Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO IESB - DIREITO PENAL I – AULA VII I – TEORIA DO CRIME O primeiro registro etimológico da palavra denota do antigo Direito Romano, noxa. Após, evoluiu para noxia que significa “dano”. O conceito ainda não se adequava à espécie, pois estava mais ligado aos efeitos do ato delitivo do que ao próprio ato. Para casos de crimes contra o patrimônio, guardava muita semelhança com conceitos do Direito Civil. Com a evolução do tema, na Idade Média, apareceram os termos crimen e delictum, sendo que o primeiro indicava infração mais grave e o segundo, mais leve. Há várias definições, variando de ordenamento para ordenamento. Nos EUA, são, em sua maioria, chamados de felonies, por exemplo. Dentro da dogmática jurídica do Direito Brasileiro, o termo infração abrange três conceitos: a) Crimes; b) Delitos; c) Contravenções; Os dois primeiros são sinônimos, enquanto o terceiro trata de infrações mais leves, entretanto, a rigor, não há diferença. No Brasil adotamos o sistema bipartido das infrações penais, onde somente há distinção entre crimes e contravenções, sendo estas consideradas infrações mais leves, punidas com prisão simples e multa, cumulativa ou alternativamente. Estão disciplinadas na LCP – Lei de Contravenções Penais. Já delito ou crime, encontrado na Legislação Penal (Lei de Tóxicos, Código Penal, etc), é considerado a infração punida com pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. CONCEITO DE CRIME Não existe, em nossa norma positivada, conceito de crime, ficando tal definição a cargo da doutrina. Existem alguns aspectos de classificação do crime, como passaremos a ver: I. A. FORMAL – Em decorrência do princípio da legalidade e da reserva legal, vimos que o crime dever ser definido em lei anterior ao fato praticado. Assim, a definição do crime deve estar veiculada em lei. O crime é conceituado pela técnica jurídica como sendo a descrição legal de um fato, acompanhado da sanção aplicável a quem o comete. Podem ser citados como conceitos formais: “Crime é o fato humano contrário à lei” Carmignani “Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena”, Fragoso Assim, podemos conceituar crime, em seu aspecto formal, como sendo qualquer conduta humana contrária à norma penal positivada, o que leva o exegeta facilmente a uma conclusão: o aspecto formal da conceituação do crime não leva em conta a essência do delito, as razões pelas quais ocorreu, mas somente a mera subsunção do fato ocorrido no mundo dos fatos à norma jurídica que o define como crime. Criticando essa classificação, aponta Capez que: “considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional da dignidade humana”1. I. B. MATERIAL OU SUBSTANCIAL – Sob essa perspectiva, o crime deve ter em si uma lesividade ou potencialidade de lesão aos bens jurídicos fundamentais da sociedade. Ou seja: não tem conteúdo material de crime os fatos que não tenham lesividade. Não se satisfaz o Direito Penal com a simples veiculação de norma penal descrevendo a conduta incriminada, mas exige que esta mesma conduta, considerada criminosa, deva revelar a existência desta lesividade aos bens jurídicos fundamentais. Crime seria a conduta humana que, “propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”2 Pesquisa-se e questiona-se o que levou o legislador, ou o que realmente quer a lei, 1 Fernando Capez. Curso de Direito Penal Parte Geral. Vol. 1 . Saraiva: São Paulo 2005. p. 107; 2 Idem, ibidem. p. 106 quando prevê determinada conduta humana como criminosa. Atribuindo o conceito de crime somente às ações que se mostrem efetiva ou potencialmente danosas. Vê que o Estado visa proteger, via da valoração dos interesses individuais e coletivos, a paz interna do convívio comum, a segurança da sociedade. Assim, utiliza a norma penal como poder coercitivo, reforçado pela pena e sua aplicação, de força hierárquica às condutas, estipuladas por lei, como sendo delituosas. I.C ANALÍTICO Como se viu, temos, separadamente, os conceitos formal e material de crime. Enquanto o conceito formal define crime como qualquer fato contrário a norma penal, o conceito material exige a presença de aspectos e a essência do crime, sua reprovabilidade social, as razões que levaram o agente a cometer a conduta comissiva ou omissiva. Todavia, ambos os conceitos ainda são insuficientes à formação de adequado conceito de crime, e tornou-se necessária a construção de um terceiro aspecto. Criou-se a necessidade de um conceito mais completo, o conceito analítico de crime. O desenvolvimento de tal conceito teve início com Camignani em 1833 e se completou com Beling em 1906. Aspecto analítico, em síntese, é aquele que analisa o fato, identificando e sistematizando seu principais elementos, para, juntando-os novamente, considerar a existência de crime diante de determinada conduta. No conceito analítico os fatos ocorridos até o resultado do crime (e também da tentativa é claro) são divididos por etapas, sendo necessária a análise do fato para saber, inicialmente, se é típico. Após, se é ilícito. Havendo incidência desses dois, só resta saber se pode o agente ser culpado. Assim, resta considerar que a teoria do crime trabalha com três conceitos fundamentais: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Tipicidade – Diz-se típica uma conduta sempre que se ajuste à descrição contida numa norma penal incriminadora (v.g. matar alguém), de modo que, tratando-se de fato que não encontre ajustamento típico (assim, por exemplo, o incesto), será atípica a conduta e, obviamente, não haverá crime. Tipo penal, portanto, é a descrição taxativa dos elementos do tipo. Típica, portanto, será a conduta humana que corresponda ao modelo legal (tipo penal). A maioria dos autores defende que a tipicidade é um indicativo da antijuridicidade, uma vez que a conduta típica, se não afastada por causa justificadora (causas excludentes da ilicitude) será, também, antijurídica. Antijuridicidade – Se, no caso concreto, a hipótese revela a existência de conduta típica, passa-se à análise da antijuridicidade (= ilicitude). Assim, cabe antecipar que há condutas que mesmo típicas, são consideradas lícitas (não antijurídicas) pela presença de causa excludente da antijuridicidade. São causas excludentes da ilicitude a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular de direito (CP, art. 23). Assim, por exemplo, no caso do homicídio em legítima defesa, embora típica a ação (matar alguém), ela não é considerada, porém, ilícita, uma vez que autorizada pelo direito. Culpabilidade – A culpabilidade, por sua vez, é a reprovação da conduta praticada pelo agente. Ou seja, após perpassarmos a análise do fato como típico e antijurídico, cabe verificar se, nas condições fáticas, poderia o agente ter agido de forma diversa. Assim, por exemplo, se o agente agia sob coação moral irresistível, por exemplo, não haverá culpabilidade (exemplo é o caso do gerente de banco a quem os bandidos retém a família seqüestrada, coagindo-o moralmente à facilitação de roubo à agência bancária). A culpabilidade, assim, é a reprovabilidade social de uma conduta, por ser ao menos razoavelmente exigível de seu autor, nas circunstâncias dadas, uma atitude diferente da adotada. A ausência de culpabilidade, quando decorrente da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente, leva à aplicação de medidas de segurança, na forma estabelecida no art 26 do CP. Há intenso embate doutrinárioacerca os elementos constitutivos do crime, em sentido analítico, havendo duas correntes em tal sentido: a bipartida entende que, analiticamente, o conceito de crime é: fato típico e antijurídico. A outra corrente, mais moderna, entende que o conceito é fato típico, antijurídico e culpável. I.D. DISCUSSÃO SOBRE A CONCEPÇÃO ANALÍTICA BIPARTIDA E TRIPARTIDA DO CRIME Fonte de intermináveis discussões jurídicas no direito brasileiro é a questão se o conceito analítico de crime exige a presença de somente duas destas categorias (crime = fato típico e antijurídico) ou se exige a presença das três (crime = fato típico, antijurídico e culpável). No Brasil, há duas correntes principais: a) CRIME É O FATO TÍPICO, ANTIJURÍDICO E CULPÁVEL. Com vários expoentes no Brasil, entende que a culpabilidade também integra o conceito analítico de crime. Segundo Bitencourt3 “todos os elementos estruturais do conceito analítico de crime, que adotamos, como ação típica, antijurídica e culpável, serão amplamente analisados nos capítulos seguintes. Não acompanhamos o entendimento dominante no Brasil, segundo o qual: “crime é a ação típica e antijurídica”, admitindo a culpabilidade somente como mero pressuposto da pena”. Segundo Paulo Queiroz, (Direito Penal Parte Geral, Saraiva, p. 133, nota de rodapé n.º 298). 3 César Roberto Bitencourt. Manual de Direito Penal. Vol. I. 6ª ed. Saraiva: São Paulo 2000. p. 143; “Na doutrina brasileira reina funda divergência sobre se a culpabilidade integra ou não a estrutura do tipo. Damásio defende a tese de que o crime se compõe de fato típico e antijurídico somente, figurando a culpabilidade como mero pressuposto da pena. Pensamos, em primeiro lugar, que semelhante discussão não tem importância teórica e muito menos prática. Mas ao se considerar, como quer Damásio, que a culpabilidade é pressuposto da pena, simplesmente, esquece-se, porém que, como regra, a ausência de culpabilidade dá lugar não à medida de segurança (exclusiva de inimputáveis e semi-imputáveis), mas à absolvição pura e simples (assim, erro de proibição invencível, coação moral irresistível, etc.) não se aplicando aos autores (imputáveis) quaisquer medida de segurança ou similar. Ora, em tais hipóteses, se há absolvição (sem mais) é porque se reconhece que não se está diante de uma conduta criminosa, embora tenha agido o seu autor típica e ilicitamente (realizado um injusto). Portanto, a culpabilidade integra, sim, o conceito de crime, já que sem ela não há, em princípio, qualquer conseqüência penal.” b) CRIME É O FATO TÍPICO E ANTIJURÍDICO. Teoria também adotada no Brasil - que atualmente tem como expoente máximo o professor Damásio E. de Jesus. Entende que a culpabilidade não pode integrar o conceito do delito, pois se trata, segundo tal doutrina, de mero pressuposto da pena4. Assim, considera, o crime persiste existente mesmo que seu autor não seja culpável. Imagina Damásio o caso do inimputável (menor) que pratica um furto e depois venda o produto do crime a receptador. A se adotar a culpabilidade como elemento estrutural do crime, o receptador, art. 180 do CP não estaria cometendo o crime de receptação, uma vez que o furto praticado por inimputável não seria crime (não tipificaria, portanto, a conduta o tipo de adquirir produto de crime, previsto no art. 180 do CP) II – FATO TÍPICO Podemos dividir o fato típico em quatro amplos conceitos. Assim, fato típico é a soma de: a) Conduta (dolosa ou culposa); b) Resultado (vale lembrar que só os crimes materiais necessitam de resultado); c) Nexo de causalidade; d) Tipicidade CONDUTA “Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade”5. Não estamos aqui considerando os novos conceitos que admitem a pessoa jurídica como sujeito ativo de crime, como é o exemplo da lei dos 4 Fernando Capez. Op. Cit. p. 107; 5 Damásio E. de Jesus. Op. Cit. p. 211; crimes ambientais, que serão enfrentados em passo posterior. Para o Direito Penal, o pensamento, enquanto permanece encastelado na mente, não representa absolutamente nada.. Assim, só haverá ou terá início um ilícito quando o ser humano externar sua vontade (pensamento) através de uma ação ou omissão, uma conduta. Somente quando a vontade se liberta da mente é que a conduta se exterioriza no mundo concreto e perceptível, por meio de um comportamento positivo, a ação (fazer), ou de uma inatividade indevida (não fazer o que era devido). A exteriorização da conduta, todavia, não é suficiente, porém. O Direito Penal só se preocupa com os comportamentos humanos que tenham, na vontade, sua força motriz, excetuando-se, portanto, de tal abrangência, os atos ou omissões que não se inspire na vontade, tais como o arco reflexo, a coação física irresistível e outros onde não se constate a presença de vontade do agente. As pessoas humanas são seres racionais e, assim conhecedoras da lei natural de causa e efeito, sabem,portanto, que cada comportamento pode causar um efeito (sabe-se, pela experiência, que o fogo queima, o impacto contundente lesiona ou mata, a falta de oxigênio asfixia, etc.) Há um exemplo de Fernando Capez6 que é ilustrativo dos comportamentos humanos: “ Uma pessoa está com sede e observa sobre a mesa um copo com água; a vontade de beber, associada com a finalidade de saciar a sede, animam a ação de levar o copo à boca e ingerir 6 Fernando Capez. op. cit., vol. 1, p. 104; o líquido. Nesse caso, existiu conduta, devido à consciência, vontade e finalidade, e o resultado produzido (água bebida e sede saciada) acabou por coincidir com a vontade e a finalidade. Chama-se isso de conduta dolosa (vontade de realizar a conduta e finalidade de produzir o resultado). Nesse mesmo exemplo, suponhamos agora que, por um descuido, a água fosse derramada sobre a roupa do agente. Ocorreu uma conduta voluntária (o agente queria pegar o copo e efetivamente o pegou, sem que ninguém o obrigasse a faze-lo). O resultado entretanto, não coincidiu com a finalidade, mas, ao contrário, derivou da quebra de um dever de cuidado. Essa conduta é chamada de culposa (conduta voluntária e resultado não querido, provocado por descuido)” É obvio que as duas condutas apontadas no exemplo não constituem crime, pois não são típicas, mas ilustram bem que das condutas são inseparáveis a vontade, a finalidade, o dolo e a culpa. Fernando Capez fornece conceito mais completo de conduta: “conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime”7 Nem se diga estarem aqui excluídas as modalidades culposas, pois assim não o é. 7 Fernando Capez. op. cit., vol. 1, p. 111; O agente que dirige em alta velocidade e bêbado está a realizar uma conduta (ação) voluntária, podendo, mesmo sem querer (culpa), causar a morte de alguém, por exemplo. Temos então uma conduta voluntária e um resultado não desejado, mas não há ausência de conduta. Sobre a conduta, existem várias teorias divulgadas entre os doutrinadores: teoria naturalista ou causal; neoclássica ou neokantista (o tipo tem valor cultural); teoria social da ação; teoria constitucional (dá ênfase e importância aos princípios constitucionais, como a dignidade humana, igualdade entre as partes, etc) e, por fim, a teoria finalista da ação. Dentre as arroladas, as mais divulgadas pela doutrina hodierna são a teoria causal, a finalista e a teoria social, sendo certo dizer que o nosso Código Penal tem confessada inspiração na teoria finalista da ação. Antes, porém, de aprofundarmos o estudo das teorias, devemos esclarecerque a ação (ou omissão) é vista sob dois prismas: a) o externo, verificado objetivamente pelo movimento corporal, natural ou mecânico da ação e, b) o interno, que é subjetivo e corresponde ao conteúdo final da ação (finalidade buscada pelo agente com a ação). Vejamos, pois, as principais teorias da conduta: TEORIA CAUSALISTA (Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno e outros) Foi primeiramente exposta Ernest Von Beling, recebeu melhor elaboração com os trabalhos de Binding. A conduta é um ato humano voluntário, uma ação ou omissão, levada a efeito no mundo dos fatos. Não se leva em consideração a importância da vontade do agente, mas sim a ação ou a omissão em si, sob o prisma da relação de causalidade. Assim, a teoria causalista compreendia a ação como mero fator de casualidade, uma simples produção do resultado, mediante a aplicação de forças físicas. Se o agente praticou determinada ação vista como crime, não tem relevância sua vontade, bastando o mero ato para a adequação da conduta no tipo penal. Assim, se “A” desfere contra “B” socos que vêm a causar lesão corporal de natureza grave, a conduta é típica, sendo irrelevante a vontade do agente. Para os filiados a essa corrente, a finalidade do ato será apreciada somente na análise da culpabilidade. Os causalistas entendiam o crime com fato típico + antijuridicidade + culpabilidade. As duas primeiras (tipicidade e antijuridicidade) cuidavam de todos os aspectos objetivo do tipo (parte externa), enquanto a culpabilidade cuidava dos aspectos subjetivos (parte interna) Segundo os partidários de tal doutrina não se questiona acerca da vontade ou do pensamento do agente da conduta (dolo), que somente seria objeto de consideração no exame da culpabilidade. A base desse sistema é, portanto, o conceito de ação, entendida de modo completamente naturalístico como movimento corporal e modificadora do mundo exterior, unidas por um nexo causal. A adoção de tal teoria mostrou-se insuficiente, pois o jurista terá dificuldades nos casos de tentativa (onde a vontade – pois não alcançou o resultado – tem obrigatoriamente que ser analisada de início. Queria matar ou lesionar??) assim como nos tipos subjetivos, como no rapto para fim libidinoso, por exemplo. TEORIA FINALISTA (Damásio, Hans Welzel, Cláudio Heleno Fragoso e outros) Para a teoria finalista, criação de Hans Welzel, a ação humana é o exercício de uma atividade finalista, ou seja, voltada a uma finalidade. Segundo este espectro, toda ação humana decorre do fato de que o homem tem a capacidade de conhecer, pela observação da causalidade, as conseqüências de cada um dos seus atos e, assim, eleger aqueles que quer praticar, dirigindo a sua ação a um determinado fim. Assim, a conduta, como a ação, é finalista (orientada a uma finalidade). O conhecimento da vontade do agente é imprescindível para a conclusão da existência do crime, pois, somente pela observação de um médico apalpando uma mulher despida seria impossível dizer, desconhecendo-se a vontade do médico, se houve crime de atentado violento ao pudor ou se se trata somente de um exame clínico regular. Do ponto de vista objetivo (ou externo) a ação é a mesma, mas, levando em conta a vontade do médico é que se poderá saber se houve crime. Difere, pois, da teoria causal. Para os causalistas, a ação humana é o resultado dos movimentos corpóreos do homem apenas (ênfase na parte externa da ação), já para os finalistas, o dolo (ou ao menos a culpa) devem ser analisados já no momento da verificação da própria tipicidade, pois são elementos do tipo, e não elementos da culpabilidade. Em conseqüência, o dolo e a culpa são deslocados da culpabilidade para a tipicidade, já que é a finalidade da ação (a intenção) que dirá, por exemplo, se estamos diante de um crime de lesões corporais ou de tentativa de homicídio (se a intenção é matar, tentativa de homicídio; se ferir, lesões corporais)., ou se estamos diante de um crime ou um fato penalmente relevante (como regra, somente são puníveis ações dolosas, a não ser que a Parte Especial estabeleça a modalidade culposa – art. 18, parágrafo único do CP). Assim, por exemplo: a ocorrência de um fato natural de aborto – interrupção da gravidez – não revela, por si só, se houve dolo (vontade) da gestante. A ocorrência do fato natural do aborto, considerado de puramente objetiva, não revela se houve crime de aborto, pois para tanto, deve haver a ação voluntária da gestante (ou de outrem) na interrupção da gestação, pois não há previsão de aborto culposo. Dessa forma, mesmo que a gestante não tenha seguido orientações médicas de seguir determinada dieta durante a gestação, não haverá o crime de aborto se não houver o dolo (ou seja, a vontade de praticar a conduta descrita no art. 128 do CP) Descobriu-se, assim, a finalidade como elemento inseparável da conduta. Sem o exame da vontade finalística, não há como se saber se o fato é típico ou não. Partindo desse pressuposto, distinguiu-se a finalidade da causalidade para, em seguida, concluir-se que não há conduta típica sem vontade e finalidade, e que não é possível separar dolo e culpa da conduta típica. Assim, é certo ver que a teoria final analisa, obrigatoriamente, junto da ação do agente (conduta) a finalidade a qual se destinou. O conteúdo da vontade é essencial à apreciação do conceito de crime, pois agregada à conduta do agente. Nosso Código Penal adotou essa teoria, na medida em que estabelece, no art. 18, I e II que não há crime que não seja doloso ou culposo. No caso, portanto, de o sujeito matar outro sem dolo ou culpa, exemplo do motorista que atropela o suicida, embora exista o resultado morte causada pelo sujeito, não há crime por falta de dolo ou culpa.. Tais considerações levaram Welzel a escrever que: “o direito não pode ordenar às mulheres que apressem a gravidez e em seis meses dêem à luz crianças capazes de sobreviver, como também não pode proibi-las de terem abortos. Mas pode o direito ordenar-lhes que se comportem de modo a não facilitar a ocorrência de abortos, assim como proibi-las de provocarem abortos. As normas jurídicas não podem, pois ordenar ou proibir meros processos causais, mas somente atos orientados finalisticamente ou omissões destes atos” Nos casos de dolo a vontade do agente é voltada diretamente a atingir a conduta descrita no tipo penal. Mas, a pergunta é pertinente, se o exercício da ação é o exercício da atividade final, como explicar a estrutura dos crimes culposos? Também aqui se aplica integralmente a teoria finalista. Ocorre que no caso a finalidade não é a de atingir o resultado observado, que ocorre por descuido imputável à ação do agente. Exemplo é a do motorista que dirige em excesso de velocidade e, em conseqüência atropela e mata outra pessoa. É de se indagar: o resultado (morte) foi querido? Não. Neste caso é de se aplicar a teoria finalista? Vejamos, a conduta do motorista (dirigir em excesso de velocidade) era voluntária (ninguém o obrigou a assim fazê-lo); quanto à finalidade, esta é variada (chegar logo ao trabalho, por exemplo). Quanto ao resultado, como não coincidiu com o a finalidade visada, o crime não pode ser doloso. Como houve, contudo, quebra do dever de cuidado (imprudência e inobservância das regras de trânsito), responderá por homicídio culposo. Se não houvesse tal descuido, como se o agente estivesse dirigindo em uma prova de automobilismo, por exemplo), não haveria qualquer crime, por ausência de dolo ou culpa. Cláudio Brandão responde, dizendo à mesma questão dizendo que, nesses crimes, uma vontade dirigida a um fim, só que o fim será conforme o direito, sendo certo que nesses crimes (culposos) a reprovação se dá por inobservância do agente ao dever de cuidado objetivo (agindo, pois, com imprudência, negligência ou imperícia). TEORIA SOCIAL OU DA ADEQUAÇÃO SOCIAL (Sabatini, MiguelReale Júnior, Nilo Batista e Everardo da Cunha Luna) Surgiu como a união das duas teorias anteriores. Considera que ação para o conceito de crime é uma conduta social socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Para essa conduta, portanto, só haverá crime segundo a relevância social da ação. Assim, se uma ação realizada é socialmente adequada aos costumes da área social onde é realizada, não estará configurado o fato típico. É o caso dos lutadores que se machucam mutuamente na aula de jiu-jitsu, por exemplo. A crítica reside na dificuldade de se entender o que seria ou não uma conduta social relevante para o direito penal, e no fato de que, ao interpretar se um fato é ou não penalmente relevante de acordo com sua relevância social, estar-se-ia incorrendo em risco de violação constitucional, pois o que em São Paulo pode ser penalmente relevante, pode não ser no Norte do País, e vice-versa.
Compartilhar