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Prévia do material em texto

Maria Avelina Imbíriba Hesketh
(Organizadora)
CIDADANIA DA MULHER, 
UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
M aria Avelina Im biriba Hesketh
(Organizadora)
CIDADANIA DA MULHER, 
UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
8^ %
EDITORA
R ubens A pprobate M achado
Presidente da OAB e Presidente Honorário da OAB EDITORA
Jefferson Luis Kravchychyn
Presidente Executivo da OAB EDITORA
Projeto Gráfico 
F. J. Pereira
Capa e Diagramação 
Rodrigo Pereira
Revisão 
Dacio Luiz Osti
Conselho Editorial 
Jefferson Luis Kravchychyn (Presidente)
Cesar Luiz Pasold 
H erm ann A ss is Baeta 
Paulo B onavides 
Raim undo César Britto Aragão 
Sergio Ferraz
Ficha Catalográfíca 
Elaborada pela Bibliotecária Beatriz Costa Ribeiro - CRB-14/647
H584C Cidadania da mulher, uma questão de justiça / Maria 
Aveiina Imbiriba Hesketh (Org.). Brasília : OAB Editora, 
2003.
184p.
1. Direito, 2. Direito da mulher. I. Hesketh, Maria 
Aveiina Imbiriba.
CDD 340
ISBN - 85-87260-25-1
EDITORA
SAS Q uadra 05 Lote 01 Bloco M - Edifício OAB 
Brasília. DF - CEP 70070-050 
Tel. (61) 316-9600 
www.oab.org.br 
e-mail: gabpre®oab.org.br 
jcfTerson@kravchychyn.com.br
SUMÁRIO
A PR ESE N TA Ç Ã O ..........................................................................7
R ubens A pproba te Machado
IN T R O D U Ç Ã O .............................................................................11
M aria Avelina Im biriba H esketh
CID A D A N IA DA MULHER,
U M A QUESTÃO DE JU S T IÇ A ............................................... 17
M aria José de Figueiredo Cavalcanti
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS 
SOCIAIS - O PAPEL DOS DIREITOS E OS
DIREITOS DE P A P E L .................................................................75
O dila de M élo M achado
MULHERES: UMA VIDA
DE LUTAS E C O N Q U IST A S................................................. 135
M ariana Oliveira Pinto
REGIME DE BENS N O CASAM ENTO
À LUZ DO N O V O CÓ DIGO C IV IL .................................... 163
M aria Bernadeth Gonçalves da Cunha
M ULHER DE H O J E .................................................................. 171
M aria Regina Purri Arraes
ÉTICA E PR O FISSÃ O ...............................................................177
Rosangela M aria Carvalho Viana 
K arinne M atos de Lima e Melo
7
APRESENTAÇÃO
Em m eados da década de 1990, q u a n d o P residen te d o Ins­
t itu to dos A dvogados de São Paulo, escrevi u m artigo sob o 
títu lo " A s m u lh e re s n o m u n d o d o D ire ito" , n o qual, a lém de 
considerações conceituais sobre a a tuação d as m u lh e res no 
cam po das a tiv idades jurídicas, m ostrei m inha firm e in d ig n a ­
ção d e que, a té aquele m om ento , n e n h u m a m u lh e r c o m p u ­
n h a os q u a d ro s d e ju lgadores do S uprem o T ribunal Federal e 
d o S uperio r T ribunal d e Justiça. Passados quase dez anos d a ­
quele trabalho, a lguns avanços se fizeram, no sen tido de ser 
reconhecido o profícuo trabalho que as m ulheres das d iversas 
carre iras ju ríd icas vêm realizando. Ao ap resen ta r , agora , a 
edição p ro d u z id a pela Com issão N acional da M ulher A d v o ­
gada , c riada na a tual gestão, perm ito -m e hom en ag ea r todas 
as a d v o g a d a s b rasile iras na figura ím p ar d a C onselheira e 
p r im eira P re s iden te da C om issão N acional da M u lh e r A d ­
v ogada , c riada nesta gestão, M A R IA A V ELIN A IM BIRIBA 
H ESK ETH , e todas as dem ais profissionais d as carreiras ju rí ­
dicas nas pessoas d as p rim eiras m ulheres a com por as m ais 
A ltas Cortes de Justiça brasileira. M inistras ELLEN G R A C IE 
do STF; FÁ TIM A N A N C Y A L D R IG H I, ELIA N A C A L M O N 
ALVES e LA URITA H IL Á R IO VAZ, d o STJ, q u e queb ra ram 
barre iras e abriram , po r m éritos próprios, cam inhos, trazer à 
recordação aquele artigo que p ro d u z i há q u a se u m decên io , 
tra n sc re v e n d o -o , com a d e v id a vên ia , na ín teg ra , a saber:
8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
M s mulheres no mundo do Direito. É inconcebível que, n u m 
país com m ais de 150 m ilhões de habitantes, não haja, ainda, 
u m a única m u lher no Suprem o Tribunal Federal e nem no 
Superior Tribunal de Justiça. Ao g rande n ú m ero de m inistros, 
em am bas as Cortes, que já têm se m anifestado , em público 
o u em particu lar, n o sen tido de profligar a lacuna existente, 
desejam os som ar a nossa voz. Às m ulheres, po r esforço p ró ­
prio, foi aberto , nestes ú ltim os cinqüenta anos, am plo espaço, 
an te r io rm en te reservado aos hom ens, tanto na v ida econôm i­
ca, p ro d u tiv a , quan to na v ida pública. N as letras, nas artes, 
nas ciências, as m ulheres vêm recebendo láureas e justo real­
ce. Esse espaço foi aberto não po r concessão, m as p o r con ­
quista , n u m a constante, d en odada e sofrida luta contra o p re ­
conceito que, infelizm ente, até hoje se faz p resen te , m esm o 
nos m ais dem ocráticos m eios de com unicação, referindo-se 
às m ulheres com o sendo o "sexo frágil". A força das m ulheres 
não está nos m úsculos, m as no cérebro; na extrem a ded ica ­
ção; na v o n tade de vencer. Essas são as a rm as u til izadas na 
ve rdade ira guerra que vêm travando, pela justa conquista de 
espaço e pe lo reconhecim ento de seus m éritos po r parte de 
toda a sociedade. Prim eiro na advocacia e nas letras, depois 
na m ag is tra tu ra e no M inistério Público, em segu ida nos m ei­
os políticos e econômicos, as m ulheres im puseram -se à p re ­
conceituosa estuitice dos que queriam fazer crer serem elas 
física e m en ta lm en te inferiores ao sexo m asculino. A sua m e ­
n o r ap tidão à força física tem, com o con trapartida , o estoicis- 
m o, a ag udez de espírito, a inteligência e a indôm ita pers is ­
tência na consecução de seus objetivos. A lu ta - sem os "femi- 
n ism os" - foi e é á rdua e extenuante. M uito especialm ente do 
p on to de vista psicológico: é que no inconsciente coletivo de 
u m a sociedade m ultissecularm ente com andada po r hom ens.
APRESENTAÇÃO 9
à m u lh e r teria sido reservado u m lugar secundário , de m era 
coad juvan te d o com panheiro nos seus êxitos, o u fracassos. 
N esse q u a d ro preconceituoso , as m u lh e res - com especial 
m enção às advogadas - souberam im por a sua presença. São 
hoje in fo rm adas e inform atizadas; cultas; firmes; corajosas e 
b em p rep a ra d as p a ra seus misteres. Estão forjadas, com o se 
forja 0 aço, já que na sociedade m achista não se exige dos h o ­
m ens ficarem "p rovando" de que são capazes. E o repúd io 
que a inda a lguns setores insistem em lhes devo tar, p ro cu ra n ­
do ocultar o seu brilho, faz com que sejam elas obrigadas a 
um a constan te necessidade de resplandecer. E com o resp lan ­
decem! A toga ou a beca, vestida po r um a m ulher , parece con ­
trariar as leis d a física: a vestim enta escura d a toga ou d a beca 
em ite LUZ. N ão é a toga ou beca, m as o cérebro da m u lher 
que a veste, d a n d o form a e força aos argum en tos que expende. 
Dá ela v ida e b rilho p róprio a essas vestim entas param entais. 
Às m ulheres foi reservado o d ivino dom de gerar a v ida. Mas 
não o fazem só no sen tido biológico. Elas dão vida aos a rg u ­
m entos e às expressões de seus pensam entos. A sua p rópria 
p e rsona lidade é o e loqüente sím bolo da v ida. As m ulheres, 
na advocacia e nas carreiras jurídicas, têm transm itido esse 
seu p o d e r de da r vida a todos os seus trabalhos. Às inúm eras 
m ulheres que, ao longo do tem po, se ded icaram à justa con ­
quista desses espaços -a inda in justam ente p equenos - as nos ­
sas hom enagens. À quelas que ainda virão, a nossa fraterna 
acolhida. N enhum a , porém , isoladam ente, deve m erecer h o ­
m enagem especial, p o rque o m aior fulgor de u m a estrela não 
p o d e e nem deve apagar o das dem ais, sob pena de se perder 
a visão de conjunto da constelação. A constelação - enorm e - 
é a in da vista e considerada, po r a lguns setores, de form a pe ­
quena. Porque, se m uitos as adm iram , outros o têm feito como
1 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
se a constelação p rocurassem não ver. Têm elas, con tudo , luz 
p róp ria e i rrad iam vida, graça, constância, força, firm eza e 
equilíbrio. Vida, graça e constância ag radam e a traem os olhos 
m asculinos. Força, firmeza e equilíbrio parecem , porém , fazer 
com que a lguns olhares se desviem , p rocu ran d o ignorá-las. E, 
se o p rim eiro o lhar é de adm iração, o segundo está, a inda, 
e ivado d o m ultissecular preconceito. N a lu ta p a ra a definitiva 
superação de tão descabidos atos discrim inatórios, neste m o ­
m en to em que estam os à beira d o terceiro m ilênio da era cris­
tã, é que conclam am os os m eios jurídicos e em especial a O r ­
d em dos A dvogados d o Brasil, o Poder Judiciário, o M inisté ­
rio Público, a reconhecerem o fato óbvio de que as m ulheres 
represen tam , quan tita tiva e qualitativam ente , m etade da p o ­
pulação; a adm itirem a justiça de sua luta; a considerarem que 
o am plo espaço conqu is tado é d im in u to frente à relevante 
participação fem inina na v ida jurídica. Por isso é que re itera ­
m os o b rad o de todas as forças a serem som adas, i rm anadas 
na lu ta d a igualdade , para verm os, po r justiça, nas m ais Altas 
Cortes, a figura segura, soberana, dedicada , in teligente, pe r ­
sistente, da m ulher, a fim de que os nossos pretórios, em to­
dos os seus g raus de jurisdição, possam contar com o brilho, a 
cu ltura , o equilíbrio, a firmeza e a força das m ulheres q u e tan ­
to h o n ram e dignificam as nobres carreiras juríd icas que ab ra ­
çaram: pelo Direito e pela Justiça!"
Rubens Approbate Machado
Presidente Nacional da OAB
11
INTRODUÇÃO
N ão m uito d istan te , q u a n d o se falava na m ulher , de im ed i­
ato se associava a idéia de fitas, rosas, sedas, rendas , laços, 
saias rodadas, curvas sensuais, d en tro de longu inhos pretos 
ou fora deles. Associava-se, a inda, lágrim as, frag ilidade, p ro ­
teção e cuidados.
D iante dessa m agia feminina descendente de Eva, longe de 
se im aginar a existência das m ãos calejadas da M aria, auxiliar 
doméstica; da pele da Benedita, en rugada e tostada, pelo traba­
lho na roça; da Tereza que, às cinco da m anhã, enfrenta duas 
conduções para chegar ao trabalho, após o prim eiro tu rno d o ­
méstico; d o stress d a Márcia, para ver cum prida a agenda de 
executiva; d o corre-corre da Sonia nos corredores do Fórum, 
vencendo prazos e enfrentando juizes e oficiais de justiça, e de 
tantas outras situações que m arcam a presença da m ulher, como 
força p rodu tiva e inovadora, na construção da sociedade.
Isso porque, o tem po em que as m ulheres saíam de den tro 
da casa de seus pais, passavam para d en tro da casa d o m arido 
e cu idavam dos filhos... até m orrer, já passou . N aquele tem ­
po, elas e ram tranqüilas, devotas, anôn im as, eficientes, m as 
subm issas.
V oltando na história, na Rom a A ntiga’ , q u a n d o a pátria 
corria perigo, em apoio aos seus hom ens e m aridos, as m ulhe-
’ Em Grandes Discursos da História, de Hernâni Donato, Ed. Cultrix, São Paulo, 
pág. 17.
1 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
res contribu íam para o sucesso da guerra , com u m a parcela 
de sacrifício pessoal; quan d o havia necessidade de acalm ar a 
fúria dos deuses, p o r qua lquer razão, a parcela de sacrifício 
delas era m aior; du ran te as guerras havia necessidade de re ­
forçar o ân im o dos soldados, dando-lhes segurança e m os­
trando aos céus q ue as m ulheres con tinuavam castas, m o d es ­
tas e pudicas; enquan to o inim igo rondasse a m u ra lh a e os 
deuses n ão m u d asse m o destino da guerra , com o sacrifício, as 
m ulheres , n om eadas p rocuradoras d e seus hom ens d ian te do 
juízo e da ira celeste, deveriam privar-se de qualquer m eio 
de condução, transitavam unicamente a pé, não usavam ador­
nos, nem tecidos de cores, pois só podiam se vestir com rou­
pas escuras. Era a Lei Oppia.
Irresignadas, as m ulheres foram às ruas, levan taram -se em 
m ovim en to de pressão sobre o Senado e consegu iram revo ­
gar a Lei O ppia , no ano 195 a.C.
Então Marco Pórcio Catão^, censor de Roma, h o m em duro , 
eruditOy visionário e p reocupado com aquele m ov im en to das 
m ulheres, p roferiu o seguin te discurso:
"Senhores:
Se cada um de nós tivesse sabido conservar a autoridade e 
os d ireitos do m arido, no interior do lar, não teríam os chega­
do a este ponto .
Eis exa tam en te onde estam os neste m om ento: após haver 
an iqu ilado nossa liberdade de ação em fa m ília , a tirania das 
mulheres está pron ta a destruí-la tam bém no Senado.
Lembrem-se do grande trabalho que tem os t ido para m a n ­
ter nossas mulheres tranqüilas e para refrear-lhe a licenciosi- 
dade, o que sucederá, daqui por diante, se ta is leis fo re m revo-
 ^ Idem, págs. 15/16.
INTRODUÇÃO
gadas e se as mulheres se puserem, legalm ente considerando, 
em p é de igualdade com os homens!
O s senhores sabem como são as mulheres: fa ça m -n a s suas 
iguais e im ed ia tam ente elas quererão subir às suas costas para 
governá-los. Acabarem os por a ss is t ir a isto: os hom ens do 
m undo inteiro, que são hom ens que governam as suas m u lhe ­
res, serem governados pelos línicos hom ens que se deixam g o ­
vernar pelas suas mulheres - os rom anos."
Catão tinha razão. N ão quanto à subm issão da m ulher, mas, 
p o rque v islum brava que no fu turo a m ulher conquistaria , pela 
sua capacidade, o poder, sob qua lquer de suas formas.
Reagindo a essas postu ras, de form a isolada ou em m ovi­
m entos organ izados, a luta pelos Direitos da m u lh e r pau la ti ­
n am en te recrudesceu, e, o m ovim ento fem inista d o século XX, 
com o resu ltado desse em bate m ilenar, rep ag in o u a história 
da m ulher.
Assim , a O rd e m Jurídica Internacional e, particu la rm ente , 
a d o s p a íse s oc id en ta is , rec o n h eceu a C ID A D A N IA D A 
M U LH ER e, s ina lizando a segurança juríd ica d a regra d e que 
h om ens e m ulheres são iguais em d ireitos e obrigações, levou 
a crer que n ada m ais precisaria ser feito, p o rq u e a conquista 
d o Direito no rm atizado teria o pod e r de m odificar o coração, 
a consciência e a v ida do seres hum anos.
Quiçá fosse possível! A d u ra rea lidade m ostra as rom anas 
e os C atões de ontem , com u m a ro u p ag em con tem porânea . E 
a despeito da repaginação da m ulher, a im prensa de la ta as 
dores e os receios que m u d aram apenas de tem po e lugar.
A ssim , su rp re e n d en te m e n te , no ano de 1998 d.C., p o r ta n ­
to, 2.193 anos após C atão, a m esm a p reocupação . A revista 
V eja , na ed ição de 25 de fevereiro, adverte : O s H om ens que 
se Cuidem.
1 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
E os registros policiais, os dados históricos e estatísticos 
contam situações m ais do loridas do q ue aquela da Rom a A n ­
tiga. Em todos os países da Am érica Latina e Caribe, m ais de 
setenta po r cento da violência contra a m u lher é dom éstica e 
p e rp e trad a po r m aridos, com panheiros, pais e irmãos; os n í­
veis salariais d as m ulheres é m ais baixo d o que o dos hom ens, 
a té em países d o p rim eiro m u n d o , como Estados U nidos, Ja­
pão e A lem anha; em algum as c om unidades africanas, as m u ­
lheres são desclitorizadas; o acesso ao poder, sob q ua lque r de 
suas form as, é v isivelm ente boicoitado etc.
Pois bem. Essa igualdade jurídica que tem assegu rado ta n ­
tos avanços na c idadania da m ulher, não consegu iu vencer, 
a inda, a d es igua ldade da vida, que é sentida na a tua lidade , 
independen tem en te de países, econom ias e índices de d esen ­
vo lv im ento hum ano . A des igua ldade é real em todas as ca­
m ad as sociais, esferas de trabalho, categorias profissionais e 
representação política, pondo-se a exigir, p o r responsab ilida ­
de histórica, m ed id as afirm ativas v isando refrear e m in im izar 
os efeitos perversos desse descom passo.
Portanto , sensível a essa realidade, e ac red itando na tran s ­
form ação evo lu tiva da sociedade, o Dr. R ubens A pprobato 
M achado, corajoso Presidente d o C onselho Federal da O rdem 
d os A dvogados d o Brasil, em sintonia com a h istória , criou a 
C N M A - Com issão Nacional da M ulher A dvogada, a qual vem 
d esenvo lvendo u m trabalho voltado p a ra form ar u m a g rande 
rede de consciência da m u lher advogada, sobre a potenciali- 
zação de seus direitos, como retorno social.
Assim , o resu ltado d o I Concurso de M onografia Jurídica, 
in titu lado C idadan ia da M ulher - U m a Q uestão de Justiça, 
realizado pela CN M A , é u m dos fru tos dessa conquista da 
m u lh e r advogada. Dos quinze trabalhos apresen tados, tem os
INTRODUÇÃO
a alegria de publicar, jun tam ente com as reflexões das com pa ­
nhe iras M aria Bernadete C unha e M aria Regina Purri Arraes, 
os três vencedores: "M ulheres, u m a Vida de Lutas e C onqu is ­
tas Profissionais", da es tudan te M ariana O liveira Pinto; "C i­
d a d an ia da M ulher, u m a Q uestão de Justiça", de M aria José 
de F igueiredo Cavalcanti, e "M ulher: Códigos Legais e C ód i­
gos Sociais - O Papel dos Direitos e os Direitos de Papel" , de 
O dila de M êlo M achado, am bos na categoria profissional.
Tais trabalhos d iscu tem a c idadania da m ulher , não, a p e ­
nas, com o u m direito fundam en ta l d isposto na O rd em C ons­
titucional, m as como o d ire ito da m ulher ser u m ser q u e tem 
von tade . V ontade não apenas de chorar, am ar, ser conqu is ta ­
da, parir , receber rosas, cobrir-se, sedu to ram en te , com ren ­
das, sedas e saias, longas, curtas ou rodadas, de ser feminina 
m as v o n tade de ser c idadã e ver reconhecido seu d ire ito de 
ser m u lher , na d im ensão do biológico, do social e d o político; 
de ver respe itado seu direito de gritar, de d izer não , de d izer 
sim, de pro testar, escolher e lutar; de partic ipar do processo 
de construção da h u m an id a d e e constru ir sua p róp ria h istó ­
ria e iden tidade , de form a real, sem traum as e e spon tanea ­
m ente. De ser m ulher, d e ser parceira, com panheira e cúm p li ­
ce do p ró p rio hom em , partilhando com ele, po r inteiro, com 
respeito e in tegridade , um a vida de sonho e realidade.
C om estas palavras, a C om issão N acional da M u lh e r A d ­
vogada en trega à com un idade jurídica o livro C ID A D A N IA 
D A M U LH ER, U M A Q U E ST Ã O DE JUSTIÇA.
Maria Avelina Imbiriba Hesketh
Presidente da Comissão Nacional da M ulher Advogada
1 7
C ID A D A N IA D A MULHER, 
UM A QUESTÃO DE JUSTIÇA
M aria José de F igue iredo C avalcanti
INTRODUÇÃO
O escorço em tem a dessa vastidão e p ro fu n d id a d e especu ­
lativas levou-m e a percorrer u m cam inho que se b ifu rca em 
dois. O p rim eiro , se reveste d a análise filosófica d o con teúdo 
p lacentário d o Direito Positivo, form alista e dogm ático , que 
vige p o r u m de te rm inado espaço de tem po e em u m a d im e n ­
são espacial. Ou, em ou tras palavras, ver-se-á o tem a incurso 
no Direito do d ev e r-se ra o qual se con trapõe o Direito d o ser e 
q ue p o r essa razão m esm a é suscetível de ser red iscu tido em 
nível de instância filosófica.
D estarte, faz-se aqui u m exam e crítico desse preceituário 
positivo a oferecer n o rm as de condu ta aos p ro b lem as de con ­
vivência e respostas à problem ática da m ulher , em várias e ta ­
pas da H istória da H um anidade .
Portanto, coteja-se o ideal de justiça, no pertinente, em épocas 
diferenciadas. E o procedimento aqui adotado é trazer à colação 
vários exemplos de m ulheres que rom peram com o status quo e 
decidiram viver o outro lado dessa rup tura , a despeito da contra­
partida que se lhes ofereceu em term os de punição ou até de 
transm utação de sua condição de integrante d o sexo feminino.
1 8 CIDAOAN/A OA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Especular a essência da Justiça no que tange aos d ireitos 
d as m ulheres, n as m ais d iversas fases da H u m an id ad e , foi o 
núc leo d e nosso in tento ao realizar esta m onografia .
As m u d an ças nessa seara são palpáveis, e isso vem se de ­
sencadeando desde os clássicos pensadores até aos nossos dias.
M etodologicam ente, a visão dogm ática d o Direito será con ­
trastada pelo estofo filosófico da no rm a jurídica, este, cambi- 
an te e de e terna discussão, e aquela, fixada em critérios de 
perm anência .
A "experiência" d o Direito conduz a cam inhos to rtuosos 
em face d e um a antítese constante en tre a dogm ática jurídica 
e a h isto ric idade d o ser hum ano.
Q u a n to à se g u n d a tr i lha p e rc o rr id a - na v e rd a d e en tre - 
c ru z a n d o -se com a p r im e ira - d iz re sp e ito à p o lit ização do 
D ireito , em es tág io pos te r io r , p rocesso esse em q u e as m u ­
lheres fazem H is tó r ia e assim c o n tr ib u em com conteú dos 
concretos p a ra a in serção de les n o n o v o con tex to d o D ire i ­
to. O ferece-se , assim , u m a n ova a rg am assa p a ra q u e se efe ­
tu e o D ireito d e n tro d as rea lid ad es sociais n a q u e le m o m e n ­
to, g e ra n d o n ova ideação de D ireito-Justo, em m o m e n to s 
c ruc ia is da m a io r significação. E, e v id e n te m e n te , g i ra n d o o 
eixo da H istó ria .
Caso assim não fosse, teríam os tão-som ente u m ideal u tó ­
p ico , i r re a l izá v e l , u m a in ó cu a voeis, e n g e ss a n d o a
valoração com o ideação, em choque com as cam biantes cir­
cunstâncias da vida.
É só ana lisa r a cam inhada de conquista dos d ire itos da 
m u lher p a ra que se afira a consistência da afirm ação de que a 
V ida Humana objetivada desborda na p rem ência d a m u d a n ­
ça dos valo res da v ida e, conseqüentem ente, daqueles referi­
dos à Axiologia Jurídica.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
É nessa d ispu ta en tre idealidade e rea lidade que o Direito 
recolhe os con teúdos concretos que revestem a aven tu ra h u ­
m a n a n o c r i a r n o v o s v a lo r e s , n o v o s m o d e lo s , n o v o s 
parad igm as.
CAPÍTULO 1 
DIREITOS COMO JUSTIÇA - QUAL JUSTIÇA?
A considerar toda a h istória de conquista dos d ire itos das 
m u lh e r e s e a te r c o m o p a n o d e fu n d o essa q u e s tã o na 
lobregu idão em que a m esm a se desenvo lveu len tam en te ao 
longo dos séculos, há que se considerar aqui u m corte episte- 
m ológico a fim de que se d istinga o conceito de justiça com o 
algo m ateria l e que vem se substancia lizando ao correr dos 
tem pos. Essa linha m etodológica certam ente é considerada em 
cotejo com o conceito de justiçaform al, que se desenvolveu 
igualm en te em pretérito m ais acum ulado no âm bito d o es tu ­
do d o Direito e da Moral, com o estudos ideais, prospectivos, 
m as d istanciados de u m a realidade v ivenciada e experienciada 
no Ser (na realidade), em relação ao Dever-Ser do Direito e da 
filosofia da Moral.
A ssim é que no processo histórico, n o q u e d iz respeito à 
posição da m u lher a ssum indo espaço público, existem m u i­
tas contradições, pois o p ensam en to h u m an o nessa seara p e r ­
corre u m cam inho linear, po rém de lu tas en tre a cognoscibili- 
d a d e do dogm atism o, a pa r de um a estim ativa jurídica que 
p re s su p u n h a a m u lher com o sexus imhecilitater, e tão-som ente 
procriadora , sexo fraco e a priori sexo d e p e n d en te em face de 
u m a leitura patriarcal da sociedade, que in fu n d iu aos séculos 
subseqüen tes u m a invariável in terpre tação de códigos s im ­
bólicos de tr im en tosos ao sexo feminino.
2 0 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N a v erdade , na lógica do Direito, apenas p a ra falarm os do 
sen tido juríd ico da justiça, como conceito filosófico traba lha ­
do e h a u r id o pela Civilização H um ana , perm ito -m e d izer que 
a e iucubração do significado de justiça de term inou a priori um a 
idéia de u m direito den tro de u m a ótica dogm atista , ou seja, 
de u m d ogm atism o juríd ico vivenciado p o r séculos, e alicerce 
constru ído p a ra a recepção d o Direito Positivo.
E não há q ue se desprezar, aqui, esse p rim eiro sen tir do ser 
hu m an o , na busca e apreensão desse valor, q ue é a igualdade , 
linha-m estra da especulação dos p rim eiros filósofos, p e n sa ­
dores d a m atéria . E aqu i se recolhe a idéia do un iversa l q u a n ­
do se investiga o conjunto d o m u n d o que nos cerca. É em to r­
no desse núcleo - un iverso e a sua variegada com plex idade - 
que o D ireito com o Ciência especulativa vai b uscar na Filoso­
fia os artefatos ideais para a construção de seus conceitos de 
ig u a ld a d e e de justiça , ou m elhor, da justiça , cuja essência se 
revela na ig ua ldade .
1.1 - A que região da filosofia do direito pertence 
a igualdade
A história da idéia form al de justiça, com o valor juríd ico e 
de n a tu reza especulativa, veio, no am anhecer da filosofia, dos 
pitagóricos, com o, aliás, nos ensina RECASENS STCHES.'
Segundo aqueles, o conceito de justiça está atrelado a um a 
relação de igualdade. E que aquela se traduz em m edida e em 
forma matemática, ou seja, "a justiça é um núm ero quadrado '\^
’ o conce ito p itagórico de jus iiça está explanado em Luis Recasens Siches, in: 
Tratado G enera l de F ilosofia dei Derecho, 7. ed. M éxico/DF; Editoria l Porrua, 
1981, p. 482.
2 Aqui Recasens S iches c ita Aristóte les, a tribu indo a frase a P itágoras. Ibidem, 
p. 482.
CIDADANIA PA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Portanto , estabelece-se, com a justiça, u m a relação de igual­
d a d e en tre as pessoas, sendo estas ú ltim as os term os da rela ­
ção. E n tã o , d e n t r o d e u m a p e rs p e c t iv a p o r a s s im d iz e r 
cabalística, Pitágoras con tinua afirm ando que o n ú m ero q u a ­
tro é u m esp lênd ido exem plo de ha rm on ia e que, portan to , 
este valor é regu lador de relações, que limita o ilim itado e igua­
la o desigual. D estarte, consideram os p itagóricos o q u a d ra d o 
geom étrico com o a im agem da justiça, p o rq u e tem ele quatro 
lados iguais.
N a v e rdade , estabelecia-se, aí, um princíp io filosófico que 
seria re to m ad o em in terpre tação m ais ab rangen te e a p ro fu n ­
d a d a p o r filósofos que v iriam em linha diacrônica d o s tem ­
pos, quais sejam, sobre tudo , P latão e Aristóteles.
Q ua is as contribuições adv indas desses p ensado res no to ­
cante ao incansável desvelam ento d o conceito d e igualdade? 
E a que serve ele à m ulher?
Sabe-se que Platão erigiu o conceito d e justiça com o sendo 
u m a v ir tu d e universal, da qual todas as dem ais v irtudes p ro ­
vêm. Todavia, a diké é um valor, o qua l d iz respeito originari- 
am ente a u m a transgressão que m erecia com pensação . À m e ­
d id a que o regim e político m u d a os seus característicos que 
envo lvem u m a sociedade aristocrática, d esb o rd a n d o na d e ­
m ocracia, a justiça passa a ser inco rporada à sociedade, com o 
valo r un iversa l e trad u z id a na lei escrita, na nómos, a a ting ir a 
todos que e ram discip linados p o r essa lei.
Por ou tro lado, tal va lo r não se inco rpora à to ta lidade d a ­
quela sociedade, sab ido que a c idadan ia era restrita a alguns 
atenienses, excluídos vários segm entos, com o o das m u lh e ­
res, o dos estrangeiros e o dos servos. O reg im e dem ocrático 
grego, assen tado n a dem ocracia dire ta , t inha as su as peculia ­
r idades, pois a dem ocracia era p lena ou lim itada , o u com o no
2 2 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
caso das m ulheres, não existia. H avia u m d iv iso r de águas e 
essa incapacidade relacionada à m u lher tinha a sua base ideo ­
lógica, até m esm o em ARISTÓTELES, ele que tam b ém não era 
considerado c idadão ateniense po r ser meteco (estrangeiro).-^ 
A filosofia aristoteliana que v inda à pos te r id ad e calçou o 
s e n t id o d e ju s tiça n o D ire ito de n o sso s d ia s , co m o q u e 
d o g m atizo u os conceitos de justiça d is tr ibu tiva e justiça cor­
retiva, esta ú ltim a subd iv id ida em justiça com utativa e justiça 
judicial, o u judiciária.
V ê-se, a s s im , q u e o co n c e i to d e ju s t iça , d e s d e o seu 
nascedouro , vem se m etam orfoseando em face d e avanços ci­
entíficos d e ou tras disciplinas, inclusive d o cam inhar da p ró ­
p ria Teologia, esta, que em u m m o m en to d a h u m a n id a d e 
consubstanciava-se no p ró p rio Direito o u este se encontrava 
com aquela de form a inconfundível, pois o ram o d o pod e r 
civil achava-se um belicaim ente un id o ao p o d e r de d ize r as 
"verdades absolu tas" fora d o contexto da noção de DEUS. N a 
v e rdade , a l inguagem que e m pedern iu as m en ta lidades dizia 
respeito a calar a m ulher, pois se fazia coro d o verso d o poeta 
que, " u m m odesto silêncio é a honra da mulher".**
Contextualizava-se a questão tem poral - social, econôm i­
ca, política - com as grandes indagações teológicas, a d espe i ­
to de q ue a idéia central de justiça não im plicava em m u d a r a
3 Aristóteles era macedónio; em havendo fundado o seu Liceu, lucubrou as suas 
idéias filosóficas e políticas, máxime as contidas em A Política, na qual categoriza 
a condição de ser humano em an im a l c ív ico , o que mostra a aptidão natural do 
humano de viver no seio da Cidade. Sabe-se que o seu sucessor no Liceu foi 
Teofrasto, também não-cidadão ateniense. A posse do terreno onde se situava a 
Escola Peripatética só foi possível graças à influência de Demétrio, este, cidadão 
ateniense. Sobre essa sucessão e o fato aludido, ver Luciano Canfora, in: A B ib li­
oteca D esaparec ida- Histórias da Biblioteca de Alexandria, trad, de Federico Carotti, 
São Paulo; Companhia das Letras, 1989, pp. 29/32.
A frase refere-se à citação feita por ARISTÓTELES e atribuída a Górgias. Ver 
Aristóteles, in: A Política, trad, de Roberto Leal Ferreira, 2, ed. São Paulo: Martins 
Fontes, 1998, p. 36.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTiÇA
cultura da m isogenia ou do antifem inism o (para u sa r de um a 
expressão m oderna), ou, em ou tras pa lavras, ten tava-se a p a ­
gar qua lque r vestíg io de u m a era que p o rv e n tu ra possater 
existido em que a m ulher situava-se em u m p lano de poder 
po r a lguns considerado de era matriarcal; ou, em tem pos mais 
recentes, a adoração de deusas com o era o caso da veneração 
d o s egípcios antigos à Isis , deusa poderosa p o r h a v e r liberta ­
do o seu filho H orus de toda a m aldade que lhe havia infligi­
do o irm ão Seth após haver m atado o seu pai, Osíris.
O Direito rom ano ap ropriou-se da filosofia grega a fim de 
sis tem atizar e d a r epnstéme aos seus institutos. U m deles, o da 
justiça, referia-se ao ius simm cíiique tribuere, conceito formal 
q ue tra d u z u m a idéia de m edida , ou seja, d a r "a. cada u m o 
q ue lhe é de direito". O que significa seguir de volta o cam i­
n h o p a ra Aristóteles.
A partir da í especula-se igualmente se esse direito é resultan ­
te d e norm as jurídicas positivas ou de princípios jusnaturalistas, 
isto é, se esse conhecim ento está relacionado a u m a regra de 
d ire ito natu ra l, o u a u m a n o rm a de direito escrito.
O brocardo jurídico antes enunciado, atribu ído a ULPI ANO, 
dá nova d ire triz ao cham ado direito na tu ra l que p assa a ser 
en ten d id o com o u m conjunto de leis d a na tu reza , q u e im pele 
os h om ens a de te rm inadas ações. E aqui estam os apenas d i ­
an te de ações m ecânicas com o a procriação, p ropagação da 
espécie etc. Trata-se, antes, de um a d e tu rpação d o sen tido ou 
a inda da p rim itiv idade do conceito que veio a ser reform ulado 
po r Justin iano, ao ser im prim ido naquele u m cará ter clara­
m en te teológico, ou seja, tal espécie de d ire ito p rom ana de 
DEUS, po rtan to , con tem porâneo d o hom em desd e sem pre.
N essa linha de raciocínio vê-se que a ig u a ld a d e de todos 
os h o m en s p e rm anece v incu lada à condição de direito. N o
2 4 CIOADANiA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
entre tan to , no tocante à m ulher, o d ire ito na tu ra l pe rm aneceu 
restrito à n a tu reza p rop riam en te dita , ou seja, a m u lh e r na 
sua m issão de rep rodução do gênero hum ano .
CAPÍTULO 2 
“CIDADANIA” PARA CERTAS FUNÇÕES; A MULHER VIRIL
A cidadan ia sem pre esteve ligada à questão d o poder. Foi 
assim no Egito Antigo, na Grécia Clássica e em Rom a, sem 
falarm os n o p o d e r da Igreja Católica d u ra n te toda a Idade 
M édia.
O domus e ra espaço quase sagrado na Rom a Antiga. Era 
den tro dele que se exercia o am plíssim o pod e r d o paterfamilias. 
O patria potestas era de um a grandeza absoluta. A brangia o 
pa trim ônio , os filhos, a m u lher casada ciim manu, pois o casa ­
m en to sine manu deixava a esposa sob o p o d e r d o pater da 
família de que p rovinha . Portanto , a incapacidade civil e po lí­
tica da m u lher era absoluta.
O fato curioso é que a m u lher para a d q u ir ir u m a certa li­
b e rd a d e - e aí nós consta tam os u m a "c idadan ia" incipiente - 
deveria ela dirigir-se às organizações religiosas para u m a vida 
conventual. Foi assim em Roma, foi assim d u ra n te toda a Ida ­
d e M édia e inclusive em tem pos m ais recentes.
A v ida consagrada à religião trouxe u m espaço público à 
m ulher , este que lhe era in te iram ente defeso. A m u lh e r ao 
abraçar o Sacerdócio passava a gozar de d e te rm inados p r iv i ­
lég ios d a esfera m asculina, como o a p ren d e r a ler e a escrever 
e a d a r vazão à sua in te lectualidade etc. As Vestais em Roma, 
p o r exem plo, pod iam tes tem unhar em tribunais , fazer testa ­
m ento , d isp o n d o livrem ente de seus bens, d ire itos esses ne ­
g ados às m atronas. E mais: an d av am nas ruas p reced idas de
CIDADftN'AOA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
lictor (oficial rom ano que acom panhava os magistrados).-" N o 
en tre tan to , para que assim fossem reconhecidas, o seu status 
sexual era com parado ao do hom em , po r tan to referida ao a r ­
qué tipo viril.^ Afora as restrições que lhes e ram exigidas, to ­
das d e n a tu reza fisiológica: não terem defeitos físicos, p e rm a ­
necerem virgens etc.
A m u lh e r qualificada para partic ipar do espaço público, 
u sa n d o o seu intelecto, deveria ser equ iparada ao hom em , o 
que se constitu ía u m "encôm io", p o r ser-lhe reconhecida essa 
capacidade.
Foi assim que por interm édio de um am igo Cristina de Pisan 
(1364) foi reconhecida pela sua p reparação intelectual em co­
p ia r m anuscritos e em realizar escritos, inclusive po rtadores 
de reclam ações de m ulheres. O elogio pa rt iu de seu am igo 
Joào G erson ao afirm ar que Cristina era insígnis femína virilis 
femina (m ulher insigne, m u lher viril). Era necessário atingir 
essa condição e ser reconhecida com o tal a fim de que fosse 
possível 0 exercício de certas capacidades.^
Foram necessários alguns séculos p a ra que "o d ire ito da 
m u lh e r a ser va lo rizada e educada livre de p a d rõ es estereo ti­
p ad o s de com portam en to e costum es sociais e cu ltu rais base ­
ados em conceitos de inferioridade ou subordinação"® fosse 
p roc lam ado e respe itado pelo Estado e pela Sociedade.
 ^ Do que se deduz que o seu status era comparado ao dos magistrados, A sua 
impodância era tamanha que a elas eram confiados os segredos dos particulares, 
e às vezes até mesmo os do Estado.
® Sobre as vestais, ver Santiago Montero. in: Deusas e Advinhas - Mulher e Adivi­
nhação na Roma Antiga, trad, de Nelson Canabarro, São Paulo: Musa Editora. 
1998, pp. 86-88.
' Ver José Rivair Macedo, in: A mulher na Idade Média. 5, ed. (rev. e amp.). São 
Paulo: Editora Contexto, 2002, pp. 93-97.
® Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a 
Mulher - Art. 6®, "b". promulgada pelo Decreto n° 1.973. de 01/08/1996, publicado 
no DOU de 02/08/1996, pp. 14470-14473.
2 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
E obviam ente pelo conceito da igua ldade e da eqü idade, 
não se haverá de educar as m ulheres apenas para serem v ir ­
tuosas, com o queria ARISTÓTELES; e, sim, tam bém p a ra se­
rem partic ipa tivas d o processo político, até p o rq u e a noção de 
justiça, hoje, é lida sob ou tro ângu lo a fim de ver a m u lher 
com o o O u tro da parcela da H u m an id ad e , ou seja, o tem a da 
im agem de DEUS, no ser hum ano , assum e h od iernam en te um 
ca rá te r antropológico , a se ve r aí a id en tid ad e h u m a n a da 
m u lh e r em sua relação de a lteridade com o hom em .
D epreende-se que o caráter dogm ático de justiça se im p u ­
n h a na Sociedade a ser v iv ido como ideal jurídico-político nas 
sociedades que nos antecederam .
A p a r , e contrad itoriam ente , de u m elucubração b rilhante 
do con teúdo da justiça d istributiva,^ ARISTÓTELES exorta ­
va que: "... a tem perança e a justiça diferem até en tre pessoas 
livres, das quais u m a é superio r e a ou tra inferior, po r exem ­
plo, en tre h om em e m ulher. A coragem de u m h om em se ap ro ­
xim aria da pus ilan im idade se fosse apenas igual à de u m a 
m ulher , e a m u lher passaria p o r a trev ida se não fosse m ais 
rese rvada d o que u m hom em em suas palavras
C om isso se vê q u e o p ró p r io conceito de justiça sofre 
gradação e tonalidades, haja vista que, m esm o entre as pesso ­
as livres, há desigualdades. A pus ilan im idade d iz respeito à 
m ulher; o a trev im ento , ao hom em . Ao hom em , a virtude; à 
m ulher, é conferida a honra.
Esses dois vocábulos sofreram m udanças em sua sem ânti-
® Em Aristóteles, a idéia de justiça distributiva, a qual integrou o Direito e hoje é um 
ideal igualmente de natureza estruluralmente poUlica,aplica-se à divisão das hon­
ras e dos bens públicos e se direciona ao objetivo de que cada cidadão receba 
dessas honras e bens a porção adequada a seu mérito com o qual se afirma o 
princip io da igualdade.
Ver Aristóteles, op. c i l , p. 51. O destaque na citação é meu.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ca, pois na linguagem dos estereótipos existentes en tre os se­
xos, aqueles vocábulos de significados p assa ram a significan- 
tes, isto é, a v irtude é um a pa lavra que den o ta coragem , v a ­
lentia, força, v igor m asculino, enquan to a h on ra passou a tra ­
d u z ir o pape l que a m u lher deveria exercer com relação ao 
seu com portam en to p rivado e público. A hon ra é a tr ibu to da 
n a tu reza fem inina. A justiça form al descurou-se , pois o d ire i­
to escrito estabelecia a igualdade jurídica, m as n ã o hav ia um a 
p restação positiva no p receituário juríd ico-positivo no sen ti­
d o de d a r cum prim en to ao estabelecido dogm aticam ente . Isso 
q u e r d izer q ue a rea lidade que circundava a lei era outra.
M esm o as m ulheres que escreviam sobre as pessoas d e seu 
sexo - mulher viril - eram em sua m aioria consideradas rigoro­
sas em suas prédicas e enunciados, ao se referirem à m ulher.
A p rópria Cristina de Pisán, c itada linhas atrás, é vista por 
LEILA M EZA N ALGRANTI com o au to ra rigorosa em seus 
preceitos sobre a m ulher. Diz essa Autora: "O livro d e Christine 
de P izan, escrito no início d o século XV e d irig ido às m u lh e ­
res de todas as origens e classes, reúne u m conjunto d e a d ver ­
tências sobre a condu ta e a m oral fem ininas, e n a d a deixa a 
desejar frente à severidade dos conselhos m asculinos
A hon ra é explicitam ente um substan tivo d u p lam e n te fe­
m inino: pela sua etim ologia e pela l inguagem constru ída so ­
b re o im aginário social da época. E mais: v incu lado à sexuali­
d a d e da m ulher. Daí, o que não é de a d m ira r q ue na práxis da 
legislação pena l brasileira, "na legítim a defesa da h o n ra" , foi 
estabelecido um costum e em que esse conceito d iz respeito 
não a u m a v irtude pessoal, m as ao c o m portam en to sexual fe-
" Sobre o conceito de honra da mulher colonial brasileira ver Leila Mezan Algranti, 
in: Honradas e Devolas: Mulheres da Colônia - Condição feminina nos conventos 
e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750 - 1822. Rio de Janeiro: José Olympic, 
Brasília: Edunb, 1993, Capítulo 3, pp. 109-156.
2 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
m inino , que desborda pa ra o espaço público m asculino, sen ­
d o rejeitado pelo que se considera u m desvio de co m porta ­
m en to social, p o r es ta r l igado ao adu lté rio fem inino . Pelo 
m enos, esse conceito vigeu po r m uito tem po.
Fala-se igualm ente d o rigor com que tra tou as m ulheres 
H ildegard Von Bingen, apontada como um a m ulher que foge 
aos padrões culturais da época em que viveu. Foi abadessa de 
u m mosteiro beneditino, no século XII, na Alemanha, e que exer­
ceu um a forte influência sobre as lideranças de seu tempo.
Q u a n d o se levantou a questão de que H ildegard escrevia 
a len tados livros, livros q ue m arav ilhavam e q ue e ram p ro d u ­
to de revelação divina, foi tal fato levado ao Papa, o qual d e ­
s ignou u m a com issão que exam inaria o fato in locum. Consta 
que em pa lavra d irig ida ao Papa A nastácio IV, H ildegard te ­
ria im precado que o Sum o Pontífice estava neg ligenciando a 
régia virtude da justiça.’^
'2 0 costume vem de muito longe em projeção de tempo passado. As Ordenações 
Filipinas concediam ao marido da adúltera o direito de a matar, havendo de ser a 
morte civil ou natural, a depender das circunstâncias. (Livro 5, Título XXV). Igual­
mente 0 marido podia matar o adúltero, desde que esteja certo que ambos cometem 
adultério. Na hipótese de flagrante delito ou em decorrência de decisão judicial que 
aplicasse a pena de morte à mulher adúltera, todos os bens dela revertiam a favor 
do marido. (Livro 5, Título XXV).
Hildegard escreveu muito. Dizem que o Convento por ela fundado no monte Rupert, 
em Bingen, Alemanha, tornou-se a sa la de espera da E uropa e que pessoas pro­
eminentes da época vinham aconselhar-se com ela: papas, bispos e príncipes, Cfr 
Kurt Allgeier, In: Receitas Milagrosas de Médicos e Místicos - Remédios Naturais 
de Dois Milênios. Trad, de Célia Maria Würth Teixeira, [s. local]: Editora Tecnoprint, 
1986, p, 61. Ainda sobre Hildegard Von Btngen, ver José Rivair Macedo. In: A M u­
lher na Idade Média, 5. ed. (rev. e amp,). São Paulo: Contexto, 2002, p. 87. Igual­
mente, com a informação de que Hildegard foi estigmatizada por criar problemas 
em função de sua inteligência e de suas idéias e em face disso haver sido-lhe nega­
dos os sacramentos por seis meses, retirando-lhe, também, o direito de ser musicista, 
ve r Peter Stanford, In: A Papisa ~ A Busca pela Verdade Atrás do Mistério da Papisa 
Joana. Trad, de Márcia Frazão, Rio de Janeiro: Gryphus, 2000, p. 131. E com a 
conotação de que Hildegard von Bingen adotou a doutrina de Agostinho quanto ao 
pecado original, e também fazendo alusão ao livro sobre medicina natural escrito 
por aquela Abadessa, no que tange à questão da contracepção, ver u ta Ranke- 
Heinemann, In: Eunucos Pelo Reino de Deus ■ Mulheres, Sexualidade e a Igreja 
Católica, 3. ed. Rio de Janeiro: Record - Rosa dos Ventos, 1996. pp. 199 e 216.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO OE JUSTIÇA
O discurso da justiça im prim ia a d es ig u a ld ad e en tre os 
sexos, ao m esm o tem po que se deb la te rava sobre u m conceito 
p u ram e n te dogm ático e de justiça terrena. H ildegard v iveu 
en tre 1098 a 1179, m ais d e um século an te s d e T om ás de 
A quino , p o rém a Teologia, p ro d u to ra d o Direito d e então, v i­
via a florescência da Patrística, que exaltava o pecado origi­
nal, a q u e d a d o ho m em e com fortes acentos d o conceito 
m aniqueísta , do bem e d o mal.
O ra , a c u ltu ra re lig iosa ag o s tin ian a im p re g n o u o D ireito 
e aí se seg u e u m esforço de t ra n sc e n d e n ta liz a r a d o u tr in a 
ju ríd ica , ao lado d e u m a concepção pessim is ta e d em eritó ria 
d a n a tu re z a h u m a n a , o q u e lev o u a es tabe lece r d e s ig u a ld a ­
des e n tre os sexos, em v ir tu d e d o p e c a d o o rig ina l. A m u ­
lher, re sp o n sá v e l pe la f raqueza no É den , lev o u o seu com ­
p a n h e iro a pecar, e d a í a d eca ída d o ser h u m a n o em toda a 
su a descendênc ia .
A filosofia da justiça passa a in tegrar a recolha da iusfilosofia 
do Bispo de H ipona. A questão da justiça d o s d ire itos da 
m ulher achava-se no continente do m aniqueísm o cu ltuado por 
Santo A gostinho d u ran te anos d e sua ju v en tu d e e presen te 
em suas obras, inclusive na autobiografia que e s c r e v e u .E r a 
a lu ta d o bem contra o mal. A n a tu reza contra o intelecto. A 
Biologia contra a C ultura . Restou à m ulher, a n a tu reza com a 
sua capac idade procriadora , p o rém frágil p e lo seu p ecado de 
ten ta r o hom em A dão no Paraíso.
A idéia de igua ldade constru ída pelos filósofos gregos so ­
fria injunção d e u m a exegese que partia d o m al e do bem - 
do u tr in a m anique ís ta resva lando pa ra a questão da subor-
Os seus livros mais conhecidos são: De Civitate Dei (A Cidade de Deus), inicia­
do em 424 d.C., e Confissões, iniciado em 396 e completado em 399, com um 
Capitu lo sobre a sua v ida após a conversão. Trata-se, aqui, de sua autobiografia.
C ID A D A N IA D A MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
dinação, da polarização d a existência de um ser superio r (sexom asculino), e de u m ser inferior (sexo fem inino).’^
A ques tão da m ate rn id ad e foi elevada à condição d e ser a 
fu n ç ã o e x c lu s iv a d a m u lh e r , p o is a r e p r o d u ç ã o n ã o se 
com patib ilizava com a p rodução , ou seja, era u m a p rodução 
p a ra trás - re-p rodução u m a função m eram en te biológica e 
socialm ente genealógica. Esse era o p red icam en to aceito pela 
C u ltu ra d a época e sed im entou-se com o tal.
CAPÍTULO 3 
A CIDADANIA: SUBSTANTIVO DUPLAMENTE FEMININO 
EM MEIO AOS MOVIMENTOS DE MASSA
Os d ire itos da m ulher e em particu lar os seus d ire itos de 
c idadan ia p rovêm não d e valores sed im en tados na C u ltu ra 
da H u m a n id a d e , e, sim, de contravalores defen d idos em m o ­
v im entos de m assa da Contracultura.
N os anos sessenta do século XX, irrom pem m ovim en tos 
de g ru p o s que levan tam bandeiras com o as que tra d u z ia m a 
em ergência d o pacifismo, d o m ovim ento ecológico, e d o m o ­
v im ento de igua ldade de d ireitos entre hom ens e m ulheres, 
d en tre outros. São os cham ados g rupos de pressão, o u seja, 
pessoas ag ru p a d a s em face de um a p a u ta de reivindicações
0 maniqueísmo é apontado como o último grande movimento reiigioso no O rien­
te. surgido após o Cristianismo e anterior ao Islamismo. Foi fundado por Mani, de 
origem persa, o qual se dizia ser o Espírito Santo prometido por Jesus Cristo. A 
sua doutrina considerava a procriaçào um ato diabólico, de vez que o homem era 
um ser gerado por uma partícula de luz presa em um corpo gestado por demônios. 
Por aí se deduz a forte influência dessa doutrina nos conceitos teológicos e filosó­
ficos desenvolvidos por Agostinho, o que levou a Cultura Religiosa a perpassar 
séculos com conceitos antinómicos sobre o que é bom e o que é mal. Essa con­
cepção, no que tange à exegese religiosa cristã, tem se modificado em função de 
enfoque antropológico, trabalhado por teólogas, que utilizam a noção de anthrópos. 
isto é, do masculino e do feminino como conceito universal de humanidade. Sobre 
Mani e a sua doutrina, ver Uta Ranke-Heinemann, in: op. cit., p. 93.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO OE JUSTIÇA.
q ue têm u m a linguagem de substancialidade, q u an to ao d i ­
reito à v ida e à d ignidade.
N o bojo do expressar da C ontracultura, a m u lher reivindica 
direitos d e cidadania, vistos estes com o u m a gam a de direitos 
que incluem direitos civis - o de livre expressão, de reunião e de 
ser tratada com igualdade perante a lei; direitos políticos que 
abrangem um a ação positiva que, além de votar e ser votada, 
seja mais participante do processo político, com lideranças em 
comunidades, paróquias etc.; e direitos de natureza socioeconômi- 
ca, a ter em conta aqui o direito a produzir economicam ente, a 
ser m em bro ativo da sociedade p rodu tiva e de consum o etc., 
afora o direito a l idar com o seu corpo e a sua sexualidade.
H á aqui um rom pim en to com a H istória C ontínua, com o 
d iz FOUCAULT, ou seja, há um a ru p tu ra com os conceitos de 
con tinu idade histórica. N asce aqui ou tra versão de po d e r, não 
m ais 0 que inculca estigm as ao corpo e à alm a, m as u m a supe ­
ração d o patria protestas, po r m eio de u m a transform ação cu l­
tural, que v em a pag an d o a noção tradicional rom anística.
Essa transform ação , na v e rdade , é pa rte do m ov im en to 
racionalista do Ilum inism o que detecta no sag rado - e aqui o 
vocábulo é extensivo a a tender várias form as d e m anifestação 
religiosa - a razão m aior de postu ras identificadas com n o ­
ções alegóricas d e separação en tre hom ens e m ulheres , sobre ­
tu d o q u a n d o essas ú ltim as utilizam form as racionais ou não 
de detenção d e poder. D oravante o p od e r é racionalizado , diz 
WEBER, a través d e condu tas racionais - legais.
O direito político a ser estendido à m ulher é m edida m aior a 
ser conquistada, algo mais que o poder de votar e de ser votada.
N as peg ad as d a H istória, com relação ao d ire ito de voto, 
há que se d izer que no Brasil, d esde an tes de sua in d ep e n d ê n ­
cia form al, um d e p u ta d o baiano , rep re sen ta n te nas C ortes
CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO OE JUSTIÇA
G erais p o r tuguesas (1822), contribu iu com u m ad itam en to ao 
artigo 33 d o projeto da C onstituição que en tão se e laborava, 
no qua l p ro p u n h a que a m ulher que fosse m ãe d e seis filhos 
legítim os tivesse d ireito a votar nas eleições.
A proposição foi d e rro tad a p o r um d e p u ta d o po rtuguês , 
ao afirm ar este em seu parecer que se tra tava d o exercício de 
u m d ire ito político e que as m ulheres n ã o o têm p o r serem 
incapazes.’ ^ E acrescenta em latim: "Mulier in ecclesia taceat" 
(a m u lher deve se calar nas reuniões).’^
Infere-se assim o estigm a social im p u tad o à m ulher, pois 
m esm o o critério biológico de ser m ãe de seis filhos n ão a u to ­
rizou a concessão d o d ire ito de sufrágio,
N ão consta o nom e desse d e p u ta d o ba iano nos anais da 
C onstitu in te brasile ira d e 1823, e o projeto desenvo lv ido p e ­
los dez m em bros nom eados pelo Im perador, após a dissolvição 
d a A sse m b lé ia C o n s t i tu in te , a p a r d e a d o ta r o s u frá g io 
censitário, não a dm itiu o voto d a m ulher, d e form a a perm itir 
o d ireito d e participação no processo eleitoral. (Arts. 91 a 97 
d a C onstitu ição brasileira de 1824).
O I lum in ism o não h av ia d isp e rsad o a inda o es te reó tipo 
d a m u lh e r b iológica e a sua incapac idade p a ra o tra to d o es ­
paço público. Este ú ltim o era an tôn im o d o espaço d o m és ti ­
co e este um significante unívoco ap licado a p e n as às tarefas 
fem in inas m anuais .
Tratava-se do Deputado Domingos Borges de Barres, representante da Provín­
cia da Bahia às Cortes Gerais portuguesas incumbidas de elaborar a primeira Cons­
tituição de Portugal. A informação colhida de João Batista Cascudo Rodrigues acres­
centa ser aquele deputado pai da futura Condessa de Barrai, a quem ajunto a 
informação de ter sido aquela por seu turno uma mulher do tipo “viril", pela sua 
participação intensa na vida social do Segundo Império, havendo trocado corres­
pondência com o Imperador Pedro II. A informação de Cascudo Rodrigues está 
contida em A M ulher Brasileira - Direitos Políticos e Civis, 3, ed. Brasília; Centro 
Gráfico do Senado Federal. 1993, pp. 43-44.
A tradução é minha.
CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
CAPÍTULO 4
A MULHER E A POLÍTICA DO PODER; A CAÇA ÀS BRUXAS
O poder, pa lavra polissêmica e que foi t ra d u z id a em lin ­
guagens variadas, subjaz às políticas de m ando , de obed iên ­
cia ou, com o d iz MAX WEBER, às relações d e dominação.^®
Incursionando na H istória da Inquisição h á d e se verificar 
q ue literalm ente a caça às bruxas foi u m a form a de m arg inali­
zar as m ulheres que agiam na in form alidade do po d e r, no tra ­
to das forças da natu reza, e po rtan to u m a espécie d e cercea­
m en to da voz fem inina d o não-d ito , com batido pelo Poder 
Oficial com o apostasia. A bruxa trabalhava às ca ladas e esse 
silêncio tinha voz a ltam ente incôm oda.
U m a fo rm a d e não -dec lara r d ire ito s era a d e p e rseg u ir 
m ed ian te a abjuração, que tanto se revestiu d e estigm as soci­
ais q u an to d e condenação religiosa. E aqui o im aginário dos 
acusadores vai longe ao pon to de revelar que os dem ônios 
p o d em partic ipar da geração de hum anos, a través das b ruxas 
que em conluio carnal com íncubos e súcubos,'^ geram seres 
hum anos. São, assim , m ulheres d enominad as de b ruxas ou 
feiticeiras p o r causa d a " m agn itude de seus a tos m aléficos". E 
"enfeitiçam a m ente dos hom ens, levando-os à loucura, ao ódio 
insano e à lascívia desregrada".
Para o esludo da Sociologia da Dominação, ver MAX W EBER, in: Economia y 
Sociedad- E.sbozo de ‘Sociologia Compreensiva’. Trad, de José Medina Echavaría 
et allii. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992, pp. 695 a 889.
íncubos e Súcubos são demônios masculinos e femininos que em conluio carnal 
com as bruxas faziam-nas procriadoras de seres monstruosos. Sobre a matéria, 
ver verbetes ín cu bo s e sú cu b o s in: Manfred Lurker, Dicionário de Dioses y Diosas, 
Diablos y Demônios. Barcelona/Buenos Aires/México; Ediciones Paidos Ibérica 
(s.d,],
" Ver sobre o tema O Martelo das Feiticeiras - Malleus Maleficarum trad, de 
Paulo Fróes, 12, ed. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997.
Ver Introdução Histórica, de Rose Marie Muraro. Ibidem, pp. 5 a 17,
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
É m ister deixar claro que aqui é feita um a referência científi­
ca no sentido da História das M entalidades. Trata-se de ação 
situada no tem po histórico, que se apóia em saber teórico, como 
tam bém em regras imaginárias, os quais levaram à prática for­
m as d e agir que vistas a distância do tem po em que aquelas 
foram produzidas pode parecer - e parece, efetivam ente - em 
evento declaradam ente esdrúxulo e sem cabida nos dias de hoje.
O poder, en tre tan to , secularizou-se e se agasalha no d o m í­
nio da Sociologia, da Ciência Política e do Direito. A seculari- 
zação é de a lgum a form a u m m odo de dessacralizar. E passa a 
ser u m valor no com plexo de valores da Era M oderna.
O u d ito em ou tras palavras: com a secularização há um 
en tend im en to en tre religião e cultura, den tro de um processo 
de historicização e d e m undificação do sen tim ento religioso. 
Este é expu rgado d os elem entos q ue lhe in q u inavam p o r p e r ­
pe tra r a titudes ortodoxas, ou fundam en ta lis tas e com apoio 
do p o d e r civil, es tando este a tre lado àquele, com o acontecia 
na Id ad e M édia, e, a inda, no início da Era M oderna.
A questão do p o d e r em conexão com o tem a d as b ruxas há 
de ser vista p o r u m prism a "político" d o conceito u n o d o Es­
tado, ao m esm o tem po tem poral e espiritual, ancorado na Igre ­
ja Católica que en tão se institucionalizava. É obra resu ltan te 
de vários fatores, inclusive na o rdem sincrônica e diacrônica 
dos fatos. H á um delineam ento p ro longado através dos tem ­
pos, na configuração d o Estado.
D esde a Bula d e Inocêncio VIII (1484), a qua l reforçou o 
apare lham en to d o Tribunal Inquisitório, ou d e antes, de vez 
qu e o T r ib u n a l d o S an to O fício foi in s t i tu íd o p e lo P a p a 
G regório IX (1170-1241)^^ com o instituição perm anen te , wrfe;
Foi esse Papa quem instituiu a Inquisição sob a direção dos dominicanos. C on ­
tudo, sabe-se que o Papa que aprovou o uso de tortura na Inquisição, a fim de
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
et orbi, e com vistas ao com bate das heresias. Esse T ribunal 
sed iado em T oulouse torna-se am pliado jurisd ic ionalm ente 
p a ra a ting ir a França, Espanha, A lem anha e, em m en o r esca­
la, Portugal. H avia, ev identem ente, o apoio d o b raço secular, 
pois sabe-se que os juizes eclesiásticos não p ro n unciavam pe ­
nas capitais, d evendo os réus ser en tregues ao ju lgam en to do 
p o d e r civil. P raticam ente, este funcionava com o o aparelha- 
m en to ideológico daquele Tribunal, haja v ista q ue o substra to 
filosófico dos processos foi em basado em textos religiosos.
M ais um a vez, a simbologia está fortem ente presente, pois 
aqui 0 religioso mescla-se com o m ágico, ou seja, a perseguição 
às b ruxas tem supedâneo no m u n d o do imaginário, em que se 
creu que o "poder" delas em certa m edida é objeto da im agina­
ção de quem tudo podia fazer, ou seja, ter o pod e r aliado ao 
Dem ônio, para tudo realizar, inclusive operações inacreditáveis, 
como, po r exemplo, criar seres por metamorfose. E, ainda, apoi­
ados os autores do Malleus Melleficaram em filósofos m uçu lm a­
nos, sugerem aqueles que o poder da imaginação é capaz de, na 
rea lidade ou na aparência, modificar os corpos de outras pes­
soas, desde que esse poder de imaginação não seja reprimido.^^
colher confissões de heresia, foi Inocèncio IV {1200-1254), Assim, o Papa Gregório 
IX é v is to com o um P ontífice v irtuoso , havendo sido um fo rte de fensor dos 
franciscanos. Foi ele quem canonizou Francisco de Assis, seu amigo pessoal, em 
1228, Antonio de Pádua (ou de Lisboa), em 1232, e Domingos, em 1234. Ao criar 
a Inquisição, deliberou passar às mãos das autoridades civis a questão da pena de 
morte. Foi o mesmo Papa quem determinou a reabertura da Universidade de Pa­
ris, em 1231, modificando o interdito contra obras filosóficas de Aristóteles. Ver 
verbetes Gregório IX e Inocéncio IV, in: Richard P. McBrien, Os Papas - Os Pontí­
fices de São Pedro a João Paulo II, trad, de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: 
Edições Loyola, 2000, pp. 218-220 e 221-222, respectivamente aos dois verbetes.
22 Os filósofos muçulmanos citados são AL-GAZALI e AVICENA, o primeiro com 
uma form ação eclética, havendo sofrido várias influências do pensamento de sua 
época (1059/1111), tais como, da filosofia, teologia e do esoterism o e o segundo, 
na verdade, anterior a este. conhecido pelo nome de AVICENA, nascido em 980 da 
era cristã e famoso como o maior nome da filosofia neoplatônica islâmica, bem 
como da medicina medieval.
3 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
C o n tu d o , a ques tão da persegu ição no tocante às b ru x as é 
significativo de u m a época em que se com eçava a descobrir 
que o saber gera poder. Essa id en tid ad e com eça a se esboçar 
a p a r t i r d o m a rc o g a l i l e a n o , m a rc o q u e fo i c a p a z d e 
d e sco n s tru ir d o g m as fo rm ados e aceitos ao longo d o s sécu ­
los. É com o d ito p o r H ILTO N JAPIASSU, q u e "... o sen tido 
d o conhecer se converte em ação, em ato d e apodera r-se , em 
d o m in ação o u apropriação".^^
N a v e rdade , a Ciência de tonou o saber com o fonte de p o ­
der, conhecim ento universal, capaz d e m u d a r o conhecim en ­
to estabelecido, na interferência da N a tu reza e no p o d e r da 
detenção desse conhecim ento. É o desafio d o ho m em do sa ­
ber que altera a com posição das es tru tu ras d o poder.
Torna-se " insuportáve l" ver a b ruxa m an ip u lan d o as for­
ças d a N atu reza , com o aquelas desenvolv idas po r benzede i­
ras, cu rande iras e p rinc ipalm ente po r parteiras. A inda que de 
um a form a não-científica.
E era tão forte essa questão da crença nesses elem entos que 
todo 0 arcabouço da Justiça Civil se prestava a colaborar na ulti­
mação desses processos. O próprio Malleus Maleficariirn é um a 
peça jurídico-ideológica, d ifundida por toda a Europa, em sua 
prim eira versão latina e, após, em traduções, e um a peça essenci­
al para o estudo da m entalidade da época, na qual dois teólogos 
dominicanos - H enry Kramer e James Sprenger - eram professo­
res e delegatários para os fins de realização da "justiça", com 
plenos e irrestritos poderes para o exercício de seus misteres.
C uriosam ente , em época m ais recente, ISAAC N EW TO N 
serve-se de conhecim entos esotéricos, a lquim istas, ocultistas, 
a po n to de Keynes, em 1946, haver declarado que N EW TON,
Cfr. Hilton Japiassu, in: / is Paixões da Ciência - Estudos de História das C iênci­
as. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1991, p, 300,
CIDADANIA DAMULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
sendo o m aior filho d e C am bridge , foi n ã o o p r im eiro p e n sa ­
d o r da era d a razão, po rém o ú ltim o dos mágicos/'^
A inda segundo JAPIASSU, foi relevante o trato da trad i­
ção m ágica ou herm ética no pensam en to de N EW TO N , inclu ­
sive h a v e n d o este p recu rso r cientista d o M u n d o M oderno 
haver rea lizado um estudo transdisciplinar, em que são es tu ­
dad o s P itágoras - o que com parou a Justiça à perfeição de um 
n ú m ero q u a d ra d o - , Virgílio, São Paulo, M oisés, Salom ão e 
ou tras f iguras de expressão no m u n d o do pensam en to filosó­
fico e religioso, inclusive afirm ado que P itágoras conhecera 
no seu tem po a lei da gravitação.
São postu lações de novas épocas, nas quais falar de "p o d e ­
res ocultos" já não d en o d av am processos de ex term inação de 
apostasias. E, por via d e conseqüência, já se via Galileu em 
ou tra ótica, e a justiça transfigura-se em n om e de um outro 
e lem ento cham ado razão, e que às vezes n ão confirm ava essa 
confluência em torno da perfeição d a igualdade da justiça do 
quadrado.
H á um a segunda conciliação en tre a razão e a fé. E o Direi­
to abre cam inho pa ra que o ser h u m an o com plete a sua obra 
social e política. D issem os acima que se tra tava de u m a ru p tu ­
ra, m ais ao sabor foucaultiano. C om efeito, há u m a m udança 
de ru m o den tro d o conceito de sexo, pois a d iscrim inação aí 
constru ída parece fazer parte de um a tessitura política e lin­
güística. E com o o Direito é tam bém política e l inguagem , é de 
se inferir que a m udança do rum o perm eie as regras do Direi­
to Positivo, com u m ingredien te novo: a justiça va lo rada pelo 
e lem ento m aterial. H á um a interação en tre a m u d an ç a social
** A frase atribuída a John Keynes acha-se citada em Hilton Japiassu, op. cit., pp. 
123 0 segs-, dentro do Capítulo 4. O Contexto Mágico - Religioso - Político de 
Newton,
3 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
e o apare lho receptor do Direito q ue se im pressiona e percute 
an te os fenôm enos da v ida social.
E a justiça m ateria l se inflete n a igua ldade ex ortada em to ­
dos os prism as: n a construção de u m m u n d o m ais igual, nas 
relações p ro d u tiv as m ais equ ilibradas e eqüita tivas, n o en cu r­
t a m e n to d a s d e s ig u a l d a d e s so c ia is e r e g io n a i s {vide 
p ro g ra m á t ic a d a C o n s titu ição b ras ile ira de 1988, em seu 
exórdio , art. 3° e incisos) e na efetivação da ig u a ld ad e entre 
h o m em e m ulher, den tro do espírito da filosofia dos Direitos 
H um anos. Aí se inicia o processo de c idadan ia d a o u tra m eta ­
de d a H um an idade .
A c idadan ia é vista no contexto de um a justiça m aterial, 
esta, na concepção de ser a realizadora d a ig u a ld ad e jurídico- 
form al. É o constructo m aterial, isto é, a rea lidade c ircundan te 
d o Direito, q u e vem a ser tom ada em conta pa ra q u e haja um 
encontro efetivo do juspositiv ism o com a rea lidade histórica 
e social, já que n a p rópria tessitura d o Direito form al de há 
m uito se in seriu o elem ento subjacente d o ius e d a aequitas, 
v in d o a faltar, apenas, a concreção das rea lidades sociais na 
construção formalística da lei.
H á, po r ou tro lado, u m crescim ento ou transição n a cons­
trução simbólica da cidadania, até, quem sabe, por u m acúm ulo 
d a m en te social coletiva ou pa ra usar da insuperável expres ­
são d e JUNG, m ed ian te a rq u é tip o s ancestrais.
Jung nos dá a idéia de arquétipos no seguinte exemplo: “Permitam-me a seguin­
te comparação: suponhamos que nos incumbiram de descrever e explicar um edi­
fício cujo andar mais alto foi construído no século XIX e cujo andar térreo data do 
século XVI. Investigações mais acuradas das paredes nos revelam ainda que esse 
edifício foi reconstruído a partir de uma torre do século XI, No porão descobrimos 
alicerces romanos e abaixo do porão encontra-se uma caverna soterrada. No fun­
do dela se encontram instrumentos de pedra na camada superior e restos da fauna 
da época na camada inferior. Essa construção se assemelha de certa form a à 
imagem de nossa estrutura psíquica: vivemos no andar mais alto e só vagamente 
sabem os que o andar térreo é relativam ente antigo. E sobre o que se encontra
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
A considerar essa revivescência há que se ver que os concei­
tos de cidadania e de justiça atribuídos à m ulher vêm de ser 
retom ados em pleno século XX, a inda que a princípio sob um a 
ótica de Direito N atura l a ser positivado - Declaração U niver­
sal dos Direitos H um anos da ONU, de 1948 e posteriores Acor­
dos e Convenções assinados com vistas à igualdade na política, 
no trabalho, na vida social, enfim, no espaço público.
O u na ótica dos arquétipos, quiçá há u m a re tom ada d a p a r ­
ticipação política da m ulher, igual ao ou tro gênero , cultura 
essa que seg u n d o estudiosos p ro sperou em civilizações e épo ­
cas arcaicas, ou m ais antigas, não obstan te tal verten te não 
haver s ido versada pelo preclaro JUNG, a té p o rq u e d u ran te a 
sua época, o arqué tipo da m ulher se circunscrevia à m ãe, que 
é identificada ao yin chinês, enquan to o a rqué tipo d o pai, re ­
lacionado ao yang, de te rm inava a relação com a lei e com o 
Estado, po rtan to , acrescento eu, com o poder.
O ra, há es tudos arqueológicos que nos levam a asseverar 
que não é d e todo im proceden te tal possib ilidade. N ão se quer 
com isso criar nova tese, con tudo há que se ressaltar que os 
es tudos e pesqu isas sobre a v ida arcaica da H u m a n id a d e dão 
conta de que há u m im pulso inicial pa ra considerar u m a e ta ­
pa da hum anidade que se assentava em um a igualdade entre 
hom ens e mulheres, ou até de desequilíbrio nessas relações em 
detrim ento do hom em . Tal assertiva nos vem de BACHOFEN,^^
abaixo da superfície não temos conhecimento algum” . Esse exemplo com a infor­
mação da complexidade da questão acha-se em CARL G. JUNG, in: Civilização 
em Transição. Trad, de Lúcia Mathilde Endiich Orth, 2. ed. Petrópolis: Editora Vo­
zes, 2000, pp. 35 e segs.
" Bachofen é citado por Joseph Campbell et allii, in: Todos os nomes da Deusa. 
trad, de Beatriz Pena, Rio de Janeiro; Record - Rosa dos Tempos, 1997, p. 63. 
Ver, igualmente, Friedrich Engels, in: A Origem da Família da Propriedade Privada 
e do Estado, trad, de João Pedro Gomes, Lisboa-Moscou: Editorial “Avante!", 1985, 
O autor citado é Johann Jakob Bachofen (1815-1887), historiador e jurista suíço, 
autor de “0 Direito Materno” .
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
q ue considerava o m atriarcado com o a form a m ais prim itiva 
d a sociedade hum ana. Aliás, esse ú ltim o pesqu isado r é um 
dos au tores es tudados por ENGELS quan d o do desenvolv i­
m en to d e suas pesquisas que vieram em basar a sua obra so ­
b re a Família e a P ropriedade.
Por ou tro lado, há evidências de u m equilíbrio de direitos 
en tre hom em e m ulher no Egito Antigo. Prim eiro, pela rele ­
vância de sua d eusa ISIS, que encarnava a p ró p ria im agem do 
Egito, seg u n d o a palavra au to rizada da eg iptóloga CHRISTI- 
AN E DESROCHES NOBLECOURT.
Era o u to rgada liberdade à m u lher egípcia que não conhe­
cia a tutela, com o ocorreu com a m ulher rom ana; em m atéria 
d e d ire itos de sucessão, os quinhões eram iguais pa ra os h o ­
m ens e pa ra as m ulheres e pod iam elas escolher o seu m ari­
do, o que não acontecia com as rom anas, e p o r a tav ism o cul­
tu ra l não existia tam bém tal l iberdade às m ulheres do m u n d o 
ocidental, particu la rm en te d a Península Ibérica. Por via de 
conseqüência, as m ulheres brasileiras d a época colonial não 
gozavam dessa liberdade, havendo tal fato se es tend ido até 
a lgum as décadas atrás.
Dá-nos conta NOBLECOURT que a m ulher egípcia gozava 
de am pla capacidade jurídica - referindo-se à m ulher não-es- 
crava - e o que é m ais curioso é que a m ulher casada, no início 
da XIII dinastia - cerca de 1785 a.C. - era detentora d e um a 
am pliada capacidade legal, p odendo até convocar o seu pai em 
Juízo, a fim de proteger os seus próprios interesses p r iv a d o s / '
Ao revés, até 1962, em nosso país, à m u lher casada era im ­
p u ta d a um a incapacidade relativa, em face d o C ódigo Civil 
q ue assim o de te rm inava em seu artigo 6° . Era a m arca pro-
2’’ Sobre a mulher no Egito Antigo, ver Christiane Desroches Noblecourt, in: A 
Mulher no Tempo dos Faraós, trad, de Tânia Pellegrini. Campinas, SP: Papirus, 
1994, Sobre as informações acima, ver pp. 207 a 216, passim.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA 4 1
funda d o Direito Rom ano, trazida até nós via Código Civil 
N apoleònico, este, desprestig iador do direito das m ulheres por 
força d a velha tese da incapacidade do sexo fem inino. Foi essa 
verten te que se d ifund iu no Direito O cidental, fo rm ulado ao 
longo dos séculos e d e forte laivo religioso em face das d o u tr i ­
nas desenvo lv idas d u ran te a Idade M édia, e que no fenôm e­
no da aculturação p e rm eou os vários o rdenam en tos jurídicos 
dos países eu ropeus ocidentais.
Em resum o do C apítulo, im pende d izer que há u m a lin ­
guagem reducionista constru ída em face d e excluir a m ulher 
da usufru ição de d e te rm inados estados, sob re tudo q u an d o se 
trata d e estados d e "graça intelectual", forjadora do poder, 
a p o n ta n d o -s e aq u i u m a p ró p r ia r u p tu r a com o d isc u rso 
heurístico sobre o qual a Justiça em sua origem está assen ta ­
da. N a v e rd ad e , h á u m a lu ta im plícita e silenciosa d e n tro da 
qual se o peram interesses com o os desenvolv idos pelo T ribu ­
nal Inquisitório , o qual operava com a apriorização de certos 
conceitos com o os expendidos em Bulas e no fam oso Malleus 
Malleficarum, qu an d o "dogm as" eram estabelecidos p o r vári­
os p rocessos intelectivos e, p o r via de conseqüência, pelos 
processos judiciais de na tu reza nâo-dialética.
Ao sabor dos séculos, ver-se-á um a ru p tu ra epistem ológi- 
ca no d iscurso jurídico e p articu larm ente no tem a d o poder.
CAPÍTULO 5 
O CONVENTO: LOCUS DE CIDADANIA DAS MULHERES?
Tem os v isto ao longo deste trabalho que a c idadan ia é h is­
to ricam ente expressão de um gênero - m ascu lino - e de um a 
elite econôm ica e cultural d u ran te o processo de conquista 
daqueles direitos.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Foi assim em A tenas e em Roma. Foi assim d u ran te a Idade 
M édia, cujos estam entos senhoriais, ao lado do Clero, de ti­
n h a m a pa lavra e o pod e r decisório. Foi igualm ente assim por 
ocasião do Ilum inism o, pois afora a m arginalização da m u ­
lher no processo político, com o vim os, po r exem plo, na C ons­
titu ição francesa d e 1793, esta e a p rópria Revolução Francesa 
priv ileg ia ram o princípio censitário, afora o h aver excluído o 
d ire ito de voto às mulheres.
O que se verifica em verdade é a prevalência da lei d o p ro ­
cesso legal form al, vale dizer, que os d ire itos e facu ldades le­
gais estão garantidos, sem que haja qua lq u e r ten ta tiva de se 
assistir o ind iv íduo , no uso desses poderes. Sobretudo , q u a n ­
do esse in d iv íduo tem papéis sociais femininos.
Por ou tra parte , os critérios pohticos desenvo lv idos d u ra n ­
te e após a crescente vaga d o Ilum inism o esbarravam -se na 
face d a justiça form al, po is o sufrágio era exercido o u pelo 
reg im e censitário o u pelo princípio capacitário.
Pelo p rim eiro , os negócios d a com un idade nacional devem 
esta r afetos àqueles que detêm interesses reais ou p o r p o ssu í­
rem bens ou po r terem rendas que justifiquem o d ire ito ao 
voto e à participação no negócio público.
M ediante o segundo princípio, esse d ireito seria conferido 
n ã o a p en as àque les que cap itu lavam na s ituação an terio r, 
p o rém era baseado tam bém na capacidade, no d iscern im en ­
to, no ter títulos acadêm icos e no ter independência suficien­
te, p ressupostos , seg undo a teoria, de que só esses c idadãos 
têm tirocínio pa ra a decisão das políticas a serem ado tad as 
pelos governos.^®
Houve um critério de voto plural existente no sistema belga de votação, em 
1893, O sufrágio masculino universal foi aí adotado, porém com características no 
m ínimo curiosas. Tratava-se dos votos extras concedidos a pères de famille. que 
houvessem atingido a idade de 35 anos. Essa informação está contida em Reinhard
CIDADANIA DA MULHER, LIMA QUESTÃO DE JUSTIÇA,
C om o incluir aí as m ulheres, que não sab iam ler ou escre­
ver na m aior pa rte delas? Ora, o saber nas m ulheres sem pre 
foi es tigm atizado em função de a rgum en tos que jam ais sub ­
sistiriam no m u n d o atual. A saída pa ra o acesso à instrução e 
à cu ltura era a v ida religiosa, sem, en tre tan to , h aver com o ex­
p a n d ir d e te rm inadas vocações literárias ou ap tidões intelec­
tuais m ais conspícuas. Ao contrário, ten tava-se obstaculizar 
ou a té p u n ir essas m anifestações ou "desvarios" d a m ente fe­
m in ina m erg u lh ad a na escuridão das letras.
A Inquisição e spanhola levantou suspeitas sobre Santa Te­
resa D 'Á vila , que, segundo ARTHUR STANLEY TURBEVIL- 
LE, é a m aior e m ais am ável de todos os m ísticos espanhóis. 
M e sm o a s u a a u to b io g ra f ia e s p ir i tu a l foi d e n u n c ia d a à 
Inquisição, a qual levou dez anos pa ra decid ir se a leitura era 
o u não conveniente pa ra os cristãos.
U m destino assem elhado ocorreu com Juana Ines de la Cruz. 
Im pelida pela v o n tad e de desenvolver a le itu ra e h avendo 
descoberto que não era perm itido às m ulheres dedicar-se a 
estudos, tom ou a decisão de en trar em u m convento , o n d e leu 
um a im ensidão de livros de Ciências, de H istória e de poesi­
as, afora ser levada a um m isticism o p ró p rio d a época. Fez 
p ro fu n d a s m editações e escreveu bastante.
E considerada a p rim eira voz fem inina d as A m éricas que 
teve a coragem de d izer que todas as pessoas tinham o m es­
m o d ireito à educação.
N ão foi, en tre tan to , com preend ida pela sua com unidade ,
Bendix, in: Construção Nacional e Cidadania, trad, de Mary Amazonas Leite de 
Barros. São Paulo: Editora da Universidade de Brasília, 1996, p. 133. A expressão 
em francês é do original.
^ Ver Arthur Stanley Turbeville, La Inquísicion EspaHola. México/DF: Fondo de 
Cultura Econômica, 1985, p. 96.
4 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
h av en d o sido p ro ib ida de continuar a escrever sob p ena de 
ser expulsa do convento.
M uitos são os casos ocorridos em q ue m ulheres d 'a n ta n h o 
v iram na v ida religiosa e conventual a form a m ais viável de 
exercer u m a cidadania, a inda que lim itada.
NATALIE ZEM ON DA VIS pesquisou a história de M arie de 
rincam ation , que emigrou para a América, im pulsionada pela 
v ida religiosa, indo ao Canadá onde se dedicou à instrução dos 
autóctones. A princípio, escreveu em língua francesa e, após, nas 
línguas am eríndias locais. Corria o início do século XVII.^’
Só o C onven to p ropiciava o direito básico d e c idadan ia , ou 
seja, o saber ler e o escrever. Eem escalada g igante , ver p u b li ­
cados os seus escritos. N as palavras de M Ô N IC A RECTOR:
"As religiosas ocupam uma posição ambígua dentro da socieda­
de patriarcal. A representação das freiras, até o século XX, sem­
pre ofereceu ao leitor estereótipos que variam desde criaturas 
impotentes, até seres perversos e até mesmo imorais. Apesar de o 
convento ser considerado abrigo para mulheres, tornar-se freira 
muitas vezes significava uma rebelião contra o sistema patriar­
cal Quando as religiosas puderam escrever, passaram a es­
crever sobre elas mesmas e a desconstruir os estereótipos, desafi­
ando 0 conceito tradicional associado às freiras"
30 Juana Ines de Ia Cruz era mexicana e desenvolveu os seus doles de poetisa no 
âmbito do Convento para o qual entrara, “Convidada” a renunciar à literatura religi­
osa, abandona os seus escritos, vende a sua biblioteca em favor dos pobres. Para 
mais detalhes, ver Cadernos de Mulheres da Europa, n° 37, 1492: P resenças de 
M ulheres, Comissão das Comunidades Européias, Bruxelas, [s.d.].
Ver Natalie Zemon Davis, A/as M a rg e n s -T rê s Mulheres do século XVII, Trad, de 
Hitdegard Feist, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 65-131.
= Ver Mônica Rector, in: Mulher Objeto e Sujeito da Literatura Portuguesa, Porto- 
Porluga!: Edições Universidade Fernando Pessoa, 1999, p. 112.
A Autora relaciona várias religiosas que usaram de sua aptidão intelectual para 
escrever poesias (Sóror Violante do Céu); autos, comédias e hagiograíias (Sóror 
Maria do Céu): novelas (Sóror Madalena da Glória). E Sóror Mariana Alcoforado, 
que a Autora considera em lugar de realce.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA 4 5
O ra, a Idade M édia, longa com o foi, pois d u ro u quase 11 
(onze) séculos, é u m a e tapa da h u m an id a d e bastan te com ple­
xa p a ra um a análise ráp ida no que tange ao tem a que aqui é 
desenvolv ido .
De qua lquer ângulo , há que se ratificar q ue a relig iosidade 
e tu d o que lhe foi inerente - a criação de várias o rdens religi­
osas, a sacralidade d o Direito, o m isticism o etc. - a lavancou 
um estilo d e v ida p róprio , sobre tudo no que d iz respeito à 
condição da m ulher, esta que se desenvo lveu in te lec tualm en ­
te no recinto dessas instituições. Portanto , a "cidadan ia" , que 
tim idam en te d a í em ergia se c ircunscrevia no âm bito dos con­
ventos e d a v ida religiosa. Ora, é p recisam ente nos conventos 
e m osteiros o local em que se encon travam bibliotecas, pelo 
m enos den tro de u m m arco tem poral po r volta do século oita ­
vo (VIII) em diante. O Direito escrito era lim itado a de te rm i­
nad as regiões em função das U niversidades, c riadas a partir 
da de B o lonha e circunscritas ao m u n d o conven tual, o que 
de u à Igreja u m a função de vang u a rd a q u an to ao aspecto in ­
telectual e de p ropagação da Teologia. M as, p o r ou tro lado, às 
m ulheres não cabia e não lhes era perm itid o ingressar nessas 
Escolas, as quais só adm itiam hom ens que p u d e ra m se n o ta ­
bilizar, com o ocorreu com Santo A lberto M agno, São Tom ás 
de A quino, Santo Ivo, A belardo e outros tantos.
Por ou tro tu rno , sabe-se que nove m ulheres freiras desen ­
vo lveram a tiv idade de copista; tal fato é conhecido em do cu ­
m en to religioso existente, o qual foi cop iado pa ra o A rcebispo 
de Colônia, em p leno século IX, sab ido que essa era um a ati­
v id ad e in telectual de m uita relevância exercida nos scriptoria 
dos conven tos e m osteiros.
A posteridade tomou conhecimento dessas mulheres pelos seus nomes, assina­
dos no próprio documento. São elas: Girbalda, Gisliidis, Agleberta, Aduhic, Altildes,
4 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Portan to , o saber e os livros não e ram de acesso público. O 
saber estava p raticam ente concentrado no recinto das O rdens 
Religiosas e, após, já na Baixa Idade M édia, nas U n ivers ida ­
des criadas no âm bito das g randes Catedrais, e.g., de Oxford, 
Paris, Salam anca, Pádua etc.
M esm o assim , a lguns dos regu lam entos das bibliotecas da 
Idade M édia eram rigorosos, quan to ao uso das m esm as, com o 
o regu lam en to d a Biblioteca da U nivers idade de Oxford, onde 
foi estabelecido que só os g rad u ad o s ou religiosos, após oito 
anos de es tudo da filosofia, poderiam utilizá-la. Ao lado de 
que só poderiam u sa r os livros com o zelo necessário pa ra que 
n e n h u m dan o ou prejuízo pudesse adv ir d o m anuseio , com o 
rasu ras e estragos nos cadernos ou fólios.
A propósito , RÉGINE PERNO UD noticia que o status da 
m u lh e r n a Igreja da Idade M édia é o m esm o que o v iv ido na 
sociedade civil e o que conferia au tonom ia, independência e 
instrução, foi aos poucos sendo retirado da m u lh e r após a Ida ­
de M édia. E cita aquela A utora a degradação ocorrida em tem ­
pos m odernos q u a n d o o convento da O rdem d e Fontevrault, 
0 qual nos p rim eiros anos d o século XII, Robert D 'A rbrissel 
houvera ali fu n d ad o dois conventos, u m m ascu lino e ou tro 
d e m ulheres. Tal m osteiro foi posto sob a au to r id ad e de um a 
abadessa, Petronila d e Chem illé, a sua p rim eira d ire to ra , que 
estava en tão com 22 anos.
N o século XVI, o rei da França, tom ando a si a com petência
Gisledrudis, Eusebia, Vera e Agnés. Essa informação acha-se contida no prefácio 
de autoria de Marina Colasanti, na obra Lais de Maria de França, trad, de Antonio 
L. Furtado, Petrópolis, RJ: Vozes. 2001, p. 12,
Há documento intitulado Monumenta Acadêmica or Documents llustrative o f 
Academ ical Life and Studies a t Oxford, transcrito por Maria Guadalupe Pedrero - 
Sanchez, in: História da Idade t^édia - Textos e Testemunhas. São Paulo; Editora 
UNESP, 2000, pp. 187-188.
CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTiÇA
de nom ear abadessas e abades, fez de Fon trev rau lt um asilo 
pa ra as suas velhas am antes.
Do que se infere ser a monja um a pessoa g ozando de " re ­
ga lias” q u e d e o rd inário n ã o era com um ter na casa dos pais^ 
a m enos que se tra tasse d e m ulheres nobres, sendo educadas 
nos conven tos e a elas era destinada u m a educação esm erada. 
De qua lquer sorte, nos conventos aprend ia-se a ler, a escre­
ver, a cantar. A lgum as ap rend iam o latim e h á casos d e m o n ­
jas que sab iam o grego e o hebraico. É o caso d a princesa Isa­
bel, irm ã d e São Luís, fundadora d a A badia de Longcham p, 
que, seg u n d o relato de GENEVIEVE D 'H A U C O U R T, conhe­
cia o latim tão b em ou m elhor que os seus capelães.^^
A cidadan ia relacionada à m ulher, em sua acepção m ais 
am pla , não era apanág io da v ida civil, pois o lócus on d e era 
possível vivê-la den tro dos pad rões da época, s ituava-se na 
v ida c laustral, pois aqui as tarefas fem ininas não e ram apenas 
as essencialm ente de feitio privado , com o cu ida r d as a tiv ida ­
des dom ésticas, o u ou tras tarefas que se d irec ionavam ao p a ­
pel fem inino: saber ler os livros de H oras, q u a n d o se tra tava 
d e castelãs ou b u rguesas env iadas aos conven tos p a ra bu r ila ­
rem a educação , b o rd a r pa ra si e pa ra as igrejas etc. O s papéis 
d ito s "m ascu lin o s" tam b ém eram ali execu tados , com o já 
m ostram os antes. Falam os atrás que a A badessa H ildegard 
Von Bingen foi u m a cientista, m usicista, com posito ra e escri­
tora de livros sobre M edicina, além de h aver escrito vários 
trabalhos místicos. PERN O U D nos revela, igualm ente , q u e foi 
u m a m ulher, D 'hueda , quem elaborou u m prim eiro tra tado
Dados colhidos em Régine Pernoud, in: Idade Média: o que não nos ensinaram, 
trad, de Maurício Brett Menezes,2. ed. (rev.). Rio de Janeiro: Agir, 1994, pp. 112- 
114.
" Ver Genevieve D’Haucourt, in: A Vida na Idade Média, trad, de O linda Fernandes, 
Lisboa: Edição Livros do Brasil, [s.d.J, p. 112.
4 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
sobre educação, aliás, escrito em latim e esse fato se d á em 
torno d e 841-843.""
E tu d o isso ocorria enquan to do lado de fora dos claustros, 
em am bien te fechado das U niversidades, especulava-se so­
bre tem as p ro fundos da Teologia, da Justiça e d a Moral. Pois, 
na Baixa Idade M édia, renascia o interesse p o r ARISTÓTELES, 
rev iv ido p o r seu com entador árabe AVERRÓIS (1126-1198),^® 
cabendo a este a ingente tarefa de ten tar institu ir u m diálogo 
en tre a tradição m uçulm ana, o pensam en to de sua contem po- 
rane idade com a cu ltura grega clássica. A lógica aristotélica 
era traz ida à tona pelas traduções realizadas p o r esse filósofo 
m uçu lm ano , tendo com o fio condu to r a h isto ric idade e a u n i­
versa lidade d o conhecim ento, levando a Europa a ser d eposi­
tária d o saber racional, após a apreensão d a tradução dos tex­
tos clássicos po r A lberto M agno e Tom ás d e A quino , du ran te 
a Escolástica, e, após, ser rev iv ido pelo Ilum in ism o ao sabor 
das idéias dos enciclopedistas e dos cientistas cartesianos.
Assim, a categoria do racional foi apropriada pelo m ovim en­
to iluminista, separando o religioso do laico, o poder espiritual 
do temporal, v indo a atropelar a própria Igreja, acusando-a de 
paralisia, de imobilismo, de usufruidora de privilégios, acarre­
tando um a m udança abrupta de rum o no M undo Ocidental, após 
e a partir da Revolução Francesa. A cidadania continuou sendo 
privilégio d o gênero masculino, nas relações mais contraditórias 
de um m ovim ento de m assas que deslocou o eixo da História 
para frente e pa ra trás, com m archas e recuos, em m eio a um 
processo quase irracional e incongruente pelos métodos adotados.
Ver Règine Pernoud, op. cit., p. 117.
Averróis considerava ARISTÓTELES o mais sábio dos gregos. Dizia o filósofo 
muçulmano que todos os que até então sucederam o insigne filósofo grego não 
haviam sido capazes de acrescentar nada aos seus escritos. Ver AVERRÓIS, trans­
crito em Pedrero-Sánchez, op. cit., p. 65.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
CAPÍTULO 6 
RAZÃO l/ERSUS DESRAZÃO: A REVOLUÇÃO FRANCESA
N ada foi m ais real que a Revolução Francesa. N ada foi mais 
sim bólico que a m esm a Revolução Francesa.
N esta, a Razão foi erigida a u m nicho d e adoração. Por ela, 
criaram -se e destru íram -se m itos que ro laram ao m esm o tem ­
p o em que rolavam as cabeças na guilhotina.
O liberalism o aconchegado nas idéias ilum inistas trouxe o 
positiv ism o em suas m ais am plas concepções, e nos m ais d i ­
versos dom ínios.
A concepção do m onum ento jurídico, form ado e form ador da 
lei como expressão da justiça, destronca-se daquela junção aca­
dêmica do }us e do Fas, quando leis e cânones se fundiram para a 
formação do Direito Comum. Em outras palavras, do In utroque 
iure, com vistas a obter o jurisconsulto completo, aquele que fos­
se versado tanto no Direito Canônico como no Direito Civil.
Esta é um a fase que se inicia a inda no século XII, qu an d o 
Direito R om ano e Direito Canônico e ram braços d iferen tes da 
realização d a Justiça, para , após, se encon tra rem na form ação 
do Direito C om um .
A p artir da separação do cânone da v e rd ad e científica, com 
GALILEU, e da divisão do especulativo do em pirism o , com 
N EW TO N , m u d a o contexto e a face do m u n d o , em que quase 
com o u m m ovim ento pendular, sai de cena o e lem ento m ág i­
co e en tra no proscênio a Razão e o Positivism o q ue se anunc i­
ará em seguida.
P r im e iro , A U G U S T O C O M T E , n a e s te i r a d a s id é ia s 
ilum inistas, traçando os passos da Sociologia; depois , o en ­
con tro desta com a Biologia (SPENCER). O Direito não ficaria 
infenso a essa vaga retum bante do império d a razão, pois desde
5 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
JO H N LOCKE, 0 princípio su p rem o da justiça é o de q u e a 
todos é lícito fazer o q ue lhes apeteça, na m ed ida que n ã o le­
sem com isso a l iberdade igual dos outros. É a p ro v a de q ue o 
d ire ito de u m é lim itado pelo direito d o outro. P ostu lado p e r ­
feito d o racionalismo.
As idéias fervilhavam e a questão d a liberdade-igua ldade 
foi posta na p a u ta das discussões, na m ed id a que se conferiu 
um p r im a d o p a ra a Razão.
A Razão foi u m a teorética e um a experiência das m ais d e ­
vastadoras, já na Idade M oderna. A via po r in term édio d a qual 
o fluxo e refluxo dessas idéias tom ou corpo foi n o p ró p rio de ­
senro lar da Revolução Francesa. E em operação m uito reflexi­
va. po is as ações ou o objeto do M ovim ento recaem no p ró ­
p rio sujeito da Revolução.
N u n ca se falou tan to de cidadania. E nunca ela foi tão ne ­
gada em term os de um a ação de reflexividade. A pa lavra li­
b e rd ad e foi en toada a todos os pulm ões, ao m esm o tem po em 
que a Revolução d e u um sentido unívoco aos seus símbolos.
As m ulheres abriram o seu espaço na trajetória d o M ovi­
m ento Revolucionário e, o que é curioso, não p ensavam elas 
defender apenas as suas v idas, o seu sexo, o seu destino ind i­
v idual. A p ren d e ram nos tum ultos, nas de rr ibadas d e prisões, 
nas reun iões da Assembléia, nas passeatas pa ra Versailles, a 
ag irem de form a coletiva, não com o bando , m as com o grupo , 
a exigir u m a agenda de reivindicações.
D esvelar a Revolução Francesa é m exer n u m m u n d o s im ­
bólico, sibilino, aliás, "tarefa difícil, pois os m itos e as im a ­
gens recobrem essa h istória com u m a espessa m orta lha tecida 
pelo desejo e pe lo m edo dos hom ens".
Ver Michelle Parrot, in: Os Excluídos da História - Operários, Mulheres e Prisio­
neiros. Trad, de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 187.
CIDADANIA Oft MULHER, UMA QUESTÃO D£ JUSTIÇA
A m ulher se e rgueu d ian te daqueles fatos e foi-lhes p e rm i­
tido criar associações em to rno de seus interesses: associações 
essas que v iriam a ser fechadas em novem bro de 1793, q u a n ­
do foram disso lv idos todos os clubes de m ulheres.
Levada a questão à Convenção, foram postas três in d ag a ­
ções aos d e p u ta d o s dos Estados-Gerais, d u ra n te o processo 
revolucionário: T’) podem as m ulheres exercer d ire itos políti­
cos e tom ar parte ativa nos assuntos do G overno?; 2^) a reu ­
nião de m ulheres em Paris deve ser perm itida?; e 3‘") p o d em 
elas deliberar, reun idas em associações políticas ou socieda ­
des populares? D iante dessas questões, resp o n d e ram os con ­
vencionais um categórico “não", estabelecendo a pa rtir da í a 
morte política das m ulheres, já que pouco depo is o Código 
Civil N apoleônico p reparava a sua morte civil.
E nquan to isso acontecia, paradoxalm ente , a figura fem ini­
na to rnou-se sím bolo da Nação, pois foi a d o tad a com o em ble­
m a d a República a d eusa rom ana d a L iberdade, a qua l passou 
a ser c u n h a d a nos sinetes oficiais, n a s es tá tuas e n as vinhetas. 
A presen tava a efígie o ar de u m a jovem ou d e m ãe, de aspecto 
fam ilia r e q u e p a s so u a se r c a r in h o sa m e n te c h a m a d a de 
M ARIANNE.
O que deno ta a forte carga de sim bolism o em q ue a m u lher 
e a m ãe, não-de ten to ras d e capacidade política, foram , en tre ­
tanto , convertidas em em blem as da jovem República q ue nas ­
cia dos escom bros da M onarquia A bsolutae decadente .
E nesse contexto em ergem as figuras d e O lym pe de Gouges, 
de M adam e Roland e de tan tas ou tras , que assom aram um 
lugar de p roa jun to aos hom ens e a despeito das restrições 
que d e form a ve lada ou ostensiva sen tiam na pele. M esm o 
assim , nos debates da Convenção, foi tem atizada a questão 
d o vestuário fem inino, pois a lgum as m ulheres u sa ram touca
5 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
verm elha e assim obrigaram as outras a imitá-las. Tal não foi 
v isto com a g rado pelos d epu tados , po is tem iam que a m u lher 
se m asculin izasse, a pa rtir d o barre te verm elho e p o deriam 
tam bém v ir a exigir o cinto com pistolas. Era a velha questão 
d a m ulher viril da Idade M édia e que aparecia sob ou tra ótica 
e em ou tro contexto, aqui m ais explicitam ente político.
De qua lq u e r ângulo , no discurso oficial da Revolução, o 
lugar d a m u lh e r era o lar, o espaço p rivado e a sua rep resen ta ­
ção nos am bientes públicos foi cerceada de form a bastan te cru ­
el. Para as m ais ativistas o u recalcitrantes, res tou o cadafalso.
H avia , é certo, elem entos que se poderia cham ar hoje de 
avançados p a ra a época. U savam a sua verve pa ra denunciar 
0 e s tado sob o qual eram subm etidas as m ulheres. Foi o caso 
de T hom as Paine, o qual, participante d o m ov im en to revo lu ­
cionário, d iz em u m de seus ensaios, que teve p o r títu lo "C ar­
ta d e circunstância sobre o sexo fem inino", pa lav ras de um a 
análise sobre a situação d a m ulher:
"Em todas as eras e todos os climas, o homem foi para [as 
mulheres] um marido insensível ou um opressor, mas elas 
também suportaram ora a opressão fria e deliberada do orgu­
lho, ora a tirania violenta e temível do ciúme Têm quase
tanto a temer da indiferença quanto do amor. Em três quar­
tos do globo, a natureza as colocou entre o desprezo e o 
desvaUmento”
N ão foi a natureza responsável por esse desvalimento; foram 
os hom ens em sociedade. As m ulheres foram desprezadas por
Bernard Vincenti, in: Thomas P a in e - revolucionário da liberdade. Trad, de 
Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 41. Diz Bernard Vincent 
que Paine escapou da guilhotina e que dele muitos se afastaram em virtude de seu 
“igualitarismo social” e de seus ataques impiedosos contra o cristianismo, Ibidem, 
p. 13. Sempre a questão da política e da justiça esteve presente nos momentos de 
maior tensão e de decisão da História.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
não terem a força física que passou a estabelecer os estereótipos 
sociais, inclusive o de sexo frágil, Era o "valor" da época.
E não obstan te o cutelo, já era ta rde p a ra rep rim ir no p ro ­
cesso histórico a m archa do m ovim ento das m ulheres.
A liberdade era um lema; foi tam bém u m a aven ida aberta 
na em ancipação da v ida dom éstica e - o m ais re levante - foi o 
cam inho pa ra a libertação de m aus casam entos.
C om a Lei do Divórcio, d e 20 de setem bro de 1792, e com a 
institu ição dos tribunais de família, em agosto de 1790, foi a 
senda aberta p a ra a solução de con tendas familiares.
A Lei d e 1792 tinha um viés acen tuadam en te liberal, pois 
prev ia sete m otivos pa ra justificar o p e d id o d e divórcio. Eram 
eles: 1) a insan idade; 2) a condenação d e u m d o s cônjuges a 
penas aflitivas ou infam antes; 3) os crimes, sevícias ou in júri­
as g raves de um cônjuge contra o outro; 4) o desreg ram en to 
público de costum es: 5) o abandono do lar p o r do is anos, no 
m ínim o; 6) a ausência d e u m deles, sem notícias, d u ra n te cin­
co anos, no m ínim o; e, finalmente, 7) a em igração.
Ideologizou-se do ravan te a questão dos d ire itos d o c ida­
dão , po is d e d ire ito s n a tu ra is passam a d ire ito s h u m an o s , 
positivados, den tro a inda de u m a ótica religiosa cu n h ad a em 
de tr im en to d a m ulher.
A Declaração dos Direitos do H om em e d o C idadão , vo ta ­
da em 26 d e agosto de 1789, faz a inserção de p rinc íp ios de 
atuação ind iv idua l, de es tru tu ra do Estado, d a etiologia do 
poder, a través d a lei e do institu to da representação; de ques ­
tões d e n a tu reza público-tributária e de fo rm a relevante tra ­
tou-se d e erigir a p ro p ried ad e com o d ire ito inviolável e sa ­
grado , o que era questão recorrente desde o Direito Romano.
E aqui reside o paradoxo: o m ovim ento revolucionário tra ­
ta o público de form a dire ta e con tunden te , devassando , in-
5 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
elusive, 0 m u n d o privado; m as, por ou tro lado, a p ro fu n d an d o 
os lim ites d o público e do p rivado , d iferenciou os papé is soci­
ais, já há séculos diferenciados; o território público pa ra os 
hom ens, o p r iv ad o pa ra as m ulheres.
O m ov im en to das m ulheres n o sen tido de sua participação 
política n os destinos de seu país foi a bortado em u m prim eiro 
m om ento , com a radicalização d o regim e e a sua conversão 
no Terror, na con tram archa d o m ovim ento revolucionário.
E o passo seguinte foi a m udança do p oder pa ra as m ãos de 
N apoleão, q u an d o em sua obra de codificação do Direito Civil 
francês, estabeleceu um a condição ancilar pa ra a m u lher cau­
sando inveja até para a instituição familiar d o Direito Romano.
E aqui se inicia o século da técnica jurídica, d o positivism o, 
dos Códigos, d o form alism o jurídico, das sistem atizaçòes e 
das classificações abstra tas e genéricas.
D e n t r o d e s s a a b s t r a ç ã o e g e n e r a l iz a ç ã o h á q u e se 
rem em orar que se o artigo 1° d a referida Declaração afirm a 
que "O s h om ens nascem e pe rm anecem livres e iguais em d i ­
reitos", esse postu lado é fruto de discussões v igorosas hav idas 
na A ssem bléia e p ro d u to d e cadernos de queixas a p resen ta ­
dos ao ensejo dos Estados-Gerais, m om ento n o qual as m u ­
lheres tam bém relacionaram em cerca de trin ta cadernos as 
suas queixas e reclam ações d a condição v ivenciada p o r elas.
Em nom e d a abstração e da im pessoalidade d a lei, to rnou- 
se aquela ig u a ld ad e inoperante , já que se v isualizava apenas 
a rac ionalidade, sem qua lquer atenção às condições subjeti­
vas d aque la m inoria social. Perderam -se no tem po aquelas 
reivindicações; a bem da verdade, p o r u m lapso de tem po, 
po is a arena social dos g randes em bates e debates ideológicos 
substitu irá a arena d a guerra revolucionária d a qua l partic i­
p a ra m igualm en te as m ulheres.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N o front, m u itas m ulheres acom panharam os m aridos; o u ­
tras, d isfarçadas com vestuário m asculino, acorriam na d ire ­
ção do perigo dos combates.
Foi e le trizante o cham ado da Revolução. Assim , é que o 
C o m andan te D ubois com bateu ao lado de sua m u lh e r no 7° 
Batalhão d e Paris. A m bos envergando un ifo rm es m ilitares. O 
espaço público com eçava a ser invad ido pelos a to res h istori­
cam ente relegados ao espaço privado.
O utra francesa d e nom e M adeleine Peittjean foi ao encon­
tro do m arido , so ldado cavador de trincheiras, que se achava 
em com bate contra os rebeldes da Vendéia.'^'
A s irm ãs M arie e M aglom ar Tenasson estiveram ao lado 
de irm ãos com o granadeiros, fazendo as c am p an h as de 1792 a 
1794, com os federados de 83 departam entos.
A lgum as m ulheres com batentes foram agraciadas com o 
títu lo de alferes. Foi o caso de A ngélique D uchem in , p e rte n ­
cente ao 42"^ R egim ento de Linha; o m esm o aconteceu comC a th e rin e Pochelat, p a rtic ip an te da to m a d a d as T ulheries, 
u san d o u m canhão e que em v irtude d e sua coragem , foi-lhe 
deferida a pa ten te de alferes.
N a bata lha de Jem m apes, M arie Schellink saiu ferida, ha ­
v e n d o s ido a ela concedido, pelo G eneral Rosières, a igual 
pa ten te d e alferes.
D is s im u la n d o o seu p ró p r io sexo, a v iú v a d o caçado r 
Sou tem anna, lu tara ao lado d o m arido e h av en d o sido este 
m orto e sa indo ela ferida na coxa, na Batalha de M arengo, 
retirou-se d o regim ento.
N ão fazia sentido, portan to , o desm erecim ento a que fo-
A Vendéia se insurgiu contrarevolucionariamente, em 1793, e para enfrentar 
essa dissidência foi convocado um exército de 300.000 homens. Essa convocação 
foi decidida pela Convenção e a Vendéia esteve inflamada até 1796.
5 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ram relegadas as m ulheres, nem o refream ento d e seus d ire i­
tos, havendo-lhes sido indicado o caminho de volta ao território 
doméstico. N a contramarcha da Revolução, foram pisados os 
ideais de liberdade, esta, que era o norte e a razão de ser do p ró ­
prio m ovim ento sedicioso. Aliás, o hiato que se seguiu foi longo, 
pois as m ulheres francesas e certamente as de todo o m undo oci­
dental só retom ariam o elo perdido no século XX, quando m ani­
festações de rebeldia ocorreram no enfrentam ento de forças con­
servadoras, para não dizer misógenas e antifeministas.
É o caso d a explosão de m ulheres ocorrida em 29 d e o u tu ­
b ro d e 1904, na qual, em pro testo contra o reg im e da m ulher 
casada institu ído no Direito Civil francês, d ec id iram que im ar 
em praça pública - Quartier Latin - o C ódigo Civil.'*^
N o entre tan to , o Código Civil francês t inha a m arca reg is ­
trad a d e N apoleão Bonaparte, o qual fez questão d e fazer dela 
a sua obra m ajestosa, p restig iando as sessões do C onselho de 
Estado, encarregado da feitura d o anteprojeto de redação do 
Código, p res id in d o ele p róprio 57 sessões das 140 efe tuadas 
pelo Conselho, nas quais decid iu im por as suas opiniões p es ­
soais n a elaboração dos capítulos concernentes ao casam ento 
e ao divórcio. Ele que dizia: "Será que não vão fazer p rom eter 
a obediência das m ulheres? ... Ela (m ulher) tem que saber que 
ao sair da tu tela da família, passa pa ra a do m arido . O bed iên ­
cia! Esta pa lav ra aplica-se sobre tudo em Paris, on d e as m u ­
lheres pensam ter o d ireito d e fazer tu d o o que querem ..
o mesmo Código que serviu de paradigma ao nosso Código Civil de 1917, o 
qual em seu artigo 6°, inciso II, considerava as mulheres casadas relativamenie 
incapazes, enquanto subsistisse a sociedade conjugal. Essa condição civil restritiva 
de direitos só foi alterada por ocasião do Estatuto da Mulher Casada, votado em 
1962, pela Lei n° 4.121, de 27 de agosto, chamada Lei Nelson Carneiro. Na verda­
de, a fonte primeira é do Direito Romano que considerava as Feminae (ou mulieres) 
relativamente incapazes.
•*^0 parên tese é meu. Frase c itada em C adernos de M ulheres da Europa, As
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Com efeito, o Código Civil N apoleônico foi um m arco no 
escopo da restritiv idade do direito das m ulheres, o que de for­
m a dire ta im plicou no re ta rdam en to da conquista da c id ad a ­
nia. Assim, o p ró p rio Estado reduzia e p rocrastinava a liber­
d a d e e a capacidade de ação daquelas.
A ntes do C ódigo a lud ido , a inda no século XVI, foi a lterada 
a m aio ridade d e m eninos e m eninas que era aos quato rze anos 
p a ra os jovens m ascu linos e d e d o ze p a ra as m en inas; foi 
transferida pa ra os vinte e cinco anos, exatam ente a idade da 
conquista da m aio ridade no Direito Rom ano. E com a caracte­
rística d e que o pai exercia um p od e r d e p roprie tá rio sobre os 
filhos, p rec isam ente com o ocorria na Rom a A ntiga, onde o 
pater familias tinha e gozava do status de ãominus sobre toda a 
família. D etinha o chefe da família a potestas e a maniis.
O C ódigo Civil trouxe sérias restrições à capac idade da
m u lh e r quan to aos d ireitos civis - esses m ais ab rangen tes - e
quan to à c idadania. A própria Lei d o Divórcio, an tes referida,
que foi considerada p o r LYNN H U N T, a lei m ais liberal do
m u n d o à época,"*^ foi m odificada pelo C ap ítu lo VI d o C ódigo
Civil, r eduz indo-se as causas pa ra o p e d id o em apenas três: a)
p o r condenação; b) po r sevícias; e 3) po r adultério . N o caso
dessa ú ltim a razão, o m arido podia solicitar o d ivórcio, sob a
alegação do adu lté rio da m ulher, enquan to que esta só pode-
Mulheres na Fievolução Francesa. Comissão das Comunidades Européias, Bruxe­
las: n° 33, p. 24. É sintomático aferir que Napoíeão tinha internalizado os valores 
familiais do Direito Romano que punha as mulheres sob tutela, qualquer que fosse 
a sua idade, ou estado civil - solteiras, casadas ou viúvas. A tutela era perpétua, 
pois as mulheres se achavam sempre sob o poder do homem. Se solteira, do 
próprio pater; se casada cum manu, dependia do marido ou do pater íamiíias des­
te. Se casada sine manu, a tutela recaía em seu próprio pater. As solteiras sem 
pater e as viúvas, achavam-se sob a proleção do tutor. Sobre a matéria, ver José 
Cretella Júnior, in: Direito Romano t^oderno. 4, ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
Cfr. Lynn Hunt, Revolução Francesa e Vida Privada in: História da Vida Privada 
- Da Revolução Francesa à Primeira Guerra, trad, de Denise Bottmann (partes 1 e 
2) e Bernardo Joffily (partes 3 e 4), São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p, 39.
5 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ria fazê-lo na h ipótese de o m arido m an ter "sua concubina na 
casa em com um ". (Art. 230).
N a questão da punib ilidade , reconhecida a culpa da m u ­
lher, esta estaria sujeita a dois anos de prisão, en q u an to ao 
m arido n a d a acontecia em hipótese sem elhante.
O liberalism o acentuou, pois, a noção do público e do p r i ­
vad o e dos papé is m asculinos e femininos. E o E stado pod ia 
d ispo r d e tudo: regu lam entava a v ida nacional, a v ida fam ili­
ar; a lterou o calendário , institu indo o d a Revolução; decid ia o 
nom e dos filhos, a escolha das ro u p as etc. E o racionalism o 
criou a M ARIENNE que se consubstanciava n o em blem a da 
República, a deusa rom ana da L iberdade, a qual era m ostrada 
es tam pada com face d a m ulher e da m ãe, estas "tão d esp rov i­
das d e q u a lq u e r d ire ito político", na expressão da m esm a 
LYNN HUNT.^5
É inquestionável que o simbólico se im pregnou n o modus 
vivendi d o p ró p rio corpo social da Revolução, m itificando esse 
social e o Direito e fazendo com que toda a H istória dessa 
C om oção seja m arcada pelo rac ionalism o e, tam bém , pelo 
irracionalism o, de form a bastan te contraditória .
O irracionalism o era visível e fazia pa rte da m ecânica do 
M ovim ento Revolucionário e de seus paroxism os. Enquan to 
o artigo 1° d a Declaração dos Direitos do H om em e d o C ida ­
d ã o p roclam ava a igua ldade de direitos en tre os h om ens e o 
artigo 7° exortava que "N e n h u m ho m em p o d e ser acusado, 
p reso nem de tido fora dos casos de te rm inados po r lei e se­
g u n d o as form as p o r ela prescritas....", a gu ilhotina n ã o p a ra ­
va de contabilizar o núm ero de sacrificados.
A m u lh e r a través de seus espíritos m ais v igorosos foi alvo 
d a R evolução, p o r razões a paren tem en te d istintas. U m a, pela 
Ibidem, p. 31.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ousad ia de falar nas Assem bléias e deh a v e r red ig ido a sua 
'Declaração dos D ireitos da M ulher e da Cidadã" - O lym pe 
de G ouges; ou tra , M adam e Roland, po r ser u m a m u lh e r le tra ­
da e participante, havendo se tornado egéria, isto é, conselheira 
do G rupo Girondino,**^ foi igualm ente sacrificada. A penas para 
d a r exem plos m ais relevantes.
Foram am bas gu ilho tinadas em novem bro de 1793 / '
C uriosam ente , d ian te da abstração e genera lidade do arti­
go 1° da Declaração dos Direitos do H om em e d o C idadão , 
su rge desse M ovim ento , e até de form a p aradoxal, u m conhe­
c im ento d o Outro, com o um sem elhante, com o aquele que 
p o d e ocupar o lugar do eu, aquele com quem o eu se identifi­
ca e que, p o r isso, é tam bém d e ten to r de d ire itos e obrigações.
D en tro d essa ca tegoria d o O u tro , a m u lh e r em u m a esca­
la d a a sce n s io n a l v e m a o c u p a r o s e u e sp aç o , com o u m a 
d ire tiva vo ltada a p len ificar o conceito d e Justiça, este que 
está se m p re em m ov im en to dinâm ico , isto é, o "d ire ito " é 
conferido p a ra d es ig n a r o bem d ev id o p o r injustiça, ou em 
u m a re le itu ra m o d ern a e m ais justa do p e n sam e n to d e Santo 
Tom ás d e A qu ino , é d ire ito o q ue é d e v id o a o u trem , s e g u n ­
do u m a ig u a ldade . A qui, a Justiça se c o n fu n d e com a ig u a l ­
dade , ou a ela é eq u ip a rad a de form a concreta e rea lizada , 
p o r a n tô n im o d a injustiça.
Os girondinos constituíam uma facção dissidente de grupos radicais que passa­
ram a predominar entre os jacobinos. Na Assembléia Constituinte, eles perfaziam 
a ala de centro-direita e tinham esse nome em função da origem de deputados que 
vinham da província da Gironde.
Durante o mês de junho de 1794, 2.000 pessoas foram executadas em Paris e 
consta que a guilhotina chegou a funcionar até seis horas por dia. Cfr. Frédéric 
Bluche et allii, in: A Revolução Francesa, trad, de Lucy Magalhães, Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Editor, 1989, p. 130.
6 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
CAPÍTULO 7
DIREITO - JUSTO ENTRE A RATIO E A DIGNIDADE HUMANA
O s estud iosos d a Filosofia do Direito têm em m en te q u e o 
conceito d e "d ire ito" é passível d e significações. N o sentido 
nuclear, acha-se acrisolada a perspectiva d e u m direito in te i­
ram en te jungido ao conceito de justiça. É o d ire i to - ju s to , aque ­
le que p o r excelência form a e inform a as regras d a norm ativ i- 
d a d e jurídico-legal.
A justiça está en cas to ad a no círculo de v a lo re s d as n o r ­
m a s ju r íd ic a s . O s v a lo re s são , n o d iz e r c o n s p íc u o de 
RECASENS SICHES, se res idea is ou objetos idea is com o 
q u e re m o u tro s jusfilósofos. S egu n d o RECASENS, p o d e m o s 
desco b rir os va lo res nas coisas o u em c o n d u ta s q u e c o n s i ­
d e ra m o s va liosas, m as que n ã o c o n s ti tu em u m "pedazo de la 
realidad de esas cosas o conductas", e, sim , são u m a q u a lid a d e 
q ue e las n o s a p re se n ta m n a m e d id a q u e co inc idem com as 
essências idea is d e valor.^*®
Assim, a realização d e um valor, com o a justiça, constitui 
um a qua lidade relativa da coisa que se tem com o parâm etro , 
ou seja, estabelece-se u m a relação entre essa coisa e com a idéia 
de valor, a inda segundo o respeitável es tudioso citado.
Daí, leva-se à investigação a questão da independência entre 
a categoria da rea lidade e a categoria do valor, sobretudo na 
perspectiva de que os valores, ou alguns valores, não se 
acham realizados na vida, pois constatamos o contraste en ­
tre aquilo que deveria ser e aquilo que é.
E, a inda nos d iz RECASENS, q u e a justiça perfeita é algo 
inalcançável, m as nem po r isso deixarem os de reconhecer que 
a justiça é u m valor, m esm o que com m uita freqüência trope-
■‘® Cfr, Luís Recasens Siches, /n: op. cil., p. 58.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO D£ JUSTIÇA
cem os d ian te das injustiças, as quais nos suscitam a sua não- 
aceitação, por injustificadas em face do valor.
E em rem a te diz: "O reconhec im ento de u m va lo r com o 
tal va lo r n ão im plica que esse va lo r se ache e fe tivam en te re ­
a l izad o " /^
C om o pon to d e p artida dessa d iscussão, h averem os de co­
locar esse raciocínio entre os term os d a questão deste tem a: os 
direitos de cidadania da m ulher e a sua questão de justiça. 
Ser ou não ser, a d ú v id a secular do ser h u m an o em face de 
suas circunstâncias.
Ora, é cristalino que a justiça se coloca em m eio às ações e 
exigências d e m ais d e u m sujeito, com "a função específica d e 
m arcar en tre elas u m limite e u m a proporção harm ôn ica" , daí 
a justiça ser essencialm ente de n a tu reza social.^*^
N o Capítulo 1 desta monografia, fez-se alusão à m ais rem ota 
e conhecida teoria d a justiça, lucubrada por Pitágoras e po r seus 
discípulos. Esta Escola de forma genial tratou de expressar a jus­
tiça relacionada à igualdade ou correspondência de term os con­
trapostos. Tenta-se idealmente conseguir a síntese dessa antítese 
através d o núm ero quadrado, ou seja, aquele núm ero que m ulti­
plicado por si m esm o, devolve o m esm o pelo m esm o, com o dito 
por DEL VECCHIO. É um a equivalência perfeita.
Portan to , den tro dessa idealidade, a justiça é ig u a ld ad e e 
reciprocidade. O s term os dessa com posição são exatam ente 
iguais: 2 4-2 = 4.
M esm o assim , a filosofia da igualdade , na Id ad e Clássica, 
n ã o alcançou as m ulheres , com o parcela igual à parcela m as-
Cfr, autor citado, in op. cit., pp. 58-65. A frase em aspas foi por mim traduzida.
0 raciocínio é de DEL VECCHIO ín; A Jusí/pa, Saraiva, 1960, p, 40, apud André 
Franco Montoro, Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. (2- tiragem, São Paulo: 
Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 168. O destaque é meu.
6 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
culina. O p ró p rio ARISTÓTELES não vê assim , pois segundo 
inform a DEL VECCHIO, não existe p a ra o Peripatético um a 
igua ldade m ateria l e sim um a correspondência d e valores.
Então d a í decorre que a certeza da igua ldade d o q u a d ra d o 
torna-se dú v id a , ou, quem sabe, houve u m a ap ropriação da 
teoria com desv irtuam ento , pois com o d iz DEL VECCHIO, o 
pensam en to dos pitagóricos po d e ter sido m ais vasto e m ais 
p ro fu n d o do que se conhece hoje, ou que houvesse sido co­
nhecido p o r Aristóteles, d e form a já alterada.
De q ua lq u e r sorte, infere-se que a Justiça C om utativa trata 
de a tr ibu ir encargos e d ire itos d iscrepantes en tre os dois gê­
neros, estabelecendo um a inflexão no fiel d a balança, n o qual 
um dos p ra to s tem m ais peso que o outro. O s term os con tra ­
postos não são vistos aqui com o relação de ig u a ld ad e e d e 
reciprocidade.
Na sucessão dos tem pos, vê-se que o gênero h o m e m /h u ­
m an id ad e nem sem pre se justapôs à categoria pessoa. É o que 
acontecia com a categoria m u lh e r , com a categoria escravo, 
com o exem plos de m aior m agn itude , espécies essas fora do 
raio descritivo do gênero.
A m u lh e r p rec isou en trar em u m cad inho secular de lutas 
a fim de conquistar a sua condição de pessoa. Aliás, MAX 
SCHELLER adm ite haver u m a conexão indiscutível en tre a 
essência da m onogam ia e o reconhecim ento da m u lher com o 
pessoa. E acrescenta que no O riente M édio a poligam ia é um a 
institu ição aceita em função de existir estreita conexão com a 
crença de que a m u lher não possu i alm a, o u seja, de n ã o se 
efetivarnaquela a condição de pessoa, segundo o Corão.
Apud Gerson de Britto Mello Bóson, in: Filosofia do Direito - Interpretação Antro­
pológica, 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 183.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Parece não ter sido diferente o pensam ento de a lguns rep re ­
sentantes d a Igreja Católica, no tocante à condição feminina.
RÉGINE PERN O U D nos inform a que G regório de Tours, 
em sua "H istória dos Francos" relata que no S inodo de Mâcon, 
d e 486, um dos p re lados fez observar que não se devia com ­
p ree n d e r as m ulheres sob o nom e dos hom ens, e que a p a la ­
v ra homo deveria ser in te rp re tada no sen tido latino d e vir.^^ 
N a essência d a justiça, sem pre se v iu a questão da alterida- 
de em sua realização. N ão existe justiça sem a existência de 
pessoas, ou de pelo m enos d uas pessoas. D aí o afirm ar-se que 
cabe à justiça a função de d irig ir "a soc iedade dos hom ens". 
O u, se g u n d o DANTE, a justiça é u m a relação p roporc ional de 
hom em a hom em .
Só que a concepção de hom em era d irig ida apenas ao vir, 
ou seja, ao hom em como oposição à femina - m u lher enfim, a 
idéia do hom em , sob o pon to de vista das qualidades másculas, 
viris, vale d izer, sob o ângu lo de um este reó tipo q u e veio a 
ser v in cado p ro fu n d a m en te n o inconscien te coletivo.
N o entre tan to , a justiça com o valor de co n teúdo d o D ireito 
sofre m udanças , em conseqüência até d e p rob lem as d e ap li ­
cação prática da idéia da p rópria justiça, pelas m ais á rd u as 
controvérsias teóricas e pelas m ais sangren tas lu tas políticas, 
nas pa lav ras au to rizadas do insigne RECASENS SICHES. Pois 
a idéia de h a rm o n ia o u d e p roporc ionalidade , n ã o m in is tra o 
critério pa ra p rom over a dita harm onia ou p ropo rc iona lida ­
de. De vez que aí se está d ian te de um d ireito m eram en te for­
m al ou, com o dito po r aquele e s tudioso d a Filosofia d o Direi-
Régine Pernoud. op, o f., pp. 108-109.
" Citação feita por André Franco Montoro, op. c/f., p. 131. referindo a sua autoria a 
Cicero.
Idem, ibidem.
6 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
to, há que se p ressupo r m edidas m ateriais de valor a fim de 
que aquela justiça seja im plem entada.
A Teoria dos Valores ou a Estim ativa Jurídica com o cha­
m ada p o r ele, pa rte de outros valores, a fim de d a r substância 
à idéia do d ire ito form al e positivado. A questão d a dign ida­
de humana entra com o m atriz desses princípios e, não obstante 
ser estofo de filosofias ou de condu tas seculares, só recente ­
m en te aparece n o Direito com o valor a ter efetividade.
A p ró p ria Igreja Católica, em seu N ovo Testam ento , a p re ­
goa a v ida d e Cristo, este com o um vivenciador dessa igual­
d a d e em nom e d a pessoa nascida com o Filho de Deus, p o r ­
tanto , com a m esm a na tu reza e com a m esm a essência espiri­
tual de criatura ligada à imagem do Criador. N a exortação de 
São Paulo: "nem judeus, nem gregos, nem escravos, nem livres, 
nem homens, nem mulheres",^^ pois todos são identificados com 
o Filho de Deus, através da d ignidade hum ana. Descabido dis­
cutir aí discriminações ou exclusões dentro desse espírito.
Essa idéia universal da h u m an id ad e v em dos cristãos e da 
filosofia estóica, isto é, a d ign idade é pan o de fundo d a p re ­
sença do hom em no orbe e que o d istingue dos ou tros an i­
m ais, sob o po n to d e v ista da ontologia. C on tudo , m u ito s sé­
culos desfila ram para q ue se iniciasse a d iscussão d os ch am a ­
dos Direitos H um anos , estribados nessa d ign idade.
E nessa acepção, d iz RECASENS SICHES, a do u tr in a dos 
d ireitos h u m an o s apon ta pa ra critérios estimativos, em juízos 
d e valor, a fim de que a o rdem jurídica positiva im prim a con ­
ceitos que venham ao encontro dessas exigências, na conse­
cução d o Direito Justo, em sua expressão vivenciada.
N o m u n d o contem porâneo , o p rim eiro passo foi d a d o com
A exortaçao está contida na Epístola aos Gálatas, 3. 28, in: A Bíblia de Jerusa­
lém. 9. ed. (rev.). São Paulo; Paulus, p. 2192. 0 destaque é meu.
CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, 
de 1948, m edian te a qual se erigiu a condição d a d ign idade 
dos hom ens livres e iguais em direitos. (Art. 1°). E aí se trata 
de conceituar seres hum anos, em sua indefectível div isão en ­
tre hom ens e m ulheres.
Ocorre que o racionalismo do século XVIII não resolveu os 
problem as concernentes à política da cidadania. De certo ângu­
lo, inicia-se um desprestígio do logos no tocante ao problem a e 
u m deslocamento do topos para se centrar a questão da dignida­
de em m eio aos Direitos Hum anos. M esmo considerando que a 
lei tão sacralizada desde os prim órdios do Direito Romano, assu­
m a um a politização dentro de um a realidade e concretude, sob 
u m enfoque de direitos hum anos, ou direitos da hum anidade 
como um todo, sem a cisão do hom em e da m ulher. Mas, ao in­
verso, um direito m enos convencional, m enos abstrato, m enos 
dever-ser e mais ser, m enos absolutista, sem o fosso dos direitos 
do hom em , como categoria de virilidade e d e masculinidade.
Talvez o "código"' do Direito se tenha politizado ou ideo- 
logizado, ou m enos ligado a "interesses'" casuísticos, pois afi­
nal o Direito é Ciência C ultural, po rtan to , constru ída sobre 
regras, usos, costum es, conhecim entos e cond ic ionam entos 
sociais e acim a de tu d o tem um a linguagem q ue ten ta supera r 
as en trop ias sociais, no sen tido da harm on ização e da igual­
dade , esta, referencial m aior da justiça.
A interação d o texto legal com o contexto social e püblico- 
fem inino dá um a v irada na leitura d o texto form al, inclusive 
ape trechando a noção de justiça com o algo a ser rea lm ente 
v ivenciado. É com o afirm ado po r BENJAM IN CARDOZO: 
"N o direito , assim com o em o u tras ciências, m u ita s coisas 
devem ser ap ren d id as com o fatos".
56 A pud Aoóré Franco Montoro, op. c/f., p. 287.
6 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
C om o dito algures, se o positiv ism o trouxe p a ra a teoria do 
Direito um a espécie de consciência a to rm en tada p o r antíteses 
in ternas, há d e certa form a u m abandono dessa posição, a fim 
de garan tir ou tro estado-de-coisas que dê à lei in terpre tação 
desp rov ida de contextos clássicos de divisão dos a tores soci­
ais com o sujeitos de direitos, rasgando o véu sacralizante d e s ­
sa leitura a fim d e alcochoar o novo estrato d e justiça e da 
nova ideologia dos direitos políticos. Agora, sim , os dois se 
encon tram em u m p a ta m a r em que d a r u m novo significado à 
linguagem da igualdade e da justiça, se faz mister.
Por o u tro lado, o Estado, já n ão m ais separado d a Socieda­
de, é ele p ró p rio o p res tado r positivo dos d ire itos e garantias 
fundam enta is . N a leitura, v.g., da C onstitu ição brasile ira de 
1988, em seu artigo 5°, e inciso I, há que se ver que já não é a 
m esm a le itu ra dos preceitos p recedentes da C onstitu ição de 
1946 (art. 141, § 1°), ou, m ais rem otam ente , d a C onstitu ição 
Im peria l de 1824, qu an d o se tra tava da inv io lab ilidade dos 
d ire itos civis e políticos dos c idadãos brasileiros, a considerar 
q u e nessa categoria n ã o se incluíam as m u lh e res (art. 179, 
caput). A igualdade , aí, era m eram ente formalística.
A p ró p r ia O rg an ização das N ações U n id a s (O N U ), em 
q u a se consenso n a fe itu ra da D EC LA R A Ç Ã O UNIVERSAL 
DOSDIREITOS H U M A N O S, de 10 d e d e z e m b ro de 1948, 
a s s u m e u m a p o s iç ã o c la ra , d e s e n t id o r ig o r o s a m e n te 
un iversaU sta , com o u m idea l a ser a tin g id o p o r to d o s os 
p o v o s e p o r to d a s as nações. E n esse d o c u m e n to h á u m a 
base ideo lóg ica - a de q u e todos os se re s hu m an os nascem 
livres e igua is em direitos rec h a ç a n d o o re d u c io n ism o , 
as d isc r im in a ç õ e s e d a n d o e n s a n c h a s a n o v o s m é to d o s 
exegéticos d a le itu ra d o tex to dec la rac iona l. Q u a se d e fo r ­
m a u n â n im e foi a D eclaração aceita p e la A ssem b lé ia G eral
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
da O N U /^ d a n d o origem inclusive a vários textos posteriores 
de repúd io àquelas discriminações, com o aconteceu na passa ­
gem do dom ínio da DECLARAÇÃO para o das Convenções.
N o tocante às m ulheres, den tre outras, salienta-se a Con­
venção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discrim i­
nação Contra as M u lh e re s , q u a n d o em s e u a r t ig o 1° é 
ve rb a lizad o ex p ressam en te que a discrim inação contra as 
m ulheres importa em "qualquer distinção, exclusão ou res­
trição baseada no sexo, que tenha com o efeito ou com o obje­
tivo com prom eter ou d es tru ir o reconhecim ento , o gozo o u o 
exercício pelas m ulheres, seja qual for o seu es tado civil, com 
base na igualdade dos hom ens e das m ulheres, d o s direitos 
d o h o m em e d as liberdades fundam en ta is n o s d om ín io s po lí­
tico, econôm ico, social, cu ltural e civil ou em q u a lq u e r ou tro 
dom ín io". (Os destaques são meus).
A avoenga teoria d a in fe rio ridade da m u lh e r , pe lo sexo, 
cai assim em função de u m a "crise" do d o g m a fo rm alis ta do 
Direito. Pois, com relação ao ângu lo d a justiça, in fo rm ad o ra 
da lei, p resencia-se novo sopro axiológico a co lm ata r com 
n o v o s va lo res o cerne da cidadania da m ulher com o q ues­
tão de justiça.
CONCLUSÃO
N o terreno da especulação filosófica da Justiça, com o se 
viu, há u m a relação dialética den tro d e u m a d inâm ica d o cos­
m os, reca indo sobre a N a tu reza e sobre a poiesis das regras 
form ais e dogm áticas, no m u n d o d a criação d o Direito.
Em Resolução de 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral da ONU votou o 
texto da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM. Não houve 
voto contrário. Quarenta e oito membros votaram a favor e oito abstiveram-se. 
Dentre estes, alguns países do bloco soviético; a Arábia Saudita e a África do Sul.
CIOADANíA DA MULHER, UMA Q U E S T Ã O DE JUSTIÇA
Já se disse a lgures que a sociedade é o cosm os cu ltu ral do 
ser h um ano . E den tro dessa relação cultural, v ivenciam -se os 
v a lo r e s , e s te s a ç a m b a r c a d o s n o c o n t in e n te d a T e o r ia 
Axiológica, ou, em outros d izeres, na r iqueza e p ro fu n d id ad e 
da Estim ativa Jurídica.
N o conceito d e justiça cabem valorações, conteúdos m ateri­
ais que inform am a v ida e a realização do Direito. N ad a é defi­
nitivo, pois as finalidades da ordenação jurídica cambiam, como 
m u d a m as folhas secas de um a árvore que caem para d a r lugar 
a novas e h íg idas folhas, as quais retiram dessa árvore a seiva 
necessária para d a r nova roupagem a essa m esm a árvore. É 
quase um ciclo autopoiético, de auto-reprodução, quando se 
teoriza sobre novos valores e sobre novas v irtudes.
É n o íopos da Justiça que se refugia o Direito. Direito é Jus­
tiça, ou o seu b em maior.
Ao longo dos tem pos, o conceito de Direito e d e Justiça 
vem se in teg ran d o em várias visões desd e o M u n d o Antigo, 
a travessando a Era Clássica, inclu indo aqui o desenvolver do 
D ireito R om ano, p assando p o r um a cosm ovisão cultural-reli- 
g io sa - p e la P a t r í s t ic a e E sc o lá s tic a . D o n d e , o D ire i to 
c ris tian izado desenvolv ia o conceito d e justiça não obstan te 
no m érito se acachapar a u m a sociedade restrita em q ue a v i r ­
tu d e era p roven ien te d o vir, ou seja, d o varão, confund indo- 
se o a tr ibu to com o sexo m asculino. O Direito foi restrito pa ra 
ãèfeminae.
M esm o assim , não se desm ancha aí a id en tid ad e essencial 
d o D ire ito com a Justiça. N o co rre r dos tem p o s , a C iência 
q u e d e ssa c ra l izo u o conhec im en to t ra to u d e d a r n o v o se n ­
t ido às b a ses d a C iência Ju ríd ica a fim de a la rg a r o seu cam ­
p o d e e s tu d o s , p o l i t iz a n d o esse saber e faz e n d o d e s te u m a 
fon te d e po d e r.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
O racionalism o d a Revolução Francesa trouxe à luz d o dia 
a questão d as m ulheres, as quais en fren ta ram o m aio r jogo 
dialético d o poder. A m u lher da í adv in d a m u d a a sua n a tu re ­
za. O u será que a na tu reza das coisas m u d o u ? Talvez. Se a 
N a tu reza dos p rim eiros filósofos gregos era m atem ática , foi 
preciso m u d a r a n a tu reza dessa N a tu reza a fim de que se p u ­
desse com preender m elhor o Direito-Justo.
Com a racionalidade, inicia-se um novo projeto d e in ter ­
p retação d as Ciências C ulturais, com o o Direito, e se desm em ­
bra 0 Direito Religioso do Direito Laico, acabando , p o r fim, 
estereótipos gra vosos, com o o das bruxas ou o da m ulher como 
ser inferior. Inaugura-se a era d o Anthrópos, ou seja, d o m as ­
c u lin o / fem inino, d a igualdade e da rec ip rocidade v istas ago ­
ra sob u m ângu lo de vivência da substancia lidade do ser h u ­
m ano, m ed ida pela d ign idade, sob o pálio de nova valoração 
d o bem m aior cham ado Justiça.
É um a nova sim bologia, um novo signo e u m a nova lin­
g u agem que trata d o d ire ito de c idadan ia d a m u lher , com o de 
outros, den tro d o d iapasão de u m a igua ld ad e v a lo rada na 
"experiência" de novas m etodologias da Ciência do Direito e 
que fazem o Direito realizar a sua idealidade , ha rm on izando - 
se com a concreção da realidade.
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7 5
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E 
CÓDIG OS SOCIAIS - O PAPEL DO S 
DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
O d ila d e M élo M achado
INTRODUÇÃO
Fruto de m uita inquietação, este trabalho é apresen tado com
o objetivo de refletir a questão da m ulher à luz d o Direito - 
nossos rum os e possíveis necessidades de m u d an ças - com o 
p ropõe o 1" Concurso de M onografias Jurídicas p rom ovido pela 
OAB Nacional. Assim , o seu objeto p rim ord ia l configura-se a 
p a rtir da relação en tre gênero e Direito: o m o d o pelo qua l a 
o rdem jurídica responde aos necessários apelos d e igualdade , 
em u m contexto social que tem em si a cu ltura d a dom inação.
O s conceitos aqui traba lhados têm com o su p o rte m e to d o ­
lógico a pesqu isa bibliográfica e o seu desenvo lv im en to ap re ­
senta-se constitu ído d e três partes. N a p rim eira de las consta a 
tra je tó ria h istórico-sociológica q u e en v o lve a p e rso n a g e m 
m u lher , o n d e se quer m ostra r que o D ireito n ã o p o d e ser 
d issociado desse contexto. O utra razão de ser dessa pa rte é a 
d e que a com preensão d o presente, ou a elaboração de um a 
solução fu tura , implica in te rp re tar o p assado . N essa incursão 
iniciada na A n tigü idade greco-rom ana e, em seqüência, es­
tend ida a té o século XX, procura-se dem o n s tra r que a H istó ­
CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ria sem pre relegou a m ulher a um p lano inferior. Sendo o h o ­
m em o constru to r d a história, da sociedade, da civilização - 
po rtan to , o sujeito d as m esm as - de te rm inou os parâm etros 
d a u tilização da m ulher.
N esse percurso , que se lim itou ao m u n d o ocidental, cada 
período histórico é abordado em seu estilo específico. E nquan ­
to deusa, a m u lher era am ada pelos gregos m as, um a vez ser 
social, era a fastada das relações políticas e econôm icas, com o 
respa ldo d o pensam en to filosófico da época. Em Rom a era 
tra tad a pelo Direito - do qual o nosso é tribu tá rio - com o u m 
ser incapaz, pois assim dispunha o seu estatuto. A única função 
valorizada era a m aterna e isso não pelo fator inerente da repro­
dução, m as pela instituição casamento, entenda-se multiplica­
ção e conservação do patrimônio. Saliente-se que, nesse aspecto, 
Roma em nada se distinguiu das sociedades antigas e, de m odo 
geral, da totalidade das sociedades hum anas, anteriores à em an­
cipação da m ulher no m undo industrial contemporâneo.
N a Idade M édia a m ulher sofreu o handicap d a perseguição 
às bruxas, condição que m uito pouco m elhorou com o a d v e n ­
to do R enascim ento , d a Revolução Francesa e das G uerras 
M undiais. Assim , o m ito do m atriarcado aparece com o sendo 
apenas u m conceito da antropologia, na avaliação de Bachofen. 
A dom inação m asculina é aqui dem onstrada de d iversas for­
m as. N o en tan to , esse dom ín io não significa a ausência de 
p o d e r fem inino, m as m ostra a clara resistência d a articulação 
da suprem acia m asculina, pa ra que as m ulheres não se m an i­
festem. D essa form a, os escribas d o pod e r reg is tram tendenc i­
osam ente - segundo seleção feita p o r eles - o que as m ulheres 
dev em fazer o u dizer. Assim, a elas destinaram o espaço p r i ­
vado , e nquan to os hom ens ocupam , com todo o respa ldo ide ­
ológico, o âm bito público.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÕDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
N a seg u n d a p arte é abordada a h istória da m u lh e r no Bra­sil - síntese do p eríodo colonial aos d ias a tu a is - onde se veri­
fica que a situação das m ulheres não difere da rea lidade a p re ­
sen tada n a parte inicial deste trabalho. D estarte, em u m a soci­
ed ad e patriarcal, a família constituía-se no centro de toda a 
organização; econômica, religiosa e m esm o política. A v irg in ­
d a d e d a m u lh e r era considerada fator da m ais alta relevância, 
refletindo-se em questões do Direito. N esse contexto, a m u ­
lher enquan to m ãe, po r influência das tradições judaico-cris- 
tãs, era associada à V irgem M aria e glorificada p o r essa fu n ­
ção vocacional. Isso a v inculava ao espaço p rivado , enquan to 
era oficializada sua inferioridade jurídica e social.
N o Brasil, som ente a p a rtir d a década de 1960, fru to de 
m uita luta, a m u lher está - m as d e form a m u ito lenta - conse­
g u in d o ex trair de si a condição d e in ferio ridade q u e a socie­
dade , reg ida pelas leis da classe dom inan te , lhe a tribu iu . De 
form a incipiente a m ulher - v ítim a de séculos de opressão - 
está criando voz, abrindo espaços de conquistas. As m ulheres 
estão, a tualmente, se inserindo n u m quadro social mais amplo.
A História não se escreve de forma linear e está longe de ser 
estática: em intervalos de tem po cada vez m enores sucedem-se 
as alterações. Dizemos, neste início de milênio, que o ritmo da 
História acelerou. E a legislação está acom panhando a acelera­
ção histórica? Todas as lutas e conquistas das m ulheres foram 
importantes, pois estabeleceram um novo pa tam ar de direitos 
hum anos para elas. O usufruto desses direitos, lam entavelm en­
te, é m arcado pelas desigualdades sociais e étnicas, que caracte­
rizam a nossa sociedade. Recentemente - já n o século XXI - foi 
aprovado o novo texto do Código Civil, que acaba - entre outras 
discrepâncias - com a possibilidade de anulação do casamento 
por perda da v irgindade da m ulher an tes do m atrim ônio .
7 8 CIDADANIA OA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N a terceira p a rte deste trabalho são trazidas à colação ques ­
tões específicas da área do Direito enfocando-se os dip lom as 
legais de abrangência internacional; Convenções, T ra tados e 
Congressos p rom ov idos pela ONU. Tais d ispositivos se d es ­
tinam a alertar ou criar v ínculo obrigacional - com os países 
m em bros dessa organização - na oferta de tra tam en to iguali­
tário a hom ens e m ulheres em suas legislações.
N as considerações finais procura-se sintetizar as colocações 
traba lhadas nesta m onografia , acrescentando-se a lgum as re ­
flexões que se som am ao enfoque selecionado ao tem a "C ida ­
dan ia d a M ulher, u m a questão de Justiça".
Por ú ltim o, vale a firm ar que tudo o que tem sido historica ­
m ente constru ído n ão necessariam ente deverá reproduzir-se , 
cabendo sem pre espaço pa ra ações transform adoras.
1 - SÍNTESE HISTÓRICA DA MULHER NO OCIDENTE
1.1 - Na Antigüidade Greco-Romana
"Na sua dupla relação com o saber, a mulher Grega é uma 
figura curiosa. É um objeto apaixonante e um sujeito muito 
discreto, mas teoricamente exemplar. Enquanto objeto, a m u­
lher surge em primeiro lugar, como essa coisa viva cuja apari­
ção no mundo o mitólogo teve de imaginar antes de se tornar, 
para os médicos um corpo a dissecar e, para o filósofo, uma 
figura social a instituir. Como sujeito aparece, esporadicamen­
te, mas sempre às margens do exercício filosófico, médico ou 
literário, vindo a exceção confirmar a regra de exclusividade 
masculina no domínio intelectual...”
Giulia Sissa
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
Filosofias do Gênero: Platão, Aristóteles e diferença dos 
sexos
Os deuses ao criarem Pandora, a p rim eira m u lh e r segundo 
a m itologia, do taram -na de voz h u m ana , e o m u n d o antigo 
v iveu sob esse m urm ú rio de vozes fem ininas, que tagarela ­
vam em seu un iverso dom éstico: u n iverso p rivado , cujas p o r ­
tas e ram fechadas e constan tem ente vigiadas. A única p a la ­
v ra v e rd ad e iram en te reconhecida - a pa lav ra política - es te ­
ve, p o r m uitos séculos, fora d o alcance das m ulheres. A lguns 
h isto riadores afirm am que a sociedade sem pre foi m asculina, 
d e on d e decorre a centralização política nas m ãos dos hom ens. 
STRAUSS, nesse sentido, afirm a que "a au to r id ad e pública 
ou s im plesm ente social pertence sem pre aos h o m en s" .’
Embora a historiografia não nos permita ver claramente em 
seus horizontes um direito materno, um a ginecocracia, MURARO 
usa e expressão "no princípio era a mãe"^ e ENGELS, p o r seu tu r­
no, disse que "...a reversão do direito m aterno foi a grande derrota 
histórica do sexo feminino".^ Colocações, nessa linha de pensa­
mento, nos sugerem que houve um período d a história na qual a 
m ulher exercia algum a supremacia, não no espaço privado - que 
lhe foi lugar comum em todas as épocas - m as no espaço público.
Entre tan to , esse período quase p e rd id o através dos tem ­
pos, q ue c o rrespondeu a um estágio original d a hum an id ad e , 
m ereceu a a tenção de BACHOFEN^ em Das Mutterrecht ou o
'A pud BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. ed. RJ: Nova Fronteira, 1982, 
V. 1, p . 91
/ MURARO, Rose Marie. A Mulher no Terceiro Milênio: Uma história da mulher 
através dos tem pos e suas perspectivas para o futuro. RJ: Rosa dos Tempos, 
1992, p. 7.
^A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. In: MARX, Karl; ENGELS, 
Friedrich; LENIN, Vladimir. Sobre a Mulher. 3. ed. SP: Global. 1981, p. 15. 
^GEORGOUDI, Stella. Bachofen, o Matriarcado e a Antigüidade; relações so­
bre a criação de um mito. In: DUBY. Georges e PERROT, Michelle. A História 
das Mulheres: A antigüidade. Porto: Edições Afrontamento, 1990, v, 1, p. 569.
8 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
direito m aterno . De acordo com a teoria desse jurista , "os p o ­
vos são sem elhantes aos ind ivíduos. Para 'g e rm in arem ', para 
chegarem à m atu rid ade , têm necessidade de serem guiados 
p o r um a m ão firme, d irigente, que não p o d e ser senão a m ão 
tranqü ilizado ra e au to ritá ria de mãe. Assim , as o rigens da 
h u m an id a d e são colocadas sob o signo e a suprem acia d e um a 
única força: a m ulher, ou antes, o corpo m ate rno que gera, 
im itando a ação da M ãe O riginal, a Terra".^
R ecorrendo a inda à m itologia grega, encon tram os que o 
su rg im ento do nom e de A tenas dá-se após o confronto d o re ­
g im e m atriarcal com o patriarcal;
"Foi no tempo de Cécrope, o rei fundador de Ática que, segun­
do 0 mito, estalou uma querela entre Atena e Posídon pela 
denominação e posse do país. Após consulta ao oráculo de 
Delfos, 0 rei resolveu o assunto, convocou uma assembléia em 
que faziam parte 'os cidadãos dos dois sexos’ porque nesse 
país era então costume que as próprias mulheres tomassem 
parte nos escrutínios públicos".^
Assim , as m ulheres que apoiaram A tena foram as vence ­
doras, o que ge rou a revolta dos hom ens, que se investiram 
d o p o d e r e de te rm inaram às m ulheres a p e rd a d e todos os 
direitos: d e votar, d o uso d e nom e pelos filhos e o da c id a d a ­
nia ateniense.
Assim sendo, esse en trecruzam ento de m itologia e história 
quer rep resen ta r a vitória de u m sistem a patriarca l in su rgen ­
te sobre um a sociedade m atriarcal em declínio. E ntretanto , a 
H istória n ão p o d e relegar esse poder, que as m ulheres teriam 
exercido, p a ra u m período pré-histórico - d an d o o seu tem po
5 Idem, ibidem, p. 571. 
® Idem, ibidem, p. 582.
MULHER-, CÓDIGOS LEGWS E CÓDIGOS SOCIWS - 0 PAPEL DOS DIREITOSE OS DIREITOS DE PAPEL 8 1
po r acabado - pois seria um a form a de excluí-las da história 
grega e da p rópria História.
O m o d o com o os gregos criaram a figura da m u lher é, no 
m ínim o, curiosa. Ela surge, inicialm ente, com o u m a deusa, 
u m ente mitológico; depois, é ap resen tada pela m edicina como 
u m corpo a ser dissecado. Mais adiante, no p lano filosófico, 
torna-se a m ulher u m a figura social a ser institu ída. Q u a n d o a 
to rnam sujeito, colocam-na à m argem de qua lquer prática, com 
raras exceções, à m argem da construção d e qua lque r história.
O dom ín io m asculino no p lano intelectual, n a sociedade 
grega e, com o verem os m ais adiante, na rom ana, é m uito acen­
tu ad o e bem d em onstrado nessa passagem em que Platão, d i­
rig indo-se a Gláucon, assim se expressa:
"Conheces alguma profissão humana em que o gênero mascu­
lino não seja superior, em todos os aspectos, ao gênero fem ini­
no? Não percamos o nosso tempo a falar de tecelagem e de 
confecção de bolos e guizados, trabalhos em que as mulheres 
parecem ter algum talento e em que seria totalmente ridícido 
que fossem batidas"/
Desse m odo, os "savoir-faire" que exigissem competência e 
habilidade raram ente eram atribuídos às m ulheres. A função 
destas era a gestão da casa, fazer tecelagem e cuidar dos filhos.
N o pensam en to dos poetas, filósofos e m édicos da A nti­
g ü id ad e há u m den o m in ad o r com um ao descrever-se a m u ­
lher com o u m ser passivo e inferior ao h om em em todos os 
aspectos. Platão, em República, concebeu u m a c idade onde as 
m ulheres deveriam ser educadas com o os hom ens, pois para
 ^ SISSA, Giulia. Filosofias de Gênero: Piatão, Aristóteles e a diferença dos 
sexos. In: DUBY,
Georges e PERROT, Michelle, op. cit. p. 95.
8 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
0 filósofo: "façam elas o que fizerem, e p o d em ten ta r fazer 
tudo , fa-lo-ão m enos bem".®
N e ssa l in h a de rac iocín io , os m éd ic o s , s e g u id o re s de 
H ipocrates, reconheciam que todo ind iv íduo sexuado - seja 
ele m acho ou fêmea - era p o rtado r de u m a sem ente idêntica e 
andrógina . N o entanto , descaracterizavam qualquer isonom ia 
de gênero ao afirm arem "que a parte fem inina desta su b s tân ­
cia é, em si, po r um a qua lidade intrínseca, m enos forte q u e a 
parte masculina".^
Reflexões com o estas - com uns en tre os p e n sad o re s da 
A n tigü id ade - são consideradas o que de m elhor se p ro d u z iu 
e se disse a respeito d o gênero m ulher, na tradição ocidental. 
P itágoras via na m u lher u m ser voltado ao m al q u a n d o assim 
explicou a sua origem: "H á um princípio bom que criou a o r­
dem , a luz, o hom em ; e um princípio m au q ue criou o caos, as 
trevas, a m ulher".'"
Assim, nesse sistem a dicotômico, a m u lher ocupava o lu ­
ga r do negativo, do defeito, e que precisava ser in teg rada à 
sociedade, o que queria dizer, subm etê-la à o rdem m asculina 
estabelecida. Verifica-se, desse m odo, que nas narra tivas das 
l ite ra tu ras antigas as m ulheres eram ap resen tadas com o um 
sup lem ento , u m a peça acrescida ao g ru p o social. Q u a n d o se 
tra tava d o saber e d o p oder, as m u lheres não e ram nunca 
m encionadas.
O un iverso fam iliar na A n tigü idade tam bém era d u a l - 
m achos e fêm eas - e a solução para os conflitos apresentava- 
se da m esm a form a defin ida pela m edicina e pela filosofia, 
isto é, com a p redom inância de u m sexo sobre o ou tro , com o
® Idem, ibidem, p. 85-86.
® Idem, ibidem, p. 86.
BEAUVOIR, Simone de, op. cit. p. 101.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
era fortem ente expresso nas leis de M anu: "U m a m ulher , m e ­
d ian te u m casam ento legítimo, adqu ire as m esm as qua lid a ­
des de seu esposo, como o rio que se p e rd e n o oceano, e é 
adm itida depo is da m orte no m esm o para íso celeste".’^
N essa linha, todas as religiões e Códigos tra tavam a m u ­
lher com m uita hostilidade .’ ^ Em u m a época em que o patri- 
a rcado estava estabelecido, foram red ig idos Códigos que, n a ­
tu ra lm ente , ofereciam à m ulher um a condição subord inada , 
p ass iv a e in ferior ao hom em . A ssim , as in ca p ac id ad es da 
m u lh e r rom ana e ram a tradução institucional d a situação in ­
ferior a que ela se encontrava relegada, em u m a sociedade de 
dom inânc ia m asculina. Então vejamos:
“A s leis de M anu definem-na como um ser servi! que convém 
manter escravizado. O heretício assimila-a aos animais de car­
ga cjue 0 patriarca possui. As leis de Sólon não lhe conferem 
nenhum direito. O Código Romano coloca-a sob tutela e pro­
clama-lhe a ‘imbecilidade'. O direito canônico considera-na a 
'porta do diabo'".
Desse m odo, as m ulheres da A n tigü idade e ram excluídas 
de u m m u n d o que as fazia estranhas, po r ser ele to ta lm ente 
declinado no m asculino. O papel social da m u lh e r se restrin ­
gia ao seu confinam ento às esferas dom ésticas, en q u an to aos 
c idadãos rom anos cabia o m onopólio das relações públicas e 
da política. As m ulheres eram , conseqüen tem ente , excluídas
” Ibidem.
Nesse sentido, ver ENGELS, op. cit. p, 15, que assevera “essa condição humi­
lhante da mulher, tal qual como aparece notadamente, entre os gregos dos tempos 
heróicos e mais ainda dos tempos clássicos, foi gradualmente camuflada e dissi­
mulada e também, em certos lugares revestida de formas mais amenas, mas não 
foi absolutamente suprim ida” .
BEAUVOIR, Simone de. op. cit. p. 101.
8 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
da cidadania. Podia-se considerar a c idade antiga - tan to a 
grega com o a rom ana - como c idade de hom ens.
N esse contexto antitético a união conjugal reduzia-se à re ­
núnc ia da esposa a tudo o que de pessoal lhe pertencia: am i­
gos, deuses , ocupações, bens, tendo em vista a adap tação à 
v ida religiosa, social e econômica do esposo. O casam ento - 
am álgam a que devia un ir o h om em e a m u lher - significava, 
então, o desaparecim ento da m ulher em todos os aspectos da 
v ida, especialm ente o econômico, com o bem foi defin ido por 
SISSA:
"Isto surge particularmente esmagador no respeito aos bens, 
em cjue a avaliação quantitativa da ‘mistura’ se manifesta 
mais claramente. O pôr em comum os respectivos haveres 
deve, com efeito, ter a aparência de um patrimônio único e 
indiviso, mas pertencente ao marido, mesmo que a mulher 
tenha trazido parte maior que a deste... Mais precisamente: 
a in d iv isã o é apenas o meio de fa ze r desaparecer a 
especificidade e, neste caso, a real contribuição feminina em 
benefício do marido, verdadeira parte do todo''.^^
O casam ento , no Direito Rom ano, es tru tu rava-se sobre a 
n a tu reza jurídica d o h om em ou "paterfam ilias" e sobre a da 
m ulher , ' 'm aterfam ilias" o u "m atrona". Dessa união - hom em 
e m u lh e r - se p ro d u z ia e p ro longava a descendência po r vá ri ­
as gerações. N a posição dos juristas d o Im pério Rom ano,
"o encontro dos sexos comandava todo o encadeamento insti­
tucional; nele, o direito civil reunia-se ao direito natural, dado 
que - assim como o declararam no século 111 O s In s t i tu ta s 
de Ulpiano, retomado nos mesmos termos pelos In s t i tu ta s
SISSA, Giulia, op. cit. p, 119,
MULHER; CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS OE PAPEL 8 5
de Justiniano - da existência das espécies vivas deriva a união 
do macho e da fêmea a que nós, os juristas, chamamos de casa­
mento."^^
A sucessão dos d ependen tes só existia em R oma p o r linha 
m asculina, sendo as m ães pro ib idas desse direito. A Lei das 
XII Tábuas constitui-se no alicerce de todo o sistem a de suces­
sões sem testam ento ou "intestatas". Assim , som ente os des ­
cenden tes p o r via m asculina - filhas e filhos d o pai, ne tas e 
netos nascidos do filho do pai... h e rd av am em p rim eira linha. 
Em segunda linha h e rdavam os colaterais do lado paterno.
Assim sendo, o direito sucessório rom ano excluía todos os 
parentes da linha materna: os filhos não sucediam à mãe, nem os 
sobrinhos aos irmãos ou irmãs da mãe. Estas não possuíam a 
"patriapotestas" e, portanto, não podiam escolher u m herdeiro 
po r adoção, porque até m esm o os seus descendentes naturais 
essa exclusão atingia. Era o critério de prevalência d o gênero 
masculino sobre o feminino presente no Direito Romano.
C om 0 adven to do Cristianism o os pad res da Igreja eram 
h om ens que, ten d o p res tado voto de castidade , rejeitavam, 
em seus serm ões, tudo aquilo que se relacionasse com o corpo 
e os desejos sexuais. A Virgem Maria tornou-se o m odelo a p re ­
goado a todas as m ulheres que deveriam , a seu exem plo, m a n ­
ter-se castas. Esta m esm a Igreja que, em seus p rim órd ios , p re ­
gava a libertação das classes oprim idas - onde a m u lher esta ­
va incluída - era agora a força m ais im portan te e p ro fu n d a 
p a ra fortificar a sua subm issão.
A ideologia’ ^ cristã exerceu acen tuada influência no Direi-
THOMAS, Yan. A Divisão do Sexo no Direito Romano. In: DUBY, Georges e 
PERROT, Michelle, op. cit. p. 130.
Ver POULANTZAS, Nicos. O Estado, 0 Poder e o Socialismo. 3. ed. RJ; Graal, 
1985, p. 33: "A ideologia não consiste somente ou simplesmente num sistema de
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
to R om ano, contribu indo , desse m odo, para que aum en tasse 
a opressão da m ulher. Assim, a Igreja veio reforçar o estereó­
tipo d a m ulher-esposa-m ãe; to ta lm ente subo rd in ad a ao m ar i ­
do , on d e São Paulo - m an tendo a tradição judaica anti-femi- 
n ista - assim p rega em sua Epístola: "O h o m em não foi tirado 
da m u lh e r e sim a m u lher do hom em , e o h om em não foi cri­
ado p a ra a m u lh e r e sim esta para o hom em ".
Enfim , foram as in terp re tações dos filósofos g regos rea li­
za d as pelos clérigos - hom ens de religião e da Igreja’® - que 
governavam o escrito e transm itiam o conhecim ento , que p ro ­
po rc io n a ram as bases teóricas para , na Id ad e M édia , e a lém 
des tes séculos, se a tr ibu ir à m u lh e r a h istórica subm issão ao 
hom em .
1.2 - Na Idade Média
A sociedade da Idade M édia con tinuou sendo acen tuada- 
m en te m arcada pela hegem onia m asculina, o nde as m anifes­
tações cu lturais possu íam o registro das lu tas pe lo p o d e r e 
dos preconceitos masculinos. A m ulher encontrava-se, a inda, 
em absolu ta dependênc ia do pai e do m arido , com o bem defi­
n e OPITZ;
idéias ou de representações. Compreende também uma série de práticas materi­
ais extensivas aos hábitos, aos costumes, ao modo de vida dos agentes, e assim 
se molda como cimento no conjunto das práticas sociais, aí compreendidas as 
práticas políticas e econômicas".
BEAUVOIR, Simone de, op. cit. p. 118.
'®Ver LECLERCQ, Paulette LHerm ite • A Ordem Feudal. In\ DUBY, Georges e 
PERROT, Michelle. História das Mulheres: A Idade Média, v. 2, p. 281, onde foi 
dito que “Ter-se-á verificado que a igreja, que trabalha para a eternidade, está 
particularmente atenta ao tempo e, portanto, às mulheres, que têm com ela uma 
relação particular. E antes de mais, pela sua programação genética (...) Elas 
estão na intersecção do tempo cíclico - o relógio das regas, a concepção - e do 
tem po linear” .
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
"Os seiis desejos e idéias só podem freqüentem ente ser 
descortinados por trás do véu da tutela e da regulamentação 
imposta pelos seus pais, maridos e confessores, sendo os seus 
atos ainda limitados pelas normas da sociedade e pelo con­
trole social"
N essa trajetória a família, a Igreja e as n o rm as jurídicas vi­
g ia v a m e e x a l ta v a m a v i rg in d a d e d a m u lh e r , q u e e ra 
guarnec ida pelo pai e assim transm itida ao m arido. A rep res ­
são, nesse sentido, era m uito forte, tanto que a m ulta para quem 
deflorasse u m a m u lher era o dobro da m ulta aplicada àquele 
que m atasse u m guerreiro. Conform e LECLERCQ:
“as recompensas celestes são muito maiores para as virgens.
E 0 Evangelho fornece às mulheres o arquétipo de Maria. Isto 
não é novo, mas nunca tanto nos séculos XI e X II a Igreja 
exaltou a excelência desse estado. Tudo levava a isso: o medo 
do fim dos tempos, a irradiação espiritual dos monges, a refor­
ma do clero e a promoção do culto mariano”
Assim, a v ida quotid iana das m ulheres se m ovim entava 
em u m enquad ram en to jurídico que lhes era desfavorável, isto 
p o rq u e a d icotom ia público e p rivado era m uito acen tuada 
nessa fase e, ao gênero feminino, era des tinado o espaço d o ­
méstico. Dessa m aneira as m ulheres perm aneciam fechadas 
nas suas tradicionais funções, serv indo à expansão da espécie 
ou a Deus. Por seu tu rno , os hom ens p ossu íam o m u n d o para 
desvendar, todas as aventuras a v iver e toda a experiência a 
acum ular. Segundo MURARO,
"Em geral as mulheres fiavam, teciam, cuidavam dos animais
0 Quotidiano da Mulher no Fina! da Idade Média. In: DUBY, Georges e PERROT, 
Michelle, p. 354.
A Ordem Feudal. In; DUBY, Georges e PERROT, Michelle. Idem, p. 284.
CIDADANIA OA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
e das hortas, enquanto os homens faziam o trabalho mais pe­
sado e as guerras. A s senhoras da alta estirpe, contudo, na 
ausência dos maridos, eram obrigadas a gerir suas vastas pro­
priedades. Assim, 0 papel econômico das mulheres expandia- 
se ou se contraía com a presença ou ausência dos homens, e a 
ausência era mais comum".
N essa concepção, com as restrições de d ire ito à m ulher, 
p rev istas nos Códigos, a capacidade jurídica da m esm a era 
ex trem am ente lim itada, sendo a m ais f lagrante fixação de sua 
in ferioridade a instituição da tutela d o sexo m asculino sobre 
o feminino. C onsoante OPITZ:
"Os direitos gentílicos excluíam a mulher livre de todos os 
acontecimentos públicos. Não podia aparecer em pessoa pe­
rante um tribunal tendo de se fazer substituir por um ho­
mem, o seu tutor (muntivalt). Entre as mulheres solteiras esta 
era por norma o pai, entre as casadas, o marido. Por morte 
destes, a tutela recaía no parente masculino mais próximo, 
pertencente à família do pai. Além do direito de representar o 
pupilo em tribunal, o tutor tinha o direito de dispor e de usu­
fru ir da fortuna desta, o direito de castigar - que em casos 
extremos podia incluir a morte - o direito de dar em casamen­
to como entendesse e mesmo o direito de vender".
N esse período os discursos dirigidos às m ulheres eram p ro ­
feridos pelos pais, clérigos, mestres... e o tem a era a castidade, 
a h u m ild ad e , o silêncio, o trabalho etc. D u ran te séculos as 
m ulheres ouv iram a repetição desses princípios, acen tuando 
a sua subm issão. Eram os hom ens que u savam a pa lavra pe-
2' Op. cit., p. 101.
Quotidiano da Mulher no Final da Idade Média. In; DUBY, Georges e PERROT, 
Michelle. História das Mulheres: A Idade Média, v. 2, p. 356.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÕDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 8 9
Ias m ulheres , fortificando a ideologia da Igreja, re inan te na 
sociedade e que dete rm inava as relações familiares. De acor­
do com OPITZ:
"A doutrinado casamento por consenso defendida pela Igreja 
não podia opor-se às relações de poder vigentes na sociedade - 
e no fim do também não o queria: a relação entre marido e 
mulher não podia doravante ser de amizade e pressupor a igual­
dade de direitos: 'Sêde submissos uns aos outros no temor a 
Cristo, as mulheres aos homens como ao Senhor...’ (Efésios, 
5:21)... Um bom casamento era a comunhão entre o homem e 
a mulher mas, segundo os ensinamentos morais da Igreja, ele 
só era realmente bom quando o homem 'governava' e a m u­
lher obedecia incondicionalmente".-^
N essa época a integração Igreja-Estado era m uito acen tua ­
da, o que explica a criação dos Tribunais Oficiais - instância 
judicial episcopal - que se ocupava de questões familiares. 
Esses tr ibunais cu idavam dos casos de litígios m ais freqüen ­
tes, o que correspondia à violência com etida pelos m aridos, 
possu ido res de u m pod e r absoluto de castigo, am p a ra d o no 
Direito, sobre a m ulher. Nesses tribunais as m ulheres eram, 
m uitas vezes, advertidas sobre a obediência que dev iam aos 
seus m aridos. Desse m o d o a ideologia de te rm inava limites 
repressivos extrem os, onde se m odelava o co tid iano fem ini­
no, consoante ensina OPITZ:
"Os maridos constituíam a primeira instância de controle 
social das suas mulheres, e isso não era apenas determinado 
pelas disposições legais redigidas a partir do século XII; os 
decretos canônicos que converteu o marido em chefe de sua 
mídher reforçam também a responsabilidade e as possibilida-
23 Idem, ibidem, p. 366.
9 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
des de controle por parte do 'senhor e mestre'. Este monopólio 
de poder encontra a sua expressão mais nítida no direito que o 
marido tinha de castigar a mulher, que as autoridades locais e 
eclesiásticas fixavam, e no privilégio masculino de ser infiel 
sem conseqüências".^'*
Assim sendo, as norm as para a infidelidade conjugal eram 
aplicadas com m aior rigor às m ulheres do que aos hom ens. Elas 
pod iam ser p un idas até com a m orte, porém , enquan to traídas, 
nos m esm os tribunais, não possuíam meio a lgum de agir con­
tra seu m arido. Recorrendo outra vez a OPITZ, encontramos:
um grande número de processos do tribunal episcopal de 
Paris diz respeito a casos de infidelidade conjugal, 6 foram 
sentenciados contra o homem e 13 contra a esposa infiel. Isto 
não demonstra necessariamente que as mulheres transgredis­
sem mais as leis conjugais do que os homens, mas parece reve­
lar que a norma de infidelidade conjugal se aplicava com mais 
rigor às mulheres do que aos homens, uma idéia que se tira 
também dos direitos consuetudinários e regionais”.
N esse contexto, desafiando os pad rões estabelecidos, su r ­
g iu n a França u m novo m odelo de relação en tre o h om em e a 
m ulher , o amor cortês que, segundo DUBY^^, teria im plicado
Idem, ibidem, p. 368.
2® Idem, ibidem, p. 371.
Ver a respeito, 0 Amor Cortês. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História 
das Mulheres: A Idade Média, p. 332, que sustenta “Com efeito, peça fundamental 
como o xadrez, a dama, no entanto, por ser mulher - eis onde pára o seu poder - 
não poderia dispor livremente do seu corpo. Este pertencia ao seu pai, pertence 
agora ao marido. Contém, em depósito, a honra deste esposo, assim como a de 
todos os machos adultos da casa. solidários. Este corpo é, portanto, atentamente 
vigiado. Nas residências nobres (...) ela não pode escapar por muito tempo dos 
que a espiam e conjecturam que esta mulher é enganadora, fraca como são todas 
as mulheres. Surpreendem com sua conduta o menor indício de afronta, e logo a 
dizem culpada. Ela é então passível dos piores castigos, os quais ameaçam igual­
mente o homem que se crê seu cúmplice".
MULHER CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 9 1
u m a sensível m elhora na condição de v ida da m u lher das clas­
ses sociais altas. O s en tre ten im entos nos castelos perm itia a 
elas criarem ao seu redo r as descontrações da poesia, d as con­
versações, para o nde os poetas eram atra ídos, ga ran tin d o o 
p róprio sustento. Assim, enquanto os costumes oficiais susten­
tavam a tirania do esposo feudal, a m ulher tentava um a com­
pensação m ediante atenções de am ante fora do casamento.
Tinha-se assim , nessa form a de revestim ento d o am or, a 
possib ilidade de perpe tuação do casam ento en q u an to insti­
tuição, nos possib ilitando afirm ar que, mutatis mutandis, esse 
m odelo de relação propagou-se até os d ias atuais. A esse res­
peito DUBY discorreu:
"Assim, as relações entre o masculino e o fem inino toma­
vam, na sociedade Ocidental, um rumo singular. Ainda 
hoje, apesar da revolução das relações entre os sexos, os 
traços que derivam das práticas do amor cortês, são aque­
las pelas quais a nossa civilização se distingue mais abrup­
tamente das outras".-^
A fase d o am or cortês, que suav izou u m p ouco a sorte das 
m ulheres , n ão a m odificou na sua essência, isso p o rq u e não é 
o tipo d a relação em si ou o encantam ento que possa envolvê- 
la que de te rm inam a em ancipação da m ulher. A sua v e rd a ­
d e i r a l ib e r ta ç ã o d a s a m a r ra s c r ia d a s p e la s o c ie d a d e e 
ratificadas pelo Direito, em um a o rdem estabelecida, só ocor­
rerá efetivam ente qu an d o ela partic ipar ind iscrim inadam ente 
das decisões políticas, exercendo a cidadania. N esse sentido, 
já no século XX, LENIN ensinou:
"Enquanto as mulheres não forem chamadas a participar li-
Idem, ibidem, p. 350.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
vremente da vida pública em geral, cumprindo também as 
obrigações de um serviço cívico permanente e universal, não 
pode haver socialismo, nem sequer democracia integral e du­
rável. As funções de polícia como as de assistência a doentes e 
crianças abandonadas, o controle da alimentação etc., não po­
dem em geral, ter uma execução satisfatória enquanto as m u­
lheres não hajam obtido a igualdade perante os homens, não 
só nominal, mas efetiva".-^
Por ou tro lado, um a ou tra form a de em ancipação da m u ­
lher é p o r interm édio do conhecimento. Entretanto, foi somente 
no final da Idade M édia que as m ulheres tiveram acesso aos 
pergam inhos, às U niversidades, partic ipando d o un iverso do 
estudo. Isso represen tou um a grande conquista d o gênero fe­
m inino, apesar de frágil e vulnerável, pois os es tudos de cu ­
nho oficial con tinuavam a ser m onopólio m asculino. Assim, 
c ircundada de d ificu ldades destacou-se, nessa fase, n o cam po 
das letras, a escritora franco-italiana Cristina de Pisano.
É indispensável ressaltar que, nesse período, teve início um 
dos m aiores genocídios da h istória da h u m an id a d e - o a p o ­
geu da d iscrim inação da m ulher - ou seja, o período de caça 
às bruxas. O correu aí o com pulsório afastam ento das m u lh e ­
res das U nivers idades e a proibição das m esm as de exerce­
rem qua lque r prática atinente à m edicina - com o a realização
" 0 êxito de um revolução depende do grau de participação das mulheres. In: 
MARX, KarI et alii, op. cit. p. 101.
propósito, ver BOHLER, Régnier Danielle. Vozes Literárias, Vozes Místicas. 
In: DUBY, Georges e PERROT, M iclie lle . História das Mulheres: A Idade M é­
dia, p. 529, que diz "Na história da literatura francesa, entre 1395 a 1405, Cristina 
de Pisano im põe-se como uma figura im pressionante... Mas a sua identidade 
de m ulher devia in fa live lmente criar problem as quando, o fic ia lm ente, e em seu 
próprio nome, ela fa la no quadro de um contexto socia l e cu ltura l. E la foi a 
prim eira a a firm ar a identidade de autora, a marcar solenemente a sua entrada no 
campodas letras".
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DÓS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
de partos, abortos e curas em geral - m ed ian te dom ín io da 
m ilenar quím ica na utilização das plantas.
N ão é dem ais frisar que o poder da época era centralizador 
e os Papas possu íam u m a força absolu ta para criar e des tro ­
na r im peradores. Assim, os e lem entos que não estivessem sob 
o controle da Igreja sofreriam extermínio. E isso foi o que ocor­
reu às m ulheres - consideradas subversivas - que desafiaram 
a corporação m asculina, isto é, o pod e r dos m édicos e, por 
extensão, de todos os hom ens, Desse m odo, m ilhares de m u ­
lheres m orre ram em quatro séculos de perseguição.^'
Nesse d iapasão destaca-se Joana D 'Arc, a m ais fam osa fei­
ticeira, executada po r lu tar em favor de um ideal de justiça, 
com petindo en tre os hom ens e, assim , desestab ilizando as re ­
gras de condu ta p o r estes estatuídas. Afinal, o h om em , sendo 
considerado o senhor de todas as iniciativas e de toda a cria­
ção, im p u n h a às m ulheres - valendo-se do ex term ínio - o 
silêncio, a im obilidade e a submissão.
^ Nesse sentido, FRUGONI, Ctiíara. A Mulher nas Imagens, A Mulher Imagina­
da. In: DUBY. Georges e PERROT, Michelle, idem, p. 488, “a acusação de fabrica­
rem ungüentos mágicos e malefícios remete para o conhecimento, transmitido 
zelosamente de mãe para filha, das ervas e das propriedades, precisamente por­
que as mulheres, fechadas em casa e destinadas a criar os filhos e a cuidar da 
família, estavam ‘funcionalmente’ obrigadas a conhecer remédios e poções. Na 
perseguição das bruxas conflui também o ressentimento da medicina douta e mas­
culina contra uma medicina popular, feminina e rival".
A respeito, ver FRENCH, Marily, apud MURARO, Rose Marie, op. cit., p, 111. 
"Esses dados nos fornecem um idéia da dimensão desse holocausto: “O epicentro 
das execuções das bruxas foi o Santo Império (...) 0 Sudeste da Alemanha e a 
Baviera foram responsáveis por mais de 3.500 execuções cada, Na Polônia, a 
segunda área mais afligida por esse flagelo, grande número de ‘fe iticeiras’ foi quei­
mado entre 1675 e 1720, mesmo depois que a caça às bruxas havia terminado no 
resto da Europa, Em algumas cidades alemãs, 600 bruxas eram executadas em 
apenas um ano; na Itália 1000; em Toulouse (França), 400 foram queimadas em 
um único dia. Na diocese de Trier, 1585, duas aldeias foram deixadas apenas com 
uma moradora mulher cada uma. Mesmo crianças eram acusadas e queimadas na 
fogueira. Em Londres, um escocês confessa que ele sozinho havia sido responsá­
vel pela morte de 229 mulheres (...) Estimativa do número de pessoas mortas na 
fogueira vai de pouco mais de cem mil a nove milhões",
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
A ssim sendo, estas foram as bases que susten taram os acon­
tecim entos dos períodos históricos seguintes.
1.3 - No Renascimento e Idade Moderna
O Renascim ento trouxe consigo novas regras de conduta 
para as m ulheres: o culto à dom estic idade, a criação d o am or 
m ate rno e d o am or romântico. Entretanto, o m ov im en to de 
caça às bruxas, iniciado na Idade M édia, teve con tinu idade 
no Renascim ento. A repressão às feiticeiras au m e n to u consi­
deravelm ente e as m ulheres foram responsabilizadas por tudo 
o que de ru im acontecesse: m á colheita, ep idem ias, m ortes 
inexplicáveis.
A caça às b ruxas prejud icou seriam ente as m u lheres em 
sua im agem social. E, m esm o após o térm ino desse revoltante 
m ovim ento de perseguição, o esta tu to social das m esm as não 
é revalorizado. Daí pode-se aduz ir que o crim e de feitiçaria 
foi desqualificado de direito m as não de fato. N esse sentido, 
SA LLM A N N diz: "Q u an d o era feiticeira a forca ou a fogueira 
m anifestavam , na sua crueldade, a sua responsab ilidade pe ­
nal. Vítima da sua imaginação ou tom ada de loucura, ela trans­
form a-se n u m ser ju rid icam ente d im inu ído , com responsab i­
l idade pessoal lim itada".
Parale lam ente à caça às bruxas, que a ting iu as m ulheres 
das classes baixas, surg iu , nessa fase, u m m ovim en to d irig ido 
ao am or p latônico, que exaltava as m u lheres - a lcançando 
aquelas d as classes m ais e levadas - p reparando -as p a ra a era 
industria l. Desse m odo, as prim eiras seriam as operárias d ó ­
ceis d o século em questão e as segundas, cu ltivando extrem a 
fem inilidade, seriam as consum idoras.
Feiticeira. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: Do 
Renascimento à Idade Moderna, v. 3, p. 533.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 9 5
Para a construção dessa fem inilidade ideal novam en te os 
filósofos, sociólogos e m édicos en tram em cena, e laborando 
u m m olde, à m argem do qual elas seriam infelizes. E n tre tan ­
to, nele enquad radas , seriam bem suced idas e m erecedoras 
de louvores com o m ãe de família e guard iã das v irtudes e v a ­
lores eternos. Assim, a m ulher v irtuosa é a " ra in h a d o lar", 
frágil e d esp re p a ra d a para a vida pública, com o asseverou 
ROUSSEAU.
"A mulher m antém se perpetuamente na infância; ela é in­
capaz de ver tudo o que é exterior ao mundo fechado da do­
mesticidade, que a natureza lhe legou, e daí resulta que ela 
não pode praticar 'ciências exatas'. A única ciência, para além 
da dos seus deveres (os quais ela conhece, aliás, intuitiva­
mente), que ela deve conhecer é a dos homens que a rodeiam 
e, essencialmente, a do seu marido, e que é baseado no senti­
mento".^^
N o Século das Luzes, portanto , o d iscurso dom inan te , que 
dissertava sobre a na tu reza do hom em , p rov inha de reflexões 
m asculinas que estabeleciam estreita relação desta com a n a ­
tu reza em geral. Foi nessa linha de pensam en to denom inada 
"se lvagem " p o r STRAUSS,^^ que a m aior parte dos filósofos 
assenta seus raciocínios: a m u lher pertence à n a tu reza e o h o ­
m em à cultura.
Por ou tro lado, o es ta tu to dos esposos apresen tava-se d ife­
rente do da m ulher. O m arido era o chefe da família, senhor 
da sua m ulher , dos seus filhos e m esm o de seus criados se os 
tivesse. A propósito , em Émile de Rousseau, Sophie, a esposa
Apud CASNABET, Michèlle Crampe, A mulher no Pensam ento Filosófico do
Século XVIII. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. Idem, p. 386.
CASNABET, Michèle Crampe, op. cit. p, 381.
9 6 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
perfeita, p rep a ra d a desde a infância para aquele, ouvia os con­
selhos d e seu preceptor: "Ao tornar-se vosso esposo, Emile 
tornou-se vosso chefe, a vós pertence obedecer-lhe, assim o 
quis a na tu reza" .
N esse contexto o casam ento não era com patível com a idéia 
de dem ocracia ratificada pela Revolução Francesa. Este era 
u m con tra to que subm etia a m ulher ao seu senhor, conform e 
p ode ser consta tado em KANT na "A ntropologia":
"No progresso da civilização, a superioridade de um elemento 
deve estabelecer-se de forma homogênea: o homem deve ser 
superior à mulher pela força física e pela coragem, a mulher 
pela faculdade natural de se submeter à inclinação que o ho­
mem tem por ela: pelo contrário, num estado que não é ainda 
0 de civilização, a superioridade encontra-se apenas do lado 
do homem"
D estarte, adm itir a igualdade entre os sexos e a necessida­
de de u m a educação com um implicaria que fosse reconheci­
do às m ulheres o direito igualitário de participação na vida 
política, seria reconhecer o seu direito à c idadania. N esse sen ­
tido , BODIN, refletindo sobre os g raus de c idadãos de um a 
república, assim posicionou as m ulheres:
"Quantoà ordem e o grau das mulheres, não quero introme­
ter-me nisso. Penso simplesmente que devem ser mantidas 
longe de todas as magistraturas, posições de comando, tribu­
nais, assembléias públicas e conselhos, deforma a que possam
 
dedicar toda a sua atenção às tarefas femininas e domésticas"
ROUSSEAU, Jean-Jacques apud CASNABET, Michèle Crampe, op. cit. p. 389. 
“ / Ip u d CASNABET, Michèle Crampe. op. cit. p. 390.
^M pudDAVIS, Natalie Zemon. A mulher na "política" In: DÜBY, Georges e PERROT, 
Michelle. História das Mulheres: Do Renascimento à Idade Moderna, p. 229.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 9 7
A pesar de todo esse contexto desfavorável, houve m u lhe ­
res que se destacaram , por força de nascim ento ou exercendo 
de te rm inada força política, p o dendo registrar-se, entre outras, 
M aria T udor, M aria Stuart e C atarina de Médicis.^®
A Revolução Francesa, que poderia ter transfo rm ado o des ­
tino d as m ulheres, não o fez, m uito ao contrário , ela m ostrou- 
se respeitosa às instituições e aos valores burgueses. Assim, 
as m ulheres que lu ta ram ao lado dos hom ens, na tom ada da 
Bastilha, re iv ind icaram os seus d ireitos de vencedoras que 
tam bém o foram , m as tiveram os m esm os negados com a res­
posta: " A Revolução Francesa é um a revolução de hom ens. 
N ão po d em o s conceder o Direito da M ulher p o rq u e hoje foi o 
dia em que nasceram os d ireitos do h o m e m " . O l y m p e de 
Gouges,'*® autora de Declaração dos Direitos da Mulher - p o r suas 
idéias de igua ldade en tre os gêneros - foi decapitada.^ '
As m ulheres tiveram participação decisiva em todas as fa­
ses de g randes m udanças reg istradas pela história. E n tre tan ­
to, à m ed ida que os novos sistem as e ram im plan tados, elas 
eram devo lv idas ã condição m arginal. Isso foi o que ocorreu 
após a R evolução Francesa, com os efeitos d o C ód igo de 
N apoleão , que fixou por séculos o destino das m ulheres , a tra ­
sando a inda m ais a sua em ancipação, ao assim d ispor:
Nesse sentido DAVIS, Natalie Zamon, idem, p. 230.
" Conforme MURARO, Rose Marie, op. c/f, p. 128.
Em. BEAUVOIR, op. cit. p. 142 encontramos: "Olympe de Gouges propôs em 
1789 uma 'Declaração de Direitos da Mulher’, simétrica a dos Direitos do Homem, 
na qual pedia que todos os privilégios masculinos fossem abolidos. Em 1790, en­
contram-se as mesmas idéias em 'Motion de Ia pauvre Jacotte’ e outros libelos 
análogos".
SLEDZIEW SKI, E lisabe lh G. Revolução Francesa, A Viragem , /n: DUBY. 
Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: O Século XIX, v. 4, p. 54. 
Assevera Olympe de Gouges no ari. 10 da Declaração que “A mulher tem direito 
de subir ao cadafalso; deve igualmente ter o direito de subir à tribuna” .
9 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
"A mulher deve obediência a seu marido; ele pode fazer que 
seja condenada à reclusão em caso de adultério e conseguir o 
divórcio contra ela; se mata a culpada em flagrante, é des­
culpável aos olhos da lei; ao passo que o marido só é sujeito a 
uma multa se trouxer uma concubina ao domicílio conjugal 
e é, neste caso somente, que a mulher pode obter o divórcio 
contra ele".^^
1 .4 - No século XIX
O século XIX iniciou sob os reflexos da Revolução France­
sa que, como dito, não possibilitou às m ulheres o reconheci­
m en to de seus d ireitos como cidadãs, pelo contrário , os ali­
cerces das bastilhas perm aneceram indestru tíveis, m an tendo 
o princíp io de hegem onia m asculina. Entretanto, esse século 
é m arcado pelo nascim ento do fem inism o que de te rm ina im ­
portan tes m u d an ças estru turais, em que as perspectivas de 
v ida das m ulheres se altera.
N esse período o d iscurso dos filósofos, psicólogos, soció­
logos e ou tros pensadores é vo ltado para as e ternas questões 
relativas à partilha entre na tu reza e civilização, público e p r i ­
vado , corpo e espírito, já evidenciados nos séculos anteriores.
Dessa form a, HECEL d ispensou sua a tenção à dicotom ia 
p ú b lic o /p r iv a d o , re lacionando o prim eiro com o trabalho, à 
ciência e o Estado, e o segundo - onde s ituou a m u lher - vin- 
culou-o à família, à form ação de valores m orais, assim sen ­
tenciando;
“A mulher pode ser uma filha, esposa, mãe e irmã; só esta 
última relação com o homem é portadora de uma relação de
BEAUVOIR, op. at. p. 143.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÕDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 9 9
igualdade. Na partilha entre a família e a cidade, só o homem 
árcida entre as duas. Ele pode assim dissociar em si mesmo a 
universalidade de sua cidadania da singularidade de seu dese­
jo, e beneficiar-se, desse modo, da realização das duas; aí se 
encontra uma liberdade, um reconhecimento em si mesmo a 
que a mulher não tem acesso".*^
N essa linha de inferioridade de tra tam en to d ispensado à 
m ulher , DARWIN^*^ disse que a seleção n a tu ra l, que acom pa­
nha a seleção sexual, privilegiou o hom em , to rnando-o su p e ­
rior à m ulher. Frisou ele que a des igua ldade não p o d e rá ser 
rev e r tid a com o d esenvo lv im en to da h u m a n id a d e . D iante 
dessa sentença, a m u lher teria sem pre u m a traso em relação 
ao h om em , pe rpe tuando-se a desigualdade .
N a segunda m etade do século XIX, NIETZSCHE e FREUD'*^ 
centra lizaram suas discussões na questão da d iferença entre 
os sexos. O prim eiro tra ta dos aspectos inteligência e beleza, 
estabelecendo aí parâm etros para d istinguir h o m em e m ulher. 
O pensam en to de Freud, por sua vez, teve g ran d e repercus ­
são, em basando teorias com portam enta is às m u lheres no sé ­
culo XX, com o verem os adiante.
N esse contexto, o d ire ito-regulador d o convívio social não 
poderia ficar im une às influências dos pensado res da época. 
Assim, teoricam ente ele estava assen tado n o livre-arbítrio do 
ind iv íduo m as, na prática, foi o au to ritarism o que m arcou a 
legislação. Exemplificando: o princípio d a au tonom ia da von ­
tade transm itia a idéia de adesão da m u lh e r ao seu es ta tu to
/4puc/FRAISSE, Geneviére. Da Destinação do Destino. História Füosófica da 
Diferença entre os Sexos. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das 
Mulheres: O Século XIX, p. 63.
Apud FRAISSE, Genevieve, Idem, p. 88.
4 p u d FRAISSE, Genevieve. Idem, p. 88-90.
100 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
que, no entanto , a tra tava com o u m ser re la tivam ente capaz. 
N esse esta tu to a m u lher existia apenas com o filha, esposa e 
m ãe, enquan to o hom em era o único sujeito de direitos.
Desse m o d o os juristas do século XIX leg itim aram a desi­
gua ld ad e de tra tam ento com relação ao sexo feminino. N o 
cam po do Direito Penal, até 1870, na Inglaterra, o m arido era 
o responsável pelos delitos da m ulher, onde MICHELET^^ afir­
m o u que a m ulher, po r ser dem asiadam en te frágil, deveria 
ser considerada pena lm en te irresponsável.
Assim, o p o d e r d o m arido era justificado pelo estereótipo 
de inferioridade da mulher^®. N a prática, a superio ridade a tri­
b u ída ao h o m e m tinha com o objetivo garan tir- lhe a a d m in is ­
tração da sociedade conjugal, d irig indo a esposa e os filhos. 
Isso ratificava a já consagrada distribuição do pape l dos gêne ­
ros nessa es tru tu ra de sociedade do tipo patriarcal.
Por seu tu rno , o Código Civil Francês, n o art. 213, prev ia 
que "o m arido deve proteção à sua m ulher, a m u lher deve 
obediência ao seu marido".'*^ Esse dispositivo legal investia o 
h om em n o p o d e r de vigiar o com portam ento da m ulher , em 
nom e do exercíciod o dever de proteção, que o Direito lhe con­
feria. N esse sentido, DUC expressou: "O m ag is trado dom és-
propósito , DUC, Nicole Arnaud. As Contradições do Direito. In: DUBY, 
G eorges e PERROT, Michefle, História das Mulheres; O Século XIX, p. 117. 
“ ... São m áxim as romanas revisadas pelos ju ristas do século XVIII e m áximas 
costum eiras de inspiração germ ânica que preparam a dependência da m ulher e 
sua incapacidade".
Apud DUC, Nicole Arnaud. Idem, p. 112.
8^ Nesse sentido, MARX, Karl. A decomposição da família burguesa. In: MARX, 
KarI et alli, op. d l p. 44. “A humilhação do sexo é um traço essencial e caracterís­
tico também da civilização e da barbárie, com a diferença que o vício é praticado 
na barbárie sem requintes, ao passo que é elevado pela civilização a um grau de 
existência complexa, equívoca, inconveniente e hipócrita... Ninguém humilha o 
homem pelo crime de tratar a mulher como escrava".
Ver DUC, Nicole Arnaud, op. cit. p. 118.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 101
tico - deve p od e r - com m oderação, aliar a força à au to ridade 
para se fazer respeitar. E não se podem condenar sem pre os 
a tos de correção ou de v ivacidade marital... A a u to r id ad e que 
a n a tu reza e a lei concedeu ao m arido tem p o r fim d irig ir a 
m u lher no seu comportamento".^^
O C ódigo Penai francês era tam bém bastan te r igoroso para 
com as m ulheres, prescrevendo, no art. 337, p ena d e 3 m eses a 
2 anos de prisão, sem adm itir a tenuantes, p a ra o adultério. 
Esse delito, considerado ultrajante à lei, à m oral pública e à 
religião, assum ia ou tra conotação quan d o p ra ticado po r um 
hom em , pois a pena, a que este estava sujeito, e ra u m a m ulta 
de 100 a 2.000 francos, conform e o que p rev ia o art. 339 do 
m esm o C ódigo citado por DUC.^^
A essas desigua ldades jurídicas acrescenta-se ou tra a inda 
m ais gritante, fu n d ad a no art. 324 do Código em pau ta . Esse 
d ispos itivo legal considera descu lpável o assassinato , pelo 
m arido, da esposa ou seu cúmplice, su rp reend idos em flagran­
te no dom icílio conjugal. O país dos Direitos H u m an o s m an ­
teve até 1975, em seus Códigos, essas contradições, conform e 
ensina DUC.^^
O Direito tam bém foi contraditório na Inglaterra onde, até 
1870, os m aridos gozavam de plena impunidade,^^ o que a g ra ­
vava a im potência da m ulher casada. Assim, eles p o d iam in ­
terceptar correspondência pessoal da esposa ou p ro ib ir a en ­
trega pelos correios - tal ato lhes conferia o g rau de astu tos - 
p o d e n d o utilizá-la para ped ido de divórcio . E n tre tan to , às 
m ulheres não era perm itido o uso do m esm o direito.
^ Ibidem.
Op. cit. p. 122.
Ibidem.
^^DUC, Nicole Arnaud, op. cit. p. 119.
1 0 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
O s m aridos possu íam , ainda, poderes que a lei lhes confe­
ria, p a ra obrigar as m ulheres a residir no dom icílio p o r eles 
escolhido. Ao m arido era facultado o uso da força p a ra coa­
gir a esposa que se afastasse, a retornar ao dom icílio conjugal, 
conform e leciona DUC:
"Numerosos julgamentos ordenam que ela seja reconduzida 
m a n u militari, acompanhada por um oficial de diligências, 
que pode recorrer à força armada, a f im de não tornar depen­
dente dos caprichos e mesmo do crime da esposa, um novo 
gênero de separação de pessoas, subversivo dos direitos gerais 
do corpo social".^"*
A dem ais, em outros países eu ropeus e m esm o am ericanos 
a m u lher sem pre estava em condição subalterna ao hom em 
na sociedade e, por ação reflexa, nas legislações. A inda na Fran­
ça, a té 1965, a m u lh e r precisava de perm issão expressa do 
m arido p ara exercer u m a profissão. N ão p o ssu indo essa au to ­
rização, a esposa não pod ia inscrever-se em un ivers idades , 
abrir conta bancária , req u e re r p a ssa p o r te e hab ili tação de 
m otorista en tre outros atos civis. Essa dependênc ia da m u ­
lher to rn o u -se ex trem am en te incoeren te no aspec to legal, 
q u a n d o previa ser ind ispensável a perm issão d o m arido caso 
ela p re tendesse anu la r o casamento.^^
Esses preceitos jurídicos, carregados de antíteses, são in ­
com patíveis com um a época na qual a m u lher partic ipava em 
postos m enos qualificados de todos os setores de p rodução . O 
Direito, desse m odo , vem ratificar o estereótipo, consagrado 
pelo im aginário social, d a m ulher com plem ento d o hom em .
Op. cit. p. 120.
MARIAS, Javier. Abstrações sem significado: Mulher como Gênero Absolu­
to carece de realidade. Folha de São Paulo, 04.02.96, fis. 5-9.
MULHER; CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SÓCIAlS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
u m apêndice que deve ser m antido excluído d o setor público. 
Em nom e de u m a necessária especificidade de papé is sociais 
d o hom em e da m ulher criou-se um a des igua ldade jurídica, 
que bem m ostra a inclinação do Direito a p ro teger o seu cria­
dor. N ão p o r acaso escreveu BARRE: " tu d o o q ue os hom ens 
escreveram sobre as m ulheres deve ser suspeito , pois eles são, 
a u m tem po, juiz e parte".
Ao final do século XIX vam os encon tra r LENIN de ­
nunc ian d o as contradições do Direito com este ensinam ento: 
"N ão po d e haver, não há, nem haverá Ig u a ld a d e ' entre 
op rim idos e opressores, explorados e exploradores. N ão pode 
haver, não há, nem haverá 'l iberdade ' verdade ira , enquan to a 
m u lher não for libertada dos privilégios q ue a lei sanciona em 
favor d o hom em ..
1.5 - No século XX e XXI
A história d as m ulheres sem pre foi d itad a pelos hom ens, 
com o já foi citado, pois estes têm a seu favor a força física, o 
prestíg io m oral e o controle econômico. Se as m ulheres conse­
g u iram algum espaço foi porque os hom ens es tavam d ispos ­
tos a fazer-lhes essa concessão. Segundo BEAUVOIR:
"A mulher sempre foi, senão a escrava do homem, ao menos 
a sna vassala; os dois sexos nunca partilham o mundo em 
condições; e ainda hoje, embora sun condição esteja evoluin­
do, a mulher arca com um pesado 'handicap'. Em quase ne­
nhum país 0 seu estatuto legal é idêntico ao do homem e, 
muitas vezes, este último a prejudica consideravelmente. 
Mesmo quando os direitos lhes são abstratamente reconhe-
BEAUVOIR, Simone, op. cit. p. 16.
0 poder soviético e a situação da mulher. In: MARX, KarI etalii. op. cit. p. 120,
104 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
cidos, iim longo hábito impede que encontrem nos costumes 
sua expressão concreta".
A classe de m ulheres trabalhadoras era a que gozava de 
certa au tonom ia econômica mas, em con trapartida , carregava 
o fardo da discrim inação no trabalho. Entretanto, nas classes 
d om inan tes elas eram , e a inda o são, parasitas, sujeitando-se 
às leis m asculinas, para não p e rder posição, r iqueza ou poder.
N esse sistem a engenhoso, a v ida das m ulheres sem pre foi 
controlada. As alavancas de com ando do m u n d o nunca esti­
veram nas m ãos das m ulheres: não lhes perm itiram partici­
p a r nas áreas técnicas e econômicas, nem constru ir Estados 
ou descobrir m undos. A propósito , BEAUVOIR disse: "O êxi­
to de a lgum as priv ilegiadas não com pensam , nem descu lpam 
o rebaixam ento sistemático coletivo; e o fato de serem esses 
êxitos raros e lim itados, p rova precisam ente que as circuns­
tâncias lhes são desfavoráveis".^'^
A m u lher profissional que trabalha fora de casa carrega o 
ônus d a d up la jo rnada de trabalho. Conciliar a a tuação n o es­
paço público, com a vida familiar: cu idado dos filhos e da casa, 
não lhesobra m om ento a lgum de lazer, consagrando-se o cír­
culo vicioso, conform e bem adverte STUDART: " A d o m in a ­
ção p ro d u z deb ilidade m ental e a debilidade m enta l facilita a 
dominação."^^ N essa m esm a linha, LENIN ensina:
"Fazer a mulher participar do trabalho produtivo social li­
bertando-a do jugo bruto e humilhante, eterno e exclusivo, 
da cozinha e do quarto dos filhos, eis a tarefa principal. Esta
Op.Cit. p. 21. 
cit. p. 171.
" STUDART, Heloneida. Mulher, objeto de cama e mesa. 4. ed. RJ: Vozes, 1974, 
p. 20.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÕDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E 0 8 DIREITOS DE PAPEL
luta será longa. E exige uma trnnsformação radical da técni­
ca social e dos costumes".^''
N ão é dem ais frisar que foi Freud quem em basou as teori­
as científicas para que, neste século, fosse assegurada a d o ­
m estic idade da m ulher. Segundo M URARO/^ esse psicana­
lista estabeleceu com portam entos sexuais e m ostrou às m u ­
lheres que 0 seu espaço de dom ínio a inda era o p rivado . Des­
se m odo, elas não pod iam com petir com o h o m em no m erca­
d o de trabalho, pois que, sendo com panheira , significava ser- 
Ihe subm issa. Afinal, form ou-se no im aginário social o p re ­
conceito contra a m ulher que exercesse trabalho fora do lar: 
era considerada masculina.
N o entanto , contrariando os preceitos freudianos, surg iram 
- no final d o século XIX e início do século XX - os prim eiros 
m ovim entos de m ulheres, reiv indicando d ire ito ao voto, m e ­
lhor am biente de trabalho e salários m ais dignos. Foi na luta 
po r seus d ireitos que em oito de m arço de 1908, n o s Estados 
Unidos, cento e c inqüenta operárias foram q ue im adas vivas 
no in terior de um a fábrica, trancadas p o r seus patrões. Esse 
dia ficou consagrado com o o Dia Internacional da M ulher.
N os Estados U nidos, no início do século XX, cerca de oito 
m ilhões de m ulheres que trabalhavam fora de casa recebiam 
a terça parte do salário pago aos hom ens, re iterando a discri­
m inação da m u lher no cam po profissional, d e acordo com 
MURARO.^^ N o m esm o sentido, BEAUVOIR disse:
a mulher que busca a sua independência no trabalho tem
0 êxito de uma revolução depende do grau de participação das mulheres.
In: MARX, KarI et alii. op. c/f. p. 129.
Op. cit. p. 137.
MURARO. Idem, p. 138.
Idem, ibidem, p. 136.
106 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
muito menos possibilidades do que seus concorrentes mascu­
linos. Em muitos ofícios, seu salário é inferior aos dos homens; 
suas tarefas são menos especializadas e, portanto, menos bem 
pagas que as de um operário qualificado e, em igualdade de 
condições, ela é menos bem remunerada"
A G rande D epressão A m ericana (1930) e d u ran te a Segun­
da G uerra M und ia l as m ulheres foram sucessivam ente cha ­
m adas para as linhas de produção para logo em seguida, q uan ­
d o so lucionados os grandes espaços econôm icos e logísticos, 
serem devo lv idas ao espaço privado , sem conseguirem im por 
um pape l definitivo para as m ulheres no espaço público. A 
esses acon tec im entos históricos que g u in d am a m u lh e r do 
espaço público para o p rivado e vice-versa GA DO L denom i­
na de "m udança progressista";
"... 0 momento em que se presume que as mulheres são parte 
da humanidade no sentido mais pleno - o período ou conjunto 
de eventos com os quais lidamos assume um caráter ou signi­
ficado inteiramente diverso do normalmente aceito. De fato, o 
que surge é um padrão perfeitamente regular de relativa per­
da de s ta tus para as mulheres, precisamente naqueles perío­
dos da chamada mudança progressista..."^^
Por ou tro lado, nas sociedades dos países subdesenvo lv i­
dos, o pape l de cada gênero difere conform e o interesse do 
sistem a dom inan te , sofrendo as m ulheres m uita opressão em 
u m a família que é a u n idade de p rodução e reprodução . N es ­
se sentido, BENHABIB ensina;
"a família nuclear moderna, não é um abrigo do mundo
Op. c/f. p. 174.
" Apud BENHABIB, Seyla e CORNELL, Drucilla. Feminismo como Crítica da 
Modernidade. RJ: Rosa dos Tempos, 1987, p, 171.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 107
impiedoso, mas um lugar dc cálculo instrumental, egocêntrico 
e estratégico assim como lugar de trocas geralmente explora­
doras de serviço, trabalho, dinheiro e sexo, para não mencio­
nar lugar, freqüentemente, de coerção e violência"
N esse tipo de sociedade a classe m éd ia é fo rm ada p o r p e ­
quenos p roprie tá rios e funcionários m enos g rad u a d o s d o sis­
tem a p rod u tiv o e d o governo, em que as m ulheres revestem - 
se, exclusivam ente, do pape l de m ães e de donas de casa, pois, 
para v iverem , não precisam executar trabalho fora de casa. 
Em regra , são estas m ulheres as defensoras de tradicionais 
valores m orais, políticos e religiosos, cum prindo o pape l a elas 
h isto ricam ente reservado, no acom odam ento d a e s tru tu ra so­
cial. N o d izer de STUDART:
"Se participasse efetivamente da produção, a mulher abando­
naria a sua atitude conservadora. Mas prosseguindo em sua 
situação atual de reserva de mão-de-obra, nao participa das 
lutas do trabalho e, em conseqüência, dos avanços sociais".
E m bora no final do século XX encontrem os as m ulheres 
in teg radas de form a m ais efetiva no m ercado de trabalho, a 
d iscrim inação econômica, rep resen tada p o r salários d iferen ­
ciados para tarefas idênticas, perdura . Isso ocorre especialm en­
te nas profissões de salário m ais baixo. "Para um a m ulher, 
esse salário basta", é um a cara m áxim a patronal.
N o alvorecer d o atual século, os antigos estereó tipos co­
m eçam - len tam ente - a desfazer-se: A m u lh e r está, em blo­
co, ing ressando no setor público e, de form a incipiente, pa rti ­
lhando o setor p rivado com o hom em : envo lvendo-o nos t ra ­
balhos da casa e na criação dos filhos, esboçando-se, assim.
Op. cit. p. 53. 
Op. cit. p. 20.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
u m a m aior in tegração hom em -m ulher. C ada u m dos lados 
rep resen ta hoje, em todo o m undo , ap rox im adam en te 50% da 
força de trabalho.
O Direito, po rém , a inda não incorporou as novas tendênci­
as, m antendo-se um rígido pro tetor das classes dom inantes, 
nelas a inda incluído o hom em , fazendo conhecer aos excluí­
dos, en tre eles a m ulher, apenas o lado coercitivo da lei. Deve 
o corpo de leis agilizar seu passo, acom panhando a acelera­
ção histórica, a m obilidade social, sob p en a de m an te r ju r id i ­
cam ente acen tuadas antigas desigua ldades entre classes soci­
ais e en tre os gêneros, corroborando o que observa WARAT: 
"é na lei e no saber d o Direito que encontram os o m ito de um a 
sociedade sem fraturas".^^
2 - SÍNTESE HtSTÓRICA DA MULHER NO BRASÍL: 
DO PERÍODO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS
M odelagem /M ulher
Assim foi m odelado o objeto: 
para sobrevivência.
Tem olhos de ver e apenas 
entrevê. N ão vai longe 
seu pensam en to cortado 
ao m eio pela ferrugem 
das tesouras. É u m m ito sem asas, 
condicionado às fainas d a lareira.
Seria u m escândalo de barro afeito 
a m ovim entos incipientes, sob tutela.
Ergue a cabeça por instantes 
e logo esm orece po r força
" WARAT, Luís Alberto apud STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: Símbolos e 
Rituais, 2. ed. POA; Livraria do Advogado, 1994, p. 42.
MULHER; CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 109
de séculos pendentes.
Ao rem over entulhos 
pa ra que de justiça tenha v ida integral 
pois o m odelo deve ser, indefectível, 
segundo as leis da p rópriam odelagem .
H enrique Lisboa 
Pousada do Ser
Q u an d o o Brasil foi descoberto, os hom ens que aqu i che­
garam vieram sozinhos. T ranscorreram décadas p a ra que as 
m ulheres os seguissem , o po rtun izando - nesse espaço de tem ­
po - que ocorresse um a m istu ra de raças: brancos, m estiços 
de po rtugueses com índios e, m ais tarde , com negras. Essa 
m estiçagem foi fundam en ta l pa ra a de te rm inação da situação 
social d a m ulher. N esse contexto a un ião legalizada era quase 
inexistente.
S egundo a h istoriografia, é a p a rtir d o século XVII que a p a ­
rece docum entação a respeito d a situação juríd ica da m ulher 
no Brasil, on d e ela era tra tada pela legislação c o m o imbecilüus 
sexus”, eq u ipa rada às crianças, aos doen tes e aos incapazes. 
N o en tan to , apesar da considerada incapacidade , ela podia 
h e rd a r e m esm o adm in istrar p rop riedades q u a n d o houvesse 
o in te resse ou p o r n ecess id ad e d a fam ília . N e sse sen tid o 
FREIRE afirma: "(...) m atriarcas houve no Brasil patriarcal, 
apenas com o equivalente de patriarcas, isto é, considerando- 
se m atriarcas aquelas m ulheres que, p o r ausência ou fraqueza 
d o pai ou do m arido , e d an d o expansão a pred isposições, ou 
características masculinóides de persona lidade foram , às vezes, 
os h om ens da casa".^
™ A p u d COUTINHO. Maria Lúcia Rocha. Tecendo por trás dos Panos: A mulher 
brasileira nas relações familiares. RJ: Rocco, 1994, p. 68.
110 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N o século XVIII a família, de organização patriarcal, cons­
tituía-se no centro econômico e político d a sociedade e, com o 
tal, u m a força que se an tepunha ao Estado. A Igreja, p o r seu 
tu rno , exercia u m a posição in term ediária en tre a família e o 
Estado, u sando com o canal pa ra estabelecer esta relação as 
m ulheres que m ilitavam na religião. Essa era tam bém um a 
form a d e com pensar as m ulheres po r sua situação d e inferio ­
r idade social.
A m u lh e r b ranca - no período colonial d o Brasil e m esm o 
n a República - casava p o r conveniência econôm ica, quase 
sem pre com parentes, para reforçar os laços fam iliares, m as 
especialm ente pa ra p reservar o patrim ônio d a família. Assim 
sendo, aquelas m ulheres que não desejassem p artic ipar desse 
pacto fam iliar e ram enviadas pa ra os conventos, pa ra evitar 
casam entos inter-raciais.
Por ou tro lado, a v irg indade da m u lher era considerada 
um a v irtude , u m fator de alta im portância e, com o tal, era 
g u a rd a d a pelo pa triarca e po r ou tros m em bros da família. 
A dem ais, a família hon rad a era aquela q ue m an tinha a cond i­
ção d e subserviência d a m ulher e sua total dedicação aos afa­
zeres dom ésticos, com o bem define EXPILLY:
"A desconfiança, a inveja e a opressão resultantes, prejudica­
vam todos os direitos e toda a graça da mulher que não era, 
para dizer a verdade senão a escrava do seu lar. Os bordados, 
os doces, a conversa com as negras, o cafuné, o manejo do 
chicote, e aos domingos uma visita à igreja, eram todas as 
distrações que o despotismo paternal e a política conjugal per­
mitiam às inquietas esposas''/^
A m ulher neg ra e a m ulata, por sua vez, sofriam g randes
^M pudC O U TIN H O , Maria Lúcia Rocha, op. d l. p. 66.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E ÓS DIREITOS DE PAPEL 1 1 1
privações, desde a instrução básica, que n ão lhes era possib i­
litado receber. A l iberdade de deslocam ento dessas m ulheres, 
em preg ad as dom ésticas em sua m aioria, era contro lada, as­
sim com o o seu m odo d e vestir. A propósito , LISPECTOR des ­
c reve a m ono ton ia e a falta de perspectiva d a v id a dessas 
m ulheres:
“Sua preocupação reduzia-se a tomar cuidado na hora peri­
gosa da tarde, quando a casa estava vazia, sem precisar dela,
0 sol alto, cada membro da família distribuído em suas fu n ­
ções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um 
pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para 
que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a 
mesma habilidade que as lides da casa lhe haviam transmiti­
do... De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. 
Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se 
voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscu­
ramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E ali­
mentava anonimamente a vida. Estava bom assim"7^
Nesse d iapasão a função da m ãe - aqui se inclui a neg ra e a 
m ula ta - era glorificada. A figura da m ãe - a exem plo do que 
foi exposto na p rim eira parte deste trabalho - era associada à 
Igreja, à V irgem M aria, à im agem da devoção e d o sacrifício. 
Ela sim bolizava a h onra familiar, a so lidariedade e a m oral da 
família. Destarte, ela era a figura-m odelo d a família, perpe tu - 
ando-se essa mistificação até os d ias atuais, onde m uitos m a ­
ridos cham am a esposa de ''m ãezinha", n u m a associação com 
sua p ró p ria mãe. N esse sen tido W IN N ICO TT assevera:
"A saúde do adulto forma-se durante toda a infância, mas as 
funções dessa saúde, são as mães que estabelecem durante as
Laços de Família. 4. ed. RJ: Sabiá, 1970. p. 19.
112 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
primeiras semanas e os primeiros meses da existência de seu 
filho... Alegrem-se de que tal importância lhes seja concedida. 
Alegrem-se de deixar a outros o cuidado de conduzir o mundo 
enquanto põe no mundo um novo membro da sociedade"
Enquanto a m ulher-m ãe era exaltada devia, como reconheci­
m ento e gratidão a esse tributo que a sociedade lhe conferia, per­
m anecer em seu espaço privado. Ela era mão-de-obra gratuita - 
no período colonial e, não tão raramente, ainda hoje - perm itin ­
do a auto-suficiência das residências. A m ulher era o agente pas ­
sivo da m ultiplicação da riqueza do m arido, em basando o fun­
cionam ento do sistema econômico que é exterior às famílias e 
m ais am plo que estas. FRASER, a esse respeito, ensina:
"O papel do cidadão no capitalismo clássico, de dominação 
masculina é, portanto, um papel masculino. Ele vincula o 
Estado e a esfera pública, como afirma Habermas. Mas tam­
bém vincula estes com a economia oficial e a família. E em 
todas as circunstâncias, os vínculos são forjados na esfera da 
identidade do gênero masculino..."^'*
A autoridade do patriarca, com um no Brasil Colônia, prosse­
guiu no período do Império, da República e, em m uitos casos, 
até os dias atuais, conforme diz COUTINHO: "As circunstâncias 
do regime econômico-social no Brasil, portanto, m uito contribu­
íram para forçar a opressão da m ulher pelo homem: limitando 
sua atividade à esfera doméstica ou ao plano da prática religiosa, 
o hom em melhor pôde exercer o seu dom ínio sobre ela. O abso- 
lutismo do paterfamilias, em nossa terra só começou a se dissol­
ver à m edida que outras instituições e figuras cresceram.
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha, op. cit. p. 93.
Apud BENHABIB, Seyía e CORNELL, Drucilia, op. cit. p. 53.
Op. cit. p. 75.
MULHER; CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 1 3
Foi som ente no século XIX, com o processo d e industria li­
zação e com as imigrações, que a u n idade fam iliar sofreu al­
gum as alterações, tais como: declínio da au to r id ad e paterna , 
m aio r participação das m ulheres nas a tiv idades lucrativas, 
a lgum as form as de controle da m ate rn idad e etc.
N esse período em ergiu um a nova classe social fo rm ada por 
profissionais liberais; m édicos, a dvogados e outros. E ntretan ­
to, apesar dos m uitos avanços socioculturais, não se m odifi­
caram a lgum ascaracterísticas feudais que d izem respeito à 
m u lh e r com o a intolerância ao adu lté rio com etido po r ela, 
enquan to que pa ra o hom em , o m esm o com portam en to era 
aceito; e o tabu con tra a p e rd a da v irg in d a d e d a m ulher. 
M URARO, nesse sen tido , assim define: "...o adu lté rio era 
cham ado d e crime, m as apenas para as m ulheres. A v irg inda ­
de era aquilo que d istinguia as m ulheres que iriam ter um a 
v ida m á de um a v ida boa"/^
N o século XIX foram in troduzidas no Brasil teorias cientí­
ficas p a ra justificar a na tu reza d o h om em com predisposição 
à in te lectualidade, enquan to a m ulher era v incu lada à n a tu re ­
za afetiva. Com base nessas teorias e ram justificadas as a titu ­
des racionais, au toritárias e altivas do hom em , enquan to às 
m ulheres eram atribuídas as variações d e fraqueza, sensibili­
dade, doçura e a conseqüente submissão. A ciência, desse m odo, 
estava reforçando os estereótipos m asculinos e femininos, jus­
tificando o papel que cada gênero exercia na sociedade.
A Escola era um a das instituições sociais que ratificava o 
tra tam en to diferenciado oferecido aos m eninos e às m eninas. 
Enquan to àqueles era ensinado Línguas, Aritm ética, G eogra­
fia etc., a estas o currículo oferecido com preend ia Letras, M ú ­
sica, Dança e P rendas Domésticas. Saliente-se, tam bém , que o
Op. cit. p. 35.
1 1 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
acesso à educação às m eninas som ente foi possível m uito tem ­
p o depo is dos meninos.
Dessa form a, pode-se d ed u z ir que o ensino m in is trado às 
m en inas v isava prepará-las pa ra a m issão de professora p r i ­
m ária, ou seja, um segm ento das funções m aternais que lhes 
e ram próprias. N esse círculo herm ético e l im itado não era 
possível à m ulher a construção de m aiores sonhos, com o pode 
ser visto em M A C H A D O DE ASSIS:
"!...] aprendera a ler, escrever e cantar, francês, doutrina e 
obras de agulha, não aprendeu, por exemplo, a fazer renda; 
por isso mesmo quis que prima Justina lhe ensinasse. Se não 
estudou Latim com o Padre Cabral, fo i porque o padre, de­
pois de lhe propor gracejos, acabou dizendo que Latim não 
era língua de meninas”/^
O conhecim ento de um a língua estrangeira, p referencial­
m ente 0 francês, era im prescindível às m ulheres das classes 
altas da época. Com o dom ínio dessa língua e a h ab ilidade no 
trato com as p ren d as dom ésticas, assim com o no m anejo do 
piano, to rnavam -se sim páticas e a traentes ao convívio social, 
fator de orgulho e valorização do m arido. Esse m odelo de m u ­
lher ideal foi igualm ente descrito por M A CH A D O DE ASSIS:
"Era doce, afável e inteligente. Não eram estes, contudo, nem 
ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que a 
tornava superior e lhe dava possibilidade de triunfar era a 
arte de acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda 
casta de espíritos, arte preciosa que faz hábeis os homens e 
estimáveis as mulheres. Helena praticava de livros a alfinetes, 
de bailes ou de arranjos de casa... Era pianista, sabia desenho, 
falava corretamente a língua francesa, um pouco a inglesa e o 
Dom Casmurro. RJ: Editora Moderna Ltda., 1983, p. 51.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 1 5
italiano. Entendia de coshfrn e bordados e toda sorte de traba­
lhos femininos"
A ssim sendo, o casam ento, para as m ulheres do século XIX, 
rep resen tava um a "carreira", um a d as poucas o p o rtu n id a d es 
de ascensão social, pois valendo-se do casam ento elas p o d e ri ­
am ter su a p ró p r ia a tiv id ad e , em b o ra n ã o re m u n e ra d a e 
exercida em regim e d e dependência , no in terior d e u m a casa.
A d u p la m o ra l com ponente de toda a história, estava aqui 
p resen te , p e rm itindo ao hom em toda espécie d e aven tu ra 
am orosa, e nquan to que da m ulher se esperava pu reza , recato 
e dedicação ao m arido , à casa e aos filhos. Assim , sem pre que 
a m u lh e r saía ao espaço público, devia estar acom p an h ad a de 
u m ho m em da família. A literatura da época é bem clara a 
esse respeito , com o podem os ver em JOSÉ DE ALENCAR: 
"C om preend i e corei de m inha s im plic idade p rovinciana , que 
confundia a m áscara hipócrita do vício com o m odesto recato 
de inocência. Só então notei que aquela m oça estava só e que 
a ausência de u m pai, de um m arido ou de u m irm ão, devia 
ter-m e feito suspeitar a verdade".
Esse controle d ire to exercido sobre a m u lher a im pedia de 
um a relação extraconjugal e tam bém po rque a legislação cons­
p irava pa ra inibir qua lquer ação d a m ulher. O C ódigo Penal 
de 1890 p rev ia pun ição po r adultério , com prisão d e u m a três 
anos, m as som ente pa ra a m ulher. O hom em , pa ra ser consi­
d e r a d o a d ú l t e r o , p r e c is a v a c o m p r o v a d a m e n te m a n te r 
concubina. As teorias a respeito da na tu reza do hom em e da 
m ulher - já referidas an terio rm ente - eram assim iladas e se 
to rnavam com ponentes do im aginário social, ag indo , assim,
Helena, 11, ed. SP: Ática, 1983, p. 24.
Lucíola, 11. ed. SP: Ática, 1987, p, 13.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
sobre a aceitação d o tra tam en to d iferenciado aos gêneros. 
MENDES, a esse respeito, afirmou: “O instin to sexual na m u ­
lher, pode-se d izer que não existe quase, de ordinário ; a m u ­
lher se p resta , sacrifica-se às grosserias do hom em , m as é fun ­
d am en ta lm en te pu ra ; a p u reza quase não custa esforço à m u ­
lher, e é p o r isso que ela é tão severa quan to a este ponto , em 
relação ao seu sexo".®*^
Desse m odo, as teorias e d iscursos de en tão v in h am refor­
çar 0 que estava prescrito a respeito d a condu ta do hom em e 
da m ulher, e q ue dava àquele a certeza d e que o filho po r esta 
gerado era seu pela exclusão d a m ulher d a p rox im idade com 
ou tros hom ens. Essas colocações nos reportam à an tigü idade 
rom ana, onde se afirm ava que a m ate rn idade era u m a certe­
za, enquan to a p a te rn idade era um a questão d e fé.
C om a industria lização teve início a participação da m u ­
lher no m ercado de trabalho. N o entanto , o trabalho da m u ­
lher n ão era visto com o realização profissional ou em ancipa ­
ção econôm ica d a m esm a, m as apenas com o u m com plem en ­
to financeiro à renda familiar. Por outro lado, a participação 
d a m u lh e r n o m ercado de trabalho não d im in u iu a carga de 
obrigações q ue ela suportava em casa, n o c u idado da família. 
C onsiderada atividade secundária, a mão-de-obra feminina for­
m ava um banco de reserva de serviço, que era acionado sem ­
p re que houvesse necessidade, conforme assevera COUTINHO:
"Desta forma, a política do Estado com relação à m u­
lher, foi sempre bastante contraditória; de um lado re­
forçava a permanência no lar a fim de garantir a tarefa 
reprodutiva e, de outro, guardava-a como exército in­
dustrial de reserva, a f im de que pudesse lançar mão de
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha, op. cit. p. 88.
MULHEfl: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 1 7
seu trabalho sempre que necessário aos interesses da 
Nação".^^
N o período pós-guerra - décadas iniciais do século XX - 
houve u m a p ro funda transform ação nas sociedades eu ro p é i­
as e norte-am ericanas - conform e já exposto na p rim eira p a r ­
te deste trabalho - que se refletiu na sociedade brasileira. As 
m ulheres, igualm ente , aqui, foram incentivadas a cederem o 
seu espaço n o m ercado de trabalhoaos hom ens, com fu n d a ­
m en to na ideologia que enfatizava o papel de m ulher-m ãe e de 
sua função indispensável e insubstituível na educação dos filhos. 
A m a te rn id a d e era o eixo básico em to rno d o qua l a m u lher 
se m ov im en tava , c um p rin d o , assim , o seu d es tin o biológico.
Dessa forma, form ou-se a imagem estereotipada da boa m ãe 
no lar e d a infelicidade que v itim ava as crianças que eram 
carentes da a tenção m aterna. Era toda u m a gam a de p rofissi­
o n a is l ig a d o s à psico log ia , m ed ic ina , soc io log ia etc. que 
avalizaram essa corrente ideológica, que bem delimitava a esfera 
pública e a privada para hom ens e m ulheres respectivamente.
Edificou-se então, em torno da m ulher, toda u m a crença, 
onde ela seria a cu lpada pelos p roblem as q ue ocorressem aos 
filhos e, em extensão, à família em geral. Assim , era necessá ­
rio esquecer-se a si m esm a para m elhor am ar e cu ida r dos que 
a c ircundavam . Esse foi o m odelo im p ortado de m u lher ideal 
que p e rd u ro u , m ais ou m enos, a té o ano d e 1960. O iso lam en­
to da m u lher no espaço p rivado a im possib ilitava de partici­
p a r de qua lq u e r m ovim ento coletivo em prol d a m elhoria de 
suas condições.
Ao lado disso, era igualm ente considerado im próprio a um a 
m u lher ser superio r ao hom em in te lec tualm ente o u em força
®’ O p . c i t . p . 9 5 .
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JU S T IÇ A
física. A m ulher, desse m odo, som ente poderia ad q u ir ir a lgu ­
m a posição social a través das a tiv idades do m arido o u dos 
filhos, de onde se form ou o consagrado ditado: 'T o r trás de 
u m g ran d e hom em existe sem pre um a grande m ulher" . So­
m en te nos tem pos a tuais foi aceita a adap tação desse p opu lar 
d ita d o para : "ao lado de um g rande hom em ...".
N o entan to , a responsabilidade da m u lher com relação à 
casa, ao bom relacionam ento com o m arido e à educação dos 
filhos foi p o r ela m uito bem in te rnalizada a po n to de, por 
m uitas décadas, a sua exclusiva dedicação ser vo ltada ao es­
paço p r iv a d o que lhe foi conferido. O d iscu rso d o enc lausu - 
ram en to da m u lh e r n o lar foi defin ido po r DICKINSON:
"Eles me engrandecem em prosa 
tal quando uma menininha.
Eles me mantêm no isolamento 
porque eles me gostam tranqüila.
C om relação à m oral sexual, o d u p lo p ad rão p e rd u ra até o 
os d ias a tuais, com o reforço de teorias que a firm aram ser o 
ho m em d o tad o de im pulso biológico, justificando o com por­
tam en to deste ao interessar-se po r ou tras m ulheres, m esm o 
se casado fosse. Desse m odo, o hom em conta com o aval da 
sociedade que incentiva a sua atuação naqu ilo que, po r sua 
p ró p ria na tu reza , d izem ser inerente.
Por ou tro lado, a esposa devia ser com placente e p reservar 
o casam ento , ignorando as ligações paralelas d o m arido . Para 
isso hav ia conselheiros, que iam desde sacerdotes a m édicos, 
que falavam à m u lh er de sua responsabilidade na p rese rva ­
ção d o casam ento - e terno e indissolúvel. Esse tipo d e raciocí-
/4pu tíC 0U T lN H 0 , Maria Lúcia Rocha, op. c/f. p, 41. No original da poetisa norte- 
americana: “They shut me up in prose/as when a little girl/ They put me in the 
closet/Because they liked me still” .
MULHER. CÕDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
nio se faz presente, em m uitas regiões d o Brasil, a té os d ias de 
hoje, on d e hom ens e m ulheres, filhos e filhas etc, possuem 
posições bem defin idas no contexto fam iliar e social. O papel 
de cada sexo, in ternalizado desde a infância, era passado de 
geração a geração, conform e ensina COSTA:
é informado por um código moral, que os sujeitos tam­
bém internalizam, que lhes permite distinguir o certo e o er­
rado, 0 que é permitido para os ocupantes de cada uma dessas 
posições e, a partir destas internalizações, os sujeitos se inse­
rem nesta sociedade e se representam, no futuro, ocupando 
posições análogas, com os mesmos contornos"
N a década de 60, em âmbito m undia l, ocorreram m ovim en ­
tos em oposição ao poder socialmente institucionalizado, como 
o que balançou a e s tru tu ra da França em 1968 e a m obilização 
em prol dos Direitos H um anos nos Estados U nidos. C om o 
reflexo desses m ovim entos gerais su rg iram m ovim en tos es­
pecíficos de fem inistas, que d iscu tiam a d istinção en tre sexu ­
a lidade e procriação, requalificando o pape l sexual d a m ulher 
e a questão dos limites en tre espaço público e p rivado .
O m ovim ento fem inista se im pôs, n egan do a o rdem pa tr i ­
arcal que atribu ía à m ulher um a função secundária em rela ­
ção ao hom em . Esses m ovim entos frutificaram , pois abriram 
espaço pa ra que hoje as m ulheres ocupem posições de des ta ­
que no m ercado de trabalho e na sociedade com o u m todo. 
A tua lm en te as m ulheres se questionam sobre o que desejam 
na v ida e não m ais aceitam um destino ou to rgado , pelo sim ­
ples fato de serem m ulheres.
E ntretanto , apesar de todas as conquistas ob tidas, m uitas 
m ulheres d e hoje a inda continuam v incu ladas ao an tigo m o­
" /Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha, op. cit. p. 109.
1 2 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
delo de m ulher, tentando equilibrar a profissão que exercem com 
as atividades da casa. Nesse sentido, COUTINHO adverte:
“Enaltecida por uma florescente campanha que prometia o 
paraíso para quem quisesse trabalhar, ter filhos, cuidar da 
casa, ainda ser uma amante sempre disposta e disponível, a 
mulher passou a se desdobrar e, exausta com o peso de todas 
as responsabilidades, não conseguindo a excelência almeja­
da, começou a interiorizar uma sensação de fracasso. O pro­
blema passou a ser individualizado, como se a dificuldade 
em ser múltipla o tempo todo fosse pessoal".
A ssim acontece com as m u lh e res d as zon as ru ra is que 
so frem m u ita o p ressão , exercendo d u p la o u tr ip la jo rn ad a 
de trab a lh o , a lém d e d a re m à luz m u ito s filhos e, n o p lano 
sexual, so frem as m ais r íg idas sanções d a soc iedade . Por 
desconfiança d e a d u lté r io , o m arid o p o d e até m atá -la , em 
n o m e d a " leg ítim a defesa d a h o n ra" , tese esta q u e a in d a é 
d e fe n d id a p o r m u ito s a d v o g a d o s nos tr ib u n a is d o jú ri de 
to d o país.
N a s c id ad es , as m u lh e res que co n s ti tu em a classe u rb a ­
n a tra b a lh a d o ra , de sa lários m ais baixos, tam b é m so frem 
d isc rim inações em relação ao h o m em , inc lusive n o salário , 
n o exercício d e função análoga. As p e sq u isa s d e m o n s tra m 
a pers is tênc ia d e a lg u m preconceito , q u e d ificu lta o p r o ­
g resso n a ca rre ira e m an té m os h o le rite s fem in inos m ais 
m ag ro s q ue os m asculinos. As m u lh e res fave ladas , d e m o d o 
gera l, a p re se n ta m u m c o m p o rtam en to d ife ren te d a s m u lh e ­
res das c lasses sociais m ais p riv ileg iadas . São elas q u e su s ­
ten ta m a fam ília , q u e é m atr icên tr ica n a m aio ria d a s vezes. 
S e g u n d o M URARO: "... Isto m ostra que a fam ília nu c lea r
«■' O p . c i t . p . 1 1 4 ,
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
SÓ é possível em cam adas acima de um a certa renda e, po r ­
tanto, é u m privilégio de classe".®^
N esse início de milênio, a m aior transform ação está se p ro ­
cessando nas classes m édias m odernas, nas quais a m ulher 
avança n a conquistad e espaço nos tribunais superiores, nos 
m inistérios, no topo das g randes em presas transnacionais, em 
organizações de pesquisa de tecnologia de ponta . Pilotam ja ­
tos, com andam tropas, ocupam cargos eletivos, não havendo 
um único espaço considerado, no passado , com o m asculino, 
que não seja o cupado por m ulheres, fortalecendo os apelos de 
igua ld ad e que estão expressos na C onstitu ição Federal b rasi­
leira de 1988, um a das m ais avançadas do m u n d o em relação 
à equ iparação dos d ireitos do hom em e d a m ulher.
F inalm ente, é possível afirm ar que - considerando-se es­
ses vários estam entos sociais - os m ovim entos fem inistas não 
d e ram resposta a todas as d ú v idas e anseios fem ininos. N o 
en tan to , eles foram vitoriosos, po rque t iraram as m ulheres da 
som bra da H istória e m exeram com o m odelo patriarcal que 
sem pre v igorou no Brasil, lançando a sem ente da transfo rm a­
ção e m odificando a posição que a m ulher ocupa na socieda­
de: no cam po profissional e na política.®^ É necessário ressal­
tar, no en tan to , que um a nova rea lidade social - igualitária e 
progressista - a inda está longe de m ilhões de m ulheres. Não 
há, n em haverá desenvolv im ento social e econôm ico com jus-
Op. at. p. 157.
" BOCA-DE-URNA, Caderno da Eleição. Zero Hora, Porto Alegre, fl. 08,15.09.2002; 
"Apesar de corresponder a mais de 50% do eleitorado nacional, as mulheres estão 
muito mal representadas entre aqueles que buscam se eleger no dia 6 de outubro. 
Elas eqüivalem a apenas 13,96% do total de candidatos. São 2.637 representan­
tes do sexo feminino disputando uma vaga no Senado, na Câmara, nas Assem ­
bléias Legislativas e nos governos estaduais. Ainda assim a taxa é recorde. Nas 
últimas eleições, em 1998, as mulheres eram 12,27% dos candidatos. Em 1994, 
ainda menos: 6%".
122 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
tiça, se não h ouver igualdade de opo rtun idades p a ra hom ens 
e m ulheres, d ire itos e deveres pa ra todos, sem discrim inação.
3 - A CONDIÇÃO DA MULHER NOS DIPLOMAS 
INTERNACIONAIS: CONVENÇÕES,TRATADOS E 
CONGRESSOS
"... seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei 
é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que 
é mais prudente reconhecer que ela éfeita para alguns 
e se aplica a outro; que em princípio ela obriga a todos 
os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes 
mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrá­
rio do que acontece com as leis políticas ou civis, sua 
aplicação não se refere a todos da mesma form a...”
M ichel Foucault
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão d e 1789 as­
sim previa: "Art. 1"' Les hom m es naissent et d em eu ren t livres 
et égaux en droits. Les distinctions sociales, ne p e u v en t être 
p o n d e s que su r I' u tilité commune".®^ Essa D eclaração foi 
pub licada com o resu ltado da Revolução Francesa, m as n ada 
d isp u n h a em relação às mulheres.
Em 1791, O lym pe de G ouges publicou a Declaração dos Di­
reitos da Mulher e da Cidadã, um a réplica à Declaração dos Di­
reitos d o hom em e que prescrevia; "A m u lher nasce livre e 
seus d ire itos são os m esm os dos homens..."®®
N o ano d e 1910, aconteceu na D inam arca o C ongresso In-
CUNHA, Roberto Salles. Os Novos Direitos da Mulher. SP: Atlas, S.A., 1990, 
p. 31.
Ibidem.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÕDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL
ternacional da M ulher, que institu iu o d ia 8 d e m arço com o 
d ia co m em o ra tiv o , a n u a lm e n te , d a lu ta d a em an c ip ação da 
m u lh e r . Essa d a ta foi esco lh ida, com o h o m e n a g e m às o p e ­
rá r ias q u e m o rre ra m q u e im a d a s q u a n d o o c u p a v a m a fáb ri­
ca C o tton , em East V illage, N ova Iorque, lu ta n d o p o r seus 
d ire ito s .
Realizou-se em 2 de m aio de 1948, em Bogotá, Colôm bia, a 
IX Conferência Internacional sobre a concessão d o s Direitos 
Civis à M ulher. N essa convenção, 19 países e m ais o Brasil 
assinaram u m tra tado ' 'ou to rgando à m u lher os m esm os d i ­
reitos civis de q ue goza o h o m e m " . N o entan to , esse tra tado 
som en te foi a p ro v ad o no Brasil, a través do D ecreto legislativo 
n° 74, em 22.12.1951, e o in strum ento d e ratificação foi deposi­
tado em W ashington , na sede da OEA em 19.03.1952. N o ano 
de 1952, em 23 de ou tubro , foi publicado D ecreto do Executi­
vo de n° 31.643, cientificando as repartições públicas d o con­
vênio e d e te rm inando o seu cum prim ento . E ntretanto , a nos ­
sa legislação não foi a tualizada e o C ódigo Civil m an teve n o r ­
m as obsoletas que feriam a referida convenção.
Em seu texto inicial, esse T ratado assim d ispunha:
"Considerando:
Que a maioria das Repúblicas Americanas, inspirados em 
elevados princípios de justiça, tem concedido os direitos 
civis à mulher;
Que tem sido uma inspiração da comunidade americana 
equiparar homem e mulher no gozo e exercício dos direitos 
civis;
Que n Resolução X X da V il Conferência Internacional 
Americana expressamente declara:
CUNHA, Roberto Salles, op. cit. p. 33.
1 2 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Que a mulher da América, muito antes de reclamar os seus 
direitos, tinha sabido cumprir nobremente todas as suas 
responsabilidades como companheira do homem;
Que 0 princípio de igualdade de direitos humanos entre 
homem e mulher está contido na Carta das Nações Unidas,
Resolveram:
Autorizar os seus respectivos representantes, cujos plenos 
poderes verificaram estar em boa e devida forma, para 
assinar os seguintes Artigos:
Art. 1°. Os Estados Americanos convêm outorgar à mulher 
os mesmos direitos civis de que goza o homem.
Art. 2".
Em face d o exposto, constata-se que som ente qua tro anos 
após a C onvenção de Bogotá, no Brasil, ocorreu a d e te rm ina ­
ção d o cum prim en to do acordo. N o entanto , essa m orosidade 
d o p rocesso legislativo gerou u m m ovim ento d e reação enca­
beçado po r u m g ru p o de juristas que cu lm inou, tem pos d e ­
pois, com a elaboração do Estatuto da Mulher Casada, que cor­
rigiu a lgum as falhas básicas do Código Civil, conform e vere ­
m os adiante.
N esse d iapasão , em 1967, foi e laborada pela O N U a Decla­
ração sobre a Eliminação de todas as form as de D iscrim ina­
ção contra a M ulher. O p reparo dessa Declaração com eçou 
em 1963, m ed ian te um a Resolução em que se reconheceu a 
existência d e discrim inação contra a m ulher. Foi solicitado, 
então, à Comissão de Condição Jurídica e Social da M ulher a p re ­
paração d e um projeto que recebeu sugestões, isso em 1966.
Essa Declaração, considerada p ed ra basilar no trabalho da 
O N U pela igua ldade de direitos do hom em e da m ulher, foi
Idem, ibidem, p. 35.
MULHER: CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 2 5
assinada pelo Brasil, em N ova Iorque, som ente em 31 de m ar ­
ço de 1981, m as com reservas ao artigo 15, § 4 * e art. 16, § 1" 
alíneas "a", "c", "g", "h", que v inham d e encontro a d ispositi­
vos d o nosso antigo Código Civil que da tava d e 1916.
O s artigos do Código Civil que d everiam ser e lim inados 
pa ra a tenderem aos princípios da referida C onvenção confe­
riam privilégios ao m arido , como chefe da sociedade conju­
gal. Do m esm o m odo, a diferença de idade m ín im a para o 
casam ento , que pa ra a m ulher é 16 anos e p a ra o hom em 18 
anos, deveria ser suprim ida . O texto legal que o Brasil assinou 
com reservas 14 anos m ais tarde, p receituava no art. 15, § 4°: 
"O s Estados-Partes concederão ao hom em e à m u lher os m es­
m os direitos no que respeita à legislaçãorelativa ao direito 
das pessoas, à l iberdade d e m ovim ento e à l iberdade d e esco­
lha de residência e domicílio". Por ou tro lado, o art. 16, § 1”, 
assim estabelecia:
"Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para 
eliminar a discriminação contra a mulher em todos os aspec­
tos relativos ao casamento e às relações familiares e, em par­
ticular, com base na igualdade entre homem e mulher assegurarão:
a) O mesmo direito de contrair matrimônio;
b) Os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento 
e por ocasião de sua dissolução.
g) Os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclu­
sive 0 direito de escolher o sobrenome, profissão e ocupação;
h) Os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de pro- 
priedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição 
dos bens, tanto a título gratuito quanto a título oneroso".
9' Nesse sentido VERUCCI, Florista, A Mulher e o Direito. SP: Livraria Nobel S.A., 
1987, p. 36.
1 2 6 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Por outro lado, em 1975 realizou-se, na c idade do México, a 
Primeira Conferência Internacional da Mulher p rom ov ida pela 
O NU. Esse ano foi considerado o A no Internacional da M u ­
lher. Em prosseguim ento aos trabalhos iniciados nessa Confe­
rência, efetivou-se em 1980, em C openhague, nova Conferência 
Internacional da Mulher, onde ficou determ inado que os países 
participantes deveriam se em penhar para adequar suas legisla­
ções à realidade social da m ulher e sua necessária cidadania.
Da m esm a form a, em setem bro de 1995, foi levada a efeito 
em Pequim a IV Conferência Mundial da Mulher - a m aior na 
h istória m u n d ia l - p rom ovida igualm ente pela ONU. A í foi 
apon tada , com o sendo o ú ltim o grande projeto do século XX, 
a igua ldade en tre os sexos, d e acordo com o que asseverou 
GHALI: "A ssegurar a igualdade entre hom ens e m ulheres, de 
d ireito e de fato, é um grande projeto político do século XX, 
m as a igua ldade na ve rd ad e continua um objeto ilusório em 
todos os países. A igualdade da desigua ldade está longe de 
ser alcançada com a discrim inação baseada no sexo".^
CONSIDERAÇÕES FINAIS
N o decurso desse trabalho viu-se que a m u lher é ap resen ­
tada, quase un iversalm ente , com o alguém ligado à na tu reza , 
à contingência biológica, enquan to o hom em é defin ido com o 
u m ser ligado à cultura, à técnica. A aproxim ação d a m ulher 
com a n a tu reza - a reprodução - vem justificar a sua ocupa ­
ção d o espaço dom éstico, privado , jun to aos filhos, enquan to 
o h om em de tém as funções públicas.
A ssim , p a ra p ro v ar a condição de subserviência d a m u ­
lher, houve 0 respaldo da religião, da filosofia e da teologia.
®^ONU defende igualdade entre os Sexos. Porto Alegre, Zero Hora de 05.09,95, p, 34.
MULHER. CÓOIGOS LEGAIS E CÒDlQOS SOClWS - 0 PAPEL DOS DiflElTOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 2 7
no m u n d o antigo, e, no m u n d o m oderno , recorreu-se à biolo­
gia, à psico logia e ao direito. É, en tão , nesse n ível que se 
es tru tu ram e se p ropagam os m itos, superstições, p reconcei­
tos, que se destinam a destru ir o espírito d e iniciativa da m u ­
lher e reduzi-la à passiv idade. Isso porque, q u a n d o a lguém é 
m an tid o em posição d e inferioridade, torna-se inferior e, se as 
m u lheres - na concepção cultural - a inda são inferiores, por 
esse m esm o m odelo cultural são oferecidas a elas m enos opo r­
tu n id ad es d e livrar-se dele.
N esse sentido, o escritor po rtuguês SA RAM A GO ressalta 
a posição de inferioridade da m ulher - presença com um na 
lite ra tu ra antiga - conferindo-lhe um "sta tus" de d e p e n d ên ­
cia, respeito e subm issão ao hom em , assem elhando-a aos es­
cravos. N essa passagem , elas nem se a trevem a rezar, pois 
D eus, supostam en te , teria m ais o q ue fazer a ouvi-las. Assim, 
no "Evangelho", é descrita a seguinte cena:
"No momento em que iam pôr o pé na estrada, os homens, em 
coro solene, alteram a voz para proferir as bênçãos próprias da 
circunstância, repetindo-as as mulheres discretamente, quase 
em surdina, como quem aprendeu que não ganha nada em 
chamar quem de ser ouvido poucas esperanças tenha...
Por ou tro lado, m ostrou-se que a sociedade exp loradora 
fom enta a ideologia, a cu ltura, a educação que serve a seus 
interesses. Isso ela faz tam bém com a m ulher, com o o faz com 
o em p regado e, adem ais, com todos os dom inados. Estes são 
m an tidos de liberadam en te na ignorância, n o obscurantism o, 
com 0 objetivo de convencê-los a resignarem -se à sua situa-
Campos, Tiny Machado de. Ser Mulher o Desafio, p. XIX. SP; Makron Books, 
1992,
1 2 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
ção e, assim , inculcar-Ihes o espírito d a passiv idade e d o ser­
vilismo. A esse respeito, encontram os em POULANTZAS:
"...a ideologia dominante invade os aparelhos de Esta­
do, os quais igualmente têm por função elaborar, apre­
goar e reproduzir esta ideologia, fato cjue é importante 
na constituição e reprodução da divisão social do traba­
lho, das classes sociais e do domínio de classe. Esse é 
por excelência o papel de certos aparelhos oriundos da 
esfera do Estado, designados aparelhos ideológicos de 
Estado (...) Igreja (aparelho religioso), aparelho esco­
lar, aparelho oficial de informações (rádio, TV), apare­
lho cultural, etc.".^*
Desse m odo, a g rande dicotom ia n ão se form a en tre a m u ­
lher e o hom em , m as en tre aquelas e a o rd em social, entre 
todos os explorados: m ulheres e hom ens e a o rd em social. 
Assim, é essa situação de explorada que explicava a ausência 
da m u lher de todas as tarefas que envolviam decisão no seio 
d a sociedade - que a excluiu d a elaboração das concepções 
q ue o rgan izam a v ida econômica, social, cu ltu ral e política - 
m esm o que seus interesses fossem afetados.
Ao lado disso, apresentou-se tam bém que, no aspecto jurí­
dico, a evolução da condição da m ulher, com o sujeito de d i ­
reitos, ocorreu d e form a m uito lenta, a través dos séculos que 
an tecederam o período contem porâneo. Foi som ente com a 
Revolução Francesa que teve início nova fase no Direito C ons­
titucional - que é substra to dos dem ais ram os d o d ire ito - com 
a declaração da ig u a ld ad e en tre os c idadãos, m as que não 
m u d o u a condição subalterna da m ulher. N o final d o século
^"POULANTZAS, Nicos. 0 Estado, o Poder e o Socialismo. 3. ed. RJ: Graal, 1985, 
p. 33-34.
MULHER: CÕDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 2 9
XIX os m ovim entos grevistas conquistaram as prim eiras leis 
trabalhistas, que aos poucos foram estend idas às m ulheres. 
N o Brasil, os m ovim entos fem inistas de d ire ito ao vo to com e­
çaram a m exer com as es tru tu ras sociais e jurídicas, em bora 
som ente em 1932 as m ulheres obtivessem essa conquista.
A propósito , em term os ideais, as p rev isões legais da atual 
C onstitu ição brasileira são perfeitas. O art. 1° d iz q ue um dos 
fundam en tos d o Estado dem ocrático d e d ire ito é a d ign idade 
da pessoa de am bos os sexos. Estabelece, tam bém , a igualda ­
d e genérica de todos peran te a lei no art. 5°, q ue é confirm ada 
no inciso prim eiro , ao d ispor que "hom ens e m ulheres são 
iguais em direitos e obrigações".
Assim sendo, viu-se que a m u lher brasileira m ovim enta-se 
en tre dois pólos da legislação pátria: de um lado, lhe ofere­
cem condições perfeitas de igualdade e, de outro , lhe é acena­
d o com o lado coativo de um Código, que parece apenas lhe 
p rever sanções. De fato, a m u lher brasileira, p rinc ipalm ente a 
das cam adas sociaism enos favorecidas, tem sido, historica ­
m ente, a v ítim a favorita do conjunto d e ofensas à v ida, à saú ­
de, à l iberdade ind iv idual e à honra, sob o ró tu lo d e "violên ­
cia dom éstica".
Destarte, sob o regim e de escravism o colonial, as a lte rnati­
vas e ram duas: sendo livre, a m u lher era escrav izada po r um a 
tradição jurídica que lhe negava a condição d e sujeito de d i­
reito , o u to rg an d o ao m arido poderes d iscip linares. Porém , 
e n q u a n to "escrava" , a m u lher era l iv rem ente espancável e 
violentável, pois não havia um "Código N eg ro" e, assim , o 
d ire ito pena l dom éstico não possu ía lim ites legais, com o a 
H istória bem o dem onstra .
Assim , com a evolução histórica, ocorreu a denom inada 
"libertação dos escravos", m as a posição d a m u lh e r em casa -
1 3 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
asilo inviolável - conform e dispõe a nossa Constituição, não 
se m odificou m uito. De que serve a lguém dizer ''M y hom e is 
m y caste]" se, ao pene tra r nela, encontra o seu a lgoz n o m es ­
m o quarto: o "poderoso chefão" doméstico, com seu m achism o 
in ternalizado , d isposto a discip linar a sua parceira.
Ao lado da violência física ou sexual h á a inda ou tras for­
m as d e agressão contra a m ulher, que se m anifestam cu ltu ra l­
m ente , d esde a d iscrim inação no cam po profissional, no aces­
so às carreiras, nas responsabilidades familiares, n a educação 
dos filhos, na representação política etc. Isso tu d o apesar da 
ressa ltada igualdade constitucional en tre os gêneros. Nesse 
sentido, FRAGOSO:
“A administração da justiça criminal constitui o mais dra­
mático aspecto da desigualdade da justiça, sendo nela pura­
mente formal e inteiramente ilusório o princípio da igualdade 
de todos perante a lei, dogma dos regimes democráticos. De­
masiadamente lenta, abstrata e insensível aos problemas hu­
manos e sociais que surgem no processo penal, e exercida, na 
maioria dos casos, através de um judiciário conservador e tra­
dicional, aferrado à dogmática jurídica e alheio às realidades 
sociais que condicionam a criminalidade"
N ão é dem ais lem brar que, devido à p rópria form ação, te ­
m os u m a soc iedade ca rac te rizada pe la d iv isão de classes, 
em basada em extrem a desigua ldade n a d istribu ição de bens e 
de o p o rtun idades sociais. Nesse tipo de form ação social o Di­
reito Penal protege, de m odo especial, os bens juríd icos p ró ­
prios da m inoria dom inante. Assim como o Estado fracassou 
na d istribu ição d a renda, e com o a m á distribuição d a m esm a
^^Apud BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos, violência, justiça, segurança pú­
blica e direitos humanos no Brasil hoje. RJ: Revan, 1990, p. 95.
MULHER; CÓDIGOS LEGAIS E CÓDIGOS SOCIAIS - 0 PAPEL DOS DIREITOS E OS DIREITOS DE PAPEL 1 3 1
gera violência, esta se reflete nas relações dom ésticas. Então o 
Estado, que n ão resolve o m ínim o dessas questões d e Direito, 
afasta-se d a relação familiar, p ro p o n d o que a m esm a seja p r i ­
v a d a . O q u e se fo rm a , d e s se m o d o , é u m a e s p é c ie de 
neoliberalism o.
Destarte, som ente com um Estado que a ssegure os direitos 
h u m an o s dos c idadãos e c idadãs é q ue se to rna possível a tin ­
gir-se a garantia de iguais condições a todos, com o devido 
reconhecim ento das d iferenças entre h om ens e m u lheres nas 
relações d e gênero.
Finalm ente, o que se po d e afirm ar, seguram ente , é que as 
m u lheres passaram p o r u m m uito m a u bo cad o ao longo da 
história, e que u m a g rande percen tagem da popu lação m u n ­
dial fem inina continua passando , da m esm a form a, pessim a ­
m ente. H á u m a longa história d e preconceitos e d isc rim ina ­
ções, que im pedem a m ulher do acesso às o p o rtu n id a d es de 
realização pessoal. M uito foi alcançado e deve ser com em ora ­
do, m as resta m uito por fazer, pa ra que alterações juríd icas 
co rrespondam a m udanças de fato, sendo necessário que se 
registre o g ran d e descom passo en tre a n o rm a e a prática.
Por ú ltim o, em um a sociedade que deseje ser justa , a igual­
d a d e en tre hom ens e m ulheres deve ser o seu fundam ento . 
Para tanto , é necessário que leis e rea lidade sejam com patí­
veis, sem preju ízo ao respeito às diferenças de gênero e dos 
d iferentes papéis que lhes cabe desem p en h a r em sociedade. 
Assim, som ente q u a n d o o Direito exercer a sua função de p ro ­
teger, d e form a igualitária fortes e fracos, ricos e pobres, ho ­
m ens e m ulheres - onde as norm as "favorecedoras" d a m ulher 
n ã o se ja m a p e n a s u m a fo rm a c o m p e n s a tó r i a p o r su a 
subaltern idade - é que se poderá d izer que o Direito cum priu a 
sua finalidade, deixando de ser apenas um Direito de papel.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
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1 3 5
MULHERES:
U M A V ID A DE LUTAS E C O N Q U ISTAS
Mariana Oliveira Pinto
Estudante do 4" ano de Direito da 
Universidade Federal de Uberlândia (MG)
INTRODUÇÃO
Em bora início de um novo século, com o bom bardeam en to 
d e tan tas nov idades tecnológicas, que facilitaram a com uni­
cação e o intercâm bio de cu ltu ras em nível m und ia l, que p e r ­
m itiram g randes avanços nas ciências biológicas, particu la r ­
m en te n o cam po genético e com a intensa p reocupação com 
os d ire itos hum anos, a cidadania e a justiça, persis tem ainda, 
paradoxalm ente , d iscursos arcaicos e a rra igados de d iscrim i­
nações contra as m ulheres, que vêm sendo repassados de ge­
ração em geração, há séculos.
São exem plos as frases ouv idas no trânsito , q u a n d o d ian te 
de um acidente de veículos, se escuta "Só p o d ia ser m ulher"; 
ou nas vezes em que a m ulher é p rom ovida na em presa em 
que trabalha e logo se escutam com entários d e que ela com 
certeza deve ter d o rm ido com o pa trão pa ra ter conseguido 
essa p rom oção, pois não acreditam na sua capacidade intelec­
tual; ou ainda p iadas veiculadas na In ternet falando da p r i ­
m eira m u lher no espaço e logo em segu ida m o stran d o a im a­
1 3 6 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
gem d a m ulher encerando a nave espacial. E encontram os tam ­
bém falas de que o m u n d o é am aldiçoado p o rque Eva m o r­
d e u um pedaço d a maçã pro ib ida e a ofereceu, em seguida, a 
A dão, que a com eu igualm ente e foram, por isso, expulsos do 
para íso divino.
Percebem os, então, nessas falas que na m u lh e r está a ori­
gem d a culpa, sendo-lhe im posta um a situação d e d e p e n d ên ­
cia contínua e de subord inação ao hom em .
Com o notou Vera Lúcia Vaccari (2001), ' 'u m dado interessan­
te é que hoje esse material, anteriormente veiculado até mesmo 
em pára-choques de caminhões, passa a ser repetido pela Internet, 
o que mostra que o desenvolvimento tecnológico não está neces­
sariamente em compasso com o avanço das idéias".
M as antes d e falarm os sobre as lu tas e as conquistas das 
m ulheres em busca d e seus d ireitos e de justiça, é im portan te 
fazerm os um breve parêntese sobre os estudos d e gênero, ava ­
liando as relações entre os sexos, não do p on to d e vista físico, 
m as sim sobre u m a óptica histórica, social e cultural. Gênero 
seria assim um elem ento constitutivo de relações sociais funda­
das sobre as diferenças percebidas entre os sexos; é um a forma 
prim ária de d a r significado às relações de poder, m as que en ­
globa conceitos de raça, classe social, diferenças culturais...
A pa rtir desse estudo , com preendem os m elhor q ue a d ife­
rença biológica entre os sexos não é capaz d e explicar os "p a ­
péis" e com portam entos do m asculino e fem inino n a socieda­
de. Tais "p ap é is" são frutos de valores m orais, culturais, reli­
giosos e científicos de longos séculos que fizeram da assim etria 
entre os sexos um a relação de pod e r do m asculino sobre o 
fem inino, que p e rpe tua até hoje sob diversas form as, m esm o 
depois de assegurada pela Constituição a isonom ia en tre os 
sexos, quan to aos direitos e obrigações.
MULHERES'. UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
Essa d iscussão sobre o gênero surge concom itan tem ente 
aos m ovim entos fem inistas que se desp o n ta ram no cenário 
politico-cultural, sob re tudo a partir da década de 70. Esses 
m ovim entos ev idenciavam o desejo a rden te po r d ire itos que 
legitim assem a c idadania das m ulheres. Para isso, elas d e n u n ­
c iavam todas as form as de discrim inações e d e opressão cul­
tural constru ída sobre elas ao longo dos séculos.
N a m ed ida q ue o rganizavam estas reivindicações e p ro cu ­
rav a m d ivu lgar Lima nova im agem femirvina, livre dos trad i­
cionais estereótipos femininos, esses m ovim entos fem inistas 
tiveram u m a fundam en ta l im portância nas m u d an ças do p a ­
pel social no país.
D esta fo rm a, em m ead o s da d écad a d e 70, o fem in ism o 
ap a re c e u com o m o v im e n to social o rg an iz a d o , em m eio à 
d i ta d u ra m ilitar. Foi m arcad o p o r se co locar f ren te aos h o ­
m ens, q u e s tio n a n d o a subva lo rização d e tem a s da esfera 
do m éstica em d e tr im e n to de u m a u to p ia d e tran sfo rm ação 
social e tam b é m pe la rejeição quase to ta l à fem in ilidade . 
A ssim , e ra o fem in ism o da ig u a ld ad e , q ue p reg a v a que p a ra 
se rem resp e ita d a s , p a ra d e m o n s tra re m a c a p ac id a d e p a ra o 
t ra b a lh o e p a ra a m ilitância política , as m u lh e re s dev e riam 
in c o rp o ra r va lo re s m ascu linos n o seu m o d o d e p e n sa r , de 
ag ir e d e traba lha r .
N o s anos 80, la rgando a tim idez, as m u lheres em m eio a 
u m período de redem ocratização da sociedade, levam para a 
política assuntos dan tes considerados apenas pessoais, como 
a sexualidade, o corpo, a saúde e a violência contra a m ulher. 
R esgatam tam bém a fem inilidade, com toda a sua beleza e 
força, b uscando a valorização do fem inino com o diferente do 
m asculino, m as não com o inferior ou superio r a esse. O lema 
era lu tar, m as tam bém am ar e ser feliz.
138 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N os anos 90, a igualdade formal - igua ldade de todos p e ­
ran te a lei, g a ran tida pela Constituição de 1988 - n ão signifi­
cou a igua ld ad e m aterial. As m ulheres con tin uam até hoje 
re iv ind icando m elhorias nas relações sexistas, com o o fim das 
discrim inações salariais, do assédio sexual, d a violência con ­
tra o sexo fem inino e m uitas ou tras questões.
D estarte, a té hoje, em m eio a tantos debates sobre o gênero 
e a tan ta tecnologia e meios de inform ação, essa cu ltu ra d e 
h ierarquização dos gêneros com a subm issão e inferioridade 
d a m u lh e r é a inda rep roduz ida e m antida d e d iferentes for­
m as n a nossa sociedade, inclusive repassada e m an tida pelas 
p róp rias m ulheres.
Chauí (227) arrisca as seguintes hipóteses para compreendê-la:
"em primeiro lugar, a repetição, no interior da casa, do que se 
passa na sociedade e na política como um todo, isto é, a 
privatização e pessoalização das formas de autoridade; em se­
gundo lugar, também a reiteração do mecanismo sócio-políti- 
co de transformação da assimetria (no caso homem-mulher, 
pais -filhos, irmão-irmã) em hierarquia, a diferença sendo sim­
bolizada pelo mando e pela obediência; em terceiro lugar, a 
compensação pela falta de poder real no plano sócio-político, o 
machismo funcionando como racionalização, assim como a 
feminilidade ('atrás de todo homem, há uma grande mulher' 
indicando que há poder ou autoridade femininos que se exer­
cem sob a condição de serem dissimulados e ocultados pela 
obediência e pelo recato)”.
P ortan to , tal d iscussão sobre o gênero e sobre os m o v im en ­
tos fem inistas, ao verificar as experiências sociais das m u lh e ­
res abriu possib ilidades pa ra resgatar a iden tidade fem inina, 
liberta do m u n d o m asculino, e pa ra p roporc ionar u ma visão
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
m ais clara d as questões das m ulheres, que ora trazem os para 
debate.
A presen tarem os u m a ráp ida trajetória d a m u lher do sécu­
lo XIX até a d a a tualidade , colocando em debate as principais 
m u d an ças que envolveram as m ulheres nas três ú ltim as d é ­
cadas: a educação, a sexualidade, o trabalho e a violência.
EDUCAÇÃO E CRIAÇÃO DAS MULHERES
A injustiça com as m ulheres v inha d o berço, q u a n d o as 
m eninas e ram ensinadas a perm anecerem no espaço dom és­
tico. A n a tu reza fazia-nos m asculinos ou fem ininos, e as cren­
ças e valores d e nossa cultura faziam -nos a espécie de hom ens 
e m ulheres que nos tornam os. A m u lher não nascia m ulher. 
M as tornava-se m ulher à m edida que ia inco rpo rando os va­
lores já criados por um a sociedade.
Deste m odo , as m eninas eram criadas d esde cedo em um 
am bien te m achista e opressor a p ren d en d o a inda p eq u en as as 
tarefas d o lar, com o a rrum ar a casa, cozinhar, bo rd ar , p in ta r e 
costurar, pa ra posteriorm ente , qu an d o se casarem , saberem 
velar com zelo pela direção m aterial da casa.
Percebemos essa preocupação até m esm o nas inocentes brin ­
cadeiras de boneca e de "casinha", em que no tam os a intenção 
de se educar as m eninas para começarem ainda q uando peque­
nas a aprender a cuidar dos filhos e dos afazeres do lar.
As m ulheres e ram o "sexo frágil" e dev iam ser carinhosas, 
am áveis, com preensivas e "boazinhas". Q uan to m ais tives­
sem esses dotes, m ais ráp ido conseguiriam um m arido , o que 
era de tam anha im portância, pois som ente a través do casa­
m ento e d a m atern idade tornar-se-iam pessoas realizadas.
Aliás, an tigam ente , p rincipalm ente nas classes m ais ricas, 
o casam ento era arran jado pelos pais, en tre fam ílias de m es­
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
m a classe, com o um a form a de p reservar o pa trim ôn io das 
famílias. À m u lher cabia som ente aceitar o que lhe era im pos ­
to pelo pai, m esm o que contra a sua vontade. A única form a 
encon trada pa ra fugir do casam ento era ir pa ra um convento, 
e lá v iveriam d e acordo com os princípios religiosos.
A questão da virgindade era acima de tudo um grande tabu. 
A moça que deixava de ser virgem antes do casamento era um a 
m ulher desonrada. N o livro O Cortiço, de Álvaro de Azevedo, 
que retratava as questões das massas urbanas proletárias do fi­
nal século XIX, m as que embora tivessem grandes diferenças de 
hábitos e de costumes das classes burguesas da época, percebe­
mos m uitos valores em com um quando se tratava das mulheres.
N otam os m uito bem nesse rom ance a p redom inância de 
valores m achistas, que valorizavam a v irg indade d a m ulher 
até as núpcias, quan d o a personagem M arciana, ao descobrir 
que sua filha estava g rávida do caixeiro D om ingos disse ao 
p a trão do m oço "aproveitador":
"Venho entregar-te esta perdida! Seu caixeiro a cobriu, deve 
tomar conta dela!” E então pe rg u n ta ao moço; "Se não que­
ria casar pra que fez mal?"
Por esse diálogo, podem os no tar que a m u lher que deixava 
de ser v irgem antes do casam ento, perd ia , então, a sua honra, 
a sua inocência e pureza. Por ter dad o esse ' 'm a u p asso”, seria 
agora um a pe rd id a e arru inada.
Por sua vez, aos hom ens era associada um a idéia totalm ente 
oposta q u an d o o assun to era v irg indade. A queles que p e rm a ­
neciam virgens até se casarem, eram m otivo de chacotas por 
p arte de am igos, familiares e vizinhos. E ram rid icu larizados e 
censurados. Digam os, a inda, que a sua m ascu lin idade era co­
locada em dúvida.
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
C om relação ao adultério , verificam os tam bém u m grande 
ab ism o d e c o m p o rtam en to s con s id e rad o s n o rm a is e n tre h o ­
m en s e m u lh e res . A os p r im eiro s era p e rm itid o exercer li­
v re m e n te a sua sex u a lid ad e , d e sd e q u e n ã o am eaçasse o 
pa tr im ô n io fam iliar, pois sua sexua lidade era excessivam en ­
te exigente.
A qu ad rin h a abaixo releva com g rande n itidez a diferença 
de c o n du ta sexual e as regras com portam enta is en tre hom ens 
e m ulheres:
"Um homem com muitas mulheres é poligamia; uma mulher 
com muitos homens, é poliandria e um homem com apenas 
uma mulher é monotonia".
Destarte, os hom ens desde bem jovens e ram incentivados 
ao sexo e com isso criavam um pon to paradoxal: deveria en ­
tão h aver dois g rupos de m ulheres: um das "corretas" e o o u ­
tro das "pervertidas" .
O p rim eiro g rupo seria das m ulheres q ue seriam "santas", 
as m ães e esposas, as ideais, que deveriam perm anecer v ir ­
gens até o casam ento e serem totalm ente fiéis aos hom ens. 
M as havia u m segundo g ru p o de m ulheres que seriam conde­
nad as ao "pecado". Eram as p rostitu tas e biscates, que servi­
r iam para a satisfação dos desejos d o hom em , levando-os ao 
m u n d o d o s prazeres. Esse ú ltim o g ru p o era necessário sob o 
a rgum en to d e que pa ra se ter virgens casadoiras, fu tu ras mães, 
era preciso c om prom eter u m certo n ú m ero de m ulheres.
P ensam ento inclusive m uito com um na a tua lidade , qu an ­
do ouv im os com entários de m eninos que classificam as m en i­
nas em "galinhas" , que são aquelas que "servem " apenas para 
"curtir", ap rove ita r e passar o tem po, ou em m eninas sérias, 
com quem querem nam orar e se casar.
1 4 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
A sociedade tam bém encarava diferen tem ente as relações 
extraconjugais pa ra hom ens e m ulheres: à m u lher q ue m an ti­
n ha u m a m an te e ram a tribu ídas palavras em sentido deprec i­
ativo e preconceituoso, com o "p iranhas" , "p u ta s" e "M aria 
Batalhão".
Já aos h om ens que m an tinham essa conduta , u tilizavam - 
se expressões que valorizavam sua conduta de "m acho", como, 
po r exem plo, d e "desonesto", "m ulherengo" , ou "insatisfeito 
com o casam ento" e m uitas ou tras expressões.
O u tro aspecto que levantam os den tro d as relações fora do 
casam ento é que os hom ens que eram questionados pelas suas 
m ulheres pe lo fato d e ter um a am ante, reagiam à pe rg u n ta 
com violência física e se as ferissem n ada sofreriam , pois eles 
seriam conside rados in im pu táve is , e s tando em "es tad o de 
com pleta p rivação de sentidos e de inteligência". E só reag i­
ram po rque as m ulheres não estavam en ten d en d o suas "fra ­
quezas" da carne.
Im portan te tam bém frisarm os que aos h om ens incum bia o 
espaço público e a v ida política. A eles são a tr ibu ídas as p a la ­
vras p o d e r, força, coragem , agressiv idade, dom inação e viril, 
con trapondo-se aos adjetivos d itos fem ininos, quais sejam frá­
geis, invisíveis, passivas, inferiores e dependentes.
Os hom ens dev iam estudar, dedicar-se às ciências, escre­
ver obras científicas e seguir carreira, pois u m dia seriam o 
chefe da família conjugal, necessitando adm in istrar o p a tr i ­
m ônio e p ro v er a sustentação d a família. Seriam desta form a 
políticos, m édicos, engenheiros, advogado , juizes e hom ens 
de negócio, enquan to as m ulheres con tinuavam em casa.
Todavia, o processo histórico, com o início d o questiona ­
m ento das m ulheres sobre suas condições sociais, encarregou- 
se d e p rovocar a lgum as m udanças e as m ulheres p u d e ra m
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
sair do espaço dom éstico e conquistaram o d ire ito de freqüen ­
tar as escolas, até en tão um direito exclusivo dos hom ens.N ão obstan te , percebem os que a Educação, que poderia ser 
um a a rm a p r iv ileg iada de libertação d a c u ltu ra m ach ista , 
conscien tizando as m ulheres da h ierarqu ia en tre os sexos e 
d a necessidade de se rom per com esses vínculos tradicionais, 
ap resen tou-se resistente à m u d an ça d a o rd em existente, aca­
b a n d o po r rep ro d u z ir os m esm os valores arcaicos.
E fácil observarm os que a educação nos colégios fem ininos 
corroborava com esse en tend im ento q u a n d o trazia currículos 
d iferenciados das escolas m asculinas, lev ando às m ulheres 
au las d e religião, canto, m úsica, culinária, econom ia dom ésti ­
ca, costura, etiqueta e similares, que reforçavam os a tribu tos 
ditos fem ininos, e p roduziam m ulheres "p rendadas" , que con ­
tin u av am conferindo a m áxim a estim a social.
E ncontram os facilm ente essa p reocupação em m an te r o 
m odelo v igente d e família quando analisam os u m a institu i­
ção educacional da c idade de Uberaba, no in terior m ineiro , o 
co lég io N o ssa S e n h o ra d a s D o res , f u n d a d o p e la s I rm ã s 
D om inicanas, em 1885, que se dedicou à educação exclusiva­
m en te fem inina, desde sua fundação, até 1973, q u a n d o p e r ­
m itiu que m eninos freqüentassem o colégio.
U m jornal local, a Gazeta de Uberaba, no ano d e 1901, trazia 
a segu in te reportagem sobre a instituição:
"Tem por fim este coUegio a formação de boas mães de família, 
e de criadas ou servas que possão vantajosamente substituir 
as escravas. Receberá pois o coUegio meninas das famílias ri­
cas, orphã e ingênuas no internato e externato, em divisões 
bem distintas. Objecto de uma solicita e sempre maternal 
vigilancia, as educandas estarão constantemente sob as vistas
1 4 4 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
de suas mestras, presidiado estas a seus trabalhos escolásticos 
e manuaes como as suas refeições, recreios, etc. A s professoras 
querendo dar a suas alumnas uma educação esmerada e com­
pleta terão particular cuidado de infundir-lhes o espirito de 
ordem e de economia tão necessário a uma senhora, seja qual 
for sua condição na sociedade. Para este fim , pede-se o apoio 
dos paes, que tão facilmente podem auxiliar as irmãs a comba­
ter 0 luxo desordenado, que tantos males causa as famílias."
MULHERES OBJETO
Aos poucos as m ulheres foram conquis tando m aior espa ­
ço no ensino, não só m édio, m as tam bém superior.
P rim eiram en te ing ressavam nas Letras e Pedagog ia , na 
Psicologia, nas C iências C ontáveis, na Enferm agem . Eram 
então a m inoria. C ontudo , hoje, no tam os que a m aioria das 
salas de aula, quer seja de ensino m édio ou das un iv ers id a ­
des, estão rep letas de m ulheres, que se destacam não som ente 
n a q uan tidade , m as p rincipalm ente pela sua capacidade in te ­
lectual e pela sua garra.
Até m esm o em cursos superiores considerados t ip icam en ­
te m asculinos, com o as engenharias e ciências da co m pu ta ­
ção, encon tram os forte presença do sexo fem inino, em bora 
a inda é com um ouvirm os que elas estão lá à p rocura de um 
m arido ou que são u n s ''canhões", um as "m achas".
A liás, a in d a é re in a n te o p reconce ito q u a n to às m u lh e ­
res in te l ig en tes e d e d e s ta q u e n a po lítica e n a soc iedade . 
Existe u m falso im ag inário d e que essas m u lh e re s d e v a m 
ser feias, g o rd as e te r ve rru g as , po is o ta len to in te lec tua l 
p a ra as m u lh e re s é inv ersam en te p ro p o rc io n a l à boa a p a ­
rência física.
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
Para com pensarem essa falta de a tributos físicos e o in su ­
cesso de não arran jarem m arido, as "m ulheres-feias" conquis ­
taram espaço pelo enorm e esforço intelectual. Já às m ulheres 
sensíveis, frágeis e "bu rrinhas" , é a tr ibu ído u m belo corpo, 
escu lp ido pelos deuses.
A p ró p ria im agem da "loira bu rra" , tão típica em nossa 
sociedade, é o exato retrato dessa cultura, que p rega um a idéia 
d e m ulheres fúteis e superficiais. É im possível encontrarm os 
um ind iv íduo - e aqui frisam os que tra tam os p o r ind iv íduo 
am bos os sexos - que não tenha na p o n ta d a língua u m a p iada 
em referência a elas ou que n o m ín im o já tenha e scu tado cen­
tenas d e ironias nesse sentido.
A nossa sociedade exige, dessa form a, u m a im agem da 
m u lh e r bela e e ternam ente jovem. Basta o lhar pa ra a televi­
são, pa ra as revistas e para os jornais. São im agens d e m u lh e ­
res m agras, m alhadas, o u m elhor, ' 'b o azu d as" , m aquiladas, 
sem inuas, na flor da juven tude , que fazem p ro p ag a n d a s de 
carros, d e cigarros, de vestuário e cosméticos, associadas sem ­
p re a idéias de objeto sexual.
E visualizam os facilmente o preconceito descarado: as p ro ­
pagandas d e veículo geralm ente apresentam cenas nas quais 
os hom ens que têm um determ inado carro, têm poder, e por 
isso conquistam e seduzem quaisquer mulheres. Dão essas im a­
gens a im pressão d e m ulheres "gasolinas" e interesseiras, que 
se arrastam pelos hom ens que detêm m aior p od e r econômico.
D evem os frisar a inda que pa ra m an te r esse es tereó tipo exi­
g ido pela m ídia e pela sociedade, as m ulheres passam po r to r­
tu ra s d iárias de regim e para em agrecer, subm etem -se a c iru r­
gias plásticas, e à lipoaspiração, colocam silicones, aplicam 
botox p a ra reduz ir as rugas, tingem os cabelos b rancos e fa­
zem b ro n zeam en to artificial.
146 CIDADANIA DA MULHER. UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
T udo isso p o rque os m eios de com unicação p regam que a 
v ida só vale a pena q uan d o a m ulher é jovem e m agra. Assim, 
as m ulheres ao com pletarem 30 anos já se sen tem velhas d e ­
m ais e com toda essa p reocupação em ficar e te rnam en te jo­
vem e em "se conservar", acabam não gozando e d e s fru tando 
da sua m atu ridade .
C om o assinalou M ayra Corrêa e C astro (pág. 121):
"Além da magreza, outra neurose da ciilfura de massas é a 
beleza feminina. A grande maioria dos produtos que sofrem 
publicidade são produtos de beleza ou vestuário”.
A cultura de massas quer a mulher eternamente jovem e bela.
Tal como as gordas e as velhas, as feias são eliminadas dos 
circuitos eletrônicos. Por isso, a indústria de produtos de 
beleza, a cosmetologia médica, a cirurgia plástica, perucas... 
Tudo isso tudo está tornando a beleza acessível às mulheres, 
ao menos da classe média”.
O s hom ens, ao contrário, não buscam o elixir da e te rna ju ­
ven tude , nem se p reocupam com a idade, com o as m u lheres e 
nem precisam cu idar d e seu corpo físico. Envelhecem com 
d ign idade . A "barr igu inha" é sinal de que sua esposa está 
cu idando m uito bem dele, ou, no m ínim o, devem ser os copos 
de cerveja. O s cabelos brancos são charm osos, as rugas sinal 
de m a tu r id ad e e até a careca é conquistadora.
N otam os então que existe um a cultura da mulher-objeto, que 
preserva sua aparência física em detrimento da capacidade inte­
lectual. O corpo feminino é submetido pela mídia a um processo 
brutal de coisifícação e comercialização, consistente em exibir o 
corpo, com o forma d e vender os mais variados produtos.
Vem en tão um a cultura da "b u n d a" e de u m belo rosto, 
que em certos m om entos parecem se confund ir com a p ró p ria
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
pessoa. Assim , enquan to os hom ens são u m rosto com um 
corpo, u m todo físico, as m ulheres, m uito pelo contrário , são 
u m corpo (e p rinc ipalm en te u m a n ádega bem saliente, m es ­
m o que pa ra isso tenha que recorrer aosilicone) e u m rosto.
Então, o que en tendem os é que o corpo da m u lh e r conti­
n u a escravizado. M as enquan to dan tes seu corpo era p e rte n ­
cente ao m arido , agora essa escravidão se releva sob ou tra for­
ma: 0 corpo da m ulher com o escravo e subm isso aos p ad rões 
de beleza d itados pela mídia.
0 DIREITO À SEXUALIDADE
U m g rande m arco d o século XIX e q ue con tribu iu im ensu- 
r a v e lm e n te p a r a a e m a n c ip a ç ã o d a s m u lh e r e s foi o s 
contraceptivos. A partir de então, elas p assa ram a p o d e r d o ­
m inar seu p róprio corpo, separando assim a sexualidade da 
procriação. Ter ou não filhos e qu an d o ter, p assou a ser um a 
escolha que possibilitou a elas am ar sem m edo de um a grav i­
dez indesejada.
C om isso elas passaram a ter d ire ito d e ter desejo e p raze- 
res, p assa ram a ser livres pa ra escolher seu parceiro e pa ra 
conhecerem seu corpo.
N esse contexto da sexualidade, os m ov im en tos fem inistas 
tiveram um g ran d e destaque. Eles colocavam em debate o p la ­
ne jam ento fam iliar e p rom oviam cam panhas sobre os m éto ­
d o s contraceptivos, conscien tizando as m u lheres pa ra que, 
ju n ta m en te com seus com panhe iro s , p u d e s se m dec id ir de 
m aneira livre e consciente a opção de terem filhos o u qua l o 
m o m en to ad eq u ad o pa ra tê-los.
C on tudo , a inda hoje, encontram os m u itas m u lheres com 
um a g rav idez indesejada, pois o sexo a inda é um tabu e não é
1 4 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO OE JUSüÇA
falado abertam ente , apesar d e toda a exposição d a m ídia. Isso 
sem falar que, m u itas vezes, as m ulheres não têm acesso a 
serviços de qua lid ad e em contracepção, com o os an ticoncep ­
cionais e os preservativos.
Por ou tro lado, a saúde da m ulher tam bém passa a ser in­
tensam en te deba tida jun to com a sexualidade. Jun to com o 
Estado, o m ov im en to fem inista p rom ove avanços na saúde 
fem inina. N a década de 90, po r exem plo, intensificou-se a luta 
no com bate ao câncer d e m am a. D esde então, pessoas fam o ­
sas e c o m u n s v ã o à m íd ia p re s ta re m seu d e p o im e n to e 
conscientizar as m ulheres de se fazer p rev en tiv am en te um 
exam e m édico, ao m enos um a vez p o r ano, e d e fazer m ensa l­
m en te o toque de m am a.
Prom ovem tam bém cam panhas d e com bate e prevenção 
ao câncer no cólo d o ú tero (HPV) e ou tras doenças sexual­
m en te transm issíveis (DSTs), com o a AIDS, a sífilis e m uitas 
ou tras , p a ra assegurar a saúde das m ulheres. A cam isinha tor- 
na-se requ is ito obrigatório na lu ta contra essas doenças. A 
m íd ia tem nesse m om ento um im portan te papel p reg an d o que 
as m ulheres devem não apenas se p recaver contra a g ravidez, 
m as tam bém contra as DSTs.
C ultivam a idéia de que as m ulheres, m esm o as casadas, 
devem exigir de seus com panheiros que u tilizem a cam isi­
nha, reve lando depo im en tos d e m ulheres casadas e fiéis que 
con tra íram AIDS de seus m aridos.
Surge a inda no final d a década de 90 a cam isinha fem ini­
na, d a n d o m aior au tonom ia às m ulheres, que p o d e m agora se 
p recaver contra as DSTs, a través da utilização deste recurso 
q u a n d o seus com panheiros não qu iserem u sa r a m asculina.
E ntre tan to , a cam isinha feminina, além de ser u m pouco 
m ais com plicada d e m anusear que a m asculina, é d ific ilm en­
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
te encon trada no m ercado, e quan d o d isponível o preço é bem 
superio r à m asculina.
A dem ais, em bora sejam am plos os p ro g ram as e as cam pa ­
nhas de assistência à saúde da m ulher, as vagas e os a tendi­
m entos nos hospitais são lim itados e precários, to rnando-se 
urgente a construção de espaços nos quais a m ulher tenha acesso 
pa ra colocar as suas necessidades no tocante à sua saúde.
0 MERCADO DE TRABALHO
T am anho era a resistência em se q uebrar os v ínculos tra d i ­
cionais, q ue o trabalho das m ulheres fora d e casa era, a princí­
p io, v isto com o um m om ento transitório , a té a realização do 
casam ento , ou então, pa ra as m ulheres q ue ficassem solteiras 
ou viúvas.
Reinava a inda a idéia d e que a função p rincipal da m ulher 
na sociedade é ser m ãe, esposa e educadora , d a n d o a im pres ­
são d e ser essa função um privilégio, e que, po r isso, e s tu d a r e 
traba lha r eram desnecessários.
M as aos poucos houve um su rp reenden te a u m en to d o n ú ­
m ero de m ulheres que se dedicavam às a tiv idades fora d e casa. 
Esse fato foi resu ltado não apenas da em ancipação fem inina, 
m as tam bém conseqüência da crise econôm ica que as obriga ­
ram a com ple ta r a ren d a salarial da família.
C om isso, a m u lh e r infiltrou-se no territó rio m asculino , 
p assou a d esem penhar funções antes d itas d e m acho e hoje 
são u m a g ran d e m ão-de-obra no m ercado d e trabalho . Os 
hom ens deixaram assim d e ser os únicos p ro v ed o res finan­
ceiros d o lar e p assaram a contar com a a juda d as m ulheres.
A dveio da í u m g rande p roblem a para a m aioria d as m u ­
lheres; a d u p la jo rnada de trabalho, den tro e fora d e casa. A s­
150 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
sim , m esm o ingressando n o m ercado de trabalho , as m u lh e ­
res con tinuaram responsáveis pelo cu idado com a casa, com 
os filhos, levan tando cinco da m anhã pa ra deixar o alm oço 
p rep a ra d o p a ra a família, antes d e ir pa ra o trabalho e lavan ­
do ro u p as até altas ho ras da m adrugada .
T udo isso, p o rque não houve um a socialização do trabalho 
doméstico, de form a que hom ens e m ulheres partilhassem eqüi- 
tativam ente as ativ idades de casa e o cuidado com os filhos, ou 
seja, que passassem a arcar com as m esm as oportun idades e 
responsabilidades. É certo que alguns m aridos e filhos passa ­
ram a a judar nas tarefas domésticas, m as isso ocorria na m ino ­
ria das vezes ou em níveis nem u m pouco satisfatórios.
D essa form a, o trabalho que seria a ''libertação" das m u ­
lheres, na verdade, apenas as oprim iu mais, porque agora, além 
das exigências dom ésticas, a inda têm que contribu ir com o 
susten to da casa, ingressando no m ercado d e trabalho.
N esse sen tido M argareth Rago (pág. 42) percebeu que
"As mulheres têm denunciado o alto custo cjue elas pagam 
por competir no espaço dos homens: Enquanto estes contam, 
de certo modo, com uma infra-estrutura de apoio, seja finan­
ceira, seja apenas psicológica, para competir no mercado de 
trabalho, as mulheres devem provar duas vezes mais do que 
são capazes, além de continuar a desempenhar as funções de 
mãe e de rainha do lar, exigidas tanto pelos maridos, quanto 
pelos filhos e familiares".
A lém d a d u p la jo rnada de trabalho, percebem os tam bém 
m u itas ou tras discrim inações contra as m ulheres no m ercado. 
Basta observar que na m aioria dos setores de a tiv idade , as 
m u lheres têm u m a presença o u m u ito acim a o u m uito abaixo 
d a sua taxa de participação na população ocupada.
MULHERES'. UMA VIDA, OE LUTAS E CONQUISTAS
Em ou tras palavras, em bora as m ulheres exerçam a tu a l ­
m ente m uitas profissões que antes eram exclusivas de hom ens, 
a inda existe a crença de que alguns em pregos são de m u lh e ­
res e ou tros de hom ens. Assim, p o r exem plo, encon tram os 
m ulheres carteiras e cobradoras de ônibus, m as é raro encon­
tra r a lgum a m u lher m otorista de ônibus ou de táxi, o u até 
m esm o engenheira. Ao m esm o tem po, é difícil encontrarmos 
hom ens recepcionistas o u secretários d e u m a em presa.
O u tra g rande discrim inação que no tam os é a diferença sa ­
larial en tre os sexos. As m ulheres ganham em m éd ia o equi­
valen te a 64% do salário dos hom ens no Brasil, p o r m esm as 
funções desem penhadas.
Em geral, e nquan to m aior a escolaridade, m aior a d iferen ­
ça salarial en tre hom ens e m ulheres na m esm a ocupação. Um 
d a d o im portan te é que as m ulheres estão em ocupações mais 
relacionadas à repetição de m ovim entos diários. Com isso, elas 
são as m aiores v ítim as de LER (lesão p o r esforços repetitivos).
A lém disso, ap rox im adam ente 40% da força de trabalho 
fem inino no Brasil está no pólo m enos qualificado e d e m enor 
renda , com o faxineira, a judante de serviços gerais e similares. 
Isso, sem falar d o g rande n úm ero de m ulheres que, em v irtu ­
de da escassez d e em pregos e da necessidade d e ob ter recur­
sos econôm icos pa ra a família, lançam -se p a ra a econom ia in ­
form al, desem p en h an d o ativ idades de em p reg ad as dom ésti ­
cas, lavadeiras, passadeiras, vendedo ras e fazedoras de d o ­
ces, biscoitos, refeições e salgados. Todo esse esforço em troca 
de um a pequena rem uneração.
Fora isso, um a das m aiores injustiças está no fato de que as 
em pregadas dom ésticas não têm garan tida a to ta lidade dos 
d ire itos trabalh istas e as dem ais traba lhadoras q ue com põem 
a econom ia inform al n ão têm qua lquer am p aro legal.
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
M uito pelo contrário, essas ú ltim as trabalhadoras, que são 
em p u rrad a s a essa form a de trabalho po r falta de políticas 
públicas que não geram em pregos, são tidas com o v e rd ad e i­
ras crim inosas, por serem sonegadoras de tribu to dev ido ao 
Estado.
O utro grave problem a que as m ulheres encontram quando 
debatem os sobre o m ercado de trabalho é o local onde vão dei­
xar seus filhos enquanto trabalham . Sabemos que o núm ero de 
creches é bem reduz ido e nem sem pre as m ães encontram va­
gas nas escolas públicas para m atricularem seus filhos.
D iante d a inércia d o Estado e d o preconceito das em presas 
que não oferecem creches, a solução encon trada é que os fi­
lhos m aiores cu idem dos m enores, enquan to as m ães vão à 
luta, o u en tão q ue as m ulheres que trabalham in form alm ente 
levem consigo os filhos para a judar na venda das quitu tes.
Portan to , é indubitável que as m ulheres o cupam hoje um a 
g rande posição no m ercado de trabalho. M as essa conquista , 
n ão é a inda sinônim o de igualdade e há m uito pa ra ser feito 
pa ra se chegar à p len itude d e seus direitos.
A VIDA POLÍTICA
Em bora as m ulheres estejam com em orando setenta anos 
de conquista de d ireito ao voto, assistim os a in da a u m a p e r ­
versa exclusão das m ulheres na esfera política. São até hoje 
poucas as m ulheres que ocupam cargos políticos, seja nos p a r ­
tidos, seja no governo. N o Congresso N acional, p o r exem plo, 
a bancada fem inista representa apenas seis p o r cento d o total 
dos in tegran tes da Casa.
C on tudo , apesar de serem em um n úm ero p equeno , são as 
m ulheres que ao colocarem em debate e rea lidade cotid iana 
em que v ivem , colocam em xeque os p rob lem as sócio-econô-
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
m icos do país, denunciando a falta d e creches, de escolas p ú ­
blicas, das condições d e trabalho, a m á distribu ição de renda, 
o salário m enor q ue o dos hom ens, o au m en to da cesta básica 
e m u itas ou tras questões.
D estarte, na esfera política, a crítica fem inina p rom oveu 
um a m u d an ça d o enfoque d a concepção política tradicional, 
inco rpo rando a esse m eio tem as antes não deba tidos pelos 
hom ens, po is pertenciam a um un iverso fem inino, que até 
aquele m om ento eram colocados à m argem do sistema.
Entretanto , com o as m ulheres não estão a inda rep resen ta ­
das em u m núm ero considerável nas instâncias,
"as mulheres e os trabalhadores não podem ser senão cidadãos 
de segunda classe enqnanto estas instituições continuarem a 
definir e estruturar nossa política". Com a pequena represen­
tação, "na melhor das hipóteses, os cidadãos têm a opção de 
votar ou não, mas Inós mulheres] temos um papel pequeno na 
definição ou estruturação daquilo que será votado ou no con­
sentimento ao regime enquanto tal". (M artha Ackelsberg, 
pág. 255)
N o âm bito político, devem os tam bém lem brar a g rande 
participação a tiva d e m ulheres nos m ov im en tos popu lares . A 
m aioria de seus com ponentes, em geral, é d o sexo fem inino, 
tendo n ão raras vezes líderes m ulheres.
Esses m ovim entos assum em um pape l fu n dam en ta l na cri­
ação de novas form as de sociabilidade e m u d an ç a s n a esfera 
p rivada , a p a rtir d o m om ento em que as m ulheres partic ipan ­
tes do m ovim ento quebram a rotina dom éstica e passam a se 
relacionar com ou tros ind iv íduos, ap ren d em a falar em p úb li­
co e lu tam pela qua lidade de v ida de seus filhos e d e toda a 
com unidade.
154 CIDADANIA OA MULHER, UMA QUESTÃO OE JUSTIÇA
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
C o n tu d o , em b o ra ten h am o s a v a n çad o m u ito n o p lan o 
no rm ativo e no debate público, são m uitas a inda as barre iras 
que as m ulheres enfren tam e devem denunciar, p rinc ipalm en ­
te q u an to à violência, quer seja estru tural, q uer seja decorren ­
te d e sua condição d e gênero, que a inda sofrem.
A violência contra a m ulher, fruto de u m a condição geral 
d e s u b o rd in a ç ã o , o u seja, de u m a o rd e m n o rm a t iv a q u e 
h iera rqu iza papéis e pad rões de com portam en to pa ra os se­
xos, vem sendo denunciada desde o início d a década de 1980, 
p o r g ru p o s fem inistas e vem sendo bastan te d iscu tida nessas 
ú ltim as décadas.
O p ró p rio fato das m ulheres serem expressão da d o m in a ­
ção m asculina, p o r serem seres q u e existiam p a ra os hom ens, 
contribu íam p a ra legitim ar a violência dos h om ens contra as 
m ulheres. M as os m ovim entos fem inistas v ieram destru ir esse 
pensam ento .
C h au í (1985), ao pesquisar sobre o tem a d istingue os con ­
ceitos d e violência e d e relações d e força e en tre estes e o con ­
ceito de poder. Entende que a violência é u m a d as form as das 
relações de força e am bos im plicam o desejo de m an d o e a 
opressão d e u m segm ento social sobre outro.
Entretanto , na relação de força, deseja-se an iquilar-se e n ­
q uan to relação pela destru ição de um a das pa rtes e, na v io ­
lência, m antém -se a relação d e m ando e a sujeição, m edian te 
u m processo de interiorização pela parte d o m in ad a das von ­
tades e ações da parte dom inante.
Por causa desse processo, m uitas vezes as m u lheres se sen ­
tem coagidas a se subm eterem ao hom em , sendo u sa d as p e r ­
versam en te pelo m arido com o objeto sexual, a servi-lo com 
seu corpo q u a n d o ele bem quiser.
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
M as as m ulheres passaram a contar com o S.O-S. MULHER, 
e n tidade de apoio e conscientização, que oferece orientação 
jurídica e psicológica às m ulheres vítim as da violência. Com 
isso au m en to u o n úm ero de denúncias de violência dom ésti­
ca, exp ressadas das m ais d iversas form as: espancam entos , 
to rtu ras e am eaças de morte.
Esse tem a, an terio rm ente tido com o particu lar, ganha en ­
tão u m a d im ensão pública e o Estado passa a p u n ir os que 
com etem violência contra a m u lher e isso é fundam en ta lpara 
a c o n s tru ç ã o d e u m a n o v a so c ie d a d e , p o is as m u lh e re s 
agredidas, ao apresentarem suas queixas colaboram para a sua 
constituição e sua iden tidade fem inina, q u eb ra n d o os papéis 
tradicionais, cheios de equívocos e preconceitos.
U rge tam bém assinalar que o assédio sexual, p a ssan d o a 
ser considerado crim e no início deste século, p u n in d o hom ens 
e tu te lando inúm eras m ulheres constrangidas à prática de atos 
sexuais, m ed ian te g rave am eaça ou po r m eio d e pa lav ras ou 
gestos, é m ais u m a conquista na luta pelos d ire itos d a m ulher 
e m ais u m a expressão da sua cidadania.
O ORDENAMENTO JURÍDICO
A C onstitu ição d e 1988, ao garan tir a m esm a isonom ia em 
d ireitos e obrigações pa ra hom ens e m ulheres , apenas veio 
reg istrar todo o cenário de décadas d e lu tas pe las quais as 
m ulheres ba talhavam .
O ho m em de ixou de ser considerado o chefe e represen ­
tan te legal da família e o único responsável po r seu sustento. 
M as, com o já expom os, apesar das g randes conquistas que as 
m u lh e res a lçaram nas ú ltim as décadas , essa ig u a ld a d e no 
o rdenam en to juríd ico não se efetivou até hoje.
156 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
C ontudo , não podem os deixar de m encionar e festejar as 
princ ipais conquistas das m ulheres no ú ltim o século.
C om o d issem os anteriorm ente , a existência da família es­
tava condicionada à leg itim idade que derivava apenas d o ca­
sam ento . A legislação constitucional de 1988 veio ten ta r rom ­
p e r com o conservadorism o d o início d o século XX e adap tar- 
se à rea lidade fática brasileira, reconhecendo a un ião estável 
en tre o hom em e a m u lher com o en tidade familiar, a qual foi 
d ev idam en te incorporada ao N ovo Código Civil de 2003.
Foram , en tão , tu te lad as as un iões estáveis p a r t in d o das 
m esm as reg ras d o casam ento . C om isso foram benefic iadas 
m ilhares d e concubinas, q ue v iúvas, d epo is d e v iverem m ais 
de v in te anos com seus m aridos, não t inham d ire ito aos bens 
s im p lesm en te p o rq u e fug iam à convenção d o in stitu to do 
casam ento .
C onform e p ron u n c io u Ricardo P enteado d e Freitas Borges 
e C aetano Lagrasta N eto em artigo publicado na Revista da 
Associação dos M agistrados Brasileiros (ano I, fevereiro de
1990),
'‘Dizem eles que uma nova feição da família fo i introduzida 
no nosso ordenamento jurídico pela Constituição de 1988. 
Com isto, casamento e concubinato devem ser tratados como 
iguais pelo Estado, padecendo de inconstitucionalidade o tra­
tamento diferenciado das duas últimas situações cujas dis­
soluções devem ser processadas nas mesmas condições, ou 
seja, no juízo de família".
Aliás, o p róp rio term o concubina foi substitu ído p o r com ­
p a n h e ira ou convivente , po is a pa lav ra concub ina t inha a 
conotação pejorativa d e m u lher desonesta e des tru id o ra de 
famílias legítimas.
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
D esapareceu tam bém a discrim inação dos filhos nascidos 
fora do casam ento , ou dos ado tados, que p assa ram a ter os 
m esm os d ire itos e qualificações daqueles p roven ien tes do ca­
sam ento , tendo em vista que foram v ed ad as qua isquer desig ­
nações d iscrim inatórias relativas à filiação.
O u tras m udanças p o d em ser n o tadas n o o rd en am en to ju ­
rídico, que tenta se ad equar às transform ações ocorridas na 
sociedade, com o está ocorrendo com o N ovo C ódigo Civil, já 
em vigor, a com eçar pelas m udanças na p rópria linguagem .
Expressões, p o r exemplo, que se referem aos d ireitos, em 
q ue an tes liam os "dire itos do hom em " para se referir a am bos 
os sexos, agora foram substitu ídas pela locução "'da pessoa". 
A nova legislação tam bém retirou dispositivos preconceituosos 
e d e u m a cultura m achista, que perm itiam ao m arido a a n u la ­
ção d o casam ento e a sua devolução ao pai, q u a n d o desco­
brisse o deflo ram ento d a m ulher.
O N ovo Código Civil re tirou a inda os d ispositivos da Lei 
de 1916 que colocava o hom em com o chefe e represen tan te 
legal d a família e a m ulher com o m era co laboradora d o m ari­
do nos encargos de família.
A gora, pe lo casam ento , hom em e m u lher a ssum em m u tu ­
am ente a condição de consortes e responsáveis pelos encar­
gos d e família, p odendo , qua lquer dos nuben tes, querendo , 
acrescer ao seu o sobrenom e d o outro.
D iga-se a propósito , que a nosso ver, o u so d e n om e do 
m arid o p e la m ulher, tem u m a conotação sim bólica, não a p e ­
nas ligada ao d ire ito d e personalidade , m as q u e significa d o ­
m inação. Assim , o C ódigo Civil, em sua redação orig inal d is ­
p u n h a q ue a m u lher era obrigada a acrescentar os apelidos do 
m arido , m as pod ia perder esse nom e ao ser condenada na ação 
de desquite.
1 5 8 CIOAQANiA DA MULHER, U M A Q U E S T Ã O DE JUS^ÇA
C om a Lei do Divórcio, em 1977, o acréscim o d o n om e tor- 
nou-se facultativo. M as qu an d o da separação judicial, a facul­
d ade de con tinuar a u sa r o nom e do m arido som ente passou a 
ser faculdade se a m ulher fosse inocente, ou seja, a vencedora. 
Caso fosse a pa rte vencida, deveria voltar a u sa r o n om e de 
solteira, com o se lhe fosse im posta u m a apenação.
O N ovo C ódigo Civil seguiu essa linha, p rev en d o que o 
cônjuge dec la rado cu lpado na ação de separação judiciai p e r ­
de o d ireito de usar o sobrenom e do outro, m as im põe ressal­
vas: desde que expressam ente requerido pelo cônjuge inocente 
e se a a lteração não acarretar preju ízo para a sua identifica­
ção; h o u v e r m anifesta d istinção en tre o seu nom e de família e 
o dos filhos hav idos da união dissolvida ou de ou tro dano 
reconhecido na decisão judicial.
Im possível tam bém falar do o rdenam en to juríd ico sem fa­
lar d as m ulheres na órbita do Judiciário: as advogadas, juízas, 
p rom oto ras e delegadas. É certo que a inda não tivem os n e ­
n h u m a m u lher no Suprem o T ribunal Federal e recentem ente 
tivem os a prim eira m ulher no Superior T ribunal de Justiça, 
m as já começa a q u eb ra r o conservadorism o d o P o d e r Judici­
ário, que, aliás, já conta com um a notável participação d e juízas 
no p rim eiro g rau d e jurisdição, que e s tudaram e se ded ica ­
ram aos es tudos jurídicos, a té que, com sua com petência e ca­
pac idade , ingressaram na m agistratura.
A participação das m ulheres n a esfera jurídica é sem d ú v i ­
d a u m a queb ra dos valores m achistas. Mas, conform e obser­
vou M aria Berenice Dias (2002),
"indispensáz^eJ se faz perquirir se a inserção das mulheres nas 
carreiras jurídicas afetou o contexto das decisões judiciais, 
passando elas a exercer o papel de agentes modificadoras do 
conservador modelo vigorante".
MULHERES: UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
A p rópria au tora constata que a resposta é negativa, pois 
em bora tenham consciência da necessidade de m udanças , elas 
não ro m p em com os códigos e p ad rões vigentes:
"Ní?o basta o aumento do número de magistradas para cjue 
determinados comportamentos sejam alterados, com o estabe­
lecimento da igualdade, o fim da discriminação e a eliminação 
da violência contra a mulher. Necessário, em um primeiro 
momento, desmistificar a idéia sacralizada da família. Consi­
derada como a responsável pela organização social, em que se 
desenvolve o senso de justiça e cidadania, estrutura-se, no 
entanto, de forma hierarquizada, tão-só pela diferença dos se­
xos, restando à mulher sempreum pape! de subordinação".
C on tudo , com o p róprio afirm a a autora , a voz diferente das 
m u lheres acaba po r alterar o contexto das decisões judiciais, 
p o d e n d o com isso trazer sentenças não m ascu lin izadas e que 
trazem um a visão fem inina do cotidiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
C om o d em onstram os, não há com o n egar q ue nós, m u lh e ­
res, p ro tagon izam os as g randes m udanças que aconteceram 
no m u n d o no ú ltim o século: no trabalho, na m úsica, na litera­
tu ra , na po lít ica , na c o m u n id a d e , n as u n iv e r s id a d e s , no 
o rd en am en to jurídico, na rua e em casa.
Em tudo e em todos os lugares estamos reivindicando nossos 
direitos, em especial o direito à cidadania. E, com isso, estamos a 
cada m inuto fortalecendo nossa participação no espaço público.
Desta form a, o sexo frágil e belo não parece m ais ser tão 
frágil assim , bem com o tam bém passou a lu ta r pelos m esm os 
d ire ito s q u e os h o m en s , sem a b a n d o n a r os p a râ m e tro s e 
referenciais fem ininos, p reservando a sua fem inilidade, a sua
1 6 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
beleza n a tu ra l, a sua m istic idade e sua sim patia.
Salientam os que as vitórias realm ente foram m uitas, m as 
nem p o r isso nos acom odarem os. C ontinuarem os questionan ­
d o as crenças e valores que m antêm os papéis tradicionais do 
hom em e da m ulher, revendo a organização fam iliar; e reiv in ­
d icando d ire itos p a ra que as instituições es tim ulem os ind iv í­
du o s a se transform arem em sujeitos políticos.
Enfim, enfatizam os que, nós, m ulheres, lu tam os sem pre em 
toda a h istória d a hum an id ad e , estivem os p resen tes em todos 
os acontecim entos, quer seja na política, na sociedade ou em 
casa, m as a glória sem pre foi a tr ibu ída ao hom em .
C on tudo , estam os ro m pendo a nossa inv isib ilidade h istó ­
rica e nos fortalecem os a cada m om ento com o cidadãs. E afir­
m am os com toda a von tade q u e con tinuarem os e n q u an to for 
preciso b a ta lh an d o po r respeito, po r d ign idade , queb rando 
b a rre ira s e preconceitos, e rran d o , a p re n d e n d o , acertando , 
d a n d o a volta p o r cima, a té conseguirm os o reconhecim ento 
da guerreira que som os e d a nossa capacidade.
C ontinuarem os com nossa garra na busca pela efetiva igual­
d a d e de d ire itos na sociedade e pela verdade ira c idadania, 
que não é som ente um a questão de direitos, m as, acim a de 
tudo , de justiça.
Persistiremos finalmente batalhando enquanto for preciso, 
incessantemente, por nosso espaço na sociedade, pois, afinal, o 
que nós queremos, não é sermos m elhores que os hom ens, nem 
dom inar a sociedade e quanto m enos ainda dem onstrar um a fal­
sa superioridade entre sexos, que na verdade não existe.
N ão querem os ser sexos opostos. Q uerem os ser sexos com- 
p lem entares, com postos, na m ed ida que tem os d ire itos iguais. 
E, com isso, jun tos, constru irm os u m a sociedade m ais d e m o ­
crática, sem violência e justa.
MULHERES'. UMA VIDA DE LUTAS E CONQUISTAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACKELSBERG, M artha. Ampliando o estudo sobre a participação 
das mulheres. M ulheres, H istória e Fem inism o, 1996.
DIAS, M aria Berenice. Uma ]ustiça feminina? Boletim NEGUEM 
N ° 1 8 - a n o 10 -2002.
PUGA, Vera Lúcia. Boletim NEGUEM N° 18 - ano 10 - 2002.
VACCARI, Vera Lucia. Projeto cidadania e gênero: superando a 
violência contra a mulher. Boletim NEGUEM N ° 18 - ano 10 - 
2002 .
VASCONCELLOS, Eliane Leitão. A mulher na língua do povo. 
Belo H orizonte: Itatiaia, 1988.
1 6 3
REGIME DE BENS N O CASAM ENTO 
À LUZ D O N O V O CÓDIGO CIVIL
Maria Bernadeth G onçalves da Cunha
Consa. Federal da OAB/BA 
Membro efetivo da CNM Á/O AB/CF 
Presidente do IBDFÁM /BA
C om a in trodução da Lei 6 .515/77 no o rd en am en to ju ríd i­
co brasileiro , a cham ada Lei do Divórcio, a sistem ática d o re ­
g im e d e bens no casam ento sofreu a lgum as m udanças . Antes 
v igorava o regim e da com unhão universal de bens, que era o 
legal, caso ou tro não fosse escolhido pelos nuben tes.
D enom ina-se regime legal, aquele im posto pela lei. Será 
convenciona l o u con tra tua l, en tre tan to , q u a n d o e s tipu lado 
pelas pa rtes po r m eio de pacto antenupcial, que deverá ser 
feito exclusivam ente po r escritura pública, sob p e n a de su rtir 
n e n h u m efeito, sendo, portan to , nu lo de p leno direito.
N o C ódigo Civil anterior, p rec isam ente n o d isposto no art. 
258, caput, com a redação d o art. 50 d a Lei 6.515/77, ficou 
expressam ente estabelecido que o regim e legal era o da co­
m u n h ão parcial de bens. Já os incisos d o parág rafo único do 
citado a rtigo d iscorriam sobre os casos d e o b riga to riedade da 
separação d e bens no casam ento.
Com o advento da Lei n" 10.406, de 10 de janeiro de 2002, novo
1 6 4 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Código Civil brasileiro, em vigor, o regime de bens no casam ento 
sofreu novas m udanças, consoante se dem onstra rá adiante.
O regime da com unhão parcial de bens continua a ser o regi­
m e legal, conforme disposto no art. 1.640, que assim se expressa:
"Art. 2.640 - Não havendo convenção, ou sendo nula 
ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônju­
ges, 0 regime da comunhão parcial".
Assim, p o d em as pessoas, antes d o casam ento , estipular, 
livrem ente, d en tre os qua tro regim es adm itidos pelo Direito 
pátrio , o que m elhor lhes aprouver, respeitadas , en tre tan to , 
as disposições legais constantes do art. 1.640.
U m a d as n o v idades trazidas com o novo C ódigo é a que 
p erm ite que o regim e de bens seja m odificado após o casa­
m ento , o q ue era expressam ente pro ib ido no C ódigo anterior.
C om efeito, d ispõe o novo Código (§ 2“, art. 1.639) que "é 
adm iss íve l alteração do regime de hens, m ed ian te a u to r iza ­
ção jud ic ia l em pedido m o tiva d o de am bos os cônjuges, apu ­
rada a procedência das razões invocadas e ressa lvados direi­
to s de terceiros".
É de observar-se que a m udança do regim e só é adm itida 
em p ed id o m otivado ao m agistrado , ten tando a lei com essa 
p rov idência p reservar a estabilidade d a família tam bém no 
p lano patrim onia l, assim com o a segurança das even tua is re ­
lações trav ad as com terceiros.
O reg im e d e bens começa a v igorar desde a d a ta da cele­
bração d o casam ento. Pelo Código atual, os nuben tes p o d em 
o p ta r po r u m dos qua tro regim es postos à sua escolha, o u seja, 
o d a com unhão parcial, que continua sendo o reg im e legal, o 
da com u n h ão universal, o da participação final d o s aqüestos 
e o da separação d e bens. N ão h avendo pacto an tenupc ia l ou
REGIME DE BENS NO CASAMENTO À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL 1 6 5
ob riga to riedade do regim e de separação de bens, p revalece ­
rá, assim , o regim e da com unhão parcial.
Deve-se a inda p o n d e ra r sobre a possib ilidade de m od ifi­
cação d o regim e d e bens para as pessoas casadas sob a égide 
d o C ódigo an terior, po rque a priori esta m u d an ç a estaria v e ­
d a d a em razão d o p rincíp io da irre troa tiv idade d a lei.
N ão é justo , en tre tan to , que as pessoas casadas na vigência 
d o C ódigo an terio r fiquem to lh idas de exercer o d ire ito de 
m u d a r o reg im e se o seu casam ento con tinua em vigor, razão 
po r que en tendem os que esse d ireito lhes assiste tan to quan to 
às pessoas casadas após a vigência do novo Código. Este, en ­
tre tan to , é assun to polêm ico e p or isso m esm o d e m a n d a rá 
ac irradas discussões da dou trina e decisões d ivergen tes da 
ju risp rudência , cremos.
Observa-se, em boa hora, a acertada exclusão d o regim e 
dotal. N esse regim e, era essencial a descrição dos bens, assim 
com o sua avaliação ind iv idua l na p rópria escritura e a decla­
ração expressa de que o dotal era o regim e escolhido.
O C ódigo an terio r dedicava n ada m enos que trin ta e q u a ­
tro artigos àquele regim e, que nunca teve a m en o r aceitação 
en tre nós, da í p o r q ue com m uita p ro p rie d ad e ele foi abolido 
pelo C ódigo atual.
É im p o rta n te assina la r que o novo C ód igo Civil, a exem ­
p lo d o an te rio r, lista os casos d e ob r ig a to ried ad e d a se p a ra ­
ção d e bens , no art. 1.641, incisos I a III, v a le n d o des taca r a 
inovação d a id ad e d o s n u b e n te s p a ra esses casos, q u e ficou 
u n ifo rm izad a em 60 (sessenta) anos, tan to p a ra o hom em , 
q u a n to p a ra a m ulher.
C onquan to se possa e n tender que h ouve u m avanço com a 
m ajoração d a id ad e d a m ulher, d e 50 pa ra 60 anos, constitui- 
se, a inda, n u m atraso a idéia de fixar-se idade lim ite p a ra ca-
1 6 6 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
sarnento com separação d e bens de pessoas m aiores e capazes 
n o uso e gozo d e seus direitos civis e políticos.
A dm itiu-se com o compreensível que em 1916 tais limitações 
existissem, po rquan to a qualidade de v ida era d iferente e as 
pessoas envelheciam precocemente, p o dendo considerar-se se­
nil aos 60 (sessenta) anos, o que não é o caso dos tem pos atuais. 
Portanto, esse "cu idado" exagerado da lei não se justifica.
As pessoas capazes com m ais de 60 (sessenta) anos sabem e 
p o d em escolher o regim e de bens que lhes aprouver, não n e ­
cessitando desta absurda limitação im posta pelo novo Código.
Feitas essas considerações iniciais, vejam os, agora , as sin ­
gu la ridades de cada regime.
REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
N esse tipo de regime, os bens que cada u m dos cônjuges 
ad qu ir ir antes d o m atrim ônio , assim com o aqueles q ue forem 
do ad o s o u herdados , estarão excluídos d a com unhão , salvo 
se a doação ou herança for concedida em favor de ambos.
Frise-se, p o r oportuno , que os bens adqu ir id os na constân ­
cia d o casam ento , a título oneroso ou p o r fato eventual, afora 
aqueles casos acim a citados, com unicam -se, ou seja, p e rte n ­
cem ao casal. Estes bens en tram na com unhão m esm o q ue te ­
n h a m sido adqu ir idos em nom e de um só dos cônjuges.
N essa espécie de regim e, a adm inistração dos bens com uns 
com pete a qua lquer dos cônjuges, d iferen tem ente d o esta tu ído 
n o C ódigo an terio r em que se observava a presença m ais forte 
da sociedade patriarcalista.
O s bens com uns respondem pelas obrigações con tra ídas 
pe lo m arido o u p e la m ulher pa ra a tend im en to a encargos da 
família, às despesas de adm inistração e às decorren tes d e im ­
posição legal.
REGIME DE BENS NO CASAMENTO Â LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL 1 6 7
A adm in istração e a disposição dos bens constitu tivos do 
pa tr im ôn io particu la r com petem ao p roprie tário , salvo se h o u ­
ver convenção d iversa em pacto antenupcial.
As d ív idas con tra ídas p o r q ua lquer d os cônjuges n a a d m i­
n istração d o s seus bens particu lares, e em benefício destes, 
n ão obrigam os bens com uns.
REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS.
C onsiste na im ediata com unicação de todos os bens p re ­
sen tes e fu turos, assim com o das d ív idas passivas, observa ­
das as exceções expressas na legislação vigente.
Escolhido este regim e, os cônjuges têm consciência d e que 
n in g u ém é titu lar de um a cota p rópria de que possa gozar e 
d ispor, m as am bos titu lares do todo. P o r isso, m esm o ocor­
ren d o a d isso lução da sociedade ou d o v ínculo conjugal, por 
m orte d e u m d os cônjuges, transm ite-se aos he rde iros apenas 
o pe rcen tua l q u e lhe toca da m eação do “àe cu]us", po rque a 
ou tra m etade, e m ais um a parcela da herança, pertence ao côn­
juge supérstite .
Sendo este considerado um regim e convencional, p a ra que 
prevaleça necessário torna-se que os nubentes celebrem o pacto 
an tenupcial, sob p ena de n u lidade ou ineficácia.
O C ó d ig o C ivil b ras ile iro , n o e n ta n to , es tabe lece qua is 
são os b e n s e xc lu ídos d a c o m u n h ã o , q u e es tão e n u m e ra d o s 
e x a u s t iv a m e n te n o s incisos I a V d o art. 1.668, q u e d e s ta c a ­
m o s a seguir:
"Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I - os bens doados ou herdados com a cláusula de
incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens gravados defideicomisso e o direito do her-
1 6 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
deiro fideicomissário, antes de realizada a condição 
suspensiva;
III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provi­
erem de despesas com seus aprestos ou reverterem em 
proveito comum;
IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônju­
ges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V - o s bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.''
REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS
A característica desse regim e cinge-se ao fato d e cada côn ­
juge conservar o que é seu pa ra si, o u seja, os b ens pe rtencen ­
tes a cada cônjuge, quer os adqu iridos an tes do casam ento , 
q u e r os aqüestos, são incom unicáveis.
E stipu lada a separação de bens, estes perm anecerão sob a 
adm in istração exclusiva de cada u m dos cônjuges, q ue os p o ­
de rá a lienar liv rem ente ou gravá-los de ônus real.
Este regim e tan to po d e ser convencional q uan to legal. Será 
legal quan d o houver imposição da observância aos casos p re s ­
critos no art. 1.641, incisos I a III.
Em a lguns casos, esta exigência tem caráter pun itivo , em 
outros, absu rdam en te , com o pré-dito , funciona com o m ed ida 
acau te ladora de interesses particulares.
N este tipo de regim e, se convencional, p revalecerá a co­
m u n h ão dos bens adqu iridos n a constância d o casam ento , se 
não h o u v e r c láusula expressa n o respectivo con tra to d isp o n ­
do de m o d o diverso.
Percebe-se, assim , que a com unicação dos aqüestos só é 
p resu m id a nos casos de silêncio do contrato, nunca , po rém , 
nos casos d e im posição legal.
REGIME DE BENS NO CASAMENTO À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL
O s cônjuges são obrigados a contribu ir p ro porc ionalm en te 
aos ren d im en to s d e seu traba lho e d e seus bens , p a ra as d e s ­
pesas d o casal, se de m ane ira d iversa não tiver s ido con v en ­
cionado.
REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL DOS AQÜESTOS.
Este reg im e é a g rande n ov idade e substitu i em boa ho ra o 
reg im e dotal, que, com o dito, jam ais v ingou en tre nós. Assim, 
não há co rresponden te no Código anterior.
Por este regim e, todos os bens que p ertenc iam a cada côn­
juge ao casar, assim com o aqueles p o r cada u m deles ad qu ir i ­
dos, a qua lquer título, na constância d o casam ento , in tegram 
o pa tr im ôn io p róp rio de cada um.
O s bens p róp rio s d e cada u m são de sua exclusiva adm i­
nistração, não se adm itindo nenhum a ingerência d o outro, nem 
m esm o p a ra aliená-los, se forem móveis.
O s bens im óveis são de p ro p ried ad e d o cônjuge cujo nom e 
constar d o respectivo registro, en tre tan to , a t itu la r idade p o ­
d e rá ser pe lo ou tro im pugnada . É im portan te assinalar que 
neste regim e o direito à m eação é irrenunciável, im penhorável, 
e não-cessível.Caso sobrevier a dissolução da sociedade conjugal, os aqüestos 
serão apurados, excluindo-se, evidentemente, do m onte, os bens 
próprios, sejam eles anteriores ou não ao casam ento , ad q u ir i ­
dos p o r sub-rogação, liberalidade ou sucessão. A s d ív idas re ­
lativas a esses bens tam bém serão excluídas, na tu ra lm ente .
Vale ressaltar a inda que se um dos cônjuges fizer algum a 
alienação dos aqüestos sem a im prescindível autorização do 
outro, os valores serão apurados para partilha ou reivindicação 
pelo cônjuge ou herdeiro prejudicado na época da dissolução.
1 7 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Entretanto , se os bens forem adqu ir idos p o r am bos, cada 
u m terá sua cota no condom ínio ou no crédito po r aquele m odo 
estabelecido.
As d ív idas superven ien tes à m eação são da obrigação de 
quem as contraiu , se em benefício p róprio .
Essas são as principais nov idades ap resen tadas pelo novo 
C ódigo Civil n o tocante ao regim e de bens, q ue na nossa ótica 
a figuram -se relevantes, pertinentes e a d eq u ad as ao m om ento 
histórico em que vivemos.
1 7 1
MULHER DE HOJE
Maria Regina Purri Arraes
Advogada, Membro da Comissão Nacional da Mulher 
Advogada do Conselho Federal da O A B ; Fundadora da 
Comissão Permanente da Mulher Advogada - OAB/RJ ;
Fundadora do Colégio Brasileiro das Mulheres Advogadas.
É inegável que as m ulheres se p repararam para estarem hoje 
ocupando os postos que vêm alcançando. N a verdade, em ter­
m os profissionais e intelectuais não existem m ais limitações para 
o sexo feminino. N o entanto, sob o aspecto político a situação 
se modifica, pois a inda estam os engatinhando no que d iz res­
peito à m aleabilidade, estratégias de ação e visão clara dos m ei­
os utilizáveis para a ocupação do espaço político.
P or isso, a participação das m ulheres é m aio r e m ais visível 
no espaço público, on d e o sistem a constitucional d e concur­
sos pa ra os cargos não perm ite a escolha sob o critério da p o ­
lítica, m as sim da com petência, funcionando a equivalência 
salarial daque les cargos com o m ais u m estím ulo às m ulheres 
que ingressam nas carreiras públicas.
O Judiciário tem sentido o efeito desta rea lidade . Os ú lti ­
m os concursos pa ra M agistra tura , M inistério Público, P rocu ­
rado rias etc. m ostram u m a m aioria fem inina a p ro v ad a , quase 
sem pre nos p rim eiros lugares.
1 7 2 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
N os T ribunais Superiores som ente nos ú ltim os anos con ­
seguim os fazer chegar a lgum as M inistras, que m uito an tes de 
o serem , e ram já consideradas, todas, com o brilhantes juris ­
tas. N o en tan to foi necessário um im enso esforço e trabalho 
político p a ra que elas alcançassem as nom eações, f ru to d e p e r ­
m anen te conscientização d a necessidade de adoção das es tra ­
tégias d a igualdade , pelo p o d e r público. A propósito , existe 
p ro je to d e e m e n d a co nstituc iona l d e a u to r ia d o S e n a d o r 
Severino C avalcante d e te rm inando a inserção d o critério de 
a lternância obrigatória de sexos pa ra as nom eações dos fu tu ­
ros M inistros dos T ribunais Superiores, p rerrogativa hoje ex­
clusiva d o P residente d a República.
D entro d a OAB, ap esa r de não h aver um a dec la rada discri­
m inação, o núm ero de m ulheres em cargos d e destaque é m uito 
pequeno . Somos, as advogadas, m etade dos inscritos n a O r­
d e m e, po rtan to , responsáveis pela m etade do o rçam ento da 
Instituição. N o en tan to a participação fem inina n os cargos de 
Conselheiras Federais ou Seccionais, D iretoras etc. não a tinge 
15% d o total. À evidência, a discrim inação ve lada tem to rn a ­
d o m uito m ais difícil a superação d a questão , posto não h a v e ­
rem oposições claras e po rtan to francam ente com batíveis, p e r ­
p e tu a n d o o ciclo vicioso.
De toda sorte, as m ulheres conheceram um a grande evolução 
nas últimas décadas que, apesar de m uito desejada, trouxe tam ­
bém aspectos negativos e antes desconhecidos para todos nós.
A s conseqüências desta evolução pe rm an en te são, en tre 
outras, o enorm e núm ero de m ulheres vítimas d e infarto, stress 
etCv a lém d e u m a dim inuição d a qua lidade da v ida familiar. 
C om o to d a revolução p ressupõe lu ta e adap tação aos novos 
tem pos, tam bém a nossa, fem inina, tem nos c obrado u m p re ­
ço significativo.
ÉTICA E PROFISSÃO
N o en tan to , é im pensável qua lquer retrocesso p o rq u e nós 
nos acostum am os a tom ar decisões in d ep enden tes , e os h o ­
m en s - p o r um a recusa sistem ática de ap re n d e r com o lidar 
com essa nova m ulher - estão am edron tados e am eaçados com 
um a rea lidade pa ra a qual não se p repara ram . N os resta , às 
m ulheres, cam inhar e ir ab rindo p o rtas e janelas que p e rm i­
tam ao o u tro a v isão do n ovo cam inho que se abre.
É v e rd ad e que a subjetiv idade fem inina tem tido u m a rele­
vância p rim ord ia l nestes ú ltim os anos. A ssim , o o lhar fem ini­
no sobre os fatos conduz a u m raciocínio (e, m u ita s vezes, a 
u m a decisão) oposto àquele tom ado se ana lisado sob o p r is ­
m a m asculino.
M as afinal não som os, hom ens e m ulheres , tão d iferentes 
assim . Buscam os am bos, m e parece, a felicidade, a inda que 
ela tenha conotações d iferentes p a ra uns e outras.
A g ran d e tarefa, qu an d o já tem os um a legislação igualitá ­
ria é, sem dúv ida , tirar d o pape l esses novos d ire itos e colocá- 
los n o dia-a-d ia das m ulheres pa ra exercê-los, e, n o dia-a-dia 
d o s h om ens p a ra respeitá-los.
U m a d as iniciativas de concretizar esses d ire itos acim a re ­
feridos, foi o projeto de lei da en tão v ereadora, a m édica Ana 
Lipke, na c idade do Rio de Janeiro, q ue o b rigou os serv idores 
públicos a in fo rm ar às m ulheres v ítim as d a v iolência d o es tu ­
p ro de que elas têm direito de fazer aborto legal e gratuito . 
Ora, a questão está tipificada no código pena l - o aborto legal 
- desde 1940. O projeto alcançou g rande repercussão den tro 
da p ró p ria C âm ara d e V ereadores e n a soc iedade em geral, 
m erecendo a tenção especial da m ídia e com bate ferrenho dos 
setores religiosos a té ser finalm ente ap rovado ; po rém , a inda 
hoje, encontra resistência em sua aplicação.
Constata-se, então, que é preciso trazer à lum e a questão
CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
da hipocrisia e a d u b iedade que ela gera. C om o é afinal? Exis­
te a lei há m ais d e 60 anos e não se p o d e inform ar à popu lação 
sobre os d ire ito s q u e ela lhe confere? Q ue ética é essa que 
p ro m u lg a um a lei m as tenta im ped ir que se d iga d a sua exis­
tência? A resposta im ediata é a form a d e fazer política p ra ti ­
cada pelos hom ens, en q u an to gênero, bem diferen te d o senso 
com um das m ulheres.
N esse aspecto, ético, parece-m e que as m ulheres são mais 
posic ionadas, funcionando com o p êndu lo s à busca do equilí­
b rio , com transparênc ia e firmeza, n u m jogo em que m uitas 
vezes são vencidas p o r terem explicitado c laram ente seus ob ­
jetivos finais, com prom isso condu to r d e sua atuação.
A diferença foi explicada pelo conhecido Joosteen G aardner’, 
qu an d o assinalou que "os hom ens estão p reocupados com a 
própria carreira e as m ulheres em desem penhar-se bem das ta ­
refas que escolheram " - leia-se, ambição versus dedicação.
Q u a n to à a dap tação do h om em à nova rea lidade , os m ov i­
m en to s neo-fem inistas se encam inham agora p ara u m a so lu ­
ção q u e p arece m u ito lógica, sensível e realizável.
A esse respeito , recentem ente, o psicanalista José Renato 
A vzarade l fez publicar artigo em q u e afirma: "são p oucos os 
h om ens que se pe rm item cam inhar pela sensibilidade, sem 
ter m ed o de que isso possa ser visto com o expressão d e ho ­
m ossexualidade". Pena que, na seqüência d e seu raciocínio, 
e rroneam en te , tenha acusado as m u lheres em an c ip ad as de 
haverem " e m p u rra d o " o hom em para a situação crítica em 
q u e se e n c o n tr a m , c o n c lu in d o p e la n e c e s s id a d e d e se 
au toperm itirem - os hom ens ~ "a revelação d o universo afetivo 
m asculino".
'Joosteen Gaardner, sociólogo e escritor nõrdico, autor de “A Escolha de Sofia", 
sucesso mundial da literatura moderna.
ÉTICA E PROFISSÃO
T rabalham os m uito , nos ú ltim os anos, pa ra obter a nossa 
independênc ia e com eçam os já a colher os f ru tos deste traba ­
lho, a inda que persis tam espinhos e asperezas. P o r isso, ago ­
ra, concordo q ue os nossos esforços deverão ser parc ia lm ente 
d irig idos p a ra conscientizar e capacitar os h om ens a convive­
rem e u su fru írem o p raze r de partilhar a com panh ia de m u ­
lheres que não são suas dependen tes , que não são subm issas 
a eles. M ulheres que além de com panheiras possam ser p a r ­
ceiras com peten tes na construção da nova sociedade que se 
deseja. M ulheres q ue livres para voar escolham o n in h o com o 
hab ita t e o parceiro com o coadjuvante na p o n te en tre a luta e 
o sonho, o m asculino e o fem inino, enfim, m ulheres realiza ­
d as e com p raz e r de terem nascido m ulheres.
Afinal o m u n d o passou tan tos séculos se o rien tando pela 
ótica m asculina e os resu ltados foram conhecidam ente desas ­
trosos: guerras , d ispu tas de p oder, destru ição, ganância, d ro ­
gas, violências, u rg indo refletir sobre um a m u d an ç a m ais p ro ­
fun d a e abrangen te , que inclua e valorize o fazer fem inino, 
com os benefícios que ele possa trazer à sociedade.
N ão res tam d ú v id as que a pa lavra chave p a ra este novo 
m ilên io seja PARCERIA, aí incluído o respeito às diferenças e 
à solidariedade.^
 ^Interferência proferida no Seminário "Mulher. Direito e Sociedade” promovido pelo 
Consulado dos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Estadual do Es­
tado do Rio de Janeiro, por ocasião da visita de m agistradas americanas (atualiza­
do em 2003).
1 7 7
ÉTICA E PROFISSÃO
Rosangela Maria Carvalho Viana
Conselheira Federal da OAB}CE 
Membro da Comissão Nacional da Mulher Advogada
Karinne Matos de Lima e M elo
Presidente da OAB Mulher/CE
1. A ética
A Ética tem inegável influência em nossas v idas, seja pela 
história pessoal de cada ind iv íduo , seja pela escala subjetiva 
de axiom as inerentes à índole de cada u m d e nós. Valores es­
tes a rra igados em nosso cotidiano que serão levados ao agir 
ind iv idua l, de lineando desta feita sua condu ta profissional.
T ratar d a p rem issa ética é d ram a de inegável d ificu ldade já 
que pene tram os, tam bém , nos m eand ros d o subjetivism o, in ­
d iv idualism o, da felicidade persegu ida p o r cada um d e nós, 
pois está relacionada com a m oral ind iv idual. Buscar um com ­
po rtam en to ético m u itas vezes quer d izer a busca em basada 
em dire trizes de u m com portam en to cond izen te com os ide­
ais d e u m a sociedade livre, justa e igualitária.
2. A ética e a profissão
U m dos pa rad ig m as da ética, e aqui v im os tra tar, po is acre­
d itam os ser de vital im portância pa ra a sociedade com o um
1 7 8 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
todo, é do com portam en to ético do profissional em todos os 
d o m ister que abraçou ou que p re tende abraçar.
Portar-se de m aneira salutar, quer d izer, portar-se den tro 
de p a d rõ es valorativos, m orais, buscando a inda u m a reflexão 
lógica e o rien tadora d a conduta profissional. Torna-se fu n d a ­
m enta l a abordagem deste tem a, pois hoje m ais do q ue outro- 
ra há u m a destinação pública das profissões, u m a vez que se 
d irigem à coletiv idade devendo ser respeitadas e cu ltivadas 
n o seio de todas as profissões.
O ho m em em pós-acirrada bata lha p a ra sentar-se nos b a n ­
cos da u n ivers idade e depo is de u m arcabouço d e qua tro , cin­
co, seis anos d e busca pelo conhecim ento específico e técnico 
de cada a tiv idade já chega lá com conceitos en ra izados e que 
os im prim irá e o guiará em seu m ister profissional. Caso em 
seu âm ago destaquem -se valores com o honestidade , fidelida­
de, paciência, tolerância, respeito e hum ildade , ele tam bém 
transm itirá a ou trem a sua experiência com o ind iv íduo , fa­
zendo prevalecer a ética em seu cotid iano profissional.
Podem os destacar com o grave equívoco a n ão -abordagem 
d a disciplina ÉTICA PROFISSIONAL com o m atéria d e ensi­
n o obrigatório nas universidades, pois os profissionais m ais 
d o q u e n u n ca som en te estão v isando ao en g ran d ec im en to 
m onetário , m ercantilista; n o entanto , o g rau d e satisfação que 
o ganho m ateria l n os oferece está lim itada as nossas facu lda ­
des intelectuais, e o im portan te é que nós sejam os seres h u ­
m anos m ais aprim orados e nossos atos possam contribuir para 
o bem -estar d a sociedade. Q uan to m ais nos ded icarm os ao 
próx im o e reconhecerm os as nossas fraquezas, m ais ética será 
a nossa conduta , não esquecendo que todo arcabouço de co­
nhec im entos a d q u ir id o s d u ra n te a v id a in te ira te rão im p o r ­
tânc ia e v a l id a d e q u a n d o a liados ao con h ec im en to e p r á t i ­
ÉTICA E PROFISSÃO
ca d a c o n d u ta é tica , p o is ho je as p ro f is sõ e s têm c a rá te r 
p u b lic iza n te e d e v e m co n tr ib u ir tam b é m p a ra o e n g ra n d e - 
c im en to m o ra l da soc iedade , fazendo a ss im crescer o ser 
h u m a n o d e n tro d e u m con jun to d e reg ra s q u e reg e m um a 
co m u n id a d e .
Esse caráter public izante das profissões se explica pela im ­
portânc ia d o trabalho p o r elas rea lizado e pela consciência 
daqueles que necessitam destes serviços profissionais, já que 
à m ed id a que o Estado hod ierno vem e n v e red an d o esforços 
no sen tido de dem ocratizar a sua fina lidade social passando , 
p o r conseguinte, a fornecer serviços básicos e ind ispensáveis 
à busca incessante pela Justiça e pela o rd em social.
É necessário e p o rque não d izer im prescindível o dever de 
prevalecer en tre o profissional e o cliente u m relacionam ento 
d e seriedade, confiança, fidelidade e franqueza. O ra, cediço 
que o profissional não é obrigado a de te r m totum a im ensidão 
d e conhecim entos que rodeiam sua área profissional, en tre ­
tanto , d eve conhecer s im seus limites, ter parc im ônia e hones­
tidade q u a n d o n ão p u d e r ou não souber so lucionar o prob le ­
m a repassado pelo seu cliente, devendo , sem tem or, d em o n s ­
tra r sua im possib ilidade d e buscar solução a d e q u ad a a difi­
culdades, dem onstrando assim relação obrigacional lógica com 
valores sem p re insertos em qua lquer profissão.
3. A ética e o advogado
C abe ao advogado , aqui em especial, e assim o C ódigo de 
Ética preleciona que o m esm o não deve partic ipa r de form a 
subjetiva dos p rob lem as afetos aos seus clientes, deve repas ­
sar p a ra o papel, ou m elhor, elaborar a peça com acu idade, 
destacando vocabulário claro, objetivo, e v itando a taques p es ­
soais à parte adversae ao colega que pa troc ina os interesses
1 8 0 CIDADANIA DA MULHER, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
opostos. É necessário o tra tam ento ético en tre todos, respeito, 
e consideração m útuos , sem m edo de desag rad a r o m ag is tra ­
d o o u o rep resen tan te do M inistério Público, b u scan d o a ap li­
cação do Direito da m elhor forma. A presentar, q u a n d o neces­
sário, as form as d e insatisfação d en tro dos rigores legais con­
tra a decisão judicial de form a escorreita e p ruden te .
A credito q ue o exercício d a advocacia com base no E sta tu ­
to, no qua l estão regu lados cânones do bem proceder, ju n ta ­
m en te com o C ódigo de Ética e a existência de u m Tribunal 
que, além d e regu lam entar condutas, fiscaliza os profissionais, 
ap licando q u a n d o necessário pun ições aos faltosos a té com 
advertência , suspensão e cassação do reg istro profissional, 
destaca-se de form a sa lu ta r para a publicização e valorização 
daquele profissional que alia seu conhecim ento técnico e ci­
entífico com a m ora lid ad e e a honestidade , desem bocando 
indub itavelm en te na valorização da profissão de advogado 
de carreira e a proteção da categoria, m uitas vezes a tacada de 
form a injusta.
A cred itam os ser ind ispensável, p r inc ipalm en te nos tem ­
pos hod iernos, a abordagem deste tem a tão p resen te em to ­
dos os m om entos d e nossas vidas. As u n ivers idades devem 
p reocupar-se em ofertar condições físicas e in telectuais para 
busca não som ente do aprend izado técnico m as, p r inc ipalm en ­
te, buscar a qualificação m oral e ética dos profissionais que 
ingressarão no m ercado de trabalho. N ecessário se faz com o 
d iscip lina obrigatória , o ap ren d izad o d a ética profissional, 
p r in c ipa lm en te n o tra tam en to profissional do o p e ra d o r do 
d ire ito com o constitu in te, com o ou tro colega, com o ind iv í­
d u o e com a p rópria sociedade.
IMPRESSÃO:
ÍGHÂ
Mana • RS • Fone/FsK: (55] 222 3050 
vwAv.p#H@M eom.br
Com himss hméckfos.
" a força das mulheres não está nos 
músculos, mas no cérebro, na extre­
ma dedicação, na vontade de vencer. 
Essas são as armas utilizadas na ver­
dadeira guerra que vêm travando, pela 
justa conquista de espaço e pelo reco­
nhecimento de seus méritos por parte 
de toda a sociedade."
Rubens Approbate Machado
Presidente Nacional da OAB

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