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Resenha 02 - Questões Críticas de Direitos Humanos na ONU

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Faculdade Integrada do Recife
Relações Internacionais
Direito Internacional Humanitário
QUESTÕES CRÍTICAS DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NAS NAÇÕES UNIDAS
Aluna: Flávia Salazar Sousa
Matrícula: 200801443663
Professor: Rodrigo B. de Albuquerque
Recife, 2012
GHISLENI, A. P. Direitos humanos e segurança internacional: o tratamento dos temas de direitos humanos no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. Capítulos 4 e 5.
A consolidação da auto expansão competencial do Conselho de Segurança da ONU deu-se não apenas por força de precedentes pontuais, mas principalmente em função da consagração do sofrimento humano como tema diretamente relacionado à ameaça à paz e à segurança internacionais.
As resoluções temáticas são instrumentos através dos quais o Conselho agrupa recomendações ou decisões em função de elementos em comum a mais de uma controvérsia ou ameaça à paz. A partir de 1998, começou-se a observar um crescimento exponencial no número absoluto de resoluções temáticas aprovadas, assim como o aumento da referência a questões de direitos humanos nesses instrumentos.
Segundo Ghisleni, dentre os temas tratados pelo CSNU nessas resoluções, destacam-se três: a proteção de civis em conflitos armados, os direitos humanos de crianças nos conflitos armados, e a questão de gênero no contexto da paz e da segurança.
O reconhecimento da necessidade da proteção de civis em conflitos armados teve como principal consequência a consagração da ampliação competencial do Conselho de Segurança, uma vez que afirmava definitivamente a correlação entre temas de segurança com os de direitos humanos e de direitos humanitários. O CSNU adotou esse posicionamento partindo do princípio de que as mazelas humanas não são apenas decorrências dos conflitos armados, mas, muitas vezes, sua própria causa.
Esta constatação é pertinente principalmente quando se leva em consideração os conflitos internos dos países do continente africano, que, não obstante muitas vezes tenham fundo político e de âmbito nacional, em grande parte fundamentam-se na disputas internas por recursos naturais escassos, como terras para cultivo e pastoreio ou até mesmo água.
Uma vez consagrada a competência do Conselho no que tange às crises humanitárias, sua atenção voltou-se principalmente para os grupos sociais afetados pelas guerras, em especial as crianças e as mulheres. Sua atuação aqui não se limitou à exortação do repúdio ao envolvimento desses grupos nos conflitos, mas consistiu num caráter prescritivo, com a imposição de normas de condutas e também com o estabelecimento de sistemas de monitoramento de seu cumprimento.
Quanto à análise dos motivos que teriam levado o CSNU a tratar desses assuntos, o autor cita Thomas Weiss, para quem a incorporação dos temas de direitos humanos à agenda do Conselho seria resultado das breves oportunidades de convergência dos interesses humanitários e estratégicos. A inconsistência da atuação desse órgão nas questões humanitárias, por outro lado, indica, segundo Ghisleni, que os interesses estratégicos ainda mantem o maior peso nas suas decisões, favorecendo a não intervenção.
Não obstante a relativa incipiência da atuação do Conselho em relação às questões humanitárias, é preciso reconhecer que ela vem crescendo significativamente, e isso pode ser atribuído a três principais agentes motivadores: à Secretaria da ONU, a organizações civis (em especial as ONGs) e aos próprios Estados Membros. Explica Ghisleni que o recurso desses agentes ao Conselho de Segurança tem em vista os instrumentos que apenas a este órgão foram concedidos pela Carta da ONU, e tem em comum o fato de se fundamentarem em interesses permanentes dos principais atores de trabalho no CSNU.
É preciso ter em mente, todavia, que a escolha pelo Conselho de Segurança resulta muitas vezes em uma limitação das questões que, originalmente, mereceriam uma especial atenção das Nações Unidas. Isso porque o sucesso da demanda está diretamente ligado à sua convergência com os interesses dos países membros do Conselho, em especial dos P-5, de modo que todas as medidas ou questões que forem de encontro a esses interesses não serão respaldadas pelo aludido órgão.
A expansão das competências do Conselho de Segurança, por sua vez, pode ser observada em todas as suas modalidades de atuação.
Na modalidade preventiva, observa-se a relevância atribuída ao sofrimento humano como fator motivador de conflitos. O autor chama a atenção aqui para o enraizamento na prática do Conselho da transmissão de informações na área de direitos humanos entre os diferentes órgãos da ONU, no sentido de se manter informado acerca de violações graves a esses direitos, assim como de situações potenciais de conflito que surjam a partir de disputas étnicas, religiosas ou relacionadas à pobreza nas regiões já incorporadas à sua agenda.
Por outro lado, a influência das resoluções temáticas é notável no tocante ao estabelecimento e à manutenção da paz, tanto do ponto de vista das normas de conduta impostas às partes em conflito, como no que se refere ao monitoramento de sua implementação.
Assim, dá especial atenção o Conselho à proteção das crianças durante os conflitos armados, ameaçando o uso de sanções aos grupos que desrespeitarem seus direitos humanos, inclusive pelo recrutamento e uso das crianças em hostilidades. Também quando das negociações de paz, exige o CSNU a observância pelas partes de normas que visem à proteção e ao bem-estar das crianças, assim como garantam a incorporação da perspectiva de gênero nos estágios de manutenção e consolidação da paz.
Um fato também observado por Ghisleni é que a atuação do Conselho de Segurança, quando da manutenção e da consolidação da paz, volta-se principalmente para a construção de um Estado de Direito, dando maior ênfase aos direitos civis e políticos, em detrimento dos direitos sociais e culturais. Sem olvidar a importância que a instituição de governos democráticos pode ter para a manutenção da paz, como bem defende a corrente do liberalismo republicano, é preciso reconhecer que ela, na maioria das vezes, não corresponde nem às carências históricas mais prementes da sociedade vítima do conflito, nem às demandas das partes conflitantes. É neste sentido que já surge uma pressão por parte de diferentes atores na modificação da linha de atuação do Conselho, a fim de que seja mais flexível e adaptável às diferentes realidades locais.
Outra crítica pertinente diz respeito à própria atuação do Conselho no estágio de consolidação da paz. Essa fase corresponde ao tratamento das causas profundas do conflito, visando a um desenvolvimento do país a longo prazo. Dada a própria natureza das causas profundas de um conflito, as medidas compreendidas nesta fase tendem a ser de longa duração e a exigir constante monitoramento e envolvimento, que não são possíveis por parte do Conselho. Ademais, seu envolvimento em questões internas por um tempo indeterminado acaba por caracterizar uma espécie de tutela informal sobre países soberanos, como bem observa Ghisleni.
É de se reconhecer, portanto, que a atuação do CSNU em matéria de direitos humanos apresenta muitas deficiências e incongruências, principalmente quando se leva em consideração os interesses dos países que integram este órgão. No entanto, o constante recurso de diversos atores ao Conselho demonstra, por outro lado, a insatisfação geral com a atuação tradicional da ONU em relação à matéria, e a necessidade de se encontrar outros meios que façam valer as demandas de direitos humanos no cenário internacional.

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