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1 Teorias da pena Luciano Filizola da Silva Durante séculos o homem procurou delimitar sua conduta, aplicando sanções àquele que infringisse as normas de convivência do grupo ao lesionar algum bem alheio, inicialmente sujeito à reprimenda em âmbito privado, ensejando, muitas das vezes, vinganças desproporcionais, o que se levou ao atual sistema de penas no qual sua aplicação é exclusiva do Estado, podendo ser estas penas conceituadas, nas palavras de Celso Delmanto, como “a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal.” No decorrer da construção desta ciência surgiram várias teorias que visavam explicar e fundamentar a aplicação da pena. Pretendemos, neste trabalho, elencar as principais teorias, elaborar críticas e fazer uma distinção entre teoria e função, devendo a primeira se encaixar em todos os delitos e a segunda se diferenciar de acordo com a infração penal. No Estado Absolutista, a pena era um castigo pelo qual o delinquente sofria o mal (pecado) praticado buscando a redenção de sua alma. Com o nascimento do Estado Burguês, a pena passa a ser concebida como um modelo indenizatório face o inadimplemento do contrato, sendo expropriados os únicos objetos de valor e idôneos capazes de serem quantificáveis - a capacidade de trabalho e a liberdade. Segundo Zaffaroni e Pierangeli, isso fazia da privação de liberdade, que sempre fora medida de custódia, a principal sanção penal na modernidade. Segundo a Teoria Retributivista ou Absoluta, a pena visa tão-somente fazer justiça, retribuindo a perturbação da ordem pública, devendo sofrer um mal aquele que um mal tiver praticado. Essa teoria teve como principais colaboradores Hegel e Kant, sendo que este último defendia uma retribuição moral, rememorando o princípio talionico segundo o qual a pena “deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de ter delinquido...”, não admitindo qualquer fim utilitário. 2 Hegel trabalhava com uma retribuição jurídica segundo a máxima de que “a pena é a negação da negação do direito”, ou seja, a pena visa reparar o direito infligindo uma violência correspondente àquela que lesionou o ordenamento jurídico, recompondo a norma violada. Segundo o professor René Ariel Dotti, ainda é possível encontrar resquícios do retribucionismo em nosso ordenamento, citando como exemplos os arts. 121, § 5º, e 129, § 8º, do Código Penal, no qual se faculta o perdão judicial nas modalidades culposas quando as consequências do delito atingirem o próprio agente “de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Com isto, o sujeito já “pagaria” pelo mal praticado ao sofrer com o infortúnio. Concordamos com Roxin que, ao criticar esta teoria, vê sua funcionalidade apenas como um ato de fé, uma vez que não é compreensível se apagar um mal cometido com a aplicação de um segundo mal, o sofrimento da pena. Com o Iluminismo surge na Europa um pensamento humanista justificando a pena como uma forma preventiva de um fato delituoso, são as Teorias Relativas. A Teoria da Prevenção Geral, através de um modelo intimidatório visa, por intermédio da ameaça da pena e sua efetiva aplicação, inibir uma possível conduta delituosa. Seu principal expositor foi o Marquês de Beccaria que, criando suas teses sustentadas pelo contratualismo, justificou o jus puniendi como a reunião de todas as parcelas de liberdade cedidas na feitura do pacto social, deslegitimando qualquer intervenção estatal que contrarie o pactuado, desrespeitando suas cláusulas em prejuízo do cidadão. Beccaria ataca o retributivismo, como se observa em uma de suas passagens: “Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime.” 3 Feuerbach, com sua Teoria da Coação Psicológica, também concebeu a pena como uma ameaça da lei aos cidadãos, para que se abstenham de cometer delitos. Esta teoria, contudo, torna-se frágil quando deparada com certos tipos de infrações que ocorrem independentes da coação da norma, principalmente quando incorre qualquer intenção de provocá-lo por parte do agente, como nos crimes culposos. O professor Dr. Heitor Costa Jr. justifica a pena nestes delitos como uma forma de inibir condutas descuidadas, que geram um perigo ou efetivo dano a algum bem jurídico tutelado. Porém, entendemos ser mais provável que um sujeito seja mais prudente, cercando-se do cuidado devido, quando prevenido dos males que pode causar sua conduta, do que se utilizada uma pena como uma remota ameaça pairando sobre sua cabeça. Em seara psicanalítica também é possível concluir que dificilmente o sujeito motivado a praticar um injusto penal não tome todas as precauções necessárias para evitar qualquer infortúnio, ainda que ilusórias, levando-o à falsa compreensão de que jamais será detido, pouco lhe importando qualquer pena cominada abstratamente à sua conduta. Heleno Fragoso defende, ainda, ser inadmissível “que a pena seja imposta com critérios alheios ao do autor do crime, para através da punição produzir efeito sobre outras pessoas.” Com o desenvolvimento das Ciências Naturais, inevitáveis influências da Medicina e da Psiquiatria, tais como as obras de Lombroso e Ferri, incidiram no Direito Penal, que passa a ter como principal objeto de estudo o delinquente. Deste pensamento surge a Teoria da Prevenção Especial ou Ressocializadora, que trabalha a pena como fórmula de tratamento do delinquente, objetivando que este não volte a delinquir. Como expõe Foucault, “a duração da pena só tem sentido em relação a uma possível correção e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos”, tendo por fim a transformação da alma e do comportamento do condenado. Para esta teoria a pena busca ressocializar o criminoso, buscar as causas que o levaram a delinquir e tratá-lo, buscando torná-lo mais condizente com as normas de convivência em sociedade, através de métodos educacionais e laborativos. 4 Todavia, tal teoria peca pelo fato de que nem todos os delinquentes precisam ser ressocializados, notadamente quando tratar-se de condutas isoladas, decorrentes de momentos esporádicos, imprevisíveis e que, provavelmente, não tornarão a ocorrer, tais como o aborto, uma lesão corporal movida pelas circunstâncias e outras mais. Outrossim, questiona-se a viabilidade de “tratamento” do condenado em um ambiente carcerário, no qual as regras hierarquizadas impõe um comportamento autômato e mecanizado distinto do exigido na sociedade extramuros, comparando Sutherland a alguém que se prepara para uma maratona ficando deitado em uma cama por semanas. Então surge a Teoria Unitária ou Mista, representada por Merkel, procurando combinar as teorias absolutas e relativas, entendendo a pena como retribuição, mas devendo também perseguir os fins preventivos. Ocorre que tais teorias são incompatíveis entre si, pois como muito bem coloca Augusto Thompson, citando Rupert Cross: “Para punir um homem retributivamente é preciso injuriá-lo. Para reformá-lo é preciso melhorá- lo. E os homens não são melhoráveis através de injúrias.” Atualmente, a teoria que mais se coaduna com os fins de um Estado Democrático de Direito é o Garantismo Penal, cujo principal articulador, Luigi Ferrajoli, defende a necessidade da pena como esta sendo uma alternativa à vingança privada, ou seja, uma reação do Estado para se inibir a reação desproporcionada da vítima lesada pela prática do delito. Apesar de esta teoria ser a que melhor delimita o campode intervenção penal do Estado, merece crítica a missão que incumbe à pena, uma vez que se verificaria infundada a sua aplicação nas hipóteses em que a prática do delito não ensejaria qualquer reação por parte de particulares, uma vez que, como é cediço, nem todos os delitos produzem uma lesão ao bem jurídico de pessoa determinada, como os crimes formais, de mera conduta ou os que atingem bens espiritualizados, como o meio ambiente. Assim, o crime de porte ilegal de armas, por exemplo, não enseja o desejo de quem quer que seja o desejo de retribuir o “mal” praticado, o que tornaria absolutamente desnecessária a aplicação de qualquer pena. 5 Face todo o exposto, é fácil observar a crise que as atuais teorias justificacionistas se encontram, exatamente por não conseguirem definir, com precisão, uma finalidade legítima para a aplicação de uma pena àquele que, por ventura, venha a praticar um injusto penal. Pois, de forma ilegítima, o que se verifica é uma utilização cruel e ilegítima da pena com uma função de controle e exclusão social, estigmatizando classes e condutas tidas como indesejadas por aqueles que possuem poder de definição. Por tanto, Zaffaroni, resgatando Tobias Barreto, conclui que, de fato, não há qualquer teoria capaz de justificar a pena, por tratar-se esta de mero fato político e, por isto, injustificável. Para os autores, “justificar a pena é como tentar justificar a guerra”, ela simplesmente existe originada de decisões políticas orientadas para a satisfação de determinados interesses, os quais não se justificam tendo em vista os meios utilizados.
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