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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL João Gerdau de Borja ANÁLISE HISTÓRICA DAS INSTITUIÇÕES PROMOTORAS DE JUSTIÇA: SUSTENTÁCULO DA ATUAL CONJUNTURA BRASILEIRA Porto Alegre 3 de julho de 2014 __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 1 JOÃO GERDAU DE BORJA ANÁLISE HISTÓRICA DAS INSTITUIÇÕES PROMOTORAS DE JUSTIÇA: SUSTENTÁCULO DA ATUAL CONJUNTURA BRASILEIRA Este trabalho faz parte dos componentes de avaliação da disciplina de História do Direito, ministrada na UFRGS. Professora: Dalva Carmem Tonato Porto Alegre 3 de julho de 2014 2 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 3 2 REPÚBLICA ROMANA ...................................................................................................... 3 3 EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA.............................................................. 5 4 TRBUNATO ROMANO ....................................................................................................... 5 4.1 PLEBISCITO ....................................................................................................................... 6 4.2 DEFESA DA DIGNIDADE HUMANA .............................................................................. 7 5 DEFENSOR CIVITATIS ..................................................................................................... 7 6 MINISTÉRIO PÚBLICO ..................................................................................................... 8 6.1 MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL ............................................................................... 9 6.2 AUSÊNCIA DE VÍNCULO AOS DEMAIS PODERES .................................................. 10 7 DEFENSORIA PÚBLICA .................................................................................................. 10 8 COMPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DE CADA INSTITUIÇÃO ..................................... 11 8.1 QUARTO PODER ............................................................................................................. 12 8.2 REFORMAS NECESSÁRIAS ........................................................................................... 13 9 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 14 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 16 __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 3 1 INTRODUÇÃO Conforme Maquiavel (20071 apud SILVA, 2008, p. 4), o povo, a maior parte da população, não quer governar diretamente, mas não quer ser oprimida pelos que governam. O fato de alguém chegar ao poder, mesmo de forma legítima, não é suficiente para contentar os desejos de boa parte da população, pois se o governante é legítimo e não um tirano, isso é positivo, mas nada garante que ele não vá usurpar uma fatia de poder maior do que a que lhe foi concedida. A guarda deve da liberdade deve ser feita pelo povo, pois sendo os populares encarregados da guarda de uma liberdade, é razoável que tenham mais zelo, pois, não podendo eles mesmos apoderar-se dela, não permitirão que outros se apoderem. Até agora, os regimes democráticos instaurados recentemente não conseguiram eliminar a exclusão social. De acordo com Santos (20072 apud SILVA, 2008, p. 2), pesquisas recentes feitas na América Latina revelaram que em determinados países a maioria da população preferiria viver sob uma ditadura, desde que lhe fosse assegurada boas condições de vida. Os cidadãos sentem-se cada vez menos representados pelos partidos, que não seguem seus programas eleitorais. No presente trabalho é feita uma análise histórica das instituições promotoras de justiça, tanto aos cidadãos comuns quanto à sociedade em geral através de defesa da dignidade humana. Esse processo deu início na República Romana e tem evoluído e desevoluído desde então. 2 REPÚBLICA ROMANA Conforme Burdese (19723 apud GIORDANI, 1996, p. 75), dois fatos devem ser sublinhados no processo de substituição da monarquia pela república: a reação nacional latina dirigida pelo 1 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Trad. MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 2 SANTOS, A. M. Devagar se vai ao longe? A transição para a democracia no Brasil em perspectiva comparada. In: MELO, C. R.; SAÉZ, M. A. (Orgs.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 3 BURDESE, Manual de Derecho Publico Romana (Introducción, traducción, capítulo sexto y notas de Angel Martínez Sarrión), Bosch, Casa Editorial, Barcelona (1972). 4 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 patriciado e a consequente queda da dominação etrusca. Os etrúcios eram aristocráticos e dominaram a região central da Itália durante os séculos VI e VII a.C. Roma tornou-se República no ano de 509 a.C. em consequência da revolução provocada pelos patrícios que assumiram o poder da realeza. Então, com o domínio dos patrícios, os plebeus eram excluídos por completo das magistraturas civis e religiosas. Essa classe, insatisfeita com o desprezo, optou pela greve conhecida como "A Revilta do Monte Sagrado" (494 a. C.)4. Então, pouco a pouco a plebe foi sendo admitida nas magistraturas (NASSIF, 2013, p. 128). A constituição política republicana apresenta uma tríplice estrutura: magistratura, senado e assembleias populares. No caso da magistratura, os quadros, costumavam ser preenchidos por eleição popular e estavam abertos a todos os cidadãos. No início eram abertas apenas aos patrícios, mas depois foram acessíveis aos plebeus com as magistraturas plebeias: o tribunato da plebe e a edilidade plebeia (BURDESE, 19725 apud GIORDANI, 1996, p. 75). Finalmente, o cargo institucional criado: tribuni plebis, o qual será detalhado nos próximos capítulos, tinha uma prerrogativa religiosa (sacrossancti) que caracterizava o caráter inviolável de suas proposições. Conforme explica Serrano (19946 apud NASSIF, 2013, p. 129), inicialmente os tribunais populares apenas tinham a função de proteger os cidadãos plebeus do abuso dos magistrados, entretanto a competência desses "varões sacrossantos" passou a ter poderes mais amplos. Conforme Peixoto (19607 apud GIORDANI, 1996, p. 80), o poder tribunício (potestas tribunicia) e tornou-se em Roma o poder mais elevado, exceto na antiga ditadura. Assim, ao final da República o caráter democrático do tribuno da plebe quase desapareceu (WOLFF, 19538 apud GIORDANI, 1996, p. 81). 4 Conforme Fiuza (2006), a Revolta do Monte Sagrado foi um movimento plebeu que ocorreu em 494 a.C.. FIUZA, Cesar. Curso completo de direito civil. 9. ed. São Paulo: Del Rey Ltda, 2006. 5 BURDESE, Manualde Derecho Publico Romana (Introducción, traducción, capítulo sexto y notas de Angel Martínez Sarrión), Bosch, Casa Editorial, Barcelona (1972). 6 SERRANO, V. (comp.): Derecho, ecología y sociedad, Quito, 1994. 7 PEIXOTO, J. C. M. Curso de Direito Romano. Partes Introdutória e Geral, Rio de Janeiro, Haddad Editor, 1960, 4.ª ed. revista e acrescentada. 8 WOLFF, Hans Julius. Introducción Histórica al Derecho Romano. Traduccion del inglês por José Maria Fernandez Pomar. Santiago de Compostela, Porto y Cia. editores (1953). __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 5 3 EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA Inicialmente, conforme Giordani (1996, p. 78), os cargos de magistratura se restringem em praetores ou judices (juízes) e posteriormente consules. Em 367 a. C. um dos cargos consulares é reservado aos plebeus. Eleitos pelos comícios centuriatos, os cônsules possuem vastas atribuições: convocam os comícios (jus agendi cum populo) e o senado (jus agendi cum patribus); além de comandar as tropas em tempo de guerra. Através dos tempos, foi estabelecida uma ordem na sequência dos cargos de magistratura a serem exercidos: é o chamado cursus honorum. A lex Villia annalis de 180 a. C. estabeleceu a sequência: questura, pretura e consulado. Entre o exercício de uma e outra destas magistraturas estabelecia-se o intervalo de dois anos. O acesso à questura deveria ser precedido de dez anos de serviço no exército (decem stipendia). Entre a questura e a pretura introduziu-se mais tarde a edilidade ou o tribunato da plebe (GIORDANI, 1996, p. 78). Segundo Laurand (19499 apud GIORDANI, 1996, p. 79-80), os edis da plebe (aediles plebis) foram instituídos ao mesmo tempo que os tribunos da plebe (tribuni plebis) dos quais foram auxiliares. Estes últimos, conforme Giordani (1996, p. 80), aparecem, segundo a tradição, em 494 a. C. A princípio em número de dois. Seu número elevou-se a dez em 457 a. C. e não eram magistrados propriamente ditos, mas podiam demandar plebiscitos, como será visto adiante. 4 TRBUNATO ROMANO Conforme Giordani (1996, p. 80), nas atribuições do tribuno da plebe podemos distinguir um poder negativo, isto é, o poder de veto (intercessio) aos atos dos demais magistrados inclusive outros tribunos; e um poder positivo, isto é, o sumo poder de coerção (summa coercendi potestas) através do qual o tribuno tutelava a própria inviolabilidade. Lembrando que os tribunos da plebe já haviam sido declarados sacrosancti, invioláveis à coercitio dos supremos magistrados da civitas. Pelo poder coercitivo (coercito tribunícia), os trubunos 9 LAURAND, L. Manuel des Etudes Grecques et Latines. Paris, Editions A et J. Picard et Cie, tomes I (1952), II (1952), III (1952), IV (1949). 6 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 podiam ordenar a prisão de um cidadão, impor multas, etc. O poder tribunício encontrava limitações apenas no limite de sua jurisdição urbana, com o veto de outro tribuno, e com o imperium militar exercido na cidade (só em casos excepcionais – caso de guerra). Segundo Fiuza (200610 apud SILVA, 2008, p. 10), os tribunos podiam ser procurados por qualquer pessoa que se julgasse injustiçada, daí suas casas ficarem abertas dia e noite. Mas os tribunos não tiveram apenas o papel de defesa da plebe. Exerceram também a função de acusadores em lides criminais, o que a princípio era facultado a qualquer cidadão na Roma antiga (PAES, 200311 apud SILVA, 2008, p. 11). 4.1 PLEBISCITO Na elaboração da lei cooperavam a magistratura, o senado e o comício: a lei é um acordo público (publica pactio) entre os vários elementos constitucionais da República. Nenhuma lei podia ser proposta a não ser por um magistrado (os membros da assembleia não tinham o poder de apresentar uma proposta legislativa). Quando o plebiscito foi equiparado à lei, a iniciativa legislativa passou, de fato, para os tribunos da plebe (PACCHIONI, 191812 apud GIORDANI, 1996, p. 100). O plebiscito (plebiscitum) era, na República Romana, uma decisão soberana da plebe aprovada em assembleia do povo (concilim plebis), por proposta de um tribuno da plebe sobre alguma medida; inicialmente as decisões plebiscitárias só valiam-se aos plebeus (Lex Valeria Horatia de Plebiscitis, 449 a.C.), mais tarde valeram-se também para os patrícios, pela Lex Hortencia de Plebicitis, 287 a.C. (SILVA, 2002, p. 18). 10 FIUZA, Cesar. Curso completo de direito civil. 9. ed. São Paulo: Del Rey Ltda, 2006. 11 PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. 12 PACCHIONI, Giovanni. Corso di Diritto Romano. Torino, Unione Tipografico, volume primo, seconda edizione completamente rifatta ed ampliata, 1918. __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 7 4.2 DEFESA DA DIGNIDADE HUMANA Segundo Silva (200213 apud RIVA, 2012, p.38), com base em levantamentos de vários doutrinadores, é possível afirmar que "alguns antecedentes formais das declarações de direitos foram sendo elaborados, como o veto do tribuno da plebe contra ações injustas dos patrícios em Roma"; contudo, os antecedentes mais diretos das declarações de direitos surgiram na Idade Média. Continua o autor apontando que para isso colaborou a "teoria do direito natural que condicionou o aparecimento do princípio das 'leis fundamentais do Reino' limitadoras do poder do monarca, assim como o conjunto de princípios que se chamou 'humanismo'. Aí floresceram os pactos, os forais e as cartas de franquias, outorgantes de proteção de direitos reflexamente individuais, embora diretamente grupais". 5 DEFENSOR CIVITATIS O Império Romano do Oriente, por volta do século IV, criou a magistratura municipal denominada defensor civitatis. Sua principal competência consistia na proteção do povo e das camadas mais pobres do império diante dos abusos das magistraturas. As competências conferidas ao cargo foram reguladas pela Constituição romana do ano 365 d. C. (NASSIF, 2013, p. 129). Além de fazer valer as leis imperiais em favor dos desfavorecidos, segundo Dionísio (2013, p. 333), usava de seu prestígio para denunciar, principalmente em Sermões, as situações de miséria em que se encontravam os escravos libertos, apelando aos cristãos para que os ajudassem com trabalho e comida, bem como abrigando-os em seu mosteiro, até encontrarem trabalho. O defensor civitatis tinha um mandato de cinco anos e suas funções eram desempenhadas por uma pessoa de reconhecida idoneidade para garantia dos cidadãos, sendo regulamentado por mais seis Constituições Romanas. Conforme Silva (200514 apud NASSIF, 2013, p. 130), esse magistrado se figura quando do império tardio. Com caráter menos grandioso e mais ordinário, tinha atribuições mais próximas ao dia a dia da pólis, oponha-se 13 SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992. 14 SILVA, C. B. F. Defensor do povo: contribuições do modelo peruano e do instituto romano do Tribunato da Plebe. Revista de Doutrina, nº 15, 2005. 8 __________________________________________________________________________________________João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 à insolência dos funcionários públicos e à morosidade dos juízes. Porém, segundo Hanisch (200515 apud NASSIF, 2013, p. 130), poderia levar as reclamações dos provincianos diretamente para o imperador. Depois de uma decadência do cargo, voltou a ser incorporado no Império de Justiniano, onde passou a ser eleito entre as pessoas mais nobres da cidade, com mandato de dois anos. Mas o cargo desapareceu no século VII (NASSIF, 2013, p. 130). 6 MINISTÉRIO PÚBLICO Voltados à Antiguidade Clássica, alguns historiadores preconizam que o Ministério Público deita seus precedentes na Grécia, com os éforos de Esparta ou com os thesmotetus ou tesmótetas, e ainda mencionam algumas figuras de Roma, como os advocati fisci, dos censores, do defensor civitatis, dos curiosi, stationarii e frumentarii, dos procuratores caesaris (MORAIS, 2005, p. 12). Porém, segundo Paes (200316 apud JATAHY, 2006, p. 17-18), dadas as atribuições atualmente deferidas ao Ministério Público, é improvável que, numa democracia direta como aquela cultivada pelos gregos fosse necessária uma instituição com funções similares. A amplitude do exercício da cidadania, o respeito aos ideais democráticos, a prática da democracia direta e a consciência dos direitos, escrupulosamente garantidos aos considerados cidadãos, prescindia da existência de uma instituição para cumprir as atividades hoje confiadas ao Ministério Público. De acordo com Sauwen (199917 apud MORAIS, 2005, p. 13), o mais mencionado e acolhido é que o Ministério Público tem suas origens assentadas na França. Realçam o nascimento e a formação institucional dentro do Direito Judiciário Francês. Deste modo, há os doutrinadores que, inclusive, denominam a França como o “Berço do Ministério Público”. Conclui-se que, conforme Galliez (200118 apud BORGES, 2013, p. 184), a própria formação do Estado Liberal consolidada pela Revolução Francesa de 1789, inicia um processo de garantia 15 HANISCH, M. V. Antecedentes del defensor del pueblo. Iushistoria Revista Electrónica, Buenos Aires, nº 2, out. 2005. 16 PAES, J. E. S. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de Direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. 17 SAUWEN Filho, J. F. Ministério Público e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 18 GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública, o Estado e a Cidadania. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2001. __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 9 de defesa, que passou a incorporar em definitivo os direitos essenciais do cidadão, com fundamento básico no Estado. Contudo, inicialmente o Ministério Público tinha funções que garantissem as engrenagens da burocracia, sem ainda uma ênfase social. Segundo Morais (2005, p. 13), em 27 de setembro de 1790, por intermédio de um Decreto dividiu-se as funções do Ministério Público em dois órgãos distintos: o Comissário do Rei, cabendo-lhe a missão exclusiva de zelar pela aplicação da lei e correta execução das decisões judiciais; e o Acusador Público, devendo este sustentar, diante dos tribunais, a acusação dos réus. Com a Constituição francesa do ano de VIII (ano oitavo), determinou-se que as funções do acusador público junto aos Tribunais Criminais fossem exercidas por um Comissário do Governo, com prerrogativas de inamovibilidade e independência em face do Poder Executivo. Destarte, somente no final do século passado o Ministério Público adquiriu a feição democrática que hoje ostenta (MORAIS, 2005, p. 14). Jatahy (2006, p. 61) explica que a base de tal transformação foi a constatação da incapacidade do sistema liberal-burguês de lidar com o sistema capitalista. Assim, o Estado Liberal, gradativamente, converteu-se em um Estado Social, mais intervencionista na vida econômica e social, também denominado Estado do Bem-Estar ou “Welfare State”. Diante desse quadro de degradação social, o Estado não mais podia ser mero espectador, devendo intervir diretamente nas questões sociais, passando de ente meramente passivo (com a obrigação de não intervir na esfera dos direitos individuais constitucionalmente assegurados) à promotor de bens e serviços e devedor de uma prestação positiva a ser assegurada a uma parcela mais abrangente da sociedade, especialmente das classes menos favorecidas. 6.1 MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL No Brasil, desde o império, o “ministério público” vem sofrendo alterações: desde apenas a procurador da coroa delatando crimes, depois interpondo revisão criminal em favor do réu. Na Constituição Federal de 1988, vigente em nosso ordenamento, Morais (2005, p. 15) 10 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 menciona também que o Ministério Público está descrito no Capítulo das “Funções Essenciais à Justiça”, separado das normas sobre o Executivo, Judiciário e Legislativo. A Constituição de 1988 estruturou o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/88). Desse modo, a função jurisdicional do Estado não pode ser exercida sem o Ministério Público. No Direito Brasileiro, sempre que há um especial interesse a proteger, a lei lhe confere atribuição de defender esse interesse (PAES, 200319 apud SILVA, 2008, p. 5). 6.2 AUSÊNCIA DE VÍNCULO AOS DEMAIS PODERES Qualquer ato do Executivo que atente contra o livre exercício do Ministério Público foi erigido à categoria de crime de responsabilidade (art. 85, II, da Constituição) do Presidente da República ou do Governador do Estado (dispositivo repetido na Constituição Fluminense no art. 146, II) numa clara sinalização do constituinte ao Executivo que a ascendência e o vínculo hierárquico se dissiparam (JATAHY, 2006, p. 107). 7 DEFENSORIA PÚBLICA Segundo Borges (2013, p. 182), o constituinte originário deferiu grau de relevância à Defensoria Pública tendo-a, à semelhança do Ministério Público, instituição fundamental à Justiça e, ainda, essencial à função jurisdicional do Estado. Então, conforme Lobo (2013, p. 242), principalmente, a partir da década de 90, foram institucionalizadas as Defensorias Públicas, com dimensão social e preocupadas não só com o acesso à justiça das pessoas menos desafortunadas, mas também com a redução das desigualdades sociais e econômicas, além de com o seu acesso a serviços públicos essenciais, como água, energia, saúde, educação e habitação. 19 PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 11 Em um marco, atuando de maneira efetiva na promoção dos princípios constitucionais e na consagração dos direitos humanos, o Poder Legislativo encerrou as divergências doutrinárias acerca do assunto, assumindo postura democrática e adaptando o texto da Lei da Ação Civil Pública ao texto da Lei Complementar Federal 80/94 – que já inseria no rol de legitimados à propositura da Ação Civil Pública a Defensoria Pública. Com isso, a República Federativa do Brasil reafirmou seu caráter democrático e seconsagrou como Estado Democrático e Social de Direito, buscando a efetivação dos direitos humanos de segunda e terceira dimensões (NETTO, 2013, p. 34). No Brasil atual, a Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, de forma que está incumbida da defesa jurídica dos hipossuficientes. Assim, conforme Netto (2013, p. 37-38), tem-se a legítima preocupação do Estado com a questão da defesa jurídica das pessoas desprovidas de recursos financeiros, sendo que sua evolução histórica resultou em uma instituição com força, autonomia e independência, responsável pela efetivação dos direitos humanos também em âmbito coletivo. 8 COMPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DE CADA INSTITUIÇÃO O tribunato da plebe, assim, exerceu tanto a função de defensor dos interesses do povo, como de acusador em lides penais, quando necessário, assim como de defensor da ordem pública e da harmonia entre os poderes. Conforme Maquiavel (200720 apud SILVA, 2008, p. 13), a utilidade do tribunato, que não servia apenas para refrear a ambição dos poderosos contra a plebe, mas também a ambição dos poderosos contra si mesmos [...]. No caso dos tribunos, o controle que se fazia era baseado na existência de prejuízo à plebe em determinada lei ou decisão. No caso do Ministério Público, este deve observar se as leis e as decisões da administração pública estão em conformidade com a Constituição Federal. De tal modo, sendo a isonomia e a busca da igualdade social princípios constitucionais a serem seguidos por qualquer lei ou decisão administrativa, tais atribuições acabam se equiparando. A diferença estaria apenas na forma de atuação: o tribuno da plebe atuava de 20 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Trad. MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 12 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 forma independente e podia propor ou vetar leis. Já o Ministério Público necessita propor uma ação direta de inconstitucionalidade/constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal ou os Tribunais de Justiça (SILVA, 2008, p. 16). Já o instituto jurídico do Defensor do Povo, conforme visto no Peru, contribui expressivamente para a contenção dos abusos do poder administrativo, Desta forma, aprecia queixas que lhe são encaminhadas ou realiza inspeções espontâneas nos serviços públicos, acrescentando ainda que seus poderes são limitados, não exercendo competência anulatória, nem disciplinar ou criminal, mas, segundo o depoimento dos autores, a sua advertência ou a iniciativa de processos penais (TÁCITO, 198821 apud SILVA, 2007, p. 147). Conforme Palermo (200222), o senador Luiz Cavalcanti, em 1983, referiu-se expressamente ao Ombudsman como “heróica tentativa para extirpar da vida pública nacional o câncer da corrupção”. Conforme Silva (2007, p. 152), dentre as funções do “Defensor Público”, estão: o inicio de investigações sobre os excessos dos agentes públicos; propor ação de inconstitucionalidade; iniciar processo administrativo visando garantir o direito individual; funcionar como mediadores de conflitos de interesses; e sumular as decisões reiteradas como forma de recomendações aos órgãos públicos. É essencial nessa atuação a celeridade que torna a “Defensoria do Povo” apta a enfrentar as questões que se lhe apresentam de forma mais ágil do que o Poder Judiciário. 8.1 QUARTO PODER Conforme observa Neto (199523 apud BORGES, 2013, p. 183), a Constituição de 1988, ao organizar o Poder Estatal, não se limitou, como o fizeram as anteriores, às descentralizações tradicionais entre os complexos orgânicos denominados de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, instituindo um quarto complexo orgânico que, embora não 21 TÁCITO, Caio. Ombudsman – O Defensor do Povo. Revista de Direito Público, São Paulo, v.85, jan./mar. 1988. 22 PALERMO, F. K. O. Improbidade administrativa e a atuação do Ministério Público. Teresina, mar. 2002. 23 NETO, D. F. M. A Defensoria Pública na Construção do Estado de Justiça. Revista da Defensoria Pública, n. 7. Rio de Janeiro, 1995. __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 13 conformando um quarto Poder, recebeu a seu cargo a função essencial de provedoria da justiça perante todos os demais Poderes de Estado. Conforme Silva (199824 apud JATAHY, 2006, p. 67), é da essência de seu conceito subordinar- se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da equalização das condições dos socialmente desiguais. A Lei deve influir na realidade social. A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social. 8.2 REFORMAS NECESSÁRIAS Conforme Benevides (199425 apud SILVA, 2008, p. 2-3), a representação política no Brasil é resultado de um Estado patrimonialista, onde predomina o coronelismo e o clientelismo. As eleições para os cargos executivos são mais valorizadas que para os legislativos, o que leva a práticas populistas, de salvacionismo e de favor. A fragilidade ideológica e programática dos partidos leva à crença na sua indiferença e oportunismo, o que é confirmado pelas pesquisas de opinião. Da mesma forma, nos os cargos de magistrados, para análise de Rousseau (199126 apud SILVA, 2008, p. 16-17), o tribunato não poderia constituir um corpo permanente, para prevenir abusos e usurpação de poder, pois que um magistrado, novamente reinstalado, assim não parte em absoluto do poder de que dispunha um seu predecessor, mas daquele que a Lei lhe dá. No caso de uma lei benéfica, que atende aos interesses sociais e aos princípios constitucionais, deveria o Ministério Público ter a prerrogativa, similarmente aos tribunos da plebe, de convocar plebiscitos. Conforme Silva (2008, p. 18), muitas ações populares não se concretizam, pois, as leis podem ser vetadas pelo Poder Executivo e, ainda, dificilmente o 24 SILVA, J. A. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. 25 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, Revista de Cultura e Política, n. 32, p. 5-16, 1994. 26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; Ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 5. ed. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 14 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 Congresso Nacional derruba tal veto, pois o Governo controla boa parte do Poder Legislativo. Se os Ministros do Supremo Tribunal Federal não são eleitos e podem declarar uma lei inconstitucional, não haveria porque não poder o Procurador-Geral da República convocar plebiscito para apreciar a constitucionalidade de uma lei, mesmo sem ser eleito. No momento, o Ministério Público apenas recomenda a correção de irregularidades. Se não for atendido, tem que ir ao judiciário para impedir sua ocorrência. Melhor seria, então, que o membro do Ministério Público tivesse o poder de paralisar,sem necessidade de recorrer ao judiciário, atos manifestamente ilegais de autoridades públicas, que violem a ordem jurídica, o regime democrático ou os direitos fundamentais dos cidadãos (SILVA, 2008, p. 19). 9 CONCLUSÃO Conforme Benevides (199427 apud SILVA, 2008, p. 3), em nossa democracia atual há representação do poder diante do povo e não a representação do povo diante do poder. Nesse sentido, afasta-se da ideia de democracia com soberania popular. Não se pode, pois, conceber um Estado Democrático de Direito sem uma instituição fortalecida, que possa realizar tal função e opor-se contra forças negativas da sociedade, neutralizando o poder econômico, quando contrário ou nocivo aos interesses sociais, e combatendo os mecanismos de repressão, quando espúrios ou violentadores dos direitos humanos. As sociedades pluralistas e abertas, bem como os governos representativos legitimados pela vontade do povo, não podem prescindir do fortalecimento do Ministério Público, a fim de que ele seja o mais poderoso instrumento da efetiva promoção da justiça social, visando ao bem comum (JATAHY, 2006, p. 104). Quanto à Defensoria Pública, Netto (2013, p. 49) constata que seu papel institucional consagra a promoção e defesa dos direitos humanos de segunda geração, posto que visceralmente ligado à esfera social do Estado, buscando a efetiva igualdade material aos 27 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, Revista de Cultura e Política, n. 32, p. 5-16, 1994. __________________________________________________________________________________________ Análise Histórica das Instituições Promotoras de Justiça: Sustentáculo da Atual Conjuntura Brasileira 15 cidadãos no que tange ao âmbito jurídico estatal, revelando ser a República Federativa do Brasil um Estado Democrático e Social de Direito. Acrescenta Lobo (2013, p. 242), que no Estado Social, encontra-se um campo propício ao surgimento e desenvolvimento das Defensorias Públicas. Pode-se dizer que o próprio sucesso desse modelo social depende, em larga escala, da existência de instituições voltadas à tutela de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, sendo as Defensorias Públicas a locomotiva dessa estrutura. O acesso à justiça não se confunde com o acesso ao judiciário. Conforme Pontes de Miranda (196728 apud DIONÍSIO, 2013, p. 330), a assistência judiciária envolveria os recursos e os instrumentos necessários para o acesso aos órgãos jurisdicionais mediante o beneficio da “justiça gratuita”. Mas ainda assim, a “assistência jurídica” é bem mais ampla, aliás, como convenientemente preconizado na Carta Magna brasileira. O acesso à justiça pressupõe a capacidade e oportunidade de realização de um direito, primordialmente dos direitos humanos, assim considerados direitos civis, políticos e sociais, configuração leal e verdadeira da cidadania. Conforme Silva (2008, p. 5), o Ministério Público muda de função ao transitar da sociedade política para a sociedade civil. Ou seja, desvincula-se do aparelho coercitivo do Estado para integrar a representação dos valores e interesses dos sujeitos políticos coletivos que buscam a hegemonia democrática. Então, estas instituições se dão como instrumentos de promoção de justiça social, em prol dos interesses da sociedade e da democracia, com o objetivo de fazer prevalecer o interesse público em qualquer decisão ou medida governamental que for adotada. Apesar de todos os esforços empenhados para aprimoramento das instituições de defesa da dignidade humana, ainda hoje, em tempos democráticos e estáveis, está presente ainda muita injustiça social. Cabe, acima de tudo, à vontade política aliada aos segmentos sociais para colocar em prática os ajustes necessários. 28 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. 16 __________________________________________________________________________________________ João Gerdau de Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2014 REFERÊNCIAS BORGES, F. D. A legitimidade da defensoria pública para o mandado de segurança. Defensoria Pública, Assessoria Jurídica Popular e Movimentos Sociais e Populares. Dedo de Moças Editora, Edição 1, 2013. DIONÍSIO, P. F. A defensoria pública como instrumento viabilizador ao acesso à justiça. Defensoria Pública, Assessoria Jurídica Popular e Movimentos Sociais e Populares. Dedo de Moças Editora, Edição 1, 2013. GIORDANI, M. C. Iniciação ao Direito Romano. Editora Lumen Juris ltda. 1996. JATAHY, C. R. C. O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: perspectivas constitucionais contemporâneas de atuação em defesa da sociedade. Dissertação de Mestrado em Direito. Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2006. LOBO, J. C. M. A atuação do defensor público à luz da administração gerencial pública do século XXI. Defensoria Pública, Assessoria Jurídica Popular e Movimentos Sociais e Populares. Dedo de Moças Editora, Edição 1, 2013. MORAIS, R. R. F. O ministério Público e a defesa dos interesses individuais homegêneos. Monografia de Bacharelado em Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Presidente Prudente, 2005. NASSIF, G. 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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 REPÚBLICA ROMANA 3 EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA 4 TRBUNATO ROMANO 4.1 PLEBISCITO 4.2 DEFESA DA DIGNIDADE HUMANA 5 DEFENSOR CIVITATIS 6 MINISTÉRIO PÚBLICO 6.1 MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL 6.2 AUSÊNCIA DE VÍNCULO AOS DEMAIS PODERES 7 DEFENSORIA PÚBLICA 8 COMPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DE CADA INSTITUIÇÃO 8.1 QUARTO PODER 8.2 REFORMAS NECESSÁRIAS 9 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
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