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AS TÉCNICAS PROCESSUAIS ADEQUADAS À SATISFAÇÃO DA TUTELA DOS DIREITOS DE CONTRATAR E OBTER DECLARAÇÃO DE VONTADE (ARTS. 466-A, 466-B E 466-C) LAS TÉCNICAS PROCESUALES ADECUADAS A LA SATISFACCIÓN DE LA TUTELA DE LOS DERECHOS DE CONTRAER Y OBTENER DECLARACIÓN DE VOLUNTAD (ARTS. 466-A, 466-B Y 466-C) Francisco Emílio Baleotti Thais Aranda Barrozo RESUMO O presente texto analisa a questão da evolução do papel do Direito no Estado Liberal clássico e no modelo estatal Democrático de Direito, abordando o tema do intervencionismo estatal nas relações jurídicas privadas contemporâneas. Partindo das teses privativistas sobre os contratos e alcançando o momento atual, em que grande relevância se dá à função social dos contratos no modelo estatal democrático- constituinte, trata, à luz desse novo papel dos contratos na sociedade, da tutela processual das obrigações de fazer e não fazer, focando, sobretudo, nas técnicas processuais adequadas à execução das obrigações de contratar e emitir declarações de vontade, que constituem o objeto do presente artigo. Verifica, por fim, a natureza da tutela outorgada ao credor por meio dos provimentos judiciais emanados com vistas à substituição do ato volitivo do devedor de obrigações dessa natureza. PALAVRAS-CHAVES: ESTADO LIBERAL. AUTONOMIA DA VONTADE. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. INTERVENCIONISMO. OBRIGAÇÃO DE EMITIR DECLARAÇÃO DE VONTADE. TÉCNICAS EXECUTIVAS. RESUMEN El texto actual analiza la cuestión de la evolución del papel del Derecho en el Estado Liberal clásico y en el modelo del Estado Democrático de Derecho, acercando al tema del intervencionismo del estado en las relaciones jurídicas privadas contemporáneas. Partiendo de las tesis privativistas sobre los contractos hasta el momento actual, donde gran importancia es conferida a la función social de los contractos en el modelo del estado democrático-componente, trata, delante de esa nueva función del contracto en la sociedad, de la tutela procesal de las obligaciones de hacer y de no hacer, focando, sobretodo, en las técnicas procesales ajustadas a la ejecución de las obligaciones de contraer y de emitir las declaraciones de voluntad, que constituyen el objecto del artículo. Verificase, por fin, la naturaleza de la tutela concedida al acreedor por medio de las provisiones emanadas judiciales con vistas a la sustitución del acto volitional del deudor de las obligaciones de esa naturaleza. 7103 PALAVRAS-CLAVE: ESTADO LIBERAL. AUTONOMÍA DE LA VOLUNTAD. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DERECHO. INTERVENCIONISMO. OBLIGACIÓN DE EMITIR DECLARACIÓN DE VOLUNTAD. TÉCNICAS EJECUTIVAS. INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo a análise da mudança da concepção dos contratos no novo paradigma estatal democrático, traçando um paralelo comparativo com a concepção adotada no modelo do Estado liberal-burguês, com vistas à análise do atual papel do Judiciário no desempenho da tarefa do Estado de dar a efetiva tutela dos direitos materiais ao adimplemento das obrigações contratuais. Nesse intuito, a questão é abordada com os olhos voltados ao abandono da supremacia do princípio da autonomia da vontade, assegurador da liberdade pretendida - mas não alcançada - pelo Estado-liberal, analisando-se a tendência atual de que o Estado Democrático de Direito, de caráter inquestionavelmente intervencionista, possa, através de provimentos judiciais, garantir com maior efetividade a tutela dos direitos de contratar e de obter declaração de vontade, assegurando, assim, a concretização da função social dos contratos. Considerando que não há como se falar em efetiva tutela de direito material sem proceder à análise das técnicas processuais adequadas à sua execução, surge a necessidade de estudar a tutela específica das obrigações de fazer, sobretudo as juridicamente infungíveis, mas materialmente fungíveis, haja vista nelas se enquadrarem as obrigações que têm por conteúdo positivo a prestação de contratar e emitir declaração de vontade. As regras insculpidas nos arts. 466-A, 466-B e 466-C compõem o conjunto de técnicas processuais destinadas à execução das obrigações dessa natureza quando de seu inadimplemento pelo devedor originário, e autorizam a atuação do Estado-juiz em caráter substitutivo ao ato de vontade que haja a recusa do devedor quanto à sua prestação. Essa atividade de intervenção estatal no âmbito das relações contratuais privadas, com vistas à efetiva tutela do direito material e, logo, à concretização das tarefas sociais hoje atribuídas ao Estado, constitui o objeto do presente trabalho. 1 O DIREITO NO ESTADO LIBERAL E NO MODELO ESTATAL VIGENTE 7104 O estudo do tema proposto exige uma prévia compreensão do papel do Direito no modelo estatal vigente e nos que o antecederam. Para tanto, vejamos, em bem resumida síntese, as mudanças do papel do Direito na sociedade à luz dos momentos históricos em que verificadas as mudanças dos paradigmas estatais. Quanto ao advento do Estado Liberal, em substituição ao Estado Absolutista, e o papel do Direito nesses modelos, observa-se que: No Estado Liberal, o Direito tinha a função ordenadora e fixadora das bases da legislação para se contrapor ao antigo regime e tudo o que ele representava. Para essa tarefa, tinha que superar o jusnaturalismo. O triunfo da vontade geral traz ínsito um deslocamento da esfera de tensão e poder do Executivo (que representava o absolutismo) para a vontade popular revolucionária (representada o Legislativo) que triunfou. Sem qualquer legitimidade, o Judiciário é colocado à margem desse processo. (STRECK, 2004, p. 112) O Estado Liberal tinha, pois, como característica marcante, a garantia da liberdade individual aos cidadãos, com vistas a garantir uma mínima ingerência do Estado nas relações privadas. Em outras palavras, [...] o Estado liberal clássico, diante de sua finalidade principal de garantir a liberdade aos cidadãos, foi marcado por uma rígida delimitação dos seus poderes de intervenção na esfera jurídica privada. A lei não deveria tomar em consideração as diferentes posições sociais, pois o fim era dar tratamento igual às pessoas apenas no sentido formal. [...] Esse tratamento igualitário é que garantiria a liberdade dos indivíduos. (MARINONI, 2008, p. 29). No entanto, o Estado Liberal deparou-se com a impossibilidade de gerar progresso e, ao mesmo tempo, cumprir a promessa de distribuição de renda e de justiça social (a promessa de liberdade e de igualdade), dando margem ao surgimento de um novo modelo de Estado, indubitavelmente intervencionista: o Estado Social. Nele, "o pólo de tensão do poder desloca-se em direção ao Executivo. Afinal para realizar políticas públicas corretivas, era necessário um Estado forte e de um Direito apto a albergar os (necessários) atos promovedores de tais políticas." (STRECK, 2004, p. 112). Quanto ao surgimento (e características) do Estado Democrático de Direito, é de se ver que: O segundo pós-guerra produz uma terceira forma de Estado de Direito. A preocupação com os direitos fundamentais e a democracia engendra textos constitucionais que avançam nitidamente em relação aos fundamentos do velho liberalismo e à noção intervencionista do Estado Social. A democracia e os direitos fundamentais passam a ser os dois sustentáculos desse novo modelo, donde não pode haver retrocesso. (STRECK, 2004, p. 112-113) 7105 Tem-se, então, que a ordem jurídica constitucionalizada, no Estado Democrático de Direito, é diferenciada, porque não mais voltada à proteção do homem individualmente considerado, mas sim (pré)ocupada da proteção e implementação dos direitos fundamentais-sociais até então sonegados pelo paradigma liberal-individualista- normativista (STRECK, 2004, p. 113-114). Portanto, abandonamoso paradigma "liberal-individualista-normativista", para adotarmos a idéia de um modelo estatal "intervencionista", com vistas à efetiva tutela dos direitos fundamentais e sociais. 1.1 O Estado Liberal, a Autonomia da Vontade e a Tipicidade dos Meios Executivos das Obrigações Como demonstrado no item anterior, "O direito liberal-clássico estava preocupado com a defesa da liberdade do cidadão em relação ao Estado." (MARINONI, 2008, p. 32), e o direito constitucional, àquela época, ocupava-se em disciplinar os modos assegurados aos cidadãos de promoção de sua defesa individual em relação ao próprio Estado. Assegurar essa esfera de não-intervenção estatal correspondia, pois, no Estado Liberal, a garantir aos cidadãos seu direito à liberdade. Isso porque, Como o Estado liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer preocupação com as diferenças das posições sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida. (MARINONI, 2008, p. 32). No que pertine ao campo do cumprimento das obrigações, contratuais e extracontratuais, também não se dotava ao Estado qualquer poder de império, vedando- se, pois, a ingerência do Estado-juiz nas relações contratuais, refletindo a idéia do Estado Liberal clássico de que a esfera da manifestação da vontade humana era intangível, não admitindo, pois, qualquer intervenção, sob pena de configurar-se a perda de liberdade dos cidadãos. Sob essa influência, o Código de Napoleão, em seu art. 1.142, preconizava que todas as obrigações de fazer ou não fazer, em casos de inadimplemento, seriam necessariamente convertidas em perdas e danos e juros, afastando, assim, qualquer poder de coercibilidade em mãos do Estado-juiz com vistas à obtenção do cumprimento das obrigações. Até mesmo a figura das astreintes veio a surgir somente muito tempo após, com movimento jurisprudencial contrário às disposições do Código de Napoleão (MARINONI, 2008, p. 33). Logo, nesse paradigma estatal, primou-se pela impossibilidade de intervenção do Estado no campo das livres manifestações de vontade, vedando-se o uso de multas, ou 7106 qualquer outro tipo de medida de coerção, que eventualmente pudesse levar o Judiciário a impor-se entre os particulares com vistas a alcançar o cumprimento das obrigações, evitando-se, assim, colocar-se em risco a liberdade dos cidadãos. E não só isso. Ainda com vistas à proteção do cidadão face a eventual arbítrio por parte do Estado-juiz, estabeleceu-se, ainda, o princípio da tipicidade dos meios de execução, segundo o qual, em nome da necessidade de segurança e de garantia da liberdade, a lei estabeleceria a correlação necessária entre a condenação e os meios de execução tipificados em lei (MARINONI, 2008, p. 34). Essa foi, pois, a principal característica em termos de cumprimento das obrigações no Estado Liberal clássico: ausência de intervenção estatal nas manifestações volitivas e, de conseguinte, ausência de imperium do Estado-juiz na tarefa de alcançar o adimplemento das obrigações, em atendimento à necessidade de outrora de garantia de liberdade aos cidadãos. 1.2 O Estado Democrático e o Intervencionismo Estatal nas Relações Jurídicas Privadas Contratuais Conforme acima se apontou quando da diferenciação do papel do Direito no paradigma estatal liberal e no modelo constitucional democrático, enquanto no constitucionalismo liberal-burguês os direitos fundamentais do cidadão consubstanciavam-se naqueles que serviam à defesa dos cidadãos frente ao Estado, assegurando-lhes, pois, a tão almejada liberdade e a igualdade (a formal), no paradigma constitucional democrático tais direitos fundamentais assumem uma feição social, ante a constatação de que a mera garantia da igualdade formal não conferiu aos cidadãos, de forma efetiva, a concretização da promessa de distribuição de renda e de justiça social. Assim, não mais bastava apenas tratar a todos como iguais (já que materialmente não o eram) e assegurar a não ingerência do Estado nas relações jurídicas privadas. Era preciso mais. Essa sociedade, complexa e heterogênea, para concretizar a promessa de igualdade e de liberdade aos cidadãos, exigia do Estado que este passasse a "proteger as posições sociais menos privilegiadas e a promover 'medidas necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assumida de bem público'." (ANDRADE apud MARINONI, 2008, p. 48). Logo, "Com o início da renovação da teoria contratual através das tendências sociais antes mencionadas, em virtude dos postulados de um novo Estado Social [...], o Estado passa a intervir nas relações obrigacionais." (MARQUES, 1995, p. 88). Surge, pois, o modelo do Estado intervencionista, com vistas à garantia de "direitos fundamentais à prestação social, à proteção e à participação". (MARINONI, 2008, p. 48). Nele, [...] os direitos fundamentais deixaram de ser concebidos como direitos a um não-agir do Estado e passaram a exigir do Estado condutas ativas capazes de colocar à disposição 7107 dos particulares meios jurídicos e materiais indispensáveis à realização das suas necessidades (de proteção, sociais e de participação). (MARINONI, 2008, p. 120). Nas relações privadas comerciais, uma situação em que facilmente se constata a mudança do papel do Direito no novo modelo estatal é a criação de normas jurídicas voltadas à asseguração, pelo Estado, do direito fundamental de proteção à parte mais vulnerável nas relações (contratuais) de consumo, inclusive com a instituição legal de técnicas processuais para efetiva tutela desses direitos materiais dos consumidores. Torna-se, pois, necessário não mais tratar as relações jurídicas privadas contratuais apenas à luz dos interesses dos particulares, fundados no princípio da autonomia da vontade, mas também com foco no relevo dos interesses sociais nelas refletidos. Considerando os ideais de igualdade e de justiça social buscados pela ordem constitucional democrática, não há mais como dissociar as relações jurídicas particulares contratuais das idéias de justiça social, eqüidade, boa-fé contratual, proteção ao consumidor. De conseguinte, ao contrário do que se observara no Estado liberal-burguês, "para a proteção desses direitos e para a realização das normas que objetivam lhes dar proteção, não há como pensar na lógica da abstração dos bens e das pessoas." (MARINONI, 2008, p. 49). Das relações jurídicas privadas da contemporaneidade advém essa nova concepção de contrato, que exige, de igual modo, o surgimento de tutelas de direito material e de técnicas processuais diferenciadas, para que se atinja, de fato, a concretização dos fins sociais almejados pelo novo modelo estatal. Ademais, a valorização da dignidade da pessoa na nova ordem constitucional, em contraposição a super valorização da autonomia da vontade no modelo anterior, leva- nos a observar as relações obrigacionais no cenário da boa-fé, da cooperação, do respeito mútuo, da solidariedade social. E, considerando as atuais contingências, não parece mais ser de pouca relevância ao contratante receber o próprio bem contratado, ao invés de seu equivalente em dinheiro, como se todos os bens da vida fossem passíveis de conversão e expressão monetária. Ao contrário do que se vira no paradigma estatal anterior, não há mais como se outorgar expressão monetária a toda e qualquer sorte de direito material, indistintamente, e, ainda, negar ao Estado o direito de intervir nessas relações com vistas ao alcance do bem comum. No modelo estatal vigente, a autonomia da vontade privada cede espaço à intervenção estatal, considerando "que os bens e pessoasmerecem tratamento diferenciado, e assim assumem importância a tutela específica e, conseqüentemente, a forma procedimental capaz de proporcioná-la." (MARINONI, 2008, p. 49). Como ressaltado por Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 49), [...] a universalização da tutela pelo equivalente e da indenização em dinheiro reflete um ordenamento jurídico neutro em relação aos direitos e à realidade social. A tutela 7108 específica, por supor uma consideração articulada e diferenciada dos interesses e das necessidades pelos quais se pede a tutela, não se conciliava com os princípios da abstração dos sujeitos e da equivalência dos valores, próprios do direito liberal. E conclui o autor que, "se o processo civil deve ser visto à luz da história e do Estado a que se liga, não há como adiar a análise do tema das tutelas específicas (...) e das formas procedimentais com elas compatíveis." (MARINONI, 2008, p. 49-50). É nesse desiderato que se passa, a seguir, à análise da tutela do direito material ao adimplemento de obrigação que tenha por objeto a prestação positiva consistente no dever de contratar e emitir declaração de vontade e, ainda, às técnicas processuais adequadas à sua perfeita efetivação. 2 AS DIFICULDADES INERENTES À EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER Diferentemente do que se observa na execução de obrigação de dar, cuja prestação incide sobre coisas, certas ou incertas, nas obrigações de fazer e não fazer a prestação incide sobre o comportamento do devedor, o que, não raras vezes, dificulta a execução específica da obrigação ante o inadimplemento do devedor, "visto que raramente se conseguirá a atuação compulsória do devedor faltoso para realizar a prestação a que pessoalmente se obrigou." (THEODORO, 2008, p. 217). Assim, considerando que a prestação da obrigação de fazer ou não fazer inadimplida, na prática, fica a depender da vontade do devedor em dar cumprimento à mesma ou não, é comum observar-se a sua conversão em obrigação pecuniária (indenização por perdas e danos), em razão do fato de que "o Estado nem sempre dispõe de meio adequado para exigir o implemento específico" (THEODORO, 2008, p. 218). Essa limitação ao poder do Estado, como destacado no item anterior, origina-se no Direito Romano, que "proclamava que o inadimplemento das obrigações de fazer e não fazer resolver-se-ia sempre em indenização, princípio conservado, em toda pureza, pelo direito medieval e que foi contemplado no Código de Napoleão (art. 1.142)." (THEODORO, 2008, p. 218). A sociedade evoluiu, e com ela o Direito, e observou-se com o passar do tempo um abrandamento da incidência do princípio acima mencionado, sempre com vistas a se atingir, quando a situação assim o permitir, a efetiva tutela do direito material por meio da execução específica dessas obrigações, preferencialmente a qualquer outro meio executivo. Afinal, a tutela específica, ao contrário daquela pelo equivalente monetário, sem dúvidas é a que permite a mais efetiva e adequada tutela do direito material, assegurando maior grau de satisfação do direito. A condenação pecuniária, de sua vez, 7109 "não tem preocupação alguma com a tutela específica dos direitos, pois constitui uma forma processual que sempre tentou "igualizar" os direitos e as diferentes necessidades dos litigantes." (MARINONI, 2008, p. 118). No entanto, não há como escapar à análise do ponto acima invocado de que as obrigações que têm por conteúdo as prestações de fazer ou não fazer, "... são as que mais dependem da vontade do obrigado para serem cumpridas integral ou especificamente" (DINAMARCO, 2004, p. 408). Logo, por "execução específica" das obrigações de fazer e não-fazer, entenda-se, pois, aquela que [...] visa a ser uma tutela jurisdicional tão eficiente quanto possível para oferecer ao credor precisamente o bem a que ele tiver direito; as conversões em dinheiro só são admissíveis (a) quando sobrevier a impossibilidade de realizar os precisos resultados da obrigação de fazer ou de não fazer ou (b) quando o próprio credor assim preferir, requerendo-o ao juiz (art. 461, §1º e 627). (DINAMARCO, 2004, p. 442) Relembre-se aqui que "O Estado liberal, para dar garantia de liberdade às pessoas, não podia interferir na esfera jurídica do particular, e, por essa razão, não poderia assegurar, diante do inadimplemento do contrato, [...] a tutela jurisdicional específica." (MARINONI, 2008, p. 283). Era, pois, a época do império da autonomia da vontade, reconhecendo a liberdade dos cidadãos em contratar e negando ao Estado o poder de intervir nessa relação jurídica privada em casos de inadimplemento da obrigação. Diante do inadimplemento, não restava ao Estado outra opção senão responder por meio do equivalente pecuniário. Nada obstante, admitindo-se aceitável apenas e tão somente a tutela pelo equivalente pecuniário, "confere-se ao detentor do bem ou do capital a possibilidade de transformar o direito ao bem em direito ao dinheiro" (MARINONI, 2008, p. 284), posição esta rechaçada nos dias atuais, em que se reconhece a tutela na forma específica como a "tutela ideal do direito material, já que confere à parte lesada o bem ou o direito em si, e não o equivalente." (MARINONI, 2008, p. 285). Assim, "sendo possível a obtenção da tutela específica, justifica-se o manejo de medidas executivas tendentes a forçar o cumprimento pessoal da obrigação pelo executado." (MEDINA, 2008, p. 270). Vejamos, pois, com mais detalhe, a questão da tutela específica e da tutela pelo equivalente monetário nas obrigações de fazer e não-fazer. 2.1 As Idéias de "Tutela Específica" e de "Tutela pelo Equivalente" 7110 Conforme já ressaltado, existem hipóteses, sobretudo no campo das obrigações de fazer e não-fazer, que a adoção de medidas coercitivas não levam à adequada tutela do direito material, por não serem aptas a levar o devedor ao cumprimento da obrigação. Exigem- se, pois "medidas voltadas à obtenção do resultado prático correspondente àquele que decorreria do cumprimento pessoal pelo executado." (MEDINA, 2008, p. 270). Logo, com base na previsão contida no art. 461 do CPC, nas ações que têm por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, "o juiz atuará no sentido de propiciar ao autor, nesta ordem: 1.º) a tutela específica; 2º) o resultado prático equivalente; ou, por fim, 3º) indenização por perdas e danos" (MEDINA, 2008, p. 269). Nas lições de José Miguel Garcia Medina (2008, p. 269), entenda-se, pois, por tutela específica, "a realizada com o intuito de obter, como resultado final, a própria conduta do demandado, tal como prevista em Lei ou contrato.", e por resultado prático equivalente, a "tutela jurisdicional realizada com o intuito de se obter o mesmo resultado final, mas através da atuação de terceiros" (TALAMINI apud MEDINA, 2008, p. 269). Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 118) procede à classificação semelhante, porém com distinção quanto ao conteúdo e quanto à nomenclatura empregada. Fala, pois, em "tutela específica" e "tutela pelo equivalente monetário", asseverando que, Quando o cumprimento da obrigação de fazer ou de entregar coisa não for possível de forma específica, ou mesmo de interesse do credor, a tutela será pelo equivalente em pecúnia. Na hipótese inversa, contudo, poderá ser prestada tutela específica com base no art. 461 do CPC, por exemplo. (2008, p. 118) Destaque, também, que para MARINONI (2008, p. 119) não há dúvidas de que continua a ser específica a tutela que ordena o ressarcimento na forma específica, ou mesmo a que "confere ao autor essa modalidade de ressarcimento, mediante atividade de um terceiro custeado pelo réu.". Como se vê, destoam os entendimentos dos autores em comento quanto aos critérios para classificação da tutela das obrigaçõesde fazer e não-fazer em tutela específica e tutela pelo equivalente. Enquanto para MEDINA (2008, p. 269) a realização da prestação objeto da obrigação por atuação de um terceiro implica na idéia de obtenção de resultado prático equivalente, para MARINONI (2008, p. 119) trata-se de prestação de tutela de forma específica. O que importa, no entanto, é destacar a relevância da classificação doutrinária da tutela das obrigações constituídas por um fazer ou não-fazer, em específica ou pelo equivalente, por permitir determinar os meios executivos que podem ser manejados pelo autor, no intuito de obter o resultado final pretendido (MEDINA, 2008, p. 269-270), ou seja, a efetiva tutela do direito material controvertido. Afinal, "Estas formas de exercício e controle do poder de execução são fundamentais diante dos direitos da sociedade contemporânea, constituindo pura manifestação da crescente necessidade de pensar o direito diante do caso concreto." (MARINONI, 2008, p. 166). 7111 Nesse desiderato, passou-se à distinção entre obrigações de fazer fungíveis e infungíveis, e, de conseguinte, a tutela de direitos, conforme a classificação quanto à (in)fungibilidade da obrigação, exigiu técnicas processuais diferenciadas para o atingimento do seu efetivo cumprimento. A seguir, procedemos à análise da questão da fungibilidade das obrigações cuja prestação implique num fazer. 2.2 A Questão da (In)Fungibilidade das Obrigações de Fazer Segundo Humberto Theodoro Jr. (2008, p. 218), com apoio nas lições de Moacyr Amaral Santos, "Em matéria de obrigação de fazer, entende-se por prestações fungíveis 'as que por sua natureza, ou disposição convencional, pode ser satisfeitas por terceiro, quando o obrigado não as satisfaça'.". De outra banda, "[...] infungíveis 'são as prestações que somente podem ser satisfeitas pelo próprio obrigado, em razão de suas aptidões ou qualidades pessoais." (SANTOS apud THEODORO JR., 2008, p. 218). Aqui cumpre distinguir a infungibilidade natural, ou seja, aquela que decorre da própria natureza da prestação objeto da obrigação, da infungibilidade convencional, ou seja, quando as próprias partes livremente convencionam a sua infungibilidade. Araken de Assis (2007, p. 521) também distingue o facere fungível do infungível, dizendo que "Neste, a conduta pessoal do obrigado é indispensável, enquanto aquele tolera que terceiro, com satisfação cabal da dívida, reproduza o comportamento objeto do fazer.". Relembre-se, no entanto, que "A infungibilidade aproveita apenas o credor." (ASSIS, 2007, p. 538). Logo, em se tratando da execução de obrigações de fazer infungíveis, tocará ao credor a escolha do meio executivo da obrigação, por não ser obrigado a aceitar que outra pessoa, e não o seu devedor, lhe preste a obrigação convencionada, ainda que se lhe reconheça o direito ao adimplemento por um terceiro em sendo esta a sua vontade (ASSIS, 2007, p. 523). Como apontado no item anterior, essa distinção classificatória do direito material tutelado é de suma importância para aferição da técnica processual mais adequada à execução dessas obrigações. Isso porque nas obrigações cujo conteúdo seja a prestação fungível, com bem mais facilidade proporciona-se ao credor executá-la especificamente, ainda que contrariamente à vontade do devedor, por ser possível determinar a um terceiro a prestação a que estava obrigado o devedor, responsabilizando-se este pelos custos decorrentes. Logo, e nessa mesma ordem de idéias, enquadram-se dentre as obrigações fungíveis, aquelas que "na forma original não mais se pode alcançar, mas permite a substituição por medida capaz de produzir 'resultado prático equivalente', segundo decisão judicial (art. 461)." (THEODORO JR., 2008, p. 218). 7112 Afinal, quando se pensa na execução direta da obrigação, ou seja, a execução por sub- rogação[1], tem-se facilmente em mente que A realização de medidas tendentes a propiciar ao demandante uma situação equiparável àquela que decorreria do cumprimento da obrigação pelo réu não encontra maiores obstáculos, quando se está diante de obrigação de fazer fungível. (MEDINA, 2008, p. 284) De outra banda, em sendo a obrigação infungível, ou seja, não sendo possível a realização da prestação por terceiro (seja por força da infungibilidade natural ou convencional), não resta ao Estado outra alternativa senão, em caso de recusa ou mora do devedor, convertê-la em indenização por perdas e danos. Nesse contexto, é preciso ainda acrescentar à idéia os conceitos de prestação materialmente infungível e prestação apenas juridicamente infungível. Vejamos. Nas lições de José Miguel Garcia Medina (2008, p. 284), Diz-se, [...], que a infungibilidade é jurídica quando a norma estipula que somente determinado devedor pode fazer aquela atividade; no entanto, quando o sistema permite que o mesmo efeito jurídico decorra de outro ato, não se pode dizer, neste caso, que há infungibilidade intransponível. Neste sentido é que se alude, também, à "fungibilidade prática". Para o autor, a infungibilidade jurídica não é instransponível, pois, "Se a infungibilidade é jurídica, nada impede que os mesmos efeitos que seriam produzidos pelo ato realizado pelo devedor sejam produzidos por ato realizado por ente distinto." (MEDINA, 2008, p. 284). 3 A NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DE CONCLUIR CONTRATO E EMITIR DECLARAÇÃO DE VONTADE E A TÉCNICA PROCESSUAL ADEQUADA À SUA EXECUÇÃO Além da distinção supra, com base na classificação das obrigações quanto à sua (in)fungibilidade, é de se ver que, "Para o manejo prático do processo de execução, é importante distingüir inicialmente entre as obrigações positivas (de fazer) e as negativas (de não fazer)" (THEODORO JR., 2008, p. 220), pois que a lei processual regula-as em seções distintas. Pois bem. Tendo em vista que as obrigações que interessam ao presente estudo são aquelas cujo conteúdo consubstancia-se nas prestações de concluir contrato e de emitir declaração de vontade, cumpre, no presente momento, classificá-las à luz de tudo que se 7113 expôs até aqui, para que somente então se possa adentrar no estudo da técnica processual apta à sua execução para satisfação do credor. Inicialmente, é de se destacar o seu conteúdo positivo, pois que tanto contratar, como emitir declaração de vontade, implicam efetivamente num fazer (obrigação positiva), e não numa abstenção (obrigação negativa). E, enquanto obrigação positiva, ou seja, obrigação de fazer, resta verificar a sua classificação quanto a sua eventual (in)fungibilidade. Retome-se aqui que a obrigação de fazer será considerada de natureza infungível quando "consistir num facere que só pode, ante a natureza da prestação ou disposição contratual, ser executada pelo próprio devedor, sendo, portanto, intuito personae, uma vez que se levam em conta as qualidades pessoais do obrigado." (DINIZ, 2007, p. 103). A obrigação de contratar e emitir declaração de vontade implica numa prestação de fazer infungível, infungibilidade esta que, no entanto, não decorre da sua própria natureza, nem da convenção das partes, mas sim por imposição jurídica. Daí THEODORO JR. (2008, p. 220) classificar tais obrigações dentre as obrigações de fazer apenas juridicamente infungíveis. Materialmente, pois, tratam-se de obrigações fungíveis que, em caso de inadimplemento de seu devedor, admitem execução específica in natura (THEODORO JR., 2008, p. 563), ou mesmo a obtenção de resultado prático equivalente por atuação judicial. Observe-se que, ainda que espelhando a mesma idéia, José Miguel Garcia Medina apresenta a questão tomando caminho inverso daquele adotado por Humberto Theodoro Júnior. Para o autor, No caso em que o devedor tem obrigação de concluir contrato, a obrigação é naturalmente infungível -ou seja, importa declaração de vontade do devedor - mas juridicamente fungível, isto é, permite a norma jurídica que o mesmo efeito jurídico seja obtido através de outra declaração, distinta da que deveria ter sido prestada pelo devedor. (MEDINA, 2008, p. 284 - grifos nossos). A aparente confusão decorre do fato de THEODORO JR. (2008, p. 220) classificar tais obrigações - contratar e emitir declaração de vontade - como obrigações de fazer juridicamente infungíveis, mas naturalmente fungíveis, enquanto que MEDINA (2008, p. 284) classifica-as como obrigações de fazer naturalmente infungíveis, mas juridicamente fungíveis. "Aparente", pois, como se vê, a despeito dos autores utilizarem nomenclaturas diferenciadas em sua classificação, ambos reconhecem que "A sentença proferida nas hipóteses substitui o ato devido pelo executado por ato do próprio juiz." (MEDINA, 2008, p. 285). 7114 Para MEDINA (2008, p. 285), "No caso da sentença que 'substitui' a declaração de vontade do obrigado, pode-se dizer que se está diante de exemplo de uma situação materialmente infungível, mas juridicamente fungível.". Para THEODORO JR. (2008, p. 563) é exatamente o inverso, ou seja, "as promessas de declaração de vontade são obrigações de fazer de natureza fungível (a infungibilidade outrora defendida era apenas jurídica).". Também Araken de Assis (2007, p. 546), tal qual procedido por Humberto Theodor Júnior, classifica a obrigação de declarar vontade dentre as obrigações materialmente fungíveis, porém, juridicamente infungíveis. O autor destaca que, Em determinada época, imperou a idéia de reputar inadmissível a substituição da vontade omitida por ato judicial, supostamente agressivo à liberdade do cidadão, motivo por que ao prejudicado caberia, somente, pretensão a perdas e danos. Esta corrente doutrinária, outrora caudalosa, cedeu à crítica de Chiovenda, acompanhado, entre nós, pelo ensaio vigoroso e ainda atual de Luis Eulálio de Bueno Vidigal, que demonstraram se tratar, neste caso, de uma infungibilidade jurídica, e não material, e, sendo assim, se mostraria concebível ao Estado, através do imperium do órgão judiciário, sub-rogar a volição faltante. (ASSIS, 2007, p. 546). Fundamentando que o efeito é meramente jurídico, afirma ASSIS (2007, p. 546) que, nessas hipóteses, "A sentença, que sub-roga a renitente volição do obrigado, não o compele a manifestá-la manu militari porque, simplesmente, dela prescinde, gerando do mundo jurídico conseqüência idêntica à declaração espontânea." Maria Helena Diniz (2007, p. 103-104) também aponta as obrigações de emitir declaração de vontade dentre as obrigações materialmente fungíveis, admitindo a realização da prestação por um terceiro. Adotaremos, na seqüência do presente trabalho, as classificações de Humberto Theodoro Júnior, Araken de Assis e Maria Helena Diniz, classificando as obrigações ora em estudo - contratar e emitir declaração de vontade - como obrigações de fazer, de conteúdo apenas juridicamente infungível, mas materialmente fungível, possibilitando que um terceiro (o Estado-juiz) venha suprir a volição do obrigado. No caso em estudo, o ato capaz de suprir a vontade do obrigado é a sentença, proferida em relação processual de conhecimento, onde o julgador, após analisar a pretensão do autor e os motivos em que se fundamenta a recusa do réu em declarar sua própria vontade, em acolhendo o pedido do autor, emitirá o provimento judicial que produzirá os mesmos efeitos da declaração não emitida. Considerando, pois, que o cumprimento dos comandos sentenciais devem ser adequados à sua natureza, tem-se, pois, como conseqüência da classificação ora procedida, que o meio executivo adequado às obrigações de contratar e emitir declaração de vontade encontra previsão nos arts. 466-A, 466-B e 466-C, a serem melhor abordados, adiante. 7115 3.1 As Técnicas Processuais dos arts. 466-A, 466-B e 466-C do CPC Inicialmente, cumpre destacar que o suprimento da omissão do devedor nas obrigações de contratar ou de emitir declaração de vontade não se insere no âmbito de total ingerência do Estado nas relações particulares, em total desconsideração da vontade das partes na celebração dos negócios jurídicos. Pelo contrário. Ao instituir as técnicas processuais dos arts. 466-A, 466-B e 466-C, o legislador, em verdade, reconheceu que, ao firmar o compromisso de contratar, sem qualquer possibilidade de arrependimento, o devedor, neste momento, expressa materialmente a sua (indispensável) vontade de se vincular, de forma irretratável, àquela obrigação. A partir daí, o seu inadimplemento quanto à obrigação irretratável, que nessas condições livremente pactuou (livre expressão de sua manifestação de vontade), dá ao credor o direito de recorrer ao Judiciário, com vistas à obtenção do pronunciamento judicial (sentença) que, transitado em julgado, produzirá os mesmos efeitos da declaração não emitida. Daí a disposição do art. 466-A do CPC, segundo o qual "Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida." Trata-se a hipótese legal, pois, de situações em que a parte assumiu a obrigação de exprimir declaração de vontade, ou está obrigada a exprimi-la por imposição de lei, e recusa-se injustificadamente a assim proceder. Considerando a natureza de obrigação de fazer fungível, e considerando o interesse do Estado de que as partes cumpram fielmente as obrigações que lhes tocam, através de atuação do Estado-juiz realiza-se o ato substitutivo daquele de vontade que competia ao inadimplente. Nessa mesma ordem de idéias, o art. 466-B do CPC institui que "aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado." Nessa hipótese, a parte livremente celebra um contrato preliminar, expressando sua vontade em celebrar o contrato definitivo e, posteriormente, recusa-se injustificadamente a adimplir sua parte na avença. A técnica executiva do art. 466-B do CPC, em comparação àquela do art. 466-A do mesmo Código, é, sem dúvidas, [...] de mais largo alcance ainda, pois admite que o pré-contrato, em determinadas condições, possa ser executado com a força do contrato definitivo, ocupando o seu lugar e gerando as conseqüências e obrigações que adviriam do negócio jurídico principal. Dá-se, então, a eficácia que só poderia existir se houvesse sido firmado o contrato principal prometido. (THEODORO JR., 2008, p. 561) 7116 Isto tudo, é óbvio, a) desde que não haja cláusula contratual prevendo expressamente a retratabilidade do compromisso, caso em que prevaleceria a vontade livremente expressada e pactuada pelos contratantes; e b) desde que as condições do pré-contrato sejam suficientes a permitir a celebração do contrato definitivo quanto a suas exigências e requisitos mínimos. Quanto à retratabilidade, é de se destacar que os contraentes, em igualdade de condições para permutar suas próprias vontades, têm a plena liberdade de contratar a hipótese de arrependimento, apenas instituindo eventual indenizabilidade ao mesmo, o que afastaria, de conseguinte, a execução específica da obrigação contratada (ASSIS, 2007, p. 557). Com apoio nas lições de Pontes de Miranda, é possível afirmar que, por meio da técnica alçada no art. 466-B do CPC, "as promessas de contratar são obrigativas desde logo, quanto ao objeto do contrato prometido, se se observarem quanto ao fundo e à forma os pressupostos que a lei exige ao contrato prometido." (apud THEODORO JR., 2008, p. 562). Excetuam-se a essa regra, contudo, os casos "em que a sub-rogação abrangeria atividade material do obrigado,a exemplo da promessa de doação, da promessa de casamento e de assumir obrigação cambial." (ASSIS, 2007, p. 549). Nessas hipóteses, pois, não haveria como conferir à atividade judicial efeito substitutivo de vontade, por tratarem-se de casos de infungibilidade material, concluindo-se, assim, que apenas "A infungibilidade jurídica é amplamente sub-rogável." (ASSIS, 2007, p. 549). Quanto ao art. 466-C do CPC, o mesmo disciplina a hipótese da já conhecida "exceção de contrato não cumprido", incidente sobre as contratações sinalagmáticas, estipulando que nos contratos que tenham por objeto "a transferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte que a intentou não cumprir a sua prestação, nem a oferecer nos casos e formas legais, salvo de ainda não exigível". Trata-se, pois, de medida preparatória aos pedidos de execução fundados nos arts. 466- A e 466-B, nos casos de celebração de contratos sinalagmáticos, de modo que, por força de disposição expressa de lei, somente poderá o credor obter a sentença que supra o inadimplemento do devedor quando provar, antecipadamente, o cumprimento da obrigação que lhe couber. Observa-se, assim, que tanto nos casos de emissão de declaração de vontade (art. 466- A) ou outorga do contrato principal definitivo (art. 466-B), o provimento judicial produzirá, de imediato, após o seu trânsito em julgado, todos os efeitos do "fazer" que, originariamente, competia ao devedor inadimplente. Daí dizer-se que a ação promovida pelo credor, com base nas técnicas processuais aqui apontadas, é de natureza executiva (auto-executiva), exaurindo-se, pois, com a própria sentença, prescindindo de uma fase executiva do comando judicial. Segundo Araken de Assis (2007, p. 547), 7117 A ação que nasce do contrato preliminar, ou seja, do inadimplemento da obrigação de prestar declaração de vontade, já é executiva. No seu curso, como evidenciou julgado da 4ª Turma do STJ[2], o réu manifestará os motivos da sua recusa a declarar a própria vontade, resultando do acolhimento do pedido a emissão de provimento que produzirá o mesmo efeito da declaração não emitida. Em outras palavras, a execução do comando sentencial se realiza na própria relação processual de conhecimento, prescindindo do ajuizamento de nova demanda. [...] Hoje, convém acrescentar que o cumprimento do provimento judicial se realiza na forma adequada à sua natureza. Assim, caberá ao Estado-juiz, em todas essas hipóteses, intervir nas relações jurídicas privadas contratuais e, constatando inexistir motivo justo à recusa pelo devedor ao adimplemento da obrigação contratual que outrora livremente assumira, atuar positivamente no sentido de suprir o ato volitivo do devedor, garantindo-se, assim, através das técnicas processuais em destaque, a efetivação da tutela de direito material pretendida pelo credor da referida obrigação. 3.2 Aplicação de Multa às Obrigações de Contratar ou Declarar Vontade É bem sabido que a multa, como meio executivo indireto (de coação), "é remédio aplicável à generalidade das execuções de obrigações de fato, positivas e negativas, bastando que tenha a sanção figurado no título executivo." (THEODORO JR., 2008, p. 221), sendo possível, ainda, a imposição de multa por fixação pelo juízo da execução. No entanto, tal providência se torna despicienda para execução das obrigações de fazer que tenham por conteúdo a prestação de contratar ou declarar vontade, haja vista que, tratando-se de obrigação materialmente fungível, conforme acima se destacou, o próprio provimento judicial tem o condão de suprir a vontade do devedor da obrigação, substituindo-a com perfeição. Excepcionalmente, no entanto, resta um espaço para a imposição de multa, como meio executivo indireto, na execução específica das obrigações, ou seja, [...] quando não for possível ao juiz proferir uma sentença que substitua com perfeição o contrato definitivo, como por exemplo se dá na hipótese de compromisso a que falte dado essencial para lavratura do negócio principal. O adimplemento da obrigação de fazer (firmar contrato definitivo) dependerá de fato do devedor, ou seja, do fornecimento dos dados em seu poder. A condenação, in casu, poderá valer-se da cominação de multa diária para forçar o devedor a adimplir sua obrigação. (THEODORO JR., 2008, p. 221) 7118 Nada obstante, não há qualquer utilidade prática na imposição de multa nas hipóteses ordinárias dos arts. 466-A, 466-B e 466-C, "porque a sentença, por si só, atingirá o resultado prático da declaração de vontade não prestada, independentemente de qualquer concurso do inadimplente." (BARBOSA MOREIRA apud THEODORO JR., 2008, p. 221). Em igual sentido, aponta Araken de Assis (2007, p. 555) que "dotada a sentença ou a decisão de força executiva, inútil se afigura a multa. O pronunciamento judicial já substituiu a declaração de vontade. Qual o objetivo de impor multa ao réu?". Alie-se a tudo isso não se admitir que o credor escolha de forma aleatória e despreocupada os meios de execução das obrigações, haja vista que a legitimidade da escolha do autor diante dos provimentos e dos meios executivos, ou da preferência do juiz por meio executivo diverso daquele solicitado pelo credor, condiciona-se não só à "sua 'adequação' e 'idoneidade' para efetivação da tutela do direito, mas também de ser 'o menos oneroso' ao demandado." (MARINONI, 2008, p. 165). 4 A EXECUÇÃO DAS PROMESSAS DE CONTRATAR E DAS OBRIGAÇÕES DE EMITIR DECLARAÇÃO DE VONTADE - TUTELA ESPECÍFICA Típicas obrigações de fazer, como acima descrito, durante muito tempo e por força da influência do Estado liberal, privativista, com o império das vontades individualmente consideradas, as promessas de contratar e as obrigações de emitir declaração de vontade enquadravam-se entre os atos jurídicos de caráter personalíssimo. Tratavam-se, pois, de obrigações materialmente infungíveis, cujo inadimplemento conduzia inexoravelmente à conversão da obrigação de fazer em obrigação pecuniária, ou seja, conversão em perdas e danos (THEODORO JR., 2008, p. 227). Não obstante, como bem apontado por Humberto Theodoro Jr. (2008, p. 227), já o legislador de 1939 ocupou-se em romper com essa tese ao admitir, no Código de Processo Civil, a fungibilidade dessas prestações, quando em seu art. 1006 e parágrafos previu a possibilidade de que, por manifestação judicial equivalente, fosse suprida a omissão do devedor no seu dever de emitir declaração de vontade. Emerge daí o entendimento hoje assente de que tais obrigações de contratar e de emitir declaração de vontade (obrigações positivas, correspondentes a um fazer), são naturalmente fungíveis, e apenas juridicamente infungíveis, de modo que, ante o inadimplemento de seu devedor, poderá o Estado suprir tal omissão, fazendo com que o provimento judicial emitido produza o resultado prático equivalente à realização de tais prestações positivas pelo próprio devedor. Destaca Araken de Assis (2007, p. 547), ao afirmar a força executiva dessas sentenças, que "O Estado substitui o comportamento do parceiro inadimplente, no sentido de emitir declaração de vontade, através de sentença, baseada no disposto pelos arts. 466-A ou 466-B do CPC ou em regras esparsas.". Ou seja, o provimento judicial imediatamente se 7119 sub-roga à declaração de vontade não emitida pelo devedor, substituindo o próprio contrato definitivo. Humberto Theodoro Jr. (2008, p. 563) afirma textualmente que, em se tratando de obrigações materialmente fungíveis, admitem execução forçada específica (in natura), já que "Se há recusa ou mora do devedor, é possível ao Estado substituí-lo e outorgar ao credor o contrato ou a declaração de vontade que lhe assegurou o pré-contrato ou a promessa de contratar.". TambémLuiz Guilherme Marinoni (2008, p. 119), como apontado no item 2.1, entende tratar-se de tutela específica do direito material a hipótese em que um terceiro realiza a prestação a que estava o devedor obrigado. O fato desse terceiro ser o Estado-juiz não parece, contudo, constituir óbice a essa classificação. Destaque-se, por fim, tal qual indicado no item 2.1 supra, o entendimento de José Miguel Garcia Medina (2008, p. 269) de que a realização da prestação por um terceiro, que não o devedor, implica em classificar essa tutela não mais como específica, mas sim como conducente à obtenção do resultado prático equivalente. CONCLUSÃO A nova teoria contratual, condizente com os escopos sociais do Estado Democrático de Direito, faz com que a autonomia da vontade (preponderante no Estado Liberal), ceda espaço à intervenção do Estado nas relações jurídicas contratuais. Muitas são as dificuldades na execução das obrigações de fazer e não fazer. As obrigações de contratar e emitir declaração de vontade se consubstanciam indubitavelmente em obrigações de fazer de natureza materialmente fungível, mas juridicamente infungível, o que leva a concluir que a tutela jurídica a lhes ser prestada, aí incluída a técnica processual adequada, é a que admite a realização da prestação por um terceiro que não o devedor: o Estado-juiz. Observa-se, pois, a tendência atual do Direito em admitir a intervenção do Estado nas relações contratuais privadas, no campo em que outrora imperava o princípio da autonomia da vontade, através da instituição de técnicas processuais destinadas a efetiva execução específica das obrigações de contratar e emitir declaração de vontade, em casos de recusa injustificada do devedor na realização do ato de vontade que lhe competia. Através das técnicas dos arts. 466-A, 466-B e 466-C, tem-se, então, a autorização legislativa para que o Estado-juiz, através de provimento judicial transitado em julgado, supra os efeitos da falta injustificada do ato volitivo do devedor. A sentença, nessas hipóteses, de caráter nitidamente substitutivo, tem por condão produzir, por sub- rogação, os mesmos efeitos da declaração caso tivesse o devedor espontaneamente realizado a prestação que lhe competia. 7120 Trata-se, pois, de técnica processual idônea e adequada à efetiva tutela do direito material, tendência e exigência do direito processual civil contemporâneo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11 ed. rev., ampl. e atual.,com a reforma processual 2006/2007 - São Paulo: RT, 2007. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV - São Paulo: Malheiros, 2004. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 2º volume: teoria geral das obrigações. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC - São Paulo: Saraiva, 2007. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. - São Paulo: RT, 2008. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 2. ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: RT, 1995. MEDINA, José Miguel Garcia. Processo civil moderno. 3. Execução. - São Paulo: RT, 2008. STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito, 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2004. THEODORO JR., Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 25. ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Leud, 2008. [1] Distinção que aqui se faz em relação às execuções indiretas, ou seja, por coerção (em regra, multa). Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 95), "Como a multa não tem potencialidade para conduzir, por si só, à realização do direito, fala-se em execução indireta. No outro caso, como a sanção aplicada pelas sentenças condenatória e executiva permite a realização do direito de forma forçada - e assim sem que importe a vontade do réu - prefere-se usar a expressão execução direta.". [2] Aqui o autor se refere à decisão proferida no REsp 306.012-RJ, da 4ª T. do STJ, de relatoria do Min. Barros Monteiro, publicada no DJU de 17.03.2003, p. 234. 7121
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