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Fundamentos e Virtudes da Epistemologia na história

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FI JNI )AMENTOS E 
VIRTUAL ADES DA 
EPISTEMOLOGIA DA 
" 
HISTORIA: 
al mas questões 
INTRODUÇÃO 
s virtualidades da epistemologia his­
órica somente adquirem sua cor­
reta dimensão se referidas ao significa­
do maior da própria epistemologia con­
temponinea. Foi a crescente preocupa­
ção com problemas de ordem episte­
mológica nos diversos campos da ativida­
de científica e na reflexão filosófica que 
determinou a introdução deste tipo de aná­
lise nas disOlssóes sobre a natureza do 
coobecimento histórico. 
Por que ororreu, ao longo do século, 
esta crescente preocupação? Parece-nos 
claro que ela existe na rnzão direta da 
cooscientização, cada vez mais alargada, 
de que ocorreu urna profunda crise 00 co­
obecimento científico e filosófico que con­
duziu o saber no Ocidente a partir do sécu-
Amo Wehling 
lo XVII. Se P. Hazard pode falar de uma 
"crise da consciência européia" para se 
referir ao a Ivorecer destas então novas con­
cepções naquele século, podemos também 
encontrar urna "crise do parndigma clássi­
co" iniciada nas primeiras décadas do sé­
culo XX. 
Tal crise, que coosistiu fundamental­
mente 00 questionamento mais ou menos 
extenso das categorias e extrapolaçiies ela­
borndas a partir da física newtoniana e da 
arquiteturn filosófica do idealismo, produ­
ziu um efeito devastador sobre a funclamen­
tação teórica das ciências. No mundo orde­
nado do modelo newtoniano1 ou na síntese 
kantiana? o lugar de uma reflexão critica 
sobre a ciência estava logicamente limitado 
à busca de leis sucessivamente mais gené­
ricas - o que fez Comte afinoar que, após a 
procurn filosófica das causas, cbegarn a 
ocasião da pesquisa científica das leis? 
&ntk, Hi.stÓlrico.s, Ilio de Jltu:U� vai. 5, n. 10. 1992, p. 147-169 . 
• 
148 ES1t1OOS HlSTÓRJCOS -1992/10 
Assim compreendidas a ciência e sua 
reflexão crítica, cabia por1anto espaço res­
trito aos problemas epistemológicos e um 
espaço muito maior para as questõcs me­
todológicas, isto é, os caminhos através 
dos quais a investigação elaboraria, "des­
cobrindo-o" no real, o conhecimento. 
Inversamente, quando se deu, como 
adiante observaremos, a crise do paradig­
ma clássico em seus dois alicerces, a prin­
cipal conseqüência para o conhecimento 
científico foi a penla de um referencial que 
parecera absoluto: o questionamento de 
verdades que haviam sido tidas como in­
questionáveis po r dois séculos -leis, indu­
ção, objetividade, recorte do objeto - des­
locou a reflexão científica para as questõcs 
epistemológicas. Boa parte do que se pro­
duziu a partir da década de 1920 na filoso­
fia da ciência, a crítica de pressupostos 
teóricos e da indução em Popper, a análise 
do pensamento científico em Bachelard, 
Koyré, Canguillem e Kubn, o "Iúilismo" 
de Foucault ou o estudo das operações 
cogrútivas de Piaget, refletiu esta cons­
ciência cada vez mais nítida da necessida­
de da crítica ao saber científico e do conhe­
cimento mais aprofundado de seus proce­
dimentos lógicos, epistemológicos, ideo­
lógicos e até metafísicos (como lembrou 
E.Simard)4 de constituição. 
-
As diferentes metodologias continua 
reservado um respeitável e amplo território 
intelectual; mas problemas do conheci­
mento científico náo se reduzem majorita­
riamente a elas. 
Exemplo eloqüente do novo papel dos 
problemas epistemológicos 110 conheci­
mento científico é a necessidade de classi­
ficar as diferentes abordagens da episte­
mologia. Na conhecida classificação de 
Blanché, que enfrenta bem as antigas apo­
rias das diversas áreas cognitivas, ter-se-ia 
uma abordagem direta ou intemporal, ca­
racterística da ciência fisico-matemátic1, 
uma abonlagem genérica e uma abonla­
gem histórica, a partir das quais se cons-
truiriam as respectivas estruturas de co­
nhecimento.5 As duas últimas, na venlade, 
como já sustentamos em outro trabalho, 
constituem apenas um território, o da 
"epistemologia das sucessões", cujo pro­
cesso Caz-se, a nosso ver, pelos caminhos 
genético ou histórico.6 
A "crise do paradigma clássico" refle­
tiu-se de diferentes modos no campo da 
ciência histórica no século XX, quer de 
fonna direta, quer de fonna indireta, quan­
do mediatizada, por sua vez. pela influên­
cia de outras ciências socia is, como a cco­
nonlia, a sociologia, a antropologia, a psi­
cologia ou a ciência política. O resultado 
tem sido discussões intensas e relaçãcs 
ambíguas em que se entrelaçam, justa­
põcm ou imiscuem problemas de episte­
mologia geral, de epistemologia histórica, 
de metodologia e de história da historio­
grafia, sem que abordagens, procedimen­
tos e objeto estejam claramente delinea­
dos. Também no território do historiador 
as preocupaçõcs de ordem epistemológica 
- com bastante atraso em relação a outros 
campos, o que já acontecem, aliás, com a 
metodologia, como criticou Ritter no Olll­
gresso lntenmcional de 1955' - passaram 
a ganhar lnaior atenção.8 
Finalmente, e sem desejar fazer um 
exercício de sociologia do conhecimento, 
mas apenas registrar a questão, deve ser 
lembrado que as transfonnaçõcs tecnoló­
gicas, eronômicas políticas c de comuni­
cação das sociedades ao longo do século 
XX, têm ritmo, implicações lnaciças na 
vida de bilhões de seres humanos e teor de 
violência efetiva ou simbólica radicalmen­
te diversos das condições em que se gerou 
o "conhecimento científico da história" no 
século anterior. Exigem, portanto, do his­
toriador, novos instrumentos de percepção 
- como os metodológicos - e de apercep­
ção - como os epistemológicos. 
Desta fonna, na análise dos fundamen­
tos e das virtualidades da epistemologia 
histórica consideramos três ordens de te-
FUNDAMEN1'O:.S E VIRTIJAllDADfS DA EPISTEMOLOOIA DA HISTóRIA 149 
mas para o desenvolvimento do assunto: a 
crise do paradigma clássico e sllas impli­
cações para a problemática do conheci­
mento histórico; o campo histórico e suas 
redefinições teóricas e empíricas no século 
XX, no que respeita às implicações episte­
mológicas; e as possibilidades e desafios 
para uma epistemologia da hislória no final 
do século XX. Nos dois primeiros temas 
procuraremos apontar as respectivas rela­
ções com as questões epistemológicas; no 
terceiro, selecionamos um problema cujos 
encaminhamentos pretendemos analisar: o 
da cientificidade/objetividade do conheci­
mento histórico em seu desdobramento 
epistemológico, compreendendo a questão 
da objetividade propriamente dita e as 
questões da explanação/discurso, da natu­
reza do processo e da conceptuatização. 
I 
- A crise do paradigma clássico 
e suas implicações 
epistemológicas 
F31'-se-ia, a nosso ver, um progresso na 
interpretação das transfonnações episte­
mológicas do século XX se fossem estrei­
tamente consideradas, o que quase sempre 
não ocorre, as três grandes crises do conhe­
cimenlo contemporâneo: a da ciência "clás_ 
sica", a do idealismo fUosófico e a do rus-
• • tonclSmo. 
A crise da "ciência newtoniana" ou do 
"paradigma clássico" consistiu nas desco­
bertas, ocorridas a partir da física, desesta­
bilizadoras de um conhecimento que r.are­
cia adquirido sub specie aetemiJatis.9 A 
partir dela constituiu-se todo um novo ra­
mo de sa ber - a fíloso fia da ciência - e 
procedeu-se a uma profunda reavaliação 
epistemológica do saber científico, abala­
do em seus fundamentos teóricos e meto­
dológicos. 
A teoria da relatividade einsteiniana in­
troduziu uma importante modificação na 
questão da objetividade e subjetividade do 
conbcciroento, ao estabelerer, na feliz sín­
tese de Ortega,1O que o observador cientí­
fico possui o conhecimento absoluto de 
uma realidade relativa, o que invertia a 
relação newtoniana, fundamentada no co­
rulCcimento relativo de uma realidade ab­
soluta. Esta última teria, assim, embutido 
um resquício metafísico, ao admitir a exis­
tência de
um real exterior "absoluto", cog­
noscível pelo cresrente a!':'rfeiçoamento 
do instrumental científico. 1 
Já o "conhecimento absoluto" einstei­
niano supunha, como observou Popper, 
que a perspectiva do observador científico 
era absoluta, na medida que tivesse esgo­
tado todas as virtualidades teóricas e roe­
todoló1icas e empíricas de uma aborda­
gem.1 Tal perspectivismo era necessaria­
mente objetivo, uma vez que, trocado o 
sujeito da observação mas mantidas as "re­
gras do jogo científico", isto é, as mesmas 
premissas epislemológicas e metodológi­
cas e a construção da problemática, as 
conclusões deveriam ser idêntiOls. 
O questionamento da síntese newtonia­
na sob o ângulo da teoria da relatividade 
complementou-se com a física quântica de 
Planck e o princípio do indeterminismo de 
Heisenberg. Estes dois últimos campos do 
conhecimento físico afetaram dois funda­
mentos do paradigma clássico. O primei­
ro, que já vinha da física aristotélica, e que 
fora incorporado, como lembraram Arthur 
March e lsaiah Berlin, em enfoques muito 
diversos entre Si,13 por Galileu e Newton 
através do neoplatonismo renascentista: o 
de que o microcosmo reproduzia o macro­
cosmo. Ao contrário, as investigações so­
bre os quantas e sobre moléculas de movi­
mento indeterminado de certos gases reve­
laram a impossibilidade de "reduzir-se um 
nível do real a outro,:.14 As leis e categorias 
ncwtonianas não se aplicavam, assim, ao 
mundo microcósmico desvelado por essas 
pesquisas, o que conduziu à observação 
muito repetida de que "a lei varia com o 
• 
• 
150 ESlUDOS IfiSTORlCOS - 1992'10 
número" ou simplesmente não existe, o 
que era absolutamente revolucionário em 
la - d' láss' 15 re çao ao para 19U1a c 1CO. 
Não se eliminava a física newtoniana, 
como havia acontecido com ela própria em 
relação à Aristóteles. Era, porém, confirma­
da a um detenninado nível de observação -
o dos sentidos humanos - e considerada 
insuficiente como extrapolação para outros 
níveis. As certezas e leis científicas induti­
va"",nte construídas limitavam-se, desse 
modo, a um certo território epistemológico 
da física, cabendo a análise simultânea, 
com outros instrumentos, de níveis diver­
sos do real. Qualquer generalização impli­
caria os riscos do reducionismo e do "ab­
solutismo metodológico", o que provocou 
o comentário jocoso de Ortega, para quem, 
com os extravasamentos que flZera, lia físi­
ca de Galileu, a gloriosa física do Ocidente, 
padecia de . . um agudo provincianismo".t6 
1àis descObertas no campo da física e, 
posteriormente, em outras áreas da ciência 
natural, revelaram rapidamente a necessi­
dade de uma revisão das atitudes epistemo­
lógicas dominantes. O desenvolvimento 
da fLlosofia da ciência, na primeira metade 
do século XX, foi a mais imediata e signi­
ficativa conseqüência destas transforma­
ções: o empirismo lógico, com seus gru­
pos, círculos e escolas, o pensa mento de 
Bacbelard t 7 e as investigações de Popper, 
entre outros, assinalaram grandes avanços, 
na tentativa de extrair conseqüências epis­
temológicas e metodológicas dos novos 
conhecimentos científicos. Havia, aí, con­
vicção generali711da de que categorias ca­
ras ao pensamento newtoniano e a seus 
desdobramentos em outros campos do sa­
ber nos séculos XVIII e XIX, como o 
princípio da indução, as leis científicas e o 
determinismo tinham uma validade restri­
ta e não universal e que, ademais, haviam 
sido responsáveis por extrapolações inde­
vidas, que os críticos em geral considera­
ram sob os sufIXOS pejorativos de bistori­
cismo e cienlificismo. 8 
As ciências sociaís sofreram, em geral 
indíretamente, os efeitos da crise do modelo 
newtoniano. Quase Sempre inspiradas, no 
século XIX, nas grandes fórmulas da enge­
nharia social do positivismo, do evolucio­
nismo sociológico e antropológico e do 
mantismo, fundamentadas, por sua vez, nas 
premissas newtonianas, as ciências sociais 
sentiram� em graus diferentes de conscien­tização,l solapadas slIas bases teóricas. A 
reação, genericamente, foi no sentido de 
admitir os excessQ5 deterministas de suas 
fontes doutrinárias - à exceção, durante 
muito tempo, do marxismo soviético, quan­
do associou fLlosofia da ciência e neoposi­
tivismo e refutou o relativismo físico, con­
siderando-<>S sem base científica, "arma 
ideológica da reação imperialista na sua 
luta contra o comunismo e sua tcoria".20 
Reabriu-se, com isso, a questão da sub­
jetividade e da objetividade do conheci­
mento cienlífico, inclusive quauto aos fe­
nÔmenos sociais. Demolido ou seriamente 
abalado o objetivismo de raiz IIcwtOlúana 
do sÇculo XIX, ocorreram reações que iam 
do subjetivismo puro ao estilo de Croce e 
Collingwood até a afirmação de uma obje­
tividade perspectivada em níveis e relativa 
aos instrumentais de observação, como as 
teorias, os procedimentos metodológicos e 
os problemas admitidos como válidos pe­
las comunidades científicas. 
No plano filosófico, a crise do idealismo 
esteve intimamente ligada ao fenômeno 
precedente, a limitações teóricas de seu 
próprio pensamento (sobretudo a identifi­
cação, desde meados do século xvm, do 
racionalismo com a física newtoniana, evi­
denciada na atitude de Kant em relação ao 
f' . temá ' )21 . pensamento ISlco-ma llco ao 31111-
racionalismo de Nietzscbe e, no plano his­
tórico, à .nova "crise da oonsciência euro­
péia" representada pelos efeitos da Primei­
ra Guerra Mundial e das novas coodições 
políticas, sociais e culturais que ela ensejou. 
Surgiu, assim, o que Manuel Garcia Mo­
rente denominou de ''terceira inflexão do 
FUNDAMENTOS E VlRllJAI IDADES DA EPlSlEMOLOOlA DA HlSroRlA 151 
pensamento ocidental", representada pelo 
existencialismo beideggemno e sartreano 
(este, a despeito de sua dependência em 
relação ao racionalismo e ao marxismo), 
além de, no mundo ibérico, Ortcga y Gas­
sel22 Esgotadas as possibilidades [iJosófi­
cas do realismo e do idealismo, as duas 
primeiras inflexões, restaria ao homem 
buscar a identidade de seu ser não mais na 
essência das coisas ou na const rução da 
idéia, mas na existência histórica. Não exis­
tia, entretanto, destaque-se, em Heidegger, 
nenhuma condescendência em relação ao 
modelo bistoricista em sua época ainda do-
" 
" . . . . mlnanle nas ClellClas SOCl3ISJ urna vez que 
o considerava eivado de idealismo.23 
A crise, entretanto, que mais de perto 
afetou as ciências sociais em geral e parti­
culannente a bistória, foi a do historicismo. 
Sem desejar entrar na ampla polêmica do 
tema, de Meinecke a Popper e Adam 
Schaff e procurando considerar os vários 
historicismos "setoria.is" do saber - histó­
rico, jurídico, antropológico, econômico­
e as !'uas bem distintas etapas - o histori­
cismo [iJosófico do século XVIII, identifi­
cado com a filosofia racionalista da Histó­
ria como demonstraram Cassirer e Cro­
ce,24 o historicismo alemão estudado por 
Meinecke e o bistoricismo cienti ficista cri­
ticado por Popper -encontramos o apogeu 
da explicação dos fenômenos sociais pela 
sua evolução, no século XIX.25 Se isto 
contrapôs o conceito de processo ao de 
sistema, como analisaremos adiante, o fez 
quase sempre - à exceção da maior parte 
do historismo alemão, particulannente 
Herder e Rallke26 - dent ro dos quadros 
mais amplos dos pressupostos da física 
newtoniana e do princípio da indução. 
O '�riullfalismo cientificista" das ciên­
cias socia is no século XIX, com freqüência 
injustamente imputado apenas ao positi­
vismo, tomou, assim, uma feição histori­
cista. A crise do paradigma newtoniano, no 
início do século XX, abalam, desta fonua, 
fortemente, os seus alicerces. 
Por outro lado, nos planos metodológico 
e empírico das diferentes ciências sociais, 
o desenvolvimento da pesquisa IiIonográfi­
ca foi evidenciando a inadequação das ex­
plicações por leis Unewtonianas"
e, como 
corolário, a incapacidade do historicismo 
para a previsão social. Quando Popper, em 
1944, publicou a Miséria do ilistoricismo, 
consolidava brilhantemente algumas déca­
das de críticas parciais às pretensões impe­
mlistas de uma ciência social detenninista 
c, como ele acusou?7 freqüentemente ma­
nipulada pelos interesses políticos daqueles 
que pretendiam fazer do seu aces<;o ao po­
der uma "inevitabilidade histórica".28 
Antes disso, aliás, e por outros cami­
nhos, já existiam restrições ao historicis­
mo. Niet2Scbe já havia criticado a preten­
são filosófica de impor padlÓCS de racio­
nalidade à vida histórica, tratando causti­
camente a crença evolucionista da 
sucessão Ilnear;29 este filão teórico seria 
mais taide desenvolvido por Foucault, ao 
relativizar os saberes uns em relação aos 
outros e ao recusar a visão historicista na 
história das ciências. 
Nem sempre a crítica ao historicismo 
representou uma ruptura pela raiz, como 
em Niet2Scbe ou Popper, mas mesmo cri­
ticas parciais como as de Freud e Weber 
contribuíram para minar a construção his­
toricista. Freud, porque a busca do incons­
ciente e da "psicologia das profundezas", 
conquanto alicerçada em supostos com­
portamentalistas de inspiração cientificis­
ta, pelo seu próprio objeto e fins tendia a 
refutar o behaviorismo então dominante e 
responsável por uma interpretação flSica­
lista do comportamento humano. Weber, 
porque com sua metodologia cobceptua­
lista, inspirada nos procedimentos dos 
neokantianos Dilthey e Rickert - aliás de­
fensores de um objetivismo "idealista" que 
identificava sujeito e objeto - e seu uso da 
causalidade referida a valores sociais30 da­
va uma opção teórica e prática à busca das 
152 ES1UDOS msTÓRICOS -1992110 
leis detenninistas, ao marxismo (ao qual 
ele visava) e ao positivismo. 
Diferentes respostas foram dadas às di­
ferentes crises: da crise do paradigma new­
toniano surgiram a ciência natural modema 
e a filosofia da ciência; da crise do idealis­
mo, o existencialismo e diversas outras po­
sições gnoseológicas, inclusive a de Fou­
cault; da crise do historicismo, a historio­
grafia moderna, cujo exemplo não 
exclusivo costuma ser o movimento dos 
Annales. 
As três crises, freqüentemente articula­
das entre si, pois se trata da oposição co­
mum à Weltanschauung cientificista que 
bate em retirada, tiveram como efeito, no 
plano do conhecimento, uma reformulação 
(que ainda se encontra em marcha) dos 
problemas de ordem teórica, redimensio­
nando-os, no plano epistemológico, em 
várias objetividades referidas aos diferen­
tes níveis de observação; no plano mais 
geral de outros saberes, por uma reconsi­
deração da subjetividade e uma revaloriza­
ção de percepções "estéticas", "intuitivas", 
"mágicas" que haviam sido soberbamente 
refutadas pelo cientificismo oitoccntista. 
11 - O campo histórico e suas 
redefinições teóricas e empíricas 
no século XX 
Os excessos do historicismo cientificis­
ta, no plano geral das ciências sociais e da 
filosofia, e o rigor factualista da "história 
historicizante", nos domínios da historio­
grafia, fizeram convergir contra a história, 
desde as primeiras décadas do século XX, 
as metodologias de várias ciências sociais, 
além de provocar uma reação dos próprios 
historiadores, inconformados com o diktat 
reducionista do cientificismo. Parece cla­
ro, entretanto, que o declínio do historicis­
mo e da "história historizante" não se deu, 
apenas, devido ao seu esgotamento teórico 
no início do século XX, mas ao fracasso da 
"predição histórica" do primeiro e à insu­
ficiência da segunda, restrita à história po­
lítica do Estado e da diplomacia entre os 
Estados, em sociedades que viviam uma 
profunda crise econômica, social e de iden­
tidade nos anos 1920, tornada aguda com 
a depressão iniciada em 1929.31 
No primeiro caso, encontramos reações 
como as do estruturalismo keynesiano, em 
economia, refutando os princípios da esco­
la histórica e considerando os fenômenos 
econômicos do capitalismo em si próprios, 
abstraídas as condições de tempo e lugar. 
No mesmo sentido marchou o estruturalis­
mo antropológico, particularmente com 
Lévi-Strauss, ao refutar o historicismo e 
buscar, nas sociedades primitivas, "aquilo 
que não se alternva", o que era "pennanen-
" . hi ó· 32 te CJ por consegumtc, 3- si nco. 
No segundo caso, o da "hislória hislori­
zanle", encont:I3mos um leque de críticas: 
a new history norte-americana, afinnando 
a subjetividade radical do conhecimento 
hislórico e o decidido engajamenlo do his­
toriador em sua é�, contra o objetivis­
mo I(positivista"; 3 o oeo-idealismo de 
Croce e CoUingwood, afirmando o caráler 
presentiSla e "contemporâneo" de todo o 
conhecimento, inclusive hislórico;34 a his­
toriografia dos Annales, ioveclivando o 
manual do "perfeilo historiador posilivis­
la" de !.anglois e Seignobos;35 e mesmo 
algumas correnles marxislas procuraram 
desvencilhar-se do fardo cienlificista e 
economicista, abrandando a crença nas 
"leis objetivas da história", no detenninis­
mo da vida material ou na coisificaçi!o 
essencialista das calegorias sociológic.1S36 
Colocava-se, assim, um problema para 
o conhecimento histórico com o declínio 
do hisloricismo: a visão anti-histórica do 
keynesianismo, do estruturalismo e do po­
sitivismo jurídico obrigou aos historiado­
res a uma tomada de posição para aftrmar 
que a história considerava não apenas fe­
nômenos diacrônicos, como SinCIÔniCOS; 
FUNDAMENTOS E VlRnJAUDADES DA EPISn:MOLOOlA DA HISTóRIA 153 
não apenas de curta, mas de longa duração; 
não apenas visíveis nos documentos, mas 
velados atrás de séries maciças de registros 
e das manifestações do inconsciente. 
Essa questão aclam-se quando estudada 
em dois planos, o das relações entre a his­
tória e oulrnS ciências sociais e o dos dife­
rentes territórios metodológicos do histo­
riador, sobretudo a história social, a história 
econômica e a história das mentalidades. 
A necessidade da relação entre a história 
e as demais ciências sociais tomou-se uma 
tautologia, reconhecida pelos especialistas 
nas diversas historiografias nacionais, em­
bora se discuta o grau destas aproximações, 
que vão desde contatos espor.ídicos e em­
préstimos metodológicos discretos até o 
trabalho interdisciplinar dos area slut!ies, 
desenvolvido nos EUA dos anos 1950, ou 
a interpenetração da pesquisa antropológi­
ca e histórica no México atual. 
Na França, com as duas primeiras gera­
ções dos Anllales deu-se efetiva abertura 
pam a psicologia, a geografia, a estatística, 
a sociologia e a economia, à medida que se 
foi afim13l1do o alargamento temático dos 
estudos históricos. Nomes como os de 
Febvre, Bloch, Simiand eLabrousse toroa­
ram-se, por este motivo, familiares a gera­
ções de estudiosos?? 
A obra de F. Braudel é certamente a 
mais associad.1 a este empreendimento, co­
mo estudaram Bourdé e Martin e Dosse?8 
Seus pontos de convergência com as ciên­
cias sociais são pelo menos três: o conceito 
de duração, semelhante aos "tempos múl­
tiplos" da sociologia de Gurvitch; o con­
ceito de estrutura, que refuta o exclusivis­
mo atribuído por Lévi-Strauss ao etnólogo 
para o seu estudo; e o conceito de modelo, 
emprestado por Bmudel particulannente 
na acepção do dem6gmfo Sauvy. 
Agindo desta forma, Braudel e os his­
toriadores dos AmUlles nos anos 1950 e 
1960 alargaram o conhecimento histórico 
quanto ao objeto, quanto ao método e 
quanto aos problemas a colocar. Diluíam-
se, oom isto, os efeitos mais perniciosos do 
historicismo (o abandono das "leis históri­
cas" J por exemplo) e esvaziava-se a crítica 
neo-racionalista que procumva valorizar 
os fenômenos sociais e psicológicos estu­
dados em dimensão atempoml. 
O estruturalismo de Lévi-Strauss, que 
parecia delimitar em definitivo o território 
do
historiador e do antropólogo, dando a 
este o domínio exclusivo daqueles fenôme­
nos que tivessem "correlação funcional de 
elementos culturnis numa sincronia", aca­
bou caldeado nesta nova história. A possi­
bilidade teórica disto já fora anunciada por 
Bmudel em seu texto A história e as ciên­
cias sociais; a longa duração?9 A pesquisa 
dos anos 60 e 70 confmnou a sua fecundi­
dade. Entre vários exemplos, está a da pes­
quisa de Nathan Wachtel (1971) sobre A 
visão dos vencidos, na qual estuda a con­
quista da América fazendo os procedimen­
tos historiográficos e etnológicos move­
rem-se nos dois eixos, o diacronioo e o 
sincrônico: no do historiador, a noç..'io de 
tempo unifomle cedeu à do tempo múltiplo 
dos conquistadores c dos úldios, obrigan­
do·o a cstudar suas relações sincrônicas, no 
do etnólogo, passou-se a considerar em 
suas origens OS dois sistemas antagônicos. 
A co nvergência, portanto, é fecunda, 
não se justificando excludências, por fron­
teiras metodológicas. Afinal, como obser­
vou Hcrvé Martin, "um pouco de estruturn­
lismo afasta a história; muito, a reencon­
tra",40 
Fazia-se, assim, quanto ao homem em 
sua di lllensão social e histórica, Ulna desco­
berta tão revolucionária como a de Einsteill 
e dos físicos que contestaram o paradigma 
newtoniano, descoberta que ainda não de­
sencadeou todos os seus efeitos: a existên­
cia de diferentes níveis do real, de múltiplos 
processos e, portanto, de múltiplas explica­
ções científicas e C/verdades contingentes" 
aos problemas41 epistemologicamente e 
metodologicamente colocados. Revolucio­
nava-se todo o conhecimento histórico e 
154 ESlUOOS HISTóRICOS - 1992110 
com ele antigos problemas de natureza 
epistemológica da investigação soeia I, re­
dimensionando-se, por exemplo, a questão 
da objetividade e reduzindo-se a da subje­
tividade a variáveis individuais que, embo­
ra importantes, não são capazes de condi­
ciona r todas as conclusões científicas de 
uma "comunidade acadêmica".42 
A prática da pesquisa histórica, por ou­
tro lado, a partir dos anos 1930, mostrou 
como foi possível dar sustentação empírica 
às novas indagações teóricas, mesmo 
quando essas não fossem, pelos motivos 
expostos, claramente conscientizadas. 
Na história econômica, o estudo da rela­
ção entre preços, rendas e ciclos econômi­
cos (Simiand), da conjuntura econômica 
com a crise do Antigo Regime e de 1848 
(Labrousse), da história da conjuntura com 
a geo-história (Chaunu, Mauro, Crouzet), 
dos modelos econométricos (New Econo­
mic History) e da hist6ria quantitativa (con­
tabilidade pública), apontou para fenôme­
nos até então insuspeitos ou não compreen­
didos pela velha "história econômica e 
soeial" à Pirenne ou pela interpretação dos 
modelos socioeconômicos, à Sombart . 
Na hist6ria social, o estudo de grupoS 
sociais, sua estratificação, suas relações e 
sua atuação, prorluziu-se como osAnna/es, 
o colóquio de Saint Ooud e os trabalhos de 
Le Roy Ladurie, P. Ariês e P. Goubert (ou, 
fora da França, com a pesquisa norte-ame­
ricana sobre estruturas familiares, a SozinL­
geschichte alemã ou a Iúst6ria dos movi­
mentos soeiais inglesa). Conduziu-se, as­
sim, esta especialidade a um aprofunda­
mento teórico e empírico que anulou quais­
quer simplificações historicistas, ou qual­
quer utilização ingênua de leis e determi­
nismos sociais, recupera ndo relações de 
sociedades tão diversas da contempoJânea 
como a estamentai do século xvm (Ric­
kert, Furet e Elias) ou as sociedades clássi­
cas (Veyne). 
Na história das mentalidades, intima­
mente ligada à história social, com temas 
inimagináveis há poucas gerações, tor­
nam-se necessários novos tipos de fontes e 
novos procedimentos heurísticos que 
aproximam, como diz Le Goff, o historia­
dor do etnólogo, a fim de surpreender o 
estágio mais imóvel das sociedades, recu­
perando "práticas e representações" (Char­
tier), "utensilagens mentais" (Febvre), 
"habitus" (panofsky), para compreender a 
eficácia histórica, na massa social, de va­
lores e crenças. Qualquer explicação de 
caráter cientificista, como por exemplo as 
derivadas do behaviorísmo ou do determi­
nismo sociológico, revela-se aí inevitavel­
mente empobrecedora e provinciana. 
Mesmo a Iúst6ria política, abandonando 
ou redimensionando a batalha, o tratado e 
o grande acontecimento e abrindo-se ao 
estudo dos mecanismos de poder para mui­
to além do Estado, para a psicanãlise do 
homem público ou as relações internacio­
nais, acompanha este movimento oopenú­
cano. 
Desta forma, as tendências básicas da 
historiografia apontam para um aprofun­
damento que exige, no plano epistemoló­
gico, uma crescente abastração, um distan­
ciamento do senso comum e uma revolu­
ção conceitual, enquanto no plano metodo­
lógico ocorre a "ida ao micro" através da 
seriação e da combinação de procedimen­
tos diacrônicos e sincrônicos. 
Inegavelmente, a primeira encontra-se 
mais hesitante e difusa do que a segunda. 
111 - Possibilidades e desafios 
para uma epistemologia da 
história no final do século XX 
Preliminar: A objetividade e as opções 
explanatórias 
o desafio de uma epistemologia histó­
rica no Cmal do século XX ultrapassa de 
muito as fronteiras de um campo específi-
FUNDAMENTOS E VIRnJAllDADES DAEPISlEMOLOOLADAHlSTÓRlA 155 
co do trabalho intelectual, o da história. Da 
mesma foona como o historicismo, no sé­
culo XIX, assumiu proporções extraordi­
nariamente maiores,' espraiando-se para as 
demais ciências sociais e a filosofia, a 
"abordagem histórica" das questões, na 
classificação de Blanché, delimita, em re­
lação às duas outras abordagens apontadas 
pelo autor, um campo de interrogações e 
um universo explanatório que inclui o co­
nhecimento histórico, mas está longe de 
nele se esgotar. 
As várias vertentes da "escola de Frank­
furt", particularmente os trabalhos de Ha­
bermas a propósito da "razão comunicati­
va" e da modenúdade ou a obra mais antiga 
de Hockheimer sobre a filosofia da história; 
as criticas de Popper ao mecanicismo, ao 
indutivismo e às teses sobre a previsibilida­
desocial; a tese de Kubnsobre a ruptura dos 
paradiglll3s na história da ciência; a posição 
de CanguiUem sobre a lústória da ciência 
como laboratório da epistemologia; o re­
corte arqueológico de Foucau1t; todas estas 
posições, se por um lado revelam o descon­
forto, em diferentes áreas e pontos de vista 
teóricos, com os modelos evolutivos deri­
vados do historicismo, com os modelos 
sistêmicos que não conseguiram se desligar 
de seu lastro mecanicista e com as premis­
sas racionalistas de fundo begeliano ("todo 
real é racional e todo racional é real"� por 
outro lado apontam para a necessidade de 
equacionar as questões referentes à tempo­
ralidade e à historicidade nas diferentes 
culturas em novas bases. 
A maglútude das dificuldades pode ser 
representada com a colocação preliminar 
de duas perguntas: qual o substrato ontoló­
gico da lústória - a "história material" - e 
qual o substrato analítico da história - a 
"lústória formal" - à luz dos novos desa­
fios epistemológicos? 
Na concepção cientificista, as respostas 
seriam indubitáveis: o fato era a própria 
natureza essencial da lústória, enquanto a 
lei (ou o dado) traduziria seu significado 
analítico. Ou, no caso de recusa a tão rígido 
determinismo, admitir-se-ia a concepção 
corrente em alguns manuais de metodolo­
gia histórica do início do século, para os 
quais à sociologia caberia a descrição do 
típico pela lei, enquanto a história deveria 
circunscrever-se ao cCúnico" e clsingular".43 
As concepções modernas em face da 
história, quaisquer que sejam seus quadran­
tes epistemológicos, simplesmente meto­
dológicos ou mesmo ideológicos, respon-
, 
dem de modo inteiramente diverso. Aques-
tão do substrato ontológico da história, 
respondem com
as três durações de Brnu­
dei, os três níveis de Chaunu, a "rede rela­
cional" de Marnval, o 14relato verdadeiro" 
de Veyne ou as "práticas e representações" . 
de Chartier. À questão do substrato analíti­
co da lústória responde-se - embora alri­
buindo-seà expressão significados diferen­
tes - que o objetivo da fonoa 1ização te6rica 
do lústoriador é a colocação do problema. 
Trata-se, assim, realmente de uma revo­
lução copenúcana: o conhecimento histó­
rico enfrenta, no final do século XX, o 
desa fio de se definir um território episte­
mológico próprio, nao por mesquinb.1s ra­
zões corporativas, como as apontadas re­
centemente por Chartier,44 mas por uma 
imperativa necessidade gnoseológica. 
Adefuúção de um território epistemoló­
gico passa, necessariamente, pela relação 
cognitiva entre o sujeito cognoscente (ar­
mado, neste caso, de uma bagagem te6rico­
metodológica e uma pré-figuraçao do re­
corte da realidade) e o próprio objeto, deli­
mitado heuristicamente a partir daquela; 
ou, como diz Rüsen, no "começo da inves­
tigação coloca-se a pergunta histórica".4S 
As opções te6ricas - não considernmos 
aqui as estritamente metodológicas - com 
as quais se defronta o historiador contem­
poráoco nesta questão, que é basicamente 
a da objetividade (ou da objetivação, se se 
preferir evitar as implicações "essencialis­
tas" daquela expressão) do conhecimento 
156 ESllJOOS HISTÓRICOS - 1992110 
histórico, podem ser resumidas, sem o in­
tuito de esgotar o tema, mas para os efeitos 
desta argumentação, às seguintes: 
a) a via determinista, representada por 
defensores do detenninismo historicista, 
cuja preocupação fundamental é a defini­
ção dos "graus" ou "instâncias" de deter­
minalidade dos vários planos infra e super­
estruturais (Althusser, Vuar, Thompson, 
Poulantzas) e as suas relações com o redu­
cionismo às ciências naturais (Schafl).46 
b) a via relativista-<Jbjetivista, funda­
mentada na crítica à indução e ao reducio­
nismo metodológico das ciências sociais 
às físico-matemáticas, embora reconhe­
cendo a semelhança epistemológica básica 
de todo o enfoque científico (princípios da 
refutação das teorias, da contrastabilidade 
e da autonomia do Mundo Três) (popper, 
Maraval).47 
c) a via bermenêutica, buscando, na tra­
dição de Herder e Diltbey, refinada pelo 
instrumental filosófico e psicológico deste 
século, reconstituir a teleologia dos agen­
tes sociais a partir de suas expressões dis­
cursivas e/ou simbólicas (Ricoeur, Gada­
mer, Mommsen).48 
d) a via arqueológica, no sentido fou­
caultiano, já intuída em Nietzscbe, elimi­
nadora de categorias supostamente intem­
porais cuja co-naturalidade ao homem en­
quanto ser social é refutada em nome de 
uma historicidade dissolvente e cujo pro­
duto é somente um "relato verídico" (Fou­
cault, Veyne ).49 
e) a via meta-histórica, no sentido dado 
por Hayden White, na qual se associa a 
"história propriamente dita" e a "filosofia 
da história" e onde se busca não os concei­
tos operacionais do conhecimento históri­
co, mas as "intuições poéticas" (no sentido 
aristotélico) subjacentes, expressas nos 
"modos" formais da loctáfora, sinédoque, 
metonímia e ironia; neste ponto de vista, a 
versão científica do conhecimento históri­
co é apenas uma das opções e, mesmo nela, 
os supostos epistemológicos remetem-se a 
um número moral e estético ainda mais 
profundo.50 
Muito pouco resta, portanto, da velha 
querela, que boje soa como pré-científica 
e superficial, em tomo da subjetividade, 
objetividade, intersubjetividade ou neutra­
lidade do conbecimento histórico, dado o 
grau de sofisticação teórica a que, nas últi­
mas décadas, chegou-se neste campo. 
O problema da objetividade, assim co­
locado, desdobra-se nas questões decor­
rentes da natureza do processo histórico e 
da explanação ou discurso histórico. 
1. A "natureza H do processo 
histórico 
A noção de processo enraiza�e no sécu­
lo XVIII, aparentando-se, etimologica­
mente, à de progresso. Foi a denominação 
encontrada na biologia e na história da Dus­
tração para caracterizar os fenômenos que 
escapavam ao modelo mecalúcista, identi­
ficando-se ClTOneamente, como demons­
trou Garcia Morente, com o também sete­
centista conceito de progresso, isto é, quan­
do lhe foi agregado um sentido valorativo. 
Não é o caso de entrar na discussão 
filosófica provocada pelos estudos de Berg­
son e de Whitehcad sobre a idéia de substi­
tuir a "metafísica da substância pela meta­
física da fluência", mas deve ser assinalado 
o fato de que, em muitas disolssões episte­
mológicas e metodológicas sobre o conhe­
cimento histórico - como a que menciona­
mos em Veyne - surgiram acusações às 
diversas correntes marxistas, positivistas e 
evolucionistas justamente pela preocupa­
ção de encontrar, por trás dos fenômenos 
"aparentes" à percepção, processos ocultos 
f1JNDAMENTOS E VlRllJAI IDADES DA EPISTEMOLOGlA DA lUSTÓRlA 157 
que encaminhariam o devir histórico. Um 
confronto, aliás, entre a NouveUe Histoire 
e o marxismo acadêmico francês das 6\ti· 
mas décadas mostrar-se-ia fecundo, espe­
cialmente ao distinguir as "forças profun­
das" em Braudel ou ehaunu, na história 
social e na história das mentalidades não ­
marxista com as onipresentes "formações 
sociais" e seus respectivos "modos de pro­
dução" dos historiadores marxistas.51 
A noção de processo histórico foi 
exaustivamente utilizada de modo impüci­
to ou explícito pela "história-historlzante", 
sublinhando, assim, o caráter linear, suces­
sivo e por fases dos acontecimentos histó­
ricos, o que certamente contribuiu para o 
desgaste do conceito à medida que se con­
solidou a oposição ao historicismo e ao 
objetivismo positivista, na primeira meta­
de deste século. 
Tais críticas, representadas entre outras 
correntes, como já foi observado, pela Ne:w 
History norte-americana, pelo movimento 
dosAllIlllles e pelo estruturalismo antropo­
lógico, num" primeiro momento, fizeram 
substituir à noção de um processo unilear e 
hegeliano uma multiplicidade de "evolu­
ções" ou teprocessos", simultâneos, às ve­
zes reticulados e até antagônicos DO mesmo 
quadro geográfico e social: a proposta brau­
deliana de três patamares, correspondendo 
a três ritmos temporais diversos, ou a hipó­
tese enunciada por Labrousse de que o nível 
econômico é retard.1do pelo social e este 
pelas mentalidades,52 supõe simultaneida­
de e entrecruzamentos de processos ou "sé­
ries" de acontecimentos. Embora aí se re­
cuse, a despeito de algumas oonOuências 
com o marxismo, a idéia de uma estrutura­
arquétipo velada, ela é um risco sempre 
presente em construções intelectuais e pro­
cedimentos operacionais deste tipo. 
Mais profunda é a interpretação que 
sublinha a descontinuidade radical dos 
processos e sua constituição em núcleos 
que se agregam e desagregam em circuns­
tâncias conjunturais específicas, como em 
Foucault A inovação da Hist6ria da lou­
cura (1961) e do Nascimento da cllnica 
(1964) está justamente na ruptura oom uma 
concepção linear, Uhistoricista", e no estu­
do de uma multiplicidade de saberes sobre 
aqueles objetos, perspectivas que se apro­
ximaram das ciências humanas emAs pa­
lavras e as coisas (1966) eArqueologia do 
saber (1969). 
A "revolução" de Poucault, na expres­
são de Veyne, arrombou algumas portas53 
e adentrou por outras já abertas, mas teve 
o mérito de trazer para a frente da cena 
teórica questões oomo a do saber, da oon­
ceptualização, da ruptura, do poder (que 
desenvolveria mais tarde) e da crítica à 
idéia de progresso. 
Mais que tudo, mais importante mesmo 
que a defesa da descontinuidade, foi a ne­
gação da essência de categorias, conceitos 
e "realidades". Em nossa opinião, a ques­
ião da descontinuidade reduz-se a mero 
problema formal se comparado à concep­
ção, ião fecunda para a renovação
da idéia 
de processo histórico, de que não existem 
categorias e realidades co-naturais ao ho­
mem ou à cultura, mas definidos pela sua 
própria historicidade e, portanto, assumin­
do papéis diferentes - ou se�uer existindo 
- em outras historicidades. lãl concep­
ção não nos remete, como já se supôs, a 
qualquer historicismo, sohretudo hegelia­
no ou marxista, mas à concepção existcn· 
cial, à Heidegger, de historicidade. É irre­
levante discutir a existência ou não de uma 
genealogia entre eles: mais significativo é 
perceber que a historicidade foucaultiana 
implica afirmar a radical idade da existên­
cia histórica do homem, isto é, a rejeição 
dos resquícios de idealismo ou de realis­
mo: nega, portanto, as concepções e as 
práticas historiográficas delas conseqüen­
tes, o que inclui as grandes me1odologias 
sociais do século XIX. 
Mais especifica, mas não menos sinto­
mática, é a revisão da hist6iía científica 
conforme feita por Kubn (1962):55 também 
158 F.S1lJOOS IDSTÓRlCOS - 1992/10 
aí rompe-se com a idéia de continuidade do 
conhecimento científico, também aí o "pro­
gresso" do conhecimento em determinados 
campos faz-se nos limites de uma comuni­
dade acadêmica pela refutação (Popper) de 
pa.radigmas, também aí os conhecimentos 
são referidos a determinado contexto e não 
a uma evolução rnauolinear. 
Assim concebido o processo, reelabora­
se toda a questão cognitiva da história. Da 
mesma forma como as várias abordagens 
físicas "descobriram" os diferentes níveis 
do real, também o encontro de "segmentos 
profundos", "rupturas e descontinuidades", 
Clcamadas inconscientes" e "tempos múlti­
plos" provoca o surgimento de diferentes 
objetividades/objetivações, com resultados 
científicos diversos e relativos a cada nível 
de observação do mesmo quadro histórico 
considerndo. 
2. A explanação histórica: da 
abstração à teoria 
Na sua versão inglesa e norte-america­
na, a questão da explanação histórica assu­
miu, freqüentemente, o caráter de análise 
lógica e conceitual da exposição historio­
gráfica, entendida como produto final de 
uma investigação ou de questões teóricas; 
é o sentido que lhe dã0'7Porexemplo, Gar­diner,56 MandelbaumS e Drnl8. Na ver­
são alemã mais recente (Rüsen, Koselleck, 
Jaeger), tem o caráter de fundamento e 
controle epistemológico e metodológico 
da objetividade e da subjetividade do pro­
duto historio gráfico, atrnvés, entre outrns 
possibilidades, da crítica dos conceitos e 
categorias utilizados pelos historiadores, 
de seus procedimentos metodológicos ou 
da síntese entre teorias parciais, explica­
ções, descrições e narrativas punctuais.59 
Na versão frnncesa do movimento dos 
AmUlles, ela buscou ser, originalmente, a 
descrição historiográfica dos resultados da 
investigação conduzida sob a forma de pro­
blemas (no sentido da "história-problema" 
de L Febvre). Embora fiel a este suposto, 
aliás análogo às correntes científicas domi­
nantes em outrns áreas, autores como Vey­
ne, Furet e Certeau introduziram nos anos 
60 e 70 variantes como a rcdu�o da expla­
nação histórica a um enredo; a explana­
ção construída a partir da interpretação de 
grnndes massas documentais, atrnvés da 
história serial61 ou a explanação reveladorn 
de discursos marcados pela alteridadeentre 
o sujeito cognoscente (e seu referencial 
cultural) e o objeto conhecido, isto é outro 
sujeito bumano.62 
A explanação ou o discurso historiográ­
fico assumem, desta forma, seu caráter re­
ferido e dntadn, não mais - ou não mais 
apellas - atmvés de quaisquer formas sub­
jetivas (percepções individuais, condicio­
namentos idcológicos, por exemplo), mas 
por instrumentos cognitiva mente controlá­
veis (mecanismos lógicos, procedimentos 
metodológicos, opções epistemológicas). 
A explicação que daí Ilui torna-se caleidns­
c6pica (como um jogo de xadrez sem pa­
péis pré.<Jetermi nados pam as diferentes 
peças, na feliz intagem de Veyne)63 ou 
lacunar (no sentido de que, embom basea­
do em provas, o conhecimento do historia­
dor é cheio de incertezas ou lacunas, que ele 
pode tentar neutrnlizar por procedimentos 
como o da retrodição - em Veyne - ou das 
opções de verossimilhanças, conforme su­
geridas em Natalie Davis e Carlo Ginz­
burg).64 Em ambos os procedimentos, po­
rém, tmta-se de narrativa fundamentada em 
alguns tipos de prova, indicio ou dedução, 
objetiva, portanto, e não um exercicio sub­
jeti vo ou ficcional. 
Tal conclusão, ainda não plenamente 
conscientizada, não produziu ajnda todos 
os seus efeitos no campo das diferentes 
especialidades em quese exercc atualmente 
o ofício do historiador e, muito menos, no 
seu território teórico. 
FUNDAMENTOS E VIRTUAl IDADES DAEPISn:MOLOGIA DAH1STORIA 159 
Ela permancceni, entretanto, ciJcun<eri­
la e pouco relevante, para não dizer inócua, 
se Dlo for relacionada às transConnaçóes 
globais da epistemologia contemporânea: 
OJiliO as demais ciências de ponta, a história 
se eocaminha cada vez mais para a abstra­
çiO, para a cons�ção de �maproblemática 
referida 1 comuOldade clenllfica e para o 
refinamento de sua cooceptualizlção. 
Sobre a abstração, aliás, a entendemos 
t '" I" t · enquanto aspec o lonna ou ca egona 
aoalftica de pensamento, e não enquanto 
"explicação material", teoria ou filosofia 
.'materiais" da hist6ria. Aressalva é impor­
tante, uma vez que um autor que temos 
citado com freqüência - Paul Veyne ­
reCerindn-se ao historicismo afinna que . - . 
Uas teonas sao o que menos se necessita; 
em história, o núcleo de um problema não 
é jaj11ais teórico (enquanto pode sê-lo nas 
ciências); tampouco está na crítica dos do­
cumentos. Seja para explicar a queda do 
Império Romano ou as origens da Guerra 
de Secessão. as causas estão ali, disper­
sa5".65 
Mais adiante, OJ.1S DO mesmo argumen­
to, afinna que "a história está condenada a 
tentar captar a realidade de uma rede de 
abstrações", procedimento cujo risco é o 
de buscar as "substâncias que constituem 
a história".66 
Tres questões surgem aí e demandam 
esclarecimentos. 
Em primeiro lugar, as teorias explanat6-
rias da "história material", às quais se reCere 
o autor, certamente são plenamentedispen­
sáveis, e admiti-Ias seria recair numa práti­
ca historicista que não mais cabe na episte­
mologia contemporânea. Seja sob a Corma 
esvaziada das "filosofias da história" do 
sêculo XX, seja sob a fonna das grandes 
mctodologias da análise social do positivis­
mo. evolucionismo ou muxismo, pré-defi­
niruma "teoria" é admitir-lhe uma materia­
lidade que se choca com a linha epistemo­
lógica que vimos desenvolvendo. Tais 
"Ieorias" são absolutamente ... anti-históri-
cas ou antiepistemológicas (no sentido de 
uma epistemologia relativista). 
Uma das virtualidades da epistemolo­
gia em relação l história é exatamente o 
refinamento de sua autolocalizlção teórica 
e de seu aparelho conceitual; certamente 
não é a sugestão de modelos interpretativos 
ou a descoberta de "números" utipicamen_ 
te históricos". O primeiro problema é me­
todológico, não epistemológico; o segun­
do não passa de resquício ioetafísico. 
Em segundo lugar, o nso da noção de 
causa gera equívocos desnecessários. Se 
Veyne o Caz, é devido à sua herança para 
com Aron e deste com Weber, embora no 
trecho citado ele a utiliu não no sentido 
metodológico weberiano, mas no de senso 
comum. Ora, substituir uma "teoria mate­
rial" por uma explicação derivada do senso 
comum não parece ser nenhum avanço 
cognitivo (mesmo para quem, como Vey­
ne, não coosidera a história uma ciência). 
O melhor encaminhamento à questão 
seria, a nosso ver, a elaboração de uma 
problemática em tomo do eixo teoria (= 
pergunta) x praxis (documental) e a cons­
trução de conceitos ad hoc, que a encami­
nhasse ou solucionasse.67 O próprio Vey­
ne, ai iás, em textos seguintes, parece enca­
minhar-se para,
pelo menos, a segunda fase 
desta solução. 
Finalmente, afinnar que a "história está 
condenada a tentar captar a realidade de 
uma rede de abstrações" vale, igualmente, 
para qualquer ciência, desde que não se 
tenha dela uma concepção positivista: bas­
ta lembrar, por exemplo, a relação que 
existe, na física, entre átomos e isótopos. 
Mais uma razão, portanto, para o refina­
mento teórico (no sentido de "história for­
mai") do conhecimento histórico, o que 
certamente terá conseqüências em nível de 
"história material", pois esta "rede de abs­
trações" será, na "realidade", uma "rede de 
relaçóes", na expressão de Maraval -o que 
de pronto elimina qualquer concepção es-
160 ESlUOOS JflSTÓRla:>S - 1992110 
seneialista OU substancialista de buscarnú­
meros lrans-hislóricos. 
Por outro lado, a propósito desta teori­
zação em História, tomou-se relativamen­
te freqüente a queixa de que os historiado­
res escrevem cada vez mais para sua pró­
pria comunidade e cada vez menos para o 
público. Isto é verdade, boje mais do que 
há décadas. Mas não há o que lamenta r: o 
conhecimento científico tende cada vez 
mais à ruptura com o senso comum c, 
mesmo quando não o faça, muitas vezes 
não se adapta à linguagem comum; cada 
vez mais são necessários categorias e con­
ceitos que não 1Isamos no quotidiano, mas 
que nos aproximam da problemática estu­
dada, mediatizando o conhecimento. 
Como em outras ciências, a da história 
já não pode, atualmente, em detenninados 
campos, dispensar o uso de duas lingua­
gens: a científica, que faz avançar o conhe­
cimento através da refu�1ção de teorias e 
reelaboração de problemáticas, e a da di­
vulgação científica ou cultural, que se des­
tina ao público não-especializado. 
Por via de conseqüência, mudam a con­
cepção de processo histórico e o papel da 
conceptualização. 
3. A explanação: da 
conceptualização ao problema 
o problema da conceptualização é dos 
mais antigos da tradição filosófica ociden­
tal. A necessidade de apreender logica­
mente os dados brutos da observação foi 
problema enfrentado portodas as correntes 
de pensamento, ligando-se intimamente à 
questão da subjetividade ou da objetivida­
de admitida para o conhecimento. Croce, a 
este respeito, dizia que o historiador - co­
mo qualquer outro observador - seria in­
capaz de apreender quaisquer dados empí­
ricos sem conceituá-los de algum modo �A 
lógica como ciência do conceÍJo puro). 
Elo de ligação enlre o real e o investiga­
dor, a relação entre o conceito c a realidade 
que procura descrever ou apreender varia 
de acordo com a subjetividade ou a objeti­
vidade suposta nos diversos campos do 
conbecimento e abordagens epistemológi­
cas e metodológicas. O conceito assim 
concebido variou da sua plena identifica­
ção com o puro fato material, como no 
reísmo, ao seu total descomprometimento 
com o real, como no solipsismo. 
Dentre as várias definiÇÕCS. lipologias e 
aplicações dos conceitos, são relevantes, 
para o conbecimento histórico, além da de 
Aristóteles, as de Marrnu, Croce, Weber e 
Veyne. 
A tipologia clássica, aristotélica, que 
fundamentou as demais ou serviu-lhes de 
referencial, considera os fenômenos 001110 
pertencentes a categorias universais, parti­
culares ou singulares, utilizando um crité-
rio de generalidade. Marrnu, por sua vez, 
I os agrupa em quatro grandes categorias, os 
já muito conhecidos conceitos de Hambi­
ção universal", de uso analógico ou meta­
fórico, os tipos ideais à Weber e os histori­
camente condicionados.69 Tais classifica­
ções, naturalmente, não passariam parcial­
mente pelo crivo de um L. Febvre, por 
exemplo, para quem não existiria um ho­
mem Hetcrnamente igual a si mesmo". 
Também sem preocupação com a rela­
tividade histórica é o critério lógico de 
Croce, ao considerar o conceito u m con­
junto de juí7.os afinnando de um sujeito 
singular um predicado universal (S é P)?O 
Para Weber, no seu esforço para apre­
sentar uma altemativa metodológica ao 
marxismo, os conceitos de tipo ideal, como 
a noção de causalidade, constituem impor­
tantes instrumentos contra a idéia de "leis 
objetivas" da história, incorporando à aná­
lise sociológica tocquevilliana elementos 
da tradição bennenêutica.7t 
A concepção de Paul Veyne é a de que 
a função do conhecimento histórico é con­
ceituar o "todo confuso" do devir, o que se 
FtJNDAMENTOS E VlRIDAI IDADES DAEPlSTEMOLOOlA DA IllSTÓRlA 161 
caracterivuia como um trabalho mais filo­. ífi 72 sófico do que clent co. . 
Aliás, palll Veyne, somente pequena 
parte da história pode ser objeto da ciência, 
aquela em que os acontecimentos humanos 
são explicados à semelbança dos natulllis, 
com call1cterísticas necessá rias e gernis. No 
processo histórico existiriam, assim, ele­
mentos necessários, suscetíveis de explica­
ção física, as coisas que acoll/ecem ordillll­
riamell/e ("cabelos emblllnquccem aos 40 
anos", "cidades modernas possuem bairros 
comerciais") e elementos puramell/e aci­
den/llis ("João sem Terra passou por aqui'} 
A história teria, assim, muito d� acidental e 
alguns núcleos de "coisas necessárias" e de 
"coisas que acontecem ordinariarncnte".73 
Tal fundamentação epistemológica, 
claramente semelhante à concepção de 
Kant sobre a compatibilidade entre o de­
terminismo ao qual o homem estaria sub­
metido como ser biológico e sua libenlade 
moral (Idéias para a história de um pall/o 
de vista cosmopolita) explica a ligação de 
Veyne com as teses de Aron, por sua vez 
ligado, via Weber, aos neokantianos.74 
Como não existem "chaves" da dinâmi­
ca histórica, diz Veyne, porque não há mo­
tor do devir,'5 a explicação histórica não 
pode ser buscada em leis de inspiração 
newtoniana, mas está baseada em silogis­
mos implícitos na retrodição da narrativa, 
na preocupação de "preencher os claros" 
através de húerencias, retiradas por sua vez 
da vida quotidiana e amparadas numa su­
posta compreensão da "natureza humana": 
a isto se resumem as deduções e indu� 
que constituem a explanação histórica.76 
Isso não significa, segundo o autor, não 
haver progresso no conbecimento históri­
co, evidente nos textos de Bloch e Duby 
sobre um mesmo assunto. Mas este pro­
gresso não consiste !", "descoberta de me­
canismos e motores", mas na conceitua�o 
não factual, num crescendo deabstração.77 
Este é, justamente, o centro da crítica 
histórica de Paul Veyne. A conceituação 
histórica é fruto não de uma pesquisa ex­
perimental ou da descoberta, mas de uma 
apercepção intelectual. CompalllDdo o pa­
pel do físico e o papel do historiador, �yne 
afirma que, enquanto o priuo:iro deve des­
cobrir a equação de um fenômeno, ao se­
gundo cabe "inventar cooceitos".7a 
Assim, o conceito assume característi­
cas semelhantes ao tipo ideal weberiano, 
com o objetivo de dar maior precisão ao 
conbecirncnto histórico. Ao contrário do 
romancista, que ICClia o real, o historiador 
limitar-se-ia a dar-lhe seu equivalente con­
ceitual. 
Os conceitos não nascem, entretanto, da 
pura anãlise epistemológica, mas do pro.. 
prio uso social, inclusive ideológico. Um 
dos trabalhos do historiador consiste, por­
tanto, em criticar sua po1issemia. 
-
A rncdida que o conbecimento histórico 
se refina conceitualmente, pa •• a de uma 
"relação de valores" superficial para uma 
weberiana "razão de conhecer" ou "socicr 
logia". Ou, na expressão de �yne: "a con­
ceituação faz pa&<3r do conbechuento da 
história ao conhecimento da energia da 
história e da natureza humana".'9 
O refmamento conceitual da história 
corresponderia, aliás, no plano das ciências 
sociais, a idêntico refinamento da física, 
ambas impulsionadas pelas sociedades 
modernas em marcha para uma clescenle 
racionalização.80 A complwnsão concei­
tual de uma só coletividade, com a condi­
ção de ser totalmente apreendida, diz peri­
gosamente
Veyne, repetindo Aron, talvez 
revelasse a essência de todas as coletivida­
des.SI 
A diferença entre a conceituação física e 
a histórica, finalmente, estaria em que os 
conceitos físicos definir-&e-iam nwre � 
melrico, enquanto os conceitos históricos 
constituir--se-iam numa tópica, isto é, numa 
formulação em que se admite não só des­
conbeccr o ponto de partida como omitir 
uma possibilidade que poderia resolver o 
problema.8Z 
162 ESlUOOS HJsTóRICOS - 1992/10 
Não é possível, entretanto, como fez 
Veyne, separar a tópica da abstração con­
trolada. 
A conceptualização só se realiza plena­
mente se possuir um sólido fundamento 
teórico ... mesmo que não seja epistemoló­
gico. Isto explica por que os conceitos e 
interpretações de Thcídides ou de um his­
toriador providencialista são mais sólidos 
e mais claramente conscientizados do que 
os dos cronistas "meramente narrativos" 
ou mesmo do que os da maioria dos histo­
riadores entre Ranke e a Segunda Guerra 
Mundial. Estes últimos freqüentemente 
pressupunham conceituações, atribuindo­
lhes uma validade universal (o capitalismo 
grego em Glotz, por exemplo), que não 
resistem à análise lógica mais superficial. 
Onde irá buscàr o historiador contem­
porãneo seus pressupostos? Fora da histó­
ria: na teologia, na ética, no direito natural? 
Em algo tão vago (emboia com freqüência 
ocorra, como lembra Veyne aprovadora­
mente) como a "experiência da via quoti­
diana"? 
Não. Parece-nos razoável que vá buscá­
los numa fundamentação teórica comum 
às demais abordagens epistemológicas 
(pensamos na tipologia de Blanche') e ao 
mesmo tempo particular da "epistemolo­
gia das sucessões". A operacionalização 
desta epistemologia histórica far-se-ia ­
já se faz freqüentemente, muitas vezes de 
fonoa empírica, na investigação histórica 
contemporãnea, em especial na história 
econômica, na história social e na história 
das mentalidades - compatibilizando con­
ceptualização, por um lado, com na"ação 
(armai, o substrato, historicamente concre­
to, do conceito), por outro. 
A ligação entre ambos é o problema 
hist6rico. Acapacidade de criar problemá­
ticas é inerente à constituição da ciência 
pós-paradigma clássico e somente pela ca­
pacidade já demonstrada em vários cami­
nhos diferentes (social, econômico, men­
tal) de produzir, resolver e encamillhar pro-
blemas, o conhecimento histórico provou­
se científico, ou oom "núcleos" de cientifi­
cidade. 
Não é, e aqui nos separamos de Veyne, 
por não ser capaz de enoontrar um "motor" 
do devir que a história deixa de ser nm 
campo científico. Este raciocínio combina 
aristotelismo e física newtoniana, desem­
boca no cientificismo do século XIX e não 
vai além, pois ignora a revolução episte­
mológica posterior. Poder-se-ia também 
indagar: qual o "motor" da física, se a lei 
varia com o número e há várias físicas? 
Um campo do saber torna-se cientifico 
pelas suas possibilidades de problematiza­
ção, isto é, por possuir objetos considera­
dos relevantes pela lógica interna do cam­
po e/ou pela sociedade, teorias concorren­
tes dispolÚveis, métodos, um certo número 
de questões a resolver e um "estado da 
arte" que lhe permita identificar aporias, 
avanços e retrocessos na investigação. 
Aproblemática histórica assim elabora­
da - e o sabe atualmente qualquer pesqui­
sador de história com preparo adequado -
permite-lhe um conhecimento mais elabo­
rado (não necessariamente mais "aprofun­
dado") do que o das gerações precedentes, 
orientando o emprego dos instrumentos 
conceituais e a técnica narrativa. 
Combinando as categorias até aqui re­
vistas, poder-se-ia admitir: 
a. é necessário traçar-se um territ6rio de 
objetividade (ou objetivação) do conbeci­
mento histórico, capaz de fazê-lo lógico 
(internamente articulado) e coerente (com­
patibilizando premissas, meios e produ­
tos), para ampliar o grau de precisão e 
intelliubjetividade, na comunidade cientí­
fica, deste conhecimento; 
b. a explanação hist6rica eXeice-se so­
bre um objeto, que é o processo histórico 
entendido como uma rede relaciona!, ou 
séries de acontecimentos/fenômenos en-
FUNDAMENTOS E VIRTUAl IDADES DA EPISTEMOLOGlA DA mSTÓRIA 163 
trecruzados e que admitem uma variedade 
de significados, dados pela perspectiva 
epistemológica-metodológica do historia­
dor, confonne este se refira a tempos cur­
tos, médios e longos, a relaÇÕeS de poder, 
de produção, de trocas sociais e de valores 
ou, ainda, a estados/manifestações COffi­
cientes ou inconscientes, individuais ou 
coletivos, efetivos ou simbólicos; 
c. a explanação histórica comporta dois 
planos complementares de exteriorizaçao, 
articulados pela problemática: o da con­
ceptualização, que consiste na aplicação 
de conceitos já existentes às situações con­
sideradas, ou à invenção de novos, e o da 
narração, que encadeia conceitos e dados 
numa estrutura explanatória objetiva, isto 
é, lógica e coerente, cuja precisão pennite 
atingir aquele território de objetividade, 
ainda que se refira a objetos cuja percep­
ção, por estar fora da zona de consciência 
de nossa psiquê, no argumento de Veyne, 
pareça imprecisa e impressionista. 
Por outras palavras, sustentamos que 
não só é possível como desejável que o 
conhecimento histórico atinja um território 
de objetividade, mesmo lbue não exista, ao 
contrário de Paul Veyne, alguma "essên_ 
cia", no sentido plenamente mosófico, das 
coletividades. 
Embora relativamente pouco explorado 
e às vezes até hostilizado por lhe faltar o 
caráter de "história positiva", "documen­
taI", o campo da história da historiografia, 
neste aspecto, é crucial para o aperfeiçoa­
mento teórico da ciência histórica, ou mes­
mo de modo mais lato, do conhecimento 
histórico. Por que não avaliar criticamente 
a produção historiográfica com o fim de 
rermar procedimentos intelectuais de nossa 
própria "operação historiográfica"? Não 
há, evidentemente, nenhuma razão episte­
mológica, lógica ou metodológica para não 
fozblo, exceto o 3IgUmento que afirma não 
ser este tipo de investigação ... história. De 
fato não o é: trata-se de, confonne o objeto, 
epistemologia ou metodologia da história. 
Mas não se conhece, na história do pensa­
mento científico (vale dizer do século XVI 
em diante) nenhuma ciência que tenha se 
desenvolvido sem uma reflexão te6rico­
metodológica sobre sua própria natureza, 
objeto, procedimentos e fins. 
No desenvolvimento de uma história da 
historiografia, aliás, já existem, senão mo­
delos, pelo menos alguns procedimentos 
encaminhados que ultrapassam a antiga 
concepção cronista ou catalográfica. Pen­
samos no �o de trabalho elaborado por 
Carbonell, apoiado na sociol0f;ia do co­
nhecimento, e no de Koselleck, buscan­
do identificar a lógica interna da constru­
ção do discurso. 
A identificação das estratégias narrati­
vas e o uso consciente ou inconsciente de 
conceitos históricos ou categorias mais 
abrangentes pelos historiadores e (por que 
não?) pelos clOnistas, pode enriquecer a 
compreensão do papel desempenhado pelo 
conhecimento histórico em diferentes cul­
turas e ajudar no aprofundamento da ques­
tão do significado da historicidade e da 
temporalidade nas sociedades, particular­
mente quando tais concepções se chocam 
nos "encontros de culturas" -como ocorreu 
na dominaçao romana, no ilÚcio da Idade 
Média ou na colonização da América. 
Finalmente, cabe observar que, assim 
como a metodologia da história aperfeiçoa 
seu instrumental para passar do individual 
ao coletivo, do explicito ao não-dito, à 
epistemologia histórica cabe aperfeiçoar 
teoricamente o conhecimento histórico, 
sedimentando o caminho da abstração, a 
partir não mais das categorias mosóficas a 
priori (filosofia do século XVllI) ou como 
desveladora de uma arquitetura velada pe­
las "aparências" ou pela "falsa consciên­
cia" (metodologia do século XIX), mas da 
pennanente interação entre a teoria e a 
prática da pesquisa. Esta interação baseia­
se cada vez mais no suposto epistemológi-
• 
164 ES1lJDOS tnSl'ÓRl(X)S - 1992/10 
co que define o objeto histórico como o 
fenômeno (e não mais o fato), o método 
histórico como a equação do problema (e 
não mais a formulação da lei) e o produto 
como sendo o conceilo (e não mais a des­
crição). 
CONCLUSÃO 
A epistemologia hislÓrica relaciona-re, 
como procuramos demonstrar, com a epis­
temologia geral, na medida em que esta 
procura equacionar problemas oriundos da 
quebra do paradigma clássico, emSU3S ver­
sões cienlillca, filosófica e histórica, fome­
cendo subsídios para o aperfeiçoamenlo do 
processo cognitivo da ciência enquanto 
uma das fonnas gerais do conbeeimenlo. 
O papel de uma epistemologia hislórica 
desdobra-se, .'''im, em dois aspeelos si­
mullâneos: ela é uma das abordagens epis­
temológicas possíveis da epistemologia ge­
rai, devido à nalUreza específica de cer105 
fenômenos que se desenvolvem no territó­
rio da "epistemologia das sucessões"; e 
fundamenta o "campo histórico", na medi­
da que contribui para seu aperfeiçoamento 
teórico atravês do conlrole critico de seus 
processos explanatórios, como a precisão 
conceirual e a lógica do argumento. Sob 
esle aspecto cabe-lhe uma posição "racio­
nalista crítica" em face dos resullados -
teóricos e não empíricos - da investigação 
histórica. 
Este ponlo de vista poderia ser subscrito 
inclusive por aquelas posições nas quais a 
preocupação epistemológica não é, neces­
sariamente, central, como as de Foucaull e 
White, uma vez que a epistemologia teria 
papel geralmente conoborador mesmo em 
enfoques que remetessem para outros as­
pectos, como os estéticos e os éticos. 
Porvia de conseqüência, toma-se neces­
sário aclarar as relações da epistemologia 
hislórica com a melodologia e a hislória da 
historiografia. Com a primeira, ela cumpre 
o papel de eliminadora, neutralizadora ou 
resolulora das aporias cognitivas do coube­
cimenlo hislórico, que têm seqüelas meto­
dológicas mas não são, especificamente, 
questões metodológicas' os problemas da 
objetividade/objetivações na explanação, 
da nalUreza do processo, da elaboração 
conceprual, ou do significado das catego­
rias aprioristicas na delimitação da investi­
gação. Em qualquer das duas grandes ver­
tenles melodológicas da história, a análise 
de sistemas sociais ou a hermenêutica, tais 
proeedimenlos epistemológicos revelam­
se fecundos e promissores. Tal constatação 
não deve, obviamente, considerada toda a 
argumentação até aqui desenvolvida, im­
plicar reduzir as virtualidades da epislemo­
logia hislórica a mera propedêutica melo­
dológica. Epistemologia e melodologia são 
selares cognitivos cujas relações podem ser 
sumarizadas no sentido estritamente jurídi­
co do coneeilo de autonomia: não são in­
dependentes entre si, nem vinculados ­
são autônomos, porque relacionam-se 
guardando sua própria especificidade. 
Quanlo à história da historiografia, ela 
é, pareoe-nos, o campo por excelência do 
exercício daquele conlrole crítico dos pro­
cessos explanalórios, no sentido que vimos 
empregando, de Canguillem, quando afir­
ma ser a história de uma ciência (e espe­
cialmente de sllas concepções) o "labora­
tório da epislemologia" daquela ciência.Só 
Notas 
1. A1exander Koyre, Do mundo fechado ao 
universo infinito, Rio de Janeiro, Forense, 1979, 
p.195 e sego;., e Éludes d'histoi", de la poISie 
phi/osophique, Paris, Gallimard, p.253 e segs. O 
que oompreende, inclusive, sua extrapolação 
desde o século xvm, enquanto método, para 
outros campos do oonhecimento, implicando, � 
�poca do lIuminismo, a dttrota da fisica carte­
siana, devido, sobretudo, a \bltaire e d'Alem-
FUNDAMENTOS E VIRllJAIIDADES DA EPISlEMOLOOlADAHlSTÓRlA 165 
bert, oonforme demonstrou Cassirer (E. Cassi­
rer, The philosophy of lhe E.üghtonmenl, Bos­
ton, Beaoon, 1966, p.54 e 55). Observe-se que 
este "'modelo newtoniana" teve uma versão me­
canicista e materialista mais simplificada (e re­
Cutada na Enciclopédia) com Holbacb e 
Lamettrie, irrelevante no século XVII e retoma­
da DO século XIX por várias correntes do pensa_ 
mento filosófico e sociológioo� oonforme E. 
Cassirer, op.cit., p.55-566. O estudo destas su­
«-sivas extrapolaç6es, chegando ao Qmbeci­
menta histórico, fizemos em Amo Wehling, 
·Um problema epistemológico iluminista: a su­
cessA0 histórica nos 'quadros de ferro' do para­
digma newtoniana". Revista da Sociedade 
BTtlsi�ira de Pesquisa Hist6rica, Curitiba, nQ6, 
p.23-32, 1991. 
2. Amo Wehling, "'Kant e o oonhecimento 
histórico (a idéia de história e I sociedade DO 
5&;ldo XVI]]". CiÕtcias Humanas, Rio deJanei­
ro, 7, 20/24, p.30 e segs., 1984. 
3. Augusto Comte, Systb.o de poliliquo pc­
silive, Paris, Sociedade Positivista, 1929, vol.II, 
p.SO. 
4. Émile Simarel, Nalura/eZJJ y a/canco dei 
metado cientifico, Madri, Gredos, 1962, p.455; 
Amo Webling, Os nlveis da objelividade hisl6-
rica, Rio de Janeiro, APHA, 1974, p.20 e segs. 
S. Robert BJanché, Liepistemologie, Paris, 
PUF, 1972, p.35. 
6. A distinção de Pisget aproxima-se mais do 
trabalbo do historiador do que a de Blanché 
quanto ao que chamamos adiante -história ma­
terial", isto é, a sucessão nos processos históri­
cos, uma vez que a considera ·parcialmente 
fortuita devido 80 entreauzamento das séries 
causais· (Jean Piaget,lntroduct;on d I'épistemo­
l.ogie génltique lI, la pensá physique, Paris, 
PUF, 1950, p.I88). Quanto ao processo de 00-
nhecimento, Piaget associa a iovestigaçAo psico­
genética à histórico...critica, considerando-as 
sinônimo de ·modos de aaéscimo dos oonheci­
menlas na medida em que se baseiam em um 
sistema de referênda ooDsLiturdo pelo estado do 
uber admitido 00 momento considerado" (Jean 
Piage� op.at.. parte I, La pensú mathémalique, 
Paris, PUF, 1949. p.45). Por esta razão, oonside­
ramos, quanto a este aspecto, mais útil a distin· 
çio mencionada, de R. Blanché (op.cit., p.38). 
7. Gehard RiUer, "Leistungen, Probleme und 
Aufgaben der intemationale Geschichtsscberei· 
bung zur neueren Geschid:J.te", in ReuJZ;otU: dei 
X Congresso InJemazionak di Scienu, Floren· 
ça, 1955, vol.VI. 
8. Entendemos como referenciais desll preo­
cupação, em diferentes contextos, obras como as 
da "filosofia crítica" norte-americana (por 
exemplo, WiUiam Dray, "'The historian's prob­
lem oC selection", in E. Nagel, P. Suppes e A 
Tarslci, Logic, ",otJwdology and philo.sophy 01 
scimce, Stanford University Press, 1962, ou Ro­
dolph H. Weingartner, "The qua",:1 about histo­
rical explaoatioo", The Jounoal 01 Phiiosophy, 
58 (1961), p.29 aegs.); Paul Veyne, Co,"",enI o. 
écrill'histoire, Paris, Seuíl, 1971, e "A bistória 
cooceitual in J. Le Goa e P. Nora", in Hist6ria: 
novos objetos, no�s métodos, IIOvas aborda­
gens; R.Koselleclt, WJ.Mommsen e J.Rüseo, 
Objelctivitãt "na PartemcJJceâ ifl der Gt!.Scni­
chtwis"". schaft, Munique, 0111, 1978; I.Kodta 
e T.Nipperdey, �orie 14M Erziihlu"g in der 
Geschichle. Munique, D1V, 1983j K.Acham, e 
W.Schulze, TeU UM Ganzes, Munique, DTV, 
1990; José Antonio Maraval, Teoria deI saber 
historico, Madri, Rev. de Ocx:idente, 1967. 
9. C.O.Broad,EI pmsamiullo cientifICO, Ma­
dri, Tecnos, 1963, p.126 e segs.j Henri Poocart, 
Science et ",élhode, Paris Flamarion, 1947, 
p.215-230. Tratamos o tema mais extensameote 
em Os nlveis da obje.tivid4de lIist6rica, Rio de 
Iaoeiro, APHA, 1974, p.20 e segs. 
10. I05e Ortega y Gasset, "EI sentido histori­
co de la teoria de Einsteio", inEl tema de ltUesl,o 
tie",po - Obras Compldas, Madri, AlisoZl, 
1983, vol.ID, p.222 e segs. 
11. Estes a'p<'d", Coram tratados em especial 
por Robert G. Collingwood, Cil""Uz o fiiosofüz, 
Lisboa, Presença, sld, p.212 e segs.; E.Simard, 
op.cit., p.340e segs.;
R.B. Braitbwaite,LA apli­
caci6" c�ntifica, Madri, Tecoos, 1965, p.377; 
Kar! R. Popper, A 16gica da invi.tigaç4o ciolll(­
fica, São Paulo-Belo Horizonte, EDUSP-lta­
tiaia, 1975, p.30 e segs. 
12. O que nAo implica, evidentemente, ao 
contrário das posições: cieotifidstas, a sua pere­
nidade, mas o fato dequese toma objetivo e, por 
isso mesmo, criticável e refutáveJ. Karl Popper, 
ConhecimenlO objetivo, São Paulo-Belo Hori­
zonte, EDUSP-ltatiaia, 1975, p.34-3S. 
13. Arthur March, LA physiqu. ",odo",. d 
ses Ihéories, Paris, GalJimard, 1965, p.31; lsalah 
166 ES1UOOS HISroRICOS- 1992110 
Berlio, Limites da utopia, São Paulo, Compa­
nhia das Lelras, 1991, p.32. 
14. Émile Simard, op.cit., p.344. 
15. O que introduziu 8 questão da diversidade 
de padrões explicativos, aaescentamJo-se ao pa­
drão da lei newtoniana outras possibilidades ex­
plaoatórias (como o probabilismo e problemas 
da incerteza e do acaso). A. March. op.cit. p.167 
e segs.; Jacques Manod, LI! hasard d 14 1U!Ces­
siM, Paris, Seuil, 1973, p.1l4; A.Wehling, Os 
nívi!Ls . . . • op.dt. 
16. J .Ortega y Gasset, op.cit., voLID, p.234. 
17. O primeiro a sublinhar, na França. a 
inversão do "vetor epistemológico" (expressão 
do autor) do racional para o real e não deste para 
aquele, ooma afinnado desde o realismo grego 
até o indutivismo de Bacooj Gastoo Bachelard, 
O novo espírito científico, Rio de Janeiro, Tem­
po Brasileiro, 1968, p.13. 
18. Uma discussão moderna das questões 
epistemológicas daí derivadas encontra-se em 
Haos LenJo, Zwischen Wissensclwfllheorie UM 
Sozialwissenschaft� Frankfurt, Suhrlcamp, 1986, 
especialmente p.7 e segs. (a epistemologia enlre 
Q pensamento de justificação e o de corrolx>ra­
ção) e p.89 e segs. (o problema do cientificismo). 
19. A historiografia francesa e, de modo ge­
rai, as ciências sociais, foram (X>uco sensíveis à 
relação di reta entre a ai se do pensamento físico 
eos padlões explicativos por ele utilizada. Roger 
ClJarüer, recentemente, foi dos poucos a chamar 
8 ate�ção para este alheamento; Roger Cllartier, 
A hist6ria cu/tural entre práticas e repre­
senJaçóes. Lisboa, 1990, p.73 e segs. 
20. Kh. Fataliev,Le matérialisme dialeclique 
et Ies sciotces de la nature, Moscou, Progres, 
p.s e segs. e p.1l7 e segs. 
21. Vorrede, in Krilik der re;nen Vemunft, ed. 
Academia das Oências de Berlim, 1963. Muito 
antes,já afirmara sua fundamentação newtonia­
na nas obras Allgeneine Naturgeschichte urui 
Theorie des Himmels oder Versuch VOlt der Ver­
fassung uNi dem mechanischen Ursprunge der 
ganze WeltgebiJu der nachNewtonschen Grund­
sliJun abgehandelt. (1755) e, particulannente, 
em Unlersuchungen iiber die Deutlichkeit der 
Grundsiitzen der nalür/ichen T�ologie UM der 
Moral (1763); comentários em Emst Cassirer, 
T� Philosophy, op.cit., p.12. Retomamos a re-
ferencia em A. Wehling, Kant e o conhecimenlO 
histórico ...• op.dt., p.32. 
22. Não associamos Heidegger ao existen­
cialismo puro e simples, acatando sua própria 
disti nção entre a filosofia do Dasein (romum aos 
existencialistas) e a análise doSein, objeto de sua 
reDexão. É neste último sentido que se baseia a 
classificação de Morente. 
23. Pela razão indicada na nota pio::edente. 
Martin Heidegger,Sein und leil, Tübingen, Max 
Niemeyer, 1986, 21. Seção, Cap.V; Martin Wer­
ner Marx. HeUJegger UM d ie Tradition, Eine 
problemgeschichthiche Einliihrung in d;e 
Grundbestinsmungen desSeins, 1961, passim. 
24. Amo Weh1ing, "Um problema epistemo­
lógico iluminista: a sucessão histórica nos 'qua­
dros de ferro' do paradigma newtoniana". 
Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa 
Hist6r;ca, Curitiba, nS2. 6. p.23-32. 
25. Amo Wehling, "Historicismo e concep­
ção da história na fundação do Instituto Históri­
co", i n Origens do IHGB, Rio de Janeiro, 1988. 
p.42. 
26. Friedrich Meinecke, Die Enslelumg des 
historismus, Werke, Munique, Oldenburg. 1959, 
voLIII. 
27. Karl Popper, A misiria do historicismo. 
São Paulo, CUllrix, 1975, p.5 e segs. 
28. Isaiah Berlio, Historical inevitability. 
Londres, OUP, 1959, p.52-53. 
29. Estudamos o tema, neste aspecto, em 
"História e valoração - 8 propósito de Nietzs­
che-, Revista Convivência, PEN aub do Brasil, 
1981, voL5, p.75 e segs., a propósito do texto de 
Nietz.sche sobre a história (Von Nutzen und Na­
chteH der Historia rOr das Leben, in Unzeitge­
mtJsse Betrachtungen, i n Werke, ed. 
K.Sehlechta, 1956, voJ.l). A mesma crítica fize­
ra, pela mesma tpoca (década de 1870) Charles 
Renouvier. Ucronia, B.Aires, s/d, p.374. 
30. "Por ação (social) deve entender·se uma 
conduta humana ... sempre que no sujeito ou nos 
sujeitos da ação liguem a ela um sentido" (grifo 
do autor); Max Weber, Wirtschafl UM Gesells­
cltalt: Grundriss der versldaenden SozioJogie, 
TObingen, Mohr, 1956, voJ.l, p.6. 
31. A relação entre as duas séries de fenôme­
nos, embora óbvia, não tem sido sublinhada 
pelos especialistas dos respectivos temas. Aven­
tamos a hipótese de que isto ocorra por ser 
FtTNDAMENTOS E VIRTU .• I IDADFS DA EPISTEMOI..lXilA DA HlSTÚRlA 167 
cooaiderada a problemática do historicismo (e 
do aentificismo em geral) como uma questão 
filosófica ou epistemológica, enquanto a aise da 
"história historizante" é vista sob o ângulo mais 
_rilo dos problemas melodo16gicos da histó­
ria. Tal situaçáo é particularmente clara Da his­
toriografia francesa que apenas aponta, no caso 
dos AlIIIQks, os vínculos entre Mare Bloch e a 
sociologia de Mauss, de Lucien Febvre e a psi­
cologia de WaJlom, de Labrousse e Braudel rom 
I teoria camômica. Guy Bourdée Hervé Marlin, 
La écou,s hisloriques, Paris, Seui!, 1983, p.l71 
e aegs.; Français Desse, L'histoire en. miette, 
Paris, La Découverte, 1987, p.54 e segs. Sobre 
o a1beameDto do grupo dos Al1IfQks em relação 
• uma abordagem epistemologicamente moder­
na, ver as criticas de Roger Cllartier, A história 
a.llural entre práticas e Tt!pres�tações, Lisboa, 
Direl, 1990, p54e segs. Na historiografia alemã, 
• tndiçio bistorista e hermenêutica. junto oom 
• influência weberiana em alguns casos. deter­
minou direcionamento diferente à bistoriografia, 
evitando divórcio tão patente entre proccdimen­
los metodológicos e questões de ordem episte­
mológica. Entretanto. aí também os problemas 
decorrentes da ruptura do paradigma cltissioo 
tiveram pouca influência sobre a reflexâo bisto­
riogrifica, talvez porque a própria tradição bis­
toricista já i mpunha uma reação ao 
cientificismo. Para as múltiplas nuances da 
questão que não cabem neste texto, ver R. Ko­
selleck. WJ.Mommsen e J. Rüsen, Objeklivi­
tãt ... ; J . Kocke e T. Nipperdey, Theorie . . . � R. 
Koselleck, H. Lutz eJ. Rüsen, Formen der Ges­
chchJschrteibung, Munique, DTV, 1985; J. RU­
seo, "1beorie der Geschchte", in R. van Dülmen 
(ed.), Fischer Laikon-Oeschichle, Fraockfur� 
Fischer, 1991, p.32-S1� e H. WUllder, "Kultur· 
gescbichte, MentaliUitgeschicbte, Historiscbe 
Anthropologie", in R. DUlmen (ed.), p.65-85. 
32. Ou, dito em outro plano: "'A história 
organizando seus dados referindo-os às expres· 
sões conscientes, a etnologia relacionando-os às 
oondições inoonscientes da vida social". aaude 
Lévi·Strauss, Antropologia estrutural, Rio de 
Janeiro, Tempo Brasileiro, 1974, p.30� ou ainda: 
A história (cabe) "0 que pertence de direito A 
oootingência irredutível", idem, Du miei aw: 
cendre.s, Paris, Pia0, 1966. p.408. 
33. Olarles A. Beard, "The case ror historical 
relativism", in ROll8ld Walsh, ldeas of history, 
Nova York, Dunon, 1969. vol.U, p.162. Discus­
são do "ooble dream" (título original do trabalbo 
de Beard) em Amo Wehling. "Em tomo de Rao­
ke: a questão da objetividade histórica" ,Revista 
de Hist6ria, São Paulo, USP, 1973, nQ 93, p.192 
e segs. 
34. Benedetto Croce,A hist6ria como pensa­
",enio e ação, Rio de Janeiro, Zabar, 1962, p.42; 
Robert G. Collingwood,

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