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ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL AULA 5 Profª Wiviany Mattozo de Araujo 2 CONVERSA INICIAL Esta aula tem por base a construção do conhecimento possibilitada pelas aulas anteriores, com o objetivo de entender dinâmicas do espaço geográfico mundial. Para isso, serão utilizados autores de perspectivas de áreas do conhecimento próximas à geografia, como a história, assim como foi feito antes. O intuito é entender como esses fatos históricos refletem até hoje na realidade de todo o globo. Para a reta final desta disciplina, será necessário também considerar os temas abordados antes, como desenvolvimentos, blocos econômicos, as ideias de região e regionalização, e também, as condições físicas, paisagísticas e socioeconômicas de cada continente. Considerando todos os conteúdos abordados até agora, é possível avançar também para aspectos históricos fundamentais para a compreensão da geopolítica internacional, tema muito importante quando se trata de espaço geográfico mundial, já que é também a geopolítica que condiciona estruturas, desigualdades, conflitos e relações diplomáticas. O objetivo desta aula é entender a segunda metade do século XX e o século XXI, através de fatos históricos, aplicando esses conhecimentos às condições do espaço geográfico atual, bem como às relações imperialistas tão presentes durante o período. Dessa forma, a aula está organizada da seguinte maneira: Guerra Fria, com o intuito de entender esse período histórico; o Mundo Pós-Guerra Fria, para analisar os impactos da guerra; seguido de uma análise da Nova Ordem Mundial, resultado da vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética na Guerra Fria; os estudos do Meio Técnico-Científico-Informacional, detalhados ao longo de várias obras de Milton Santos (autor já utilizado anteriormente); e uma análise a respeito da globalização, fenômeno presente no cotidiano e que pauta o desenvolvimento e o consumo no mundo. Com esta estrutura, é possível entender os últimos setenta anos do mundo de maneira mais aprofundada, considerando a complexidade das relações internacionais, suas relações de capital e os fenômenos históricos pertinentes. TEMA 1 – A GUERRA FRIA Com o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a Guerra Fria, protagonizada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e pelos 3 Estados Unidos da América (EUA). Eric Hobsbawn (2007) a entende como confronto entre as duas superpotências, já que a URSS e os EUA iniciaram corridas pela hegemonia de poder no cenário mundial. A Guerra Fria também era um meio de competir pela presença de um modelo econômico: o socialismo e a economia planificada de um lado, e o capitalismo do outro. Como já é sabido, e como o nome sugere, não existiram conflitos armados de fato durante o período (1945-1989), e sim corridas espaciais e armamentistas, que criaram o que Jayme Brener (1994) chamou de “perturbação do sono de todo o mundo”. Brener (1994) também destaca a Guerra Fria através do Leste Europeu, que utilizava o modelo soviético, com a economia estatizada e serviços de saúde, educação e transporte gratuitos, ao passo que os Estados Unidos, após o fim da segunda Guerra Mundial, passa a desenvolver o Plano Marshall para a reconstrução da Europa Ocidental, destruída por Hitler durante a Guerra. Neste momento, é fundamental compreender também o surgimento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 1949, que serviu como incentivo para a criação do Pacto de Varsóvia, em 1955. Além disso, destaca-se os conflitos civis durante o período da Guerra Fria em outras partes do mundo, como África e América Latina. Provavelmente, os pontos que mais se destacam durante o período aqui analisado são as corridas entre as duas grandes potências e a eminência da possibilidade de uma guerra nuclear entre a URSS e os EUA. Durante as corridas armamentistas e espaciais houve um grande desenvolvimento tecnológico no século XX, como a construção de satélites e o envio de seres vivos para o espaço, como é o caso da cadela Laika, enviada pela URSS, seguida de Yuri Gagarim, o primeiro humano a orbitar a Terra; do outro lado, Neil Armstrong foi enviado para a lua pela National Aeronautics and Space Adminstration (Nasa). O desenvolvimento tecnológico científico é uma área fundamental do desenvolvimento tanto da União Soviética como dos Estados Unidos, principalmente por indicar realizações possíveis, através da economia planificada e dos serviços públicos da URSS, e através da economia liberal desenvolvida pelos Estados Unidos. Quanto à corrida armamentista, é um dos aspectos da Guerra Fria que pesam sobre as ameaças existentes da eminente guerra nuclear – que, como já sabido, não ocorreu. A busca por dominância bélica por parte de ambas as potências foi também um recurso para garantir dominância política e alianças 4 importantes entre os países socialistas e os países liderados pelos Estados Unidos, já que a corrida armamentista possibilitou também as revoluções armadas socialistas em países como Cuba, por exemplo, que teve a revolução de 1964 liderada por Che Guevara e financiada pela URSS (Ayerbe, 2004). Essas características da corrida armamentista são fundamentais também para entender movimentos políticos estratégicos da época, e que impactam condições políticas da atualidade, como o embargo econômico aplicado à Cuba pelos Estados Unidos, que explica o desenvolvimento tecnológico limitado da ilha caribenha. O encerramento da URSS foi marcado pela queda do Muro de Berlim. O processo foi resultado de fatores econômicos mundiais que encaminharam uma crise no fim dos anos 1980. Antes disso, nos anos 1960 e 1970, a economia da potência socialista se encontrava em boas condições, mesmo com a indústria de bens pouco desenvolvida, em detrimento da indústria de peso. Em grande parte, por conta da crise do petróleo dos anos 1970, o desenvolvimento soviético ficou dificultado, pois se utilizava de economia planificada; além disso, a própria corrida armamentista ficou difícil de ser sustentada, principalmente com a aproximação chinesa dos Estados Unidos. Porém, foi a indústria que definitivamente dificultou a perpetuação do socialismo na região. (Brener, 1994) Assim, nos anos 80, durante uma crise econômica, Mikhail Gorbachov assumiu a liderança da União Soviética, com dois principais planos de abertura política, a Perestroika e a Glasnot, cujo intuito era, respectivamente, reconstruir a economia e tornar a política mais transparente. Porém, mesmo com os planos de Gorbachov, a crise econômica perpetuou e a política se agravou, já que ele sofreu uma tentativa de golpe, que desestabilizou, também politicamente, o país (Marshall, 2015). Após comissões e processos econômicos e políticos, a União Soviética acabou dissolvida em 1991. Esse momento foi marcado anteriormente pela queda do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha Oriental e a Alemanha Socialista em 1989. TEMA 2 – O MUNDO PÓS GUERRA FRIA Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim oficial da URSS em 1991, e por consequência o fim da Guerra Fria, ocorreram diversas mudanças no cenário mundial, principalmente no Leste Europeu e na Ásia, onde se localizava a maior parte da União Soviética. Diversas regiões queriam ver seus 5 territórios delimitados; assim, surgiram conflitos pela conquista dessas áreas. Jayme Brener (1994) destaca a mudança rápida e brusca no mapa mundi, por exemplo, e explica que cada conflito exigia adaptações nos territórios dos países, principalmente no leste europeu. Brener (1994) propõe uma discussão menos convencional a respeito do pós-Guerra Fria, para além da queda do muro e dos impactos na Europa Oriental. Com isto, anuncia a “solidão do poder estadunidense”, cita a antiga ordem predominante no período anterior à SegundaGuerra Mundial, e como os Estados Unidos e a União Soviética acabaram por dividir seus poderes no espaço mundial. Posteriormente, com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos assumiam diante do cenário mundial a liderança global. O autor destaca como, mesmo com a vitória na Guerra Fria, o país ainda tinha dificuldades sociais graves, já que o desenvolvimento apontado pelos indicadores econômicos não acompanhava, por exemplo a capacidade bélica que o país acumulou. Com desemprego e outros problemas econômicos, os Estados Unidos “perdia a corrida para a Europa Ocidental e para o Japão”, o que dificultaria. Por exemplo, assumir esse papel de liderança e potência mundial. Mas como os Estados Unidos passam a enfrentar essas dificuldades e se tornam a maior economia do mundo? É justamente o fim da Guerra Fria que possibilita isso, já que os investimentos em poderio bélico puderam ser reduzidos, com cortes na área militar, além de relações internacionais que favoreceram os Estados Unidos. Porém, foram as mudanças na dinâmica econômica e os investimentos em infraestrutura que garantiram empregos, aquecendo assim a economia. Por outro lado, Hobsbawn (2007) destaca a dissolução da URSS e o seu significado no histórico das grandes potências. Segundo o autor, a União Soviética comandou as relações internacionais por quase dois séculos e, com as devidas exceções, exerceu controle até sobre conflitos internacionais, deixando de existir; com isso, remove-se um forte entrave às guerras entre países e às intervenções armadas de uns países nos assuntos de outros. Isso porque Hobsbawn aponta como, durante a Guerra Fria, as fronteiras internacionais eram pouco alteradas – ou, como o autor afirma, “invioladas”. Dessa forma, Hobsbawm (2007, p. 32) aponta como o fim da Guerra Fria trouxe à tona instabilidade nessas fronteiras. Outro fator destacado é como o fim da Guerra Fria não só alterou as fronteiras e os mapas, mas também as decisões sobre a guerra e a paz, que se tornaram improvisadas, característica muito 6 importante no entendimento da geografia política, por exemplo, pois nos leva a um debate a respeito da flexibilização de ideias e conceitos, bem como dos limites do sistema econômico e seus impactos, como a exploração da natureza e de trabalhadores, por exemplo. A situação dos Estados Unidos e da União Soviética (já dissolvida) ainda não explica a situação da Europa Oriental, a Unificação da Alemanha, ou até mesmo a recente guerra pela Criméia ou a situação de Kosovo, na antiga Iugoslávia, e que apresentam papel de importância nos debates a respeito do período pós-Guerra Fria, mas também na última década. TEMA 3 – A NOVA ORDEM MUNDIAL Com o fim da Guerra Fria, o mundo mudou drasticamente, não só pela velocidade com que o mapa-múndi passou a ser alterado, com os pequenos países da União Soviética se transformando, como Brener (1994) apontava, mas também em relação a dinâmicas econômicas, relações internacionais e diplomáticas, novas ordens e principalmente lideranças globais, que passam a se destacar através da economia capitalista predominante no mundo atual. Mas, afinal de contas, como essas relações acabam influenciando na Nova Ordem Mundial? Do que se trata a Nova Ordem Mundial? Noam Chomsky (1996) destaca a história da demanda por uma Nova Ordem Mundial, através de planejadores, economistas e líderes religiosos, como um apelo que se deve principalmente ao que na época era chamado de Terceiro Mundo (atualmente correspondente aos países subdesenvolvidos) e suas condições de desigualdades (resultantes inclusive, dos processos coloniais). Chomsky e Coutinho (1996, p. 16) apontam como a Comissão Sul (não governamental), que construía uma demanda pela Nova Ordem, visava corresponder “à demanda de justiça, equidade e democracia do Sul na sociedade global” – isso porque, como é sabido, são os países do Sul que apresentam os índices de desigualdade mais alarmantes. O autor também destaca como esse apelo pelo envolvimento nas políticas de desenvolvimento dos países do Sul foram enfraquecendo à medida que o tempo passou. Posteriormente, após uma ampla análise em torno da Segunda Guerra Mundial, da Guerra Fria, e de uma análise política e econômica do globo, o autor se debruça sobre o que chama de “os contornos da Nova Ordem Mundial”, com a 7 intenção de apontar as estruturas governamentais que dinamizam padrões que reforçam políticas e valores de desigualdade social e econômica. Compreendendo as ideias de Noam Chomsky para indicar o que seria a Nova Ordem Mundial através da demanda existente no início da década de 1990, em conjunto com a análise da Guerra Fria, das questões Pós-Guerra Fria e de conhecimentos básicos a respeito da Segunda Guerra Mundial, é possível compreender os atores dessa Nova Ordem, as lideranças e a dinâmica econômica, que é determinante para entender os aspectos atuais de todo o mundo, principalmente as características de cada continente. O papel dos Estados Unidos e da União Europeia como lideranças globais é indiscutível, principalmente considerando os aspectos eurocêntricos da maioria das pesquisas e textos disponíveis. Esses dois protagonistas da economia global são fundamentais, pois explicam também os fenômenos de subdesenvolvimento em países do continente africano e de países emergentes da América Latina e Ásia, a respeito da colonização dos continentes citados e seus impactos que perpetuam até hoje. Os Estados Unidos se destacam pela economia e ainda pelo poderio bélico e pela capacidade de seus exércitos, o que acaba por impulsionar o país muito à frente ao competir em conflitos, e também economicamente. Há ainda a União Europeia, o Japão e a China, se destacando economicamente, já que atualmente, e com o fim da Guerra Fria, não é apenas a capacidade bélica que determina a liderança global. Além disso, existe uma outra necessidade, que é resultado do fim da Guerra Fria: ordenar os países de acordo com condições atuais, construindo então uma análise que considere países desenvolvidos e subdesenvolvidos, retornando assim ao ponto central do tema: a classificação anteriormente existente e utilizada por Chomsky, que diferia países de primeiro, segundo e terceiro mundos, passando a serem compreendidos como países desenvolvidos os países capitalistas com índices socioeconômicos mais altos, enquanto os países subdesenvolvidos eram os países da África, América Latina e Ásia (como citado anteriormente), o que indica também as áreas de influência política de cada país. Além disso, pode ser considerada a interpretação de países do Norte e países do Sul (apontada anteriormente por Chomsky, quando cita “a Comissão Sul”). Importante destacar aqui como a linha que divide os países entre norte e sul não corresponde à linha do Equador – apesar de que, em alguns locais do mundo, ela é bastante próxima. 8 Acompanhar os acontecimentos mundiais através da geopolítica e construir análises de conjuntura também é importante, para que possamos entender a questão da perpetuação das dinâmicas globais excludentes. Afinal, essa é uma das maneiras de se compreender as relações internacionais e os interesses dessas relações para cada país. Essa análise e pode ser construída também com bibliografias complementares e textos de apoio. TEMA 4 – O MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL Com os entendimentos a respeito de alguns acontecimentos da Guerra Fria, das últimas três décadas e de como o mundo tem se desenvolvido, é possível reunir noções de aspectos políticos e geopolíticos da atualidade. Porém, esta análise também demanda a compreensão do tempo e do meio em que se vive, relacionando indústrias, transportes e conexões, resultados das revoluções tecnológicas e científicas. Como destaca Milton Santos (2007, p. 47): a “ideologia de racionalidade e modernizaçãoa qualquer preço ultrapassa o domínio industrial, impõe-se ao setor público e invade áreas até então não tocadas ou alcançadas só indiretamente, como a mídia e organização do ensino”. É importante destacar também como o meio técnico científico informacional está ligado diretamente ao espaço e principalmente ao capital, isso porque é resultado de processos ligados ao capitalismo, sistema econômico em que vivemos, e que também nos determina. Santos constrói uma análise a respeito do meio técnico-científico que constitui cada etapa. O autor explica como o meio técnico se torna técnico- científico, quais fenômenos transformam os meios e como isso ocorre. Santos (2007, p. 48) defende a ideia de que, “desde que a produção se tornou social, pode-se falar em meio técnico”. Assim, refere-se de fato às técnicas de transformação da natureza, o que por sua vez explica que em regiões onde existem técnicas mais avançadas, o meio técnico se torna mais complexo. Considerando também uma análise histórica, Santos (2007) destaca como o capitalismo possibilita a junção de técnicas, ainda que apenas mais recentemente é possível falar de um meio técnico-científico que coincide com o desenvolvimento das ciências técnicas, que por sua vez é o que possibilita aplicar os conhecimentos científicos aos processos produtivos, mais próximos ao que hoje conhecemos. 9 O meio técnico-científico informacional, por sua vez, é constituído das técnicas desenvolvidas ao longo da história, da aplicação dos conhecimentos científicos à produção, e também resultado do desenvolvimento das tecnologias da informação – ou seja, como a informação passa a transformar o meio. Essa análise diz respeito aos estudos de Milton Santos para compreender o capitalismo, e torna esta construção um instrumento de análise do sistema econômico. É importante destacar também que a evolução do entendimento do meio ocorreu para o autor entre os anos 1980 e 1990, principalmente porque é na última década que os debates a respeito da globalização passam a se aprofundar (Maia, 2012). Essa característica também nos leva a pensar como o fim da guerra fria também pode fazer parte da difusão do conceito de globalização, por exemplo. Considerando este apanhado de informações a respeito do conceito desenvolvido por Milton Santos, se compreende como, de fato, a informação transforma o meio, que já passou por transformações dadas por aplicações de técnicas e de conhecimentos científicos. A questão passa a ser como as técnicas e a ciência estão impregnadas de informação (no sentido de acumulá-la e transmiti-la), o que faz com que o espaço atenda demandas de atores da economia, da cultura e da política (Santos, 1997). Esta parte final sugere então uma reflexão a respeito dos interesses que têm sido atendidos ao longo da história, principalmente no século XX. A questão a respeito do meio técnico-científico informacional em que vivemos é fundamental, não só para entender processos básicos do capitalismo, mas também para entender como a globalização se consolidou, já que Milton Santos destaca o meio a partir da técnica, da ciência e das tecnologias informacionais, para que o processo de globalização atinja o que hoje conhecemos, e para que continue se desenvolvendo. TEMA 5 – GLOBALIZAÇÃO Um processo com nome amplamente difundido na mídia, na política e, claro, no ensino, esse último é atingido diretamente pelos conhecimentos geográficos dentro das escolas. A geografia, a sociologia e as ciências econômicas se dedicam (cada uma ao seu modo) a estudar o fenômeno da globalização e seus diferentes impactos em cada área do conhecimento e do planeta. Para Milton Santos (2007), como vimos anteriormente, ela é resultado 10 direto do meio-técnico-científico informacional; para Eric Hobsbwan (2007), é um fenômeno que avança na tecnologia, na economia, na cultura e até na língua, mas não se mostra política e militarmente. Na discussão aberta por Hobsbawn, a diferença entre força e poder dos países no cenário mundial é o que comprova o não alcance da globalização no que diz respeito ao militarismo. Milton Santos, que dedicou pesquisas ao entendimento e compreensão do espaço, da economia, das cidades e da desigualdade, passa a dedicar-se também a entender a globalização como efeito do meio técnico-científico- informacional, como visto nesta aula. Mas, afinal de contas, como Santos vê a globalização – e mais, que soluções aponta para as questões resultantes desse fenômeno? Santos (2013) descreve o mundo através da globalização em três perspectivas: a globalização como fábula, a globalização como perversidade e, por fim, uma outra globalização, como solução para os problemas apontados. O primeiro aborda um tema conhecido até de outras etapas de nossa formação escolar: “a aldeia global”, que, para o autor é um instrumento que nos leva a crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas (abordando aqui o informacional do meio técnico-científico) e encurta distância, por conta da noção de tempo e espaço contraídos. Porém, Milton Santos, durante a explicação de globalização como fábula, entende que “um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando na verdade, as diferenças locais são aprofundadas” (Santos, 2013, p. 24). Com isto, quer dizer como as dinâmicas econômicas globais na verdade acentuam diferenças sociais sem ao menos passar por soluções para problemas reais e regionais, por exemplo. Posteriormente, Santos explora o tema da globalização através da perversidade. Para isso, aponta no início do século XXI problemas que perduram desde o século XX, como o desemprego crescente que se torna crônico. “A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes” (Santos, 2013, p. 26). Assim, destaca como a perversidade é “sistêmica e está na raiz da evolução negativa da humanidade e tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas” (Santos, 2013, p. 26). Com isso, o autor indica como os processos econômicos que sustentam o sistema capitalista são 11 um catalisador para a repetição das desigualdades ao longo da história e em todo o mundo, além de reforçarem as relações imperialistas e de exploração. Florestan Fernandes e Caio Prado Junior, em sua obra Clássicos da Revolução Brasileira (2000), organizada por Plínio de Arruda Sampaio Junior, relatam que não é possível, dentro do pensamento marxista (caso de Milton Santos e de diversos outros autores contemporâneos), apontar problemas sociais, sem apontar também as suas respectivas soluções; por isto, nesta lógica, Santos propõe uma nova globalização, que dá o título a uma de suas obras mais conhecidas, e já citada aqui. Por uma nova globalização, Santos propõe uma discussão mais elaborada a respeito de uma “globalização mais humana”, que envolva outras relações entre técnicas e conhecimento, já que as atuais são utilizadas como instrumentos para o grande capital construir a globalização perversa citada anteriormente. Para tanto, o autor aponta algumas questões pertinentes para o desenvolvimento de outra globalização, já que o fenômeno da miscigenação, em todos os continentes, a grande possibilidade de mudanças, e a produção de uma população em áreas cada vez menores, indica de forma teórica a construção de um novo discurso que conta com a relevância da percepção de uma universalidade empírica. Segundo ele, disso resulta a experiência de cada homem como transformadora; através desse modelo seria possível mudar a lógica de globalização estabelecida pelo capitalismo. NA PRÁTICA Os conteúdos vistos nesta aula dizem respeito essencialmente aos últimos 70 anos, passandopela Guerra Fria, seus impactos em todo o globo, durante e depois de seu fim, além de concepções muito importantes, principalmente para a geografia brasileira. Assim em como outros momentos da disciplina, sugerimos a leitura de Milton Santos, que se destaca internacionalmente na ciência geográfica, principalmente nos temas aqui abordados. Além disso, a bibliografia e as discussões que trouxemos oferecem um alicerce de conhecimento para os demais temas que ainda serão tratados nesta disciplina, orientando novas análises e até mesmo revisões dos conteúdos vistos. Entender as relações globais e seus impactos é papel do geógrafo e do professor de geografia, como já dito em diversos momentos desta disciplina; 12 assim, é fundamental destacar a relevância das discussões existentes a respeito da globalização e do meio técnico-cientifico-informacional, também porque são fenômenos e conceitos que nos ajudam na compreensão de atores e agentes do espaço geográfico, da economia, e também dos resultados dos sistemas predominantes. Os estudos e citações referentes à Guerra Fria e à queda do muro de Berlim, simbolizando o fim da guerra, bem como da URSS, também são primordiais para sustentar conhecimentos e interpretações referentes às atuais relações existentes entre países dominantes no mundo, como Rússia, China, Estados Unidos, bem como regiões de conflitos, como Oriente Médio e mais recentemente Venezuela, tensionando a América Latina, por exemplo. Além disso, entender o processo de globalização exige leitura de diversos autores. Nesta aula exploramos dois escritores muito importantes para a história e para a geografia, mas esse assunto é tema de estudo de diversos pesquisadores, dos mais variados lugares do mundo. A partir dele, podemos também entender as relações comerciais e diplomáticas, além das relações e dos processos que refletem em diferentes manifestações de desigualdade social, as quais, além de resultado do sistema econômico vigente, também são produto de processos e fatos históricos que favoreceram certas regiões em detrimento de outras. Faz parte também da construção do conhecimento identificar aspectos que podem afetar as conjunturas políticas e geopolíticas, e que fazem parte da realidade, mesmo que nem sempre sejam percebidos desta forma. FINALIZANDO Por fim, após a revisão de fenômenos, fatos e análises históricas e geográficas diferentes, aplicados aos contextos em que vivemos, fica mais fácil pensar em transposição de conteúdos, análises conjunturais, construção de instrumentos para o conhecimento geográfico e pesquisas científicas. Além disso, os autores utilizados, bem como seus conceitos e correntes de pensamento, devem servir como base para a estruturação de linhas de raciocínio mais autônomas para os profissionais que se formam. Por isso, é importante também buscar leituras e autores em outras fontes além das disponibilizadas pela disciplina. Afinal, a leitura de livros, artigos e mesmo conceitos auxilia na dinamização do conhecimento. 13 Relembrar fatos históricos e entendê-los como fatos, no sentido de não consolidar os conhecimentos sobre o alicerce de discussões rasas sobre o que não é mais necessário ser contestado, e utilizar disto nas análises geográficas, é fundamental para entender como esses fatos históricos ocorreram no espaço, mas também como impactaram esse espaço, lugar e principalmente território. Buscar referências para entender os processos, fenômenos e fatos históricos aqui assinalados é fundamental na complementação de conhecimentos primordiais e também na construção de novas teorias e aplicação das relações existentes entre as ciências humanas e a necessidade da interdisciplinaridade, assim como foi realizado nessa aula, que utilizou de historiadores, sociólogos, jornalistas e geógrafos para apontar fenômenos e construir um estudo. 14 REFERÊNCIAS AYERBE, L. F. A Revolução cubana. São Paulo: Ed. Unesp, 2004. (Coleção Revoluções do Século XX). BRENER, J. O mundo pós-guerra fria. São Paulo: Scipione, 1994. CHOMSKY, N.; COUTINHO, P. R. Novas e velhas ordens mundiais. São Paulo: Scritta, 1996. HOBSBAWM, E. J. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MAIA, L. O conceito de meio técnico-científico-informacional em Milton Santos e a não-visão da luta de classes. Ateliê Geográfico, v. 6, n. 4, p. 175-196, 2012. MARSHALL, T. Prisioneiros da geografia: 10 mapas que explicam tudo o que você precisa saber sobre política global. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. SAMPAIO JUNIOR, P. A. (Org.). Clássicos sobre a revolução brasileira. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2000. SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 1997. _____. Espaço e método. São Paulo: Edusp, 2007. _____. Por uma economia política da cidade. São Paulo: Edusp, 2012. _____. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico- informacional. São Paulo: Edusp, 2013.