Buscar

Deus ou seja a natureza

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 351 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 351 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 351 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Deus ou seja a Natureza
Spinoza e os novos paradigmas da Física
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:001
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
Naomar Monteiro de Almeida Filho
Vice-Reitor
Francisco José Gomes Mesquita
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Diretora
Flávia Goullart Mota Garcia Rosa
Conselho Editorial
Titulares
Ângelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria do Carmo Soares Freitas
Suplentes
Alberto Brum Novaes
Antônio Fernando Guerreiro de Freitas
Armindo Jorge de Carvalho Bião
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Cleise Furtado Mendes
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:002
ROBERTO LEON PONCZEK
Deus ou seja a Natureza
Spinoza e os novos paradigmas da Física
EDUFBA
Salvador, 2009
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:003
©2009, By Roberto Leon Ponczek.
Direitos de edição cedidos à EDUFBA.
Feito o depósito legal.
Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Capa
Alana Gonçalves de Carvalho
Revisão
Cida Ferraz
Biblioteca Central Reitor Macêdo Costa – UFBA
EDUFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n, Campus de Ondina,
40170-115, Salvador-BA, Brasil
Tel/fax: (71) 3283-6164
www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br
Ponczek, Roberto Leon.
Deus ou seja a natureza : Spinoza e os novos paradigmas da física / Roberto Leon
Ponczek. - Salvador : EDUFBA, 2009.
352 p. : il.
ISBN 978-85-232-0608-6
1. Spinoza, Benedictus de, 1632-1677. 2. Física - Filosofia. 3. Metafísica. 4.
Física - Estudo e ensino. 5. Causalidade (Física). 6. Relatividade (Física). 7.
Conservação da natureza. I. Título.
CDD - 110
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:004
A Meus pais, Wanda e Tadeu Ponczek (in memoriam), que me
proporcionaram muitas coisas boas e, dentre elas, a possibilidade de conhecer
o pensamento de Baruch Spinoza.
À Milena, minha filha, e Helena, neta, por me proporcionarem a virtude
da alegria.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:005
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:006
AGRADECIMENTOS
Este livro foi o resultado de muitos anos de diálogos e interações com
várias pessoas, às quais gostaria de agradecer:
Aos meus pais (in memoriam), não só por darem origem à minha
existência, mas por me proporcionarem uma educação que alicerçou meus
valores éticos, estéticos e filosóficos, que me fizeram aproximar de Spinoza.
À Milena e Vladimir, filhos, pelas permanentes presenças incentivadoras,
e por muitos dos gráficos, desenhos e ilustrações cuidadosas deste texto.
À Eliana, companheira e motivadora.
Aos amigos e companheiros de todas as horas, por saberem conviver
comigo, incentivando-me até nos momentos em que todo autor de livro se
torna um chato.
Ao Prof. Dante Galeffi, por conhecer a suprema arte do diálogo que
alterna, em justas proporções, o dizer com o silêncio da escuta.
Aos colegas Profs. Miguel A. Bordas, Benedito Pepe, Iuri Pepe, Maria
Luísa Ferreira, Cesar Castañeda, por valiosas sugestões.
A todos que me suportaram anos a fio, ouvindo os tediosos discursos
acadêmicos de alguém que escreve um interminável livro.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:007
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:008
Bruma de oro, el Occidente alumbra
La ventana. El asiduo manuscrito
Aguarda, ya cargado de infinito.
Alguien construye a Dios en la penumbra.
Un hombre engendra a Dios. Es un judío
De tristes ojos y de piel cetrina;
Lo lleva el tiempo como lleva el río
Una hoja en el agua declina.
No importa. El hechicero insiste y labra
A Dios con geometría delicada;
Desde su enfermedad, desde su nada,
Sigue erigiendo Dios con la palabra.
El mas pródigo amor le fue otorgado,
El amor que no espera ser amado.
Jorge Luis Borges, Obra Poética.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:009
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0010
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS | 7
NOTA AUTOBIOGRÁFICA | 15
PREFÁCIO | 21
INTRODUÇÃO | 29
Parte I
A FILOSOFIA DE SPINOZA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A FÍSICA 
CAPÍTULO I
PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA | 45
CAPÍTULO II
A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS | 65
A substância, modos e atributos: uma filosofia com rigor geométrico | 66
Uma definição geométrica e uma interpretação física alternativa da substância, atributos e
modos | 71
Os modos finitos | 76
A isonomia entre corpo e mente | 79
O conatus, as paixões humanas e primeiras lições para um mestre de Física | 84
Reflexões sobre a vontade. A vontade de ensinar e aprender Física | 91
A pequena física de Spinoza e a grande mecânica de Newton | 96
O martelo e o aprendizado | 103
Pan-animismo em Spinoza | 104
O Pensamento do todo e da parte | 106
Matéria Pensante? | 110
A ideia da ideia rompe a isonomia? | 111
Mudança, permanência e a pedagogia da felicidade | 115
CAPÍTULO III
AS LEIS DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA | 121
As leis de conservação na natureza encontradas nos pré-socráticos e na Física aristotélica | 123
A busca da verdadeira grandeza matemática. A quantidade de movimento de Descartes | 124
O pensamento de Leibniz: vis viva e as mônadas | 126
A força imanente em Leibniz e a força transitória em Newton | 129
Huygens e a evolução do conceito de energia | 130
Quem afinal tinha razão: Descartes ou Leibniz? | 131
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0011
CAPÍTULO IV
CAUSALIDADE: HÁBITO, CATEGORIA OU PRINCÍPIO? | 135
A causalidade nos pré-socráticos e na Física aristotélica | 136
A causalidade e o Racionalismo | 138
A causa imanente e causa transitória | 141
Kant e a causalidade como categoria a priori do entendimento. Juízos sintéticos e analíticos
na Física | 142
Empirismo: causalidade como experiência repetida | 144
Quem afinal está certo: empiristas ou racionalistas? | 146
Causalidade e racionalidade numérica | 147
Causalidade e sincronia em um oscilador forçado | 150
O empirismo e ensino de Física | 156
Hume, Spinoza ou Kant? Pequena reflexão pedagógica | 158
Parte II
SPINOZA E EINSTEIN E SUAS AFINIDADES POSITIVAS:
A TEORIA DA RELATIVIDADE
CAPÍTULO V
REFLEXÕES HISTÓRICAS SOBRE A TEORIA DA RELATIVIDADE.
SUGESTÕES PEDAGÓGICAS | 163
O éter luminífero e a experiência de Michelson-Morley | 166
As Transformações de Lorentz | 170
A invariância das leis do eletromagnetismo e o falso relativismo | 174
Einstein conhecia a experiência de Michelson-Morley? | 176
Da Relatividade Especial à Geral | 177
A aceitação da Teoria da Relatividade Geral | 182
CAPÍTULO VI
ENCONTROS METAFÍSICOS DE EINSTEIN COM SPINOZA:
UMA DIDÁTICA SPINOZISTA DA TEORIA DA RELATIVIDADE | 185
O “Spinoza de Einstein”: um paralelismo biográfico e filosófico | 188
O homem que se mira no espelho | 194
Realismo e monismo | 198
A Duração em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 199
A simultaneidade em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 207
Consequências teológicas da Teoria da Relatividade | 213
Tempo como o número da causalidade | 215
Em busca da unidade | 217
“O maior erro de minha vida” | 220
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0012
Parte III
SPINOZA E EINSTEIN E SUAS AFINIDADES NEGATIVAS:
A TEORIA QUÂNTICA
CAPÍTULO VII
METAFÍSICA QUÂNTICA: O PRINCÍPIO DE INCERTEZA COMO LIMITE DA
PASSAGEM DA ESSÊNCIA À EXISTÊNCIA | 227
Introdução ao princípio de incerteza | 228
O princípio de incerteza macroscópico | 232
Essência e existência na Filosofia | 235
A essência e a existência na Teoria Quântica | 237
Princípio de incerteza como resolução da passagem da essência à existência | 240
CAPÍTULO VIII
OS GRANDES PARADOXOS DA TEORIA QUÂNTICA | 247
A incerteza quântica é epistemológica ou ontológica? | 247
O gato morto-vivo do Sr. Schrödinger | 250
O paradoxoEPR: realismo, completude e localidade | 256
O EPR com momentum linear nulo | 256
O EPR com spin total nulo | 260
D. Bohm e uma saída honrosa para o realismo: variáveis ocultas são spinozianas? 266
Vontade, fenomenologia e as rodas da fortuna da Teoria Quântica | 274
Vontade e observação | 274
Convivendo com a probabilidade e as rodas da fortuna | 279
Parte IV
UMA PEDAGOGIA FILOSOFANTE DA FÍSICA
CAPÍTULO IX
DESCENTRALIDADE ONTOLÓGICA DA NATUREZA NA METAFÍSICA
DE SPINOZA | 285
Um universo sem centros | 287
Será a ciência melhor que a mitologia? | 293
A metafísica de Spinoza e a epistemologia contemporânea serão compatíveis? | 295
Modos da substância ou modos de ser (ressoar) | 299
CAPÍTULO X
PROPOSTAS PARA UMA PEDAGOGIA SPINOZISTA, FILOSOFANTE E
PENSANTE DA FÍSICA | 303
Pedagogia filosofante, pensante e pensada | 303
Pedagogia do cotidiano | 306
A Biblioteca da Babilônia e os crocodilos guardiões do castelo | 308
Identidade e diferença na Pedagogia spinozista | 313
Ode a Spinoza | 318
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0013
NOTAS | 323
Nota autobiográfica | 323
Introdução | 323
Capítulo I | 323
Capítulo II | 325
Capítulo III | 328
Capítulo IV | 330
Capítulo V | 331
Capítulo VI | 332
Capítulo VII | 335
Capítulo VIII | 336
Capítulo IX | 339
Capítulo X | 340
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 343
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0014
 | 15 |
NOTA AUTOBIOGRÁFICA
Desde a adolescência, manifestei forte vocação para as Ciências Exatas,
particularmente para a Física e a Matemática. Aos 15 anos, já tinha lido
algumas biografias de grandes físicos, como Einstein, Newton e Galileo, que
foram meus primeiros heróis, e já havia estudado também alguns livros de
divulgação sobre a Teoria da Relatividade de Einstein, cientista cuja vida e
obra sempre me exerceram profundo fascínio. Desde a mais tenra infância,
ouvia também com encantamento meu pai falar sobre um certo filósofo judeu
de origem portuguesa, de nome Baruch Spinoza, ou Espinosa (como preferem
escrever os portugueses e espanhóis), que achava que Deus e a natureza eram
a mesma coisa. E se Deus é a própria natureza em ato por que não estudá-la
a fundo? Assim, não me foi difícil optar por fazer o vestibular para Física. Em
1967, já estava matriculado no Bacharelado de Física da PUC do Rio de
Janeiro. Concluí o curso em 1970 e em ato contínuo inscrevi-me no Mestrado
de Física Nuclear da mesma Instituição, tendo concluído a tese de mestrado,
em 1974. Em 1975, prestei concurso público para professor Assistente na
UFRJ, para a cadeira de Eletricidade e Magnetismo. Por volta desta época,
participava de inúmeros congressos de Física importantes. Publiquei também
alguns artigos em periódicos considerados do gênero “ciência dura”.
Eu era até então um exemplo de um “físico bem comportado”, e nada
me demoveria de tornar-me um físico no sentido clássico do termo: propor
modelos matemáticos que reproduzissem, com boa precisão, os resultados
experimentais, publicados em vastas tabelas. Em 1977, fui convidado, pelo
Prof. Sérgio Guerreiro, antigo colega da PUC, para dar um curso de Teoria
da Relatividade no Instituto de Física da UFBA, tendo como alunos várias
pessoas que hoje se destacam no meio acadêmico da UFBA. Em 1978, fui
contratado pelo antigo Centec, hoje Cefet, para ajudar a implantar a estrutura
departamental e, em 1980, de volta à UFRJ, iniciei meu doutorado em Física
molecular, concluindo os créditos e boa parte da tese cujo título provisório
era: “O efeito esteira nos potenciais iônicos bi-atômicos”. O “físico sério e bem
comportado” estava em franca atividade.
No entanto, depois que voltei da Bahia, percebi que a minha vida jamais
seria a mesma, pois meus interesses haviam mudado drasticamente. Comecei a
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0015
| 16 |
interessar-me por Filosofia e Música, além de que me casei com uma baiana que
me convenceu a mudar definitivamente para Salvador, e assim, de “físico sério e
bem comportado”, passei a ser considerado pelos meus colegas como uma “alma
inquieta” ou até mesmo como “sujeito irrequieto”. Em 1982, transferi-me
definitivamente para o Instituto de Física da UFBA lecionando a partir de então
várias disciplinas do currículo de graduação de Física, mas a minha mente já
estava sinalizada para outras motivações. A busca das certezas da Física não me
satisfazia mais, preferindo a minha alma inquietar-se com as lacunas e carências
da especulação filosófica, bem como com as subjetividades da Música.
Como primeiro sinal de minha mudança, em 1984, para espanto de
meus amigos mais próximos, e de meus velhos pais, abandonei no meio a
referida tese de doutorado em Física molecular, matriculando-me, em 1984,
no curso de Composição e Regência da Escola de Música UFBA, tendo sido
aluno de grandes compositores como Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso,
chegando a compor algumas peças eruditas como trios e quartetos. Por volta
de 1986, dediquei-me à critica musical iniciando um período de 12 anos
como crítico de música erudita no Caderno Cultural do jornal A Tarde, onde
permaneci até 1998, tendo publicado centenas de artigos de crítica de
espetáculos e análise musical.
Em um segundo momento de minha nova vida, a partir de 1988, reiniciei
meus estudos de Filosofia e História da Ciência, começados na adolescência.
Em 1990, numa época em que no Brasil poucos físicos se interessavam por
História ou Filosofia, criei, no Instituto de Física da UFBA, juntamente com
o Prof. Benedito Pepe, os Seminários de Ensino, História e Filosofia da Física,
que evoluíram para o que hoje é denominado de Programa de Mestrado em
Ensino, História e Filosofia da Ciência.
A partir de 1998, resolvi revisitar meus ídolos da adolescência, tendo-
me dedicado ao estudo exaustivo da filosofia de Baruch Spinoza e à suposta
influência que o filósofo judeu exerceu sobre a Física moderna, em particular
sobre o maior físico do séc. XX: Albert Einstein. Lembro-me bem que desde
a infância no Rio, eu já sentia, em relação a Spinoza, uma espécie de veneração
somente dedicada aos grandes sábios, e que foi certamente, como já mencionei,
herdada de meu pai que sempre me repetia: Deus sive natura (Deus, ou seja,
a natureza). Ao invés de átomos, elétrons ou forças nucleares, questões centrais
da Filosofia como a vontade, o livre-arbítrio, a necessidade e contingência na
natureza passaram a ser objetos de minha investigação, procurando sempre
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0016
 | 17 |
articulá-los com as idéias da Física, principalmente às de realismo, determi-
nismo e indeterminismo que habitam a Teoria da Relatividade e a Física
Quântica. É nesta mais recente área de interesse que acredito poder contribuir
melhor para o alargamento dos horizontes da Física, inicialmente desnudando-
a de suas linearidades artificiais para depois vesti-la com suas inúmeras
articulações com a Filosofia, a História, a Música e a Educação, revisitando o
esquecido quadrivium renascentista.
Como exemplo dessa proposta filosófico-pedagógica, focalizarei meu
olhar sobre aquilo que considero um dos mais pungentes exemplos de
transmissão, afinidade, e até certo ponto, analogia de idéias existentes entre
dois sistemas de pensamento separados, não só por contextos muito distintos,
como por séculos. Relatarei, com certa dose de intuição, que a influência
que Spinoza exerceu sobre Einstein atravessou séculos de história, perpassando
por contextos políticos e religiosos muito distintos, resistindo até a mudanças
radicais de paradigmas científicos. Enquanto Spinoza viveu em pleno século
do determinismo racionalista, sendo um precursor do Iluminismo, Einstein
teve que enfrentar um vendaval indeterminista, provocado pela recém-criada
Teoria Quântica, mantendo, até o final de sua vida, contra quase todos os
homens de ciência de sua época, uma renitente posturacausal-determinista
que pareceu, a muitos, anacrônica.
No entanto, tais afinidades serão muito mais abduzidas do que deduzidas
ou induzidas factualmente. Trabalharei muito mais como uma espécie de
Sherlock Holmes e, munido de uma lente de aumento, ao invés de inexistentes
provas cabais, buscarei cuidadosamente indícios, pistas, pegadas, coletando
impressões digitais metafísicas que se escondem por detrás, e nas entrelinhas
dos dois sistemas de pensamento. Como acontece nas tramas policiais, serão
nos vestígios, deixados nas cinzas dos cachimbos que Spinoza e Einstein
costumavam fumar, que buscarei as conexões, confirmando as suspeitas de
cumplicidade entre nossos dois protagonistas.
Como professor de Física há mais de 30 anos, acredito também que a
identificação de elementos metafísicos, comuns em Spinoza e Einstein, será
útil para um melhor entendimento da Física como um todo, e em particular
das teorias da Relatividade e Quântica, geralmente ensinadas nas salas de aula
como construções internas da Física, que se bastam e esgotam em si mesmas.
No final, desta feita entregue à especulação fenomenológica, questionarei
o fato de que muitos sistemas filosóficos contemporâneos não conseguiram
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0017
| 18 |
romper com o geocentrismo pré-galileano nem com a ideia do éter pré-
einsteiniano, fazendo do homem o centro ontológico do mundo a partir do
qual se conhecem e escrevem as leis da natureza. Contrariamente, como
refletirei ao longo do texto, Spinoza e Einstein percebem o homem como
ente finito do universo que pensa junto com a natureza-universo, sendo um
elemento da physis, ou segundo o jargão spinozista, um modo (de ser) finito
da substância.
Percebo em Spinoza, um cosmocentrismo em que uma Realidade-
Substância única, ilimitada manifesta-se, ora na forma dos corpos físicos extensos,
e ora na forma de pensamentos, os chamados modos ou acidentes da substância
do qual o homem é apenas um desses entes possíveis. Já em Einstein, a natureza
também ganha o estatuto do absoluto, sendo as suas leis universais, eternas e
invariantes, tendo o físico descartado o éter, último cenário imóvel e privilegiado
do universo em relação ao qual as leis da Física poderiam ser escritas de maneira
única e singular, propondo ao invés uma equivalência de todos os sistemas de
referência. Fechando o círculo das abduções, acredito então ser a descentralidade
dos sistemas de referência de Einstein e da Natura de Spinoza, um dos pontos
comuns de tangência entre os dois sistemas de pensamento. Sobre esse ponto,
onde os dois tecidos se dobram, formando uma malha, inextricavelmente
entrelaçada, focalizarei a lente de aumento do detetive persistente em busca
dos detalhes quase imperceptíveis a olhos desatentos.
Creio que esse texto pode muito bem ser entendido pela citação abaixo,
de N. Russell Hanson:
Toda observação é uma experiência de ver, compreender X, como sendo Y
(ver um X como sendo isto ou aquilo). Observar é, pois, fazer uma experiência
de codificação ou de decodificação1.
Farei assim do pensamento científico de Einstein o meu X central, vendo-
o, no entanto, não como um X fechado em si mesmo, mas desdobrando-se
num Y, que para mim é a Ética de Spinoza. Depois da apresentação da
metafísica de Spinoza, proponho-me a decodificar as idéias filosóficas de
Einstein, ora traduzindo seus signos para a linguagem da Ética, e ora, nesta
última, encontrando elementos relativísticos, em algumas de suas definições
e proposições.
A questão central deste trabalho será, então, caracterizar os limites desta
poderosa articulação entre X e Y para, desta forma, ampliar os horizontes
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0018
 | 19 |
perceptivos do processo da criação e transmissão do saber científico, e com
isso, reeducar cientificamente.
Esta reeducação não visa ensinar a Física com vistas a objetivos apenas
técnicos, mas muito mais, entendê-la como forma de disposição atenta do
homem frente ao cosmos, ao universo e à natureza da qual não pode ser
posto à parte, como um ser transcendente. É, pois fundamental e
fundamentante neste texto, a necessidade de entender a Ciência não como
um X tecnocientífico nutrido pela factualidade positivista, mas também como
um Y filosófico germinado na intuição criativa e temperado com as finas
essências de uma metafísica que vige no Amor Intelectualis Dei e na perenidade
das leis da natureza que podem ser entendidas sub speciae aeternitatis.
Com esses objetivos que poderão ser considerados, por algumas mentes
pragmáticas, como difusos, e por outras, como demasiadamente extensos,
ou até mesmo pretensiosos, resolvi escrever este livro como uma autobiografia
científica no estilo “como vejo o mundo”. Gostaria de agradecer ao Prof.
Dante Galeffi, que de pronto entendeu as motivações autobiográficas desse
texto, o que possibilitou-nos um diálogo ressonante e fecundo que a meu
ver transborda em muito os limites estritamente científicos, irrigando áreas
de saberes multidisciplinares, como a Ciência, Filosofia e a educação científica.
Acredito assim que o conflito entre o “físico bem comportado”, da
PUC e UFRJ, e a “alma inquieta” que de mim se apossou depois de minha
vinda à Bahia, apesar do longo tempo decorrido, está chegando ao fim.
Acredito poder contribuir para o alargamento dos horizontes do
entendimento e ensino da Física, disciplina esta à qual tenho me dedicado ao
longo de minha vida acadêmica e que será vista aqui não como uma
representação matemática feita por um sujeito externo à natureza, mas como
um estado corpóreo e mental de um homem imerso dentro dela.
Em suma, a “alma inquieta” e o “físico bem comportado” que pareciam
digladiar-se num conflito existencial sem fim, no interior de meu espírito,
poderão celebrar, enfim, a tensa paz dialética de contrários, resgatando a
essência de meu pensamento.
Salvador, 16 de setembro de 2008,
O Autor
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0019
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0020
 | 21 |
PREFÁCIO
No âmbito da literatura espinosana o presente livro é um contributo
singular, abrindo caminhos até agora inexplorados, que certamente agradariam
ao autor da Ética. Outra coisa não se esperaria de Roberto Ponczek, um
homem de interesses variados e de múltiplas paixões. Físico por formação é
também filósofo, músico e pedagogo, estabelecendo habilmente pontes nestes
diversos domínios. O olhar com que contempla o real constrói sínteses e
concilia divergências. É o olhar de um mestre, de alguém que entende o
ensino/aprendizagem como caminho para descobertas deslumbrantes e não
como atividade mecânica de quem recebe informação e é obrigado a devolvê-
la. Há um enfoque pedagógico que constitui o fio de Ariadne orientador do
percurso desta obra, perspectiva explicitamente assumida e anunciada no
próprio título: Deus ou seja a Natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Física.
A tónica dominante é diálógica, estabelecendo-se um inter-câmbio entre
a Filosofia e a Ciência, nomeadamente entre a Filosofia e a Física. Logo na
introdução, Ponczek lamenta o equívoco que leva ao divórcio entre físicos e
filósofos, geralmente de costas voltadas uns para os outros, dizendo os
primeiros que a Filosofia é pura perda de tempo e queixando-se os segundos
da linguagem hermética da Física. Na seqüência de Kuhn, que já se insurgira
com o modo an-histórico (ou mesmo anti-histórico) como habitualmente
se ensinam as diferentes ciências, o autor propõe uma pedagogia e uma
dialéctica das mesmas que não as considera como “algo fechado, neutro, prático,
linear, objectivo e desprovido de historicidade” (ver Introdução). É seu objectivo
mostrar como o pensamento científico se desenvolve em espiral, inserido
num contexto histórico, metafísico, ideológico e mesmo religioso e artístico,
do qual seria artificial descolá-lo.
Numaclara oposição ao positivismo comteano, Ponczek defende a
proximidade da Ciência e da Filosofia, provando que certas questões científicas
só serão compreendidas pelo recurso à metafísica. Em diálogo com esta tese
primeira é possível destacar outras subteses que Roberto Ponczek aborda
com igual entusiasmo e que constituem as traves mestras do seu trabalho.
São elas: demonstrar que é possível ensinar/compreender a Física, tendo como
pano de fundo a filosofia de Espinosa; tornar visível a influência deste filósofo
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0021
| 22 |
seiscentista na Teoria da Relatividade de Einstein; reflectir sobre a separação
da Filosofia e da Ciência depois da implantação e aceitação de um sujeito
humano transcendental; propor uma pedagogia geral e especial (no caso da
Física) orientada por trilhos espinosanos.
O itinerário que o autor nos propõe procura estabelecer passadiços entre
duas épocas (o séc. XVII e o séc. XX) e entre dois filósofos (Espinosa e
Einstein). Um projecto tanto mais difícil quanto sabemos tratar-se de dois
pensadores inseridos em contextos marcados por ideologias científicas
fortemente contrastantes – o racionalismo determinista do qual Espinosa é
representativo e o indeterminismo provocado pela Teoria Quântica, contestado
por Einstein. Sendo Einstein uma das estrelas deste livro, é preocupação de
Ponczek mostrar como nas suas teorias há uma constante presença do filósofo
luso-judeu, alguém que o autor da Teoria da Relatividade profundamente
admirou. Distanciando-se das linhas dominantes da Filosofia contemporânea,
marcada por querelas lógico-lingüísticas, Ponczek retoma a trama metafísica
que tão grata foi a Espinosa, aproximando a descentração antropológica que
este pensador defendeu e as teses einsteinianas nas quais o homem é pensado
juntamente com a Natureza. Assim a Teoria da Relatividade deixa de ser uma
construção interna da Física e passa a entender-se de um modo articulado
com a imanência espinosana.
Há que re-ensinar a ensinar para que se possa re-aprender a aprender.
Ora o novo modelo pedagógico que nos é proposto para uma didáctica da
Física passa pela recuperação de Espinosa, um pensador que os alunos de
ciências praticamente desconhecem, desconhecimento tanto mais grave quanto
este filósofo representa uma excepção à “altivez do sujeito” (capítulo IX), atitude
que Ponczek contesta, mas que reconhece ser dominante na História da Física.
A crítica ao modo como habitualmente se ensinam as diferentes
disciplinas científicas é o primeiro degrau para uma proposta ambiciosa –
motivar os alunos para a leitura e o estudo das obras originais dos grandes
clássicos da Física, levando-os a interessar-se por teses filosóficas sobre a
Natureza. Se durante muitos séculos a Ciência e a Filosofia foram irmãs
siamesas, pois a grande maioria dos filósofos deu contributos relevantes ao
campo científico, há que retomar a prática salutar de um cruzamento de
olhares, trazendo-a para o domínio pedagógico, de molde a que o ensino das
ciências deixe de ser asséptico, repetitivo e desinteressante como infelizmente
tem sido hábito. É essa a proposta de Ponczek que, não se contentando em
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0022
 | 23 |
reactivar o diálogo entre Filosofia e Física, apela também para a Música. Por
isso coloca em paralelo Bach, com a sua esplendorosa “música do sujeito” e a
revolução científica e filosófica ocorrida no século XVII, que coloca o homem
no centro do Universo, tornando-se ele, e não a Terra, o ponto de referência
de todas as coisas.
O autor critica o realismo ingénuo dominante nas comunidades
científicas contemporâneas que nunca conseguiram abandonar o positivismo
e as suas marcas. Para ele é evidente que fotões, electrões e mesões não
constituem os fenómenos enquanto tal, colocando-se como entidades
simbólicas, signos que nos facultam uma descrição coerente da realidade e
nos permitem prever com eficácia. Por isso, combate a entificação de tais
noções e defende para a Física uma pedagogia aberta, na qual Espinosa e
Einstein são estrelas de primeira grandeza. É seu intuito “transpor as redomas
de vidro em que o físico pós-kantiano se aprisionou” (capítulo IX). E porque
Espinosa sempre defendeu que o mundo e os homens comungam de uma
mesma essência, ele é um dos interlocutores dominantes nesta proposta
inovadora.
Em Espinosa, tal como em Einstein, o homem calculador que se coloca
fora do mundo é substituído pelo homem ressonante que se torna “porta voz
do lógos e mensageiro do ser” (capítulo IX). Em ambos há uma sintonia do
homem com o Universo, do qual o primeiro é expressão. Muito mais do que
com a Física do seu tempo que entende o homem como “centro ontológico e
cognitivo do universo” a descentração espinosana está em convergência com o
projecto de Einstein. De facto, ambos sustentam a primazia da Natureza
sobre o homem e não deste sobre aquela. Um e outro defendem um panteísmo
naturalista bem como uma causalidade determinística inerente à Natureza.
Com uma distância de séculos, filósofo e cientista estão em consonância quanto
ao conceito de causalidade, entendendo-a como condição ontológica do
universo. Ambos recusam concepções que a consideram como algo
empiricamente construído, à maneira de Hume, ou como uma categoria do
espírito humano, seguindo a perspectiva de Kant.
Tal como Espinosa desenvolveu o seu sistema apoiando-se em definições
iniciais, também Einstein partiu de “dois postulados universais e atemporais
enunciados sem demonstração”, deduzindo a partir deles uma cadeia silogística
que levou à desconstrução do espaço e do tempo absolutos (capítulo VI).
No dizer de Ponczek: “as conseqüências da Relatividade ferem brutalmente o
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0023
| 24 |
senso comum e, portanto não poderiam ser directamente obtidas da experiência
sensorial, como defenderiam os empiristas clássicos” (capítulo VI). É uma posição
que se poderia transferir para Espinosa, calando as objecções de alguns dos
seus leitores, nomeadamente dos que se insurgem quanto à arbitrariedade
das definições iniciais da Ética.
Para além destas e doutras afinidades positivas que aproximam os dois
pensadores judeus, há também discordâncias que os unem pois, como lembra
Ponczek, aqueles que têm inimigos comuns amigos são. Tanto Espinosa como
Einstein hostilizaram (e foram hostilizados) pela intelligentsia coeva, opondo
às teorias dominantes visões desviantes, que as contestavam. Assim aconteceu
com Espinosa que à crescente empiricização da Ciência opôs uma vertente
metafísica, assente em essências intemporais. Assim aconteceu com Einstein
que discordou da Teoria Quântica da Escola de Copenhaga, criticando o
indeterminismo. Os dois negaram a contingência, quer ontológica quer
antropológica. Os dois se demarcam de interpretações mecanicistas e
reificantes do conceito de tempo, sendo a universalidade e a atemporalidade
das leis da Natureza um dos tópicos do espinosismo que mais influenciou
Einstein.
O livro de Ponczek desenrola-se em dez capítulos, precedidos de uma
apresentação do autor e dos objectivos pretendidos. O primeiro capítulo dá-
nos uma breve biografia de Espinosa, como seria de esperar por parte de
quem considera importante o contexto e a história pessoal no que respeita à
génese e compreensão das teorias. Não pretendendo fazer uma análise exaustiva
do trabalho em causa, limitar-nos-emos a assinalar aspectos que nos pareceram
particularmente interessantes, sublinhando alguns pontos polémicos e/ou
interpretações originais. Deste modo, relevamos do capítulo II (“A filosofia
de Spinoza e algumas lições pedagógicas”) uma curiosa interpretação dos
atributos, entendidos como projecções da substância em diferentes planos,
sendo os modos considerados como “duplas manifestações locais finitas de um
ser ilimitado” (capítulo II). É o olhar do cientista que,através dos conceitos
de inércia e de força externa, aproxima a pequena física do autor da Ética e a
grande mecânica de Newton (capítulo II.). De particular interesse para os
alunos de Física – ou para quem pretende obter conhecimentos nesta matéria
– é o capítulo V – “Reflexões históricas sobre a Teoria da Relatividade.
Sugestões didáticas”. Nele Ponczek propõe-se fazer uma “história bem
comportada da Teoria da Relatividade Especial e Geral” integrando estas teses
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0024
 | 25 |
num contexto interdisciplinar amplo. As discordâncias de Einstein perante
as teorias de Mach e de Heisenberg são-nos apresentadas como reforço da
posição defendida pelo autor da Teoria da Relatividade, cujo objectivo é
compreender a Natureza “tal como ela é e não como se nos apresenta aos sentidos”
(capítulo V). Nota-se um desejo marcado de contextualização das teorias
físicas – neste caso as Teorias da Relatividade Geral e Especial – ligando-as,
bem como as suas antecessoras, “às especulações filosóficas dos seus autores”
(capítulo V). De igual modo é nítida a vertente pedagógica, uma perspectiva
que Ponczek nunca abandona e que resulta da sua longa experiência de ensino.
Devido a ela aconselha os professores a nunca abandonarem o humor, por
muito formais e científicas que sejam as teses que ensinam. É também
interessante e esclarecedor o relato feito das críticas ideológicas a que foram
sujeitas as teses de Einstein, sobretudo por parte de físicos alemães anti-semitas.
Mais uma vez fica patente que o conhecimento científico não se desenvolve
numa redoma e que há factores extrínsecos que são parte importante da sua
génese.
Se o capítulo V é de cariz predominantemente histórico e científico, o
capítulo VI – “Encontros metafísicos de Einstein com Spinoza” – tem uma
vertente filosófica, embora não abandone a incidência pedagógica. O objectivo
é sublinhar a convergência entre o programa de pesquisa científica de Einstein
e a metafísica de Espinosa. Trata-se, pois de mostrar a professores e alunos de
Física, as vantagens que terão se perceberem as Teorias da Relatividade (especial
e geral) a partir do pensamento de Espinosa e não como uma “construção
interna da física” (capítulo VI).
A perspectiva filosófica e a presença de Espinosa continuam a fazer-se
sentir no capítulo VII que se debruça sobre a essência, a existência e o princípio
de incerteza. Inicia-se com ele um processo diferente – a exploração das
afinidades negativas entre Einstein e Espinosa, ficando patentes as
discordâncias do primeiro relativamente a Bohr, Born e Heisenberg. Tal como
o filósofo judeu se opôs aos sistemas metafísicos coevos, também Einstein se
insurgiu contra o indeterminismo e a contingência defendidas pela Escola de
Copenhaga. A presença do autor da Ética continua a fazer-se sentir nas
interpretações contemporâneas da Teoria Quântica e da Teoria da Relatividade,
como é o caso das teses de Bohm. Estas são hipóteses que “devolvem ao mundo
microscópico o determinismo tido como perdido” (capítulo VII), dizendo-nos
Ponczek que a teoria das variáveis ocultas representa a consumação dos sonhos
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0025
| 26 |
de Espinosa e de Einstein no que respeita a um mundo ordenado, livre de
contingências e de arbitrariedades.
Os capítulos IX e X integram a última parte da obra, nitidamente
orientada para a pedagogia, propondo-se Ponczek corrigir as actuais
deficiências do ensino/aprendizagem da Física, mediante o recurso a Espinosa.
Trata-se de uma pedagogia filosofante, descentralizada e descentralizadora,
“uma pedagogia sem sujeitos nem objetos” (capítulo IX). Retomando a metáfora
do martelo que o filósofo judeu usara no Tratado da Reforma do Entendimento,
Ponczek propõe-nos uma pedagogia que contrarie a especialização estreita e
acarinhe a visão interdisciplinar. Para ele, há que “pensar como a Natureza
pensa” (capítulo X). Ora o pensar faz-se ser através de nós mesmos, pois
somos modos do Ser e, como tal, o conhecimento implica uma vibração
comum do Ser com os seres bem como dos seres entre si. Pensa-se, como
Espinosa nos propôs, “junto com e não sobre o Universo” (capítulo X),
estabelecendo-se uma cosmodinâmica no acto de pensar.
A preocupação pedagógica está patente no cuidado com que se expõem,
de um modo claro e acessível aos leigos em Física, teorias tão complexas como
a Relatividade Geral e Especial ou o princípio da incerteza. A mesma atenção
é concedida aos leitores não filósofos, para os quais certas noções básicas como
essência, existência, duração, substância, tempo, são apresentadas de um modo
simples embora não simplista. A abstracção dos conceitos quer da Física quer
da Filosofia é minorada pela apresentação da génese dos mesmos e pela sua
inserção no contexto histórico e cultural em que surgiram, o que os torna mais
acessíveis permitindo a sua integração nas referências significativas e conceptuais
dos leitores. O uso constante de histórias e de metáforas é outro auxiliar
determinante, conseguindo que um discurso em si mesmo difícil se torne familiar
para a mente de quem estuda. Note-se que todas estas ajudas não prescindem
de dois requisitos prévios, indispensáveis segundo Ponczek para todo o aprendiz
de Física: que saiba cálculo e que domine o raciocínio matemático.
O capítulo X é o culminar das intenções do autor. Nele nos é proposta
“uma pedagogia spinozista filosofante e pensante”, porque a Natureza em Espinosa
não é pensada mas sim pensante. Ao formular as leis o homem é a Natureza
em acto. Ele não cria as leis, antes as descobre, agindo e pensando em
conformidade com a substância. Inspirado em Espinosa, Ponczek fala-nos da
verdade como “um campo ressonante de forças”, um resultado da
comparticipação do homem com a Natureza.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0026
 | 27 |
A pedagogia clássica encara o mestre como transmissor de conhecimentos
a um aluno que os absorve. Mais perto de nós, começam-se a considerar
factores psicológicos, atendendo-se às motivações e aos interesses do aprendiz.
Ponczek vai mais longe, entendendo o termo conhecimento no seu sentido
francês de “connaissance”, à letra “nascer com”. Por isso valoriza o renascimento
que toda a aprendizagem verdadeira implica, renascimento que decorre da
relação dialógica. Mestres e alunos compartilham de um mesmo saber que é
trabalhado na sala de aula. Inspirado em Espinosa e Einstein o autor propõe
aos professores que estabeleçam nas suas aulas uma relação descentralizada,
dialógica, fruto da relação entre partes e todo. Mestres e aprendizes deverão
compartilhar um mesmo saber. É um processo solidário que não prescinde
de um percurso solitário, uma aprendizagem individual e exigente que se
reforça com aquilo que experimentamos todos os dias. A inserção no
quotidiano, no que este tem de aparentemente banal e comezinho, permite-
nos perceber que somos partes, malhas ou elos de uma cadeia contínua. Ora
é na resolução desses aparentemente pequenos e triviais problemas que
aprendemos a compreender o mundo.
Diferentemente das questões que a Física tradicional impõe aos seus
alunos, as propostas de Ponczek processam-se de dentro para fora, partem de
vivências, não são artificialmente impostas. Para ele, o mestre espinosista é
descentralizador, substituindo as certezas por dúvidas e obrigando a um
pensamento solidário. O aluno aprenderá a estar atento aos fenómenos
circundantes e a sua iniciação científica far-se-á através deles, dispensando o
recurso a bibliografias extensas pois o excesso de livros pode ter efeitos
nocivos. Ponczek contesta as bibliotecas de dimensões babilónicas,
considerando-as como verdadeiros obstáculos para um conhecimento
conseguido.
O autor termina com uma recolha de trechos de pessoas célebres que
escreveram sobre Espinosa, mostrando como este as influenciou, motivou
ou simplesmente encantou.É um convite a ulteriores leituras para as quais o
presente livro nos foi preparando, um livro que lemos com muito agrado,
que nos interpelou, motivou e levantou questões. Houve interpretações que
nos intrigaram e/ou surpreenderam; outras houve das quais discordamos.
No entanto, todas elas nos fizeram pensar ou mesmo rever posicionamentos.
A abertura para novos rumos do pensamento espinosano é a melhor
homenagem que podemos fazer a quem simultaneamente nos fez tomar
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0027
| 28 |
consciência do modo como determinismo e liberdade convivem em cada
homem. Como escreveu Ponczek : “É necessário fazer da finitude do homem o
seu projecto e não a sua prisão” (capítulo X). No presente livro há inúmeras
pistas para um projecto libertador.
Lisboa, setembro de 2008
Profª. Maria Luisa Ribeiro Ferreira
Dep. de Filosofia – Fac. de Letras da Univ. de Lisboa –
Alameda da Universidade – Lisboa – Portugal
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0028
 | 29 |
INTRODUÇÃO
Constatei pelo meu longo périplo por várias universidades, congressos,
encontros, simpósios, tanto de Filosofia como de Física, que os filósofos
desconhecem a Física na mesma proporção que os físicos desconhecem a
Filosofia. Os filósofos alegam que a Física enveredou por técnicas e matemáticas
muito especializadas tornando-se de difícil compreensão para quem não tiver
um longo adestramento nos métodos matemáticos e experimentais utilizados.
Já os físicos, ainda mais pragmáticos, alegam que a Filosofia pouca ou nenhuma
utilidade para eles terá. Alguns mais radicais chegam a dizer de alto e bom
tom que “a Filosofia é pura perda de tempo”. Tenho por objetivo maior
mostrar que ambos estão equivocados. O mal-entendido e a falta de
comunicação entre as duas comunidades dão-se principalmente pela forma
pontual, a-histórica e antifilosófica como são ensinadas e divulgadas as
ciências, e dentre estas a Física, em nossas escolas e universidades. Pretendo
assim apresentá-la (notadamente a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica)
de ângulos bastante distintos de como é normalmente apresentada nas nossas
instituições de ensino e pesquisa. Acredito que a forma em que serão expostas
as duas mais importantes teorias da Física moderna, desvelando as suas
múltiplas articulações com a Filosofia, poderá ser útil não só a filósofos e
físicos, mas também a um público culto interessado nas principais indagações
da contemporaneidade. Sempre que possível, estarei buscando um justo
equilíbrio de forças do pensamento científico e filosófico, visando o centro
de gravidade dessas atividades do espírito humano.
Para sossego dos físicos mais ortodoxos, é, no entanto, importante
sublinhar que a abordagem com a qual aqui será tratada a Física não pretende
substituir os métodos tradicionais de operar os conceitos matemáticos, pois
seria temerário supor que seu aprendizado possa ser feito sem um amplo e
seguro domínio do ferramental matemático. Sabe-se perfeitamente o poder
da matemática não só como a linguagem da Física, mas também como a
grande metáfora da natureza, que através de um simples signo, ou uma relação
entre eles, pode representar uma extensa narrativa dos fenômenos naturais. A
conquista do quantitativo e da precisão adquiridos a partir da revolução
científica do séc. XVII é irreversível, e só foi possível com a matematização
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0029
| 30 |
dos fenômenos ocorrida a partir de Kepler e Galileo. O que pretendo é servir
de harmonia e contraponto filosófico às construções matemáticas operacionais
da Física que tanto assustam os não-iniciados, vislumbrando nesta ciência
uma aproximação essencial com a Filosofia, a Educação e a cultura. No
linguajar médico significaria propor, para a cura da pedagogia da Física, um
tratamento alternativo sem remoção da medicação principal. O que me move
a propor esse novo ângulo de visada sobre a Ciência, e sobre a Física, em
particular, é, repito, a forma estanque e pontual com que ela é geralmente
ensinada nas salas de aula de nossos estabelecimentos de ensino médio e
superior. A Física apresentada nas academias parece bastar-se a si própria tal
qual um castelo feudal isolado por profundos fossos que ocultam os vínculos
com a história do pensamento filosófico ou da práxis cotidiana, repelindo
filósofos e outros pensadores da cultura.
De fato, os textos, ementas, planos de cursos das disciplinas de Física,
adotados e praticados nas salas de aulas das universidades brasileiras, desde o
pós-guerra, são, em sua grande maioria, traduções e adaptações de textos de
autores norte-americanos, apresentando a Física em complexas construções
matemáticas fundadas em exaustivos programas experimentais. Segundo esses
textos, foi inventada por Newton, reinventada por Einstein, tendo em Galileo
uma espécie de coadjuvante esforçado, porém pouco eficiente. Kepler e
Copérnico são agraciados com uns poucos parágrafos. Descartes, Kant ou
Hume quase nunca são mencionados; e nosso filósofo homenageado, Spinoza,
um ilustre desconhecido.
Esses textos e programas, tecnicamente corretos, porém, sob os pontos
de vista histórico e filosófico, extremamente pobres, já formaram várias gerações
de físicos, químicos, engenheiros, matemáticos e professores com inegável
eficiência e pragmatismo. No entanto, pelo menos três reflexões muito preciosas
se perderam neste processo de aprendizagem: a possibilidade da Física abrir-se
às questões metafísicas, aparentemente tão distantes, mas que no passado lhe
deram origem; buscar na Física, particularmente em algumas de suas teorias,
elementos relevantes para alguns dos problemas mais básicos da teoria do
conhecimento, como sua origem, a essência ou possibilidade; e finalmente
restituir o sentido originário de tempo na história da criação científica, buscando
sua imbricação com outras atividades do espírito.
De fato, a Ciência surge, dos livros, cursos e do discurso da maioria dos
professores universitários, como flashes instantâneos que, em passes de mágica,
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0030
 | 31 |
nos induzem a crer que Newton, Einstein, Heisenberg ou Bohr, dentre outros,
sem nenhum vínculo com os contextos históricos e filosóficos de suas épocas,
tiraram de suas cartolas o conjunto de axiomas e leis com as quais sintetizaram
a ciência de milênios. Este abracadabra faz surgir diante dos alunos, prontas e
reluzentes, as relações F = ma, E = mc2 ou E = hννννν, antes mesmo que o raio de
luz, que Einstein havia imaginado, toque o espelho! O objetivo é ensinar,
assim, a Ciência como algo fechado, neutro, prático, linear, objetivo, desprovido
de historicidade e conduzindo ora a um positivismo ingênuo ora a um
empirismo radical. Não é prioritário saber como nascem e evoluem as ideias
científicas, nem estabelecer vínculos e articulações entre elas, mas sim, como
aplicá-las de sorte a produzirem efeitos práticos e imediatos. A corrida
tecnológica e as frias leis de mercado nutrem esta pedagogia até os presentes
dias. Portanto, não nos é revelado como são penosos, lentos e sinuosos os
processos de evolução e aprendizado das ideias científicas, e muito menos como
estas se relacionam com a totalidade das manifestações do espírito humano.
Procurarei assim mostrar como o pensamento científico pode caminhar
em espirais de forma que ideias novas e revolucionárias podem conter, mesmo
que inconscientemente, ideias religiosas, artísticas ou metafísicas. De fato, a
história do pensamento registra muitos exemplos de entrelaçamento de
atividades que hoje nos podem parecer como pertencentes a domínios
completamente distintos, como a Ciência, a Filosofia, as Religiões, as Artes e
a Cultura de uma forma geral.
Será a recriação de antigas ideias, ou a articulação, entre si, das diversas
atividades culturais, uma mera coincidência? Ou será a estrutura dopensamento, muito mais complexa do que parece? Terá o homem a estranha
capacidade de memorizar a origem de sua espécie repetindo ideias seculares?
Certamente, o pensamento científico, e sua transmissão, evoluem de forma
bem mais complexa de como é divulgado pela grande parte dos textos e
currículos de Física, nos quais esta ciência aparece ensimesmada numa
objetividade pontual produzida por lampejos isolados de gênios
descomprometidos com a sociedade e a História, que se movem apenas pelas
motivações internas de uma ciência pretensamente neutra.
Segundo T. Kuhn1, a tendência dos livros-textos, a que ele denomina de
manuais, a tornar linear o desenvolvimento da Ciência, acaba escondendo o
processo que está na raiz dos episódios mais significativos de desenvolvimento
científico.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0031
| 32 |
O ensino de Física, engenharias e das ciências em geral, na maioria das
universidades brasileiras (e por indução não tenho receio de generalizar esta
observação para universidades de outros países), limita-se assim à leitura, por
parte dos estudantes, de livros-textos especialmente preparados para adestrá-
los em problemas normais e corriqueiros das teorias aceitas, até aquele momento,
como corretas representações da natureza. Em seguida, os estudantes são
submetidos a uma série de longas e estafantes listas de exercícios que reduzem
o aprendizado a uma operação de condicionamento de reflexos do tipo “tal
problema tal fórmula”. Certa vez, quando estudavam juntas, ouvi minha filha
Milena e suas colegas repetirem coisas tais como “povotó igual pivití” ou “perua
velha não rejeita tarado”. Perguntei-lhes o que significavam essas palavras bizarras,
sendo informado, para meu espanto, que se tratava de fórmulas de Física...
Como depois me confidenciaram, a primeira das expressões era uma forma de
memorizarem a expressão Po Vo/To = Pi Vi/Ti, a chamada lei dos gases perfeitos,
enquanto a segunda era um acróstico para PV= nRT, a lei de Clayperon!
Muito mais relevante que memorizá-las é entender que as expressões matemáticas
“falam” com o cientista ou tecnólogo a linguagem da natureza, assim como
uma partitura ressoava, em silêncio, nos ouvidos de um músico surdo como
Beethoven... Até a pós-graduação, e em muitos casos até a sua conclusão, é
muito raro que os estudantes dos cursos científicos sejam incentivados por
seus professores e orientadores a ler textos originais dos grandes pensadores (as
chamadas fontes primárias) ou livros de História ou Filosofia da Ciência. O
procedimento pedagógico comumente adotado, levado aos últimos estágios
da formação de um cientista, faz com que este adquira um conhecimento parcial
da ciência e passe a acreditar erroneamente que no passado a evolução do
pensamento ocorreu de forma linear até chegar, sem traumas, às ideias e práticas
científicas em vigor; e que no presente estas mesmas práticas sejam as únicas
possíveis e imagináveis. Por outro lado, é muito comum também, as academias
de ciência incutirem nos alunos um empirismo banal no qual as grandes
descobertas científicas aparecem sempre precedidas por exaustivos programas
de experimentação, como se a mente não fosse capaz de dar saltos que sintetizam
vários saberes e a intuição não pudesse estabelecer relações entre os fatos passados
ou futuros. Por exemplo, é comumente ensinado nas salas de aula que Einstein
só pôde desenvolver a Teoria da Relatividade Restrita depois de tomar
conhecimento da experiência de Michelson-Morley, o que ele jamais reconheceu.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0032
 | 33 |
Criam-se assim, no seio dessas academias, técnicos-cientistas altamente
adestrados na resolução de problemas da ciência em vigor, mas que, por
outro lado, sem a necessária visada multidisciplinar, em momentos de crise,
serão pouco capazes de questionar criticamente uma ciência à qual se
habituaram a perceber como intocável, além de que incapazes, se necessário,
de buscar soluções heterodoxas. Para quê perder tempo lendo as obras originais
de Copérnico, Kepler, Newton ou Einstein, se os textos as resumem de forma
a tornarem-nas úteis para a prática científica? Para quê ler Aristóteles, Descartes,
Spinoza ou Kant, se suas elucubrações filosóficas pouco têm de úteis para a
resolução de problemas científicos atuais ou para a consolidação das teorias
vigentes? O pragmatismo com que são treinados os físicos e professores de
Física, isolando-os em pequenas comunidades pretensamente auto-suficientes,
leva à falsa impressão de inacessibilidade que alunos, o público leigo, e até
pensadores de outras áreas de saber, têm dessa ciência. A gestação deste livro
pode assim situar-se nesse contexto onde paira a ideia central de que as Ciências
“se bastariam a si próprias”, não carecendo de reflexões acerca de sua essência
e de sua evolução histórica.
***
Seria necessário começar este livro questionando o seu próprio título e
problema maior, perguntando em voz alta o porquê de buscar Spinoza na
Física ou no seu ensino? Não haveria pensadores mais afins à Ciência, cujas
reflexões permitiriam construir um elo natural entre a Filosofia e a Física,
tornando essa travessia mais curta e menos tortuosa? Por que não buscar Leibniz,
Descartes, Kant ou até mesmo Aristóteles na Física? Não teriam esses pensadores
cruzado com desenvoltura as tênues fronteiras que separam a Filosofia das
matemáticas, da lógica e da própria Física? Por que então falar-se em Spinoza,
autor de uma ontologia aparentemente distante dessas zonas de convergência
da Filosofia com a Ciência? A construção de uma longa ponte entre a metafísica
de Spinoza e a Física terá então que buscar na técnica das engenharias a sua
inspiração. Quando o rio é largo, e o vão a ser coberto é grande a ponto de
desestabilizar a construção, deve-se buscar, à guisa de ponto de apoio, uma ilha
fluvial intermediária. Farei do pensamento científico de Einstein o ponto central
em que se apoiará a nossa longa estrutura de concreto que permitirá o trânsito
de ideias entre uma ontologia do séc. XVII e a moderna Física do séc. XX.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0033
| 34 |
Desta forma, buscando a ilha intermediária que nos servirá de apoio,
focar-se-á o olhar sobre um notável leque de afinidades existentes entre dois
sistemas de pensamento, ainda que representativos de épocas muito distintas
da História. Enquanto Spinoza viveu em pleno século do racionalismo e dos
primeiros sucessos do mecanicismo newtoniano, Einstein enfrentou uma
crença generalizada no indeterminismo devida à interpretação probabilística
da Teoria Quântica, feita pela Escola de Copenhague. Manteve, até o final de
sua vida, contra grande parte da comunidade científica, uma postura causal-
determinista que pareceu a muitos “uma anacrônica relíquia do séc. XIX”.
No entanto, essa inegável convergência de ideias, entre os dois pensadores,
quase nunca — ousaria até dizer nunca — é revelada aos estudantes
universitários de quaisquer cursos da chamada área científica, inclusive Física.
Simplesmente os livros-texto omitem quaisquer articulações multidisci-
plinares, mostrando sempre a evolução da Física como decorrente de uma
dinâmica apenas interna. A Teoria da Relatividade é também apresentada
como decorrente de seus postulados básicos e estes, por sua vez, introduzidos
por um Einstein apenas movido por sua intuição relativa às contradições da
Física na virada do séc. XIX para o séc. XX. Jamais são questionadas as grandes
motivações filosóficas do autor da Teoria da Relatividade, antes e depois de
tê-la criado.
Transgredindo as fronteiras da Física, outra questão nuclear desta
investigação será discutida nos dois capítulos finais deste livro, caracterizando
o fato de que muitos sistemas filosóficos contemporâneos não conseguiram
romper com o antropocentrismo, fazendo do homem o referencial
privilegiado, o centro epistemológicoa partir do qual se escrevem as leis da
natureza, como fenômenos que sobre ele se projetam. Até os presentes dias,
predomina a revolução copernicana às avessas: um homem alçado à condição
de sujeito transcendental decodifica um mundo amorfo e desprovido de
relações próprias. Questionarei o fato de que a Filosofia pós-kantiana, à guisa
de superar a metafísica, reduziu a Filosofia ora a uma epistemologia centrada
nas categorias do entendimento humano, ora a uma análise da linguagem de
cunho lógico formal. Vive-se ainda na Ciência a era do positivismo lógico-
lingüístico e do neo-empirismo, que influenciam determinantemente o
aprendizado das ciências, e em particular da Física. Na vertente contrária,
Spinoza e Einstein percebem o homem como modo de ser do universo que
pensa junto com — e não sobre — a natureza, sendo assim para eles o homem,
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0034
 | 35 |
elemento inextricável da physis, ou segundo o jargão spinoziano, um modo
finito da infinita substância, ou seja, uma manifestação finita de Deus infinito.
Será visto, com o necessário cuidado, que Spinoza postula um
cosmocentrismo em que uma realidade-substância única, ilimitada, manifesta-
se ora na forma dos corpos físicos extensos, e ora na forma de ideias ou
pensamentos, os chamados modos ou acidentes da substância da qual o
homem é apenas uma manifestação possível, um modo de ser. Refletir-se-á
com cuidado que Einstein, em 1905, elimina o último cenário imóvel e
privilegiado do universo, sepultando a ideia de um éter em relação ao qual as
leis da Física poderiam ser escritas de maneira única e singular, propondo, ao
invés, uma democratização de todos os sistemas de referência nos quais as leis
da natureza, estas sim universais, teriam a mesma forma. Spinoza cerca de
três séculos antes já havia entendido que, se a natureza é uma única substância,
suas leis devem ser escritas e entendidas da mesma forma em qualquer parte.
Acredito ser essa ontologia da Unidade um importante traço comum entre
os dois sistemas de pensamento, e sobre ele focalizarei o meu olhar.
A partir de então, a questão central deste texto direcionar-se-á no sentido
de caracterizar os limites desta poderosa articulação para, desta forma, ampliar
os horizontes perceptivos do processo de criação e transmissão do saber
científico, e, com isso, educar cientificamente. Como desdobramento dessa
proposta, apresentarei uma nova forma de entendimento da Teoria da
Relatividade, não como uma construção interna da Física, mas fortemente
articulada à imanência da metafísica spinoziana que, ao contrário de outras
filosofias trascendentalistas, lhe é coerente. O que proponho não é ensinar a
Ciência com vistas a objetivos estritamente tecnológicos, a ela externos, mas,
reensiná-la como ressonância do homem frente ao cosmos, ao universo e à
natureza do qual é uma manifestação.
Tomarei como ponto central da investigação, a obra de Spinoza, um
pensador praticamente ignorado nos textos científicos de cunho didático, e
tido geralmente como construtor de uma ontologia aparentemente distante
da prática científica. Ainda que a influência que Baruch Spinoza (1632,1677)
exerceu sobre Albert Einstein (1879,1955) seja discutida e aceita por uns
poucos biógrafos e epistemólogos, jamais é levada ao conhecimento de alunos
ou mesmo de pessoas leigas interessadas nas áreas científicas. Entre esses poucos
especialistas, o que varia, sendo objeto de polêmica, é o grau atribuído, de
intensidade, extensão e natureza, dessa influência. D’Espagnat2 percebe no
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0035
| 36 |
espaço-tempo curvo da Teoria Geral da Relatividade uma forte analogia com
o atributo extensão da substância, definido na Ética de Spinoza, e
Kouznetzov3, indo além, percebe na busca de Einstein de um campo unificado,
uma motivação filosófica para encontrar neste conceito a própria substância
spinoziana. M. Paty, com quem mantive um proveitoso diálogo por ocasião
de sua permanência na Bahia em 2001, critica ambos, vendo nessas
comparações um livre exercício imaginativo, desprovido de uma
contextualização histórica mais rigorosa. Questiona Paty que programas
filosóficos construídos em épocas distantes, em contextos diferentes, não
podem ser comparados de forma simplista. No entanto, no aeroporto, já
sendo chamado para o embarque no vôo que o levaria de volta a Paris, ele
abriu-me a possibilidade de se vislumbrarem as “afinidades” e os “encontros”,
como prefere chamar, existentes entre a natura spinoziana e a visão do universo
de Einstein. Seguindo a metodologia de Paty, embora transgredindo, com
bem menos cautela, os limites sugeridos pelo epistemólogo francês, procurarei
caracterizar os principais vetores de convergência entre os dois pensadores, a
saber, a questão religiosa, a descentralização de modos (entes) e observadores
privilegiados, a causalidade determinista, o realismo, o panteísmo naturalista
e a espacialidade do tempo; pois creio que, sem correr os riscos apontados
por Paty, dificilmente poder-se-á estabelecer uma unidade e coerência, ao
longo da história do pensamento científico e filosófico. Julgo assim que na
busca das afinidades entre as ideias centrais de sistemas filosóficos
aparentemente distintos, é possível encontrar-se a estrutura comum essencial
do pensamento, como estado ressonante do homem com o mundo.
Utilizando como fontes primárias obras e citações de ambos os
pensadores sobre essas grandes questões, tentarei estabelecer até que ponto o
programa científico do grande físico foi explicitamente influenciado pela
Filosofia spinoziana. Assim, quaisquer que sejam a ordem e a intensidade
dessas influências e afinidades, cristaliza-se uma nova dimensão do
entendimento em que as Ciências e a Filosofia são construídas em um contexto
histórico comum que se caracteriza por múltiplas articulações e complexas
imbricações. Essas questões, a meu ver, não devem ficar restritas ao âmbito
de uns poucos estudiosos, mas devem ser levadas às salas de aula, aos seminários
de nossas universidades e até ao conhecimento de um público não-
profissionalizado, mas sensível às grandes questões culturais da
contemporaneidade.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0036
 | 37 |
No capítulo I, por motivos que exporei, apresentar-se-á uma pequena
biografia de Spinoza, contextualizada, religiosa e historicamente, com o
objetivo de enfatizar as afinidades biográficas existente entre o filósofo e
Einstein. Serão expostos os motivos pelos quais a filosofia de Spinoza entrou
em rota de colisão com as principais religiões monoteístas e, em particular,
com o judaísmo conservador dos marranos portugueses da Amsterdã do séc.
XVII. Mostrarei como o pensamento de Spinoza abriu, a facadas, o caminho
para o Iluminismo francês, para o Aufklärung germânico e para a secularização
do judaísmo.
O capítulo II é uma introdução aos aspectos da filosofia de Spinoza
mais diretamente ligados à Física, explicitando-se as posições deste autor,
francamente contrárias ao acaso, ao livre-arbítrio ou à existência de um “eu
pensante” central, e favoráveis às leis da natureza, não como gêneros de
conhecimento humano, na interpretação de alguns, mas como modos infinitos
que podem ser entendidos enquanto manifestações universais de uma
substância infinita (campo unificado?). Este capítulo, por sua extensão, e
por sua aparente distância da didática da Física, é o que provavelmente mais
esforço demandará do leitor não-iniciado na filosofia spinoziana, mas, por
outro lado, a sua leitura paciente possibilitar-lhe-á uma melhor compreensão
dos capítulos finais deste trabalho.
Mostrarei a seguir, no capítulo III, que dois dos mais importantes
princípios de conservação da natureza, o da energia e o do momemtum linear,
tiveram provavelmente a sua origem nos mitos de criação do universo e
estavam também presentes no arché dos filósofospré-socráticos. A partir de
Galileo, Descartes e Leibniz, estes princípios evoluem ao se expressarem na
forma de leis matemáticas que representam a invariância e os aspectos de
eternidade da natureza, implícitos nos axiomas da metafísica spinozista.
Em seguida, no capítulo IV, extrai-se um conceito físico de causalidade,
caracterizando a sua evolução ao longo da História. Enfatizarei a transformação
desse conceito na mecânica newtoniana, em que a força é uma causa externa
cujo efeito não é o movimento, mas, sim, a sua mudança. Apresentarei a
polêmica entre racionalistas e empiristas acerca da prioridade ou posteridade
do conceito de causalidade, questionando a possibilidade de as leis da
mecânica newtoniana poderem ser imediatamente estabelecidas pelos sentidos.
Confrontar-se-á a tese kantiana de que a causalidade é uma categoria a priori
do entendimento humano, em oposição à de Spinoza, que está associada a
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0037
| 38 |
uma necessidade ontológica da natureza per se. Mostrarei, ao longo do texto,
que Einstein adotou esta última conjectura. Questionarei também a postura
radicalmente empirista que se apossou da prática científica, a partir do séc.
XIX, e pela qual se acredita que só é possível fazer-se uma ciência confiável
desde que derive diretamente da experimentação.
O capítulo V é uma tentativa de se fazer uma história bem comportada,
e a mais fiel que me foi possível, das teorias da relatividade especial e geral,
sem grandes concessões dadas à intuição. No final desse capítulo é que me
permiti algumas pitadas de humor que possivelmente agradariam aos autores
da Ética e da TR.
A partir do capítulo VI, através de citações de Einstein, confrontadas
com proposições de Spinoza, procurarei evidenciar o encontro de ideias entre
o físico e o filósofo, conjeturando que isso pode ter levado Einstein à sua
conhecida posição contrária ao acaso e a favor de uma necessidade causal
imanente a Deus e à Natureza. Mostrarei também no capítulo VI que a Teoria
da Relatividade, obedecendo a um método geométrico euclidiano, é uma
teoria estritamente causal na qual o espaço-tempo é o cenário para uma teia
(web) de eventos conectados causalmente por sinais cuja velocidade c é o
limite absoluto para a produção das transformações da matéria. Entenderei
assim a causalidade, em Einstein e Spinoza, como uma condição ontológica
de racionalidade do universo, e não apenas uma categoria do espírito humano.
Deslumbra-se a possibilidade de um paralelismo entre uma filosofia desprovida
do “eu” e uma Física desprovida de referenciais privilegiados. Ainda neste
capítulo, o tempo einsteiniano será interpretado, como fazia Spinoza,
enquanto uma comparação entre as durações da existência das coisas materiais
causalmente interligadas ao observador corporificado (relógio) ao qual não
se confere nenhum papel central. Argumentarei que o relógio einsteiniano
não mede um tempo substancial e externo, mas sim marcha com seu tempo
próprio, que a depender de seu movimento relativo poderá se dilatar. O
sentido originário do tempo, como comparações de existências, será assim
“dessubstancializado”, deixando também de ser considerado como uma
intuição a priori de um sujeito transcendental. Explicita-se com isso o
compromisso, dos dois pensadores, de construção de uma filosofia da natureza
que vigora no homem ao invés de uma filosofia de um homem transcendente
numa natureza que lhe é externa. Com as afinidades, convergências e
articulações de ideias assim extraídas, sugerirei um entendimento da Teoria
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0038
 | 39 |
da Relatividade com um olhar não apenas nas aplicações de ordem prática,
levando o aprendiz a um positivismo exacerbado e simplista, mas sobretudo
dirigido a um tecido social, filosófico e científico unificado, que possa instigá-
lo à reflexão profunda e a questionamentos críticos.
Denominarei de afinidades negativas entre Einstein e Spinoza, as
discordâncias que Einstein tinha em relação a seus contemporâneos, motivado,
como pretendo caracterizar, pela metafísica de Spinoza. A interpretação
ontologicamente contingente e antirrealista da Teoria Quântica será
considerada uma dessas afinidades, sendo esse tema específico discutido, com
maiores detalhes, nos capítulos VII e VIII nos quais se exercitará uma reflexão
de cunho metafísico sobre aquela que é considerada, juntamente com a Teoria
da Relatividade, a mais importante teoria científica do séc. XX. Dedicarei o
capítulo VII ao entendimento da Teoria Quântica sob um ponto de vista
filosófico em que serão reintroduzidas nas esferas dessa ciência as distinções
metafísicas entre essência e existência, propondo no formalismo quântico
variáveis de essência e de existência, no sentido definido na Ética de Spinoza.
Nos capítulos VIII, IX e X, continuarei em busca dos elementos
metafísicos comuns ao projeto científico de Einstein e à ontologia de Spinoza,
refletindo sobre as tais “afinidades negativas”, ou seja, o que os une por
discordância a outras interpretações da realidade, sendo a Teoria Quântica,
mais propriamente a interpretação contingente dada à realidade física pela
chamada Escola de Copenhague, o alvo mais visado pelas críticas einsteinianas.
No capítulo VIII, abordarei especificamente o famoso paradoxo do gato de
Schrödinger, à luz de uma crítica determinista de Einstein, que tem
supostamente a sua gênese no necessitarismo de Spinoza. Refletir-se-á também
sobre o papel da vontade no ato de observação e como o determinismo e o
indeterminismo se enfrentam na História da Ciência, podendo ser
considerados faces distintas de uma mesma moeda. Neste momento, adotarei
a máxima que reza que “aqueles que têm inimigos comuns são amigos”.
Embora Einstein tivesse sido um áspero crítico da indeterminação introduzida
pela interpretação probabilística dada ao formalismo ondulatório da Teoria
Quântica, por razões óbvias é um anacronismo absolutamente desprovido
de sentido supor ou conjeturar que Spinoza se oporia a uma interpretação
contingente e antirrealista da Física. Parece-me mais sensato supor que Einstein
a ela se opôs de uma forma análoga a que Spinoza se opusera a todos os
sistemas metafísicos de sua época que admitiam a contingência na natureza e
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0039
| 40 |
a liberdade da vontade humana, o chamado livre-arbítrio. É nesse sentido
que se afirmará que Spinoza e Einstein tinham em comum a negação da
contingência ontológica, tanto na natureza como um todo, como na natureza
humana tomada em separado.
Por fim, proporei nos dois capítulos finais, sempre inspirado em Spinoza,
um entendimento filosofante consistindo na descentralização da sala de aula e
do mestre e seus aprendizes, nela enclausurados, como sujeitos transcendentais;
e que os prosaicos acontecimentos que compõem o cotidiano das pessoas,
pedagogicamente podem ser tão ou mais relevantes que as lições que ocorrem
com hora marcada, em um locus centralizado como é a sala de aula.
O acender da chama de um fogão caseiro; o líquido engarrafado que se
congela a um toque de nossa mão; o cozimento de um ovo em água fervente,
evaporando-se rapidamente em fogo alto; as cores sequenciais do arco-íris, e
a existência necessária de dois arcos; as fases da lua relacionadas às marés; a
dança ressonante de uma árvore ao sabor da música do vento; o gotejar
inclinado da chuva nas janelas de um carro em movimento; os sons ora
agudos ora graves das ruidosas buzinas do trânsito; o repicar dos sinos da
igreja mais próxima, revelando a riqueza sonora dos harmônicos; a atenta
observação dos raios luminosos; são fenômenos que se revestem de uma
importância cósmica e com os quais o aprendiz convive, co-pertencendo a
uma infinita malha de acontecimentos que determinam a sua, e as demais
existências no mundo. Sabe-se que Einstein não chegou à sua Teoria daRelatividade especial através de um aprendizado sistemático em sala de aula,
e sim através de uma intuição que lhe ocorrera aos 16 anos, ao observar com
atento cuidado um raio luminoso, imaginando como este apareceria a um
viajante que se deslocasse com a mesma velocidade. Desta forma, esse modo de
ser cognoscente que é o homem encontrar-se-á diuturnamente com uma
quantidade imensa de outros modos-objetos com os quais interagirá forjando
fortemente a sua realidade, e neste processo contínuo de conhecimento,
envolve-se ele num mundo rico de relações e significados, consumando-se
então o ato pedagógico, apenas sugerido em sala de aula.
À guisa de orientação aos leitores que se depararão, ao longo deste livro,
com uma gama razoavelmente ampla de temas que possivelmente poderão
fazê-los se perder num labirinto multidisciplinar, devo esclarecer que toda
essas questões encontram, na filosofia de Spinoza, o seu fio de Ariadne. Este
livro não é mais do que a tentativa de unificar quatro grandes questões que
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0040
 | 41 |
me desafiam há muitas décadas: entender e ensinar a Física com uma visão
spinozista de mundo; em que extensão Einstein a empregou quando criou a
Teoria da Relatividade — e criticou a Teoria Quântica —; refletir sobre os
rumos opostos que a Filosofia e a Ciência tomaram após a consolidação da
grande construção epistemológica, erguida em torno de um sujeito humano
transcendental; e, finalmente, propor caminhos spinozistas para a educação e
o entendimento científicos.
Na metafísica de Spinoza, que ressoará fortemente na Filosofia da Ciência
de Einstein, buscarei uma inspiração comum. Afinal Heidegger já havia dito:
A representação da ciência, nunca poderá decidir se, com a objetidade, a
riqueza recôndita na essência da ciência não se retira e retrai ao invés de dar-
se e se deixar aparecer. A ciência nunca poderá fazer esta pergunta e, muito
menos, questionar esta questão. [...] Nenhuma física tem condições de falar
da física. Em si mesma, nenhuma física pode vir a ser objeto de uma pesquisa
física4.
Ao longo deste texto, jamais deixarei de falar de Física — e de seu
aprendizado — porém colocando-me, em alguns momentos, fora dela para
assim a sua essência “dar-se e se deixar aparecer”. Convido o leitor a trilhar
pacientemente este longo, e tortuoso, percurso, através da História e da
Filosofia da Física, para que no final ela nos ressurja revigorada em sua essência.
Esta última forma de pensar pergunta por um universo que, posto sob a
indagação humana, parece se precipitar guiado pelas rodas da fortuna, como
uma das faces do grande dado de Deus.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0041
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0042
Parte I
A FILOSOFIA DE SPINOZA
E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A FÍSICA
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0043
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0044
 | 45 |
CAPÍTULO I
PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA
A biografia de Spinoza é bastante conhecida, e abordada por um sem-número de autores muito competentes. Seria assim aparentementedesnecessário começar este livro com um resumo biográfico que pode
parecer precário e incompleto, se comparado às melhores biografias do filósofo.
No entanto, para que o leitor conheça melhor, não só o apreço de Einstein
por este pensador, mas entenda também as motivações do autor deste texto:
buscar o “Spinoza que existe na Física”, será necessário repetir resumidamente
alguns episódios da vida do filósofo, pois esta se constitui em si mesma num
dos mais importantes elos que o ligam a Einstein, e, portanto, à Física.
Para entendermos melhor a vida, a Filosofia e as diversas influências que
Spinoza sofreu, devemos conhecer a fundo não só a questão judaica
envolvendo a vida do filósofo, mas também a história da formação da grande
comunidade judaica sefaradita de Amsterdã. Tentarei, ainda que
superficialmente, acompanhar o longo périplo do povo judeu até chegar à
Holanda, no séc. XVII, e que pode ser desmembrado em quatro grandes
acontecimentos: a diáspora de Israel na época de Cristo, a chegada e a longa
permanência na Espanha, a fuga para Portugal, no final do séc. XV devido à
Inquisição, e o novo êxodo para a Holanda no séc.XVII, onde finalmente
nasceu o filósofo.
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0045
| 46 |
DEUS OU SEJA A NATUREZA
Inicialmente vou me reportar a cerca de dezesseis séculos antes de seu
nascimento, mais precisamente ao ano 70 d.C., quando as legiões romanas
comandadas por Tito invadem Jerusalém, destroem o Templo de Salomão
(do qual hoje só resta o grande muro ocidental, o chamado Muro das
Lamentações), e tentam transformar a cidade fundada pelo Rei David, cerca
de 1000 anos antes, numa espécie de Roma oriental à qual denominaram de
Aelia Capitolina. Aos judeus, só restaram duas alternativas: resistir a Roma
ou simplesmente emigrar.
A despeito dos vários bolsões de resistência à invasão romana, a maior
parte dos judeus, logo após a destruição do Templo, resolveu emigrar,
fenômeno histórico denominado de a grande Diáspora Romana. Hoje,
praticamente todos os judeus espalhados pelo mundo são descendentes desses
primeiros emigrantes de Israel, que seguiram basicamente duas linhas
migratórias. Uma delas, ao longo dos cursos dos rios Reno e Danúbio, tinha
como destino a Europa Central, região chamada em hebraico de Askenasia
onde hoje se situam Alemanha, Áustria, Polônia, Hungria, Rússia, República
Checa, Ucrânia, Letônia, Lituânia etc. A outra leva de emigrantes preferiu a
Península Ibérica, região denominada de Sefaradia e onde hoje se situam
Portugal e Espanha. Após alguns séculos depois da diáspora, formaram-se
duas grandes etnias judaicas: os asquenasitas da Europa Central, que, ao longo
de séculos, adquiriram algumas características dos povos hospedeiros do
centro-leste, como, por exemplo, a pele mais clara e cabelos alourados, e os
sefaraditas da Península Ibérica, que mantiveram a pele morena e os cabelos
castanhos mais escuros de seus ancestrais de Israel1.
Sete séculos depois da Diáspora Romana, nos situaremos mais
precisamente em 711 d.C., quando os árabes invadem a Península Ibérica,
conquistando a região, e estabelecendo, com os judeus ali radicados desde a
divisão entre os impérios Romano e Bizantino, uma coexistência pacífica
baseada na cooperação cultural e comercial. A comunidade judaica prosperava
com o comércio de pedras preciosas, tecidos e iguarias do Oriente, e durante
muitos séculos, ainda na Idade Média, judeus e árabes passaram a estudar a
Ciência e a Filosofia gregas, tentando conciliá-las ao monoteísmo bíblico e
muçulmano. Filósofos árabes, notadamente Averroes (Ibn Ruchd, em árabe),
Alpetragius (Al Bitruji), Geber (Jabir Ibn Aflah), e judeus, como Maimônides
(Moshé ben Maimon), Gersônides (Gershon ben Levi), Nachmânides (Moisés
ben Nachman) que viveram na Península Ibérica por volta dos sécs. X, XI e
Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0046
 | 47 |
PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA
XII (motivo pelo qual os nomes dos principais filósofos árabes e judeus foram
latinizados para facilitar a pronúncia e a referência nos meios cristãos
ocidentais) incorporaram o saber grego, principalmente a filosofia de
Aristóteles, a medicina de Hipócrates e Galeno, a geometria de Euclides e a
astronomia de Ptolomeu, ao Corão e à Torá. Tentaram assim, antes de Tomás
de Aquino, conciliar o saber grego com os Livros Sagrados. A vida cultural e
comercial na Península Ibérica, notadamente na cidade de Córdoba, região
da Andaluzia, em torno dos sécs. X a XIII, era tão intensa, e contrastava tão
grandemente do restante de uma Europa em parte ainda semibárbara ou
então dominada pelo dogmatismo cristão medieval, que não teria receio de
dizer que o primeiro Renascimento europeu ocorreu justamente nessa região

Outros materiais