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Economia Brasileira Profa: Karina PROGRAMA DE AÇÃO ECONÔMICA DO GOVERNO (PAEG) 1964-1966 Os anos 1960 são essenciais para uma compreensão global do desenvolvimento brasileiro na sua faseespecificamente capitalista. Esses são os termos próprios à perspectiva do processo de industrialização, pensado como uma evolução das forças produtivas capitalistas que se constituíam no Brasil desde o final do século XIX. Os autores chaves que nos auxiliaram nesta compreensão foram João Manuel Cardoso de Mello e Sérgio Silva. Argumentamos em notas de aula e nas discussões em sala que esta fase especificamente capitalista precisa ser entendida como momento de uma evolução em que as condições internas de acumulação estão completas. Em outras palavras, uma situação em que as etapas do processo de acumulação de capital existem, todas elas, internas à economia. De modo algum, isto quer dizer que a economia seja autônoma. Em primeiro lugar, porque o capitalismo tem seu dinamismo assentado no processo de inovação tecnológica, organizacional, e de serviços que historicamente localiza-se nos países desenvolvidos. E em segundo lugar, porque o desenvolvimento do capitalismo global caminha na direção oposta, no sentido da integração das economias, buscando uma escala maior do processo de acumulação. Porém, o ponto mais importante a tratar é que, visto na ótica do processo de industrialização, as condições de financiamento não têm o destaque devido. Como tivemos a oportunidade de ler no texto de Maria da Conceição Tavares, essas condições de financiamento constituíram-se num entrave ao processo de acumulação a partir do momento em que o Plano de Metas cumpriu seus efeitos e elevou a escala do processo produtivo interno. Assim, faz sentido estender o período de constituição do capitalismo no Brasil ao final dos anos 1960, quando as condições de financiamento são enfim construídas, mesmo que com as fragilidades e insuficiências de uma economia periférica. Daí a importância de estudar-se o PAEG Plano Estratégico de Governo, que consiste no primeiro período dos Militares no Poder. As condições econômicas e políticas no começo de 1964 poderiam ser descritas da seguinte forma: - o perfil da indústria assemelhava-se ao de uma economia madura, com os departamentos de bens de produção (D1) e bens de consumo durável (D2) completos, embora sem um potencial de consumo que lhes viabilizasse uma estabilidade dinâmica; - as funções do Estado tinham se alargado, não apenas as produtivas (empresas estatais) como as de coordenação, o que correspondeu à criação de inúmeros instrumentos de política econômica1. Mesmo assim, não se apresentava uma redefinição do papel do Estado, nem se tinha uma coordenação instrumental de política econômica ou uma máquina administrativa reestruturada; - a economia ressentia-se da desaceleração iniciada em 1962, tolhida em suas possibilidades de recuperação pelos desequilíbrios estruturais, sobretudo pela ausência de mecanismos de financiamento mais avançados capazes de estimular os investimentos públicos e privados; e tolhida por uma taxa de inflação em ascensão; - Finalmente, a utilização do câmbio, que fora decisiva nas etapas precedentes especialmente quando da implementação do Plano de Metas estava virtualmente esgotada, particularmente com o fim das taxas múltiplas de câmbio em 1961, exigindo reformas estruturais que permitissem uma montagem integrada dos novos instrumentos de política econômica. (veja Oliveira, 1979:34) Diante desse cenário econômico e no bojo de circunstâncias políticas efervescentes, ocorre o Golpe Militar de 1964. No plano político, ele vai significar uma reorganização das classes dominantes em torno de um 1. A este respeito, a seguinte indicação do Plano Trienal tem seguramente a ver com este aspecto: "A ação do Governo se exercerá através de um conjunto de medidas, mutuamente compatíveis, orientadas para dois objetivos: a) assegurar que se realize o montante de investimentos requeridos para que seja alcançada a taxa de crescimento prevista, e b) orientar esses investimentos para que a estrutura da produção se ajuste, com mínimo desperdício de recursos, à evolução da demanda e, em particular, às necessidades de substituição de importações determinadas pelas limitações da capacidade para importar." novo projeto social, engendrando um novo processo de arbitragem das políticas públicas que permitirá a implementação das reformas necessárias à complementação da estrutura econômica. As reformas levadas a cabo pelo Governo Militar visaram essencialmente completar a estrutura econômica, sem um reordenamento do aparelho do Estado que pudesse configurar uma natureza diferente de inserção, antes o contrário. Esta é uma contradição importante, uma vez que em vários aspectos o Governo que assume é a antítese dos governos anteriores. As reformas permitiram que vários aspectos institucionais relativos à estrutura de financiamento fossem alterados. A estrutura de financiamento consiste na forma específica pela qual a economia financia seus gastos públicos e privados, a natureza da atividade de intermediação e a solidez e natureza da moeda nacional. As reformas criaram uma nova forma de financiamento do setor público reforma tributária, criação de fundos compulsórios e criação de novos títulos públicos , novas formas de financiamento privado e intermediação reforma bancária , uma âncora para sustentar a moeda a correção monetária , além das reformas institucionais que tornaram possível essas alterações e as sintetizaram - os Atos Institucionais e a constituição de 1967. As reformas implementadas pelo Governo Militar seguiram dois eixos, ambos expressos no PAEG. O primeiro deles buscava interromper o desarranjo crescente da economia, particularmente a escalada inflacionária que, se mantida a projeção do primeiro semestre de 1964, ultrapassaria os 100% a.a.. Para tanto, previa-se um programa "desinflacionário" e uma série de reformulações emergenciais da legislação econômica e, sobretudo, da Lei Salarial. Para o PAEG, a raiz do processo inflacionário estava na inconsistência distributiva da renda, concentrada em dois pontos: "a) dispêndio governamental superior à retirada de poder de compra do setor privado, sob a forma de impostos ou de empréstimos públicos; [e] b) na incompatibilidade entre a propensão a consumir, decorrente da política salarial, e a propensão a investir, associada à política de expansão de crédito às empresas". Esperava-se que, a partir do programa "desinflacionário" e das alterações na legislação econômica, a inflação estivesse controlada em dois anos (até o final de 1965). Um segundo eixo buscou reformas estruturais, que podem ser resumidas em quatro pontos: a) uma reforma tributária; b) um novo mecanismo de financiamento não-inflacionário ao crescimento; c) uma montagem de um sistema de planejamento de longo prazo; e d) uma reforma do aparelho de Estado. Destes pontos, os dois primeiros acabaram por constituir uma nova forma de financiamento da economia. A nova estrutura de financiamento foi estabelecida essencialmente por essas reformas e por algumas outras alterações posteriores, até meados da década de 1970. O seu desenho institucional seguiu os contornos daqueles dos países desenvolvidos, em particular os EUA, na forma de um mercado financeiro segmentado. Entretanto, esta estrutura acabou por ter pelo menos três características diferenciadoras em relação ao modelo dos países desenvolvidos, apresentando: a) um sistema financeiro em que, no segmento privado, dominam as operações de curto e médio prazos, ficando as operações de longo prazo adstritas ao segmento oficial e aos repasses de créditos do exterior, funcionando os bancos privados como meros agenciadores;b) um sistema de financiamento dos gastos públicos centralizado no âmbito federal e que não consegue acompanhar os gastos crescentes do Estado exigidos pelas características da estrutura de investimentos, aspecto este agravado por uma tendência estrutural para a renúncia fiscal. Isto não quer dizer que este seja o único aspecto determinante do déficit público, cuja causa principal é, em termos de dimensão, essencialmente financeira (rolagem da dívida pública); e c) um padrão monetário não conversível e que apresenta estruturalmente duas moedas. Uma delas é a moeda corrente utilizada para pagamentos de salários e transações; a outra é a moeda dos contratos: os títulos públicos e privados com cláusulas de indexação (correções monetária, cambial, etc). Em conjunto, as reformas concentravam significativamente o poder decisório no âmbito federal, com profundas implicações para Estados e Municípios, isto é, com profundas implicações para a forma de funcionamento do sistema federativo. Os Estados e Municípios perdiam graus de liberdade quanto ao mecanismo de arrecadação o sistema tributário e quanto às suas capacidades de influenciar, pelas suas políticas específicas, a política econômica global, que passa a seguir estritamente os objetivos do Governo Federal. O que quero mostrar é que as reformas, embora abrangentes e de grande impacto na estrutura econômica brasileira, não se confrontaram com as transformações anteriores impostas pelo Plano de Metas. Ao contrário, as reformas vieram a consolidar um padrão de desenvolvimento, a partir da consolidação da estrutura econômica que começou a ser estabelecida na segunda metade da década de 1950. As condições para as transformações foram dadas por uma mudança importante na correlação das forças sociais e no processo de arbitragem das políticas públicas. No período do Plano de Metas, as condições políticas não foram suficientes para permitir que algumas transformações básicas fossem realizadas. Por um lado, estabeleceu-se as condições técnico/financeiras para a consolidação de um departamento de bens de produção, isto é, criou-se as condições essenciais para a autodeterminação do capital. De outro, evitou-se enfrentar alguns aspectos necessários para que essa autodeterminação pudesse efetivar-se. Seguem dois trechos do PAEG que procuram atestar essas minhas observações, assim como uma transcrição do seu Sumário: Há dois modos bem distintos de encarar o processo de desenvolvimento econômico. O primeiro vê tudo em termos de intensificação do ritmo de formação física de capital, envolvendo assim um certo grau de ilusão mecanicista. O segundo encara o desenvolvimento como um processo através do qual os agentes econômicos, consumidores e empresas, adequadamente motivados, aprendem a mobilizar de forma eficiente os recursos materiais e humanos, para realizar o potencial máximo de crescimento do produto real da comunidade. A segunda conceituação leva ao aparente truísmo de que uma condição necessária, se não suficiente, para desenvolver-se é querer desenvolver-se. Ou seja, adotar a motivação e a linha de ação que levam ao desenvolvimento. A divulgação em larga escala desta síntese do Programa de Ação do Governo representa um passo novo no sentido de obter a indispensável compreensão e participação de todas as camadas populares na tarefa de planejamento e coordenação econômica. Quando se escrever a crônica econômica da Revolução, a etapa que agora se inicia deverá caracterizar-se principalmente pelo diálogo. Os primeiros meses da atual política econômica, de abril para cá [novembro de 1964], constituíram uma fase, até certo ponto, de introspecção criadora: a tarefa gigantesca de reconstruir economicamente o país, seja através de medidas de eliminação das distorções inflacionárias, seja de medidas de revitalização da economia, seja de reformas econômicas e sociais, representou uma luta cruel contra o tempo. A opção era dramática: ou agir rápida e eficazmente, como se procurou fazer, ou aceitar a alternativa da hiperinflação com estagnação. Na área do planejamento e coordenação econômica, a ativação do diálogo democrático com as forças representativas do país, no estágio que agora começa, será alcançada não apenas através da criação do Conselho Consultivo de Planejamento, recentemente anunciado pelo eminente Presidente Castello Branco, e no qual estarão representadas as diferentes classes sociais e entidades estaduais de planejamento, como também por intermédio das duas séries de publicações que o EPEA está iniciando. [Documentos do EPEA, e Mercado Brasileiro de Capitais].
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