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Conceitos Básicos em Biologia da Conservação Enrico Bernard Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade Depto. de Zoologia - UFPE Conceitos: Espécie-chave (keystone species) • Espécie cujo impacto na sua comunidade ou ecosistema é desproporcionalmente grande relativamente à sua abundância. (Power et al. 1996) • Grande influência: a remoção, adição ou alteração de uma espécie chave tem grandes efeitos sobre outras espécies, sobre processos e sobre interações, e até mesmo sobre a paisagem. http://ngm.nationalgeographic.com/2010/03/wolf-wars/wolf-illustration Influência direta e indireta dos lobos sobre vários outros organismos e ambientes Ripple et al. 2014. Science Conceitos: Espécie indicadora (Indicator species) • Organismo - ou conjunto de- cujas características (ex. presença / ausência, densidade populacional, dispersão, sucesso reprodutivo) são usadas como um índice de atributos muito difíceis, inconvenientes ou caros de se medir. – Indicadoras de saúde ambiental: sua presença e/ou estado indica as condições do ambiente (favoráveis ou negativas) • Ex. Organismos filtradores que acumulam metais pesados, anfíbios • Ex. Espécies oportunistas com baixa especificidade ambiental • Ex. Borboletas heliófilas indicam áreas alteradas – Indicadoras de outras populações • Ex. presença de onças indica que o ambiente suporta presas Estimativa da densidade de onças no PN. Serra da Capivara (PI) = 2.6 onças/km2 Conceito: Espécie guarda-chuva (Umbrella species) • Espécie cuja conservação in situ implica/resulta na conservação indireta das outras espécies do ecossistema em que ocorre. (Frankel & Soulé, 1981; Wilcox 1984). – Geralmente requer áreas grandes ou bem preservadas e sua conservação leva “por tabela” outras espécies • Ex. Grandes felinos, ursos, rinoceronte negro. • Ex. a onça pintada em Foz do Iguaçu. • Ex. Mico leão dourado no RJ. Estimativa da densidade de onças no PN. Serra da Capivara (PI) = 2.6 onças/km2 (Silveira et al. 2009. Oryx 44(1):104-109) Conceitos: Espécie bandeira (Flagship species) • Espécie carismática, símbolo ou principal elemento de uma campanha conservacionista. Metapopulações Conjunto de sub-populações isoladas espacialmente em fragmentos de habitat e unidas funcionalmente por fluxos biológicos (Levins 1969; Metzger 2001) A B C D E A B C D E FONTE Metapopulações A B C D E DRENO FONTE Metapopulações A B C D E DRENO FONTE Metapopulações Dinâmica de extinções e recolonizações locais A B C D E DRENO FONTE Metapopulações FONTE Centros de endemismo • Endemismo: restrição da ocorrência de um táxon à uma determinada área. • Área de endemismo: região que inclui um número de endemismos maior que o esperado quando comparado à regiões adjacentes • Importância da identificação: – porções únicas da biodiversidade (espécies endêmicas) – Processos evolutivos e/ou ecológicos únicos Centros de endemismo na Amazônia Baseados em plantas, aves, répteis, mamíferos e borboletas Exemplos de espécies de primatas endêmicos da Amazônia Brasileira Centro de Endemismo Pernambuco Ecótonos Ecótonos: limites de distribuição de espécies; fronteiras entre comunidades ou biomas A Biol. da Conservação tem um objetivo claro • Prevenção da extinção de espécies, da perda de recursos naturais e de ecossistemas “O mundo natural é um teatro ecológico, servindo de palco para uma peça evolutiva” G.E. Hutchinson, 1965 A missão da Biologia da Conservação é manter os atores desta peça e seu palco. G.K. Meffe, Principles of Conservation Biology Mas o que é uma espécie? Depende para quem você perguntar! Existem pelo menos 24 conceitos de espécie! Conceitos de espécie 1- Agamoespécies 2- Conceito Biológico 3- Conceito Cladístico 4- Conceito de espécies coesas 5- Conceito Composto 6- Conceito Ecológico 7- Unidade Evolutiva Significativa 8- Conceito Evolucionário 9- Conceito de Concordância Genealógica 10- Conceito Genético 11- Conceito de Agrupamento Genotípico 12- Conceito Hennigiano 13- Conceito Internodal 14- Conceito Morfológico 15- Conceito não dimensional 16- Conceito Fenético 17- Conceito Filogenético (versão diagnosticável) 18- Conceito Filogenético (versão monofilética) 19- Conceito Filogenético (versão diagnosticável e monofilética) 20- Conceito Politético 21- Conceito Taxonômico 22- Conceito de Reconhecimento 23- Conceito de Competição Reprodutiva 24- Conceito Sucessional Conceitos mais utilizados • Espécies Biológicas (CEB)- Grupo de populações naturais intercruzantes que acasalam e reproduzem entre si, e que está isolado reprodutivamente de outros grupos. (Ernst Mayr, 1942; “definição dos livros textos”) • Vê espécie como um conceito estanque e imutável • Não se aplica à espécies assexuadas • Não se aplica à fósseis • Não se aplica à híbridos • A ausência de reprodução é difícil de ser testada • Espécies Filogenéticas (CEF)- O menor agrupamento diagnosticável de um conjunto de organismos dentro do qual há um padrão parental de ancestrais e descendentes. (Cracraft, 1983). • A espécie é uma unidade evolutiva basal • Baseia-se em sinapomorfias (caracteres derivados) compartilhados por um grupo • Eleva sub-espécies ao nível específico • Aumenta o número de “entidades” existentes Conceitos mais utilizados Identificar corretamente espécies pode afetar: • Estimativas de diversidade: • O número real de “espécies” pode ser sub (CEB) ou super-estimado (CEF) • Comparações impróprias ou equivocadas - um ambiente mais “pobre” perderia em detrimento de um “mais rico” • Os valores utilitários podem ser equivocadamente calculados (O serviço ambiental prestado por uma espécie é mais valioso do que o prestado por duas??) • O status de conservação de populações estudadas: • Uma espécie considerada abundante pode ser na verdade um conjunto de espécies, com algumas em diferentes níveis de ameaça. (principalmente se usado o CEF) • Uma espécie ameaçada pode ser na verdade várias espécies (CEF), algumas em estados mais críticos de ameaça. Isso “aumentaria” o tamanho do problema → mais taxa ameaçados Identificar corretamente espécies pode afetar: • A compreensão de padrões de fluxo gênico dentre e entre as “espécies”: – Populações que pareciam se cruzar (CEB), na verdade podem estar reprodutivamente isoladas (CEF). – Ou em processo de especiação. Identificar corretamente espécies pode afetar: • A demografia das “espécies”: – As estimativas de tamanho e crescimento populacional. • (CEB – pop. maiores) X (CEF – pop. menores) – As estimativas de populações mínimas viáveis. – As estimativas de área de vida. – O monitoramento de tendências. Identificar corretamente espécies pode afetar: • As decisões de conservação em cativeiro (ex- situ): – Reintrodução de exemplares pertencentes à “espécies” distintas • Reintrodução de ind. CEF em uma única pop. • Fracasso de programas de reprodução em cativeiro • Tentativa de cruzamento ind. CEF em uma pop. CEB – Geração não-planejada de híbridos – Depressão genética Identificar corretamente espécies pode afetar: ≠ • A criação e o design de unidades de conservação: – Espécies crípticas e endêmicas podem requerer a proteção imediata de sua distribuição. • CEF requeriria mais UCs – Se o objetivo for proteger linhagens evolutivas, a localização e o desenho das áreas protegidas atuais poderia ser bastante diferente. Identificar corretamente espécies podeafetar: • O estudo de interações ecológicas e a estrutura de comunidades e ecosistemas: –O fluxo de matéria e energia –As redes de relações tróficas (ex. predação, parasitismo) –A dependência sobre uma única espécie Identificar corretamente espécies pode afetar: • Considerações legais e comerciais: – Listas de Espécies Ameaçadas, Endangered Species Act nos EUA. – 33.000 espécies na CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção) – Delimitação de cotas de pesca e caça – Estudos de Impacto Ambiental e a suspensão de obras – Acesso científico (coletas, SisBio) – Acesso ao patrimônio genético Identificar corretamente espécies pode afetar: • A análise histórica e o ensino destas unidades chamadas de espécies. – Necessidade de revisão do conhecimento atual (Quanto realmente sabemos sobre a diversidade de formas de vida no planeta?). – Necessidade de revisão da maneira como ele é ensinado. (O CBE tem lacunas e não se aplica a vários casos. Mesmo assim devemos usá-lo?) – Conceitos amplamente difundidos podem precisar de revisão (ex. espécies generalistas e especialistas) Identificar corretamente espécies pode afetar: O conceito de espécie • Embora seja um termo vago e ambíguo… • Embora os limites que definem uma espécie sejam difícieis de serem claramente definidos… • Embora não haja um termo universalmente aceito… • Mesmo assim, o conceito de biodiversidade está muito associado à “entidade” espécie. Mesmo assim usamos espécies… • O sistema adotado é focado em espécies: nomenclatura, sistemática e taxonomia. (ex. Homo sapiens, Mammalia, Phyllostomidae) • Grandes esforços conservacionistas são focados em espécies: mico-leão-dourado, ararinha azul, panda, guepardo, baleia azul… (entretanto, principalmente vertebrados, e especialmente grandes mamíferos e aves) • A lesgislação ambiental mundial utiliza amplamente espécies: 33.000 espécies de plantas e animais estão incluídas nos Apêndices da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção) Na CITES consta a espécie Aniba rosaeodora (pau rosa) Mas não diz se a população do Amazonas está mais ou menos ameaçada do que a população do Pará ou Amapá. Ok. Se vamos usar espécies, qual conceito usar? • As estimativas atuais são baseadas em CBE. • Pessoas comuns tem uma vaga idéia do que é uma espécie biológica (“tipo”, “raça”, “qualidade”, “variedade”) • Elas conseguem associar o conceito de espécie biológica com biodiversidade, e entendem que espécies biológicas estão sendo extintas = suporte público para a conservação • Espécie biológica é, na prática, mais “paupável”: • “Precisamos conservar o mico leão dourado”. • “Precisamos conservar a linhagem evolutiva que deu origem aos primatas do táxon Leontopithecus rosalia, e que ocupa uma zona adaptativa específica do Estado do Rio de Janeiro”. Dillon & Fjeldså (2005) Ecography 28(5): 682 1572 spp. biológicas 2098 spp. filogenéticas … os padrões de endemismo e de diversidade foram pouco afetados. Faz diferença o conceito usado? Algumas vezes não… Algumas vezes sim… • Pfenninger & Schwenk. 2007. BMC Evolutionary Biology 7:121. –2.207 registros de descobertas de espécies crípticasentre 1978 e 2006. • Diversas implicações, desde econômicas até estratégias conservacionistas equivocadas. Faz diferença o conceito usado? Ceballos & Ehrlich, 2008. PNAS 106(10) De 1993 a 2008: 408 novas spp. mamíf. 60% são crípticas Várias já estão ameaçadas Faz diferença o conceito usado? Algumas vezes sim! Metade do séc. XIX: 2 spp. de arraia, Dipturus intermedia e D. flossada, ampla distribuição no Mediterrâneo e Atlântico Norte. 1926: publicado artigo que agrupa as 2 spp. em apenas 1 sp. → D. batis. D. batis é amplamente pescada até o colapso dos estoques. 2006: Estudos genéticos apontam o erro: constatação de que D. intermedia é uma espécie, é mais rara e encontra-se em estado crítico de conservação. Faz diferença o conceito usado? Algumas vezes sim! Camarão sete barbas (Xiphopenaeus kroyeri) “Espécie” com ampla distribuição geográfica, no Pacífico e Atlântico, desde a costa dos EUA até o sul do Brasil. Amplamente pescada e importante produto comercial. Estudos recentes: são 3 spp. geneticamente distintas (1 no Pacífico, 2 no Atlântico), mas morfologicamente iguais. Qual o status de conservação das populações destas 3 spp.? Faz diferença o conceito usado? Algumas vezes muita! Lobo vermelho (Canis lupus rufus), “espécie” extinta na natureza desde 1980. Programa de reintrodução de 150 exemplares oriundos de cativeiro na Carolina do Norte em 1987. Grandes esforços políticos e conservacionistas para a manutenção de uma população hoje estimada em menos de 100 indivíduos. Batalhas judiciais e grande investimento de recursos. Caracteres morfológicos → 1 sp. distinta = Protegida pelo ESA. Caracteres genéticos → um híbrido = Perda de recursos oficiais e cessar o programa de reintrodução. Conservar ou não?? E então?! O quê conservar? • A variabilidade e a plasticidade! • As populações… – Uma espécie pode continuar existindo com um único indíviduo. Entretanto, esta espécie está condenada à extinção. – Conservando populações desta espécie, busca-se garantir a perpetuação de seu pool genético, sua plasticidade e sua adaptabilidade. – Estamos perdendo muito mais populações do que espécies. Ou seja, estamos perdendo variabilidade = erosão genética. (ex. variedades selvagens de plantas usadas na agricultura) Ótimo! Populações! Mas… Quantas populações existem aqui?? Quantas populações já foram perdidas aqui? E aqui? É quase impossível precisar… Ótimo! Populações! Mas… • Faz sentido conservar populações se elas não tiverem o habitat em que vivem? • Faz sentido conservar populações ameaçadas se elas não tiverem as demais populações das quais dependem? • E as nossas lacunas de conhecimento sobre as relações ecológicas entre populações? • Quais populações conservar? Quantas populações conservar? Conclusões… • O uso de espécies é útil, pois a perda de espécies é mais óbvia, quantificável e tem mais apelo junto ao público. • Entretanto, uma estratégia baseada em espécies é mais vulnerável: • Estimativas de 5 a 100 milhões de espécies = impossível conservar cada uma caso a caso. • Há o problema da cobertura da variabilidade necessária. • A percepção de que uma espécie é responsável pela suspensão de uma obra é muito criticada. • Ex. real: UHE Santo Antônio no Rio Madeira, os bagres e Lula – "Agora não pode por causa do bagre. Jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?“ • Não é um bagre presidente! São 463 espécies de peixes, suas populações e um ecossistema inteiro de cachoeiras. • A conservação de populações é mais desejável, pois engloba a diversidade inter e intra-específica. • Entretanto, mesmo esta estratégia, pode falhar: • Incertezas no tamanho, número e relações das populações • Dependência dos habitats e ecosistemas para estas populações sobreviverem. Conclusões… • O verdadeiro foco da conservação deveria ser os habitats e ecosistemas. • Espécies e populações são parte dos ecossistemas e deles dependem. • Este nível de conservação atende aos serviços de ecossistema • Entretanto, conservar ecossistemas é mais trabalhoso, requer áreas maiores (cada vez mais escassas), mais recursos financeiros e pode contar com menor apoio público. Conclusões… Proposta de criação do P.N. Altos da Mantiqueira
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