (CF, art.
208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de
simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole
social. ­ Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela­se possível, no entanto, ao
Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas
hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas
implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão — por importar em
descumprimento dos encargos político­jurídicos que sobre eles incidem em caráter
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mandatório — mostra­se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos
sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à
"reserva do possível". Doutrina.
 
Destaquem­se na argumentação do voto a refutação às teses da discricionariedade da
administração e à reserva do possível comoelementos de amparo à inércia do Poder Público
competente para a realização do direito. Mas convém examinar, à luz desse notável acórdão, as
relações da decisão judicial com as políticas públicas, sempre contrapondo possibilidades e limites.
As conseqüências imediatas que se pode projetar para a oferta de educação infantil no Município de
Santo André são a ampliação da oferta, com a construção de creches e a alocação da estrutura e
pessoal necessários ao cumprimento da decisão.
No entanto, caso exista, de fato, limitação econômica e se trate de invocação leal da reserva do
possível, um possível "efeito colateral" poderá ser a retirada de recursos de outro programa para o
atendimento desse, com as formalizações pertinentes nos termos da legislação orçamentária, se
necessário. Há um risco, portanto, de exacerbação da concorrência entre direitos, privilegiando­se
aqueles que lograram ultrapassar o filtro de seletividade da atuação do Ministério Público.
No plano das possibilidades, deve­se considerar o aprendizado institucional que deve advir dessa
decisão, de modo que o Ministério Público do Estado de São Paulo passe a intentar outras ações
semelhantes, em face de outros Municípios, com o efeito global de aumento real da oferta da
educação infantil, pelo menos no Estado de São Paulo.
No entanto, parece­me que o argumento mais importante, no plano dos limites, é o que se refere à
escala, sendo bastante elucidativo o diagnóstico contido no Plano Nacional de Educação, aprovado
pela Lei nº 10.172, de 2001, em relação aos antecedentes da carência de vagas na educação
infantil.
 
A Sinopse Estatística da Educação Básica/1999 registra um decréscimo de cerca de 200
mil matrículas na pré­escola, em 1998, persistindo, embora em número menor (159
mil), em 1999. Tem­se atribuído essa redução à implantação do FUNDEF, que
contemplou separadamente o ensino fundamental das etapas anterior e posterior da
educação básica. Recursos antes aplicados na educação infantil foram carreados, por
Municípios e Estados, ao ensino fundamental, tendo sido fechadas muitas instituições de
educação infantil. Na década da educação, terá que ser encontrada uma solução para as
diversas demandas, sem prejuízo da prioridade constitucional do ensino fundamental.
(item 1.1)
 
Segundo esse diagnóstico, a política pública de universalização da educação fundamental,
consubstanciada na criação do Fundo Nacional da Educação Fundamental (Fundef) pela Emenda
Constitucional nº 14, de 1996, que alterou o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, teria operado uma seleção de prioridades, excluindo do financiamento especial os
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segmentos da educação infantil e do ensino médio.
Confirmando­se o diagnóstico do PNE, uma resposta satisfatória ao problema teria que assumir a
mesma escala do Fundef. E de fato, expirando­se a Emenda nº 14, foi aprovada, por iniciativa do
Poder Executivo, a Emenda Constitucional nº 53, que instituiu o Fundo Nacional da Educação
Básica (Fundeb). O art. 8º, §§1º a 3º, da Lei nº 11.494, de 2007, que regulamenta o Fundeb,
considerando a inexistência de vagas disponíveis na rede pública de educação infantil, prevê a
possibilidade de oferta de vagas em regime de convênio com creches (crianças de até 3 anos) ou
escolas de educação infantil (4 ou 5 anos),13 comunitárias ou filantrópicas, sem fins lucrativos,
observados os requisitos pertinentes. A medida resultou de intensos debates no Legislativo, mas
parece ter se revelado acertada, como estratégia, conforme dados do censo da educação básica,
que apontam o crescimento de matrículas nas creches da rede pública, no território nacional, da
ordem de 13,7%, entre 2006 e 2007 (Diário Oficial da União, 14 nov. 2007).
O que se demonstra, portanto, é que há uma diferença significativa de escala entre o resultado de
uma política pública bem­sucedida e o de um conjunto de ações judicialmente igualmente bem­
sucedidas para exigir o cumprimento de prestações voltadas à efetivação de direitos sociais.
Evidentemente, não se trata de abordagens excludentes, mas complementares. Mas a
peculiaridade de cada uma há de ser reconhecida, se pretendemos alimentar a pesquisa teórica
com demandas jurídicas reais.
 
Conclusão ­ Conjugando possibilidades e limites
Seria conservadora, se não retrógrada, uma leitura que atribuísse caráter absoluto aos limites,
preservando a esfera de atuação de poderes deslegitimados, em vista do descaso na efetivação dos
direitos constitucionais. Uma visita aos presídios brasileiros seria suficiente para convencer quem
duvidasse que a implantação da constituição ainda é uma tarefa por se fazer e que deve envolver
não só os poderes responsáveis pela formulação de políticas públicas ainda inexistentes, Poderes
Executivos e Legislativos das várias esferas federativas, como também, intensamente, o Poder
Judiciário, além da imprensa, a sociedade civil organizada e a comunidade internacional, cada um
em seu papel.14
A consideração sobre os limites da atuação judicial visa chamar a atenção para o que me parece
um desvio da rota mais importante para a implementação dos direitos, em especial os direitos
sociais, nas preocupações do constitucionalismo mais avançado.
De um lado, considero perigosa a tônica preponderante do controle, que tende a tornar mais
robusto o não­fazer do que o fazer do poder público. Essa tônica reforça a oposição entre a
Administração Pública, responsável pela outorga de prestações, e os cidadãos.
De outro lado, o desejável, na minha opinião, na linha da construção da Administração Pública
democrática, seria fomentar mecanismos de coordenação e produção de consenso ou da
explicitação e processamento do dissenso, quando aqueles não são possíveis. Nesse sentido os
modos de organização e processamento das decisões do poder público, em especial o Poder
Executivo, carecem de vigorosa modernização, para o que se reclama a presença da teoria jurídica.
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A caixa de ferramentas dos juristas para a elaboração das políticas públicas tem, neste momento,
pouco mais que alguns apetrechos enferrujados e peças gastas pelo uso.
Sempre me pareceu que esse é um debate fora do lugar. O controle judicial das políticas públicas é
possível, mas limitado. Do ponto de vista estrito, trata­se do controle judicial dos atos e processos
jurídicos que compõem a política. Do ponto de vista amplo, trata­se de um controle de omissões,
quando não há ato ou processo que leve a resultado compatível com o objetivo constitucional.
Nesse sentido, a elaboração teórica em torno da noção de política pública deveria antecipar­se e se
voltar ao estudo das características jurídicas dos atos e processos e, a partir daí, dos modelos
jurídicos, que configuram políticas públicas.
O desafio está em estudar práticas bem­sucedidas de implantação de um regime de direitos, seja
no contexto do direito comparado, seja no contexto de experiências de sucesso localizadas para a
concretização de um ou outro direito num espaço local definido.
Isso exigirá a construção de um acervo de modelos, possivelmente, por temas, isto é, em matéria
de saúde, educação, assistência social, posteriormente examinando­se as políticas públicas
voltadas à infra­estrutura. E esses modelos se valerão de determinados instrumentos, e aí, sim,
teremos vasto material de trabalho para estudos de direito ainda mais transformadores.
 
 
1 O texto é resultado de comunicações feitas no V Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em
Belo Horizonte, em junho de 2007, e no II Congresso Internacional de Direitos Sociais, promovido
pela Procuradoria­Geral do Município do Rio de Janeiro,em 14 de novembro de 2007.
Muito me alegra a oportunidade dessa homenagem ao Prof. Fabio Konder Comparato. A escolha do
tema foi natural, não apenas porque se trata do assunto que venho pesquisando nos últimos anos,
mas porque a inspiração para o assunto teve origem nas aulas do Prof. Comparato, nas disciplinas
Direitos Fundamentais e Direito do Desenvolvimento, que cursei durante o doutorado, quando se
abriu, para mim, uma importante chave de conexão entre o pensar e o fazer jurídicos, síntese que
representa a marca mais forte do aprendizado com o Prof. Comparato. Ao mestre, com carinho.
2 CYRINO, André Rodrigues. Revolução na Inglaterra? Direitos humanos, Corte Constitucional e
declaração de incompatibilidade das leis. Novel espécie de judicial review?. Revista de Direito do
Estado, Rio de Janeiro, n. 5, p. 267­288, jan.­mar. 2007.
3 Veja­se, nesse sentido, a esclarecedora retrospectiva traçada por Ana Paula de Barcellos em "O
direito constitucional em 2006" (Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 5, p. 3­24, jan.­
mar. 2007).
4 APPIO, Eduardo. Controle judicial de políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005; COSTA,
Flavio Dino de Castro e. A função realizadora do Poder Judiciário e as políticas públicas no Brasil.
Revista do TRF­1a. Região, p. 27­47; VALLE, Vanice Lírio do. Dever constitucional de enunciação de
políticas públicas e auto­vinculação: caminhos possíveis de controle jurisdicional. Mimeografado;
PIOVESAN, Flavia. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos no Brasil: desafio e
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perspectivas. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 2, p. 55­70, abr.­jun. 2006;
CRISTOVAM, José Sérgio da Silva. O controle jurisdicional das políticas públicas. Informativo de
Direito Administrativo e Responsabilidade Fiscal, n. 41, p. 451­463, dez. 2004­2005, entre outros.
5 Referido por Luis Roberto Barroso na conferência "Responsabilidade e Políticas Públicas", de
setembro de 2007, noticiada por VALLE, ob. cit., p. 5.
6 COSTA, ob. cit., p. 30.
7 TEIXEIRA, José Elaeres Marques. A doutrina das questões políticas no Supremo Tribunal Federal.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. p. 162.
8 É o caso das ações judiciais para o fornecimento de medicamentos, que deixarei de comentar
neste estudo, tendo em vista a grande quantidade de material já produzido sobre o tema. A
possível existência de beneficiários privados não carentes, em parcela significativa dessas ações,
está sendo trabalhada por Fernanda Terrazas e Virgílio Afonso da Silva em estudo, cujos dados
preliminares foram apresentados no II Congresso de Direitos Sociais, de iniciativa da Procuradoria­
Geral do Município do Rio de Janeiro, naquela cidade, em novembro de 2007.
9 Tratei desses pontos em "O conceito de política pública em direito" (In: BUCCI, Maria Paula
Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
1­50, especialmente p. 36).
10 Em "O conceito de política pública em direito" (ob. cit.), formulei a seguinte proposição: "Política
pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos
juridicamente regulados — processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo,
processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial — visando
coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados.
Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a
seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo
em que se espera o atingimento dos resultados."
11 Ob. cit.
12 Extraído da página eletrônica do Ministér io da Saúde sobre o Programa de Aids,
<www.aids.gov.br>, em 16 nov. 2007. Texto original de Kenneth Camargo, em outubro de 2005,
adaptado pelo Dr. Pedro Chequer, ex­Diretor do Programa Nacional de DST e Aids. A lei em
questão é a Lei nº 9.313, de 13 de novembro de 1996, cujos dispositivos mais importantes são os
seguintes:
Art. 1º Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a
medicação necessária a seu tratamento.
§1º O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem
utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos
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mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde.
§2º A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se
fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de
novos medicamentos no mercado.
Art. 2º As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do
orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
conforme regulamento. (...)
13 No caso de estabelecimento para crianças de 4 a 5 anos, a possibilidade é temporária, restrita
aos 4 anos de vigência da lei.
14 Cabe referir, mais uma vez, a resenha de Ana Paula de Barcellos: "O contraste da realidade com
as pretensões normativas da Carta de 1988 se mostrou tão chocante em determinados momentos
que pareceu veicular, afora muitas outras mensagens, uma provocação debochada dirigida aos
juristas. É certo, porém, que a constrangedora impotência do instrumental jurídico tradicional para
levar a cabo as pretensões de determinadas disposições constitucionais, que se tornou evidente,
acabou por fomentar a busca por soluções diversas. Os eventos que talvez ilustrem com maior
dramaticidade esse confronto são aqueles que envolveram (e continuam a envolver) a violência,
sobretudo urbana, e o sistema penitenciário brasileiro" (Ob. cit, p. 8).
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
BUCCI, Maria Paula Dallari. Controle judicial de políticas públicas: possibilidades e limites. Fórum
Administrativo ­ Direito Público ­ FA, Belo Horizonte, ano 9, n. 103, set. 2009. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=62501>. Acesso em: 29 jun. 2015.
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O controle do gasto público pelos Tribunais de Contas e o princípio da
legalidade: uma visão crítica
Marcos Nóbrega
 
Palavras­chave: Gasto público (controle). Tribunais de Contas. Princípio da legalidade. Controle
externo (Brasil). Auditoria. Sumário: O sistema de controle externo brasileiro ­ Controle de
legalidade e de mérito ­ Auditoria por resultados (performance audit) ­ Conclusões ­ Referências
Os direitos administrativo e financeiro brasileiro remontam à clássica tradição européia
estabelecida sobremodo no século XIX, o chamado grande século da codificação, quando as bases
desses ramos do direito foram estabelecidas. É bem verdade, no entanto, que muito das diretrizes
fundantes foram, de fato, postas no século XVIII, considerando os princípios estabelecidos pela
Revolução Francesa. No mesmo sentido, a noção de Regime Jurídico Administrativo estabelecendo
que a Administração deverá posicionar­se em um pólo jurídico de superioridade em relação ao
particular. Dessa forma, por óbvio, o princípio que vai balizar toda a interpretação desses ramos do
direitoé o principio da legalidade, consubstanciando­se no vetor interpretativo balizador da
aplicação do direito desde então.
No entanto, o crescente aumento das atribuições do Estado somadas às mudanças introduzidas no
ordenamento e, o que é mais importante, pelos imperativos de eficiência e transparência que vem
pautando a Administração pública desde a última década, colocam em xeque esse princípio da
legalidade estrita, condicionando sua abertura para outras óticas e visões da administração pública
e da Atividade Financeira do Estado. Dessa forma, considerando o ordenamento administrativo e
financeiro pátrios, cumpre investigar como o sistema de controle, particularmente o controle
externo, tem se adaptado a todas as inovações e como poderia aprimorar­se para fazer face aos
desafios do porvir. Sendo assim, faz­se mister investigar a princípio as características gerais do
nosso modelo de controle externo (Tribunais de Contas), suas vicissitudes e fragilidades para
depois pontuar os aspectos que ensejam aperfeiçoamento e aprimoramento. Para tanto, pontos
como assimetria de informação e custos de transação devem ser investigados, bem como novos e
modernos instrumentos de controle como a performance audit (auditoria de performance).
O sistema de controle externo brasileiro
Um dos pontos sensíveis da construção de um Estado ágil e transparente é a questão do controle.
Esse tema que por muito tempo foi tratado como secundário, pouco relevante, ganha espaço cada
vez mais contundente em diversos países. Isso se traduz em duas preocupações. Em primeiro
lugar, a necessidade de maximizar a aplicação de recursos escassos e, em seqüência, a importância
de incrementar os mecanismos de controle para incentivar a participação da sociedade e o controle
social. Assim, para garantir uma maior transparência e confiabilidade nas ações da Administração
Pública, que permitam ao cidadão­contribuinte certificar­se de que os recursos públicos estão
sendo devidamente aplicados, uma série de mecanismos de controle é posta pelo ordenamento
jurídico.
Percebe­se também a importância de uma correta modelagem do sistema de controle com fito de
revelar o correto nível de esforço do agente público na aplicação adequada dos recursos. Tem­se,
portanto, uma relação clássica de Agente­Principal quando o Principal seriam os diversos governos
e os agentes seriam aqueles que, de fato, são responsáveis pelo processamento da despesa
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pública. Assim, como o auxílio de mecanismos adequados de controle, estaria o Principal (o
Governo) mais bem aparelhado para avaliar adequadamente os resultados dos programas
empreendidos pelo agente. Fica claro, então, que colusão, deficiências organizacionais, leniência,
falta de responsividade, não podem ser adequadamente detectados exceto com uma boa
supervisão e controle (Código de Boas Práticas ­ IMF).
Nos últimos tempos e em vários contextos, têm­se aprimorado os mecanismos de controle externo
aplicados à fiscalização da atividade administrativa e financeira. Esse controle é exercido por
agente exterior aquele que pratica o ato. Trata­se, por definição, de controle independente que
deverá incidir sobre a função administrativa e financeira de todos os poderes. No caso brasileiro,
esse controle deve, em primeira medida, averiguar a compatibilidade do exercício da função
administrativa com a lei. Não poderá adentrar o juízo de conveniência e oportunidade exercido
pela Administração Pública, por se tratar de manifestação meritória que foge ao escopo do controle
em apreço.
Existem dois principais sistemas de controle externo no mundo. O modelo de Auditor Geral
(Westminster Model) e o modelo de Tribunais de Contas.
O modelo de Auditor Geral é usado no Reino Unido e em muitos países do Commonwealth, além de
países da África subsaariana e alguns países europeus como Irlanda e Dinamarca. Esse modelo
também é encontrado (com pouca freqüência) em países latino­americanos como Chile e Peru.
Considerando 126 Instituições Superiores de Controle (ISC) em várias partes do mundo, esse
modelo é utilizado em 73 países (57% da amostra), enquanto que o modelo de Tribunais de Contas
é observado em 17 países (13%) e encontramos em modelos híbridos nos demais países da
amostra (30%).
Esse modelo de Auditor Geral é conectado ao sistema parlamentar de accountability na medida em
que as avaliações efetuadas pelo Auditor Geral são reportadas ao Parlamento. O Parlamento então
faz as recomendações para o Executivo e, finalmente, este responde ao Parlamento. Uma das
grandes fragilidades do modelo de Auditor Geral é seu caráter centralizador e fortemente marcado
pela figura do Auditor Geral. O mandato do Auditor é geralmente estabelecido para um período fixo
que, às vezes, pode ser estendido. Não há qualquer função judicial, cabendo ao Auditor Geral
apenas preparar relatórios e dar ao Parlamento uma visão abrangente sobre as contas públicas
auditadas. O foco do controle é, portanto, de natureza financeira e o perfil profissional dos
servidores é quase exclusivamente composto de auditores e contadores. O modelo de Auditor Geral
é também fortemente direcionado para uma auditoria financeira e no "value of Money", deixando a
auditoria de legalidade, a auditoria dos parâmetros legais para segundo plano.
O modelo de Tribunal de Contas, por sua vez, pode ser visto em países europeus como França,
Espanha e Portugal. Países latino­americanos, como Argentina e Brasil, também seguem esse
modelo, bem como as ex­colônias portuguesas na África, cito Moçambique e Angola. Os Tribunais
de Contas são, via de regra, órgãos colegiados, favorecendo o contraditório e o debate. Nas Cortes
de Contas, os membros geralmente são juízes que podem impor sanções e sugerir ações corretivas
para os auditados. Por isso mesmo, os membros possuem sólidas garantias funcionais, sendo
geralmente investidos por tempo indeterminado e podendo ser destituídos somente mediante
processo especial, dando a eles, portanto, considerável estabilidade funcional.
O modelo brasileiro apresenta algumas peculiaridades que repercutem no seu desempenho. Um
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primeiro ponto relevante é a abrangência do sistema. No Brasil, além do Tribunal de Contas da
União (TCU), existem 27 Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), seis Tribunais de Contas dos
Municípios e mais dois Tribunais de Contas do Município (Rio de Janeiro e São Paulo), somando um
total 38 Tribunais espalhados pelo país. Há, portanto, uma imensa capilaridade, abrangência do
sistema. Poucos países do mundo (sobretudo aqueles de dimensões continentais como o Brasil)
possuem um sistema de controle tão abrangente e já instalado, caracterizando um diferencial
extremamente importante para o nosso controle.
Embora em diversos países os Tribunais de Contas pertençam ao Poder Judiciário e suas decisões
possuam força de sentença judicial, isso não ocorre no caso brasileiro. Apesar de a moderna
doutrina apontar os Tribunais de Contas como órgãos de estatura constitucional, independentes de
qualquer outro poder, não apresentam perfil judicante; são tribunais administrativos e suas
decisões podem ser revistas pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, há no caso brasileiro uma
sensação de que os Tribunais de Contas pouco punem. Cabe então, encontrar mecanismos de
incentivos para aumentar o enforcement das suas deliberações. Além disso, a arquitetura
institucional da formação do corpo de julgadores (conselheiros) não privilegia critérios técnicos, o
que contribui para uma baixa credibilidade do controle.
Ademais, muitas vezes reformas nas leis orgânicas nos Tribunais de Contas, emnome de
modernidade, acabam por complicar as rotinas, burocratizando procedimentos e aumentando os
processos formalizados. Assim, depois das reformas, constata­se que os Tribunais podem até julgar
mais, proferir mais decisões, no entanto, a eficiência da ação continua deficitária. Isso muitas
vezes é útil para os Tribunais advogarem mais recursos orçamentários dos seus governos em
contrapartida ao aumento dos seus custos operacionais. Logo, se aparentemente mostram
melhores resultados, podem pleitear mais recursos. É óbvio que isso depende de cada situação
específica e merece uma abordagem mais apurada.
Se não bastassem problemas estruturais, há problemas sistêmicos do nosso modelo clássico de
direito administrativo e financeiro.
Controle de legalidade e de mérito
O nosso modelo jurídico de tradição francesa (civil law) apresenta a lei como principal fonte do
direito e o princípio da estrita legalidade passou a ser o grande vetor da aplicação do nosso direito
administrativo e financeiro. Ocorre o contrário nos países de common law onde a jurisprudência (e
não a lei) é a principal fonte jurídica. Como corolário desse aspecto, ainda estamos presos, no
sistema brasileiro, a parâmetros e padrões estabelecidos no século XIX, quando as bases do direito
administrativo e financeiro franceses (que ainda hoje nos serve de alicerce) foram estatuídas.
Assim, reverberando o "estado de artes" daquele século, o direito administrativo e financeiro
pressupõem informação perfeita, contratos simétricos e ausência de custos de transação.
Essa pouca flexibilidade do sistema brasileiro tem trazido uma série de dificuldades, sobremodo
porque o próprio Poder Judiciário e os Tribunais de Contas ainda raciocinam na base do estrito
legalismo, criando dificuldades imensas para a efetividade do controle. É bem verdade que a
própria Constituição Federal (art. 71) estabelece a necessidade do cumprimento de parâmetros de
economicidade e de eficiência (art. 37), no entanto ainda pouca concretude tem sido dada a esses
princípios.
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O controle de legalidade é importantíssimo e não deve ser abandonado, no entanto a ele deve ser
acrescentada a análise do mérito da despesa pública, quanto à eficiência da aplicação dos recursos
escassos. Percebam que no modelo de simples legalidade, a ação do controle tem muito poucas
condições de revelar o nível de esforço do agente e ajudar na modelagem mais adequada de
contratos. Um controle baseado apenas, ou preponderantemente, na legalidade servirá pouco como
instrumento de revelação de informação. Um controle principalmente focado na legalidade
minimiza o esforço do agente e gera perda de eficiência.
Essas deficiências e restrições também são notadas quando discutimos o momento em que o
controle é efetivado. Percebe­se que o controle prévio é modelado ex ante, previamente à
execução do bem ou serviço e sendo pouco útil para o Principal estabelecer seu esquema de
incentivos. Além disso, em muitos países, o controle prévio ainda tem um perfil burocratizante e
cartorial, como em Portugal e em muitos países africanos de língua portuguesa. Lá, o instituto do
"visto prévio" coloca imensos entraves ao célere processamento da despesa além de não comunicar
informação alguma.
Assim, o controle prévio pode ser utilizado como ferramenta auxiliar no entanto não devendo ser o
mais importante controle utilizado, principalmente pela sua reduzida capacidade de revelar
informações do nível de esforço despendido pelo agente.
O controle sucessivo, por sua vez, tem por objeto avaliar,  ex post, a legalidade, a correção, a
eficiência e a adequação da gestão financeira, bem como a correta aplicação dos programas
governamentais. No caso dos Tribunais de Contas, por determinação legal, todas as contas de
gestores públicos são devidamente auditadas. Dessa forma, o problema não é especificamente
quanto se audita, mas como se audita. Se a auditoria for bem conduzida e utilizar parâmetros
adequados, certamente diminuirão os custos de agência. Por outro lado, quando o grau de
penalidade imposto é baixo ou pouco efetivo, devem ser construídos outros incentivos para
melhorar a ação do controle. Em qualquer circunstância, tem que ser avaliado o custo benefício da
ação do controle, seu retorno efetivo. Um controle baseado exclusivamente em rotinas e
parâmetros estritamente legalistas será extremamente caro diante da baixa capacidade de revelar
a qualidade do gasto público. Esse parece ser um grave problema das Cortes de Contas no Brasil.
Um ainda acentuado viés pró­legalista diminui a efetividade do controle e compromete a percepção
da sociedade quanto à utilidade.
Se não bastasse, há um problema de inconsistência temporal. Muitas vezes há um enorme lapso
entre a realização da despesa e a ação da auditoria, fazendo com que a informação revelada seja
pouco útil, aumentando o custo relativo do controle. Ademais, considerando a nossa tradição
processualística e formalista, o excesso de rotinas, procedimentos e processos determinam um
imenso custo de transação na ação do controle. É necessário, no âmbito das Cortes de Contas
brasileiras, promover um amplo processo de desburocratização e simplificação, com vistas a
baratear e racionalizar a ação do controle. Uma possível "Lei Orgânica dos Tribunais de Contas"
embora podendo enfrentar entraves constitucionais, decerto poderia ajudar bastante. No mesmo
sentido, um possível "Conselho Nacional dos Tribunais de Contas", a exemplo do que já ocorre no
Brasil com o Poder Judiciário e o Ministério Público, seria um instrumento para uniformização de
rotinas, transparência e accountability. Por fim, a criação no Brasil do "Conselho de Gestão Fiscal",
importante inovação trazida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, 2000), que teria, entre
outras atribuições, uniformizar procedimentos para a aplicação da lei pelos Tribunais de Contas.
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Evidentemente essas fragilidades repercutem nos critérios de julgamento. Ainda são poucos os
julgados que evocam a preocupação com parâmetros de eficiência ou custo­benefício. Não há ainda
preocupação com a repercussão econômica das decisões, ou seja, seu impacto no nível de atividade
de um determinado município e as externalidades que poderão advir do decisum. O "confortável"
manto do estrito legalismo, do positivismo exacerbado, impede um critério de julgamento mais
condizente com a realidade social, com os impactos econômicos e com o princípio da eficiência.
Dessa forma, é fundamental ampliar o escopo das auditorias, incorporando aspectos que
vislumbrem a performance do gasto público. Uma auditoria baseada em performance certamente
possibilitará ao Principal detectar corretamente a qualidade do gasto público e propor providências
para dirimir as distorções. Um passo adiante precisa ser dado e a mudança ou aperfeiçoamento dos
métodos de análise precisam ser buscados. A auditoria de desempenho pode dar uma boa resposta
a isso tudo.
Auditoria por resultados (performance audit)
Vários países latino­americanos fizeram, no âmbito do chamado "Consenso de Washington" um
enorme esforço de equilíbrio fiscal e modernização de suas economias. Feitas as reformas, uma
nova agenda se instalou apontando para a melhoria dos padrões de gasto público. Assim,
mecanismos de avaliação de gestão, conduzindo a sistemas de indicadores de desempenho passam
a ser imperiosos. Esses fatores determinarão novos desafios para o controle, sobretudo para os
Tribunais de Contas, e facilitarão a participação da sociedade na análise e controle dos gastos
públicos.
A avaliação deve ser cuidadosa com os outputs; outcomes;impacto e alcance. Os outputs são os
resultados imediatos, como por exemplo, número de crianças matriculadas em escolas públicas ou
o número de pessoas atendidas em hospital público. O outcome, por sua vez, apresenta uma
dimensão dinâmica e corresponde aos desdobramentos daquela despesa. Assim, seriam outcomes a
melhoria da qualidade do ensino ou as oportunidades que os alunos tiveram após concluir seus
estudos, além de amplas metas como a diminuição da pobreza e do analfabetismo. No caso da
saúde, o aumento da expectativa de vida ou a diminuição da mortalidade infantil. Na verdade, o
outcome considera as externalidades (spillovers) advindas do gasto público. O impacto deverá
repercutir as metas e conseqüências para futura provisão de bens e serviços públicos e o alcance
preocupa­se em detectar se os programas estão realmente atingindo a população­alvo.
Dessa forma, há a necessidade imperiosa da implementação de uma auditoria de desempenho
(performance audit), transcendendo o aspecto da mera legalidade, voltando­se para a eficiência,
qualidade, economicidade e maior transparência do gasto público. Embora a idéia seja intuitiva, a
sua implementação não é tão simples. É preciso uma mudança profunda na mentalidade de
gestores, políticos e burocratas. A administração e o controle auto­referido, pouco eficiente e sem
transparência, dificulta a obtenção de melhores resultados, ensejando o desperdício de talento,
energia e dinheiro. Sendo assim, para uma auditoria por desempenho é fundamental, em primeiro
momento, a modernização das técnicas orçamentárias e financeiras. No caso brasileiro, a legislação
ainda não captou adequadamente essas inovações, embora a Lei de Responsabilidade Fiscal tenha
estabelecido importantes avanços na preparação e análise dos orçamentos. No entanto, ainda não
conseguimos estabelecer um adequado benchmark para avaliar o impacto das políticas públicas em
diferentes grupos sociais. Um bom caminho seria a utilização do Poverty and Social Impact Analisys
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(PSIA) que contribuiria para (Código de Boas Práticas ­ IMF, 2007):
­ Relacionar as reformas políticas e seu impacto na pobreza e em determinados
grupos sociais;
­ Explicitar o impacto redistributivo de políticas públicas;
­ Reforçar os aspectos positivos das reformas;
­ Identificar fragilidades de gerenciamento e os riscos políticos implícitos nas
reformas.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) chama a atenção que embora não exista um modelo de
avaliação padrão, essas análises deverão considerar os grupos sociais afetados; os mecanismos
necessários para implementação das reformas; os mecanismos de transmissão (emprego, preços,
etc.), além de riscos críticos que poderiam colocar em xeque o sucesso das reformas. Tais análises
são complexas e, em muitos casos, as conclusões são suportadas por rigorosos estudos analíticos
considerando, por exemplo, análise de incidência (incidence analisys) ou mesmo modelos de
equilíbrio geral (computable general equilibrium).
De qualquer forma, ao avaliar os programas governamentais e implementar uma abordagem de
performance, devemos ter em mente que não se trata apenas de um instrumento de informação
externa, mas sim poderoso elemento que ajudará o gestor no aperfeiçoamento das políticas
públicas. Sendo assim, para analisar os programas com base em desempenho, devemos considerar
(WHOLEY, 2005):
­ Se os resultados da avaliação influenciarão as futuras decisões sobre o programa
de governo.
­ Se a avaliação poderá ser feita em tempo hábil, dando agilidade à ação do
controle.
­ Quanto tempo e esforço levarão para coletar as informações devidas.
­ Se o programa é relevante o bastante para merecer uma análise de mérito e se o
montante de recursos envolvidos no programa justificam uma análise de
performance.
Além disso, temos que considerar se o sistema orçamentário deve ser apto a absorver essas
metodologias. O chamado Performance­Based Budget procura transcender as clássicas formatações
de orçamento, como o orçamento­linha ou a abordagem marginalista (zero­based) e o orçamento
programa, para focalizar sua ação nos resultados e nos incentivos que levam a uma adequada
execução orçamentária.
Em termos de ação do controle externo, deverá se preocupar com a matriz de risco (risk audit), a
materialidade e o destinatário da informação. Deve estar atenta para os mecanismos que
convertem inputs em outputs e avaliar com precisão se o nível de esforço do agente está sendo
adequadamente convertido em resultados. Dessa forma, detectará o adequado "estado de
natureza" no qual a implementação do programa governamental se desenvolve. Como exemplo,
uma ação do Tribunal de Contas em pequena localidade pode detectar a baixa qualificação da
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burocracia local para implementação do programa (baixo estado de natureza). Nesse caso,
sinalizará para o Principal (governo local) a necessidade de treinamento e capacitação para
adequada implementação dos programas porque este problema está impedindo a execução de
adequado nível de output.
Ao dar total transparência das suas auditorias, ajudará o governo local a modelar os seus
programas, estabelecendo melhores mecanismos para a efetividade dos seus gastos. Percebe­se
que a introdução de auditorias de desempenho diminuirá os custos de transação do sistema,
facilitando a ação da Prefeitura. Vê­se, portanto, que ainda está sendo feito um enorme esforço
conceitual para estabelecer adequado benchmark e desde já vislumbramos o imenso esforço que os
Tribunais de Contas terão para implantar essas metodologias.
Conclusões
Como vimos, não se pode querer aplicar o direito com base em cânones estabelecidos quase
duzentos anos atrás. O princípio da legalidade é, antes de tudo, uma conquista irretorquível, um
princípio basilar do qual se extraem tantos outros, permitindo um controle e uma administração
pública mais racional e profissional. Não por menos, esse princípio foi importante pano de fundo
para o estabelecimento de uma administração burocrática, nos moldes weberianos. Essa
administração e, como corolário, esse controle está baseado no racionalismo, nas rotinas
claramente predefinidas, da codificação (existência de manuais) e da profissionalização. O controle,
com certo retardo, seguiu esse caminho e se profissionalizou para acompanhar o estabelecimento
de uma burocracia profissional e moderna.
É bom que se diga que com o advento da Emenda Constitucional nº 19 e todo o processo de
reforma do Estado que daí adveio, uma tendência de estabelecimento de uma administração
gerencial, voltada para o cidadão e focada em resultados e não mais em rotinas passou a ser a
tônica. Essa nova Administração está calcada em parâmetros de eficiência, produtividade,
responsividade, accountability e cidadania. Nesse caso, há de se inquirir se o aparado de controle
está apto para compreender, processar as mudanças e agir dentro desse novo ambiente
institucional.
Assim, nesse novo contexto, o estrito legalismo, fruto de herança continental, sobretudo ibérica,
perde força e deve abrir espaço para uma análise mais aprofundada, visando à eficiência. O
controle não pode continuar voltado para o passado atado a duas amarras: o legalismo e a
burocracia. Dessa forma, quando diante de desafios, reage simplesmente com produção normativa
que é a solução burocrática clássica para resolver problemas. Quanto mais legislação e intrincadas
regras processualísticas, mais se abre espaço para comportamentos rent seeking e imensos custos
de transação.
Transitar para um modelo de administração eficiente sem um correlato avanço do controleseria
uma vitória de Pirro. Assim, os desafios são imensos e os Tribunais de Contas, gestados em um
ambiente conservador, muito custaram a sequer perceber que estávamos em um Estado
burocrático e não patrimonialista. Agora, continuam padecendo de uma lentidão crônica, tendo
enormes dificuldades de apreender e aprender as regras de uma administração gerencial e
eficiente. Há pouca, ou nenhuma, preocupação com a eficiência econômica das decisões e a
necessidade de reformas torna­se imperiosa para que as instituições de controle possam adequar­
se aos imensos desafios do século XXI.
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Belo Horizonte,  ano 6,  n. 23,  out. / dez.  2008 
 
 
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Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
NÓBREGA, Marcos. O controle do gasto público pelos tribunais de contas e o princípio da
legalidade: uma visão crítica. Revista Brasileira de Direito Público ­ RBDP, Belo Horizonte, ano 6, n.
2 3 ,   o u t . / d e z .   2 0 0 8 .  Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?
pdiCntd=56093>. Acesso em: 29 jun. 2015.
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Empresas estatais e o controle pelos Tribunais de Contas
Alexandre Santos de Aragão
 
Empresas estatais. Tribunais de Contas. Fiscalização. Controles externos.1 Introdução ­ 2 Os
contratos voltados às atividades­fim das estatais ­ 3 A fiscalização sobre as empresas privadas
contratadas pelas estatais 4 A perspectiva consequencialista e os princípios constitucionais
aplicáveis ­ 4.1 Princípio da proporcionalidade ­ 4.2 Princípio da eficiência ­ 4.3 Princípio da
economicidade ­ 5 Conclusões
1 Introdução
O Direito procura elaborar classificações e conceitos para sistematizar o seu estudo, para organizar
um plexo indeterminável de casos e situações concretas. Se, por um lado, não podemos perder de
vista que esse esforço metodológico atende a uma legítima necessidade pedagógica de organização
dos institutos, por outro, não podemos perder de vista que, sobretudo na pós­modernidade1 em
que vivemos, os conceitos e classificações (com as suas conseqüentes disciplinas) estanques
constituem apenas uma tentativa vã de apreender uma realidade fluida e multifacetária, que a
todo momento demanda tratamentos específicos para dar conta das suas peculiaridades à luz dos
valores maiores contemplados na Constituição, em primeiro lugar, e, também, nas legislações
setoriais.
É inegável o papel dos conceitos jurídicos, naturezas jurídicas e classificações2  p a r a   a
sistematização da ciência jurídica, principalmente para fins didáticos. Essa importância não deve,
contudo, ser superdimensionada, havendo de se ter consciência dos seus limites diante da
realidade multifacetária e dinâmica que pretendem, em uma contínua tentativa, organizar, 3
sempre a partir do direito posto pelo legislador.4
Robinson denuncia que "as cansativas pesquisas dos juristas para `descobrir' a natureza jurídica
de determinada instituição ou relação estão de antemão irremediavelmente fadadas ao fracasso. A
explicação para que, apesar de tudo isto, continuar­se tentando elaborar conceitos, classificações e
naturezas jurídicas, é, entre outras, o desejo de se achar um ponto de partida fixo e seguro para a
posterior tarefa de classificação e sistematização. Além disso, há o desejo de equiparar as
instituições de surgimento recente às de outras linhagens mais ilustres, atenuando dessa maneira
o choque da novidade mediante sua absorção por um mundo familiar de idéias já elaboradas".5
Ensina Genaro R. Carrió que "não podemos ter a falsa segurança de que os tecnicismos da
linguagem jurídica podem enquadrar todos os casos. A experiência diária dos tribunais e, em geral,
o contato profissional com o Direito, nos mostram que essa segurança é quimérica. (...) Não há
como deixarmos de tropeçar com a imprecisão e a relatividade dos conceitos jurídicos, pois existem
numerosas zonas de transição, nas quais o jurista deve estar atento para não cair na tentação de
uma perigosa geometria jurídica".6
A teoria dos princípios se soma a essas necessidades práticas para tornar cada vez mais concreta
interpretação do Direito Administrativo, em uma evidente aproximação do nosso sistema ao da
common law,7 já que, como hoje já é de conhecimento comum, a ponderação e aplicação dos
princípios só pode ser definida diante dos casos concretos, variando a solução final de acordo com
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as características de cada um.8
É justamente à luz desses paradigmas teóricos que pretendemos fazer uma releitura de algumas
linhas a respeito das extensões horizontais (tipos de atos e contratos controláveis) e verticais (com
que profundidade os atos sujeitos a controle podem ser censurados) dos controles pelos Tribunais
de Contas das sociedades de economia mista e empresas públicas, atuando elas ou não em
concorrência com a iniciativa privada.
Pretendemos demonstrar que não existe apenas uma espécie de controle dos Tribunais de Contas
sobre as empresas estatais. O conteúdo desse controle varia de acordo com as situações concretas
que podem ocorrer, possuindo, portanto, diversos possíveis matizes. Procuramos identificar alguns
deles.
2 Os contratos voltados às atividades­fim das estatais
Em 04 de junho de 1998 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 19, conferindo nova redação
ao §1º do art. 173 da Constituição, de forma a reforçar a sujeição das empresas públicas e
sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas, assegurando­lhes
igualdade de condições, inclusive no que diz respeito às suas contratações,9 desde que respeitados
os princípios gerais da administração pública, isto é, a legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (art. 37, caput, CF).
Referido dispositivo constitucional é corolário do princípio constitucional da isonomia,10 vedando o
estabelecimento de quaisquer distinções, sejam elas favoráveisàs empresas estatais ou não.
Nesse sentido, esclarece Marçal Justen Filho que "a competição com o setor privado deve fazer­se
em igualdade de condições. Se não se admitem vantagens ou benefícios, também não se podem
admitir regras mais desvantajosas do que as praticadas no âmbito privado".
Do mesmo modo, José Eduardo Martins Cardoso ensina que também "haverá de ser ofensivo à
nossa Lei Maior o estabelecimento de quaisquer deveres ou ônus de atuação que impeçam sua
atuação no mercado nos moldes em que uma empresa privada o faria. Deverão sempre atuar em
pé de igualdade, vedados privilégios e o estabelecimento de ônus de qualquer natureza que
impliquem formas de desigualdade jurídica de tratamento ao longo de suas respectivas atuações no
campo econômico."11
Assim, entender de forma diferente é desatender "à ratio da norma constitucional que determina a
igualdade de tratamento, sob regime privado, entre as duas diferentes espécies de empresa."12
Também nesse sentido, Floriano de Azevedo Marques Neto aduz que "a interface entre os entes
estatais exploradores de atividades econômicas pelo prisma de competição (empresas estatais e
suas concorrentes privadas) deve se dar em condições de ampla e justa competição, sendo vedada
qualquer regra legal que ofereça privilégio ou, ao contrário, estabeleça restrições à atuação do
ente estatal".13
Nguyen Quoc Vinh14 sustenta que é imprescindível conferir autonomia à empresa pública, do que
decorre que os controles sobre elas exercidos devem ser mais brandos. Nas suas palavras "os
controles exercidos sobre a empresa pública devem salvaguardar a necessária autonomia destas
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últimas. Com efeito, muito embora dependam do Poder Público, a empresa pública não merece ser
denominada de empresa a não ser que possua uma vida própria e persiga livremente o seu
objeto". E acresce o autor: "o movimento em favor da autonomia reforçada das empresas públicas
se explica notadamente por considerações conjunturais, pelo desejo de assimilar a empresa pública
a uma empresa privada (...) O reforço da autonomia da empresa pública deverá ser acompanhado
de um abandono progressivo das regras derrogatórias do direito privado".
E aqui, devemos esclarecer: ainda que exploradora de atividade econômica lato sensu consistente
em serviço público,15 eventualmente sem concorrentes privados, se aplica o art. 173 da CF, já
que, se não fosse para se valer dos meios mais ágeis da iniciativa privada, não haveria por que o
Legislador transferir aquela atividade para uma empresa do Estado. Poderia tê­la deixado na
Administração Direta ou entregue a uma simples autarquia. Essa é a mesma lógica que faz com
que, por exemplo, o pessoal das estatais sejam regidos pela CLT, sejam elas prestadoras de
serviços públicos econômicos ou de atividades econômicas stricto sensu.
Também nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que "o Poder Público, invejando a
eficiência das sociedades comerciais, tomou de empréstimo os figurinos do direito privado e passou
a adotar­lhe os processos de ação, constituindo pessoas modeladas à semelhança delas para
prestação dos mais variados serviços. Quer para a prestação de serviços públicos propriamente
ditos, quer para o desempenho de atividades de exploração econômica em setores onde se fazia
necessária sua atuação supletiva ou, até mesmo, monopolística, o Estado acolheu o sistema próprio
do direito privado, pela natureza peculiar da atividade que, por assim dizer, não se compatibiliza
com outro meio de ação".16
Essa necessidade de conferir às empresas estatais igualdade de condições de competição no
mercado pressupõe o tratamento especial de suas atividades em comparação ao tratamento
conferido aos demais órgãos e entidades da Administração Pública.
Assim é que, por exemplo, no que concerne ao seu regime licitatório, prevê a Constituição Federal
(art. 173, §1º, III) que a lei que estabelecer o seu estatuto jurídico poderá prever um sistema
licitatório especial, diverso daquele previsto na Lei nº 8.666/93. Isso porque, como explica Gustavo
Binenbojm:17
A verdade é que a aplicação da Lei 8666/93 às empresas estatais exploradoras de
atividade econômicas sempre se revelou problemática na prática, seja pela excessiva
lentidão e onerosidade de seus ritos, como pela baixa economicidade de seus
resultados. Inseridas, muitas vezes, em ambientes de livre concorrência, a Lei de
Licitações sempre representou um ingrediente importante da baixa competitividade
das estatais brasileiras vis­à­vis de empresas privadas libertas dos mesmos entraves
burocráticos.
Adicionalmente, a doutrina18 ainda defende que as empresas estatais não estão submetidas ao
dever de licitar quando no exercício das suas "atividades­fim",19 também como decorrência da
garantia de igualdade de condições de competitividade. Afinal, tais empresas podem ter que
disputar mercado com suas concorrentes privadas e, se tivessem que licitar obrigatoriamente,
seriam prejudicadas pelo tempo necessário e pelos custos a maior que lhe seriam impostos.20
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Por essas razões, Marçal Justen Filho afirma que "não seria imaginável impor obrigatoriedade de
licitação como requisito para exercício pela entidade de contratos que constituam o núcleo de seu
objeto. (...) A diferença entre atividade­fim e atividade meio está na vinculação do contrato com o
objetivo cujo desenvolvimento constitui a razão de ser da entidade. A atividade fim é aquela para a
qual se vocaciona a sociedade de economia mista ou empresa publica."21
Nesse ponto, há a jurisprudência do Tribunal de Contas no sentido de que as estatais exploradoras
de atividade econômica, nas contratações diretamente relacionadas à sua atividade fim, não devem
observar a Lei nº 8.666/93.22
Há inúmeros julgados nesse sentido,23 porém, cita­se como exemplo o Acórdão nº 624/2003, que
em julgamento das contratações de seguros efetuadas pelo Banco do Brasil, considerou que "restou
demonstrado que a contratação dos seguros ora tratados consubstancia­se em atividade
eminentemente financeira, coincidindo com a atividade­fim do Banco do Brasil, tornando, portanto,
não­obrigatória a realização de procedimento licitatório sob a regência da Lei 8.666/93 nessas
contratações".
O mesmo Tribunal, no Acórdão nº 121/1998, entendeu que não estava obrigada a Petrobras
Distribuidora ­ BR a realizar processo licitatório para as contratações de transportes que sejam
atividade­fim da empresa, permanecendo esta obrigatoriedade tão somente para as atividades­
meio. Nos termos do voto do Relator, o Ministro Iram Saraiva:
(...) Como acima enunciado, a Constituição Federal de 1988 (original), em seu Art.
37, inciso XXI, estabelece uma regra geral, aplicável inicialmente a todas as
empresas estatais. Por outro lado, o art. 173 separa uma espécie de empresa
estatal, a que explora atividade econômica. Desta vez, para dizer que apenas esta
pode e deve reger­se pelas mesmas normas aplicáveis às empresas privadas. (...)
Vale ainda lembrar que as empresas estatais, especialmente as constituídas sob a
forma de sociedade anônima, estão presas a um dever de eficiência, segundo dispõe
a Lei das Sociedades Anônimas nº 6.404/76: "Art. 153 ­ O administrador da
companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que
todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios
negócios. "Art. 238 ­ A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista
tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117),
mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atenderao interesse
público que justificou a sua criação". (...) Esta constatação tornou­se mais clara com
o advento da Lei 9.478/97, que consolidou o acirramento da concorrência no setor
em que a BR atua, constituindo fato novo a corroborar a necessidade da empresa
atuar com agilidade e competitividade no mercado, como forma de preservar o
patrimônio que a constitui. 23. Neste sentido cumpre destacar que por força do
"caput" e parágrafos do artigo 61 da lei que instituiu a ANP ­ Agência Nacional do
Petróleo, a Petrobras e suas subsidiárias, dentre elas a BR, quando desenvolverem
atividade econômica relativa à pesquisa, à lavra, à refinação, ao processamento, ao
comércio e ao transporte de petróleo e de seus derivados, de gás natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos, bem como de quaisquer outras atividades correlatas ou
afins, devem atuar em caráter de livre competição com outras empresas, em função
de condições de mercado. (...) Por isto, viável a contratação direta de bens, serviços
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e produtos atinentes à atividade­fim da BR, ou seja, aqueles decorrentes de
procedimentos usuais do mercado em que atua e indispensáveis ao desenvolvimento
de sua atividade normal, dentre eles, o transporte dos produtos por ela distribuídos.
(...) para poder concorrer, em igualdade de condições com as outras empresas
privadas distribuidoras de derivados de petróleo (atividade não monopolizada), a
Petrobrás Distribuidora S/A ­ BR precisa ter liberdade de contratação, para bem
negociar os contratos de transporte. Sem isso, ela não tem como manter­se. (...)
Isso é o que deflui da interpretação sistemática da Constituição Federal. O art. 37
efetivamente estabelece uma obrigatoriedade geral de licitar, para todas as
entidades da administração indireta ou descentralizada, sem exceção. Lido
isoladamente, fora de seu contexto, essa é a interpretação dele decorrente. Mas
nenhuma disposição normativa tem vida fora do contexto em que está
necessariamente inserida. O universo normativo não é um amontoado caótico de
prescrições, mas, sim, um sistema, organizado, articulado e hierarquizado, no qual
as contratações são apenas aparentes. Interpretado sistematicamente, em conjunto
com o disposto no art. 173 (...) o art. 37 apenas estabelece uma regra geral, que,
entretanto, não é absoluta, pois encontra exceção exatamente na disciplina jurídica
constitucionalmente estabelecida para as empresas estatais exploradoras da
atividade econômica, as quais devem atuar em regime de competição, ao lado dos
particulares, em relação aos quais não pode ter nem privilégios nem desvantagens,
salvo aqueles decorrentes dos fins sociais que determinam sua criação. (...)
Portanto, a liberdade de contratação de serviços de transporte, como parte essencial
da atividade de distribuição, que é a atividade­fim por excelência dessa empresa,
nunca foi ilícita. Aliás, o direito nunca foi incompatível com o simples bom­senso.
Atualmente, a licitude dessa conduta ficou ainda mais acentuada. Com efeito, após a
promulgação da Emenda Constitucional nº 19 (Reforma Administrativa), que
introduziu na Administração Pública um modelo gerencial, no qual o controle dos
processos administrativos passa a ser substituído pelo controle de resultados, a
liberdade de contratação pelas empresas estatais exploradoras de atividade
econômica foi ainda mais acentuada. O §1º, do art. 173, afirma, textualmente, que
essas empresas devem reger­se, em seus direitos e obrigações comerciais, pelas
mesmas normas aplicáveis às empresas privadas e, no tocante aos procedimentos
licitatórios, permite a edição de regulamentos próprios, sempre com observância dos
princípios da administração pública. Essa liberdade foi compensada por mecanismos
mais adequados de controle [em observância, acrescemos, ao princípio da
proporcionalidade], como é o caso da criação das agências reguladoras.24
Tal entendimento vem sendo reafirmado pelo Tribunal de Contas da União em decisões recentes,
como no voto do Exmo. Ministro Relator Ubiratan Aguiar, que ressaltou que "não se aplica a Lei nº
8.666/93 à atividade fim das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que os
trâmites inerentes a esse procedimento constituam `óbice intransponível à atividade negocial da
empresa, que atua em mercado onde exista concorrência'".25
Além do regime específico de contratações, outros instrumentos também são utilizados para
garantir às empresas estatais igualdade de condições de atuação no mercado. Como afirma José
Leal,26 "tal expediente dar às sociedades de economia mista a natureza jurídica de direito privado
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cumpre diversos objetivos. Dentre eles o acima mencionado, de dar­lhes uma estrutura
administrativa análoga à das empresas privadas com as quais irá concorrer. Um outro objetivo é
gerir os seus recursos humanos dentro de regras de mercado, isto é, sua mão­de­obra é submetida
ao regime da CLT e não estatutário, os salários são os de mercado, a progressão não se sujeita às
regras de provimento de cargos públicos".
Assim, a doutrina destaca que, por exemplo, delas não se exige obediência ao princípio da reserva
legal para a criação de empregos públicos, nem para a definição do escopo e condições de exercício
dos serviços a serem prestados:
Realmente, se as empresas estatais exploradoras de atividade econômica
dependessem de prévio processo legislativo para a criação de seus respectivos
empregos, restaria seriamente comprometida a sua atuação em igualdade de
condições com a iniciativa privada, que conta com instrumentos flexíveis para a
implementação de novos vínculos trabalhistas. Se é assim para a criação de
empregos, com mais razão o mesmo procedimento deve ser aplicado no tocante à
estipulação das condições e dos requisitos prévios de admissão dos empregados,
além daqueles previstos na Consolidação das Leis do Trabalho e nas leis de regência
das estatais, a serem exigidos por ocasião da contratação ou no ato de inscrição do
respectivo concurso público ou de determinada fase procedimental do certame
(...).27
Vemos, portanto, que a natureza das pessoas privadas da Administração Indireta acarreta uma
série de derrogações nas restrições e controles a elas aplicadas. Pela mesma ratio, qual seja, a
agilidade, flexibilidade, eficiência e competitividade das empresas estatais também o regime de
fiscalização incidente sobre as atividades­fins dessas entidades deve ser diferenciado, para não
comprometer a sua competitividade e eficiência de atuação no mercado28 e, sobretudo, para não
comprometer a sua independência negocial.
O que ora se defende possui supedâneo também no inciso I, §1º, do art. 173 da Constituição
Federal, o qual dispõe que o estatuto jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia
mista deverá dispor acerca das "formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade sobre elas
incidente".
Ou seja, a própria Constituição Federal prevê a necessidade de as empresas públicas e sociedades
de economia mista, considerando a sua natureza empresarial e finalidade econômica, não serem
submetidas ao mesmo tipo e grau de controle externo a que são expostos os demais órgãos e
entidades da Administração Pública, tendo em vista justamente o possível comprometimento da
competitividade, eficiência e agilidade da atuação dessas empresas no mercado.
Nessa linha, Ricardo Lobo Torres aduz que, "em se tratando de entidade da administração indireta
com personalidade jurídica de direito privado, o controle é genérico e global, com o objetivo
precípuo de evitar a ilegalidade das ações das estatais, mas sem lhes prejudicar o funcionamentosegundo os métodos das empresas privadas".29
Há quem defenda, o que, podemos adiantar, não é a nossa posição, que não se aplica qualquer
controle do Tribunal de Contas sobre as empresas estatais que exploram atividades econômicas em
sentido estrito. Toshio Mukai, nesse sentido, aduz que tais empresas não estão submetidas ao
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controle referido no artigo 70 da Constituição Federal, o que não impede, todavia, que "o legislador
ou a autoridade administrativa [aliás como prevê o §3º do art. 173] as submeta a um controle
financeiro de ordem diversa, próprio para a atividade empresarial econômica, com o grau de
flexibilidade que ela requer".30
Muito embora não concordemos integralmente com o autor, já que nos parece incidir sim o
controle previsto no art. 70 da Carta Maior sobre as estatais, com ele concordamos sobre o fato de
que os controles sobre ela incidentes devem ser compatíveis com as atividades por ela exercidas e,
por isso, não podem incidir da mesma forma que sobre as demais entidades e órgãos da
Administração Pública.
É imprescindível que essas empresas tenham liberdade negocial, liberdade para assumir riscos e
para realizar negócios que, a princípio, podem não parecer, sob a ótica dos Tribunais de Contas, os
mais econômicos, mas que se fundamentam pela elevada especialização e know how dos dirigentes
e demais agentes da empresa, sobretudo em um mercado tão específico.
Gaspar Ariño Ortiz,31 em estudo sobre o setor empresarial público na Espanha, explica que "a
empresa pública não deve ter regulações especiais em relação à privada. (...) o estatuto da
empresa pública tem que estabelecer, no referente ao funcionamento interno das empresas,  as
mínimas diferenças entre as públicas e as privadas, e deve partir de um conceito de empresa
pública que esteja regido por princípios de rentabilidade e eficácia, ou seja, que persiga o benefício".
O autor defende que a falta de êxito das empresas públicas espanholas decorre, em grande parte,
do fato de que "não se tem conseguido liberar as empresas do asfixiante controle e dependência
estatal (isto é, dar­lhe a liberdade de que gozam as privadas)". Por fim, o autor conclui que "a
empresa pública tal como a conhecemos hoje, nesse molde que mescla o direito e procedimentos
públicos e privados, está facilmente condenada ao fracasso (...)".32
Daí exsurge que o tratamento constitucional e legal das empresas estatais deve ser, ao máximo
possível, semelhante àquele dispensado às empresas privadas, sobretudo no que tange ao controle
sobre elas exercido e ao grau de dependência ao Poder Executivo central, sob pena de serem as
mesmas fadadas ao insucesso.
Alfredo De Almeida Paiva33 pondera que afastar as empresas estatais "da técnica das empresas
privadas e de suas características de independência de ação e conseqüente liberdade
administrativa" fará com que elas deixem de ser "os instrumentos simples, flexíveis e eficientes,
correndo o risco de falharem em suas finalidades". Nesse sentido, Oscar Saraiva também afirmava
que "as entidades autárquicas envelheceram precocemente em decorrência das influências
centralizadoras de padronização, uniformização e controle, tornando em muitos casos sua
administração quase tão rígida quanto a do Estado".34
Nas palavras de Cotrim Neto, o "valor peculiar" das empresas estatais reside na "liberdade de
operação, na f lexibi l idade, na ef ic iência para os negócios, e na oportunidade para
experimentações", ou, conforme White, na possibilidade de "levantar fundos, maleabilidade nas
despesas com a libertação dos controles orçamentários estatais, afastamento das normas e
estatutos oficiais para a administração do pessoal, para a realização de contratos, o uso das
propriedades, as práticas contábeis".35
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Também Hely Lopes Meirelles afirma que "embora paraestatal, a sociedade de economia mista
ostenta estrutura e funcionamento da empresa particular, porque isto consiste, precisamente, a
sua própria razão de ser. Nem se compreenderia que se burocratizasse tal sociedade a ponto de
emperrar­lhe os movimentos e flexibilidade mercantil, com os métodos das estatais. O que se visa,
com essa organização mista, é, no dizer de Ascareli, `utilizar­se da agilidade dos instrumentos de
técnica jurídica elaborados pelo direito privado'".
Lafayette Ponde36 externou que "seria burocratizar as sociedades de economia mista e diminuir a
sua própria finalidade, se nós tivéssemos de forçá­las aos mesmos processos de controle das
entidades autárquicas (...) desejo declarar ao plenário que exclua as sociedades de economia mista
do controle financeiro dos Tribunais de Contas, para que elas não percam sua função normal, nem
deixem de atuar, amplamente, no campo do direito privado, com a mesma flexibilidade das
sociedades anônimas."
No direito comparado, acerca do controle dos enti pubblici economici, empresas italianas
equivalentes às empresas públicas brasileiras, Giuseppino Treves enuncia ser necessário "liberar­
se de todo estorvo burocrático e obter uma maior eficiência no exercício de uma empresa,
mediante a adoção completa das formas organizacionais do direito privado".37
Aplica­se às estatais a idéia de que, assim como já defendido com relação às agências reguladoras,
que elas "somente terão condições de desempenhar adequadamente o seu papel se ficarem
preservadas de ingerências externas indevidas, tanto no que diz respeito às suas deci sões político­
administrativas quanto à sua capacidade financeira. (...) No desempenho de tais atribuições, (...)
têm de ver preservado o seu espaço de legítima discricionariedade, imune a injunções de qualquer
natureza, sob pena de falharem na sua missão (...). A ingerência indevida e não importa, aqui, se
movida pelos interesses mais elevados deve ser rejeitada de modo sumário".38
Nesse sentido, importante "é a autonomia de atuação no que respeita às suas atividades
finalísticas, sobre a qual não há qualquer interferência do Poder Público. Elas têm plena liberdade
de atuação, submetendo­se aos riscos de mercado, sem que lhes seja cobrado qualquer resultado,
além daqueles que são estabelecidos pelos mecanismos de gerenciamento interno, correntes nas
empresas privadas".39
Além do problema atinente ao comprometimento da independência decisória e negocial, decorrente
do receio de futuras penalizações, outro problema decorrente da sujeição dessas empresas ao
controle externo clássico incidente sobre os demais órgãos e entidades públicas diz respeito ao
inexorável aumento dos seus gastos.
A esse respeito, Odete Medauar40 adverte que o acréscimo de exigências e o excesso de
fiscalização sobre essas entidades importam em maiores gastos e, consequentemente, perda de
competitividade. Fazendo referência a um artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, de
18.05.86, a autora defende que "outro problema que contribui para o inchamento das despesas das
estatais, criando o que se denominou `gordura administrativa', é a necessidade que alguns desses
órgãos apresentam de criar novos departamentos para atender aos controles de prestação de
contas".
Não se coaduna, portanto, com esse novo ambiente empresarial público, que a estatal esteja
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sujeita a procedimentos de fiscalização custosos e demorados no que toca às suas atividades­fim,
inclusive enquanto suas eventuais concorrentes a nada disso se sujeitam. Conforme se verá nos
tópicos seguintes, se a finalidade principaldo controle exercido pelo TCU é a garantia da
economicidade das atuações dos agentes públicos, no caso específico das atividades­fim das
estatais, esse controle não faz sentido, já que acarreta justamente o inverso: a criação de gastos
desnecessários, custos não suportados pelas contratadas de outras empresas e, sobretudo, perda
de receita pela estatal por ter que remunerar riscos e despesas que as outras empresas não têm.
Um terceiro problema diz respeito à necessidade de manutenção do sigilo quanto às atividades­fim
dessas empresas. Também por esse motivo o controle do Tribunal de Contas da União sobre as
atividades­fins das empresas estatais viola o direito dessas empresas à igualdade de condições de
competição. Outras empresas mantêm os seus dados estratégicos em sigilo e, por isso, têm
melhores condições de competir no mercado.
Daí ser essencial que, se por um lado, os controles externos das estatais não devem ser afastados
tout court, devem ser exercidos compativelmente com a necessidade de garantir a igualdade de
condições para a sua atuação no mercado, permitindo­lhes agir com a maior eficiência possível.
Uma forma essencial de compatibilização é justamente a vedação do controle sobre as atividades­
fim dessas entidades.
Esse entendimento já foi confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça ao decidir o Recurso em
Mandado de Segurança nº 17.949/DF:
MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
EXPLORADORA DE ATIVIDADE ECONÔMICA. FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE
CONTAS. FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES. SIGILO BANCÁRIO. CONTRATO
ADMINISTRATIVO. OPERAÇÕES COMERCIAIS.
1. Não configura violação de sigilo bancário a intervenção dos Tribunais de Contas
visando aferir a regularidade de contratos administrativos formalizados no âmbito
das instituições financeiras exploradoras de atividade econômica.
2 .  Em se tratando de sociedades de economia mista ou de empresas públicas
referidas no art. 173 da Constituição Federal, a fiscalização dos Tribunais de Contas
não poderá abranger as atividades econômicas das instituições, ou seja, os atos
realizados com vistas ao atingimento de seus objetivos comerciais.
3. Recurso ordinário parcialmente provido.41
Não se defende aqui de forma alguma o afastamento do controle, genericamente considerado, do
Tribunal de Contas da União sobre as estatais, mas tão­somente a sua compatibilização com os
princípios constitucionais que regem a presença estatal da economia. E tal controle, como visto, é
incompatível com a independência, agilidade e eficiência necessárias à realização das atividades­
fins dessas empresas.
3 A fiscalização sobre as empresas privadas contratadas pelas estatais
As competências institucionais dos Tribunais de Contas possuem sede constitucional nos arts. 70 e
71 da Carta Maior. A fiscalização por ele exercida, conforme expõe Hely Lopes Meirelles, "se refere
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fundamentalmente à prestação de contas de todo aquele que administra bens, valores ou dinheiros
públicos".42
O art. 70 da Constituição Federal define o âmbito do controle externo exercido pelo Congresso
Nacional sobre a Administração Pública:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
É inegável que a Constituição atual sobretudo com a redação dada pela EC/1943 ­ alargou
consideravelmente a atividade fiscalizatória externa, ampliando o controle a todos aqueles que
venham a deter recursos públicos, independente de sua natureza pública ou privada.
Entretanto, essa nova abrangente configuração não pode afastar­se das pautas constitucionais.
Como se vê, muito embora a própria Constituição estabeleça a possibilidade de controle sobre
empresas privadas, certo é que esse controle só se torna possível, logicamente, quando a empresa,
nos termos do art. 70 da Carta Maior, utiliza, arrecada, guarda, gerencia ou administra dinheiros
ou bens públicos.
Isso porque o foco do controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União reside no
controle da Administração Pública, abarcando entidades privadas apenas quando atuam como
administradores de bens ou verbas públicas. Nas precisas palavras de Egon Bockmann Moreira,44
"a Corte de Contas aprecia e julga as contas públicas", sendo este o objeto primordial do seu
controle.
Empresas privadas contratadas pelas estatais não administram bens, valores ou dinheiros públicos,
sendo incabível a fiscalização dos Tribunais de Contas sobre as suas contas.
Também não "utilizam" recursos públicos. Em primeiro lugar porque, de acordo com as observações
de Toshio Mukai com relação aos bens das estatais, "ainda que originariamente o bem (de capital,
ou de patrimônio, ou de qualquer outra classificação) questionado tivesse sido do Estado, deste ele
se desintegrou, foi desafetado da condição de bem público, (...); nessas condições, tendo deixado
de estar in publicum relicta, e havendo padecido a remoção da expublicatto, o novo regime jurídico
passa a ser o que o Código Civil defere à propriedade privada."45 Isto é, os bens das estatais
sequer podem ser considerados públicos.
Além disso, muito embora haja, de fato, uma transferência de valores das estatais para as
empresas privadas por elas contratadas, essa se dá a título de remuneração, paga pela última
como contraprestação por um serviço que lhe foi prestado pela primeira.46
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Nessa hipótese, o recurso transferido perde qualquer característica de afetação  pública47  n o
momento da sua tradição, não havendo mais que se falar em controle do TCU sobre esses recursos,
tendo em vista que não se trata de recursos públicos.
Quando, com efeito, os valores são transferidos ao patrimônio das empresas privadas contratadas,
passam a se caracterizar imediatamente como bens privados, sujeitos à sua própria administração.
A partir dessa perspectiva, torna­se evidente que a utilização de que trata a Constituição Federal,
na verdade, diz respeito àquelas hipóteses em que o repasse de valores públicos não implica a
desafetação da sua finalidade. Ou seja, a fiscalização se aplica aos casos em que os recursos
continuam sendo públicos, pois são utilizados por entes privados para uma finalidade pública.
É o caso, por exemplo, da utilização de recursos públicos através da celebração de convênios ou
contratos de gestão com fundações privadas com vista à real ização de determinado
programa/projeto público. Nessa hipótese, a entidade privada não se remunera com o recurso
público, mas o utiliza  administra para uma finalidade pública, previamente estabelecida em
instrumento contratual, sendo legítima a tomada de contas.48
Além disso, sendo o controle uma espécie de restrição imposta ao direito de livre iniciativa das
empresas privadas, a interpretação deve ser necessariamente restritiva, já que, fora do âmbito de
sua incidência, vige a norma geral pro libertate inerente aos direitos fundamentais.49 Como afirma
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, "no caso dos direitos fundamentais e das normas excepcionais,o
intérprete deve interpretar restritivamente".50
É por isso que Egon Bockmann Moreira,51 ao tratar das entidades submetidas ao controle do
Tribunal de Contas da União, afirma que a atividade desse Tribunal "dirige­se à função
administrativa do Estado em sentido amplo, abrangendo os atos e contratos do Legislativo,
Judiciário, Executivo (Administração Direta e Indireta) e `terceiro setor'".
De fato, apesar de possuírem natureza privada,52 as entidades do terceiro setor caracterizam­se,
essencialmente, por "prestar atividade de interesse público."53
Conforme Tarso Cabral Violin,54 essas entidades são consideradas a "salvação dos problemas
sociais em nosso país, como substituto de uma ação direta do Estado em áreas sociais como
educação, saúde e assistência social".
Daí decorre a necessidade de controle pelo TCU, tendo em vista que tais entidades se utilizam de
bens e recursos públicos, frise­se: para desenvolver atividades de utilidade pública previstas em
contratos de gestão e convênios.55
Marçal Justen Filho, dissertando sobre as organizações sociais,56 estatui que a idéia fundamental é
que tais entidades, embora pessoas jurídicas de direito privado, desempenham funções de
interesse público. Sobre o contrato de gestão, afirma que: "a peculiaridade reside em que o
particular, através do contrato de gestão, atuará em nome próprio, sob regime de Direito Privado,
mas receberá apoio estatal."57
Desta forma, tanto entidades privadas que recebem recursos oriundos de contribuições
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parafiscais58 quanto organizações do terceiro setor que utilizam recursos públicos em benefício de
determinadas metas governamentais são indubitavelmente submetidas ao controle dos Tribunais
de Contas, justamente em virtude de os recursos a ela repassados continuarem sendo públicos,
sendo por elas apenas administrados.
Fica claro, portanto, que a ratio da Constituição e da nova redação dada pela EC/19 é incluir no
alcance fiscalizatório do TCU as entidades do terceiro setor, mas não as contratadas pela
Administração que tão somente se remuneram com o dinheiro público.
Essa constatação se reforça quando utilizamos como parâmetro interpretativo o que dispõe o art.
71 da Constituição Federal.
É cediço que a Constituição não deve ser interpretada por tiras, ou aos pedaços, nem ao modo do
"tudo ou nada", orientado por uma lógica formal subsuntiva59 e cada vez mais desacreditada.60
Como evidencia Eros Roberto Grau, nenhum disposit ivo legal, muito menos de nível
constitucional,61 pode ser interpretado isoladamente, desvinculado do contexto no qual está
inserido.62
Nesse contexto, observa­se da análise o art. 71, §1º, que a própria Constituição confere
tratamento diferenciado para o controle das relações travadas entre a Administração Pública e
empresas privadas, ao dispor não caber ao Tribunal de Contas da União suspender a eficácia dos
contratos da Administração,63 e que tal medida deverá ser "adotada diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis".64
Prevê ainda o mesmo dispositivo que as inspeções e auditorias de competência do Tribunal de
Contas serão realizadas nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
(art. 71 IV, CRFB) e nas  entidades da Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações e
associações instituídas e mantidas pelo Poder Público (art. 71 II, CRFB), não abrangendo aos
contratados da Administração.65
Conforme enunciam Canotilho e Vital Moreira,66 a interpretação constitucional deve ser realizada
de modo a evitar a contradição de suas normas, tendo em vista o princípio da unidade da
Constituição.
A esse respeito, cite­se também a clássica lição de Carlos Maximiliano67 que afirma que: "o Direito
objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular,
sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora
fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem
corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de
modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos. Cada preceito,
portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para
o caso em apreço. Confronta­se a prescrição positiva com outra de que proveio, ou que da mesma
dimanaram; verifica­se que o nexo entre a regra e a exceção, entre o geral e o particular, e deste
modo se obtém esclarecimentos preciosos. O preceito, assim submetido a exame, longe de perder a
própria individualidade, adquire realce maior, talvez inesperado. Com esse trabalho de síntese é
melhor compreendido. O hermeneuta eleva o olhar, dos casos especiais para os princípios
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dirigentes a que eles se acham submetidos; indaga se, obedecendo a uma, não viola outra; inquire
das conseqüências possíveis de cada exegese isolada. Assim, contemplados do alto os fenômenos
jurídicos, melhor se verifica o sentido de cada vocabulário, bem como se um dispositivo deve ser
tomado na acepção ampla, ou na estrita, como preceito comum, ou especial. Já se não admitia em
Roma que o juiz decidisse tendo em mira apenas uma parte da lei; cumpria examinar a norma em
conjunto: incivile est, nisi tota lege perspecta, una aliqua particula ejus proposita, judicare, vel
respondere "é contra Direito julgar ou emitir parecer, tendo diante dos olhos, ao invés da lei em
conjunto, só uma parte da mesma".
Por todas essas razões, ao se realizar a atividade hermenêutica, deve­se proceder a uma
interpretação sistemática, que, como bem ensinou Juarez Freitas, consiste em "atribuir a melhor
significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos,
hierarquizando­os num todo aberto, fixando­lhes o alcance e superando antinomias, a partir da
conformação teológica, tendo em vista solucionar os casos concretos".68
Toshio Mukai também alerta para a necessidade de interpretar o art. 70 da Constituição "dentro de
um contexto doutrinário, e não em função de um enfoque comum, leigo e sem maiores reflexões
científicas."69
Resguarda­se desta forma a boa hermenêutica, ao atribuir sentido sistemático aos art. 71 incisos II
e IV e §1º da CRFB, de forma a excluir as entidades contratadas pela Administração do controle
pelo TCU.
Esse é o entendimento de Edgard Camargo Rodrigues, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
de São Paulo:
É precisa e exaustiva a descrição de quem são as pessoas sujeitas às ações do controle externo,
enumeração que se limita a agentes do poder público ou equiparados. Não têm por isso, os
Tribunais de Contas poder e influência ou, se permitido o termo, jurisdição sobre particulares, salvo
quando estes detenham ou administrem bens, direitos ou verbas públicas, limitada a atuação do
Tribunal à fiscalização do manejo desses bens ou direitos.70
Prossegue o autor, ressaltando que " ainda que em alguns casos ações de particulares possam ser
objeto de verificação e apreciação porque refletindo no ato administrativo, o que se julgam são as
prestações de contas dos responsáveis pela produção do ato de despesa. As atitudes de terceiros
que possam merecer censura escapam ao poder de julgamento, mas são comunicadas às
autoridades competentes ou ao Ministério Público para as providências adequadas."71
Adiante, complementa que "ganha a regra especial relevo quando se cuida dos contratos
administrativos, atos jurídicos que envolvem, necessariamente, a participação do agente público e
de pessoa estranhaà Administração, insuscetível esta última de submissão ao que venha a ser
decidido. No exercício da competência para exame dos contratos, convênios ou atos jurídicos
análogos, decorrência necessária do art. 71 da Constituição Federal e previsão expressa do art.
173 da Lei de licitações e Contratos Administrativos, as determinações e decisões do Tribunal de
Contas permanecem circunscritas aos agentes da Administração, ainda que cuidando de relação
jurídica complexa com envolvimento de terceiros. Mesmo configurada ou caracterizada prática ilegal
por parte do contratado, não tem o Tribunal capacidade de submetê­lo a qualquer forma de
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investigação ou de requisição de informações ou documentos, embora, como decorrência do
princípio da ampla defesa nos processos administrativos, possa o particular participar do feito como
terceiro interessado, inclusive com apresentação de recursos".72
Também Marcos Juruena Vilella Souto73 entende que não pode haver fiscalização sobre as
contratadas da Administração Pública, já que o Tribunal de Contas não pode intervir no domínio
econômico. Nas palavras do autor "a auditoria de competência do Tribunal de Contas é apenas nas
unidades administrativas (CF, artigo 71, IV) e nas entidades da Administração Pública (CF, artigo
71, II). (...) Quanto ao mais, vale o direito constitucional da inviolabilidade de dados, excetuado,
na forma da lei, para investigação criminal ou instrução processual penal (CF, artigo 5º, XIII).
Enfim, o controle externo da Administração não poderia resultar em devassa na contabilidade dos
contratados (...). O Tribunal de Contas não é órgão de atuação em matéria de poder de polícia".
Não há que se falar, portanto, em fiscalização de empresas privadas contratadas por estatais,
sendo­lhe, contudo, facultado participar do processo, em virtude do devido processo legal,
considerando os reflexos deletérios que os juízos formados possam vir a ter em outras instâncias
de controle, sobretudo no Poder Judiciário, por provocação do Ministério Público ou de outro
legitimado.
4 A perspectiva consequencialista e os princípios constitucionais aplicáveis
Em tempos de globalização e internacionalização das fases da cadeia produtiva, cada vez mais
"abre­se espaço para a incursão da teoria econômica na teoria jurídica. Cria­se, de fato, um
ambiente propício à transposição de critérios, categorias e classificações econômicas para a teoria
jurídica, na medida em que se reconhece que, funcionalmente, Direito e Economia devem ter o
mesmo destino, delineado pela Ordem Constitucional."74
Nesse novo cenário, a análise econômica do Direito tem ganhado espaço no meio jurídico
brasileiro.75 Nesse sentido, Armando Castelar Pinheiro ensina que "o Direito e a Economia, ao
diluírem suas diferenças, tornam­se essenciais um para o outro."76
Não se trata propriamente de uma sobrepujança da Economia sobre o Direito, mas sim de uma
inevitável em razão do aumento do poder efetivo dos capitais globalizados valorização do elemento
econômico na interpretação jurídica, elemento este que não era muito considerado pela
hermenêutica jurídica. Essa valorização revela o aumento da intercomunicação entre o Direito e a
Economia, e a tomada de consciência por parte dos operadores daquele de que, levando em conta
as pautas desta, terão maiores chances de realizar na prática os objetivos jurídicos, evitando
inclusive efeitos colaterais adversos ou, como diria a teoria econômica, externalidades negativas.
Resta inconteste, portanto, que a economia contribui para que o Direito seja percebido numa nova
dimensão, que é extremamente útil na compreensão da formulação de políticas públicas.77
Dentro desse contexto, torna­se mister analisar os eventuais efeitos econômicos e anti­econômicos
da fiscalização do TCU sobre as atividades­fins das estatais e das empresas privadas contratadas
pela Administração Indireta.
É trivial que, em mercados competitivos, as empresas precisam manter baixos custos. Caso
contrário, correm o risco de serem expulsas do mercado por concorrentes mais hábeis.78 Nesse
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contexto, o agente econômico, na busca constante da maximização de seus lucros, responde de
forma racional a estímulos.79 Para ele, a possibilidade de fiscalização do TCU é mais um dos
elementos das relações de custo­benefício com as quais deve lidar diuturnamente na condução dos
seus negócios.
Nesse sentido, de um lado a fiscalização do TCU reduziria a independência das estatais em suas
atividades­fim, já que estas, ao tomar as suas decisões, têm que considerar possíveis
questionamentos desse Tribunal, além de aumentarem os seus custos de gestão e a probabilidade
de vazamento de informações sigilosas. Por outro, as empresas privadas contratadas também
teriam que considerar possíveis custos decorrentes da fiscalização de seus contratos pelo TCU,
decorrentes da mobilização de funcionários e contratação de advogados, por exemplo, além de
possível sustação de atos e contratos administrativos, com a paralisação do repasse de recursos
financeiros.
O natural é que os empresários monetizem o risco criado, repassando para o preço final toda a
previsão de seus custos.80 Assim, o aumento dos riscos em um contrato repercute no preço final do
mesmo. Na economia, todo risco é precificado.
Dito de outra forma, nesses casos o controle do TCU traria o efeito colateral inafastável de onerar
e dificultar a contratação das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, em razão da
intensificação dos riscos do contrato81 e conseqüente encarecimento do preço dos serviços a elas
prestados, gerando­lhe prejuízos, reduzindo sua capacidade de competir com suas eventuais
congêneres privadas e comprometendo o bom desempenho de suas atividades.
Constata­se, com isso, que a atuação do TCU deve levar em conta não somente as conseqüências
da decisão no plano estritamente jurídico, mas também no plano dos fatos, notadamente as suas
repercussões econômicas, que são juridicizadas no conceito amplo de legalidade através,
sobretudo, dos princípios da economicidade e da eficiência,82 que, ao terem sido integrados à
Constituição, a Lei Maior, passaram a também integrar o conceito de legalidade­juridicidade.
A ênfase nessa perspectiva conseqüencialista e pragmática é defendida por Richard Posner, que
alerta para uma concepção "interessada nos fatos e também bem informada sobre a operação,
propriedades e prováveis efeitos de cursos alternativos de ação."83
E esse pensar por conseqüências, essa perspectiva pragmática quanto aos resultados, que também
deve influir e orientar a atividade judicante,84 se torna ainda mais relevante em se considerando
que a finalidade do controle exercido pelo TCU é justamente a proteção do erário e a garantia da
economicidade e eficiência dos atos públicos.85
Isso é, submeter as atividades­fim das estatais e as empresas contratadas pela Administração ao
crivo dos Tribunais pode acarretar efeitos inversos ao almejado, com o desperdício dos recursos
públicos ali alocados e com afronta aos princípios da eficiência,86 proporcionalidade e
economicidade, dos quais trataremos mais detalhadamente a seguir.
4.1 Princípio da proporcionalidade
A submissão das atividades­fim das empresas estatais, e das por elas contratadas para esse
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objetivo, à fiscalização do Tribunal de Contas não seria compatível com o princípio da
proporcionalidade.87
De acordo com Daniel Sarmento,88o princípio visa, em última análise, à contenção do arbítrio e a
moderação do exercício do poder, em favor dos direitos dos particulares, desempenhando "um
papel extremamente relevante no controle de constitucionalidade dos atos do poder público, na
medida em que ele permite de certa forma a penetração no mérito do ato normativo, para aferição
da sua razoabilidade e racionalidade, através da verificação da relação custo­benefício da norma
jurídica, e da análise da adequação entre o seu conteúdo e a finalidade por ela perseguida",
podendo ser dividido em três subprincípios: "(a) da adequação, que exige que as medidas adotadas
tenham aptidão para conduzir aos resultados almejados pelo legislador; (b) da necessidade, que
impõe ao legislador que, entre vários meios aptos ao atingimento de determinados fins, opte
sempre pelo menos gravoso; (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que preconiza a
ponderação entre os efeitos positivos da norma e os ônus que ela acarreta aos seus destinatários".
E o autor conclui: "Assim, para conformar­se ao princípio da proporcionalidade, uma norma jurídica
deverá, a um só tempo, ser apta para os fins a que se destina, ser a menos gravosa possível para
que se logrem tais fins e, causar benefícios superiores às desvantagens que proporciona".89
Sob o prisma da adequação, primeiro elemento do princípio da proporcionalidade, observa­se que a
restrição à liberdade do mercado decorrente do controle pelo TCU das atividades­fim das estatais
não se mostra apropriada à realização dos objetivos sociais perquiridos.
Isto porque, uma eventual decisão de fiscalizar o desenvolvimento do objeto social das empresas
estatais redundaria desnecessariamente em oneração nos contratos firmados pela Administração
Indireta, e em gasto desnecessariamente excessivo de recursos.
A medida ainda é desnecessária, tendo em vista que há medidas menos gravosas aos direitos
fundamentais de livre iniciativa e igualdade de concorrência que seriam igualmente aptos a
alcançar o mesmo fim proteção ao Erário, como os aventados em seguida. Nesse sentido, o
subprincípio da necessidade exige que o Estado, entre os meios idôneos para alcançar seus
objetivos, deve optar pelos que não restrinjam a concorrência e a livre iniciativa, ou os que menos
as restrinjam.90
Isto significa que na medida em que os valores sociais constitucionalmente assegurados não sejam
prejudicados, o Estado não deve restringir a liberdade dos agentes econômicos, e, caso seja
necessário, deve fazê­lo da forma menos restritiva possível.91
Heinrich Scholler observa que as restrições à liberdade econômica devem "operar apenas em um
degrau (ou esfera)", passando para a fase seguinte "tão­somente quando uma restrição mais
intensa se fizer absolutamente indispensável para a consecução dos fins almejados".92
Ora, do ponto de vista jurídico, e em consonância com a Constituição Federal, é de se notar que
existem diversas normas infraconstitucionais que regulamentam, de forma bastante satisfatória e
menos onerosa, a fiscalização de tais entidades no exercício das suas finalidades sociais.
Conforme Sérgio de Andréa Ferreira, as estatais estão sujeitas a duas formas de controle, que não
incluem a tomada de contas pelo TCU, que são "o controle societário, interno, que já é específico,
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em confronto com o exercido no interior das sociedades anônimas comuns" e o "controle
administrativo, exercitado através da supervisão, da tutela administrativa, também com
peculiaridades em comparação com aquela a que se submetem autarquias e fundações."93
Nesse sentido, não se pode olvidar dos mecanismos de controle interno previstos na Lei das
Sociedades Anônimas.94
Por exemplo, o Conselho Fiscal é um órgão autônomo, de controle e fiscalização das atividades
financeiras da sociedade e da atuação dos administradores. Dessa forma, consiste, portanto, em
um órgão defensor dos direitos dos acionistas e de terceiros, possuindo para tanto amplas
atribuições, que não se esgotam na mera revisão de contas, mas atingem a própria fiscalização da
gestão administrativa.95
Da mesma forma, o Conselho de Administração das Sociedades Anônimas, é órgão de deliberação
colegiada e também fiscalizador, conforme rege o art. 138, §1º da lege ferenda.
Por fim, vale lembrar também que, conforme já foi dito amplamente, as atividades­meio das
estatais continuam sob o alcance fiscalizador do TCU, medida que é, por evidente, menos restritiva
à liberdade de mercado e a livre concorrência, bem como eficaz para a finalidade de controle e
proteção ao Erário.
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, que impõe uma relação de custo­benefício razoável
entre a restrição imposta e os benefícios dela decorrentes, no caso também não está presente, pois
os eventuais benefícios em termos dos eventuais resultados do controle neste ou naquele caso
onerariam generalizadamente todos os contratos das estatais criando contratos mais caros e
desigualdades no ambiente concorrencial do qual participam.
4.2 Princípio da eficiência
Conforme Maria Sylvia Di Pietro, o princípio da eficiência impõe à Administração que atue de forma
a produzir "resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar."96
Assim, toda atuação administrativa só será válida ou validamente aplicada se, ex vi do princípio da
eficiência97 (art 37, caput, CF), for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir
esta, se for pelo menos uma forma razoavelmente eficiente de realização dos objetivos previstos
no ordenamento jurídico.
É o Princípio Constitucional da Eficiência (art. 37, caput, CF) que deve iluminar a aplicação das leis,
para que ela não leve a uma consecução ineficiente ou menos eficiente dos objetivos legais
primários. As normas "passam a ter o seu critério de validade aferido não apenas em virtude da
higidez do seu procedimento criador, como da sua aptidão para atender aos objetivos da política
pública, além da sua capacidade de resolver os males que esta pretende combater".98
Paulo Modesto ensina que "o princípio da eficiência pode ser percebido também como uma
exigência inerente a toda atividade pública. Se entendermos a atividade de gestão pública como
atividade necessariamente racional e instrumental, voltada a servir o público, na justa ponderação
das necessidades coletivas, temos de admitir como inadmissível juridicamente o comportamento
administrativo negligente, contra­produtivo, ineficiente."99
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A Constituição de 1988, expõe Diogo Figueiredo Moreira Neto, "já estabelece todo fundamento
necessário para a afirmação e aplicação, em nosso País, da doutrina da, assim denominada,
administração de resultado, ou seja: confere uma base institucional da legalidade finalística (...) É
indubitável que o futuro deva ser realmente considerado como uma das dimensões temporais
próprias a qualquer norma, o que lhe faz merecedor de uma cuidadosa atenção prospectiva, tanto
por parte dos seus elaboradores quanto dos seus aplicadores."100
Em outro trabalho101 também assevera que "não basta, hoje, ao Direito, que a ação administrativa
do Estado exista, seja válida e eficaz. A simples busca da produção de efeitos, ou seja, pretender­se
apenas a eficácia da ação, já era insuficiente para a Sociologia do Direito. Agora passou a sê­lo
também para o Direito Administrativo. Acrescentou­se, aos quatro princípios constitucionais da
administração pública, um quinto, o da eficiência, que, doutrinariamente, no plano do Direito
Público, poderá ir até mais além, para nortear, acolá da ação administrativa, também a produção
legislativae a interpretação judiciária".
A eficiência deve, portanto, ser compreendida como a busca do melhor exercício das missões de
interesse coletivo que incumbem ao Estado,102 aí incluídos, obviamente, os tribunais de contas. Os
resultados práticos da aplicação das normas jurídicas, longe de serem objeto de preocupação
apenas sociológica,103 são, muito pelo contrário, elementos essenciais para determinar como, a
partir destes dados empíricos, devem legitimar a sua aplicação.
É dizer: à luz do princípio da eficiência é vedada toda atuação contraproducente ou ineficiente, que
produza efeitos negativos paralelos.
Pois bem, aplicado ao caso concreto o princípio da eficiência torna ilegítimo o controle do Tribunal
de Contas da União sobre as atividades­fins das empresas estatais, já que este, longe de ser o
modo mais eficiente de proteção do erário, faz com que estas empresas percam melhores condições
contratuais, competitividade e agilidade na atuação no mercado, com, evidentemente, perdas ao
erário.
Isto porque, como bem expõe Marcos Juruena Villela Souto, "a eficiência empresarial está ligada ao
êxito da entidade no desenvolvimento da sua atividade­fim. O foco da sua atuação deverá ser a
permanente busca do cumprimento das finalidades que ensejaram a sua criação; afinal, como dito,
esta é a razão da sua existência e da intervenção estatal no domínio econômico. Atuando para
realizar seu objeto social, a eficiência deverá ser a tônica do exercício da atividade empresarial,
mormente quando o regime é o de livre mercado e concorrência. Sem a eficiência como
pressuposto na sua atuação, a empresa assume o risco de ter custos mais elevados, de perder
clientela, de produzir bens e serviços de pouca qualidade, se colocando em posição de inferioridade
perante os demais competidores de mercado."104
Dito de outra forma: a fiscalização pelo TCU contrariaria a própria finalidade105 e o espírito à qual
tal controle se proporia, revelando­se medida na contramão do estado de eficiência que deve
informar a atuação e a organização do Estado.
4.3 Princípio da economicidade
Intimamente ligado ao princípio da eficiência, está o princípio da economicidade, que, "embora
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referido a propósito da execução da fiscalização contábil, financeira e orçamentária, deve ser
recebido como um princípio geral do Direito Administrativo, em razão de sua amplitude no
desempenho da administração pública interna."106
Exige a economicidade que a Administração adote a solução mais conveniente e eficiente sob o
ponto de vista da gestão dos recursos públicos.
Como afirma Paulo Soares Bugarin, em monografia específica sobre o tema, o princípio da
economicidade "trata da obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada
alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais em um dado cenário
socioeconômico. (...) Por alocação ótima entende­se aquela que propicia se alcançar o máximo
resultado econômico da alocação de bens e/ou serviços, ou seja, permite o alcance da máxima
eficiência econômica. (...) `Economizar significa maximizar lucros".107
Ora, uma eventual decisão de fiscalizar as atividades­fins e as contratadas das empresas estatais
redundaria, repise­se, necessariamente, em gasto excessivo de recursos e oneração dos seus
contratos.
O Tribunal de Contas de União (TCU) constatou a necessidade de, diante do caso concreto, afastar
a fiscalização em contratos celebrados por entidades sujeitas a seu controle por força do princípio
da eficiência em sua vertente da economicidade. O Tribunal já consignou que "o cumprimento do
princípio da legalidade não pode, entretanto, resultar em invalidação do princípio constitucional da
economicidade." Em vista disso, dispensou a empresa "das diligências, audiências prévias e
citações solicitadas", pois "a estrita e formal adequação do contrato, implicaria, inexoravelmente,
gastos superiores ao ocorrido". Concluiu o Tribunal que "não se pode falar em dano ao Erário já
que se verificou ter sido plenamente atendido o princípio constitucional da economicidade"
(Decisão nº 753/1996 Plenário).
5 Conclusões
De todo o exposto, e dentro do escopo enunciado na introdução, podemos extrair algumas
assertivas objetivas:
1. Os necessários controles externos incidentes sobre as sociedades de economia mista e empresas
públicas devem ser compatíveis com a necessidade de garantir a igualdade de condições da sua
atuação no mercado.
2. Não se defende aqui de forma alguma o afastamento do controle, genericamente considerado,
do Tribunal de Contas da União sobre as empresas estatais, mas tão­somente a sua
compatibilização com os princípios constitucionais que as regem, de forma a preservar, sobretudo,
o exercício da sua atividade­fim em moldes os mais similares possíveis aos vigentes na iniciativa
privada.
3. As empresas privadas contratadas pelas estatais não administram bens, valores ou dinheiros
públicos. A partir do momento que recebe a sua remuneração, esse valor é objeto de propriedade
particular sua, sem qualquer afetação pública.
4. Os controles externos devem evitar onerar a contratação de empresas privadas pelas empresas
públicas e sociedades de economia mista, com a intensificação dos riscos do contrato, e com o
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conseqüente encarecimento em grande medida do preço dos serviços a elas prestados, reduzindo
sua capacidade de competir com suas eventuais concorrentes privadas e comprometendo o
atendimento ao interesse público a elas congênere.
5. Submeter as atividades­fim das estatais e as empresas contratadas pela Administração ao crivo
dos Tribunais de Contas pode gerar efeitos inversos aos constitucionalmente almejados pelas
próprias Cortes de Contas, com o desperdício de recursos públicos e afronta aos princípios da
proporcionalidade, eficiência e economicidade.
* <alexaragao@zipmail.com.br>.
1 Há muito poucas autodefinições do pós­modernismo, até porque a própria idéia de definição, a de
apreender uma realidade complexa e fugidia, é antagônica com o pensamento pós­moderno. A este
respeito, Krishnan Kumar observa que "os pós­modernistas têm horror a definir, em parte porque
é difícil evitar dar uma definição moderna do pós­moderno; na verdade toda a definição de pós
moderno acabará por ser modernista. Definições entram em choque com as próprias características
de racionalidade e objetividade que os pós­modernistas se esforçam para negar" (Da sociedade
pós­industrial à pós­moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997).
2 Não pretendemos neste trabalho entrar em pormenores bizantinos das diferenças entre essas
expressões até por serem intimamente relacionadas entre si.
3 "Talvez para superar um possível complexo de inferioridade em relação às ciências naturais, a
ciência jurídica dedicou muito de sua atenção ao estudo taxionômico. Classificar espécies de
categorias jurídicas ditando com precisão sua conceituação e natureza foi sempre considerado uma
meta para o jurisconsulto tradicional. A despeito da evidente contribuição para o apuro técnico do
estudo jurídico, devemos relativizar a importância desse tipo de análise. Pelo menos não podemos
realizá­la sem reconhecer a existência de uma conflituosa relação entre direito e objetividade,
posto que a categoria jurídica é um dado cultural que se constrói a partir de determinadas
premissas políticas, que podem variar em função do tempo, do contexto social e até mesmo de
posições pessoais do intérprete. Não devemos desconsiderar, contudo, o legado do esforço
pandectista. O direito também é técnica, e a sua melhor expressão, pode, com certeza, contribuir

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