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O futuro da universidade e os cursos de direito- novos caminhos para a formação profissional

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OAB ENSINO JURÍDICO – O FUTURO
DA UNIVERSIDADE E OS CURSOS DE
DIREITO: NOVOS CAMINHOS PARA
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
DIRETORIA
Roberto Antonio Busato: Presidente
Aristoteles Dutra de Araújo Atheniense: Vice-Presidente
Raimundo Cezar Britto Aragão: Secretário-Geral
Ercílio Bezerra de Castro Filho: Secretário-Geral Adjunto
Vladimir Rossi Lourenço: Diretor Tesoureiro
CONSELHEIROS FEDERAIS
AC: Marcelo Lavocat Galvão, Roberto Ferreira Rosas, Sergio Ferraz; AL: João Tenório Cavalcante,
Marcelo Henrique Brabo Magalhães, Marilma Torres Gouveia de Oliveira; AP: Adamor de Sousa
Oliveira, Guaracy da Silva Freitas, Sebastião Cristovam Fortes Magalhães; AM: Alberto Simonetti
Cabral Neto, João Thomas Luchsinger, José Paiva de Souza Filho; BA: Antônio Luiz Calmon Navarro
Teixeira da Silva, Jeferson Malta de Andrade, Newton Cleyde Alves Peixoto; CE: Antônio Cézar Alves
Ferreira, José de Albuquerque Rocha, Paulo Napoleão Gonçalves Quezado; DF: Amauri Serralvo, José
Eduardo Rangel de Alckmin, Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira; ES: Antonio José Ferreira Abikair,
Ímero Devens, Luiz Cláudio Silva Allemand; GO: Ana Maria Morais, Felicíssimo José de Sena, Thales
José Jayme; MA: José Brito de Souza, Raimundo Ferreira Marques, Ulisses César Martins de Sousa;
MT: Ana Lúcia Steffanello, Elarmin Miranda, Oclécio de Assis Garrucho; MS: Afeife Mohamad Hajj,
Elenice Pereira Carille, Vladimir Rossi Lourenço; MG: Aristoteles Dutra de Araújo Atheniense, Gustavo
de Azevedo Branco, Paulo Roberto de Gouvêa Medina; PA: Frederico Coelho de Souza, Maria Avelina
Imbiriba Hesketh, Sérgio Alberto Frazão do Couto; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Junior,
José Edísio Simões Souto, Marcos Augusto Lyra Ferreira Caju PR: Edgard Luiz Cavalcanti de
Albuquerque, José Hipólito Xavier da Silva, Lauro Fernando Zanetti; PE: Ademar Rigueira Neto,
Aluísio José de Vasconcelos Xavier, Cláudio Soares de Oliveira Ferreira; PI: Fides Angélica de Castro
Veloso Mendes Ommati, Marcelino Leal Barroso de Carvalho, Nelson Nery Costa; RJ: Alfredo José
Bumachar Filho, Márcio Eduardo Tenório da Costa Fernandes, Ronald Cardoso Alexandrino; RN:
Francisco Soares de Queiroz, Heriberto Escolástico Bezerra, Luiz Gomes; RS: Cezar Roberto Bitencourt,
Reginald Delmar Hintz Felker, Roberto Sbravati RO: Celso Ceccato, Pedro Origa Neto, Romilton
Marinho Vieira; RR: Dircinha Carreira Duarte, Ednaldo Gomes Vidal, Francisco das Chagas Batista;
SC: Gisela Gondin Ramos, Jefferson Luis Kravchychyn, Marcus Antonio Luiz da Silva; SP: Alberto
Zacharias Toron, Mauro Lúcio Alonso Carneiro, Orlando Maluf Haddad; SE: Edson Ulisses de Melo,
Manuel Meneses Cruz, Raimundo Cezar Britto Aragão; TO: Dearley Kühn, Ercílio Bezerra de Castro
Filho, Manoel Bonfim Furtado Correia.
COMISSÃO DE ENSINO JURÍDICO – 2004/2007
Presidente: Paulo Roberto de Gouvêa Medina; Vice-Presidente: José Geraldo de Sousa Júnior; Secretário:
Ademar Pereira; Membros Efetivos: Marilia Muricy Machado Pinto, Paulo Roberto Moglia Thompson
Flores; Membros Consultores: João Maurício Leitão Adeodato, Milton Paulo de Carvalho, Paulo Roney
Ávila Fagúndez, Robertônio Santos Pessoa.
Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal
OAB ENSINO JURÍDICO
O FUTURO DA UNIVERSIDADE
E OS CURSOS DE DIREITO:
NOVOS CAMINHOS PARA
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Brasília, DF - 2006
CONSELHO FEDERAL
© Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal
Distribuição:
Biblioteca da OAB/CF
Setor de Autarquias Sul - Q. 5 - Lote 2 - Bl. N - Sobreloja
Brasília - DF
CEP 70070-438
Fones: (061) 3316-9663 e 3316-9605
Fax: (061) 3316-9632
e-mail: biblioteca@oab.org.br
Tiragem: 3.000 exemplares
Capa: Susele Bezerra Miranda
Diagramação: Rodrigo Dias Pereira
Revisão: Dacio Luiz Osti
FICHA CATALOGRÁFICA
O65 OAB Ensino Jurídico - O futuro da universidade e os cursos de
direito: novos caminhos para a formação profissional. Brasília, DF :
OAB, Conselho Federal, 2006.
272 p.
ISBN 85-87260-XX-X
1. Ensino jurídico - Brasil. 2. Direito - Brasil. I. Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). Conselho Federal. Comissão de Ensino Jurídico.
CDD: 341.41507
CDU: 34.378(81)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Roberto Antonio Busato ..................................................................................... 7
À GUISA DE PREFÁCIO
Paulo Roberto de Gouvêa Medina .................................................................. 13
Parte I - Opinião
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
José Geraldo de Sousa Junior ........................................................................ 17
CRISE PARADIGMÁTICA NO ENSINO SUPERIOR: EM BUSCA DO
COMPROMISSO COM A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Magda Chamon ............................................................................................... 39
APRENDENDO DIREITO O DIREITO
Marília Muricy .................................................................................................. 57
O ENSINO JURÍDICO: REALIDADE E PERSPECTIVAS
Paulo Roney Ávila Fagúndez .......................................................................... 65
O ESTADO ATUAL DO ENSINO JURÍDICO E O PAPEL DO
EXAME DE ORDEM
Paulo R. Thompson Flores .............................................................................. 87
ENSINAR DIREITO O DIREITO
Regina Toledo Damião .................................................................................... 97
ABORDAGEM NEOCONSTITUCIONAL DO DIREITO – POR UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR E PROBLEMATIZANTE
Robertônio Santos Pessoa ............................................................................ 101
Parte II - Eventos
DISCURSO DO PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM
DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ROBERTO ANTONIO BUSATO,
NO VIII SEMINÁRIO DE ENSINO JURÍDICO DO CONSELHO FEDERAL
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL .............................................. 121
RESENHA - VIII SEMINÁRIO DE ENSINO JURÍDICO DO CONSELHO
FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Ademar Pereira .............................................................................................. 127
VIII SEMINÁRIO DE ENSINO JURÍDICO DO CONSELHO FEDERAL
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Paulo Roberto de Gouvêa Medina ................................................................ 139
SEMINÁRIO EDUCACIÓN Y FORMACIÓN PARA LA JUSTICIA (Costa Rica)
Os desafios da problemática atual no sistema universitário ibero-americano;
formação contínua e atualização profissional (o papel das Faculdades de
Direito, Escolas Judiciais, entidades de classe)
Paulo Roberto de Gouvêa Medina ................................................................ 145
Parte III - Documentos
Relatório do Grupo de Trabalho - MEC/OAB (Portarias MEC nº 3381/2004
e 484/2005) .................................................................................................... 163
Programação do VIII Seminário de Belo Horizonte ...................................... 261
Programação do IX Seminário de Goiânia ................................................... 265
7
APRESENTAÇÃO
Quero, antes de mais nada, sublinhar a importância que atri-
buo a esta publicação, que expõe e analisa uma das questões cen-
trais da vida institucional brasileira: o ensino jurídico. Considero-
o fundamental, sobretudo num país como o nosso, que tem, aci-
ma de todas as suas múltiplas carências, esta: a sede de justiça.
Justiça no sentido mais amplo do termo, que implica inclu-
são social de amplas camadas da população; e justiça no senti-
do estrito, institucional, que diz respeito à qualidade da pres-
tação jurisdicional em nosso país. Quanto a isso, a reforma do
Judiciário está longe de ter chegado a seu objetivo. E não che-
gará por si só.
De que adianta clamar por reforma, conceber novos padrões
administrativos, atualizar e racionalizar a legislação processu-
al, modernizar equipamentos,se o básico, o fundamental, o
essencial, que é a formação dos profissionais que irão atuar na
área do Direito, e manejar todos esses instrumentos, permane-
ce precária, para não dizer indigente? A verdadeira reforma
do Judiciário começa pelo saneamento do ensino jurídico. Tra-
ta-se de recompor os alicerces da profissão, corroídos pela ga-
nância dos mercadores do ensino, comprometidos tão-somen-
te com lucros fáceis, desconhecedores do sentido missionário
da educação – e do Direito.
8
Essa tem sido uma preocupação sistemática, quase obsessi-
va da OAB ao longo de sua existência. Não é casual que conste
de nosso Estatuto, artigo 44, como uma de nossas finalidades
institucionais precípuas – ao lado da defesa da Constituição e
da ordem jurídica do Estado democrático de Direito –, a luta
pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
E a principal dessas instituições, fundamento e matriz de
todas as outras, é a academia, sem a qual não há advogados,
magistrados, procuradores, promotores, delegados etc. Essa é
uma preocupação que mobilizou a mim e a meus antecessores
na OAB – e há de continuar mobilizando nossos sucessores.
Por competência legal, a OAB é chamada a se manifestar
nos processos de abertura de novos cursos, mas cabe ao Con-
selho Nacional de Educação – órgão do MEC – a última pala-
vra, independentemente do que opine a Ordem a respeito.
Quando tomei posse na presidência do Conselho Federal,
em fevereiro de 2004, os números do triênio anterior eram es-
tes: a OAB havia sido favorável à criação de 19 cursos jurídi-
cos, mas o Conselho Nacional de Educação autorizara, no mes-
mo período, apesar de nossas recomendações, nada menos que
a criação de 222 cursos – mais de dez vezes o que havíamos
recomendado.
Em 2004, das 53 autorizações do MEC, a OAB foi favorável
a quatro; em 2005, das 46 autorizações ministeriais, chancela-
mos apenas sete; e este ano, 2006, de 77 autorizações, fomos
favoráveis a apenas duas. Qual a razão de tamanha disparida-
de? Simples: a concessão de licença para a abertura desses cur-
sos, não obstante algum freio já estabelecido, continua sendo
9
moeda de troca, para atender a políticos e empresários da área
do ensino.
Trata-se de um escândalo, que levamos, no início de nossa
gestão, ao conhecimento do então ministro da Educação, Tarso
Genro, que, registre-se, mostrou-se sensível à causa – e tomou
algumas providências, colocando, como já disse, o pé no freio.
Não, porém, o suficiente para reverter o processo.
Em 1960, tínhamos no Brasil 69 faculdades de Direito. Nos
anos 90, esse número passou para 400. Hoje, funcionam regu-
larmente no País nada menos que 1 mil e 15 instituições de
ensino jurídico superior. A maioria, não hesito em afirmar, nos
termos em que mencionei.
Segundo o IBGE, 70 mil bacharéis de Direito ingressam no
mercado a cada ano. Como a maioria dos novos cursos iniciou
as atividades a partir da segunda metade dos anos 90, é fácil
imaginar que a população de bacharéis vai dobrar, ou redo-
brar, nos próximos anos.
Tudo isso seria ótimo se estivesse dentro de um padrão de
qualidade mínimo, que permitisse efetiva universalização dos
serviços judiciários, tão reclamados no país, sobretudo pela
população mais carente. Não é o caso. Quantidade sem quali-
dade gera apenas tumulto e resulta em descrédito. É o que te-
mos sustentado ao longo do tempo.
As transformações geopolíticas em curso em nosso planeta,
decorrentes do processo de globalização econômica e de avan-
ço nas telecomunicações, geram novos e complexos desafios,
no horizonte de nossa profissão. Há em torno de nós um mun-
do novo, nem sempre admirável, mas de qualquer forma con-
10
creto e incontornável, a exigir reciclagem profissional constan-
te, absorção de novos conhecimentos e de novas tecnologias.
Quem não se renova, não tem vez.
Há muitas e muitas contradições neste momento tão delica-
do e decisivo para nosso país. Mais que nunca, é preciso estar
vigilante. Mais que nunca, é preciso aprimorar-se profissional-
mente, ajustar-se aos desafios impostos pela globalização.
O Brasil não tem sido tão zeloso quanto a isso, sobretudo no
campo do Direito. Não é por outro motivo que a OAB insiste
em cobrar qualidade dos cursos de Direito, opondo-se à sua
proliferação indiscriminada.
O processo de globalização, que interconectou mercados e
acirrou a competitividade profissional, deu relevo ainda mai-
or à precariedade dos cursos superiores brasileiros, sobretudo
de Direito. A abertura dos mercados, colocando nossos profis-
sionais em concorrência direta com profissionais formados em
faculdades do Primeiro Mundo, aumenta a exigência de apuro
e especialização.
O mínimo que se espera é que o Poder Público imponha
maior rigor qualitativo aos estabelecimentos de ensino superi-
or. Mais que quantidade, deve exigir-se qualidade. Que adian-
ta aumentar o número de faculdades sem garantia de padrão
mínimo de qualidade?
Que sentido tem despejar anualmente no mercado de traba-
lho batalhões de bacharéis despreparados para os desafios cada
vez mais sofisticados da economia global? O resultado é de-
sastroso, quer para o mercado, quer para os recém-formados.
No campo do Direito, por exemplo, a carência de especiali-
11
zação de nossos profissionais, fruto da má qualidade de gran-
de parte dos estabelecimentos especializados de ensino supe-
rior, além de deteriorar a qualidade (já de si sofrível) dos servi-
ços da Justiça, favorece a invasão dos escritórios internacio-
nais de advocacia. E isso é ruim para o país, cujas demandas
no campo dos negócios multilaterais acabam sendo conduzidas
segundo a óptica dos interesses externos.
O Governo Fernando Henrique Cardoso, ao criar o chama-
do Provão – o Exame Nacional de Cursos, do MEC –, mostrou-
se consciente da necessidade de impor um padrão mínimo de
qualidade aos cursos superiores. Mas – e aí já se tem uma con-
fissão de culpa –, o Provão foi, desde o início, rejeitado por
quase todas essas instituições de ensino superior. E recebeu
tantas pressões, desde então, que, até hoje, não obstante cons-
tatada a insuficiência de numerosos cursos, nenhum teve suas
portas fechadas.
A OAB, que há anos defende a necessidade desse padrão
mínimo para o ensino superior de Direito no país, apoiou des-
de o início o Provão. Dispôs-se inclusive a tornar-se parceiro
informal do Estado (e da sociedade) nessa fiscalização. Institu-
ímos um ranking para os cursos de Direito, onde os interessa-
dos podem se informar a respeito da qualidade dos diversos
estabelecimentos, antes de cair nas malhas das arapucas de
ensino espalhadas pelo país.
É preciso garantir o interesse público. A má qualidade dos
serviços jurídicos está diretamente relacionada à má qualida-
de dos cursos de Direito, que formam não apenas advogados,
mas, como já disse, todo o elenco que atua na cena judiciária.
12
A elevação da qualidade do ensino, além de melhorar o aten-
dimento ao público, aumenta a consciência e o zelo ético de
nosso meio, uma das bandeiras mais obstinadas da OAB ao
longo de sua história. Não há dúvida de que, acima dos de-
mais fatores que possam ser relacionados pelos especialistas
para que o país possa avançar e superar suas limitações políti-
cas e socioeconômicas, sobrepõe-se este: universalização e
melhoria do padrão educacional.
Por isso, nós, da OAB, estamos empenhados em fortalecer
nossa entidade e consolidá-la cada vez mais como um instru-
mento a serviço do povo brasileiro. Cito, a propósito, e para
finalizar, o que disse, a respeito do ensino, Ruy Barbosa na cam-
panha presidencial de 1910 – portanto, lá se vão 96 anos:
“O ensino, como a justiça, como a administração, prospera
e vive mais realmente da verdade e moralidade com que se
pratica do que das grandes inovações e belas reformas que se
lhe consagram.”
E, ainda, numa afirmação de grande atualidade:
“Entrenós, todos os governos reformam o mecanismo, e
nenhum busca reformar os costumes.”
O nosso empenho é de que, no que diz respeito ao ensino
jurídico, sejam reformados os costumes. Os maus costumes,
naturalmente. Considero este um desafio permanente da OAB
– e da sociedade brasileira.
Roberto Busato
Presidente do Conselho Federal da OAB
13
À GUISA DE PREFÁCIO
Vem a lume a sétima coletânea de textos editados sob o títu-
lo OAB ENSINO JURÍDICO. Dá-se seqüência, assim, à divul-
gação do material produzido pela Comissão de Ensino Jurídi-
co-CEJU ou que se acha diretamente ligado ao seu trabalho.
O presente volume está dividido em três partes. Na primei-
ra – Opinião –, apresentam-se artigos e exposições relaciona-
dos ao tema ensino jurídico, dizendo respeito as últimas ao
VIII Seminário Nacional de Ensino Jurídico, promovido pela
CEJU, em Belo Horizonte, no mês de novembro de 2004. Cir-
cunstanciado relato do que foi aquele Seminário, seguido de
dois discursos proferidos na respectiva solenidade de instala-
ção, abre a parte seguinte – Eventos. Nesta se inclui, ainda, pa-
lestra proferida no Seminário Internacional Educación y
Formación para la Justicia, realizado em San José da Costa Rica,
em julho de 2005, onde coube ao Presidente da CEJU represen-
tar o Conselho Federal da OAB. Por fim, na última parte – Do-
cumentos –, faz-se registro da programação do Seminário de
Belo Horizonte, bem como da que foi preparada para o IX Se-
minário, a realizar-se em Goiânia, de 3 a 5 de dezembro de
2006, além de reproduzir-se o texto do relatório final do Gru-
po de Trabalho MEC/OAB constituído por meio da Portaria
nº 3.381/2004.
14
Correspondendo, pois, ao escopo da série OAB ENSINO JU-
RÍDICO, este sétimo volume cumpre dois objetivos: expressa
o pensamento dos membros da CEJU sobre a problemática do
ensino jurídico e relata o que tem sido o trabalho da Comissão,
nos últimos tempos. Em sua gestão como Presidente Nacional
da OAB, o Dr. Roberto Antônio Busato elegeu a contribuição
da Ordem ao aprimoramento do ensino jurídico no país como
uma de suas prioridades. E a Comissão de Ensino Jurídico do
Conselho Federal, composta de professores de Direito de dife-
rentes Universidades, procurou corresponder a essa orienta-
ção, dedicando-se com denodo ao trabalho sob sua responsabi-
lidade. O volume que ora se oferece à leitura dos interessados
revela um pouco do que foram, ao longo do último triênio, as
atividades da CEJU. E mostra que a OAB já tem uma tradição
firmada no campo do ensino jurídico, como um dos principais
protagonistas das ações que se vêm desenvolvendo, com vis-
tas à preservação dos seus padrões de qualidade.
Paulo Roberto de Gouvêa Medina
Presidente da Comissão de Ensino Jurídico do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
15
PARTE I
Opinião
17
RESPONSABILIDADE SOCIAL
DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
José Geraldo de Sousa Junior*
A reforma universitária e o requisito de responsabilidade
social
Uma novidade do projeto de Reforma Universitária atualmente
em discussão no Congresso Nacional é o requisito de responsabi-
lidade social atribuído às Instituições de Ensino Superior.
Nos fundamentos do projeto este requisito está inscrito na
disposição de fazer a educação superior interagir com a socie-
dade de tal forma que a qualidade acadêmica ganhe relevân-
cia social. Isso significa, nos termos da justificativa expressa no
anteprojeto de lei que trata da reforma da educação superior,
romper os muros da torre de marfim da universidade prisioneira de
si mesma por meio de um atributo essencial: a eqüidade, ou seja, a
capacidade de transferir, efetivamente, aos setores mais amplos da
sociedade, os frutos da atividade acadêmica.
* Professor da Faculdade de Direito da UnB; Vice-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conse-
lho Federal da OAB.
18
Em termos propositivos, o projeto insere, nas finalidades da
universidade, o objetivo de promover articulação com a socieda-
de, visando contribuir por meio de suas atividades de ensino, pesqui-
sa e extensão para o desenvolvimento educacional, socioeconômico e
ambiental sustentável de sua região. Ao mesmo tempo, estabele-
cendo que as instituições de ensino superior devem elaborar
seus Planos de Desenvovimento Institucional, especifica que
estes devem conter, a demonstração da relação entre o projeto pe-
dagógico, a finalidade da educação superior e o compromisso social
da instituição.
A noção de compromisso social da instituição remete ao requi-
sito de responsabilidade social. Tanto é assim que, antecipan-
do o processo próprio de reforma universitária, a Lei nº 10.861,
de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema Nacional de Ava-
liação da Educação Superior – SINAES, ao fixar o objetivo da
avaliação das instituições de educação superior, especifica como
dimensão institucional, obrigatoriamente (art. 3º, III), a respon-
sabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se
refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvi-
mento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória
cultural, da produção artística e do patrimônio cultural.
Curiosamente, desloca-se, para o campo cultural e acadê-
mico, uma notação que surgira no espaço do mercado, quando
tomou forma a incorporação dos sentimentos morais, aludindo a
essa expressão de Adam Smith, para trazer a ética ao centro da
economia.
Ainda que a forma capitalista do desenvolvimento econô-
mico tenha entrado em contradição com a dimensão política
19
da economia, revelando a impossibilidade de realização plena
de valores, particularmente de valores democráticos, pelo mer-
cado, a ilusão de consumo acabou por trazer a ética para a aferi-
ção da qualidade social dos negócios, ao menos como produto,
atribuindo a esse processo o nome de responsabilidade social.
Numa espécie de metonímia que toma o consumidor como
cidadão, as relações de consumo começaram a assumir esta di-
mensão ética como guia dos negócios e começaram a se multi-
plicar as experiências de interação produtor-consumidor pauta-
das por expectativas de atuação vinculada a princípios de trans-
parência e responsabilidade social, buscando comprometimento com a
ética e a qualidade de vida dos empregados, de suas famílias, da comu-
nidade e da sociedade (Portal de uma grande corporação brasileira).
A noção de balanço social das empresas, a idéia de comér-
cio justo (que não opere a base de trabalho escravo, trabalho
infantil, trabalho feminino em condições insalubres etc.), a cons-
tituição de fundações, campanhas, programas, institutos e ou-
tras formas de organização para o desenvolvimento de proje-
tos e para a capacitação empreendedorista, orientada por prin-
cípios éticos, passou a ser a expressão qualificada da atividade
econômica até como fator de competição na disputa por mer-
cados e por clientes.
O eixo dessa nova forma de atuação, para aludir a uma in-
dicação divulgada em publicidade de avião (meio de locomo-
ção dos empreendedores) é formar liderança responsável, por-
que líderes devem ter participação ativa na construção de um futuro
melhor, mais digno, mais transparente e mais justo.
Assim é que a própria ONU, em 1985 (Resolução nº 39/248),
20
veio a estabelecer diretrizes para a relação entre produtores e
consumidores, especificando recomendações aos governos no
sentido de que estes desenvolvessem esforços para o estabele-
cimento de normas protetoras do consumidor (O Código do
Consumidor, no Brasil, surge dessas recomendações), de modo
a incentivar altos níveis de conduta ética, para aqueles envolvidos na
produção e distribuição de bens e serviços para os consumidores.
Não é de espantar, pois, que a mais recente concessão do
Prêmio Nobel da Paz, tenha sido atribuída a um banqueiro,
sob o fundamento de que a sua ação creditícia está caracteriza-da pela inserção da ética no processo de financiamento a gru-
pos comunitários e a pequenos produtores, vinculados por um
compromisso moral quanto à responsabilidade solidária pela
dívida assumida.
A reivindicação da responsabilidade social da universida-
de, afirma Boaventura de Sousa Santos (Da Idéia de Universi-
dade à Universidade de Idéias, Pela Mão de Alice. O Social e o
Político na Pós-Modernidade, Porto, Edições Afrontamento,
1994), assumiu tonalidades distintas: Se para alguns se tratava de
criticar o isolamento da universidade e de a pôr ao serviço da socieda-
de em geral, para outros tratava-se de denunciar que o isolamento
fora tão-só aparente e que o envolvimento que ele ocultara, em favor
dos interesses e das classes dominantes, era social e politicamente
condenável.
Para o autor português, por outro lado,
Se para alguns a universidade devia comprometer-se com os
problemas mundiais em geral e onde quer que ocorressem (a
fome no terceiro mundo, o desastre ecológico, o armamentismo,
21
o apartheid, etc.), para outros, o compromisso era com os pro-
blemas nacionais (a criminalidade, o desemprego, a degrada-
ção das cidades, o problema da habitação, etc.) ou mesmo com
os problemas regionais ou locais da comunidade imediatamen-
te envolvente (a deficiente assistência jurídica e assistência
médica, a falta de técnicos de planejamento regional e urbano,
a necessidade de educação de adultos, de programas de cultu-
ra geral e de formação profissional, etc.).
O mesmo autor sustenta ter sido o movimento estudantil
dos anos 1960, o porta-voz das reivindicações mais radicais no
sentido da intervenção social da universidade e foram eles os
responsáveis por imprimir no imaginário simbólico de muitas
universidades e de muitos universitários a concepção mais
ampla de responsabilidade social (op. cit.).
Nos itens a seguir, tratarei de uma dessas dimensões mais
simbólicas, constituídas a partir do imaginário estudantil, espe-
cificando o exemplo dos estudantes de Direito que desenvolve-
ram a idéia de assessoria jurídica popular, como a expressão
mais avançada de suas expectativas de responsabilidade social
para o curso jurídico e como esse simbólico foi encampado pe-
las diretrizes curriculares da área, na configuração do instituto
da prática jurídica, em Núcleo de Prática Jurídica.
Núcleos de Prática Jurídica, Assessoria Jurídica
Comunitária e Responsabilidade Social dos Estudantes
de Direito
O Núcleo de Prática Jurídica - NPJ, como é sabido, acabou
recebendo o influxo da mobilização dos estudantes para im-
22
primir, à sua formação, a dimensão de realidade que, num pri-
meiro momento, motivada pela capacidade de intervenção dos
antigos escritórios modelos de advocacia, logo se qualificou
com a condição política do processo de assessoria jurídica
vivenciado pelos serviços de assessoria jurídica (SAJUs) que
as organizações estudantis procuravam imprimir ao modelo
de prática reivindicado curricularmente (Santos, Boaventura
de Sousa, Da Idéia de Universidade à Universidade de Idéias,
op. cit.).
Nas Faculdades de Direito esse processo surgiu dentro do
movimento que procurava integrar a extensão comunitária com
a reivindicação de responsabilidade social para as universida-
des, com nuances diversas e intencionalidades, mas em cujo
âmbito pode se aferir, lembra Boaventura de Sousa Santos (op.
cit.), outras formas de conhecimento surgidas da prática de pensar e
de agir de inúmeros segmentos da sociedade ao longo de gerações,
entre elas, de salientar, tomando como exemplo a Universida-
de de Brasília, o projeto do Direito Achado na Rua, que visa reco-
lher e valorizar todos os direitos comunitários, locais, populares, e
mobilizá-los em favor das lutas das classes populares, confrontadas,
tanto no meio rural como no meio urbano, com um direito oficial
hostil ou ineficaz.
A referência provinda de Boaventura de Sousa Santos a um
projeto que dirijo e que tem por objetivo a capacitação de as-
sessorias jurídicas de movimentos populares não é trazida aqui
com o propósito de abrir relevo para uma articulação que me
envolve pessoal e diretamente. Mas, antes, porque ela permite
refletir sobre uma ação que procura exatamente conjugar a
dupla face da prática jurídica na sua dimensão de orientação
23
política para o exercício profissional e de formação acadêmica
preparatória para esse exercício.
Com efeito, as assessorias jurídicas dos movimentos sociais
surgiram, no Brasil, a partir dos anos 60, em parte como decor-
rência dos limites políticos contidos num sistema político au-
toritário e, em parte, como reação a uma formação jurídica,
centrada num positivismo estiolante, que impedia a percep-
ção do direito como estratégia de superação de uma realidade
injusta e de exclusão social, fazendo do formalismo legal um
obstáculo à emergência de novos direitos.
Em todo caso, elas foram ajustando o seu perfil de atuação
para concretizar objetivos emancipatórios e de concretização
de Direitos Humanos, mediante, salientam Adriana Andrade
Miranda e Luciana Silva Garcia (Assessoria Jurídica em Tem-
pos de AIDS, in Mendes, Soraia da Rosa (Org.), Aids e Direitos
Fundamentais. Estratégias Jurídicas de Efetivação dos Direi-
tos Fundamentais das Pessoas que (con)vivem com HIV, Porto
Alegre, GAPA/RS, 2005), a co-relação entre educação, auto-orga-
nização, mobilização social e ocupação dos espaços para criação e im-
plementação de políticas públicas.
Novos projetos de intervenção, numa contínua reconceitu-
ação da assessoria jurídica na perspectiva do uso emancipatório
do Direito são elaborados, deles transparecendo a percepção de
que a emancipação das pessoas envolvidas no trabalho (de assessoria
jurídica), promovendo o acesso à informação e reflexão sobre o Direi-
to, leva a que as comunidades possam, se assim quiserem, desen-
volver ações políticas e jurídicas necessárias à satisfação dos anseios
por um novo direito (Rocha, José Cláudio, Projeto de Assessoria
24
Jurídica Popular às Organizações e Movimentos Populares na
Bahia – AATR – 2004 a 2007, Revista da AATR – Associação de
Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, ano III, nº 3 – de-
zembro de 2005).
Por isso, como lembra Eduardo Guimarães de Carvalho (Ci-
dadania em Horário Integral, Ciência Hoje, v. 12, nº 71, março
de 1991), as assessorias jurídicas dos movimentos sociais tive-
ram muita importância na construção de uma prática que sus-
tentou a crítica ao autoritarismo, devendo ser consideradas,
sobretudo porque atuaram, em primeiro lugar, na esfera da
defesa dos direitos civis e políticos, envolvendo-se, então, com
a arbitrariedade das prisões políticas e dos inquéritos milita-
res; em segundo lugar, porque estenderam sua atuação para o
campo dos direitos sociais e econômicos; abrindo, assim, o en-
sejo para a difusão de um direito, verdadeiramente, insurgente
(Pressburger, Miguel, Direito Insurgente, Instituto de Apoio
Jurídico Popular, IAJUP, Rio de Janeiro, 1988).
O mesmo autor, na linha traçada por outros estudiosos
(Lopes, José Reinaldo de Lima, Direito, Justiça e Utopia, IAJUP,
Rio de Janeiro, 1988; Campilongo, Celso Fernandes, Assistên-
cia Jurídica e Realidade Social: Apontamentos para uma
Tipologia dos Serviços Legais, IAJUP, Coleção Seminários, Rio
de Janeiro, v. 15, 1991; idem, Acesso à Justiça e Formas Alterna-
tivas de Resolução de Conflitos em São Bernardo do Campo,
Revista Forense, v. 315, 1991; Alfonsin, Jacques Távora, Asses-
soria Jurídica Popular. Breves Apontamentos sobre sua Neces-
sidade, Limites e Perspectivas, Revista do SAJU – Para uma
Visão Crítica e Interdisciplinar do Direito, v. 1, Porto Alegre,
UFRGS, Faculdade de Direito, dez.-1998), sem embargo das
25
contradições que identifica, acaba propondo algumas caracte-
rísticas que designam a sua atuação: criatividade, advento de
novas relações entre advogados e clientes, descrença no Judi-
ciário,respeito às práticas populares, conscientização, partici-
pação e crítica às práticas paternalistas.
Não cabe aqui o exame em pormenor desse modelo de atu-
ação profissional, senão para indicar que, na mesma conjuntu-
ra e num contexto de crítica teórica à formação jurídica (Lyra
Filho, Roberto, Para um direito sem dogmas, Sergio Antonio
Fabris Editor, Porto Alegre, 1980; O Direito que se ensina erra-
do, Centro Acadêmico de Direito da UnB, Brasília, 1980; O que
é Direito, Editora Brasiliense, São Paulo, 1982), o próprio mo-
vimento estudantil de Direito, inspirado no processo de asses-
soria jurídica popular, abriu em seus encontros nacionais de
estudantes de Direito um espaço problematizador das práti-
cas jurídicas estudantis, criando um fórum (ENAJU) para colo-
car a questão da participação do estudante, futuro profissional do
Direito, em trabalhos comunitários de assessoria no sentido da reali-
zação da práxis social dos novos juristas (Relatório do Núcleo de
Assessoria Jurídica em Direitos Humanos e Cidadania, Uni-
versidade de Brasília, Decanato de Extensão, Cadernos de Ex-
tensão, 2º semestre de 1993).
O Relatório supra, resultado de um projeto de extensão de-
senvolvido por estudantes de Direito da UnB, registra o acom-
panhamento que deram a uma comunidade de moradores de
área não regulamentada do Distrito Federal para assegurar o
seu direito de morar e de como, nessa experiência, institucio-
nalizaram como trabalho de parceria que envolveu a Secreta-
ria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da Justiça,
26
um núcleo de prática jurídica e escritório de direitos humanos e cida-
dania, antecipando um modelo que somente depois, no final
de 1994 (Portaria MEC 1.886), seria universalizado em diretri-
zes curriculares para os cursos de Direito.
Nesse relatório os estudantes fazem a distinção entre assis-
tência judiciária e assessoria jurídica, caracterizam a forma
organizativa de escritório modelo que serviu de formato à pri-
meira e distinguem desse modelo o núcleo de prática jurídica
que serve de formato para a segunda. Tendo como fundamen-
to teórico os pressupostos de O Direito Achado na Rua, os au-
tores do Relatório especificam a distinção em termos que vale
a pena reproduzir até por conta da circulação restrita do docu-
mento (p. 3-4):
É reconhecidamente importante este tipo de trabalho em nível
estudantil, mas é necessário que façamos a distinção entre as-
sessoria jurídica e assistência judiciária, os dois pilares da ati-
vidade de extensão desenvolvida por estudantes de Direito.
A assistência judiciária, geralmente prestada pelos escritórios
modelo das faculdades, tem a função de dar um amparo legal
gratuito às pessoas carentes que não podem pagar um advo-
gado para resolver as suas demandas. Essa atividade visa tam-
bém ministrar ensino jurídico prático aos alunos do curso de
Direito. Como se vê, este tipo de assistência seria quase que
estritamente profissional. Advocatícia, não fosse o seu caráter
de extensão universitária, que proporciona o contato, ainda que
superficialmente, com a realidade social.
Ocorre que, não obstante a sua importância, a assistência judi-
ciária desenvolve de fato um contato muito reduzido com a co-
munidade devido à sua metodologia de trabalho individualizante,
que se esgota com a prestação de um serviço legal imediato,
27
assumindo um caráter um tanto paternalista, pois, na maioria
dos casos, não se procura educar as pessoas para o exercício
de sua cidadania. Além do que, um trabalho individualizante
tem uma abrangência muito limitada e incapaz de dar resposta
às novas demandas sociais, quando se constata a emergência
de novos sujeitos coletivos e grupos marginalizados do proces-
so produtivo, impedidos de exercerem a sua cidadania e de
verem seus direitos reconhecidos e respeitados.
Sendo assim, é objetivo da assessoria jurídica suprir essa ca-
rência deixada pela assistência judiciária, no que tange a esta-
belecer uma relação de um diálogo mais intenso com a socie-
dade, preferencialmente os grupos excluídos. Esse ponto é, a
nosso entender, o que difere as duas atividades acima citadas.
Pela sua própria natureza, portanto, a assessoria jurídica é um
trabalho que dá condições efetivas ao estudante de Direito de-
senvolver e exercitar a sua práxis social. E por práxis entende-
mos, não apenas a face técnico-prática do Direito, mas, sobre-
tudo, a capacidade criativa de reflexão do fenômeno jurídico a
partir de um contato direto com a realidade social, fonte materi-
al deste fenômeno. O sentido da práxis envolve, portanto, a in-
serção nos contextos sociais e não somente um mero contato
distante, a partir da prestação de um serviço profissional, técni-
co a representantes individualizados desses contextos.
O trabalho de assessoria jurídica é mais abrangente, uma vez
que o apoio prestado visa em última instância à emancipação e
à autonomia dos grupos sociais oprimidos por meio da educa-
ção para a cidadania. Pretende-se instrumentalizar as necessi-
dades da sociedade, mas busca-se também estimular a sua
organização e o seu fortalecimento para que ela possa, de ma-
neira autônoma, desenvolver os meios para reivindicar seus
direitos e sanar as suas carências do cotidiano, constituindo-se
pois como sociedade civil. O mesmo poderia ser dito com rela-
ção ao estudante de serviço social e de outros cursos de gradu-
28
ação, que pelas mesmas razões devem ter como objetivo
prioritário esta práxis.
Reforçando o sentido de práxis social, a assessoria jurídica tem
o objetivo de desenvolver linhas de pesquisa a partir desse diá-
logo com os grupos sociais, para identificar e fundamentar nes-
sas novas demandas o seu Direito insurgente. Há de fato toda
uma gama de direitos em processo de reivindicação, fundados
na experiência social dos sujeitos, individuais ou coletivos, e na
legitimidade de sua proposta, todavia, carentes do olhar esta-
tal-legal que laconicamente os despreza com a assertiva de que
fora da lei não há Direito. É pertinente, pois, que se desenvolva
esse tipo de trabalho sobre uma realidade, a qual não pode
escapar ao alcance do jurista, que procura realizar sua práxis,
orientando sua formação profissional com um conhecimento
mais aprofundado do fenômeno jurídico…
Nas conclusões, os estudantes representam teoricamente a
resultante substantiva de sua atuação enquanto reconhecimento
de Direito, caracterizando a moradia como a materialidade ju-
rídica realizada pela subjetividade coletiva que lhe dá origem.
Tudo isso num contexto de pré-reconhecimento constitucional
do direito de morar, só depois, de modo positivo, incorporado
à Constituição (Sousa Junior, José Geraldo de, e Costa, Alexan-
dre Bernardino, Introdução, Direito à Memória e à Moradia.
Realização de Direitos Humanos pelo Protagonismo Social da
Comunidade do Acampamento da Telebrasília, Faculdade de
Direito da UnB/Secretaria de Estado de Direitos Humanos-
MJ, Brasília, 1998; idem, Noleto, Mauro Almeida, Práticas Jurí-
dicas – Uma Reflexão sobre Prática Jurídica e Extensão Uni-
versitária).
29
Nova cultura nas Faculdades de Direito
As diretrizes curriculares atualmente em vigor são decor-
rentes desse movimento formidável de crítica teórica e política
que trouxe à realidade pedagógica um desenho criativo para
aquelas figuras de futuro mencionadas no início deste trabalho.
Por mais desiguais que sejam as formas de implementação
dos Núcleos de Prática Jurídica nas Faculdades de Direito, a
expansão dos cursos, atualmente superando a casa de 1.000,
acabou proporcionando um número significativo de experiên-
cias exemplares que vêm balizando uma nova cultura de res-
ponsabilidade social nas Faculdades de Direito.
O próprio MEC deu-se conta do potencial emancipatório
latente na prática jurídica das Instituições de Ensino Superior
e tratou de organizar um seminário em Brasília para mapear e
conhecer as experiênciasexistentes, identificar formas de atu-
ação, as possibilidades de ação em redes interinstitucionais e
as aberturas epistemológicas para exercitar a interdisciplinari-
dade. O projeto Reconhecer lançado pelo MEC, após a realiza-
ção do seminário teve, exatamente, a finalidade de estimular
Núcleos de Prática Jurídica nos cursos de Direito, com a preo-
cupação de incentivar essa nova cultura e de fomentar e promo-
ver ações que venham a estabelecer caminhos para a formação cidadã
dos estudantes, orientada pelos Direitos Humanos.
Trata-se, pode-se ver, de um esforço considerável para inse-
rir indicadores de qualidade no desenvolvimento de cursos
jurídicos, ajustando-os à exigência de compromisso social con-
tidas na proposta atualmente em curso de reforma da educa-
30
ção superior, segundo a qual, além de prever que a educação é
bem público, estabelece também que ela cumpre função social,
concretizada por meio daqueles compromissos.
A reforma ainda é um projeto em debate no Congresso Na-
cional, porém, como procede de fortes consensos já pactuados
no plano político, esses valores emancipatórios orientam as
atividades da educação superior e, em boa medida, já se fazem
exigíveis por disposições que presidem o processo de
credenciamento das instituições e de autorização, reconheci-
mento e avaliação dos cursos superiores.
No componente específico de aferição de desempenho dos
cursos, o Exame Nacional de Desempenho Docente – ENADE,
resgatando o que já se fazia no antigo Exame Nacional de Cur-
sos (“Provão”), aprofunda a verificação do desenvolvimento
das competências e habilidades que os alunos devem adquirir
a partir dos eixos de formação fundamental, profissional e prá-
tica, por meio de uma prova (Portaria INEP nº 125/06, área de
Direito) que tomará como referência um perfil de graduando
com sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de
análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e
sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente
a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica,
indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da Jus-
tiça e do desenvolvimento da cidadania (art. 5º).
São condições que armam o estudante para desenvolver
competências e habilidades, não somente cognitivas, mas, igual-
mente, atitudinais e afetivas, sem o que não poderá ele dar-se
31
conta das alterações paradigmáticas que movem continuamente
o seu horizonte de referêncas sociais e epistemológicas. A prá-
tica é, sem dúvida, o catalizador ressignificante dessas altera-
ções e, no caso do Direito, é a assessoria jurídica o seu princi-
pal instrumento mediador.
Cloves dos Santos Araújo relata, com precisão, a partir da
consideração de sua própria prática num exercício de assesso-
ria, a intrasubjetivação desse processo, num depoimento que
é, simultaneamente, analítico e existencial (Os Conflitos Agrá-
rios e os Limites da Atuação do Judiciário, Observatório da
Constituição e da Democracia, caderno mensal concebido, pre-
parado e elaborado pelo Grupo de Pesquisa Sociedade, Tem-
po e Direito – Faculdade de Direito da UnB – Brasília, nº 7,
setembro de 2006, p. 20):
A pesquisa está fundamentada teoricamente em reflexões de
autores contemporâneos acerca da crise de paradigmas, na pers-
pectiva de uma transição paradigmática e que nos apresentam
os movimentos sociais como novos personagens que entraram
em cena como alternativa ao modelo em crise que termina.
Parti da observação de uma sociedade em crise, uma crise to-
tal, global, que atinge todas as instituições modernas, tais como:
a política, a cultura, a economia, a família, a escola, o mercado,
a vida pública e privada. Crise da ciência moderna, crise do
Direito e de seus fundamentos, notadamente a crise do Judici-
ário que, de forma especial, é destacada na pesquisa.
Estamos no limiar do século XXI com uma concentração fundiária
que chega a envergonhar o País perante a comunidade inter-
nacional. Dessa lógica de distribuição da terra, nasce o latifún-
dio improdutivo, situação que é revelada pelo Cadastro Nacio-
nal do INCRA, de 1996, ao demonstrar que a área improdutiva
32
dentro de latifúndios com mais de 1.000 hectares é equivalente
à soma dos territórios da França, Alemanha, Espanha, Suíça e
Áustria.
O trabalho foi guiado por uma reflexão acerca da influência do
moderno modelo científico de pensar e praticar o Direito. Refe-
rido modelo é pautado basicamente pelo culto ao direito de pro-
priedade na sua versão exclusivista. Busquei mostrar que es-
sas práticas não constituem unanimidade no Judiciário, uma
vez que não se trata de um poder monolítico. Nesse sentido
notei, ao longo do trabalho, exemplos de mudança significativa
da cultura jurídica que, influenciada pela pressão dos movimen-
tos sociais, vem introduzindo formas interpretativas que bus-
cam amoldar os dispositivos da legislação infraconstitucional à
luz dos valores consagrados pelos ventos da democracia parti-
cipativa e pelo novo constitucionalismo, numa perspectiva de
efetividade do Estado Democrático de Direito.
A disposição assumida pelo protagonismo profissional de-
riva, tal como se vê deste depoimento, do despertar da visão
crítica proporcionada pelos Núcleos de Prática Jurídica à me-
dida que puderam assimilar em seu projeto pedagógico a con-
dição, diz André Macedo de Oliveira, de espaço alternativo de
construção de um direito crítico, que deve servir como instrumento
de libertação e não de opressão (Ensino Jurídico. Diálogo entre
Teoria e Prática, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre,
2004). E é exatamente a assessoria jurídica popular realizada atra-
vés dos Núcleos de Prática Jurídica como forma de prestar à comuni-
dade orientações sobre seus direitos, ele prossegue, que vai permi-
tir, sobretudo em demandas coletivas, desenvolver um traba-
lho cooperativo e solidário, que poderá despertar uma visão crítica do
direito e da realidade social nos estudantes.
33
Presta-se o NPJ, assim, no seu modelo de articulação de teo-
ria e prática, a sustentar um sistema permanente de ampliação do
acesso à justiça (Sousa Junior, José Geraldo de; e Costa, Alexandre
Bernardino, Introdução, in Machado, Maria Salete Kern e Sousa, Nair
Heloisa Bicalho de, Ceilândia: Mapa da Cidadania. Em rede na
defesa dos direitos humanos e na formação do novo profissio-
nal do direito, Faculdade de Direito da UnB/Secretaria de Esta-
do de Direitos Humanos/MJ, Brasília, 1998), abrindo-se a temas
e problemas críticos da atualidade, dando-se conta, ao mesmo
tempo, das possibilidades de aperfeiçoamento de novos institu-
tos jurídicos para indicar novas alternativas para sua utilização.
Vem daí a lição da realidade como aprendizado de respon-
sabilidade social, numa nota de sensibilidade que permite re-
conhecer o sofrimento e as esperanças das pessoas que nos cercam e
saber o que é possível fazer para acabar com a crueldade das exclusões
sociais (Dourado, Heloisa Helena Figueira, Considerações Pre-
liminares sobre Voluntariado: pequeno relato da experiência
com trabalhos voluntários no Núcleo de Prática Jurídica da
Faculdade de Direito da UnB (Ceilândia/DF), in Sousa Junior,
José Geraldo de (Org.), Colaboradores Voluntários do Núcleo
de Prática Jurídica, Coleção O que se pensa na colina, v. 2, Fa-
culdade de Direito da UnB/CESPE, Brasília, 2002).
O Direito Achado na Rua: uma experiência prospectiva
carregada de compromisso social
“O Direito Achado na Rua”, expressão criada por Roberto
Lyra Filho, designa uma linha de pesquisa e um curso organi-
zado na Universidade de Brasília, para capacitar assessorias
34
jurídicas de movimentos sociais e busca ser a expressão do pro-
cesso que reconhece na atuação jurídica dos novos sujeitos co-
letivos e das experiências por eles desenvolvidasde criação de
direito, a possibilidade de: 1) determinar o espaço político no
qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos
ainda que contra legem; 2) definir a natureza jurídica do sujeito
coletivo capaz de elaborar um projeto político de transforma-
ção social e elaborar a sua representação teórica como sujeito
coletivo de direito; 3) enquadrar os dados derivados destas
práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas cate-
gorias jurídicas.
O que o processo visa, é entender o direito como modelo de
legítima organização social da liberdade. Isto é, perceber, con-
forme indica Roberto Lyra Filho, que o direito se faz no processo
histórico de libertação enquanto desvenda precisamente os impedimen-
tos da liberdade não-lesiva aos demais. Nasce na rua, no clamor dos
espoliados e oprimidos e sua filtragem nas normas costumeiras e legais
tanto pode gerar produtos autênticos (isto é, atendendo ao ponto atual
mais avançado de conscientização dos melhores padrões de liberdade
em convivência) quanto produtos falsificados (isto é, a negação do di-
reito do próprio veículo de sua efetivação, que assim se torna um orga-
nismo canceroso, como as leis que ainda por aí representam a chancela
da iniqüidade, a pretexto da consagração do direito) (Lyra Filho,
Roberto, O que é Direito, Editora Brasiliense, São Paulo, 1982).
A rua aí, evidentemente, uma metáfora do espaço público,
do lugar do acontecimento, do protesto, da formação de novas
sociabilidades e do estabelecimento de reconhecimentos recípro-
cos na ação autônoma da cidadania (autônomos: que se dão a si
mesmos o direito). É, como diz Marshall Berman (Tudo que é
35
sólido desmancha no ar, Editora Companhia das Letras, São
Paulo, 1987), o espaço de vivência que, ao ser reivindicado para
a vida humana transforma a multidão de solitários urbanos em povo.
Por isso ela é um lugar simbólico, a impregnar o imaginário
da antropologia e da literatura, em arranjos sutis de natureza
explicativa dos acontecimentos. Assim, em Roberto da Matta
(A casa e a rua, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985), que faz a
articulação dialética entre a “casa” e a “rua” para esclarecer
comportamentos culturais. Ou, como na poesia, sempre em
antecipação intuitiva de seu significado para a ação da cidada-
nia e da realização dos direitos, como em Castro Alves (“O
Povo ao Poder”) e em Cassiano Ricardo (“Sala de Espera”). Do
primeiro, são conhecidos os versos: A praça! A praça é do povo/
Como o céu do condor/ É o antro onde a liberdade/ Cria águias em seu
calor./ Senhor! pois quereis a praça?/ Desgraçada a populaça/ Só tem
a rua de seu ... /. Do segundo, de forma não menos expressiva:
... Mas eu prefiro é a rua./ A rua em seu sentido usual de ‘lá fora’./
Em seu oceano que é ter bocas e pés para exigir e para caminhar/ A
rua onde todos se reúnem num só ninguém coletivo./ Rua do homem
como deve ser/ transeunte, republicano, universal./ onde cada um de
nós é um pouco mais dos outros/ do que de si mesmo./ Rua da reivin-
dicação social, onde mora/ o Acontecimento ...
O que se vê aí, em última análise, é a recuperação, no dizer
de J. J. Gomes Canotilho, de um impulso dialógico e crítico que
hoje é fornecido pelas teorias políticas da justiça e pelas teorias críti-
cas da sociedade, que vai permitir, num apelo à ampliação das
possibilidades de compreensão e de explicação dos problemas
fundamentais do direito o olhar vigilante das exigências do direito
justo e amparadas num sistema de domínio político-democrático ma-
36
terialmente legitimado para abrir-se a outros modos de compreen-
der as regras jurídicas, e que incluam, diz ele, as propostas de en-
tendimento do direito como prática social e os compromissos com for-
mas alternativas do direito oficial como a do chamado direito acha-
do na rua, compreendendo, nesta última expressão, acrescen-
ta, um importante movimento teórico-prático centrado no Brasil
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Editora
Almedina, Coimbra, 1998).
Aqui, não se trata de recuperar essa experiência, forte na
transformation du sens même de l’enseignement du droit (Arnaud,
André-Jean, Lê droit trouvé dans la rue, revue Droit et Société,
nº 9, LGDJ, Paris, 1988; Paixão, Cristiano, Pour une topographie
des savoirs dans l’enseignement du droit: chronique d’une
expérience, revue Droit et Société, nº 60, LGDJ, Paris, 2005), de
resto bem documentada (Sousa Junior, José Geraldo de (Org.),
Introdução Crítica ao Direito, Série O Direito Achado na Rua,
v. 1, Editora UnB, Brasília, 1987, 1ª edição). Cuida-se de exami-
nar um de seus aspectos propositivos.
Refiro-me a um projeto, assentado no Núcleo de Prática Ju-
rídica da Faculdade de Direito da UnB, com fundamentação
teórica em O Direito Achado na Rua, e que abre aos estagiários
não só do NPJ, mas de diferentes programas, notadamente de
extensão da Faculdade, a possibilidade de exercitar a assesso-
ria jurídica, num projeto de consultoria que responde a ques-
tões propostas por leitores de um jornal da cidade.
Esse projeto está bem descrito na monografia de conclusão
de curso de Tatiana Margareth Bueno (Projeto UnB/Tribuna
do Brasil-Coluna O Direito Achado na Rua: Ensino, pesquisa e
extensão pela hegemonia da Universidade, Brasília, 2006). No
37
momento em que escrevo, a coluna completa 1 ano e 7 meses,
compreendendo uma página semanal de um jornal diário de
Brasília. São, neste instante, 80 artigos, com mais de 100 auto-
res, todos estudantes de graduação da Faculdade de Direito
(admite-se a participação de alunos de outros cursos e até de
outras instituições, desde que em co-autoria com um aluno da
Faculdade de Direito). Na preparação dos textos, como dito,
respondendo a perguntas de leitores, mas também derivadas
de diferentes projetos de extensão da Faculdade, um coletivo
organizado em listas de discussão e numa disciplina de con-
teúdo variável (Prática e Atualização do Direito), neste caso,
denominada O Direito Achado na Rua – Produção de Textos,
leva à redação final dos artigos, depois de selecionadas as ques-
tões, num trabalho com orientação docente e monitoramento
de estudantes de pós-graduação.
Têm sido importantes os impactos desse trabalho (está em
preparado um livro – A Teoria na Prática – reunindo todos os
textos do período e reflexões de professores e instrutores so-
bre a prática jurídica), não poucas vezes chamando a atenção
de parlamentares distritais, que comentam da tribuna da As-
sembléia matérias da coluna e de outros comentaristas (uma
autora recebeu mensagem do Reitor de congratulação em ra-
zão de tema desenvolvido na coluna). A própria Faculdade foi
recentemente agraciada com a Ordem do Mérito Judiciário do
Trabalho (TST), tendo sido a comenda concedida, principal-
mente, pela relevância do trabalho da coluna.
As abordagens, aliás, têm proporcionado a tomada de posi-
ção por parte dos alunos-autores em situações jurídicas no li-
mite hermenêutico, por exemplo, quando os alunos, antes da
38
decisão do Supremo Tribunal Federal, viram a possibilidade
constitucional de progressão de regime de pena de preso con-
denado por crime hediondo, ao responderem à pergunta do
presidiário neste sentido; ou, quando sustentaram a razoabili-
dade jurídica, contra legem, da união estável entre pessoas de
mesmo sexo. O que se depreende de posicionamentos assim
descritos é a acentuada disposição dos alunos de não só irfor-
marem os leitores, mas de atribuir aos comentários um sentido
emancipatório à consideração dos problemas, dando ao Direi-
to uma dimensão realizadora da cidadania.
Presente nesta disposição, o sentido de engajamento comuni-
tário que se busca atingir e que representa uma aposta na democra-
cia como processo de participação, de organização social, de cidadania
e, conseqüentemente, de inclusão social, pois, é no âmbito comunitá-
rio que as pessoas constroem as suas relações sociais e participamde
forma mais efetiva das decisões políticas (Miranda, Adriana; e
Tokarski, Carolina, Projeto Promotoras Legais Populares, Ob-
servatório da Constituição e da Democracia, Caderno mensal
concebido, preparado e elaborado pelo Grupo de Pesquisa So-
ciedade, Tempo e Direito, da Faculdade de Direito da UnB, nº
6, Brasília, agosto de 2006).
Certamente, a prática jurídica nas Faculdades de Direito, no
NPJ, não significa o abandono da tradicional assistência judici-
ária dos antigos escritórios modelo de advocacia, mas, enquanto
ela não se incorpore da experiência da assessoria jurídica po-
pular, ela jamais será emancipatória, nem os seus operadores
lograrão exercer o sentido pleno de responsabilidade social que
dá significado às transformações em cursos no ensino superior
brasileiro.
39
CRISE PARADIGMÁTICA NO ENSINO SUPERIOR:
EM BUSCA DO COMPROMISSO COM
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Magda Chamon*
Contextualização
A crise de qualidade do ensino superior no Brasil, acentua-
da nas últimas décadas do século XX, tem dado visibilidade às
inconsistências e contradições que subjazem à formulação de
políticas públicas nacionais dessa modalidade de ensino. A
expansão do ensino superior, pouco articulada com os órgãos
executivos ou normativos dos sistemas de ensino, vem ocor-
rendo ao sabor de ênfases, oscilações e evoluções que refletem
por um lado as reformas educacionais do país e, por outro, as
demandas da realidade social.
* Professora do Curso de Mestrado em Direito das Instituições Políticas da Universidade FUMEC, Pes-
quisadora, Coordenadora do Projeto Veredas Universidade FUMEC/SEE/MG, consultora de currículo e
projetos educacionais.
** Este artigo é originário da palestra proferida no VIII Seminário Ensino Jurídico do Conselho Federal da
OAB, Belo Horizonte, 04/09/2004 na mesa-redonda “A Reforma Universitária e o Curso de Direito”, sob a
presidência do professor Rosemiro Pereira Leal (Presidente da Comissão de Ensino Jurídico OAB Minas
Gerais).
40
Esse cenário desarticulado e desagregador, em uma de suas
faces, impõe-nos a necessidade do desenvolvimento de um
processo permanente de questionamento e interpretação da
realidade, em busca de sua compreensão. O exercício intelec-
tual possibilita a todos os que militam em um dado campo do
saber e, em nosso caso específico de professores do ensino su-
perior, analisar, compreender e assumir a tarefa de conduzir
os diferentes segmentos acadêmicos, estabelecendo relações
alicerçadas nas razões históricas, de forma a propiciar um me-
lhor entendimento do presente.
Cada um, instrumentalizado por essa compreensão, poderá
incorporar em sua concepção de mundo e de ciência, e em sua
prática no mundo, a responsabilidade de transformá-lo.
Visão paradigmática e organização do conhecimento
Um dado ideário de educação contempla referências teóri-
cas, conceitos, procedimentos e habilidades de diferentes cam-
pos do conhecimento, e esses, por sua vez, dependem de uma
determinada concepção de mundo que, por sua óptica, decidi-
rá os métodos e as estratégias que considerar mais eficientes
para atingir seus objetivos. Isso significa que não há um e sim
vários ideários de educação e, portanto, várias formas de se
entender e praticar a relação pedagógica.
A prática pedagógica nada mais é que a materialização de
relações sociais e isso significa que uma dada concepção de
mundo e de ciência está estreitamente vinculada à dimensão
instrumental e social desenvolvida numa sociedade concreta e
41
historicamente situada e que, portanto, não é neutra ou impar-
cial, mas uma ação política a serviço de determinada visão de
mundo ou paradigma, aqui entendido como “a constelação de
crenças, valores e técnicas partilhada pelos membros de uma
comunidade científica” (Kuhn, 1994, p. 225)1.
Assim, a forma como o processo educativo é desenvolvido
traduz a concepção de ciência e o conhecimento de teorias de
aprendizagem implícitas e subjacentes às propostas utilizadas.
Os limites e as insuficiências do pensamento reducionista e
simplificador herdados dos desdobramentos do racionalismo
iluminista geraram um saber fragmentado e um processo de
especialização acentuado que se traduziu em compartimenta-
lização dos bens culturais e em unidades estanques do saber.
Dessa maneira, cada área do conhecimento, cada disciplina
do currículo escolar passa a ser uma maneira de organizar e
delimitar um território de trabalho e passa a oferecer uma ima-
gem, também, reduzida e simplificada da realidade, isto é, da-
quela parcela que faz parte de seu ângulo de percepção.
A organização curricular que hoje conhecemos teve sua
matriz a partir da Revolução Industrial, quando o processo de
divisão técnica e social do trabalho referente tanto à produção
como à distribuição de bens materiais e culturais passou a ser
reproduzido no interior dos sistemas educacionais.
Justificou-se, a partir de então, no mundo ocidental, um des-
dobramento exacerbado dos objetos do saber científico. Pro-
gressivamente, abriram-se caminhos para a especialização das
1 KUHN, T. S. As Estruturas das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1994.
42
ciências. Isso culminaria na perda da visão de unidade e diver-
sidade presentes na realidade e, portanto, na tentativa irres-
ponsável de definição rígida e pulverizada das fronteiras da
ciência.
Essa parcelarização das fronteiras do saber tem produzido
inúmeros descompassos na cultura escolar e no processo de
construção do conhecimento dos aprendizes que passam a acu-
mular, em suas mentes, um número infindável de fragmentos
sem aprender a estabelecer relações entre eles e, mais, entre os
fragmentos e a realidade viva e dinâmica. Dessa forma, gran-
de número de docentes continua privilegiando a velha manei-
ra como foram ensinados, reforçando a aprendizagem repeti-
tiva e descontextualizada, distanciando o estudante do pro-
cesso de construção do conhecimento e do desenvolvimento
de aprendizagens significativas, enfim, propiciando a manu-
tenção de um modelo de sociedade que produz sujeitos que
priorizam o discurso da autoridade, despreparados para criar,
pensar, construir e reconstruir dialeticamente os bens cultu-
rais e o conhecimento.
A reforma do ensino superior no Brasil: fechando
o cerco para a produção do saber
Em nosso caso específico, no entanto, não poderíamos dis-
cutir a crise do ensino superior no País sem analisarmos al-
guns efeitos da reforma de ensino de 1968, traçada sob a égide
da ideologia da Segurança Nacional adotada pelo governo
militar e realizada sob a proteção do Ato Institucional nº 5 e do
Decreto nº 477, com o objetivo de resolver a “crise estudantil”.
43
Antes desconsiderado, o ensino superior converteu-se, mo-
mentaneamente, em questão política e social de primeira gran-
deza e precisava ser reformado para suprimir o movimento de
contestação dos estudantes. A universidade, então, foi recriada
sob a lógica da grande empresa, ou seja: criar técnicos distancia-
dos dos problemas sociais e políticos, impedir a reflexão e o pen-
samento crítico, bloquear o desenvolvimento da autonomia e
da possibilidade de decisão, controle e participação, tanto no
plano da produção material, quanto intelectual (cf. Chauí, 2001)2.
Ao ensino superior reformado foi conferido o papel de
reprodutor da ideologia e das relações de classe e de produtor
de uma prática social e de um saber ainda mais parcelarizado.
A fragmentação da universidade ocorre em todos os seus seg-
mentos, tanto na carreira docente como na administrativa e
nos cargos de direção.
Os currículos dos cursos perdem a ênfase na formação hu-
mana e ganham um caráter tecnicista, centrado em habilita-
ções que sintetizavam uma formação aligeirada de profissio-
nais que viriam a ser os especialistas, treinados para o desem-
penho de funções técnicas, desvinculadas entre si. Os princípi-os do taylorismo são retomados de forma deliberada, produ-
zindo, nos aprendizes em formação, a separação entre as tare-
fas de decisão e execução e uma visão fragmentada e distorcida
do saber e da realidade social.
Essa cientifização e tecnificação do ensino, a organização
burocrático-administrativa, a centralização e a tutela curricular
2 CHAUÍ, M. S. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: UNESP, 2001, p. 47.
44
fundadas nos princípios do medo e da negação alicerçaram-se
pela prática competitiva e alimentaram a construção de uma
escola cada vez mais distanciada do mundo real e da vida.
O ensino superior brasileiro, produzido a partir daquele
projeto nacional, assumiu para si a tarefa de promover a distri-
buição de um conhecimento patrulhado, dividindo-o, dosan-
do-o e administrando-o em lugar de promover um saber con-
sistente e instituinte de reflexões e significados sobre as ques-
tões sociais, econômicas, políticas e culturais do País.
Desvinculando educação e saber, a Reforma de 1968 reve-
lou que o papel do ensino e da pesquisa não é produzir conhe-
cimento e cultura, estimular o uso da curiosidade e da investi-
gação como atitude de vida, propiciar o acolhimento ao novo,
desenvolver formas de repensar e de refazer em face do ines-
perado, mas sim espaço de adestramento de mão-de-obra para
o mercado de trabalho e de criação de incompetentes sociais e
políticos.
Várias foram as diretrizes contidas no corpo da Reforma de
1968 (cf. Chauí, 2001)3, cujas linhas mestras pautavam-se na
necessidade de aniquilamento da cultura “rebelde”, substitu-
indo-a por uma “cultura do silêncio” com objetivos utilitaristas
e pragmáticos que melhor conformassem os cidadãos para um
novo estágio de internacionalização do capital, ávido pela
ampliação da eficiência e da produtividade. Amordaçadas pela
“cultura do silêncio”, oprimidas pelo autoritarismo e alimen-
tadas pela cultura da competição e do lucro, as gerações de
3 Ibidem, p. 48-51.
45
estudantes pós-68 foram se tornando hospedeiros da consci-
ência do dominador – seus valores, sua ideologia, seus interes-
ses, suas práticas.
Dessa forma, a organização do processo de trabalho no in-
terior das instituições de ensino, a concepção de ciência, de
educação e as estratégias de ensino e aprendizagem passaram
a desconsiderar a relação como eixo articulador entre profes-
sor e aluno, entre instituição de ensino e sociedade, criando
nos vários segmentos da organização acadêmica o sentimento
de guetos auto-referidos.
O ensino superior no Brasil ratificou o corte entre ensino e
saber e entre esses e a realidade. O saber envolve o pensamen-
to e o confronto com a prática e essa, que é real, e, não raro,
carrega consigo um estranhamento perante o desconhecido,
exige trabalho de reflexão para a produção do novo. O pensar
reflexivo, enfim, ensina os aprendizes a se ensinar. Já o conhe-
cimento é a apropriação intelectual de um campo do saber já
instituído, por isso ele pode ser quantificado, dosado e distri-
buído. O conhecimento desvinculado da prática e do trabalho
de reflexão pode ser comparado metaforicamente com a face
envernizada de um objeto. Sendo superficial e apenas aparen-
te, o verniz apenas permite brilho temporário, não constituin-
do parte da essência do ser, e, em não integrando sua essência,
é incapaz de transformá-lo.
Gerenciada, então, por interesses econômicos e políticos, a
universidade separou a teoria da prática, o conhecimento da
realidade, o ensino da pesquisa, passando a configurar-se como
uma realidade à margem da dinâmica social, deixando de cum-
46
prir a função social de “locus” de produção de bens culturais.
De instituição com a finalidade de formar sujeitos históricos,
comprometidos com as questões que ultrapassam os compro-
missos terrenos imediatos, tornou-se uma instituição de plan-
tão à espera da encomenda de “serviços”, centrando sua ação
na preparação técnica e competitiva da força de trabalho da
sociedade daqueles que a freqüentam.
A análise precedente aponta para a compreensão do porquê
o ensino superior modernizado desprezou a formação acadê-
mica pelas ciências humanas e do ensino das humanidades (lite-
ratura, filosofia e artes). Em uma proposta de ensino apressado
e pragmático, esse campo do conhecimento foi declarado ana-
crônico, irracional e improdutivo, portanto desnecessário.
Nessa direção é que propomos um trabalho de reflexão sobre
as representações sociais que vieram e ainda vêm (con)formando
a educação acadêmica na sociedade brasileira. E essas represen-
tações sociais constituidoras de uma dada cultura escolar vêm
produzindo ritos e símbolos que muitas vezes fomentam discri-
minações, assujeitamentos e normas que impõem padrões de
condutas, tradutoras de concepções de mundo conservadoras
que, ideologicamente, propiciam a manutenção e a permanên-
cia de práticas culturais inibidoras de um saber emancipador. E
sobre esse ponto é importante destacar que a dinâmica da ação
educativa não pode ser entendida como síntese da intenção ou
do desejo de sujeitos individuais, mas sim de sua interação com
o contexto cultural, histórico e político ao qual pertencem. E são
as experiências acumuladas ao longo da trajetória de um grupo
ou de um segmento social ou profissional que produzem esque-
mas de percepção, de pensamento e de ação que direcionam os
47
indivíduos para uma certa constância de práticas ao longo do
tempo e constituem as “mentalidades”.
E aqui podemos indagar: É possível mudar a concepção de
ciência e de educação? Como devemos nos nortear para essa
busca? Como desfocar o eixo das preocupações educativas con-
temporâneas sobre o uso exacerbado de novas tecnologias (in-
tegração de imagens, textos, sons, animação), entendidas como
representações da boa qualidade pedagógica e de uma nova
abordagem educacional, sem, contudo, avançar no processo de
análise e na construção de habilidades para estabelecer relações
entre o todo e as partes? Como construir uma cultura que possi-
bilite, também, aos estudantes o fortalecimento do conceito de
nação? Como prepará-los para o sentimento de identidade soci-
al e profissional e de pertencimento à sua comunidade e ao seu
país? Como despertá-los para a preocupação de retribuir à co-
munidade o que dela se recebe? Como desenvolver o compro-
misso para a transformação de uma ordem político-cultural ge-
radora de dominações e inibidora da ação criativa?
Em busca de um novo paradigma
A marcha desenfreada das sociedades e civilizações em busca
do progresso e do desenvolvimento da ciência, da razão e da
técnica, tem gerado uma grande crise planetária. Os paradig-
mas que aparentemente davam consistência a certas doutrinas
começaram a ser abalados a partir da segunda metade do sé-
culo XX. Os modelos de causalidade simples, que procuravam
explicar o mundo de forma linear e reducionista e que produ-
ziram o desenvolvimento cego e descontrolado da tecnociência,
48
têm sido ineficazes em face das contradições e incertezas do
presente e do futuro. A imprevisibilidade diante dos perigos
que sofre a humanidade como, por exemplo, a fome que mata
silenciosamente, os destratos ambientais e ao ecossistema, a
produção e o uso de armas nucleares, a violência e os conflitos
urbanos e rurais etc., constitui uma crise de múltiplas dimen-
sões e está presente em todas as áreas do conhecimento e esfe-
ras do saber, em todos os domínios da ciência. As incertezas
perante o imprevisível têm gerado a necessidade de elabora-
ção de modelos de causalidade complexa que requerem nova
forma de pensar o mundo e de produzir conhecimento.
Para Edgar Morin4 (2003), complexo é o que não pode resu-
mir-se em uma palavra mestra, o que não pode reduzir-se a
uma lei ou a uma idéia simples. A aspiração do pensamento
complexo é antagônica à ambição do pensamento reducionista
de controlar e dominar o real. Pretende, portanto,desenvolver
uma forma de pensar o real, de dialogar, de negociar com ele,
a partir das incertezas.
Em sendo a realidade complexa, a compreensão da comple-
xidade do real é animada por uma tensão permanente entre
concretude e pensamento e, portanto, pela dialeticidade dian-
te da incompletude do ser e do saber.
Assim, o tradicional pressuposto de ciência como conjunto
de verdades de natureza acumulativa vem sendo substituído
por uma concepção mais dinâmica, segundo a qual os cientis-
tas mais ousados e brilhantes do momento (Morin, Capra,
4 MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
49
Maturama, Prigogine e outros) defendem que as teorias cientí-
ficas, que se sucedem ao longo da história, não passam de mo-
delos explicativos provisórios da realidade em movimento.
Impõe-se-nos, portanto, a necessidade de (re)situar o sa-
ber, herança do século XIX, que buscava, como único cami-
nho para o progresso, o desenvolvimento técnico e científico
atrelado à lógica da produtividade e do lucro em detrimento
da percepção da realidade e da ciência una e múltipla, simul-
taneamente. Essa percepção pressupõe mudanças profundas,
inclusive de natureza epistemológica, que têm sempre reper-
cussão no campo da educação. A necessidade de articulação
entre teoria e prática, quer pela epistemologia das ciências,
quer pela investigação científica com foco na realidade viva e
dinâmica, tem se constituído como fundamento para a busca
da superação de vícios teóricos e das concepções de mundo
sob os quais o paradigma do pensamento simplificador vem
sendo desenvolvido. A aplicação ao ensino dessa nova forma
de contemplar a ciência tem provocado questionamentos so-
bre o que se entende por aprendizagem e sobre os conheci-
mentos que constituem suas bases. Não mudam apenas os
paradigmas e os conteúdos da ciência, mas, também, o ponto
de vista sob o qual ela é contemplada e, sobretudo, as ativi-
dades daqueles que a praticam. O modelo de ciência que ex-
plica nossa relação com a natureza e com a vida, em todas as
suas dimensões, fundamenta e explica, também, o modo como
aprendemos e compreendemos o mundo e que o indivíduo e
sua cultura ensinam, e constroem o conhecimento pautado
naquele modelo.
50
Se hoje, por força das razões históricas e do modelo de ciên-
cia hegemônico, organizamos o currículo escolar de forma mi-
nimizada e parcelada, não oferecendo, em suas disciplinas, uma
visão de totalidade do curso e do conhecimento nem favore-
cendo a comunicação e o diálogo entre os saberes, temos, sim,
dificultado a perspectiva de visão de conjunto e de totalidade
que favorece a aprendizagem.
A necessidade da conexão entre as partes que integralizam
o todo se dá a partir da complexidade que traduz os múltiplos
aspectos que interagem no processo de pensar. O pensamento
não é estático, mas dinâmico e, em sendo dinâmico, caracteri-
za-se por um ir e vir que permite a criação e a reflexão para
elaboração do conhecimento. É sob esse prisma que devem ser
ampliadas e refletidas as discussões sobre a importância das
relações entre os conteúdos de uma e outra disciplina; entre as
disciplinas e o curso; entre as disciplinas e a vida, e assim su-
cessivamente. É importante ter clareza da necessidade de su-
peração dos conhecimentos parcelados, disjuntos e lineares que
vêm sendo construídos a partir de um círculo vicioso, em bus-
ca da construção de um conhecimento mais globalizante e in-
tegrador que privilegie a relação entre os homens, e entre es-
ses e a natureza, a partir de um círculo virtuoso.
Formação docente e compromisso com
o processo educativo
A crise de qualidade do ensino superior no Brasil nas últi-
mas décadas do século passado produziu algumas necessida-
des no interior das instituições de ensino. A flexibilização do
51
currículo escolar, alterações na organização do processo de
gestão institucional, a eleição de dirigentes foram algumas das
conquistas oriundas dos movimentos sociais mais progressis-
tas do século XX. Outro legado oriundo da crise de qualidade
da educação brasileira foi a elaboração de diretrizes mais con-
sistentes sobre a formação docente. A esse respeito manifesta-
se Guiomar Namo de Mello5, na apresentação da obra: Educa-
ção Escolar Brasileira: o que trouxemos do século XX?
... trouxemos do séc. XX um consenso robusto sobre a impor-
tância do preparo do professor na promoção da qualidade de
ensino. Considerando o atraso histórico em que se encontrava
o país em tal questão, este é um legado considerável. (Mello,
2004, p. VIII).
Esse legado, no entanto, não acontece de forma descontex-
tualizada. Ele emerge na esteira das necessidades impostas pela
revitalização do próprio modo de produção capitalista, que
passa a demandar maior flexibilidade de gerenciamento, des-
centralização das empresas e maior autonomia nos processos
de decisão. Por seu turno, passa a ser exigida e discutida a edu-
cação permanente do trabalhador, com ênfase na formação de
competências múltiplas, na solução de problemas, no trabalho
em equipe, na capacidade de aprender a aprender.
Esse movimento e as exigências do capital transnacional fa-
zendo eco por um lado e, por outro, a insuficiência de respos-
tas às questões e desafios apresentados têm gerado a crise pa-
5 MELLO, G. N. de. Educação Escolar Brasileira: o que trouxemos do século XX? Porto Alegre: Artmed,
2004.
52
radigmática que hoje vivemos. A percepção linear e dicotômica
de mundo não mais se sustenta em sua busca de compreensão
e explicação da realidade.
Diante desse cenário, impõe-se a compreensão da interde-
pendência entre as partes que integram o todo. O conhecimen-
to está naturalmente ligado à vida, fazendo parte da existência
humana. O ato de conhecer está presente, simultaneamente,
nos processos históricos e nas ações que envolvem o biológico,
o cultural, o social, o cognitivo, o lingüístico e o político Por
isso, o ser interage e se modifica com o conhecer que, ao mes-
mo tempo, interage e modifica o ser.
Ora, educação é, antes de tudo, um processo de humaniza-
ção. Em outras palavras, é por esse processo que os seres hu-
manos se inserem numa dada cultura historicamente construída
e em construção. A tarefa da educação é inserir os indivíduos
tanto no avanço civilizatório, para que dele usufruam, como
na problemática desse mundo, por intermédio da reflexão, do
conhecimento, da análise, da compreensão, da contextualiza-
ção, do desenvolvimento de habilidades e de atitudes (cf. Pi-
menta e Anastasiou, 2002)6.
A educação tem como tarefa, também, possibilitar apropria-
ção do instrumental técnico-científico e tecnológico de uma cul-
tura. No entanto, isso não deve acontecer como processo cego,
encomendado e apropriado pelos poderes dominantes, que esca-
pa à consciência e à vontade dos próprios cientistas, mas, sim,
como processo de produção de saberes críticos no campo do pen-
6 PIMENTA S. G.; Anastasiou, L. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002, p. 97.
53
samento político, social, econômico e sobre a cultura, para que
os seus sujeitos sejam capazes de pensar e produzir soluções.
Educação, por constituir fenômeno e prática complexos, não
se pode limitar à transmissão de conteúdos teóricos porque
envolve processo de formação humana.
O ser humano é um ser inacabado, incompleto, lacunar. A
inconclusão do ser é própria da experiência vital. Quanto mais
cultural é o ser, maior é sua infância, maior sua dependência de
cuidados especiais. Quanto mais cultural é o ser, maior o tempo
de aprendizagem (conhecimentos, habilidades, normas, valores)
e de dependência dos adultos. A existência humana no proces-
so cultural envolve possibilidade de inteligir o mundo, de criar
linguagem, de assumir o direito de optar, decidir, de fazer polí-
tica. Ao mesmo tempo, essas possibilidades fazem com que os
seres humanos sejam,

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