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FI JNI )AMENTOS E VIRTUAL ADES DA EPISTEMOLOGIA DA " HISTORIA: al mas questões INTRODUÇÃO s virtualidades da epistemologia his órica somente adquirem sua cor reta dimensão se referidas ao significa do maior da própria epistemologia con temponinea. Foi a crescente preocupa ção com problemas de ordem episte mológica nos diversos campos da ativida de científica e na reflexão filosófica que determinou a introdução deste tipo de aná lise nas disOlssóes sobre a natureza do coobecimento histórico. Por que ororreu, ao longo do século, esta crescente preocupação? Parece-nos claro que ela existe na rnzão direta da cooscientização, cada vez mais alargada, de que ocorreu urna profunda crise 00 co obecimento científico e filosófico que con duziu o saber no Ocidente a partir do sécu- Amo Wehling lo XVII. Se P. Hazard pode falar de uma "crise da consciência européia" para se referir ao a Ivorecer destas então novas con cepções naquele século, podemos também encontrar urna "crise do parndigma clássi co" iniciada nas primeiras décadas do sé culo XX. Tal crise, que coosistiu fundamental mente 00 questionamento mais ou menos extenso das categorias e extrapolaçiies ela borndas a partir da física newtoniana e da arquiteturn filosófica do idealismo, produ ziu um efeito devastador sobre a funclamen tação teórica das ciências. No mundo orde nado do modelo newtoniano1 ou na síntese kantiana? o lugar de uma reflexão critica sobre a ciência estava logicamente limitado à busca de leis sucessivamente mais gené ricas - o que fez Comte afinoar que, após a procurn filosófica das causas, cbegarn a ocasião da pesquisa científica das leis? &ntk, Hi.stÓlrico.s, Ilio de Jltu:U� vai. 5, n. 10. 1992, p. 147-169 . • 148 ES1t1OOS HlSTÓRJCOS -1992/10 Assim compreendidas a ciência e sua reflexão crítica, cabia por1anto espaço res trito aos problemas epistemológicos e um espaço muito maior para as questõcs me todológicas, isto é, os caminhos através dos quais a investigação elaboraria, "des cobrindo-o" no real, o conhecimento. Inversamente, quando se deu, como adiante observaremos, a crise do paradig ma clássico em seus dois alicerces, a prin cipal conseqüência para o conhecimento científico foi a penla de um referencial que parecera absoluto: o questionamento de verdades que haviam sido tidas como in questionáveis po r dois séculos -leis, indu ção, objetividade, recorte do objeto - des locou a reflexão científica para as questõcs epistemológicas. Boa parte do que se pro duziu a partir da década de 1920 na filoso fia da ciência, a crítica de pressupostos teóricos e da indução em Popper, a análise do pensamento científico em Bachelard, Koyré, Canguillem e Kubn, o "Iúilismo" de Foucault ou o estudo das operações cogrútivas de Piaget, refletiu esta cons ciência cada vez mais nítida da necessida de da crítica ao saber científico e do conhe cimento mais aprofundado de seus proce dimentos lógicos, epistemológicos, ideo lógicos e até metafísicos (como lembrou E.Simard)4 de constituição. - As diferentes metodologias continua reservado um respeitável e amplo território intelectual; mas problemas do conheci mento científico náo se reduzem majorita riamente a elas. Exemplo eloqüente do novo papel dos problemas epistemológicos 110 conheci mento científico é a necessidade de classi ficar as diferentes abordagens da episte mologia. Na conhecida classificação de Blanché, que enfrenta bem as antigas apo rias das diversas áreas cognitivas, ter-se-ia uma abordagem direta ou intemporal, ca racterística da ciência fisico-matemátic1, uma abonlagem genérica e uma abonla gem histórica, a partir das quais se cons- truiriam as respectivas estruturas de co nhecimento.5 As duas últimas, na venlade, como já sustentamos em outro trabalho, constituem apenas um território, o da "epistemologia das sucessões", cujo pro cesso Caz-se, a nosso ver, pelos caminhos genético ou histórico.6 A "crise do paradigma clássico" refle tiu-se de diferentes modos no campo da ciência histórica no século XX, quer de fonna direta, quer de fonna indireta, quan do mediatizada, por sua vez. pela influên cia de outras ciências socia is, como a cco nonlia, a sociologia, a antropologia, a psi cologia ou a ciência política. O resultado tem sido discussões intensas e relaçãcs ambíguas em que se entrelaçam, justa põcm ou imiscuem problemas de episte mologia geral, de epistemologia histórica, de metodologia e de história da historio grafia, sem que abordagens, procedimen tos e objeto estejam claramente delinea dos. Também no território do historiador as preocupaçõcs de ordem epistemológica - com bastante atraso em relação a outros campos, o que já acontecem, aliás, com a metodologia, como criticou Ritter no Olll gresso lntenmcional de 1955' - passaram a ganhar lnaior atenção.8 Finalmente, e sem desejar fazer um exercício de sociologia do conhecimento, mas apenas registrar a questão, deve ser lembrado que as transfonnaçõcs tecnoló gicas, eronômicas políticas c de comuni cação das sociedades ao longo do século XX, têm ritmo, implicações lnaciças na vida de bilhões de seres humanos e teor de violência efetiva ou simbólica radicalmen te diversos das condições em que se gerou o "conhecimento científico da história" no século anterior. Exigem, portanto, do his toriador, novos instrumentos de percepção - como os metodológicos - e de apercep ção - como os epistemológicos. Desta fonna, na análise dos fundamen tos e das virtualidades da epistemologia histórica consideramos três ordens de te- FUNDAMEN1'O:.S E VIRTIJAllDADfS DA EPISTEMOLOOIA DA HISTóRIA 149 mas para o desenvolvimento do assunto: a crise do paradigma clássico e sllas impli cações para a problemática do conheci mento histórico; o campo histórico e suas redefinições teóricas e empíricas no século XX, no que respeita às implicações episte mológicas; e as possibilidades e desafios para uma epistemologia da hislória no final do século XX. Nos dois primeiros temas procuraremos apontar as respectivas rela ções com as questões epistemológicas; no terceiro, selecionamos um problema cujos encaminhamentos pretendemos analisar: o da cientificidade/objetividade do conheci mento histórico em seu desdobramento epistemológico, compreendendo a questão da objetividade propriamente dita e as questões da explanação/discurso, da natu reza do processo e da conceptuatização. I - A crise do paradigma clássico e suas implicações epistemológicas F31'-se-ia, a nosso ver, um progresso na interpretação das transfonnações episte mológicas do século XX se fossem estrei tamente consideradas, o que quase sempre não ocorre, as três grandes crises do conhe cimenlo contemporâneo: a da ciência "clás_ sica", a do idealismo fUosófico e a do rus- • • tonclSmo. A crise da "ciência newtoniana" ou do "paradigma clássico" consistiu nas desco bertas, ocorridas a partir da física, desesta bilizadoras de um conhecimento que r.are cia adquirido sub specie aetemiJatis.9 A partir dela constituiu-se todo um novo ra mo de sa ber - a fíloso fia da ciência - e procedeu-se a uma profunda reavaliação epistemológica do saber científico, abala do em seus fundamentos teóricos e meto dológicos. A teoria da relatividade einsteiniana in troduziu uma importante modificação na questão da objetividade e subjetividade do conbcciroento, ao estabelerer, na feliz sín tese de Ortega,1O que o observador cientí fico possui o conhecimento absoluto de uma realidade relativa, o que invertia a relação newtoniana, fundamentada no co rulCcimento relativo de uma realidade ab soluta. Esta última teria, assim, embutido um resquício metafísico, ao admitir a exis tência de um real exterior "absoluto", cog noscível pelo cresrente a!':'rfeiçoamento do instrumental científico. 1 Já o "conhecimento absoluto" einstei niano supunha, como observou Popper, que a perspectiva do observador científico era absoluta, na medida que tivesse esgo tado todas as virtualidades teóricas e roe todoló1icas e empíricas de uma aborda gem.1 Tal perspectivismo era necessaria mente objetivo, uma vez que, trocado o sujeito da observação mas mantidas as "re gras do jogo científico", isto é, as mesmas premissas epislemológicas e metodológi cas e a construção da problemática, as conclusões deveriam ser idêntiOls. O questionamento da síntese newtonia na sob o ângulo da teoria da relatividade complementou-se com a física quântica de Planck e o princípio do indeterminismo de Heisenberg. Estes dois últimos campos do conhecimento físico afetaram dois funda mentos do paradigma clássico. O primei ro, que já vinha da física aristotélica, e que fora incorporado, como lembraram Arthur March e lsaiah Berlin, em enfoques muito diversos entre Si,13 por Galileu e Newton através do neoplatonismo renascentista: o de que o microcosmo reproduzia o macro cosmo. Ao contrário, as investigações so bre os quantas e sobre moléculas de movi mento indeterminado de certos gases reve laram a impossibilidade de "reduzir-se um nível do real a outro,:.14 As leis e categorias ncwtonianas não se aplicavam, assim, ao mundo microcósmico desvelado por essas pesquisas, o que conduziu à observação muito repetida de que "a lei varia com o • • 150 ESlUDOS IfiSTORlCOS - 1992'10 número" ou simplesmente não existe, o que era absolutamente revolucionário em la - d' láss' 15 re çao ao para 19U1a c 1CO. Não se eliminava a física newtoniana, como havia acontecido com ela própria em relação à Aristóteles. Era, porém, confirma da a um detenninado nível de observação - o dos sentidos humanos - e considerada insuficiente como extrapolação para outros níveis. As certezas e leis científicas induti va"",nte construídas limitavam-se, desse modo, a um certo território epistemológico da física, cabendo a análise simultânea, com outros instrumentos, de níveis diver sos do real. Qualquer generalização impli caria os riscos do reducionismo e do "ab solutismo metodológico", o que provocou o comentário jocoso de Ortega, para quem, com os extravasamentos que flZera, lia físi ca de Galileu, a gloriosa física do Ocidente, padecia de . . um agudo provincianismo".t6 1àis descObertas no campo da física e, posteriormente, em outras áreas da ciência natural, revelaram rapidamente a necessi dade de uma revisão das atitudes epistemo lógicas dominantes. O desenvolvimento da fLlosofia da ciência, na primeira metade do século XX, foi a mais imediata e signi ficativa conseqüência destas transforma ções: o empirismo lógico, com seus gru pos, círculos e escolas, o pensa mento de Bacbelard t 7 e as investigações de Popper, entre outros, assinalaram grandes avanços, na tentativa de extrair conseqüências epis temológicas e metodológicas dos novos conhecimentos científicos. Havia, aí, con vicção generali711da de que categorias ca ras ao pensamento newtoniano e a seus desdobramentos em outros campos do sa ber nos séculos XVIII e XIX, como o princípio da indução, as leis científicas e o determinismo tinham uma validade restri ta e não universal e que, ademais, haviam sido responsáveis por extrapolações inde vidas, que os críticos em geral considera ram sob os sufIXOS pejorativos de bistori cismo e cienlificismo. 8 As ciências sociaís sofreram, em geral indíretamente, os efeitos da crise do modelo newtoniano. Quase Sempre inspiradas, no século XIX, nas grandes fórmulas da enge nharia social do positivismo, do evolucio nismo sociológico e antropológico e do mantismo, fundamentadas, por sua vez, nas premissas newtonianas, as ciências sociais sentiram� em graus diferentes de conscientização,l solapadas slIas bases teóricas. A reação, genericamente, foi no sentido de admitir os excessQ5 deterministas de suas fontes doutrinárias - à exceção, durante muito tempo, do marxismo soviético, quan do associou fLlosofia da ciência e neoposi tivismo e refutou o relativismo físico, con siderando-<>S sem base científica, "arma ideológica da reação imperialista na sua luta contra o comunismo e sua tcoria".20 Reabriu-se, com isso, a questão da sub jetividade e da objetividade do conheci mento cienlífico, inclusive quauto aos fe nÔmenos sociais. Demolido ou seriamente abalado o objetivismo de raiz IIcwtOlúana do sÇculo XIX, ocorreram reações que iam do subjetivismo puro ao estilo de Croce e Collingwood até a afirmação de uma obje tividade perspectivada em níveis e relativa aos instrumentais de observação, como as teorias, os procedimentos metodológicos e os problemas admitidos como válidos pe las comunidades científicas. No plano filosófico, a crise do idealismo esteve intimamente ligada ao fenômeno precedente, a limitações teóricas de seu próprio pensamento (sobretudo a identifi cação, desde meados do século xvm, do racionalismo com a física newtoniana, evi denciada na atitude de Kant em relação ao f' . temá ' )21 . pensamento ISlco-ma llco ao 31111- racionalismo de Nietzscbe e, no plano his tórico, à .nova "crise da oonsciência euro péia" representada pelos efeitos da Primei ra Guerra Mundial e das novas coodições políticas, sociais e culturais que ela ensejou. Surgiu, assim, o que Manuel Garcia Mo rente denominou de ''terceira inflexão do FUNDAMENTOS E VlRllJAI IDADES DA EPlSlEMOLOOlA DA HlSroRlA 151 pensamento ocidental", representada pelo existencialismo beideggemno e sartreano (este, a despeito de sua dependência em relação ao racionalismo e ao marxismo), além de, no mundo ibérico, Ortcga y Gas sel22 Esgotadas as possibilidades [iJosófi cas do realismo e do idealismo, as duas primeiras inflexões, restaria ao homem buscar a identidade de seu ser não mais na essência das coisas ou na const rução da idéia, mas na existência histórica. Não exis tia, entretanto, destaque-se, em Heidegger, nenhuma condescendência em relação ao modelo bistoricista em sua época ainda do- " " . . . . mlnanle nas ClellClas SOCl3ISJ urna vez que o considerava eivado de idealismo.23 A crise, entretanto, que mais de perto afetou as ciências sociais em geral e parti culannente a bistória, foi a do historicismo. Sem desejar entrar na ampla polêmica do tema, de Meinecke a Popper e Adam Schaff e procurando considerar os vários historicismos "setoria.is" do saber - histó rico, jurídico, antropológico, econômico e as !'uas bem distintas etapas - o histori cismo [iJosófico do século XVIII, identifi cado com a filosofia racionalista da Histó ria como demonstraram Cassirer e Cro ce,24 o historicismo alemão estudado por Meinecke e o bistoricismo cienti ficista cri ticado por Popper -encontramos o apogeu da explicação dos fenômenos sociais pela sua evolução, no século XIX.25 Se isto contrapôs o conceito de processo ao de sistema, como analisaremos adiante, o fez quase sempre - à exceção da maior parte do historismo alemão, particulannente Herder e Rallke26 - dent ro dos quadros mais amplos dos pressupostos da física newtoniana e do princípio da indução. O '�riullfalismo cientificista" das ciên cias socia is no século XIX, com freqüência injustamente imputado apenas ao positi vismo, tomou, assim, uma feição histori cista. A crise do paradigma newtoniano, no início do século XX, abalam, desta fonua, fortemente, os seus alicerces. Por outro lado, nos planos metodológico e empírico das diferentes ciências sociais, o desenvolvimento da pesquisa IiIonográfi ca foi evidenciando a inadequação das ex plicações por leis Unewtonianas" e, como corolário, a incapacidade do historicismo para a previsão social. Quando Popper, em 1944, publicou a Miséria do ilistoricismo, consolidava brilhantemente algumas déca das de críticas parciais às pretensões impe mlistas de uma ciência social detenninista c, como ele acusou?7 freqüentemente ma nipulada pelos interesses políticos daqueles que pretendiam fazer do seu aces<;o ao po der uma "inevitabilidade histórica".28 Antes disso, aliás, e por outros cami nhos, já existiam restrições ao historicis mo. Niet2Scbe já havia criticado a preten são filosófica de impor padlÓCS de racio nalidade à vida histórica, tratando causti camente a crença evolucionista da sucessão Ilnear;29 este filão teórico seria mais taide desenvolvido por Foucault, ao relativizar os saberes uns em relação aos outros e ao recusar a visão historicista na história das ciências. Nem sempre a crítica ao historicismo representou uma ruptura pela raiz, como em Niet2Scbe ou Popper, mas mesmo cri ticas parciais como as de Freud e Weber contribuíram para minar a construção his toricista. Freud, porque a busca do incons ciente e da "psicologia das profundezas", conquanto alicerçada em supostos com portamentalistas de inspiração cientificis ta, pelo seu próprio objeto e fins tendia a refutar o behaviorismo então dominante e responsável por uma interpretação flSica lista do comportamento humano. Weber, porque com sua metodologia cobceptua lista, inspirada nos procedimentos dos neokantianos Dilthey e Rickert - aliás de fensores de um objetivismo "idealista" que identificava sujeito e objeto - e seu uso da causalidade referida a valores sociais30 da va uma opção teórica e prática à busca das 152 ES1UDOS msTÓRICOS -1992110 leis detenninistas, ao marxismo (ao qual ele visava) e ao positivismo. Diferentes respostas foram dadas às di ferentes crises: da crise do paradigma new toniano surgiram a ciência natural modema e a filosofia da ciência; da crise do idealis mo, o existencialismo e diversas outras po sições gnoseológicas, inclusive a de Fou cault; da crise do historicismo, a historio grafia moderna, cujo exemplo não exclusivo costuma ser o movimento dos Annales. As três crises, freqüentemente articula das entre si, pois se trata da oposição co mum à Weltanschauung cientificista que bate em retirada, tiveram como efeito, no plano do conhecimento, uma reformulação (que ainda se encontra em marcha) dos problemas de ordem teórica, redimensio nando-os, no plano epistemológico, em várias objetividades referidas aos diferen tes níveis de observação; no plano mais geral de outros saberes, por uma reconsi deração da subjetividade e uma revaloriza ção de percepções "estéticas", "intuitivas", "mágicas" que haviam sido soberbamente refutadas pelo cientificismo oitoccntista. 11 - O campo histórico e suas redefinições teóricas e empíricas no século XX Os excessos do historicismo cientificis ta, no plano geral das ciências sociais e da filosofia, e o rigor factualista da "história historicizante", nos domínios da historio grafia, fizeram convergir contra a história, desde as primeiras décadas do século XX, as metodologias de várias ciências sociais, além de provocar uma reação dos próprios historiadores, inconformados com o diktat reducionista do cientificismo. Parece cla ro, entretanto, que o declínio do historicis mo e da "história historizante" não se deu, apenas, devido ao seu esgotamento teórico no início do século XX, mas ao fracasso da "predição histórica" do primeiro e à insu ficiência da segunda, restrita à história po lítica do Estado e da diplomacia entre os Estados, em sociedades que viviam uma profunda crise econômica, social e de iden tidade nos anos 1920, tornada aguda com a depressão iniciada em 1929.31 No primeiro caso, encontramos reações como as do estruturalismo keynesiano, em economia, refutando os princípios da esco la histórica e considerando os fenômenos econômicos do capitalismo em si próprios, abstraídas as condições de tempo e lugar. No mesmo sentido marchou o estruturalis mo antropológico, particularmente com Lévi-Strauss, ao refutar o historicismo e buscar, nas sociedades primitivas, "aquilo que não se alternva", o que era "pennanen- " . hi ó· 32 te CJ por consegumtc, 3- si nco. No segundo caso, o da "hislória hislori zanle", encont:I3mos um leque de críticas: a new history norte-americana, afinnando a subjetividade radical do conhecimento hislórico e o decidido engajamenlo do his toriador em sua é�, contra o objetivis mo I(positivista"; 3 o oeo-idealismo de Croce e CoUingwood, afirmando o caráler presentiSla e "contemporâneo" de todo o conhecimento, inclusive hislórico;34 a his toriografia dos Annales, ioveclivando o manual do "perfeilo historiador posilivis la" de !.anglois e Seignobos;35 e mesmo algumas correnles marxislas procuraram desvencilhar-se do fardo cienlificista e economicista, abrandando a crença nas "leis objetivas da história", no detenninis mo da vida material ou na coisificaçi!o essencialista das calegorias sociológic.1S36 Colocava-se, assim, um problema para o conhecimento histórico com o declínio do hisloricismo: a visão anti-histórica do keynesianismo, do estruturalismo e do po sitivismo jurídico obrigou aos historiado res a uma tomada de posição para aftrmar que a história considerava não apenas fe nômenos diacrônicos, como SinCIÔniCOS; FUNDAMENTOS E VlRnJAUDADES DA EPISn:MOLOOlA DA HISTóRIA 153 não apenas de curta, mas de longa duração; não apenas visíveis nos documentos, mas velados atrás de séries maciças de registros e das manifestações do inconsciente. Essa questão aclam-se quando estudada em dois planos, o das relações entre a his tória e oulrnS ciências sociais e o dos dife rentes territórios metodológicos do histo riador, sobretudo a história social, a história econômica e a história das mentalidades. A necessidade da relação entre a história e as demais ciências sociais tomou-se uma tautologia, reconhecida pelos especialistas nas diversas historiografias nacionais, em bora se discuta o grau destas aproximações, que vão desde contatos espor.ídicos e em préstimos metodológicos discretos até o trabalho interdisciplinar dos area slut!ies, desenvolvido nos EUA dos anos 1950, ou a interpenetração da pesquisa antropológi ca e histórica no México atual. Na França, com as duas primeiras gera ções dos Anllales deu-se efetiva abertura pam a psicologia, a geografia, a estatística, a sociologia e a economia, à medida que se foi afim13l1do o alargamento temático dos estudos históricos. Nomes como os de Febvre, Bloch, Simiand eLabrousse toroa ram-se, por este motivo, familiares a gera ções de estudiosos?? A obra de F. Braudel é certamente a mais associad.1 a este empreendimento, co mo estudaram Bourdé e Martin e Dosse?8 Seus pontos de convergência com as ciên cias sociais são pelo menos três: o conceito de duração, semelhante aos "tempos múl tiplos" da sociologia de Gurvitch; o con ceito de estrutura, que refuta o exclusivis mo atribuído por Lévi-Strauss ao etnólogo para o seu estudo; e o conceito de modelo, emprestado por Bmudel particulannente na acepção do dem6gmfo Sauvy. Agindo desta forma, Braudel e os his toriadores dos AmUlles nos anos 1950 e 1960 alargaram o conhecimento histórico quanto ao objeto, quanto ao método e quanto aos problemas a colocar. Diluíam- se, oom isto, os efeitos mais perniciosos do historicismo (o abandono das "leis históri cas" J por exemplo) e esvaziava-se a crítica neo-racionalista que procumva valorizar os fenômenos sociais e psicológicos estu dados em dimensão atempoml. O estruturalismo de Lévi-Strauss, que parecia delimitar em definitivo o território do historiador e do antropólogo, dando a este o domínio exclusivo daqueles fenôme nos que tivessem "correlação funcional de elementos culturnis numa sincronia", aca bou caldeado nesta nova história. A possi bilidade teórica disto já fora anunciada por Bmudel em seu texto A história e as ciên cias sociais; a longa duração?9 A pesquisa dos anos 60 e 70 confmnou a sua fecundi dade. Entre vários exemplos, está a da pes quisa de Nathan Wachtel (1971) sobre A visão dos vencidos, na qual estuda a con quista da América fazendo os procedimen tos historiográficos e etnológicos move rem-se nos dois eixos, o diacronioo e o sincrônico: no do historiador, a noç..'io de tempo unifomle cedeu à do tempo múltiplo dos conquistadores c dos úldios, obrigan do·o a cstudar suas relações sincrônicas, no do etnólogo, passou-se a considerar em suas origens OS dois sistemas antagônicos. A co nvergência, portanto, é fecunda, não se justificando excludências, por fron teiras metodológicas. Afinal, como obser vou Hcrvé Martin, "um pouco de estruturn lismo afasta a história; muito, a reencon tra",40 Fazia-se, assim, quanto ao homem em sua di lllensão social e histórica, Ulna desco berta tão revolucionária como a de Einsteill e dos físicos que contestaram o paradigma newtoniano, descoberta que ainda não de sencadeou todos os seus efeitos: a existên cia de diferentes níveis do real, de múltiplos processos e, portanto, de múltiplas explica ções científicas e C/verdades contingentes" aos problemas41 epistemologicamente e metodologicamente colocados. Revolucio nava-se todo o conhecimento histórico e 154 ESlUOOS HISTóRICOS - 1992110 com ele antigos problemas de natureza epistemológica da investigação soeia I, re dimensionando-se, por exemplo, a questão da objetividade e reduzindo-se a da subje tividade a variáveis individuais que, embo ra importantes, não são capazes de condi ciona r todas as conclusões científicas de uma "comunidade acadêmica".42 A prática da pesquisa histórica, por ou tro lado, a partir dos anos 1930, mostrou como foi possível dar sustentação empírica às novas indagações teóricas, mesmo quando essas não fossem, pelos motivos expostos, claramente conscientizadas. Na história econômica, o estudo da rela ção entre preços, rendas e ciclos econômi cos (Simiand), da conjuntura econômica com a crise do Antigo Regime e de 1848 (Labrousse), da história da conjuntura com a geo-história (Chaunu, Mauro, Crouzet), dos modelos econométricos (New Econo mic History) e da hist6ria quantitativa (con tabilidade pública), apontou para fenôme nos até então insuspeitos ou não compreen didos pela velha "história econômica e soeial" à Pirenne ou pela interpretação dos modelos socioeconômicos, à Sombart . Na hist6ria social, o estudo de grupoS sociais, sua estratificação, suas relações e sua atuação, prorluziu-se como osAnna/es, o colóquio de Saint Ooud e os trabalhos de Le Roy Ladurie, P. Ariês e P. Goubert (ou, fora da França, com a pesquisa norte-ame ricana sobre estruturas familiares, a SozinL geschichte alemã ou a Iúst6ria dos movi mentos soeiais inglesa). Conduziu-se, as sim, esta especialidade a um aprofunda mento teórico e empírico que anulou quais quer simplificações historicistas, ou qual quer utilização ingênua de leis e determi nismos sociais, recupera ndo relações de sociedades tão diversas da contempoJânea como a estamentai do século xvm (Ric kert, Furet e Elias) ou as sociedades clássi cas (Veyne). Na história das mentalidades, intima mente ligada à história social, com temas inimagináveis há poucas gerações, tor nam-se necessários novos tipos de fontes e novos procedimentos heurísticos que aproximam, como diz Le Goff, o historia dor do etnólogo, a fim de surpreender o estágio mais imóvel das sociedades, recu perando "práticas e representações" (Char tier), "utensilagens mentais" (Febvre), "habitus" (panofsky), para compreender a eficácia histórica, na massa social, de va lores e crenças. Qualquer explicação de caráter cientificista, como por exemplo as derivadas do behaviorísmo ou do determi nismo sociológico, revela-se aí inevitavel mente empobrecedora e provinciana. Mesmo a Iúst6ria política, abandonando ou redimensionando a batalha, o tratado e o grande acontecimento e abrindo-se ao estudo dos mecanismos de poder para mui to além do Estado, para a psicanãlise do homem público ou as relações internacio nais, acompanha este movimento oopenú cano. Desta forma, as tendências básicas da historiografia apontam para um aprofun damento que exige, no plano epistemoló gico, uma crescente abastração, um distan ciamento do senso comum e uma revolu ção conceitual, enquanto no plano metodo lógico ocorre a "ida ao micro" através da seriação e da combinação de procedimen tos diacrônicos e sincrônicos. Inegavelmente, a primeira encontra-se mais hesitante e difusa do que a segunda. 111 - Possibilidades e desafios para uma epistemologia da história no final do século XX Preliminar: A objetividade e as opções explanatórias o desafio de uma epistemologia histó rica no Cmal do século XX ultrapassa de muito as fronteiras de um campo específi- FUNDAMENTOS E VIRnJAllDADES DAEPISlEMOLOOLADAHlSTÓRlA 155 co do trabalho intelectual, o da história. Da mesma foona como o historicismo, no sé culo XIX, assumiu proporções extraordi nariamente maiores,' espraiando-se para as demais ciências sociais e a filosofia, a "abordagem histórica" das questões, na classificação de Blanché, delimita, em re lação às duas outras abordagens apontadas pelo autor, um campo de interrogações e um universo explanatório que inclui o co nhecimento histórico, mas está longe de nele se esgotar. As várias vertentes da "escola de Frank furt", particularmente os trabalhos de Ha bermas a propósito da "razão comunicati va" e da modenúdade ou a obra mais antiga de Hockheimer sobre a filosofia da história; as criticas de Popper ao mecanicismo, ao indutivismo e às teses sobre a previsibilida desocial; a tese de Kubnsobre a ruptura dos paradiglll3s na história da ciência; a posição de CanguiUem sobre a lústória da ciência como laboratório da epistemologia; o re corte arqueológico de Foucau1t; todas estas posições, se por um lado revelam o descon forto, em diferentes áreas e pontos de vista teóricos, com os modelos evolutivos deri vados do historicismo, com os modelos sistêmicos que não conseguiram se desligar de seu lastro mecanicista e com as premis sas racionalistas de fundo begeliano ("todo real é racional e todo racional é real"� por outro lado apontam para a necessidade de equacionar as questões referentes à tempo ralidade e à historicidade nas diferentes culturas em novas bases. A maglútude das dificuldades pode ser representada com a colocação preliminar de duas perguntas: qual o substrato ontoló gico da lústória - a "história material" - e qual o substrato analítico da história - a "lústória formal" - à luz dos novos desa fios epistemológicos? Na concepção cientificista, as respostas seriam indubitáveis: o fato era a própria natureza essencial da lústória, enquanto a lei (ou o dado) traduziria seu significado analítico. Ou, no caso de recusa a tão rígido determinismo, admitir-se-ia a concepção corrente em alguns manuais de metodolo gia histórica do início do século, para os quais à sociologia caberia a descrição do típico pela lei, enquanto a história deveria circunscrever-se ao cCúnico" e clsingular".43 As concepções modernas em face da história, quaisquer que sejam seus quadran tes epistemológicos, simplesmente meto dológicos ou mesmo ideológicos, respon- , dem de modo inteiramente diverso. Aques- tão do substrato ontológico da história, respondem com as três durações de Brnu dei, os três níveis de Chaunu, a "rede rela cional" de Marnval, o 14relato verdadeiro" de Veyne ou as "práticas e representações" . de Chartier. À questão do substrato analíti co da lústória responde-se - embora alri buindo-seà expressão significados diferen tes - que o objetivo da fonoa 1ização te6rica do lústoriador é a colocação do problema. Trata-se, assim, realmente de uma revo lução copenúcana: o conhecimento histó rico enfrenta, no final do século XX, o desa fio de se definir um território episte mológico próprio, nao por mesquinb.1s ra zões corporativas, como as apontadas re centemente por Chartier,44 mas por uma imperativa necessidade gnoseológica. Adefuúção de um território epistemoló gico passa, necessariamente, pela relação cognitiva entre o sujeito cognoscente (ar mado, neste caso, de uma bagagem te6rico metodológica e uma pré-figuraçao do re corte da realidade) e o próprio objeto, deli mitado heuristicamente a partir daquela; ou, como diz Rüsen, no "começo da inves tigação coloca-se a pergunta histórica".4S As opções te6ricas - não considernmos aqui as estritamente metodológicas - com as quais se defronta o historiador contem poráoco nesta questão, que é basicamente a da objetividade (ou da objetivação, se se preferir evitar as implicações "essencialis tas" daquela expressão) do conhecimento 156 ESllJOOS HISTÓRICOS - 1992110 histórico, podem ser resumidas, sem o in tuito de esgotar o tema, mas para os efeitos desta argumentação, às seguintes: a) a via determinista, representada por defensores do detenninismo historicista, cuja preocupação fundamental é a defini ção dos "graus" ou "instâncias" de deter minalidade dos vários planos infra e super estruturais (Althusser, Vuar, Thompson, Poulantzas) e as suas relações com o redu cionismo às ciências naturais (Schafl).46 b) a via relativista-<Jbjetivista, funda mentada na crítica à indução e ao reducio nismo metodológico das ciências sociais às físico-matemáticas, embora reconhe cendo a semelhança epistemológica básica de todo o enfoque científico (princípios da refutação das teorias, da contrastabilidade e da autonomia do Mundo Três) (popper, Maraval).47 c) a via bermenêutica, buscando, na tra dição de Herder e Diltbey, refinada pelo instrumental filosófico e psicológico deste século, reconstituir a teleologia dos agen tes sociais a partir de suas expressões dis cursivas e/ou simbólicas (Ricoeur, Gada mer, Mommsen).48 d) a via arqueológica, no sentido fou caultiano, já intuída em Nietzscbe, elimi nadora de categorias supostamente intem porais cuja co-naturalidade ao homem en quanto ser social é refutada em nome de uma historicidade dissolvente e cujo pro duto é somente um "relato verídico" (Fou cault, Veyne ).49 e) a via meta-histórica, no sentido dado por Hayden White, na qual se associa a "história propriamente dita" e a "filosofia da história" e onde se busca não os concei tos operacionais do conhecimento históri co, mas as "intuições poéticas" (no sentido aristotélico) subjacentes, expressas nos "modos" formais da loctáfora, sinédoque, metonímia e ironia; neste ponto de vista, a versão científica do conhecimento históri co é apenas uma das opções e, mesmo nela, os supostos epistemológicos remetem-se a um número moral e estético ainda mais profundo.50 Muito pouco resta, portanto, da velha querela, que boje soa como pré-científica e superficial, em tomo da subjetividade, objetividade, intersubjetividade ou neutra lidade do conbecimento histórico, dado o grau de sofisticação teórica a que, nas últi mas décadas, chegou-se neste campo. O problema da objetividade, assim co locado, desdobra-se nas questões decor rentes da natureza do processo histórico e da explanação ou discurso histórico. 1. A "natureza H do processo histórico A noção de processo enraiza�e no sécu lo XVIII, aparentando-se, etimologica mente, à de progresso. Foi a denominação encontrada na biologia e na história da Dus tração para caracterizar os fenômenos que escapavam ao modelo mecalúcista, identi ficando-se ClTOneamente, como demons trou Garcia Morente, com o também sete centista conceito de progresso, isto é, quan do lhe foi agregado um sentido valorativo. Não é o caso de entrar na discussão filosófica provocada pelos estudos de Berg son e de Whitehcad sobre a idéia de substi tuir a "metafísica da substância pela meta física da fluência", mas deve ser assinalado o fato de que, em muitas disolssões episte mológicas e metodológicas sobre o conhe cimento histórico - como a que menciona mos em Veyne - surgiram acusações às diversas correntes marxistas, positivistas e evolucionistas justamente pela preocupa ção de encontrar, por trás dos fenômenos "aparentes" à percepção, processos ocultos f1JNDAMENTOS E VlRllJAI IDADES DA EPISTEMOLOGlA DA lUSTÓRlA 157 que encaminhariam o devir histórico. Um confronto, aliás, entre a NouveUe Histoire e o marxismo acadêmico francês das 6\ti· mas décadas mostrar-se-ia fecundo, espe cialmente ao distinguir as "forças profun das" em Braudel ou ehaunu, na história social e na história das mentalidades não marxista com as onipresentes "formações sociais" e seus respectivos "modos de pro dução" dos historiadores marxistas.51 A noção de processo histórico foi exaustivamente utilizada de modo impüci to ou explícito pela "história-historlzante", sublinhando, assim, o caráter linear, suces sivo e por fases dos acontecimentos histó ricos, o que certamente contribuiu para o desgaste do conceito à medida que se con solidou a oposição ao historicismo e ao objetivismo positivista, na primeira meta de deste século. Tais críticas, representadas entre outras correntes, como já foi observado, pela Ne:w History norte-americana, pelo movimento dosAllIlllles e pelo estruturalismo antropo lógico, num" primeiro momento, fizeram substituir à noção de um processo unilear e hegeliano uma multiplicidade de "evolu ções" ou teprocessos", simultâneos, às ve zes reticulados e até antagônicos DO mesmo quadro geográfico e social: a proposta brau deliana de três patamares, correspondendo a três ritmos temporais diversos, ou a hipó tese enunciada por Labrousse de que o nível econômico é retard.1do pelo social e este pelas mentalidades,52 supõe simultaneida de e entrecruzamentos de processos ou "sé ries" de acontecimentos. Embora aí se re cuse, a despeito de algumas oonOuências com o marxismo, a idéia de uma estrutura arquétipo velada, ela é um risco sempre presente em construções intelectuais e pro cedimentos operacionais deste tipo. Mais profunda é a interpretação que sublinha a descontinuidade radical dos processos e sua constituição em núcleos que se agregam e desagregam em circuns tâncias conjunturais específicas, como em Foucault A inovação da Hist6ria da lou cura (1961) e do Nascimento da cllnica (1964) está justamente na ruptura oom uma concepção linear, Uhistoricista", e no estu do de uma multiplicidade de saberes sobre aqueles objetos, perspectivas que se apro ximaram das ciências humanas emAs pa lavras e as coisas (1966) eArqueologia do saber (1969). A "revolução" de Poucault, na expres são de Veyne, arrombou algumas portas53 e adentrou por outras já abertas, mas teve o mérito de trazer para a frente da cena teórica questões oomo a do saber, da oon ceptualização, da ruptura, do poder (que desenvolveria mais tarde) e da crítica à idéia de progresso. Mais que tudo, mais importante mesmo que a defesa da descontinuidade, foi a ne gação da essência de categorias, conceitos e "realidades". Em nossa opinião, a ques ião da descontinuidade reduz-se a mero problema formal se comparado à concep ção, ião fecunda para a renovação da idéia de processo histórico, de que não existem categorias e realidades co-naturais ao ho mem ou à cultura, mas definidos pela sua própria historicidade e, portanto, assumin do papéis diferentes - ou se�uer existindo - em outras historicidades. lãl concep ção não nos remete, como já se supôs, a qualquer historicismo, sohretudo hegelia no ou marxista, mas à concepção existcn· cial, à Heidegger, de historicidade. É irre levante discutir a existência ou não de uma genealogia entre eles: mais significativo é perceber que a historicidade foucaultiana implica afirmar a radical idade da existên cia histórica do homem, isto é, a rejeição dos resquícios de idealismo ou de realis mo: nega, portanto, as concepções e as práticas historiográficas delas conseqüen tes, o que inclui as grandes me1odologias sociais do século XIX. Mais especifica, mas não menos sinto mática, é a revisão da hist6iía científica conforme feita por Kubn (1962):55 também 158 F.S1lJOOS IDSTÓRlCOS - 1992/10 aí rompe-se com a idéia de continuidade do conhecimento científico, também aí o "pro gresso" do conhecimento em determinados campos faz-se nos limites de uma comuni dade acadêmica pela refutação (Popper) de pa.radigmas, também aí os conhecimentos são referidos a determinado contexto e não a uma evolução rnauolinear. Assim concebido o processo, reelabora se toda a questão cognitiva da história. Da mesma forma como as várias abordagens físicas "descobriram" os diferentes níveis do real, também o encontro de "segmentos profundos", "rupturas e descontinuidades", Clcamadas inconscientes" e "tempos múlti plos" provoca o surgimento de diferentes objetividades/objetivações, com resultados científicos diversos e relativos a cada nível de observação do mesmo quadro histórico considerndo. 2. A explanação histórica: da abstração à teoria Na sua versão inglesa e norte-america na, a questão da explanação histórica assu miu, freqüentemente, o caráter de análise lógica e conceitual da exposição historio gráfica, entendida como produto final de uma investigação ou de questões teóricas; é o sentido que lhe dã0'7Porexemplo, Gardiner,56 MandelbaumS e Drnl8. Na ver são alemã mais recente (Rüsen, Koselleck, Jaeger), tem o caráter de fundamento e controle epistemológico e metodológico da objetividade e da subjetividade do pro duto historio gráfico, atrnvés, entre outrns possibilidades, da crítica dos conceitos e categorias utilizados pelos historiadores, de seus procedimentos metodológicos ou da síntese entre teorias parciais, explica ções, descrições e narrativas punctuais.59 Na versão frnncesa do movimento dos AmUlles, ela buscou ser, originalmente, a descrição historiográfica dos resultados da investigação conduzida sob a forma de pro blemas (no sentido da "história-problema" de L Febvre). Embora fiel a este suposto, aliás análogo às correntes científicas domi nantes em outrns áreas, autores como Vey ne, Furet e Certeau introduziram nos anos 60 e 70 variantes como a rcdu�o da expla nação histórica a um enredo; a explana ção construída a partir da interpretação de grnndes massas documentais, atrnvés da história serial61 ou a explanação reveladorn de discursos marcados pela alteridadeentre o sujeito cognoscente (e seu referencial cultural) e o objeto conhecido, isto é outro sujeito bumano.62 A explanação ou o discurso historiográ fico assumem, desta forma, seu caráter re ferido e dntadn, não mais - ou não mais apellas - atmvés de quaisquer formas sub jetivas (percepções individuais, condicio namentos idcológicos, por exemplo), mas por instrumentos cognitiva mente controlá veis (mecanismos lógicos, procedimentos metodológicos, opções epistemológicas). A explicação que daí Ilui torna-se caleidns c6pica (como um jogo de xadrez sem pa péis pré.<Jetermi nados pam as diferentes peças, na feliz intagem de Veyne)63 ou lacunar (no sentido de que, embom basea do em provas, o conhecimento do historia dor é cheio de incertezas ou lacunas, que ele pode tentar neutrnlizar por procedimentos como o da retrodição - em Veyne - ou das opções de verossimilhanças, conforme su geridas em Natalie Davis e Carlo Ginz burg).64 Em ambos os procedimentos, po rém, tmta-se de narrativa fundamentada em alguns tipos de prova, indicio ou dedução, objetiva, portanto, e não um exercicio sub jeti vo ou ficcional. Tal conclusão, ainda não plenamente conscientizada, não produziu ajnda todos os seus efeitos no campo das diferentes especialidades em quese exercc atualmente o ofício do historiador e, muito menos, no seu território teórico. FUNDAMENTOS E VIRTUAl IDADES DAEPISn:MOLOGIA DAH1STORIA 159 Ela permancceni, entretanto, ciJcun<eri la e pouco relevante, para não dizer inócua, se Dlo for relacionada às transConnaçóes globais da epistemologia contemporânea: OJiliO as demais ciências de ponta, a história se eocaminha cada vez mais para a abstra çiO, para a cons�ção de �maproblemática referida 1 comuOldade clenllfica e para o refinamento de sua cooceptualizlção. Sobre a abstração, aliás, a entendemos t '" I" t · enquanto aspec o lonna ou ca egona aoalftica de pensamento, e não enquanto "explicação material", teoria ou filosofia .'materiais" da hist6ria. Aressalva é impor tante, uma vez que um autor que temos citado com freqüência - Paul Veyne reCerindn-se ao historicismo afinna que . - . Uas teonas sao o que menos se necessita; em história, o núcleo de um problema não é jaj11ais teórico (enquanto pode sê-lo nas ciências); tampouco está na crítica dos do cumentos. Seja para explicar a queda do Império Romano ou as origens da Guerra de Secessão. as causas estão ali, disper sa5".65 Mais adiante, OJ.1S DO mesmo argumen to, afinna que "a história está condenada a tentar captar a realidade de uma rede de abstrações", procedimento cujo risco é o de buscar as "substâncias que constituem a história".66 Tres questões surgem aí e demandam esclarecimentos. Em primeiro lugar, as teorias explanat6- rias da "história material", às quais se reCere o autor, certamente são plenamentedispen sáveis, e admiti-Ias seria recair numa práti ca historicista que não mais cabe na episte mologia contemporânea. Seja sob a Corma esvaziada das "filosofias da história" do sêculo XX, seja sob a fonna das grandes mctodologias da análise social do positivis mo. evolucionismo ou muxismo, pré-defi niruma "teoria" é admitir-lhe uma materia lidade que se choca com a linha epistemo lógica que vimos desenvolvendo. Tais "Ieorias" são absolutamente ... anti-históri- cas ou antiepistemológicas (no sentido de uma epistemologia relativista). Uma das virtualidades da epistemolo gia em relação l história é exatamente o refinamento de sua autolocalizlção teórica e de seu aparelho conceitual; certamente não é a sugestão de modelos interpretativos ou a descoberta de "números" utipicamen_ te históricos". O primeiro problema é me todológico, não epistemológico; o segun do não passa de resquício ioetafísico. Em segundo lugar, o nso da noção de causa gera equívocos desnecessários. Se Veyne o Caz, é devido à sua herança para com Aron e deste com Weber, embora no trecho citado ele a utiliu não no sentido metodológico weberiano, mas no de senso comum. Ora, substituir uma "teoria mate rial" por uma explicação derivada do senso comum não parece ser nenhum avanço cognitivo (mesmo para quem, como Vey ne, não coosidera a história uma ciência). O melhor encaminhamento à questão seria, a nosso ver, a elaboração de uma problemática em tomo do eixo teoria (= pergunta) x praxis (documental) e a cons trução de conceitos ad hoc, que a encami nhasse ou solucionasse.67 O próprio Vey ne, ai iás, em textos seguintes, parece enca minhar-se para, pelo menos, a segunda fase desta solução. Finalmente, afinnar que a "história está condenada a tentar captar a realidade de uma rede de abstrações" vale, igualmente, para qualquer ciência, desde que não se tenha dela uma concepção positivista: bas ta lembrar, por exemplo, a relação que existe, na física, entre átomos e isótopos. Mais uma razão, portanto, para o refina mento teórico (no sentido de "história for mai") do conhecimento histórico, o que certamente terá conseqüências em nível de "história material", pois esta "rede de abs trações" será, na "realidade", uma "rede de relaçóes", na expressão de Maraval -o que de pronto elimina qualquer concepção es- 160 ESlUOOS JflSTÓRla:>S - 1992110 seneialista OU substancialista de buscarnú meros lrans-hislóricos. Por outro lado, a propósito desta teori zação em História, tomou-se relativamen te freqüente a queixa de que os historiado res escrevem cada vez mais para sua pró pria comunidade e cada vez menos para o público. Isto é verdade, boje mais do que há décadas. Mas não há o que lamenta r: o conhecimento científico tende cada vez mais à ruptura com o senso comum c, mesmo quando não o faça, muitas vezes não se adapta à linguagem comum; cada vez mais são necessários categorias e con ceitos que não 1Isamos no quotidiano, mas que nos aproximam da problemática estu dada, mediatizando o conhecimento. Como em outras ciências, a da história já não pode, atualmente, em detenninados campos, dispensar o uso de duas lingua gens: a científica, que faz avançar o conhe cimento através da refu�1ção de teorias e reelaboração de problemáticas, e a da di vulgação científica ou cultural, que se des tina ao público não-especializado. Por via de conseqüência, mudam a con cepção de processo histórico e o papel da conceptualização. 3. A explanação: da conceptualização ao problema o problema da conceptualização é dos mais antigos da tradição filosófica ociden tal. A necessidade de apreender logica mente os dados brutos da observação foi problema enfrentado portodas as correntes de pensamento, ligando-se intimamente à questão da subjetividade ou da objetivida de admitida para o conhecimento. Croce, a este respeito, dizia que o historiador - co mo qualquer outro observador - seria in capaz de apreender quaisquer dados empí ricos sem conceituá-los de algum modo �A lógica como ciência do conceÍJo puro). Elo de ligação enlre o real e o investiga dor, a relação entre o conceito c a realidade que procura descrever ou apreender varia de acordo com a subjetividade ou a objeti vidade suposta nos diversos campos do conbecimento e abordagens epistemológi cas e metodológicas. O conceito assim concebido variou da sua plena identifica ção com o puro fato material, como no reísmo, ao seu total descomprometimento com o real, como no solipsismo. Dentre as várias definiÇÕCS. lipologias e aplicações dos conceitos, são relevantes, para o conbecimento histórico, além da de Aristóteles, as de Marrnu, Croce, Weber e Veyne. A tipologia clássica, aristotélica, que fundamentou as demais ou serviu-lhes de referencial, considera os fenômenos 001110 pertencentes a categorias universais, parti culares ou singulares, utilizando um crité- rio de generalidade. Marrnu, por sua vez, I os agrupa em quatro grandes categorias, os já muito conhecidos conceitos de Hambi ção universal", de uso analógico ou meta fórico, os tipos ideais à Weber e os histori camente condicionados.69 Tais classifica ções, naturalmente, não passariam parcial mente pelo crivo de um L. Febvre, por exemplo, para quem não existiria um ho mem Hetcrnamente igual a si mesmo". Também sem preocupação com a rela tividade histórica é o critério lógico de Croce, ao considerar o conceito u m con junto de juí7.os afinnando de um sujeito singular um predicado universal (S é P)?O Para Weber, no seu esforço para apre sentar uma altemativa metodológica ao marxismo, os conceitos de tipo ideal, como a noção de causalidade, constituem impor tantes instrumentos contra a idéia de "leis objetivas" da história, incorporando à aná lise sociológica tocquevilliana elementos da tradição bennenêutica.7t A concepção de Paul Veyne é a de que a função do conhecimento histórico é con ceituar o "todo confuso" do devir, o que se FtJNDAMENTOS E VlRIDAI IDADES DAEPlSTEMOLOOlA DA IllSTÓRlA 161 caracterivuia como um trabalho mais filo. ífi 72 sófico do que clent co. . Aliás, palll Veyne, somente pequena parte da história pode ser objeto da ciência, aquela em que os acontecimentos humanos são explicados à semelbança dos natulllis, com call1cterísticas necessá rias e gernis. No processo histórico existiriam, assim, ele mentos necessários, suscetíveis de explica ção física, as coisas que acoll/ecem ordillll riamell/e ("cabelos emblllnquccem aos 40 anos", "cidades modernas possuem bairros comerciais") e elementos puramell/e aci den/llis ("João sem Terra passou por aqui'} A história teria, assim, muito d� acidental e alguns núcleos de "coisas necessárias" e de "coisas que acontecem ordinariarncnte".73 Tal fundamentação epistemológica, claramente semelhante à concepção de Kant sobre a compatibilidade entre o de terminismo ao qual o homem estaria sub metido como ser biológico e sua libenlade moral (Idéias para a história de um pall/o de vista cosmopolita) explica a ligação de Veyne com as teses de Aron, por sua vez ligado, via Weber, aos neokantianos.74 Como não existem "chaves" da dinâmi ca histórica, diz Veyne, porque não há mo tor do devir,'5 a explicação histórica não pode ser buscada em leis de inspiração newtoniana, mas está baseada em silogis mos implícitos na retrodição da narrativa, na preocupação de "preencher os claros" através de húerencias, retiradas por sua vez da vida quotidiana e amparadas numa su posta compreensão da "natureza humana": a isto se resumem as deduções e indu� que constituem a explanação histórica.76 Isso não significa, segundo o autor, não haver progresso no conbecimento históri co, evidente nos textos de Bloch e Duby sobre um mesmo assunto. Mas este pro gresso não consiste !", "descoberta de me canismos e motores", mas na conceitua�o não factual, num crescendo deabstração.77 Este é, justamente, o centro da crítica histórica de Paul Veyne. A conceituação histórica é fruto não de uma pesquisa ex perimental ou da descoberta, mas de uma apercepção intelectual. CompalllDdo o pa pel do físico e o papel do historiador, �yne afirma que, enquanto o priuo:iro deve des cobrir a equação de um fenômeno, ao se gundo cabe "inventar cooceitos".7a Assim, o conceito assume característi cas semelhantes ao tipo ideal weberiano, com o objetivo de dar maior precisão ao conbecirncnto histórico. Ao contrário do romancista, que ICClia o real, o historiador limitar-se-ia a dar-lhe seu equivalente con ceitual. Os conceitos não nascem, entretanto, da pura anãlise epistemológica, mas do pro.. prio uso social, inclusive ideológico. Um dos trabalhos do historiador consiste, por tanto, em criticar sua po1issemia. - A rncdida que o conbecimento histórico se refina conceitualmente, pa •• a de uma "relação de valores" superficial para uma weberiana "razão de conhecer" ou "socicr logia". Ou, na expressão de �yne: "a con ceituação faz pa&<3r do conbechuento da história ao conhecimento da energia da história e da natureza humana".'9 O refmamento conceitual da história corresponderia, aliás, no plano das ciências sociais, a idêntico refinamento da física, ambas impulsionadas pelas sociedades modernas em marcha para uma clescenle racionalização.80 A complwnsão concei tual de uma só coletividade, com a condi ção de ser totalmente apreendida, diz peri gosamente Veyne, repetindo Aron, talvez revelasse a essência de todas as coletivida des.SI A diferença entre a conceituação física e a histórica, finalmente, estaria em que os conceitos físicos definir-&e-iam nwre � melrico, enquanto os conceitos históricos constituir--se-iam numa tópica, isto é, numa formulação em que se admite não só des conbeccr o ponto de partida como omitir uma possibilidade que poderia resolver o problema.8Z 162 ESlUOOS HJsTóRICOS - 1992/10 Não é possível, entretanto, como fez Veyne, separar a tópica da abstração con trolada. A conceptualização só se realiza plena mente se possuir um sólido fundamento teórico ... mesmo que não seja epistemoló gico. Isto explica por que os conceitos e interpretações de Thcídides ou de um his toriador providencialista são mais sólidos e mais claramente conscientizados do que os dos cronistas "meramente narrativos" ou mesmo do que os da maioria dos histo riadores entre Ranke e a Segunda Guerra Mundial. Estes últimos freqüentemente pressupunham conceituações, atribuindo lhes uma validade universal (o capitalismo grego em Glotz, por exemplo), que não resistem à análise lógica mais superficial. Onde irá buscàr o historiador contem porãneo seus pressupostos? Fora da histó ria: na teologia, na ética, no direito natural? Em algo tão vago (emboia com freqüência ocorra, como lembra Veyne aprovadora mente) como a "experiência da via quoti diana"? Não. Parece-nos razoável que vá buscá los numa fundamentação teórica comum às demais abordagens epistemológicas (pensamos na tipologia de Blanche') e ao mesmo tempo particular da "epistemolo gia das sucessões". A operacionalização desta epistemologia histórica far-se-ia já se faz freqüentemente, muitas vezes de fonoa empírica, na investigação histórica contemporãnea, em especial na história econômica, na história social e na história das mentalidades - compatibilizando con ceptualização, por um lado, com na"ação (armai, o substrato, historicamente concre to, do conceito), por outro. A ligação entre ambos é o problema hist6rico. Acapacidade de criar problemá ticas é inerente à constituição da ciência pós-paradigma clássico e somente pela ca pacidade já demonstrada em vários cami nhos diferentes (social, econômico, men tal) de produzir, resolver e encamillhar pro- blemas, o conhecimento histórico provou se científico, ou oom "núcleos" de cientifi cidade. Não é, e aqui nos separamos de Veyne, por não ser capaz de enoontrar um "motor" do devir que a história deixa de ser nm campo científico. Este raciocínio combina aristotelismo e física newtoniana, desem boca no cientificismo do século XIX e não vai além, pois ignora a revolução episte mológica posterior. Poder-se-ia também indagar: qual o "motor" da física, se a lei varia com o número e há várias físicas? Um campo do saber torna-se cientifico pelas suas possibilidades de problematiza ção, isto é, por possuir objetos considera dos relevantes pela lógica interna do cam po e/ou pela sociedade, teorias concorren tes dispolÚveis, métodos, um certo número de questões a resolver e um "estado da arte" que lhe permita identificar aporias, avanços e retrocessos na investigação. Aproblemática histórica assim elabora da - e o sabe atualmente qualquer pesqui sador de história com preparo adequado - permite-lhe um conhecimento mais elabo rado (não necessariamente mais "aprofun dado") do que o das gerações precedentes, orientando o emprego dos instrumentos conceituais e a técnica narrativa. Combinando as categorias até aqui re vistas, poder-se-ia admitir: a. é necessário traçar-se um territ6rio de objetividade (ou objetivação) do conbeci mento histórico, capaz de fazê-lo lógico (internamente articulado) e coerente (com patibilizando premissas, meios e produ tos), para ampliar o grau de precisão e intelliubjetividade, na comunidade cientí fica, deste conhecimento; b. a explanação hist6rica eXeice-se so bre um objeto, que é o processo histórico entendido como uma rede relaciona!, ou séries de acontecimentos/fenômenos en- FUNDAMENTOS E VIRTUAl IDADES DA EPISTEMOLOGlA DA mSTÓRIA 163 trecruzados e que admitem uma variedade de significados, dados pela perspectiva epistemológica-metodológica do historia dor, confonne este se refira a tempos cur tos, médios e longos, a relaÇÕeS de poder, de produção, de trocas sociais e de valores ou, ainda, a estados/manifestações COffi cientes ou inconscientes, individuais ou coletivos, efetivos ou simbólicos; c. a explanação histórica comporta dois planos complementares de exteriorizaçao, articulados pela problemática: o da con ceptualização, que consiste na aplicação de conceitos já existentes às situações con sideradas, ou à invenção de novos, e o da narração, que encadeia conceitos e dados numa estrutura explanatória objetiva, isto é, lógica e coerente, cuja precisão pennite atingir aquele território de objetividade, ainda que se refira a objetos cuja percep ção, por estar fora da zona de consciência de nossa psiquê, no argumento de Veyne, pareça imprecisa e impressionista. Por outras palavras, sustentamos que não só é possível como desejável que o conhecimento histórico atinja um território de objetividade, mesmo lbue não exista, ao contrário de Paul Veyne, alguma "essên_ cia", no sentido plenamente mosófico, das coletividades. Embora relativamente pouco explorado e às vezes até hostilizado por lhe faltar o caráter de "história positiva", "documen taI", o campo da história da historiografia, neste aspecto, é crucial para o aperfeiçoa mento teórico da ciência histórica, ou mes mo de modo mais lato, do conhecimento histórico. Por que não avaliar criticamente a produção historiográfica com o fim de rermar procedimentos intelectuais de nossa própria "operação historiográfica"? Não há, evidentemente, nenhuma razão episte mológica, lógica ou metodológica para não fozblo, exceto o 3IgUmento que afirma não ser este tipo de investigação ... história. De fato não o é: trata-se de, confonne o objeto, epistemologia ou metodologia da história. Mas não se conhece, na história do pensa mento científico (vale dizer do século XVI em diante) nenhuma ciência que tenha se desenvolvido sem uma reflexão te6rico metodológica sobre sua própria natureza, objeto, procedimentos e fins. No desenvolvimento de uma história da historiografia, aliás, já existem, senão mo delos, pelo menos alguns procedimentos encaminhados que ultrapassam a antiga concepção cronista ou catalográfica. Pen samos no �o de trabalho elaborado por Carbonell, apoiado na sociol0f;ia do co nhecimento, e no de Koselleck, buscan do identificar a lógica interna da constru ção do discurso. A identificação das estratégias narrati vas e o uso consciente ou inconsciente de conceitos históricos ou categorias mais abrangentes pelos historiadores e (por que não?) pelos clOnistas, pode enriquecer a compreensão do papel desempenhado pelo conhecimento histórico em diferentes cul turas e ajudar no aprofundamento da ques tão do significado da historicidade e da temporalidade nas sociedades, particular mente quando tais concepções se chocam nos "encontros de culturas" -como ocorreu na dominaçao romana, no ilÚcio da Idade Média ou na colonização da América. Finalmente, cabe observar que, assim como a metodologia da história aperfeiçoa seu instrumental para passar do individual ao coletivo, do explicito ao não-dito, à epistemologia histórica cabe aperfeiçoar teoricamente o conhecimento histórico, sedimentando o caminho da abstração, a partir não mais das categorias mosóficas a priori (filosofia do século XVllI) ou como desveladora de uma arquitetura velada pe las "aparências" ou pela "falsa consciên cia" (metodologia do século XIX), mas da pennanente interação entre a teoria e a prática da pesquisa. Esta interação baseia se cada vez mais no suposto epistemológi- • 164 ES1lJDOS tnSl'ÓRl(X)S - 1992/10 co que define o objeto histórico como o fenômeno (e não mais o fato), o método histórico como a equação do problema (e não mais a formulação da lei) e o produto como sendo o conceilo (e não mais a des crição). CONCLUSÃO A epistemologia hislÓrica relaciona-re, como procuramos demonstrar, com a epis temologia geral, na medida em que esta procura equacionar problemas oriundos da quebra do paradigma clássico, emSU3S ver sões cienlillca, filosófica e histórica, fome cendo subsídios para o aperfeiçoamenlo do processo cognitivo da ciência enquanto uma das fonnas gerais do conbeeimenlo. O papel de uma epistemologia hislórica desdobra-se, .'''im, em dois aspeelos si mullâneos: ela é uma das abordagens epis temológicas possíveis da epistemologia ge rai, devido à nalUreza específica de cer105 fenômenos que se desenvolvem no territó rio da "epistemologia das sucessões"; e fundamenta o "campo histórico", na medi da que contribui para seu aperfeiçoamento teórico atravês do conlrole critico de seus processos explanatórios, como a precisão conceirual e a lógica do argumento. Sob esle aspecto cabe-lhe uma posição "racio nalista crítica" em face dos resullados - teóricos e não empíricos - da investigação histórica. Este ponlo de vista poderia ser subscrito inclusive por aquelas posições nas quais a preocupação epistemológica não é, neces sariamente, central, como as de Foucaull e White, uma vez que a epistemologia teria papel geralmente conoborador mesmo em enfoques que remetessem para outros as pectos, como os estéticos e os éticos. Porvia de conseqüência, toma-se neces sário aclarar as relações da epistemologia hislórica com a melodologia e a hislória da historiografia. Com a primeira, ela cumpre o papel de eliminadora, neutralizadora ou resolulora das aporias cognitivas do coube cimenlo hislórico, que têm seqüelas meto dológicas mas não são, especificamente, questões metodológicas' os problemas da objetividade/objetivações na explanação, da nalUreza do processo, da elaboração conceprual, ou do significado das catego rias aprioristicas na delimitação da investi gação. Em qualquer das duas grandes ver tenles melodológicas da história, a análise de sistemas sociais ou a hermenêutica, tais proeedimenlos epistemológicos revelam se fecundos e promissores. Tal constatação não deve, obviamente, considerada toda a argumentação até aqui desenvolvida, im plicar reduzir as virtualidades da epislemo logia hislórica a mera propedêutica melo dológica. Epistemologia e melodologia são selares cognitivos cujas relações podem ser sumarizadas no sentido estritamente jurídi co do coneeilo de autonomia: não são in dependentes entre si, nem vinculados são autônomos, porque relacionam-se guardando sua própria especificidade. Quanlo à história da historiografia, ela é, pareoe-nos, o campo por excelência do exercício daquele conlrole crítico dos pro cessos explanalórios, no sentido que vimos empregando, de Canguillem, quando afir ma ser a história de uma ciência (e espe cialmente de sllas concepções) o "labora tório da epislemologia" daquela ciência.Só Notas 1. A1exander Koyre, Do mundo fechado ao universo infinito, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p.195 e sego;., e Éludes d'histoi", de la poISie phi/osophique, Paris, Gallimard, p.253 e segs. O que oompreende, inclusive, sua extrapolação desde o século xvm, enquanto método, para outros campos do oonhecimento, implicando, � �poca do lIuminismo, a dttrota da fisica carte siana, devido, sobretudo, a \bltaire e d'Alem- FUNDAMENTOS E VIRllJAIIDADES DA EPISlEMOLOOlADAHlSTÓRlA 165 bert, oonforme demonstrou Cassirer (E. Cassi rer, The philosophy of lhe E.üghtonmenl, Bos ton, Beaoon, 1966, p.54 e 55). Observe-se que este "'modelo newtoniana" teve uma versão me canicista e materialista mais simplificada (e re Cutada na Enciclopédia) com Holbacb e Lamettrie, irrelevante no século XVII e retoma da DO século XIX por várias correntes do pensa_ mento filosófico e sociológioo� oonforme E. Cassirer, op.cit., p.55-566. O estudo destas su «-sivas extrapolaç6es, chegando ao Qmbeci menta histórico, fizemos em Amo Wehling, ·Um problema epistemológico iluminista: a su cessA0 histórica nos 'quadros de ferro' do para digma newtoniana". Revista da Sociedade BTtlsi�ira de Pesquisa Hist6rica, Curitiba, nQ6, p.23-32, 1991. 2. Amo Wehling, "'Kant e o oonhecimento histórico (a idéia de história e I sociedade DO 5&;ldo XVI]]". CiÕtcias Humanas, Rio deJanei ro, 7, 20/24, p.30 e segs., 1984. 3. Augusto Comte, Systb.o de poliliquo pc silive, Paris, Sociedade Positivista, 1929, vol.II, p.SO. 4. Émile Simarel, Nalura/eZJJ y a/canco dei metado cientifico, Madri, Gredos, 1962, p.455; Amo Webling, Os nlveis da objelividade hisl6- rica, Rio de Janeiro, APHA, 1974, p.20 e segs. S. Robert BJanché, Liepistemologie, Paris, PUF, 1972, p.35. 6. A distinção de Pisget aproxima-se mais do trabalbo do historiador do que a de Blanché quanto ao que chamamos adiante -história ma terial", isto é, a sucessão nos processos históri cos, uma vez que a considera ·parcialmente fortuita devido 80 entreauzamento das séries causais· (Jean Piaget,lntroduct;on d I'épistemo l.ogie génltique lI, la pensá physique, Paris, PUF, 1950, p.I88). Quanto ao processo de 00- nhecimento, Piaget associa a iovestigaçAo psico genética à histórico...critica, considerando-as sinônimo de ·modos de aaéscimo dos oonheci menlas na medida em que se baseiam em um sistema de referênda ooDsLiturdo pelo estado do uber admitido 00 momento considerado" (Jean Piage� op.at.. parte I, La pensú mathémalique, Paris, PUF, 1949. p.45). Por esta razão, oonside ramos, quanto a este aspecto, mais útil a distin· çio mencionada, de R. Blanché (op.cit., p.38). 7. Gehard RiUer, "Leistungen, Probleme und Aufgaben der intemationale Geschichtsscberei· bung zur neueren Geschid:J.te", in ReuJZ;otU: dei X Congresso InJemazionak di Scienu, Floren· ça, 1955, vol.VI. 8. Entendemos como referenciais desll preo cupação, em diferentes contextos, obras como as da "filosofia crítica" norte-americana (por exemplo, WiUiam Dray, "'The historian's prob lem oC selection", in E. Nagel, P. Suppes e A Tarslci, Logic, ",otJwdology and philo.sophy 01 scimce, Stanford University Press, 1962, ou Ro dolph H. Weingartner, "The qua",:1 about histo rical explaoatioo", The Jounoal 01 Phiiosophy, 58 (1961), p.29 aegs.); Paul Veyne, Co,"",enI o. écrill'histoire, Paris, Seuíl, 1971, e "A bistória cooceitual in J. Le Goa e P. Nora", in Hist6ria: novos objetos, no�s métodos, IIOvas aborda gens; R.Koselleclt, WJ.Mommsen e J.Rüseo, Objelctivitãt "na PartemcJJceâ ifl der Gt!.Scni chtwis"". schaft, Munique, 0111, 1978; I.Kodta e T.Nipperdey, �orie 14M Erziihlu"g in der Geschichle. Munique, D1V, 1983j K.Acham, e W.Schulze, TeU UM Ganzes, Munique, DTV, 1990; José Antonio Maraval, Teoria deI saber historico, Madri, Rev. de Ocx:idente, 1967. 9. C.O.Broad,EI pmsamiullo cientifICO, Ma dri, Tecnos, 1963, p.126 e segs.j Henri Poocart, Science et ",élhode, Paris Flamarion, 1947, p.215-230. Tratamos o tema mais extensameote em Os nlveis da obje.tivid4de lIist6rica, Rio de Iaoeiro, APHA, 1974, p.20 e segs. 10. I05e Ortega y Gasset, "EI sentido histori co de la teoria de Einsteio", inEl tema de ltUesl,o tie",po - Obras Compldas, Madri, AlisoZl, 1983, vol.ID, p.222 e segs. 11. Estes a'p<'d", Coram tratados em especial por Robert G. Collingwood, Cil""Uz o fiiosofüz, Lisboa, Presença, sld, p.212 e segs.; E.Simard, op.cit., p.340e segs.; R.B. Braitbwaite,LA apli caci6" c�ntifica, Madri, Tecoos, 1965, p.377; Kar! R. Popper, A 16gica da invi.tigaç4o ciolll( fica, São Paulo-Belo Horizonte, EDUSP-lta tiaia, 1975, p.30 e segs. 12. O que nAo implica, evidentemente, ao contrário das posições: cieotifidstas, a sua pere nidade, mas o fato dequese toma objetivo e, por isso mesmo, criticável e refutáveJ. Karl Popper, ConhecimenlO objetivo, São Paulo-Belo Hori zonte, EDUSP-ltatiaia, 1975, p.34-3S. 13. Arthur March, LA physiqu. ",odo",. d ses Ihéories, Paris, GalJimard, 1965, p.31; lsalah 166 ES1UOOS HISroRICOS- 1992110 Berlio, Limites da utopia, São Paulo, Compa nhia das Lelras, 1991, p.32. 14. Émile Simard, op.cit., p.344. 15. O que introduziu 8 questão da diversidade de padrões explicativos, aaescentamJo-se ao pa drão da lei newtoniana outras possibilidades ex plaoatórias (como o probabilismo e problemas da incerteza e do acaso). A. March. op.cit. p.167 e segs.; Jacques Manod, LI! hasard d 14 1U!Ces siM, Paris, Seuil, 1973, p.1l4; A.Wehling, Os nívi!Ls . . . • op.dt. 16. J .Ortega y Gasset, op.cit., voLID, p.234. 17. O primeiro a sublinhar, na França. a inversão do "vetor epistemológico" (expressão do autor) do racional para o real e não deste para aquele, ooma afinnado desde o realismo grego até o indutivismo de Bacooj Gastoo Bachelard, O novo espírito científico, Rio de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1968, p.13. 18. Uma discussão moderna das questões epistemológicas daí derivadas encontra-se em Haos LenJo, Zwischen Wissensclwfllheorie UM Sozialwissenschaft� Frankfurt, Suhrlcamp, 1986, especialmente p.7 e segs. (a epistemologia enlre Q pensamento de justificação e o de corrolx>ra ção) e p.89 e segs. (o problema do cientificismo). 19. A historiografia francesa e, de modo ge rai, as ciências sociais, foram (X>uco sensíveis à relação di reta entre a ai se do pensamento físico eos padlões explicativos por ele utilizada. Roger ClJarüer, recentemente, foi dos poucos a chamar 8 ate�ção para este alheamento; Roger Cllartier, A hist6ria cu/tural entre práticas e repre senJaçóes. Lisboa, 1990, p.73 e segs. 20. Kh. Fataliev,Le matérialisme dialeclique et Ies sciotces de la nature, Moscou, Progres, p.s e segs. e p.1l7 e segs. 21. Vorrede, in Krilik der re;nen Vemunft, ed. Academia das Oências de Berlim, 1963. Muito antes,já afirmara sua fundamentação newtonia na nas obras Allgeneine Naturgeschichte urui Theorie des Himmels oder Versuch VOlt der Ver fassung uNi dem mechanischen Ursprunge der ganze WeltgebiJu der nachNewtonschen Grund sliJun abgehandelt. (1755) e, particulannente, em Unlersuchungen iiber die Deutlichkeit der Grundsiitzen der nalür/ichen T�ologie UM der Moral (1763); comentários em Emst Cassirer, T� Philosophy, op.cit., p.12. Retomamos a re- ferencia em A. Wehling, Kant e o conhecimenlO histórico ...• op.dt., p.32. 22. Não associamos Heidegger ao existen cialismo puro e simples, acatando sua própria disti nção entre a filosofia do Dasein (romum aos existencialistas) e a análise doSein, objeto de sua reDexão. É neste último sentido que se baseia a classificação de Morente. 23. Pela razão indicada na nota pio::edente. Martin Heidegger,Sein und leil, Tübingen, Max Niemeyer, 1986, 21. Seção, Cap.V; Martin Wer ner Marx. HeUJegger UM d ie Tradition, Eine problemgeschichthiche Einliihrung in d;e Grundbestinsmungen desSeins, 1961, passim. 24. Amo Weh1ing, "Um problema epistemo lógico iluminista: a sucessão histórica nos 'qua dros de ferro' do paradigma newtoniana". Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Hist6r;ca, Curitiba, nS2. 6. p.23-32. 25. Amo Wehling, "Historicismo e concep ção da história na fundação do Instituto Históri co", i n Origens do IHGB, Rio de Janeiro, 1988. p.42. 26. Friedrich Meinecke, Die Enslelumg des historismus, Werke, Munique, Oldenburg. 1959, voLIII. 27. Karl Popper, A misiria do historicismo. São Paulo, CUllrix, 1975, p.5 e segs. 28. Isaiah Berlio, Historical inevitability. Londres, OUP, 1959, p.52-53. 29. Estudamos o tema, neste aspecto, em "História e valoração - 8 propósito de Nietzs che-, Revista Convivência, PEN aub do Brasil, 1981, voL5, p.75 e segs., a propósito do texto de Nietz.sche sobre a história (Von Nutzen und Na chteH der Historia rOr das Leben, in Unzeitge mtJsse Betrachtungen, i n Werke, ed. K.Sehlechta, 1956, voJ.l). A mesma crítica fize ra, pela mesma tpoca (década de 1870) Charles Renouvier. Ucronia, B.Aires, s/d, p.374. 30. "Por ação (social) deve entender·se uma conduta humana ... sempre que no sujeito ou nos sujeitos da ação liguem a ela um sentido" (grifo do autor); Max Weber, Wirtschafl UM Gesells cltalt: Grundriss der versldaenden SozioJogie, TObingen, Mohr, 1956, voJ.l, p.6. 31. A relação entre as duas séries de fenôme nos, embora óbvia, não tem sido sublinhada pelos especialistas dos respectivos temas. Aven tamos a hipótese de que isto ocorra por ser FtTNDAMENTOS E VIRTU .• I IDADFS DA EPISTEMOI..lXilA DA HlSTÚRlA 167 cooaiderada a problemática do historicismo (e do aentificismo em geral) como uma questão filosófica ou epistemológica, enquanto a aise da "história historizante" é vista sob o ângulo mais _rilo dos problemas melodo16gicos da histó ria. Tal situaçáo é particularmente clara Da his toriografia francesa que apenas aponta, no caso dos AlIIIQks, os vínculos entre Mare Bloch e a sociologia de Mauss, de Lucien Febvre e a psi cologia de WaJlom, de Labrousse e Braudel rom I teoria camômica. Guy Bourdée Hervé Marlin, La écou,s hisloriques, Paris, Seui!, 1983, p.l71 e aegs.; Français Desse, L'histoire en. miette, Paris, La Découverte, 1987, p.54 e segs. Sobre o a1beameDto do grupo dos Al1IfQks em relação • uma abordagem epistemologicamente moder na, ver as criticas de Roger Cllartier, A história a.llural entre práticas e Tt!pres�tações, Lisboa, Direl, 1990, p54e segs. Na historiografia alemã, • tndiçio bistorista e hermenêutica. junto oom • influência weberiana em alguns casos. deter minou direcionamento diferente à bistoriografia, evitando divórcio tão patente entre proccdimen los metodológicos e questões de ordem episte mológica. Entretanto. aí também os problemas decorrentes da ruptura do paradigma cltissioo tiveram pouca influência sobre a reflexâo bisto riogrifica, talvez porque a própria tradição bis toricista já i mpunha uma reação ao cientificismo. Para as múltiplas nuances da questão que não cabem neste texto, ver R. Ko selleck. WJ.Mommsen e J. Rüsen, Objeklivi tãt ... ; J . Kocke e T. Nipperdey, Theorie . . . � R. Koselleck, H. Lutz eJ. Rüsen, Formen der Ges chchJschrteibung, Munique, DTV, 1985; J. RU seo, "1beorie der Geschchte", in R. van Dülmen (ed.), Fischer Laikon-Oeschichle, Fraockfur� Fischer, 1991, p.32-S1� e H. WUllder, "Kultur· gescbichte, MentaliUitgeschicbte, Historiscbe Anthropologie", in R. DUlmen (ed.), p.65-85. 32. Ou, dito em outro plano: "'A história organizando seus dados referindo-os às expres· sões conscientes, a etnologia relacionando-os às oondições inoonscientes da vida social". aaude Lévi·Strauss, Antropologia estrutural, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1974, p.30� ou ainda: A história (cabe) "0 que pertence de direito A oootingência irredutível", idem, Du miei aw: cendre.s, Paris, Pia0, 1966. p.408. 33. Olarles A. Beard, "The case ror historical relativism", in ROll8ld Walsh, ldeas of history, Nova York, Dunon, 1969. vol.U, p.162. Discus são do "ooble dream" (título original do trabalbo de Beard) em Amo Wehling. "Em tomo de Rao ke: a questão da objetividade histórica" ,Revista de Hist6ria, São Paulo, USP, 1973, nQ 93, p.192 e segs. 34. Benedetto Croce,A hist6ria como pensa ",enio e ação, Rio de Janeiro, Zabar, 1962, p.42; Robert G. Collingwood,
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