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Aulas/Aula 1 Educação Jesuitica .pdf Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. EDUCAÇÃO JESUÍTICA: CONTEXTO, SURGIMENTO E DESDOBRAMENTOS Carin Carvalho1 Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) carinbnu@al.furb.br Carlos Odilon da Costa2 Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) carrlosodiloncosta@gmail.com Célia Regina Appio3 Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) regippio@yahoo.com.br Neide de Melo Aguiar Silva4 Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) cvnet@furb.br RESUMO Este estudo se ocupa da apresentação e análise do período histórico que marcou o início da educação no Brasil. Tal período, chamado jesuítico, pode ser caracterizado como do século XVI a metade do século XVIII, e está relacionado com a colonização do Brasil. Discute inicialmente o contexto histórico e os movimentos sociais, políticos e culturais que foram cenário para o desenvolvimento da educação jesuítica na Europa. Posteriormente, reconstrói o cenário de institucionalização da educação jesuítica no Brasil. Em paralelo, apresenta uma leitura da educação brasileira atual, na busca das possíveis raízes decorrentes do movimento jesuítico no Brasil. São tomadas como referência para leitura e apresentação das discussões, as concepções que permeiam as diretrizes legais, as práticas pedagógicas e os diversos discursos da educação atual. Palavras-chave: História da Educação, Educação no Brasil, Educação Jesuítica. 1 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) – SC – Brasil. Bolsista da Capes. Professora da Rede Pública Municipal de Blumenau – SC. 2 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) – SC – Brasil. Professor da Rede Pública Municipal de Blumenau – SC. 3 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) – SC – Brasil. Coordenadora Pedagógica da Rede Pública Estadual de Blumenau – SC. 4 Professora do Programa de pós-graduação em Educação da FURB. Doutora em Educação. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 2 INTRODUÇÃO Entender o presente de nossa história educacional brasileira, sem antes compreender no seu passado, os processos sociais, as forças, relações e ideais que se estabeleceram e proporcionaram que determinados grupos e modelos educacionais detivessem a hegemonia nos processos escolares, em proveito de seus interesses, é uma estratégia pouco sustentável. Retomar a história da educação constitui-se um esforço para apresentar e compreender a construção histórica da escolarização, bem como suas principais perspectivas teóricas, políticas, sociais, históricas, culturais e ideológicas. Para tal, este estudo se detem na apresentação do período histórico que marcou o início da educação no Brasil. Este período, chamado de jesuítico, pode ser caracterizado como do século XVI até metade do século XVIII, e está relacionado com a colonização do Brasil. Embora tenhamos acreditado por muito tempo que a escolarização fosse um processo inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento, a inserção e apresentação da construção histórica da mesma, permitiu compreender que a seleção dos conhecimentos e a organização dos tempos/espaços escolares constituem estilos privilegiados de poder, regulação social e imposição cultural. De acordo com Silva (1996), o interesse pelo início da história da educação do Brasil não é reconhecer como se estruturava e selecionava o conhecimento escolar, bem como os tempos/espaços escolares no passado, mas compreender como esta forma de organização curricular alcançou o presente influenciando nossas práticas e concepções de ensino. A análise histórica da educação deve levar em consideração que as seleções que se faz, seja com relação aos conteúdos, seja com relação à organização dos tempos/espaços escolares, não é nunca natural e produz constantemente subjetividades e identidades determinadas. Quem tem força e está legitimado para dizer o que se inclui ou exclui no currículo não está indiferente para “com a inclusão ou exclusão na sociedade”. (SILVA, 1996, pg. 81) http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 3 A EDUCAÇÃO JESUÍTICA: CONTEXTO E RAÍZES A educação Jesuítica está relacionada com o que se pode chamar de uma reação aos ideais da Renascença européia. A Renascença ou Período das Luzes é o período compreendido entre os séculos XIV e XVI. “Compreende o movimento literário, artístico e filosófico que se originou na Itália, com base no desenvolvimento pessoal de reação contra todo o tipo de autoritarismo”. (LAGO, 2002, p.53) Leva esse nome por representar, inicialmente, a retomada dos valores greco-romanos, colocando o homem como centro, como medida de todas as coisas, em contraposição às concepções predominantemente teológicas da Idade Média. A Renascença marca centralmente a busca pela individualidade e confiança para com o poder da razão. Segundo Lago (2002), este período representou a evolução do método científico de investigação, o início da revolução científica. A idéia de que a natureza é regida por leis próprias provoca a erosão do mundo medieval e gera uma forte crítica à estrutura autoritária da Igreja, centrada no poder Papal. O homem se descobre como indivíduo, capaz de, pelo conhecimento, transformar a realidade segundo seus interesses. Além de decisivo para desenvolvimento da civilização moderna, na educação, o renascimento representou a retomada do ideal educativo grego. O cuidado com o corpo, a formação do homem perfeito e uma educação humanista5 levou ao estudo das literaturas clássicas, o domínio das línguas e literatura e desenvolvimento de uma nova vida orientada pela razão e não mais pela fé. Ainda é importante lembrar que a ação educativa voltou-se para o que se considerava “superior”, a cultura européia. 5 “Humanismo (do latim humanistas) Movimento intelectual que surgiu no Renascimento. Lutando contra a esclerose da filosofia escolástica e aproveitando-se de um melhor conhecimento da civilização greco-latina, os humanistas (Erasmo, Tomás Morus etc.) se esforçaram por mostrar a dignidade do espírito humano e inauguraram um movimento de confiança na razão e no espírito crítico. Na filosofia designa toda doutrina que situa o homem no centro de sua reflexão e se propõe por objetivo procurar os meios de sua realização; na linguagem universitária, designa a idéia segundo a qual toda formação sólida repousa na cultura clássica (chamada de humanidades). Numa palavra, o humanismo é a atitude filosófica que faz do homem o valor supremo e que vê nele a medida de todas as coisas”. (JAPIASSÚ, 1996, p.84) http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 4 Este período ainda vê o surgimento da revolução comercial do século XVI, a decadência do feudalismo, a pólvora que fragiliza a nobreza feudal, a imprensa e o papel ampliam a difusão da cultura. A bússola permite aumentar as distâncias com maior segurança. Os caminhos para as Índias, a conquista da América e o enriquecimento da burguesia. É neste contexto que surge a divisão da igreja ocidental em meio a um conflito de natureza político-ideológica. Esta divisão ficou conhecida como Reforma e Contra-Reforma. A Reforma, movimento iniciado no século XVI e encabeçado por Lutero, ficou conhecido como de rebeldia, questionamento e libertação do poder da igreja católica. Lutero também recebe a adesão dos nobres, interessados no confisco dos bens do clero. As divergências não eram apenas religiosas, mas representavam as alterações sociais e econômicas que mergulhavam a Europa. O que começou como reforma religiosa, configurou-se como luta pela liberdade de consciência e de supremacia política e econômica, de aspirações sociais e nacionais. Este movimento também possibilitou em impulso para um novo sistema escolar, baseado na igualdade. A Reforma Protestante critica da Igreja Medieval, propõe o retorno às origens por meio da consulta direta ao texto bíblico, sem a intermediação estabelecida pela tradição cristã. Surge a característica da defesa da personalidade autônoma, que repudia a hierarquia e restabelece o vínculo direto entre Deus e o fiel. Este movimento foi germe para popularização da instrução, introduzindo o ideal de educação para todos e como atributo do estado. Frente a este contexto, a igreja católica reagiu com o movimento que ficou conhecido como contra-reforma. Foi uma reação da igreja católica a fim de recuperar o poder perdido. Teve por diretrizes, tomadas no Concílio de Trento (1545-1563), reafirmar os princípios da fé e a supremacia Papal por meio da criação de seminários, colégios e da inquisição atuante em Portugal e Espanha. A igreja católica condenou severamente a Reforma e providenciou a reorganização das escolas com base nas antigas tradições. O movimento chamado de Contra-Reforma, que durou por volta de dois séculos, pretendia o retorno a situação anterior ao Humanismo, no sentido de suprimir o espírito crítico da razão e submeter a religião aos ditames da autoridade eclesiástica. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 5 A luta entre católicos e protestantes se deu, mais diretamente, no campo educacional. A Contra-Reforma instituiu o que ficou conhecido como Companhia de Jesus ou Jesuítas, fundada por Inácio de Loyola em 1540. A Companhia de Jesus surgiu como instrumento de luta contra a Reforma e seu fundamento consistia na máxima que tudo deve ser feito para maior glória de Deus. Este ideal previa o desaparecimento do indivíduo como personalidade autônoma e crítica. Seu principal objetivo era controlar por meio da educação, o povo em geral e, em especial, os nobres e a alta burguesia, facções propícias ao ideário protestante. Pode-se dizer que a Contra-Reforma foi um forte movimento de resgate da hegemonia da igreja católica, em detrimento de toda inovação política, ideológica e cultural. A EDUCAÇÃO JESUÍTICA NO BRASIL COLÔNIA Quando a terra-mãe era nosso alimento, quando a noite escura formava o nosso teto, quando o céu e a lua eram nossos pais, quando todos éramos irmãos e irmãs, quando nossos caciques e anciãos eram grandes lideres, quando a justiça dirigia a lei e a sua execução, aí outras civilizações chegaram. Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as riquezas, trazendo em uma mão a cruz e na outra a espada, sem querer conhecer ou aprender os costumes de nosso povo. (Trecho da Declaração Solene dos Povos Indígenas) Para os portugueses o Brasil seria o paraíso bíblico, buscado por muitos navegadores e exploradores. De acordo com Holanda (2000), para os teólogos da idade média não se representava o paraíso terreal em um mundo intangível, incorpóreo, perdido no começo dos tempos, nem simplesmente alguma fantasia vagamente piedosa, e sim uma realidade ainda presente em sítio recôndito, mas porventura acessível. Representado por numerosos cartógrafos, afincadamente buscados pelos viajantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, aos primeiros contatos dos europeus com o novo continente. Américo Vespúcio em carta que ele descreve para Lourenço de Médici, em 1504, deixa clara a primeira impressão que teve sobre a gente e a terra do Brasil. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 6 Para ele, e para o imaginário de muitos exploradores, o paraíso poderia ser encontrado nas Américas. Extremamente fértil e aprazível é a terra. As árvores, mormente ali vicejam sem cultura, e muitas dão frutos de agradável gosto e úteis ao corpo humano; outras, porém, nada produzem e nenhuns frutos ali existem semelhantes aos nossos. Pululam também, naquelas plagas, inumeráveis modalidades de ervas e raízes de que fabricam pão e excelentes alimentos. Têm eles, outrossim, muitas sementes, de todo em todo diversas das nossas. As árvores todas são ali odorosas e destilam goma, óleo ou outra essência, cujas propriedades, se conhecidas nos fossem, serviriam para guarnecer o corpo humano em minha opinião. E, em verdade, se o paraíso terrestre está localizado em alguma parte da terra, julgo que não dista muito daquelas regiões. (Castro, 1969, p.36). Dessa espécie de ilusão originária haveriam de partilhar indiferentemente os povoadores de nossa América, marcando vivamente o começo da expansão das nações ibéricas no continente. Era inevitável, não obstante, que o mundo paradisíaco chegasse a imprimir traços comuns e duradouros à colonização das várias regiões correspondentes a atual América Latina e com isso afirmando a teoria que estava na América e mais precisamente no Brasil, o Paraíso. Sendo um paraíso, tudo aquilo que era encontrado, poderia ser usufruído, para o prazer e deleite dos conquistadores. Para os desbravadores, estas terras, representavam a propriedade, a possibilidade do poder e de autoridade do dono de terras. Como era tida terra de ninguém os que para aqui vieram procuravam imitar hábitos da camada nobre de Portugal, hábitos aristocráticos de vida. No dia 29 de março de 1549, desembarcaram na vila de Pereira, depois Vila Velha, quatro padres e dois irmãos da Companhia de Jesus, liderados por Padre Manuel da Nóbrega. “Vinham os religiosos na armada do primeiro governador-geral Tomé de Sousa, e em pouco tempo começaram a exercer seu apostolado”. (CHAMBOULEYRON, 2004, pg. 55) A vinda da Companhia de Jesus, ao Brasil colônia, esteve relacionada com os propósitos do governo de Portugal. Naquele momento, os padres e sua missão facilitariam a implantação e manutenção do modelo econômico escravista- mercantilista e a divulgação da fé e dos valores cristãos, ameaçados pela Reforma. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 7 Além da conversão do “gentio” de um modo geral, o ensino das crianças, fora uma das primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus (...). Preocupação que, aliás, também se expressa no Regime do governador Tomé de Sousa, no qual o rei D. João III determinava que “aos meninos porque neles imprimirá melhor a doutrina, trabalhareis por dar ordem como se façam cristãos”. (CHAMBOULEYRON, 2004, PG, 56) Foi esta determinação, de um governo preocupado com a manutenção da ordem, disciplina, domesticação para o serviço escravo e imposição da fé cristã, que marcou o início da formação da identidade brasileira. Os padres Jesuítas ocuparam papel central neste modelo de formação educacional, característica do ideal de pessoa e sociedade que se pretendia formar aqui no Brasil. Naquele momento, os interesses implícitos e explícitos da ação jesuítica e do governo de Portugal não se faziam presentes aos gentios e crianças que aqui viviam. Assim como hoje, compreender a escolarização, suas origens, interesses, efeitos e, nesta imersão, perceber qual a herança deixada pelos jesuítas não é tarefa tão fácil de desempenhar. De acordo com Ariès (1981) até o século XV os colégios, estabelecidos por doadores, eram considerados asilos para estudantes pobres. Os estudantes viviam em comunidades democráticas, inspiradas em regras monásticas. Não se ensinava nos colégios e, foi somente no século XV que estas instituições comunitárias ganharam contornos de institutos de ensino, em que se começa a submeter os estudantes a uma hierarquia autoritária e de ensino local. Finalmente, todo o ensino das artes passou a ser ministrado nos colégios, que forneceriam o modelo das grandes instituições escolares do século XV ao XVII, os colégios dos jesuítas, os colégios dos doutrinários e os colégios dos oratorianos. (...) O estabelecimento de uma regra de disciplina completou a evolução que conduziu da escola medieval, simples sala de aula, ao colégio moderno, instituição complexa, não apenas de ensino, mas de vigilância e enquadramento da juventude. (...) no início aceitava sem dificuldade a mistura das idades. Chegou um momento em que surgiu uma repugnância nesse sentido (...) Desejava-se proteger os estudantes das tentações da vida leiga, (...) desejava-se proteger a sua moralidade. (...) as instituições de ensino, no início, consideradas meio de garantir a um jovem clérico uma vida honesta, (...) adquiriu um valor intrínseco, tornou-se a condição imprescindível de uma boa educação, (...) tornou-se um instrumento para a educação da infância e da juventude em geral. (Áries, 1981, pg. 169) http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 8 A citação acima deixa a descoberto que a escola moderna não foi um processo construído “naturalmente”, no qual se objetivava inocentemente a transmissão desinteressada do conhecimento acumulado pela humanidade. Pode-se dizer que a escola moderna foi uma invenção a serviço do ensino, mas, em especial, de vigilância da disciplina e da moral. Por isso, considera-se que não é possível pensar espaços/lugares/conteúdos alternativos, em direção a alteração de uma determinada ordem de organização e desenvolvimento escolar, sem uma inserção e compreensão histórica, das questões sociais, políticas, culturais e de poder que permearam o início da escolarização e se fazem ainda presentes. Nesta direção, acredita-se que a alteração de determinadas formas de pensamento e ação educacional passa pela reflexão e compreensão crítica da práxis, seus fundamentos teóricos e históricos, dos aspectos que se perpetuam, bem como, dos espaços de possível ruptura. A educação jesuítica do Brasil colonial esteve relacionada com todo o movimento de emergência da escolarização no mundo. Os jesuítas tiveram grande influência na organização da sociedade brasileira e coube a eles orientar a população, desde os filhos dos senhores de engenho, colonos, escravos e índios, na fé cristã, na disciplina do corpo e do silêncio, nos valores morais, nas artes eruditas e nos costumes europeus. Aos índios coube, em especial, a catequese, a leitura e escrita e o idioma de Portugal. Desde o início, o rei de Portugal estava convencido que a catequese era o jeito mais eficaz e de menor custo para o domínio dos povos nativos do continente americano. Portanto a catequese era uma obra fundamental, para Deus e para o rei. A rigor, seus benefícios se fizeram sentir antes para o rei do que para Deus, uma vez que a dúvida se os índios tinham alma só foi dirimida quando o projeto colonizador já estava decolando. (HECK, 2000, p.20) Desde a chegada no Brasil, os portugueses e colonizadores colocaram o índio à mercê de três interesses. A metrópole desejava integrá-lo ao processo colonizador, os jesuítas desejavam convertê-lo ao cristianismo e aos valores europeus, e os colonos queriam usá-lo como escravo para o trabalho. A elite da época considerava-os seres sem alma, bichos, feitos para serem domesticados e http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 9 instruídos a base da violência e de opressão. De acordo com Ferreira (2001), as práticas educacionais objetivavam negar a diversidade indígena e incorporá-las à sociedade nacional. No início os padres visitavam as aldeias e ensinavam as crianças a ler, a escrever, a contar e a doutrina cristã. Contudo, como o trabalho de conversão e adaptação do indígena para a lavoura exigia sua presença para um treinamento cotidiano e continuado, empenharam-se, em organizar aldeias, para atrair o indígena da região. Estas aldeias ficaram conhecidas como missões6. Além disso, organizaram escolas elementares e colégios e, acima de tudo, propagaram um projeto pedagógico uniforme, tão bem planejado que é possível perceber nos tempos atuais seus reflexos. Com o tempo, o objetivo primeiro que era a obra da catequese, acabou cedendo lugar a educação da elite. Embora sua principal missão fosse a conversão dos índios, a fundação de colégios acabou por assumir, senão a primazia, importância comparada à outra. Pode-se dizer que a educação jesuítica acabou empreendendo-se na formação da elite letrada no Brasil, ou seja, dos padres e senhores de engenho. Uma concepção que acabou por assumir contornos elitistas, almejada por todos que procuravam status, como símbolo de classe e de distinção, que demarcou as raízes fundantes da organização do ensino nacional. Diante deste cenário, pode-se dizer que o ensino no Brasil foi se constituindo instrumento de subjetivação e sujeição, visando atender aos interesses de uma elite. Segundo Di Giorgi (2004, p.109), “torna-se claro que a realidade de sala de aula é um simulacro de aprendizagem. O modelo “copiar, repetir, memorizar” é amplamente 6 As Missões foram edificações construídas sob o comando dos padres jesuítas na selva brasileira. Estas construções se organizaram por todo o litoral brasileiro, e ainda o Paraguai, Argentina e Uruguai. Objetivavam acolher os índios e cultivar o esplendor da arte e cultura européia e o desenvolvimento urbano ainda não conhecido. As reduções não eram aldeias, mas verdadeiras cidades que se instalavam nas selvas, com toda a infra-estrutura; além da igreja, que era o centro de tudo, havia hospital, asilo, escolas, casa e comida para todos e em abundância, oficinas e até pequenas indústrias. Fabricavam-se todos os instrumentos musicais, tão bem quanto na Europa, e até, imprimiam-se livros em plena selva, alguns até em alemão. Possuíam observatório astronômico e até editavam um boletim meteorológico. Foi nessas reduções que se começou a industrializar o ferro, a produzir os primeiros tecidos, e a se criar gado no continente. Ocupavam essas reduções as mais diversas tribos indígenas, desde guaranis, tapes, chiquitos, entre outros. (www.riogrande.com.br/historia/missoes_a.htm) http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 10 predominante, deixando quase nenhum espaço para o questionamento crítico, para o pensamento independente, para a criatividade”. O governo de Portugal ao perceber como a educação vai se configurando importante meio de submissão e de domínio político, não intervém nos planos dos jesuítas. Permite que se estabeleça o ideário que à elite caberia o trabalho não braçal, próprio dos que ocupariam os futuros cargos políticos, religiosos, advocacia, economia, etc. Em suma, o poder político, econômico e cultural da colônia. (...) Símbolo de classe, esse tipo de educação livresca, acadêmica e aristocrática foi fator coadjuvante na construção das estruturas de poder na colônia. Isso porque a classe dirigente, aos poucos, foi tomando consciência do poder dessa educação na formação de seus representantes políticos junto ao poder público. (Romanelli, 1978, p.36) Infelizmente até hoje, a educação tem se estabelecido como instrumento para distinção de classe e exclusão social. O fato de a grande maioria da população não ter acesso à cultura, saúde, lazer, alimentação e educação de modo geral, revela que muito da tradição dos antepassados continua presente na organização da sociedade brasileira, sejam nas práticas pedagógicas realizada na grande maioria das escolas; nas diretrizes legais que orientam e organizam o ensino; nos discursos sobre a educação atual. As raízes da educação Jesuítica, em especial, o comprometimento para com a formação da elite brasileira, marcaram profundamente a história da educação brasileira. Este desenho atingiu nossa educação, mais precisamente até a constituição de 1988. Para Moreira (1995), até o final dos anos 80 o Brasil ainda carecia de um ensino básico universal de boa qualidade e uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Diante das reivindicações dos setores populares e sindicais, por políticas de caráter mais transparentes e participativas, com vistas à democratização do estado, nasce o texto da constituição de 1988. Foi somente a partir de 1988 que surge no texto da constituição a possibilidade da participação pública em todos os espaços de decisão colegiada das instituições públicas, com exceção das instituições privadas. Também, pela primeira vez, se torna explícito o compromisso do Estado, em regime de colaboração com as famílias, para com a garantia de igualdade de condições de acesso, permanência na http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 11 escola e gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais, desde o primário ao superior. Esta realidade marca claramente o descompromisso, até aí, para com políticas públicas que garantissem a igualdade de condições educacionais no Brasil. Todas as constituições anteriores apontavam a necessidade da oferta do ensino público para todos. Contudo, no texto das mesmas, não se pronunciava as formas como os cofres públicos fariam para manutenção do ensino, oferta de novos estabelecimentos e contratação de profissionais adequados. No Brasil, a educação jesuítica passou por dois momentos principais. A primeira fase iniciou em 1549 com a chegada dos jesuítas e perdurou até 1570, quando morre Pe. Manoel da Nóbrega. Nóbrega elaborou um plano de ensino que caracterizou essa fase. Esse plano tinha inicio com o aprendizado do português, da doutrina cristã, a escola de ler e escrever, algumas vezes canto orfeônico e música instrumental, culminando, de um lado com a aprendizagem profissional e por outro lado à gramática latina a qual era destinada para aqueles que continuariam seus estudos na Europa. (SAVIANI, 2004, p. 126) A infância era um tema em plena discussão neste período7. A descoberta da mesma como um estado/período diferenciado do adulto acabou por determinar que desta poder-se-ia esperar muito mais, em termos de aprendizagens e conversão, do que dos adultos. De acordo com Chambouleyron (2004), a proposta educacional de Nóbrega previa desde atividades do cotidiano, como caça, pesca, até doutrina, missa e procissões, articulados com o aprendizado das artes, leitura, escrita e cálculos, por meio de estratégias pedagógicas como a memorização e o catecismo dialogado. A segunda fase caracterizou-se pela proposta pedagógica que, seguindo a orientação do Real Colégio das Artes de Coimbra, chamava-se Ratio Studiorum. Esta proposta foi dos anos de 1570 a 1759 e se constituía num manual de instrução que tinha como concepção, uma pedagogia tradicional característica de uma visão assistencialista de homem, na qual se compreendia que o mesmo era constituído por uma essência universal e imutável, em que todas as coisas já estavam prontas e 7 Para saber mais Ariés (1981) http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 12 determinadas. Á educação, cabia apenas conformar os alunos segundo a essência universal. Buscava-se a perfeição humana para atingir a dádiva da vida celestial. O Ratio Studiorum teve como base à unidade da matéria, a unidade do método. O assunto estudado deveria contemplar poucos autores, de preferência aqueles ligados ao pensamento oficial da Igreja, como Tomás de Aquino, bem como, princípios como a disciplina rígida, o cultivo da atenção e da perseverança nos estudos, o silêncio, a repetição e memorização, a copia e o ditado, a competição, a premiação, a prova, o castigo, coadunado com o respeito a hierarquia e baseado na obediência, controle e meritocracia. Com o passar do tempo, como muitos índios ao atingirem a juventude retornavam aos costumes e práticas de seu povo, se foi reforçando a hipótese que era preciso uma “conversão pela sujeição e temor (...). Essa perspectiva foi tomando consistência e organizando a estruturação de um rígido sistema disciplinar, (...) que desde o século XV, dependia de uma vigilância constante, da delação e dos castigos corporais. (CHAMBOULEYRON, 2004, PG, 69) Nos dias atuais, os mecanismos de punição e vigilância têm assumido contornos muito mais sutis. Diferentemente do século XVI, a vigilância e a punição têm se manifestado por meio da mídia, da política, dos discursos da igreja, dos modelos/padrões de consumo, que acabam por revogar as melhores formas de lidar com a diversidade de culturas, de classe social, de maneiras de ser, das questões relativas a gênero, raça, etnia, sexualidade. Neste contexto, se nós educadores, não estivermos atentos, seremos facilmente levados a pensar, agir e ensinar de acordo com interesses para nós pouco explícitos e questionados. Entre 1554 e 1570 os jesuítas fundam cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo, São Vicente e São Paulo de Piratininga) e três colégios (no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). O currículo dividia-se em duas seções ou classes distintas. Nas classes inferiores, com duração de seis anos, ensinava-se retórica, humanidades, gramática portuguesa, latim e grego. Nas classes superiores, com três anos, os alunos aprendiam matemática, física, filosofia, que incluía lógica, moral e metafísica, além de gramática, latim e grego. No Brasil, persevera até hoje uma infinidade de colégios, universidades, centros de reflexão social, casas para retiros espirituais, paróquias, etc, ligadas à http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 13 ordem jesuíta. Pode-se encontrar, dividido em quatro províncias e um distrito, uma infinidade de instituições. No Brasil as províncias estão divididas em: Brasil Centro- Leste ( SP, MG, RJ, DF, GO e TO), Brasil Meridional ( PR, SC, RS, MT, MS e RO), Brasil Setentrional (CE, RN, PB, PE, AL e SE), Brasil Leste-Equatorial (Bahia) (AP, MA, PI, BA e ES) e Distrito da Amazônia (AC, AM, RR e PA). Muito da proposta educacional jesuítica se percebe presente nos diferentes estabelecimentos de ensino, sejam eles públicos ou privados. É uma constante, no interior das escolas, o interesse e ocupação para com a formação de valores, a imposição de uma disciplina do corpo, da perseverança nos estudos, de hierarquias e, pedagogicamente, estratégias didáticas como: o aluno “líder”, exemplo a seguir e delator, a memorização, a competição, o silêncio, etc. A EXPULSÃO Em 1759, o Marquês de Pombal, expulsa os jesuítas de Portugal e de todos os seus domínios, destruindo completamente a organização educacional existente em terras brasileiras. Sebastião de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal, comandou durante 27 anos a política e economia portuguesa. Ele foi nomeado por D. José I (1750-1777), primeiro ministro de Portugual, no qual reorganizou o Estado e protegeu os grandes empresários, criando as companhias monopolistas de comércio. De acordo com Gauer O projeto de reformas implantadas por Pombal, pressupunha um dinamismo próprio da velocidade moderna e almejava a homogeneização da sociedade. Entre as estratégias utilizadas por Pombal temos: a homogeneização do Estado, a organização das grandes instituições sociais nesse caso, a reorganização da Universidade e do ensino do Reino. Essas reformas atingiram o Brasil ocasionando algumas transformações. (GAUER, 2004, pg. 148) A colônia era peça importante na política econômica de Pombal. Além da criação das companhias de comércio, que, privilegiadas pelo monopólio, tinham liberdade de taxar os preços de compra e venda dos produtos, houve o aumento da cobrança de impostos, na região das Minas, onde foram criadas as casas de fundição e fixadas quotas anuais de produção de ouro. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 14 O estado português, representado pelo rei, chamou para si a responsabilidade de realizar a reforma do ensino em geral e da universidade; a ação do estado teve como principal função a organização de uma equipe de especialistas chefiada pelo Marquês de Pombal, que reformou o ensino vinculando-o aos interesses da época, cujo objetivo fundamental consistia em implantar um ensino laico que levasse ao progresso. Dados esses pressupostos e tomando a linha da concepção de ciência que a comissão responsável pela Reforma demonstrou, é possível perceber que Pombal e equipe de reformadores que o assessorava concebiam o campo científico como o caminho para construir o verdadeiro homem, o progresso econômico e social, a felicidade humana, o encontro do verdadeiro Deus, assim como para chegar ao conhecimento da verdadeira natureza. Na visão dos reformadores, a ciência teve um sentido, o de solucionar os problemas humanos, de transformar a história da civilização portuguesa; nessa civilização estavam incluídas as colônias onde o Brasil se insere. (GAUER, 2004, pg. 149) Em conformidade com uma política de consolidação do domínio português no Brasil, Pombal por meio do Tratado de Madrid, ampliou as fronteiras econômicas, tanto no Norte quanto no Sul, entrando em confronto direto com as missões jesuíticas. Acusando os jesuítas de conspirar contra o Estado, expulsou-os de Portugal e de seus domínios em 1759, confiscando seus bens. A França, a Espanha e os demais países europeus adotaram a mesma medida, e o próprio Vaticano extinguiu a ordem em 1773. O controle das missões passou para os funcionários do governo. As capelas tornaram-se paróquias, com vigários nomeados pelo rei; os indígenas deveriam deixar de ter “nomes bárbaros”, passando a ter nomes portugueses; as línguas nativas foram proibidas e a língua portuguesa tornou-se obrigatória. Os caciques viraram capitães e juízes, e as lideranças passaram a ser vereadores municipais. Todos os indígenas, a partir daquele momento, se tornariam cidadãos portugueses. Na visão de Portugal, este seria o fim do "atraso" no Brasil. A educação, que no Brasil era quase inteiramente de responsabilidade dos jesuítas, sofreu um grande recuo. Vinte anos após a expulsão, em toda a Bahia não havia mais que dois professores. Várias escolas foram fechadas e as bibliotecas dos conventos foram abandonadas ou destruídas. Como não se contava com infra-estrutura e professores especializados, ficcaram uma grande lacuna nos serviços educacionais, cuja solução, posteriormente encontrada, foi instituir aulas régias, avulsas, sustentadas por um http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 15 novo imposto colonial, o “subsídio literário”. Essas aulas deviam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios. Através delas, a mesma reduzida parcela da população colonial continuava se preparando para estudos posteriores na Europa. Sem sistematização, sem freqüência definida, sem pessoal docente em quantidade e qualidade suficientes, a instrução no país foi drasticamente limitada, até 1799, quando as licenças para docentes passaram a ser concedidas pelo vice- rei. Com a vinda de D. João VI para o Brasil, em 1808, houve investimentos no ensino técnico e no superior; foi criada a Academia da Marinha e a Academia Militar, para atender as necessidades de defesa militar do reino. No entanto a educação do povo, com estudos primários e médios, ficou esquecida. Durante todo o período colonial houve poucos e localizados avanços educacionais, com criação de algumas salas e graus. PARA MAIOR GLÓRIA DE QUEM? : CONSIDERAÇÕES DESTE PROCESSO A investigação da educação brasileira, em especial do período jesuítico, permitiu perceber que o discurso da escola como instituição legitimada socialmente para conduzir as novas gerações ao saber elaborado, sistematizado e historicamente produzido pela humanidade constitui-se como engodo. Esta instituição que no imaginário teve o papel de socializar e democratizar o conhecimento, se investigada em suas origens revela que o sistema educacional brasileiro carrega em si características de um ensino pensado, idealizado e criado para atender aos interesses de alguns sobre o domínio de outros. Nos dois séculos que permaneceu no Brasil, a educação jesuítica, tomou os rumos de uma educação elitista, aristocrática e colonizadora, nada atenta aos interesses e necessidades do povo brasileiro. As características do modelo pedagógico e organizacional do ensino jesuítico, bem como das ideologias e interesses que permearam sua constituição e permanência no Brasil, por mais de dois séculos, ainda permanece vivo em boa parte das escolas brasileiras e concepções educacionais. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 16 No caso do Brasil, pode-se dizer que o mergulho histórico permitiu compreender que a educação dos séculos XVI ao XVIII previa a formação de um ser “dócil” e “educado”. A ênfase foi na formação individual, na idéia de que é preciso controlar individualmente as “almas”. No fundo, objetivava-se descobrir os “dons” e “vocações” que serviriam a Deus, possíveis de serem descobertas pelos guias espirituais, os padres jesuítas. Infelizmente, ainda hoje se percebe em muitas propostas educacionais a idéia de que a educação deve ser a possibilidade de desvelamento dos dons e capacidades individuais a serviço do bem. Neste processo, o professor é tido como aquele que é o principal responsável por este desvelamento. Aquele que tem o “Dom” de descobrir o bem e orientar o melhor caminho. Em pesquisa a cerca dos objetivos que regem as escolas jesuítas no Brasil encontramos: Um dos objetivos da formação cristã presente em todas as instituições jesuítas é não apenas ajudar jovens e adultos a praticar individualmente sua fé, mas torná-los cada vez mais conscientes das exigências de sua vocação cristã que é essencialmente apostólica, missionária. (http://venus.rdc.puc- rio.br/jesuitas) Esta citação torna explícita a lógica da vocação como a melhor opção a serviço do bem. É interessante como a obra da missão ultrapassa séculos e permanece viva e atuante. Ainda é mais intrigante o fato de, socialmente, estes modelos de formação constituirem-se exemplo de respeito e excelência em termos de ensino e educação. Para Silva (2003), o que não se pode negar é que toda a obra jesuítica foi um exemplo de política educacional consistente e definida, de acordo com os objetivos políticos e desejos formativos que se tinha na época. Pode-se dizer que carecemos de estudos que permitam compreender que as escolhas educacionais e a forma de organizar os tempos/espaços escolares e os conteúdos pedagógicos não é nunca neutra e sim resultado de inter-relações com outras instituições sociais e relações de poder. De forma explicita ou não, o ato educativo é sempre um ato de controle social, de imposição de um modelo, de um ideal a seguir, na medida em que na escolarização se cruzam sempre conteúdos políticos, sociais e culturais, condutores do fazer e ensinar. http://revistas.facecla.com.br/index/reped Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 2, nov. 2008. 17 Por isso, compreender o momento atual e que forças o regem deve se constituir movimento permanente. É preciso que nós, professores, façamos constantemente um exercício de reflexão e compreensão de nossas ações e opções pedagógicas. Talvez por meio do questionamento constante e da investigação dos fundamentos históricos da educação brasileira, possamos compreender os impactos que a mesma encerra sobre todos os seres humanos e dos que ainda terá sobre a educação no futuro. REFERÊNCIAS ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaksman. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981. 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José I e, como tal, buscou empreender reformas em todas as áreas da sociedade portuguesa, inclusive atingindo o Brasil como colônia, visando dar-lhe uma unidade. A análise crítica converge para a afirmação de que a reforma pombalina foi desastrosa para a educação brasileira e, em certa medida, também para o sistema educacional português. Tal afirmação está fundamentada na se- guinte questão – destruição de uma organização educacional já consolidada e com resultados seculares dos padres da Companhia de Jesus, ainda que contestáveis do ponto de vista social, históri- co, científico, sem que ocorresse a implementação de uma nova proposta educacional que conseguisse dar conta das necessidades sociais. Portanto, a crítica que se pode formular, nesse sentido, e que vale para o momento atual de nossa sociedade, está relacio- nada às freqüentes descontinuidades das políticas educacionais. No entanto, torna-se necessário enfatizar que a substituição da metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e laica marca o surgimento, na sociedade, do espírito moderno. Palavras-chave Marquês de Pombal – Reforma educacional – Iluminismo – Escola pública.Correspondência: Lizete Shizue Bomura Maciel Rua Santos Dumont, 2173 – apto. 1201 87013-050 – Maringá – PR e-mail: newliz@uol.com.br Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006466 Brazilian education in the Pombaline period: a historical analysis of the Pombaline teaching reforms Lizete Shizue Bomura Maciel Pontifícia Universidade Católica-SP Alexandre Shigunov Neto Universidade Federal de Santa Catarina Abstract The authors center on a historical period to present a study of bibliographical character, on which basis they analyze education in Brazil by focusing specifically on the proposal for educational reform made by the Marquis of Pombal. Along the analysis they point to the consequences of the Pombaline reform to Brazilian and Portuguese education, whose social context included, on the one hand, Absolutist ideas, and on the other, the Enlightenment ideas that inspired Pombal. The studies concentrate on Pombal’s period in government, namely when he, as Ministry of the Treasure of King José I, tried to carry out reforms in all areas of the Portuguese society, affecting Brazil as a colony, in an attempt to give it unity. The critical analysis converges to the conclusion that the Pombaline reform was disastrous for Brazilian education and, to a certain extent, also to the Portuguese education system. This assertion is based on the following issue: the destruction of the time-honored, consolidated – albeit questionable from social, historical, and scientific viewpoints – educational organization of the Jesuit priests, without the implementation of a new educational proposal capable of coping with societal needs. Therefore, the criticism that can be formulated here, and that is valid for the current moment of our own society, relates to the frequent discontinuities of the educational policies. However, it must be emphasized that the substitution of the ecclesiastical methodology of the Jesuits by the pedagogical thinking of the public, lay school signals the arrival, in that society, of the spirit of Modernity. Keywords Marquis of Pombal – Educational reform – Enlightenment – Public school. Contact: Lizete Shizue Bomura Maciel Rua Santos Dumont, 2173 – apto. 1201 87013-050 – Maringá – PR e-mail: newliz@uol.com.br 467Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 Considerações iniciais Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras, mais conhecido como Marquês de Pombal, nasceu em 13 de maio de 1699. Pertencia a uma família da pequena nobreza, desconhecida, e não relacionada à nobreza por- tuguesa. Durante um curto período de tempo, fez parte do exército e foi membro da Acade- mia Real de História. Iniciou-se na vida públi- ca somente a partir de 1738, quando foi nome- ado para desempenhar as funções de delegado de negócios em Londres. Segundo Avellar (1983), sua permanên- cia em Londres criou-lhe uma aversão pelos ingleses e “[...] seus métodos de dominação econômica” (p. 9). Tal antipatia pôde ser nota- da em suas medidas antibritânicas que visavam obstinadamente libertar o comércio português da subordinação ao poderio inglês. O enviado in- glês, em Lisboa, chegou a ponto de realizar o seguinte comentário: “esse homem tem-nos feito muito mal” (p. 9). Durante sua duradoura esta- da na cidade londrina, Marquês de Pombal não chegou a aprender o idioma inglês, pois desde os tratados de Vestfália, em 1648, o idioma fran- cês era considerado a língua diplomática. A vida de Marquês de Pombal pode ser dividida em quatro grandes fases. A primeira é referente aos seus interesses particulares, isto é, a fase do cidadão Sebastião José de Carvalho e que compreende o período de 1699 a 1738. Nesse momento temporal, o cidadão dedica-se exclusivamente aos interesses de pequeno fidal- go. Encerra tal fase com a tentativa frustrada de compor o Conselho de Fazenda do rei D. João V. A segunda é a fase diplomática, relativa ao período de 1738 a 1749, em que exerce suas funções diplomáticas em Londres e Viena. A terceira corresponde à fase governativa e esta se torna a mais importante de sua vida, pois, no reinado de D. José I1 , que durou de 1750 a 1777, acabou por dirigir os negócios do país. A última fase refere-se ao período do exílio, compreendido entre a morte de D. José I, em 1777, e sua própria morte, em 1782. Marquês de Pombal, de acordo com Rêgo (1984) e Serrão (1982), foi fortemente influenciado em sua formação política, quando de sua passagem em Viena como diplomata (1745-1749), uma vez que se pode [...] afirmar que foi nessa capital do espírito que o ministro português, em contato com o mundo da política e da diplomacia, bebeu os grandes princípios do Despotismo Iluminado que haveria de aplicar no seu regresso ao país. E de lá trouxe igualmente, no entender de Ma- ria Alcina Ribeiro Correia, as idéias econômicas e culturais que serviram de trave-mestra do seu governo. (Serrão, 1982, p. 22) A formação de Pombal também sofreu influência da política econômica inglesa, pois procurou as soluções da crise portuguesa no modelo inglês. Contudo, um dos motivos pelos quais não obteve o êxito esperado foi pela exis- tência de uma contradição fundamental: a dife- rença no sistema político dos dois países. Em Portugal, estava presente o absolutismo e, na Inglaterra, o sistema instituído era o parlamentar. Ao assumir o cargo de ministro da Fa- zenda do rei D. José I, em 2 de agosto de 1750, no lugar de Azevedo Coutinho, Pombal empre- endeu reformas em todas as áreas da sociedade portuguesa: políticas, administrativas, econômi- cas, culturais e educacionais. Essas reformas exigiam um forte controle estatal e eficiente funcionamento da máquina administrativa e fo- ram empreendidas, principalmente, contra a nobreza e a Companhia de Jesus, que represen- tavam uma ameaça ao poder absoluto do rei. A Companhia de Jesus, ordem religiosa formada por padres (conhecidos como jesuítas), foi fundada por Inácio de Loyola em 1534. Os jesu- ítas tornaram-se uma poderosa e eficiente congre- gação religiosa, principalmente, em função de seus princípios fundamentais: busca da perfeição huma- 1.D. José I (1714-1777), filho e sucessor de D. João V, casou-se com D. Mariana Vitória e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria Francisca Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Recebeu grande cola- boração e influência, em seu governo, do Marquês de Pombal. 468 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:... na por intermédio da palavra de Deus e a vonta- de dos homens; obediência absoluta e sem limites aos superiores; disciplina severa e rígida; hierarquia baseada na estrutura militar; valorização da apti- dão pessoal de seus membros. Tiveram grande expansão nas primeiras décadas de sua formação, constatada pelo crescimento de seus membros. Em 1856, eles contavam com mil membros e, em 1606, esse número cresceu para treze mil. A Ordem dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins educacionais; ademais, é provável que no come- ço não figuravam esses fins entre os seus propó- sitos, uma vez que a confissão, a pregação e a catequização eram as prioridades. Os ‘exercícios espirituais’ transformaram-se no principal recurso, os quais exerceram enorme influência anímica e religiosa ente os adultos. Todavia, pouco a pouco, a educação ocupou um dos lugares mais impor- tantes, senão mais importante, entre as suas ativi- dades. A Companhia de Jesus foi fundada em ple- no desenrolar do movimento de reação da Igreja Católica contra a Reforma Protestante, podendo ser considerada um dos principais instrumentos da Contra-Reforma nessa luta. Tinha como objetivo sustar o grande avanço protestante da época e, para isso, utilizou-se de duas estratégias: a edu- cação dos homens e dos indígenas; e a ação missionária, por meio das quais procuraram con- verter à fé católica os povos das regiões que es- tavam sendo colonizadas. Teixeira Soares (1961) apresenta como problemas fundamentais da administração do Governo de D. João I2 , antecedente do gover- no de D. José I, e que vieram a ser combatidas pelo Marquês de Pombal: o apego à rotina, evitando a realização de reformas necessárias e úteis ao funcionamento da estrutura adminis- trativa do Estado, principalmente, em relação ao regime fazendário e à administração ultra- marina; o desinteresse pela instrução pública, que na Coroa portuguesa era um privilégio dos nobres e da burguesia; o obscurantismo exis- tente em todos os níveis do governo e que dificultaram as reformas necessárias. Avellar, ao analisar as reformas empreen- didas por Marquês de Pombal, avalia que este possuía um profundo conhecimento da realida- de portuguesa, motivo pelo qual pretendia efe- tivar uma reformulação cultural, política e eco- nômica na sociedade portuguesa. Portanto, [...] é o reconhecimento de que o insucesso de aspectos de sua administração se deve a fator sobre o qual não poderia o Ministro exercer controle seguro. Assim mesmo, não se poderá afirmar que descurasse da consciência nacional, se laicizou a administração, e fez pontos de apoio de sua temática econômica a idéia de li- bertar o comércio da regulação britânica, a da necessidade de proteger e desenvolver a indús- tria nacional e, de sua programática educacio- nal, a indispensabilidade de retornar os estudos menores e superiores, impulsionar o ensino pro- fissional (aulas de comércio e artilharia), bem como, de seu breviário social, libertar o negro no Reino e o índio no ultramar, salvando, com a erradicação da administração comunal jesuítica no Estado do Maranhão, a unidade lingüística do Brasil, como vários autores já proclamaram. (1983, p. 12) Para atingir um de seus objetivos, a transformação da nação portuguesa, Marquês de Pombal precisaria inicialmente fortalecer o Estado e o poder do rei. Isso seria possível por meio do enfraquecimento do prestígio e poder da nobreza e do clero que, tradicionalmente, limitavam o poder real. Assim, como afirma Ribeiro (1998, p. 30), o então ministro “orien- tava-se no sentido de recuperar a economia por intermédio de uma concentração do poder real e de modernizar a cultura portuguesa”. Marquês de Pombal, ao assumir o car- go de Ministro, formulou e implementou refor- mas administrativas, visando tornar mais ágil e eficiente a máquina administrativa do Estado e 2. D. João I (1357-1433) era filho bastardo do rei D. Pedro e de Teresa Lourenço. Governou Portugal de 1385 até sua morte em 1433. Para Serrão (1982), D. João I foi o maior rei português do século XV e um dos maiores de toda história portuguesa. Ficou famoso por sua ‘firmeza governativa e pela visão política’, as quais mostram a presença de sinais do Estado moderno em formação. 469Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 aumentar a arrecadação. Ainda no campo das reformas administrativas e econômicas, preten- dia com essas medidas dinamizar a economia nacional e incentivar o desenvolvimento das indústrias e das companhias de comércio – surgiram indústrias têxteis de seda e de lã; chapéu; tapetes; fundições; cerâmicas; laticíni- os; vidros; sabão; entre outras. Contudo, suas tentativas de consolidar um pólo industrial forte e em condições de competir, no mercado inter- no e externo, durou pouco. Isso ocorreu por- que muitas indústrias tiveram curto período de funcionamento em virtude da pequena deman- da do mercado interno, que optaram por pro- dutos manufaturados ingleses, de melhor qua- lidade que os produtos portugueses. Há ainda que se destacar que Pombal descuidou-se da política agrícola, dando pouca atenção aos seus problemas. As reformas do Marquês de Pombal também atingiram a colônia brasileira, ao visar a reformulação dos serviços públicos por meio, principalmente, do combate à sonegação de impostos. Sua preocupação orientava-se no sentido de proporcionar uma unidade, um con- junto à colônia brasileira. Foi durante o seu governo que a cidade do Rio de Janeiro teve um extraordinário desenvolvimento, com desta- que para seu porto e o aumento da população. Entretanto, o recorte deste estudo deter-se-á mais especificamente nos atos educacionais de sua administração. Marquês de Pombal e as reformas educacionais A partir do século XVI, a direção do ensino público português desloca-se da Univer- sidade de Coimbra para a Companhia de Jesus, que se responsabiliza pelo controle do ensino público em Portugal e, posteriormente, no Bra- sil. Praticamente, foram dois séculos de domínio do método educacional jesuítico, que termina no século XVIII, com a Reforma de Pombal, quando o ensino passa a ser responsabilidade da Coroa Portuguesa. Segundo Falcon (1993), a análise de historiadores e pesquisadores acerca das obras e da vida de Marquês de Pombal pode ser constituída de seis momentos bem próprios: no primeiro, encontram-se os seus contemporâne- os; no segundo, surgem os admiradores e os críticos imediatos de suas obras; no terceiro, estão os liberais e o mito do liberalismo pombalino; no quarto, encontram-se os conser- vadores e o mito da tirania pombalina; no quinto, estão os estudos e as investigações apresentadas por pesquisadores e historiadores durante a primeira metade do século XX; no sexto e último momento, iniciado em 1945, encontram-se as análises mais recentes. [...] ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados como se não houvesse um outro caminho entre a alternativa que então se propôs: jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os jesuítas representam para os historiadores tudo o que há de antimoderno e Pombal, com seus ho- mens, a autêntica antecipação das aspirações modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os ter- mos desta alternativa constituem um dos mais graves impedimentos para a justa compreensão de um dos momentos mais lúcidos da história lusita- na. (Carvalho, 1978, p. 29) Na administração de Pombal, há uma tentativa de atribuir à Companhia de Jesus todos os males da Educação na metrópole e na colônia, motivo pelo qual os jesuítas são responsabilizados pela decadência cultural e educacional imperante na sociedade portuguesa. Carvalho (1978) chama a atenção para o fato de que esse processo, denominado de antijesuitismo, representava uma atitude pre- sente em muitos países europeus, não sendo exclusividade de Portugal. Nesse sentido, os jesuítas representavam um obstáculo e uma fonte de resistência às tentativas de implanta- ção da nova filosofia iluminista que se difun- dia rapidamente por toda a Europa. Serrão (1982) e Almeida (2000) expli- cam que o ódio do Marquês de Pombal aos 470 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:... jesuítas ficou expresso em documentos oficiais da época. Nesse sentido, Carvalho afirma que [...] o tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos opiniáticos de uma posição sistemática previamente traçada. Fatores vários e complexos, de ordem so- cial, política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma questão que ainda hoje apai- xona e obnubila a visão dos espíritos mais esclare- cidos. Na brevidade desta forma de ideal político nacional – a conservação da união cristã e da so- ciedade civil – se condensa toda uma filosofia com objetivos claramente definidos, responsável, aliás, de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos vícios do despotismo imperante. (1978, p. 32) Tal espírito antijesuítico está expresso, em última análise, na atribuição à Companhia de Jesus de todos os males da Educação na metrópole e na colônia brasileira, bem como pela decadência cultural e educacional domi- nante na sociedade portuguesa. As principais medidas implantadas pelo marquês, por intermédio do Alvará de 28 de junho de 1759, foram: total destruição da organização da educação jesuítica e sua metodologia de ensi- no, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição de aulas de gramática latina, de grego e de retó- rica; criação do cargo de ‘diretor de estudos’ – pretendia-se que fosse um órgão administrativo de orientação e fiscalização do ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que substituíram o curso secundário de humanidades criado pelos je- suítas; realização de concurso para escolha de professores para ministrarem as aulas régias; apro- vação e instituição das aulas de comércio. Inspirado nos ideais iluministas, Pombal empreende uma profunda reforma edu- cacional, ao menos formalmente. A metodologia eclesiástica dos jesuítas é substituída pelo pen- samento pedagógico da escola pública e laica. É o surgimento do espírito moderno que, [...] marcando o divisor das águas entre a peda- gogia jesuítica e a orientação nova dos mode- ladores dos estatutos pombalinos de 1772, já aparecem indícios claros da época que se deve abrir no século XIX e em que se defrontam essas duas tendências principais. Em lugar de um sis- tema único de ensino, a dualidade de escolas, umas leigas, outras confessionais, regidas todas, porém, pelos mesmos princípios; em lugar de um ensino puramente literário, clássico, o de- senvolvimento do ensino científico que começa a fazer lentamente seus progressos ao lado da educação literária, preponderante em todas as escolas; em lugar da exclusividade de ensino de latim e do português, a penetração progressiva das línguas vivas e literaturas modernas (fran- cesa e inglesa); e, afinal, a ramificação de ten- dências que, se não chegam a determinar a ruptura de unidade de pensamento, abrem o campo aos primeiros choques entre as idéias antigas, corporificadas no ensino jesuítico, e a nova corrente de pensamento pedagógico, influ- enciada pelas idéias dos enciclopedistas france- ses, vitoriosos, depois de 1789, na obra escolar da Revolução. (Azevedo, 1976, p. 56-57) A introdução dos ideais iluministas3 , nas ciências e em específico na Educação, se processa de acordo com as condições sociais da época. Boto analisa que a partir do século XVIII há [...] uma intensificação do pensamento pedagó- gico e da preocupação com a atitude educativa. Para alguns filósofos e pensadores do movimento francês, o homem seria integralmente tributário do processo educativo a que se submetera. A educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva totalizadora e profética, na medida em que, por intermédio dela, poderiam ocorrer as necessárias reformas sociais perante o signo do homem pe- dagogicamente reformado. (1996, p. 21) 3. Para Carvalho (1978), o iluminismo português pode ser caracterizado diferentemente do modelo encontrado nas demais reações européias (Fran- ça, Inglaterra, Alemanha), pois apresenta algumas peculiaridades. Entre- tanto, apesar de reconhecer as peculiaridades presentes em cada nação, foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica preocupada com os problemas sociais e com as intenções de reformulação das instituições e da cultura social. 471Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 Para o ideal iluminista, a nova sociedade exige um novo homem que só poderá ser formado por intermédio da Educação. Assim, apesar de o ensino jesuítico ter sido útil às necessidades do período inicial do processo de colonização do Brasil, já não consegue mais atender aos interes- ses dos Estados Modernos em formação. Surge, então, a idéia de Educação pública sob o controle dos Estados Modernos. Portanto, a partir desse momento histórico, o ensino jesuítico se torna ineficaz para atender às exigências de uma soci- edade em transformação. Para o discurso do movimento iluminista e, mais especificamente, do Marquês de Pombal, a educação e o direito são importantíssimos por- que ambos são os centros de tais pensamentos. Importa considerar que a renovação pe- dagógica, pretendida pelo Marquês de Pombal, não é exclusividade de seu governo, pois desde o reinado de D. João V até o governo de D. Maria I, encontram-se os traços desse movimento Iluminista, como afirmam Serrão (1982), Carvalho (1978), Holanda (1993) e Ribeiro (1998). [...] as reformas pombalinas da instrução públi- ca constituem expressão altamente significativa do iluminismo português. Nelas se encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um lado, representa o reflexo das idéias que agitavam a mentalidade européia, por ou- tro, traduz, nas condições da vida peninsular, motivos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos. (Carvalho, 1978, p. 25) Para Ribeiro, fica evidenciado que [...] as ‘reformas pombalinas’ visavam transfor- mar Portugal numa metrópole capitalista, a exemplo do que a Inglaterra já era há mais de um século. Visavam, também, provocar algu- mas mudanças no Brasil, com o objetivo de adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pre- tendida em Portugal. (1998, p. 35) Verifica-se, portanto, uma nova ordem social, um novo modelo de homem, uma nova sociedade pautada nos valores do sistema de produção pré-capitalista. Marquês de Pombal, ao propor as re- formas educacionais – por intermédio da apro- vação de decretos que criariam várias escolas e da reforma das já existentes –, estava preocu- pado, principalmente, em utilizar-se da instru- ção pública como instrumento ideológico e, portanto, com o intuito de dominar e dirimir a ignorância que grassava na sociedade, condição incompatível e inconciliável com as idéias iluministas (Santos, 1982). Almeida (2000) e Ribeiro (1998) concor- dam que o grande empecilho para a concretização desses objetivos foi a falta de homens capacitados para o ensino elementar e primário, ou seja, havia, tanto na metrópole quanto na colônia, uma grande carência de professores aptos ao exercício da fun- ção de ensinar. Frente a esse contexto, pode-se afirmar que Pombal, ao expulsar os jesuítas e oficialmen- te assumir a responsabilidade pela instrução pública, não pretendia apenas reformar o siste- ma e os métodos educacionais, mas colocá-los a serviço dos interesses político do Estado. Se- gundo Haidar, buscou-se: [...] criar a escola útil aos fins do estado, e nes- se sentido, ao invés de preconizarem uma polí- tica de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal or- ganizar a escola que, antes de servir aos inte- resses da fé, servisse aos imperativos da Coroa. (1973, p. 38) Pelo Alvará de 5 de abril de 1771, Pombal transfere a administração e a direção do ensino para a Real Mesa Censória, órgão criado em abril de 1768, com a qual pretendia efetivar a emancipação do controle absoluto dos jesuítas no ensino, passando, então, ao controle do Estado. Após esse ato, foram cria- das, no Brasil, 17 aulas de ler e escrever; e foi instituído um fundo financeiro para a manuten- ção dos estudos reformados, denominado de subsídio literário. Uma das implicações do 472 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:... desmantelamento da organização educacional jesuítica e da falta de implantação de um pro- jeto educacional formal e eficaz foi a demora em instituir-se, no Brasil colônia, as escolas com cursos graduados e sistematizados (1776). Almeida (2000) destaca uma questão importante para a compreensão da instrução pública no Brasil colônia: a tentativa da Coroa portuguesa e do governo colonial local em abrandar o desenvolvimento da instrução públi- ca da população brasileira. Tal atitude justifica- va-se, pois se pretendia reprimir a expansão do espírito nacionalista que começava a aflorar entre a população. Consegue-se, portanto, verificar a pre- sença, desde muito cedo, de uma característica marcante da Educação brasileira – ‘a destruição e substituição das antigas propostas educacionais em favor de novas propostas’. Assim, constata-se que, de uma maneira geral, no Brasil, não há uma continuidade nas propostas educacionais implan- tadas. A expulsão dos jesuítas e a total destruição de seu projeto educacional podem ser considera- das como o marco inicial dessa peculiaridade tão arraigada na Educação brasileira. Segundo Holanda, com a expulsão dos jesuítas, [...] a instrução pública em Portugal e nas colônias, foi duramente atingida. Desapareceram os colégios mantidos pela Companhia de Jesus que constituíam então os principais centros de ensino. Urgia, por- tanto, a adoção de providências capazes de, pelo menos, atenuar os inconvenientes da situação cria- da com as drásticas medidas administrativas de Sebastião de Carvalho e Melo. O terreno para a implantação de novas idéias pedagógicas, entretan- to, já havia sido preparado, com vária sorte, pelos esforços isolados de alguns homens de ciência e de pensamento, entre os quais figuravam o singular Luís Antônio Verney e os padres da Congregação do Oratório de São Felipe Néri. (1989, p. 80-81) Pode-se notar que a intenção e a ten- tativa de isentar o Estado de sua responsabili- dade por meio de artimanhas, projetos e impos- tos para financiamento da Educação não é nova e não é exclusividade de governos contempo- râneos. Também, pode-se notar a presença, já nessa época, de dois tipos de escolas (uma para os filhos da nobreza e burguesia e outra para os grupos sociais menos abastados) e de políticas educacionais que privilegiavam o en- sino particular, com apoio do Estado. Para Teixeira Soares, mais importante do [...] que a reforma e modernização da Universi- dade de Coimbra foi o Alvará de 06 de novem- bro de 1772, que institui o ensino popular a ser dado nas escolas públicas. Pombal não ficou apenas no texto da lei. Passou de imediato à fundação de escolas, que deveriam completar um total de 479. A lei determinou que o ensino popular poderia também ficar a cargo de parti- culares, que para tanto contariam com apoio do Estado no prelecionamento das seguintes matérias: ortografia, gramática, aritmética, doutrina cristã e educação social e cívica (‘civi- lidade’). O ensino secundário daria ênfase espe- cial ao latim, grego e francês. Ao mesmo tem- po em que cuidava do ensino popular, fundou o ‘Colégio dos Nobres’, seminário dedicado à edu- cação de filhos da nobreza; e, para manter o equilíbrio social e educacional, fundou também o Colégio de Mafra, destinado à educação dos plebeus, com programa idêntico ao reservado aos filhos da nobreza. [...] O primeiro-ministro criou um imposto especial destinado à manu- tenção e ampliação das escolas fundadas (lei de 10 de novembro de 1772). (1961, p. 218) O ministro Pombal pretendia promover a substituição dos tradicionais métodos peda- gógicos instituídos pela Companhia de Jesus por uma nova metodologia educacional, con- dizente com sua realidade e o momento his- tórico vivenciado. Pretendia, portanto, que as escolas portuguesas tivessem condições de acompanhar as transformações que estavam ocorrendo naquele momento. Marquês de Pombal pretendia, com a aprovação desse alvará, promover a substituição dos 473Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 tradicionais métodos pedagógicos instituídos pela Companhia de Jesus por uma nova metodologia educacional, considerada moderna e, portanto, condizente com os ideais iluministas. Almeida (2000), apesar de reconhecer a obra do Marquês de Pombal relativa à instru- ção pública, não deixa de mencionar que após a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil e da destruição de sua obra educacional, outras ordens religiosas tentaram continuar a obra iniciada pelos padres jesuítas, contudo, sem grande êxito. Além disso, considera que o êxi- to do projeto educacional jesuítico deve-se, em parte, às habilidades dos padres ao desempe- nharem a função de professores, pois ‘mantive- ram numerosas escolas dirigidas por professo- res verdadeiramente hábeis’. Tanto Carvalho (1978) como Avellar (1983) e Ribeiro (1998) concordam que o con- teúdo da reforma pombalina, sob a égide de seus principais inspiradores, Luís Antonio Verney4 , Ri- beiro Sanches5 e Antônio Genovessi, considera- dos pensadores modernos, trazem traços do en- sino tradicional, isto é, eclesiástico. Portanto, não houve uma ruptura total com o ensino jesuítico, pois a mudança ocorrida foi mais de conteúdo do que de método educacional. Falcon afirma que [...] a partir de Verney, o reformismo ilustrado, apoiado no otimismo jurídico que o caracteriza, entra na ordem do dia. A secularização constitui seu traço dominante. A fé no progresso, a ênfase dada à razão e a crença no poder quase mágico das ‘Luzes’ completa o ideário. (1993, p. 364) ‘O verdadeiro método de estudar’, de Luís Antonio Verney, pretendia opor-se ao método pedagógico dos jesuítas. A obra, que na realidade eram dezesseis cartas escritas em Roma e publicadas no período de 1746-1747, apresenta uma análise sobre os problemas do ensino português ministrado, até então, pela metodologia dos jesuítas; além disso, fornece orientações de como proceder para adequá-los e torná-los condizentes com a nova realidade. Cada carta trata de um determinado tema e, no conjunto, compõem as disciplinas da proposta pedagógica de Verney: primeira carta – a língua portuguesa; segunda carta – o latim; terceira carta – o grego e o hebraico; quarta carta – as línguas modernas; quinta carta – a retórica; sexta carta – continua a análise sobre o ensino da retórica; sétima car- ta – a poesia portuguesa; oitava carta – a filo- sofia; nona carta – a metafísica; décima carta – a lógica/física; décima primeira carta – a ética; décima segunda carta – a medicina; décima terceira carta – a jurisprudência como prolongamento natural da moral; décima quar- ta carta – a teologia; décima quinta carta – o di- reito econômico; décima sexta carta – apresenta uma seqüência de planos de estudos: os estudos elementares, a gramática, o latim, a retórica, a fi- losofia, a medicina, o direito, a teologia e termina com o apêndice sobre ‘o estudo das mulheres’. Seu projeto pedagógico está constituído de algumas dessas propostas, tais como: secula- rização do ensino; valorização da língua portu- guesa; papel e importância do estudo do latim, realizado por intermédio da língua portuguesa (uma das razões do estudo do latim era a possi- bilidade de simplificar e abreviar a duração dos estudos); redução do número de anos destinados aos estudos nos níveis de ensino inferiores, visan- do fundamentalmente aumentar o número de ingressos nos cursos superiores; apresentação de um plano de estudos para todos os níveis de ensino, do fundamental (que se inicia a partir dos sete anos de idade) até os níveis superiores de ensino; disciplinas que compõem sua proposta pedagógica são, em sua maioria, literárias, tais como: português, latim, retórica, poética e filosofia (lógica, moral, ética, metafísica e teologia), direi- to (direito civil e direito canônico), medicina 4. Luís Antonio Verney (1713-1792) nasceu na cidade de Lisboa. Oriun- do de uma família francesa de boas condições financeiras,
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