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Filosofia e Direito - Ética segundo Kant e Stuart Mill

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ARISTÓTELES E A ÉTICA	
Por: Guaracy Araújo
Em algumas de suas obras, Aristóteles distingue as ciências práticas das teóricas, no que diz respeito à natureza dos objetos próprios a cada ciência. Se o objeto das ciências teóricas é o “primeiro princípio”, eterno e imutável, o das ciências práticas é aquele que se abriga em torno do perecível, mutável e contingente - fala-se aqui do humano. É importante entender que a distinção dos objetos faz surgirem para Aristóteles duas formas específicas de razão; as ciências práticas devem se adequar à mutabilidade e variabilidade de seu objeto, não podendo ser entendidas como ciências totalmente axiomáticas como é o caso da matemática. Este é o drama da política, saber que se interessa pelo bem comum dos homens - localizar-se frente à exigência de universalidade que é própria a toda ciência (para Aristóteles toda ciência busca o universal ) e ter seus olhos voltados para as ações humanas em sua particularidade. É no espaço entre universalidade e particularidade que se formulará a filosofia política aristotélica, da qual a ética é a vertente que trata das condutas envolvidas nas interações entre os indivíduos. 
	Convém ressaltar que o grau de saber próprio da ética aristotélica é composto em torno da opinião. Lembramos que, ao conceder valor à opinião (desconsiderada pela filosofia), Aristóteles reconhece que, não havendo juízo isento de erros no âmbito das relações humanas, devemos nos conformar aí em avaliar as melhore opiniôes das quais dispomos. Compreender esta razão intermediária será de agora em diante nosso objetivo.
	Analisaremos inicialmente os capítulos iniciais do livro I da "Ética". Em primeiro lugar dividiremos a sentença inicial da obra - "Toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, visam a algum bem" - em duas partes, avaliando o sentido de alguns termos no seguinte fragmento: "Toda arte e toda investigação , assim como toda ação e toda escolha ..." e deixando em suspenso a segunda parte do argumento inicial de Aristóteles. O que significam os termos "arte", "investigação", "ação" e "escolha"? Avaliemos primeiro o par "arte -investigação". A união destes termos obedece a uma função dicotômica: Aristóteles usa estes dois termos para abrir um leque conceitual que diz respeito à esfera dos saberes . Vejamos: techné (“arte”) diz respeito essencialmente às ciências práticas, que relacionam-s com a contingência e tem um caráter fortemente prescritivo - são ciências que ajuizam as ações, e que visam menos ao conhecimento do que à ação e à produção.
	Já no termo methodos (“investigação”) dois sentidos devem ser entendidos: o sentido de investigação teórica (que visa às coisas eternas, enquanto um conhecimento desinteressado) e o sentido de caminho, de procedimento. 
	Podemos supor aqui uma primeira tensão no texto: aquela entre ciências práticas e teóricas, que será posteriormente tematizada e que diz respeito ao espaço próprio da ética. Aonde devemos colocar a ética, na perspectiva de Aristóteles? Sem dúvida, haja visto nossa introdução, no lado das ciências práticas, já que a ética refere-se ao mundo humano da contingência. No entanto, este posicionamento será profundamente matizado por Aristóteles no decorrer do texto da "Ética".
	Vamos ao segundo par, que se relaciona mais com a esfera das ações individuais. Práxis (“ação”) diz respeito ao agir humano enquanto ocorrência, acontecimento no mundo. Já a proairesis (“escolha”) se relaciona com o que podemos chamar de escolha racional, o foro no qual as ações são ajuizadas. Podemos perceber uma segunda tensão aqui: a tensão entre a ação em si (que pode ser arbitrária, contingente, inconsciente, ignorante) e a razão em situação da escolha (cuja especificidade será tratada posteriormente). 
	Estes dois pares de termos tensionados serão reconciliados no decorrer da "Ética". Mas se percebemos uma terceira tensão, desta vez entre os dois pares Techné/methodos descortinando a esfera dos saberes e práxis/proairesis a dos indivíduos agentes, somos conduzidos ao desafio principal de Aristóteles: conciliar o âmbito do saber, e suas exigências de universalidade, e o âmbito dos indivíduos em toda sua particularidade . 
	Mas vejamos agora a segunda parte da sentença inicial: "...visam a algum bem.". Aristóteles aqui "encaixa" os âmbitos arrolados acima e começa a resolver as tensões ao igualar todos os termos do ponto de vista da finalidade, ao dizer que o fim de todos estes termos é o bem; ousando ampliar o argumento, o autor diz que todas as coisas tendem ao bem. Aqui surge então o problema: o que é o bem?
	O bem que é o próprio fim dos fins deve ser maior e englobar todos os saberes e todas as ações; deve ser buscado por si, ou esbarraremos numa busca infindável e num desejo infinito. Vemos que este argumento começa a fazer a transição da esfera metafísica à esfera da prática ao sugerir a busca dos agentes e não uma finalidade omni-englobante. Tal transição é continuada no argumento seguinte: a busca do conhecimento deste bem deve ter um valor prescritivo para as ações. O fantasma metafísico, no entanto, só será afastado se determinarmos de vez o que seja o bem e qual esfera do saber dele se ocupa. São as duas questões postas em seguida por Aristóteles, que responde rapidamente à segunda: trata-se da ciência política, conhecimento que determina o melhor funcionamento das instituições e a melhor postura dos indivíduos. Vale lembrar aqui que o bem no sentido mais forte é realizado não para um cidadão mas para a cidade, que é prioritária frente aos indivíduos tomados isoladamente . 
	Mas o que é afinal o bem? Aristóteles aqui aceita pela primeira vez ouvir a opinião corrente que diz ser o sumo bem a felicidade. Mas isso não é dizer muito: recolocamos a questão sobre a felicidade, e nosso problema passa a ser a determinação desta. 
	A felicidade pode ser considerada algo absoluto (pois é buscada por si mesma e não no interesse de outra coisa) que referenda as outras buscas do homem, auto-suficiente (pois torna a vida plena) e portanto finalidade das ações e da própria vida. Adicionemos alguns elos na corrente: se a felicidade é algo de tão precioso, deve ter como correlato o mais excelente princípio dos que regem a vida humana, o princípio ativo racional ativo. Nos possuidores deste princípio deve se conjugar ainda a excelência, pois a virtude deve ser predicada àqueles que possuam o princípio racional de forma proeminente; a estes deve ser facultada a felicidade. Assim, "o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma consoante com a virtude, e se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa" (1098a 16). 
	Tentemos precisar a argumentação de Aristóteles. Em primeiro lugar, ser feliz é viver bem e agir bem; a virtude não é algo de interior ao indivíduo para Aristóteles, e sim algo que se deixa ver na atividade virtuosa, na ação. A ética aristotélica incide fundamentalmente na ação virtuosa, que deve ser boa ("bem-feita") e dar prazer a quem a pratica por si mesma (do contrário não seria um bem em si) - para que seja virtuosa, a ação demanda ainda uma escelência nos fins a que se destina e deve, portanto, ser nobre. No entanto, tudo isso é ainda demasiado abstrato: se a felicidade é a atividade da alma consoante à virtude perfeita tal como se expressa numa ação nobre, temos aqui um problema: como se define a virtude no agir? Como surge e se desenvolve tal virtude? Respondamos primeiro a última questão: a virtude surge e se desenvolve numa conjugação de natureza adequada ao seu surgimento (para Aristóteles não causa problema afirmar que alguns homens têm acesso à virtude e ao bem enquanto outros não o tem) e cultivo pelo hábito. A virtude se aprende, se testa e se enraíza no fazer. Daí a importância da ação: é agindo virtuosamente que nos tornamos virtuosos, e sendo virtuosos agiremos virtuosamente. Trata-se de um condicionamento recíproco.
	Falta responder à primeira pergunta. O que é afinal agir virtuosamente? "É agir pela regrajusta", nos diria Aristóteles. Se retrucássemos então: "Mas o que é agir pela regra justa?", ouviríamos provavelmente a seguinte resposta do autor: "É escolher o meio-termo". Chegamos ao ponto nevrálgico da virtude: tudo aquilo que é próprio à virtude consiste na escolha acertada do mediano frente ao excesso e à falta. Um exemplo: a coragem é virtuosa por consistir em um meio-termo entre a covardia (que é falta de coragem) e a temeridade (que é seu excesso). A ação virtuosa é então, no que toca ao objeto a que se refere - no caso da coragem, a capacidade de exercer atos de bravura -, um meio-termo, mas no tocante à excelência é um excesso - de bem. 
	A ação virtuosa, tal como foi definida, demanda ainda alguns ajustes. Por exemplo, agir de acordo com o meio-termo é essencial, mas deve-se entender que o meio-termo tem como referência o contexto da ação: ou seja, faz parte da virtuosidade da ação o conhecimento das circunstâncias em que esta ocorre por parte do agente, e o consequente uso dos meios adequados no tempo adequado para a ação. Assim, a ação virtuosa é também voluntária, fruto de uma escolha deliberada. E mais ainda, o caráter voluntário da ação determina se esta é virtuosa (se é de acordo com a conveniência e a justa medida) e se é boa ou má, ou fruto da ignorância (portanto involuntária). 
	Aristóteles propõe enfim investigar as várias virtudes em particular. Omitiremos tal estudo, concentrando-nos naquela que pode ser chamada virtude-piloto: a justiça. A justiça pode ser assim considerada por consistir em uma instância avaliadora de toda sorte de atos (e portanto de sua virtuosidade) Além disso, a justiça representa a sorte de virtude que equaciona as relações sociais no âmbito legal (dando a cada um o que merece). E da justiça advém ainda a lei, texto de um homem que é a própria justiça encarnada - o legislador - e que dá feição e representatividade às virtudes (se uma lei for bem composta, guiará os cidadãos no sentido de aterem-se à mediania que é por isso mesmo chamada "regra justa"). 
	No entanto, encaixar a justiça no esquema excesso-meio-falta acarreta um problema: usualmente, o esquema que é adotado para a justiça é a oposição à injustiça, sem meio-termo. Aristóteles resolve esta questão propondo em primeiro lugar duas formas de efetivação da justiça: a justiça distributiva relativa à quantidade de bens a serem distribuídos a cada um de acordo com seu mérito e situação; e a justiça corretiva que se destina a reigualar pessoas que estejam em desigualdade devido a uma atuação lesiva de uma sobre a outra. Podemos a partir dessas duas espécies propor que a justiça é um meio-termo entre duas injustiças: o excesso de bens lesivo a um outro (quer este outro não tenha recebido o que merecia, quer tenha sido particularmente lesado por outrem) e a falta de bens concomitante. 
	Outra questão que surge é a de se a justiça é natural ou convencional. Aristóteles adota uma posição de certa forma convencionalista na medida em que, ao observar as leis e constituições nas mais diversas cidades e nações, propõe como critério moderador e discriminador da lei (nos casos em que esta não dá conta de uma situação particular) a equidade, que é a correção e efetivação de uma lei deficiente.
	Resta definir a natureza do discernimento que conduz às boas decisões no âmbito ético. Tal discernimento deve advir da razão: Aristóteles, nesse sentido, divide a alma humana racional em duas partes: aquela que contempla o invariável e outra, que contempla as coisas que variam. Esta segunda parte é chamada "razão calculadora", e se considerarmos os três princípios da alma - sensação, razão e desejo - veremos que a razão calculadora é mediadora entre o desejo e o raciocínio; é um desejo racicinante com vistas a alcançar um fim. Ora, tal é a esfera adequada à escolha pressuposta pela ação (as ações, lembremos, são orientadas pelos fins e "postas no mundo" - efetivadas - como meios para o fim). Podemos denominar a tal esfera prudência, ou sabedoria prática; consiste esta no homem em "poder deliberar bem sobre o que é bom e conveniente para ele, não sob um aspecto particular (...) mas sobre aquelas [coisas] que contribuem para a vida boa em geral " (1140a 27). E também: "[pode] ser ela uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem" (1140b3). Analogamente ao conhecimento da ciência, que procede por demonstrações, a prudência terá como instrumento executivo a deliberação - que é a correção, no que toca aos fins, aos meios e ao tempo, do raciocínio próprio à prática, ou seja próprio à ação (assim, faz-se justiça às duas esferas do princípio racional ativo antes citadas). Finalmente, Aristóteles vincula categoricamente prudência e virtude: toda virtude envolve um princípio racional próprio que faz com que se aja de forma reta - a prudência. 
	
	Falaremos agora de dois pontos: a amizade tal como descrita por Aristóteles, assim como a questão dos prazeres e das dores em relação ao sistema ético já esboçado. 
	Quanto à amizade, Aristóteles a divide em três tipos: a que visa à utilidade; a que visa aos prazeres; e a que visa ao bem recíproco e é propriamente virtuosa. Quanto a esta última, dela duas coisas podem ser ditas: ela é análoga à justiça no plano das relações afetivas; e esta amizade, na medida em que ocorre entre homens virtuosos, é o que mais próximo se poderia ter em termos de relação afetiva ao amor de si mesmo (na amizade virtuosa o amigo é " um outro eu "). Os amigos são "o bem mais precioso", e a amizade o maior exercício da nobreza.
	O tema do prazer e da dor foi posto de lado no decorrer da exposição pelo seguinte motivo: embora prazer e dor estejam envolvidos em todo o debate da "Ética" (na medida em que o prazer e a dor são condicionantes de toda a ação e índices da virtude e do vício), Aristóteles apresenta sua teoria definitiva acerca do prazer e da dor apenas ao final da obra. Tal teoria consiste aproximadamente no que segue: o prazer advém do uso mais adequado dos sentidos e faculdades próprias do homem no melhor contexto e frente ao objeto mais adequado. Por exemplo, tem-se um prazer visual quando se usa bem a visão no momento que convém e, principalmente, frente a objetos capazes de proporcionar prazer visual. Torna-se claro que o prazer tem uma relação estreita com a atividade, já que só se pode ter prazer na ação, e que isso é "lucrativo" para a idéia de atividade, já que a ação virtuosa é necessariamente aprazível e o prazer é intensificador da atividade (assim como a dor lhe é oposta); como conduz a agir com maior frequência em uma certa direção, o "bom prazer" termina por tornar os homens melhores. O prazer autêntico, que coroa a ação virtuosa, é parte da própria felicidade, assim como o prazer que advém dos atos viciosos é mau e não traz qualquer felicidade que não seja apenas aparente. Se da maioria dos homens não se pode dizer que seja felizes, tal fato diz mais respeito para Aristóteles à incapacidade humana de manter uma atividade contínua, o que gera prazeres interrompidos a todo tempo. 
	Finalmente, Aristóteles estabelece a suprema felicidade naquela ação que é mais capaz de trazer prazer, que está em um contato privilegiado com o que há de mais divino acessível ao homem e que mais escapa à esfera corrupta do humano: a saber, a contemplação do eterno própria à atividade filosófica, que por ter o melhor objeto (o divino) deve ser necessariamente a ação virtuosa por excelência. Mas, em um grau secundário, a vida eticamente virtuosa é também uma vida feliz, na medida em que, tendo crescido e amadurecido em nós pelo hábito (pela prática, portanto), a virtude que possuímos seja posta em ação - enquanto atividade que respeita aos ditames da prudente razão justa auferindo daí prazer e felicidade.

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